como orientadora de mundo, colocando à disposição do professor a noção de condução
espiritual de seus alunos. Ancorada no sentimento de pertença cósmica ou de cidadania
universal, a pedagogia, como orientação de mundo, pode inserir seu desafio de formação de professores no domínio mais amplo da formação humana, isto é, para uma ideia de educação voltada para o desenvolvimento de todas as capacidades humanas. Filosofia e Educação: forma de vida e orientação de mundo 1. O enfraquecimento atual da filosofia da educação Claudio A. Dalbosco – UPF/CNPq A situação curricular atual dos cursos superiores de formação de professores – as licenciaturas – caracteriza-se pela diminuição visível da presença da filosofia da educação. Este fato constata-se também no próprio curso de pedagogia, um tradicional Introdução aliado dos “fundamentos da educação” e, sobretudo, da filosofia da educação. Saber as No presente capítulo procuro pensar o aspecto formativo da filosofia da razões que explicam o enfraquecimento progressivo da filosofia da educação e qual a educação como forma de reatualização de seu sentido no cenário educacional brasileiro importância deste acontecimento são questões que deveriam interessar não só os atual, marcado pela preocupação imediatista com a formação de professores. Considero diretamente atingidos pelas transformações acima referidas, senão também os que tal preocupação insere-se no âmbito da profissionalização especializada, a qual educadores em geral, sobretudo, aqueles que estão preocupados com o futuro da ocupa cada vez mais espaço na educação superior. A profissionalização especializada se formação abrangente das novas gerações. Não é que a filosofia da educação tenha o baseia no manuseio técnico do saber específico que constitui determinada área do poder reflexivo de oferecer sozinha o núcleo de uma educação abrangente, mas conhecimento humano e que está na base de uma ou mais profissões. O núcleo desta dialogando com a tradição pode contribuir interdisciplinarmente para tornar vivos na formação especializada consiste em dotar o estudante (futuro profissional) de formação das novas gerações aspectos esquecidos da grande tradição humanista e pós- competências e habilidades que o tornem competente para o seu exercício profissional. humanista. De outra parte, a ausência visível da filosofia da educação também no Contraponho a tal profissionalização a noção de filosofia como forma de vida e a âmbito das pesquisas educacionais brasileiras, principalmente nas pesquisas voltadas à educação como orientação de mundo. Forma de vida e orientação de mundo são duas formação de professores, é um dos principais fatores responsáveis pela fragilidade noções-chave que resultam do esforço de atualização do diálogo entre filosofia e teórica do campo educacional (DALBOSCO; MÜHL, 2020, p. 251-277). educação. Desenvolvo minhas reflexões em três passos. No primeiro passo apresento breve No que se refere especificamente às razões que estão na base da redução diagnóstico de época, investigando os motivos que justificam o enfraquecimento da progressiva da presença da filosofia da educação na formação de professores, elas são filosofia da educação no cenário educacional brasileiro, especialmente nos cursos de de dupla procedência, de ordem interna e externa. A ordem interna refere-se àquilo que formação de professores. Concentro-me em dois motivos, um de natureza externa, é de responsabilidade da própria filosofia da educação e de seus investigadores. Neste relacionado à tendência mundial, mercantil e tecnicista, assumida pela educação âmbito há, primeiramente, o problema de constituição do campo da filosofia da superior. O outro motivo, de natureza interna, está relacionado à redução progressiva da educação que, como saber de fronteira, transforma-se na maioria das vezes em um pedagogia ao curso de formação de professores, cuja finalidade maior consiste em território sem pátria, não sendo por isso reconhecido pela filosofia e nem pela própria capacitar os estudantes a dominar e manusear competências e habilidades. pedagogia. No segundo passo, apoiando-me em Pierre Hadot e Michel Foucault, me ocupo Houve, neste contexto, por um lado, a dificuldade e lentidão da própria filosofia com a noção de filosofia como forma de vida. Embora existam diferenças visíveis e da educação no sentido de mover-se do solo metafísico tradicional, ontoteológico, no pontuais no modo como estes dois autores interpretam a filosofia antiga, ambos qual se encontrava, para novas formas de ontologia. Ao assumir tais formas a filosofia coincidem na ênfase que dão à noção de ascese, opondo-a à concepção de filosofia da educação poderia então pensar o problema da formação humana de modo mais como sistema. O núcleo da filosofia como forma de vida repousa, no contexto do atualizado, não mais prisioneira da metafísica substancialista antiga ou subjetivista estoicismo da Era do Alto Império Romano, na transformação da noção de cuidado de si moderna. Por outro lado, quando a filosofia da educação, impulsionada por motivos de em diferentes práticas de si ou exercícios permanentes que o sujeito precisa fazer sobre pensamento pós-humanistas, decidiu abandonar a tradição ontoteológica, o fez em si mesmo visando sua própria subjetivação ética. No curso ministrado por Foucault no muitos casos movida pelo adeus apressado à razão e, ao abrir mão do questionamento Collège de France em 1982, intitulado A Hermenêutica do sujeito, que é um dos textos sobre o papel dos fundamentos, renunciou também, equivocadamente, à pergunta pelo de minha referência de fundo aqui, o autor problematiza, primeiramente, o sentido do sentido da ação humana e do próprio mundo. cuidado de si no diálogo Alcibíades de Platão e, na sequência, o exercício de si em uma Este duplo fator, o adeus apressado à razão e a recusa a qualquer pretensão de variedade de autores e textos do estoicismo antigo, destacando-se entre eles as Carta a fundamentação, jogou a filosofia da educação no terreno movediço do relativismo Lucílio de Lúcio Aneu Sêneca. Portanto, cuidado de si e exercício de si são duas radical, recusando-se a perguntar pelo sentido e validade da base normativa da teoria. noções-chave que abrangem séculos de reflexão e definem a filosofia como forma de Ora, sem a pretensão normativa provinda em parte do diálogo crítico com a tradição, a vida e a educação formadora como orientação de mundo. filosofia da educação enfraquece sua capacidade reflexiva, diluindo o próprio conceito Por fim, no terceiro e último passo, concentro-me na concepção de educação de formação em narrativas de histórias individuais de vida. Com isso, a própria noção como orientação de mundo. Este novo sentido de educação brota de seu diálogo com a de formação é reduzida à pesquisa autobiográfica. filosofia como forma de vida, herdando, principalmente de sua reinterpretação da noção Do ponto de vista externo, o enfraquecimento da filosofia da educação deve-se, estoica de pertença cósmica, a preocupação com a formação humana. A retomada da por um lado, à tendência mundial cada vez mais economicista e tecnicista assumida pela ideia de formação humana permite à educação transformada em pedagogia romper, na educação superior no mundo contemporâneo, encurtando o espaço das humanidades nos atualidade, com a formação de professores restrita ao saber especializado, dominado currículos universitários, inclusive, naqueles diretamente relacionados à formação de pela linguagem das competências e habilidades. Isso se torna possível porque na professores. Por outro lado, este movimento mais amplo de mercantilização da tradição filosófico-pedagógica antiga a própria pedagogia, entendida como psicagogia, educação repercutiu, especificamente no âmbito da pedagogia, na sua diluição não se ocupava exclusivamente com dotar os educandos de aptidões (competências e progressiva, no caso brasileiro, em curso de formação de professores, o qual passou a habilidades) mas sim inseri-los em determinados exercícios práticos que ser entendido, cada vez mais, na perspectiva didaticista de domínio de técnicas de proporcionassem sua transformação enquanto sujeitos educacionais. Foi justamente isso aprendizagem, dominadas pela linguagem das competências e habilidades. Neste que procuramos investigar nos três primeiros capítulos do livro, nos quais contexto, o professor passou a ser considerando como gestor de competências problematizamos o vínculo entre ascese, instructio e formação como preparação. distanciando-se daquela noção clássica de diretor espiritual (VEIGA-NETO, 2013, O ponto nuclear do presente capítulo, que cruza os três passos, consiste em p.51). afirmar que a dimensão formativa da filosofia, que interessa propriamente à educação A consequência disso é que a pergunta mais ampla pela formação do pedagogo transformada em pedagogia, repousa na noção de forma de vida alicerçada no exercício enquanto orientador de mundo e diretor espiritual reduziu-se a questão de como formar de si (saber ascético), pois é com base em tal noção que a pedagogia pode se conceber professor para desenvolver em seus alunos competências e habilidades, certamente,
Página 1 de 15 Página 2 de 15 àquelas que são de maior interesse para o mercado de trabalho. O prejuízo disso à estudante no pensamento filosófico. Esta preocupação formativa, de introduzir pedagogia é imenso, pois fez com que ela perdesse, no bojo desta transformação, sua adequada e progressivamente o aluno no estudo da filosofia acentua-se nas escolas dimensão prática, no sentido ético, de preocupação com a orientação de mundo tanto filosóficas posteriores, especialmente nas tradições epicuristas e estoicas. Ora, quando a dos professores em exercício como dos futuros docentes. Para poder inserir-se nesta preocupação imediata é formativa, então a perspectiva metodológica também precisa ser nova onda da formação de professores, boa parte da filosofia da educação que ainda outra: “o método não consiste na exposição de um sistema, mas sim em oferecer restou teve de abrir mão de sua perspectiva crítica, outrora diretamente relacionada à respostas concretas a questões concretas e bem delimitadas” (HADOT, 2006, p. 54). pretensão de ser orientadora de mundo. Precisou assumir, no contexto atual, um novo Trata-se, aqui, não de buscar o princípio de fundamentação última que possa papel, a saber, de ser fonte legitimadora da formação de professores, oferecendo-lhe o esclarecer “aquilo que é enquanto é”, busca na qual o pensamento está envolto consigo conteúdo condizente ao domínio das técnicas de aprendizagem. Esta redução da mesmo, de um aneira especulativa, sem necessariamente exigir a relação do pensador pedagogia ao domínio de técnicas de aprendizagem ocorre, portanto, no contexto mais com os outros. Porém, quando se trata de introduzir o iniciante na atividade do amplo da própria redução da educação à aprendizagem e à linguagem das competências pensamento, o filósofo educador experiente encontra o “jeito pedagógico” para fazê-lo. e habilidades a ela subjacente (BIESTA, 2013 e 2021). A consequência disso é que de O filósofo precisa até mesmo simular ironicamente, como faz Sócrates, para atingir a diretor espiritual com o propósito de preparar os alunos para sua inserção crítica e profundidade de algo que não pode ser justificado pelo apelo imediato ao ato de dar autônoma no mundo, o professor passa a ser um gestor de competências, principalmente razões, que emana do saber contemplativo. Em síntese, quando se trata da formação daquelas competências que interessam mais a determinadas profissões demandadas pelo filosófica inicial, Sócrates mostra que o mestre precisa revelar-se inferior ao que ele mercado de trabalho. realmente é e, descendo ao nível de seu discípulo, simular dar-lhe razão para poder O contexto traçado acima em linhas gerais contribuiu para que a filosofia da chegar até ele, ouvir sua fala e iniciar o processo formativo de trabalho sobre o educação relegasse ao esquecimento sua pergunta originária, a saber, sobre o sentido da conteúdo da fala revelada pelo seu discípulo. Ou, como faz Sêneca em relação a Lucílio, formação humana expressada na pergunta pelo sentido da própria existência humana, na própria esteira socrática, o apelo a metáforas torna-se decisivo para tratar de questões vendo com isso seu papel reduzido à linguagem das técnicas de aprendizagem que filosóficas referidas ao sentido da existência humana ou ao problema da morte e sobre o dominam a questão da formação docente. Coloca-se, como desafio à filosofia da papel que a natureza ou o cosmos desempenham na busca por tal sentido. Sendo assim, educação, neste contexto, a reinterpretação do sentido originário tanto de filosofia como como vimos no segundo capítulo, a metáfora desempenha, como no caso da armadura, de pedagogia, uma vez que tal sentido foi sufocado historicamente pela tendência uma dimensão formativa e esclarecedora importante. dominante da profissionalização especializada. Contudo, tal reinterpretação precisa O que se tem em mente aqui, do ponto de vista formativo, é que o mestre precisa evitar um duplo risco: por um lado, de querer transpor as ideias antigas ao contexto percorrer ele mesmo todo o caminho pedagógico com seu discípulo, fazendo concessões atual; por outro, buscar simplesmente invalidá-las com base exclusiva nas questões da momentâneas para poder dar um passo adiante no processo formativo de ambos. No atualidade, provindas sobretudo do aligeiramento da formação segundo a perspectiva da caso de Sócrates, como sabemos, o diálogo na forma de pergunta é que se torna a força economia neoliberal. Portanto, a questão pertinente de uma filosofia da educação motriz do caminho formativo percorrido em parceria estreita pelo mestre com seus atualizada pode ser formulada nos seguintes termos: em que sentido ainda é possível discípulos. Sócrates tem clareza, neste sentido, do caráter de abertura que é inerente à pensá-la como forma de vida e como orientação de mundo? O que significa mais pergunta franca e honesta, pois ela conduz à escuta silenciosa como condição do propriamente forma de vida e orientação de mundo? O tratamento destas duas questões reconhecimento recíproco entre mestre e discípulo, entre educador e educando. Ouvindo remete ao diálogo com a tradição filosófico-pedagógica passada. atentamente um ao outro, educador e educando abrem-se ao sentido provocador inerente ao diálogo e, ao fazer isso, transformam-se mutuamente. Plenamente inserido nesta tradição, Sêneca transforma a parresía socrática em libertas, pois enquanto mestre 2. Filosofia como forma de vida pedagogo está convicto de que é sua fala franca - sem a artificialidade da retórica -, que Considerando o diagnóstico feito brevemente acima, voltamo-nos agora ao lhe dará a força educativa para inserir progressivamente seu discípulo no universo das sentido da filosofia como forma de vida e, conectado com este tema, no tópico seguinte, questões filosóficas. à noção de educação transformada em pedagogia como orientadora de mundo. Com O segundo aspecto da passagem acima citada refere-se à ideia de que, sendo um estes dois últimos passos de nossa reflexão pretendemos reforçar ainda mais o vínculo método de formação, a filosofia conduz a uma nova maneira de ver o mundo. Em que estreito e cooriginário entre filosofia e educação, uma vez que o sentido de uma só se consiste esta nova maneira de ver o mundo? Certamente não é mais aquela vinculada às deixa compreender pela sua relação com a outra. Pois, quando voltamos nosso olhar crenças seguras e dogmáticas que o discípulo traz consigo ao travar relação com seu para o contexto antigo, tanto na Paidéia grega como na Humanitas latina o vínculo entre mestre. Aqui se mostra justamente a primeira e indispensável tarefa da filosofia como filosofia e pedagogia era muito estreito, podendo-se dizer que uma não existia sem a formação de uma nova maneira de pensar, a saber, de colocar em xeque, questionando, a outra. Neste sentido, é o vínculo estreito dado pelas noções de forma de vida e ignorância dogmática inerente à doxa ou, denominada mais tarde, já no contexto latino, orientação de mundo que possibilita pensar a formação humana como núcleo de stultitia,que caracteriza a maneira inicial de pensar do discípulo e de todo o ser constitutivo da filosofia da educação. humano em geral. A nova maneira de pensar propiciada pela formação filosófica Na Antiguidade greco-latina, se encontra não só a noção de filosofia como saber caracteriza-se então pelo ver e julgar vagarosos e pelo agir prudente, visando o bem, e contemplativo, mas também como forma de vida. Pierre Hadot é um dos pensadores não mais movida pelo espontaneísmo da consciência dogmática que conduz ao atuais que melhor investigou esta temática, deixando clara a ideia do quão forte e imediatismo da ação deixando-se orientar por evidencias não questionadas. Filosofia intensa era a noção de filosofia como forma de vida e o quanto ela se diferenciava da como forma de vida implica. Formativamente, significa o autoexame permanente das filosofia como sistema ou como ensino doutrinário. Assim afirma o referido autor, em evidências imediatas tomadas como certas pela consciência estulta. um de seus textos: “A filosofia nos aparece então originalmente não já como elaboração Neste contexto, como enfrentar a ignorância dogmática inerente à doxa ou à teórica, senão como método de formação de uma nova maneira de viver e perceber o stultitia é um problema pedagógico de primeira grandeza, ou seja, é a questão mundo, com o intento de transformá-lo” (HADOT, 2006, p. 56). educacional por excelência. A filosofia da educação não pode se constituir como forma Esta breve citação contém vários aspectos relevantes à noção de filosofia como de vida e como orientação de mundo sem enfrentar satisfatoriamente o problema da doxa ou da stultitia, porque seu vínculo com a formação humana exige o trabalho de si forma de vida e, por isso, precisamos interpretá-la com mais detalhes. O primeiro sobre si mesmo que todo o ser humano precisa realizar, desde a fase inicial de sua vida, aspecto refere-se à distinção entre elaboração teórica e método de formação. Pierre a qual está marcada nitidamente pela forma ingênua e dogmática de pensamento. É Hadot está refletindo, na altura do texto de onde extraímos a citação acima, exatamente preciso considerar que a doxa ou a stultitia não é algo exclusivo somente do educando, sobre o sentido formativo inerente às escolas filosóficas antigas, em oposição à pois constitui em grau diferenciado também a concepção de mundo do próprio elaboração teórica de sistemas. Segundo ele, há nitidamente, tanto em Platão como em educador. Ou seja, em certo sentido, todo o ser humano carrega consigo sua doxa ou Aristóteles, uma preocupação com o ensino, ou seja, com a introdução formativa do stultitia, pois ela representa, do ponto de vista formativo, o “ainda não” que cada ser
Página 3 de 15 Página 4 de 15 humano, como um ser inacabado, traz consigo, em sua história, ou seja, em sua quando iniciou a relação pedagógica. Se não ocorrer esta transformação em cada um e trajetória de vida. Certamente, é a consciência deste aspecto inacabado inerente à se cada um não se dispor a transformar a si mesmo, não ocorre processo formativo. Ora, condição humana que faz Sócrates adotar a posição humilde diante do saber e do é precisamente isso que está na origem da Bildung moderna, esta tradição grega, como próprio mundo e que faz Sêneca recusar firmemente o título de sábio. Paidéia, ou seja, como Selbstbildung. Neste contexto, toda a Paidéia é, ao mesmo Por fim, o terceiro e último aspecto da passagem acima se refere à transformação tempo, autoformação e isso significa dizer que se o educando não se dispor a se do mundo. Ao método de formação não importa apenas proporcionar uma nova maneira transformar e o educador não estender a mão amiga para ajudá-lo e, com isso, de ver o mundo, mas sim e talvez mais decisivamente de transformá-lo. O que significa transformar-se a si mesmo, não há educação. Portanto, educação, em seu sentido mais propriamente transformar o mundo? Esta questão entrelaça-se com o sentido da própria profundo, mais genuíno da expressão, é formação como autoformação e transformação filosófica e, como decorrência, com a transformação do si mesmo, do autodeterminação (BIERI, 2012). Este significado de formação como autoformação que sujeito envolvido na transformação filosófica. Com isso está envolto com a questão atravessa séculos e irriga as mais diferentes teorias educacionais tem origem na psicagógica da formação humana, precisamos tratar com mais cuidado do difícil Antiguidade, na tradição greco-romana do cuidado de si e do exercício de si, problema da transformação filosófica do si mesmo. encontrando na conversão greco-latina sua expressão mais significativa. O esclarecimento passa, primeiramente, pela problematização da própria noção Este sentido da transformação filosófica está imbricado com o sentido da de mundo. Tal noção não pode ser referida especificamente nem só ao mundo físico, transformação do si mesmo. Mas, perguntamo-nos, o que significa e como acontece a constituído pelos objetos de nossas percepções sensíveis, e nem só ao mundo social, transformação do si mesmo? Alcança-se, com este questionamento, o núcleo decisivo formado pelos costumes, regras e leis. No sentido hermenêutico, que pressupomos aqui da filosofia como forma de vida: ela só faz sentido enquanto transformação do si e que tem origem precisamente na tradição antiga, mundo é tudo aquilo que é mesmo (do sujeito) e tal transformação depende da presença do outro. Além de Pierre construído e significado simbolicamente pelo ser humano, na companhia com os outros Hadot, também Michel Foucault, em seus últimos cursos ministrados no Collège de em um ambiente social, cultural e natural. Precisamente, mundo é o horizonte de France, considera a transformação do si mesmo como decisivo à concepção de filosofia sentido que brota da abertura da pergunta inerente à condição humana. Tem a ver, como forma de vida. Em A hermenêutica do sujeito ele investiga como o cuidado de si portanto, com a abertura de sentido criada e recriada pela força inquiridora da condição constitui o núcleo do pensamento socrático. Foucault mostra, ao mesmo tempo, as humana, possibilitando emergir, pelo diálogo vivo, formas próprias, inusitadas e profundas transformações que o cuidado de si sofre no desenvolvimento filosófico específicas de vida. Esta noção hermenêutica de mundo pressupõe a noção antiga de posterior, sobretudo, no âmbito do estoicismo romano da Era imperial. Na verdade, é ordenação das coisas e da possiblidade humana de encontrar o seu lugar nesta ordem este desenvolvimento posterior que lhe interessa, pois acredita encontrar aí um modo cósmica. Pressupõe aquele espanto ou assombro originário que moveu e direcionou singular dos exercícios de si (das práticas de si) que é nuclear e atual para pensar o tudo em seu início, permitindo assinalar a tensão inesgotável entre mito e logos. problema da formação ética do sujeito. Nas noções de cuidado de si e exercício de si se Considerando isso, voltamo-nos ao sentido da transformação filosófica. Neste entrecruzam – e esta é nossa hipótese no presente capítulo - a filosofia como forma de contexto, cabe referir outra citação de Pierre Hadot: vida e a pedagogia como orientação de mundo, permitindo derivar deste cruzamento a ideia de formação humana como autotransformação dos sujeitos envolvidos no processo Frente a todas estas formas, a conversão educativo. Portanto, tanto em Sócrates como em Sêneca, tomados como dois modelos filosófica implica separação e ruptura com paradigmáticos de mestre, encontra-se uma ideia de formação como exigência ética de transformação do si mesmo (sujeito), concebida como condição indispensável para que respeito ao cotidiano, ao familiar, a esta atitude ocorra educação em seu sentido abrangente, que possa provocar o desenvolvimento de falsamente “natural” do sentido comum. todas as capacidades humanas. O que gostaríamos de enfatizar, no momento, é que para estes dois autores, tanto Significa uma espécie de retorno ao original, à para Hadot como Foucault, a filosofia como transformação do mundo implica sempre autenticidade, à interioridade, à essencialidade. uma ascese, ou seja, o exercício de si sobre si mesmo. No contexto da filosofia antiga, tanto socrática como estoica, os mais diferentes exercícios espirituais (Hadot) como as Pressupõe um absoluto recomeçar, um novo mais diferentes tecnologias do si (Foucault), pressupõem em seu conjunto o regresso de ponto de partida que transmuta o passado e o si a si mesmo e o trabalho vagaroso, exigente, que o sujeito precisa fazer consigo mesmo. Neste contexto, não há qualquer transformação possível do mundo sem que este porvir (HADOT, 2006, p. 187; grifos nossos). si mesmo coloque-se na situação de ação e busque compreender-se como um sujeito de ação, dispondo-se antes de tudo a transformar a si mesmo. O exemplo modelar desta forma de exercício é encontrado por estes dois autores na tradição greco-romana, Deste modo, encontra-se resumido, nas palavras deste autor, o núcleo da especialmente no estoicismo antigo, no caso de Foucault, especialmente no estoicismo transformação filosófica, que acontece, na antiguidade, em sua forma mais usual, como senequiano. conversão. Ora, a conversão implica sempre a passagem de um estado para outro, a O que está em jogo aqui, sendo decisivo à filosofia como forma de vida, é a ideia saída de uma condição inicial para ingressar numa outra condição, bem diferente da de que nem todas as coisas podem ser resolvidas no âmbito do logos discursivo anterior. No âmbito do processo formativo, o estado inicial é a condição natural do (apofântico), considerado como logos proposicional. Ao contrário, quando se trata de senso comum e o ponto de partida da ação filosófica consiste em como trabalhar com assuntos humanos, e a formação humana é o assunto humano por excelência, a maioria esta condição. Este “como trabalhar” resume o aspecto propriamente formativo da das coisas se põe no terreno da ação, entendida como práxis específica, que além de ser filosofia, ou seja, é a questão pedagógica da filosofia. Torna-se importante, quando está diferente do logos proposicional, não pode ser inteiramente apanhada por ele. Trata-se, em jogo a questão formativa da filosofia, não a exposição sistemática de um ponto ou portanto, de um logos específico – conforme os logoi práticos, tratados no primeiro problema da doutrina, mas sim o trabalho formativo a ser feito com o iniciante à capítulo deste livro - que tem a ver com um sentido específico de verdade, verdade filosofia. O passo seguinte, decisivo, defendido por Hadot, consiste no retorno à como retidão ou veracidade, que considera o sujeito em sua ação, tendo que colocar-se interioridade, implicando tal retorno no recomeço permanente. Portanto, a conversão ele próprio na situação. Ora, é este sentido genuíno de práxis humana, que está no filosófica possui três momentos inseparáveis e insubstituíveis: ruptura com o sentido núcleo da ideia de formação humana, que, segundo pensamos, vem representado pela comum naturalizado; retorno à interioridade e; por fim, o recomeço permanente. A noção de ascese como prática de si, que caracteriza a filosofia enquanto forma de vida. ausência de um destes aspectos certamente compromete a transformação filosófica e, Precisamente neste ponto é que se encontra então o núcleo constitutivo da por conseguinte, a própria dimensão formativa da filosofia. filosofia como forma de vida: preocupar-se com o mundo só faz sentido e só ganha Em síntese, cabe ressaltar que a transformação da filosofia como conversão força, do ponto de vista formativo, se o si mesmo se convencer de que precisa ocupar-se contém algo nuclear à formação humana: para que ocorra educação, para que aconteça o primeiramente consigo, precisa exercitar-se a si mesmo, isto é, precisa cultivar a si processo formativo, é preciso que o sujeito pedagógico saia bem diferente do que era,
Página 5 de 15 Página 6 de 15 mesmo. Mas, este ocupar-se consigo mesmo não pode ocorrer sem a presença do outro. dominação, para o cuidado ético consigo mesmo, considerando-o como base nuclear do Por isso, o cuidado de si implica, do ponto de vista ético, levar a sério o outro. Ora, é querer governar bem os outros. Neste caso, já está explicita a presença do outro na tarefa da filosofia, mas agora já como pedagogia formativa ou como educação vontade de governar de Alcibíades, mas trata-se ainda de uma presença como simples formadora, criar as condições intelectuais e desenvolver a postura formativa adequada objeto de seu desejo, ou seja, atrelada à sua pura vontade ambiciosa de dominação dos para que o si mesmo sinta-se desafiado, na condição de educando, a assumir a outros. O questionamento de Sócrates provoca o retorno ético de Alcibíades a si mesmo, responsabilidade do exercício de si, considerando que tal exercício o leva a tomar a exigindo que rompa com seu sentido comum naturalizado de política, ou seja, exigindo sério a si mesmo, o outro e próprio mundo do qual faz parte. Isso remete, então, à noção que a presença do outro não mais se coloque na perspectiva instrumental, como simples de pedagogia como orientação de mundo. objeto de dominação. Em síntese, evidencia-se como ponto nuclear, na preocupação A noção de pedagogia como orientação de mundo pressupõe que os dois formativa de Sócrates, a importância do retorno dialógico meditativo para si mesmo aspectos subjacentes à exposição abreviada da filosofia como forma de vida sejam como condição da formação ética de si mesmo e dos outros. devidamente justificados: primeiro, que o si mesmo implica sempre a presença do outro; Portanto, Foucault nos mostra que na formação de Alcibíades, pelo trabalho segundo, que o retorno a si mesmo é impulsionado pela questão do bom governo da ético pedagógico de Sócrates, ocorre um movimento tripartite: inicia-se com a presença polis, no caso socrático, e pela pertença à ordem das coisas (razão universal), no caso do instrumentalizada do outro, passando-se pelo questionamento sobre o cuidado autêntico estoicismo romano. Ou seja, está subjacente a estas duas ideias que o retorno a si de si, culminando, finalmente, na nova presença do outro, agora tomada a luz do si mesmo não deve ser visto como uma fuga do mundo na perspectiva da opção egoísta ou mesmo ético, ou seja, do si mesmo que vê no outro uma fonte de reconhecimento solipsista de si. Trata-se, portanto, do retorno a si mediado pela presença do outro e recíproco. O importante, para o tema em questão, é que o si mesmo, em qualquer uma movido pela força inspiradora do olhar abrangente. destas etapas, só pode se constituir pela presença irrecusável do outro. É justamente esta No caso socrático, como nos mostrou Foucault (2004) por meio da interpretação presença do outro que justifica o papel e a importância do mestre na ideia de formação do Alcibíades de Platão, o querer governar os outros remete imediatamente ao humana tanto em Sócrates como também em Sêneca, mas de um mestre que se coloca questionamento sobre quem é o si mesmo (auto to autò) que pretende exercer tal na condição de ser educado pela própria exigência de seu formar parresiástico. Pois, sua governo. Quando o jovem aristocrata Alcibíades, que leva o nome do próprio Diálogo postura formativa baseada na parresía exige dele que se coloque na situação formativa, de Platão, procura Sócrates para que este lhe prepare na arte de governar a cidade, ele o concebendo-se ele próprio como sujeito em formação. faz orientado pela simples vontade de dominar os outros, de exercer o poder dominador No caso do estoicismo romano, encontra-se nele, de maneira mais clara do que sobre os outros. Portanto, Alcibíades apresenta-se com o sentido comum naturalizado da no pensamento socrático anterior, a noção de pertença cósmica como extraordinária aristocracia ateniense da época, de simplesmente querer dominar os outros. O trabalho força mediadora do cuidado autêntico de si consigo mesmo e com o outro. Torna-se formativo de Sócrates, que é desde o início um trabalho ético e político, incide importante, na arquitetônica tripartite do pensamento estoico, entre lógica, ética e física, imediatamente no questionamento sobre a vontade de domínio inerente ao apelo de o estudo da física (contemplação da natureza) na formação autêntica do si mesmo. A Alcibíades, pondo a pergunta fundamental: “governar ou bem governar os outros?” Tal força normativa da contemplação da natureza - que pode aparecer como um escândalo pergunta, como se pode observar, na sequência do Diálogo, desconcerta Alcibíades, aos olhos do homem contemporâneo, herdeiro da especialização fragmentada da ciência arrancando-o do solo naturalizado de seu sentido convencional da política, com sua moderna e de sua obsessão pelo método experimental -, era algo inerente à formação respectiva noção de exercício do poder como forma de dominação dos outros. É o moral do homem antigo. Como o núcleo de tal formação repousa na transformação que questionamento ético do mestre que faz Alcibíades perceber as limitações do sentido o si mesmo precisa sofrer, o ponto de partida consiste na luta contra a escravidão que comum naturalizado de sua concepção política: da posição adequada da pergunta pelo ele mesmo se auto impõe. Portanto, a busca pela liberdade consiste, antes de tudo, na bom governo de si mesmo depende a possibilidade do querer governar bem os outros. resistência à servidão de si mesmo, destacando-se o papel imprescindível que a Brota daí, deste questionamento ético sobre sua própria ação de governo a possibilidade natureza, que o agir de acordo com a natureza desempenha. Este é, reconhecidamente, da vivência cooperativa e solidária, indispensável para dar vínculo ao viver junto na um tema típico de duas obras de Sêneca, das Questões naturais e das Cartas a Lucílio. polis. Para deixar mais claro este papel ético-formativa que a relação do sujeito com a Do ponto de vista textual, há uma passagem de A hermenêutica do sujeito, na natureza pode assumir, recorremos à segunda hora da Aula de 17 de fevereiro de 1982, primeira hora da Aula de 17 de janeiro de 1982, portanto, quase ao final do curso, na na qual Foucault dialoga de perto com os textos de Sêneca. Percorrendo conjunta e qual Foucault resume sua ideia básica sobre o processo formativo de Alcibíades -, contemplativamente a imensidão do mundo e admirando a beleza da natureza, fazemos dizendo que o ocupar-se consigo mesmo significa, ao mesmo tempo, ocupar-se com sua isso não para fugir de nós mesmos e do mundo, mas, ao contrário, para voltarmos a nós alma (interioridade). Assim afirma Foucault (2004, p. 507): “Lembremos que neste mesmos: “Vemos que este grande percurso da natureza servirá, não para nos arrancar do diálogo, no Alcibíades, o que estava em questão, aquilo a que estava consagrado todo o mundo, mas para nos permitir compreender a nós mesmos lá onde estamos” diálogo, - pelo menos toda a sua segunda metade -, era a questão da epiméleia heautoû (FOUCAULT, 2004, p. 338). Não se trata, portanto, como esclarece o autor na mesma (do cuidado de si)”. Portanto, quando o tema é o governo de si como forma de passagem, da fuga para um mundo de sombras e aparências, onde só habita a escuridão, preparação ética para o governo da cidade, e não meramente da vontade de dominação, mas para o mundo onde há luz: “é para medir exatamente a existência perfeitamente a centralidade recai sobre o cuidado de si e não mais sobre o conhecimento de si. Isso real que temos, mas que não passa de uma existência pontual”. Ou seja, contemplamos a marca, claramente, a passagem da dimensão epistemológica (logos epistêmico) para a imensidão do mundo e admiramos a beleza variada das coisas da natureza para dimensão ética (logos prático), do falar neutro e distanciado para o falar de dentro, descobrirmos nossa pequenez e nossas fragilidades diante da imensidão portentosa do comprometido, considerando a finalidade inerente à própria ação. Na continuidade da cosmos. Neste sentido, o saber da natureza nos liberta porque nos conduz à mesma passagem, continua afirmando Foucault: “Sócrates tinha convencido Alcibíades, contemplação de nós mesmos (contemplativo sui), auxiliando-nos para descobrir quem se ele quisesse efetivamente honrar a sua ambição política – a saber, governar seus somos e qual é o lugar que ocupamos na ordem das coisas. E, este duplo movimento, da concidadãos e rivalizar tanto com os espartanos quanto com o rei da Pérsia -, deveria descoberta de si e do lugar que cada um ocupa no mundo, é decisivo para saber o que se primeiramente prestar um pouco de atenção a si mesmo, ocupar-se consigo mesmo, quer. cuidar de si mesmo”. Contudo, o ocupar-se consigo mesmo, o cuidar de si mesmo, tem A ideia fundamental é, portanto, que a natureza desempenha um papel formativo a ver, como vimos nos dois primeiros capítulos deste livro, com o retornar a si mesmo, indispensável: contemplando a natureza e descobrindo os seus segredos, o si mesmo com a fuga para o intimo de sua interioridade, visando formar o domínio de si mesmo. descobre quem ele é e, com isso, é arrancado da servidão voluntária que se impôs a si Por isso, não é uma fuga para o solipsismo, mas sim para o diálogo consigo mesmo, o mesmo ou que lhe é imposto de fora, por outros seres humanos e pela ordem social. qual implica, como vimos, o diálogo com o outro, que no contexto formativo clássico, Deste modo, contemplar a natureza, olhar concentradamente para o universo, auxilia o greco-latino, implica sempre a companhia orientadora do mestre amigo. si mesmo a desenvolver um ponto de vista que percorre todo o mundo e que não pode A posição do questionamento ético leva então do desejo movido pelo sentido ser um ponto de vista parcial, limitado, que foca num só ponto e julga tudo o mais comum “naturalizado” do exercício de poder, entendido como simples vontade de somente a partir deste único ponto. Portanto, a contemplação do conjunto da natureza, e
Página 7 de 15 Página 8 de 15 este é o aspecto mais importante, conduz a contemplação de si mesmo (contemplatio natureza em sua dimensão cósmica que é preciso situar todas as coisas e sui), provocando a transformação de si mesmo e, com isso, abrindo-lhe as portas para acontecimentos. Assim se expressa Marco Aurélio: um olhar abrangente, que possa incluir outros pontos de vista, inclusive, pontos de vista Um imenso e aberto campo se abrirá diante de diferentes do seu. É este percurso profundamente interligado da contemplação da natureza à ti, pois em virtude do pensamento, podes contemplação de si mesmo, exposto por Sêneca na carta 66 das Cartas a Lucílio, que abraçar a totalidade do universo e recorrer a está na base da formação virtuosa da alma. Foucault, parafraseando tal carta, resume a ideia do seguinte modo: “Portanto, a alma virtuosa [l’âme vertueuse] está em sua eternidade temporal, considerando a comunicação com todo o universo, está atenta à contemplação de tudo [attentive à la metamorfose de cada coisa individual, a contemplation de tout] o que constitui os seus acontecimentos, atos, processos. Então, ‘ela se controla a si mesma tanto em suas ações quanto em seus pensamentos’ brevidade do momento que vai do nascimento [´cogitationibus actionibus que intentus ex aequo’]” (FOUCAULT, 2004, p. 341; 2001, à dissolução, da eternidade que precede o p. 269; grifos nossos). Esclarece-se, com isso, que contemplar o universo em seus acontecimentos é indispensável para que a alma possa dominar suas ações e nascimento, à eternidade que seguirá a sua pensamentos. Com isso, podemos concluir, considerando o que foi exposto nos três dissolução (AURÉLIO apud HADOT, 2006, p. primeiros capítulos do livro, que o diálogo contemplativo com a natureza se torna uma ascética formativa por excelência, ou seja, um exercício formativo genuíno de si, que 122 e 123). conduz ao domínio virtuoso de si. Em Marco Aurélio, outro pensador estoico, o aspecto normativo da física (contemplação da natureza) parece ficar ainda mais evidente. Ele concebe a filosofia Sem desconsiderar as possíveis diferenças existentes entre Sêneca e Marco como forma de vida, sendo suas Meditações, como mostrou Pierre Hadot, nada mais do Aurélio, ambos coincidem na posição de que há uma estreita relação entre a grandeza da que um guia espiritual baseado no pensamento estoico. Nas palavras de Hadot: alma (virtude da alma) e a contemplação meditativa da natureza (cosmos). Do ponto de “Escrevendo suas Meditações, Marco Aurélio pratica, pois, exercícios espirituais vista educacional, isso significa dizer que a formação virtuosa da alma depende da estoicos; quer dizer, que utiliza uma técnica, um procedimento – a escrita -, para meditação permanente da natureza e, para os estoicos, não pode haver formação influenciar a si mesmo, para transformar seu discurso interior através da meditação dos autentica do si mesmo sem sua relação com a ordem das coisas. Em síntese, a escrita dogmas e das regras de vida do estoicismo” (HADOT, 2013, p. 113). Em síntese, em meditativa sobre si mesmo, o relato de si no transcurso de um dia e a contemplação Marco Aurélio, a filosofia assume a forma ascético-meditativa, mas trata-se de uma desinteressada da natureza são exercícios de si (práticas de si) que conduzem ao meditação exercitada por meio da escrita. O exercício frequente da escrita possui o domínio de si. Em síntese, chegamos a conclusão de que não pode haver domínio de si objetivo maior de provocar a transformação do próprio sujeito escritor: enquanto enkratéia) sem ascese, a qual precisa, por sua vez, da instructio, ou seja, da formação escreve, medita sobre quem ele próprio é, o que faz ou deixa de fazer e o que isso concebida como preparação. significa para a relação que mantém consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Procuramos expor acima alguns aspectos da filosofia como forma de vida, nos Precisamente neste sentido é que a escrita se torna o modo ascético privilegiado, como baseando na interpretação que Hadot e Foucault fazem da tradição greco-romana, já vimos, porque enquanto exercício de si possibilita a criação de si, ou seja, a optando por não tratar das possíveis diferenças existentes entre suas concepções de autodescoberta de si mesmo. filosofias; também não nos ocupamos com objeções que lhe são dirigidas sobre o modo Também Foucault retoma Marco Aurélio, na segunda hora da Aula de 27 de como interpretam tal tradição. Também optamos por não fazer, no tópico acima, como janeiro de 1982, citando e analisando em detalhes uma longa carta escrita pelo filósofo não o faremos nos capítulos subsequentes do livro, a interpretação exegética meticulosa imperador a seu mestre Frontão. O pensador francês encontra nesta carta três formas do texto destes dois autores, retirando deles tão somente as ideias que nos interessam distintas de aplicação do exercício de si: a dietética, referida à saúde e aos detalhes do para pensar o nexo entre ascese, instructio e formação como preparação. Contudo, regime alimentar e higiênico; a econômica, relacionada aos deveres familiares e apesar destes limites, pensamos ter preparado minimamente as bases, com a exposição religiosos, nos quais aparece o modo de vida camponesa ancorado na prática do otium do tópico acima, para tratar, na sequência, ainda neste capítulo, da noção de pedagogia cultivado e; por fim, a erótica, abrangendo elementos concernentes ao amor. Assim como orientação de mundo. resume Foucault (2004, p. 199) sua análise da referida carta: “O corpo, os familiares e a casa, o amor. Dietética, econômica, erótica. Estes são os três grandes domínios em que se atualiza, nesta época, a prática de si, incluindo, como vemos, uma perpétua remissão Pedagogia como orientação de mundo de um ao outro”. Foucault (2004, p. 197) destaca ainda que Marco Aurélio, na carta Procuramos investigar, no tópico anterior, com referência a dois pensadores dirigida ao seu mestre (Frontão), faz um “relato bem meticuloso de um dia, desde o atuais, Pierre Hadot e Michel Foucault, a noção de filosofia como forma de vida. momento do despertar até o do adormecer. É, em suma, o relato de si através do relato Deixamos claro que a ideia de filosofia implica três aspectos bem precisos: a) diz do dia”. respeito à contemplação na ação, a qual exige o cuidado permanente de si consigo Escrever sobre a rotina diária e como o sujeito organiza sua vida nesta rotina, mesmo, orientado por diferentes exercícios espirituais; b) o cuidado de si ou o exercício meditando sobre o espaço livre que lhe sobre e o que faz com este espaço livre, tudo de si só podem ocorrer na presença do outro; c) a relação de si consigo mesmo e com o isso mostra, enfim, que a escrita sobre o dia-a-dia também pode ser o autorrelato de si, outro acontece movida pelo sentimento de pertença ao mundo, ou seja, de pertença à no qual o sujeito se descobre a si mesmo. Tem-se, tanto em Hadot como em Foucault, o ordem das coisas: ninguém pode tornar-se sujeito sem a presença do outro e, a rigor, destaque da escrita como forma genuína de exercício meditativo de si mesmo: quer seja ninguém consegue viver sozinho sem o sentimento de pertença ao mundo. Em síntese, pelo diário ou pela carta, o sujeito se expõe a si mesmo, medita sobre si mesmo e, isso significa dizer que o sentimento de existência brota do cuidado de si mediante a buscando descobrir a si mesmo, alcança a transformação de si, cultivando sua presença dos outros, ambos inseridos na ordem cósmica. Problematizar este vínculo interioridade para poder viver melhor consigo mesmo e com os outros. Em síntese, a entre o si mesmo, o outro e o mundo é algo fundamental à ideia de formação humana e escrita - bem como a escuta, a leitura e a meditação -, é um exercício genuíno de si, que que precisa ser descortinado a todo o ser humano desde sua mais tenra infância. Este conduz ao domínio de si, o qual é condição indispensável para que o sujeito possa vínculo tripartite não era algo exclusivo da filosofia, pois abrangia também a pedagogia, enfrentar qualquer tipo de servidão, seja interna ou externa. cujo conteúdo brotava de seu diálogo com a própria filosofia. De modo geral, quem No caso específico de Marco Aurélio, cabe ainda perguntar em que sentido a conduzia esta reflexão era o filósofo que já imprimia ele mesmo o tom formativo tanto física torna-se uma fonte genuína para a meditação escrita enquanto exercício de para sua conversação oral como para sua própria escrita. transformação de si? Ele, assim como Sêneca, possui clareza que é pela perspectiva da É neste sentido, então, que os três aspectos acima referidos estão na base da
Página 9 de 15 Página 10 de 15 pedagogia como saber espiritual que problematiza a orientação de mundo das novas diferentes práticas de si, das quais a leitura e escrita constituem o núcleo do ócio gerações e define o trabalho de direção espiritual que as gerações mais velhas estudioso que está na origem da pedagogia enquanto skholé ou otium. desenvolvem em relação às gerações mais novas. Como orientação de mundo, esta Do segundo aspecto, vinculado ao primeiro, nasce a postura ética do si mesmo compreensão específica de pedagogia difere tanto daquela que é inerente à filosofia em relação à presença do outro. Um dos aspectos que Foucault mais insiste n’A enquanto saber contemplativo (metafísica), como desta outra definição contemporânea hermenêutica do sujeito é mostrar justamente a importância da presença do outro na de pedagogia compreendida tão somente enquanto formação docente reduzida à própria formação do si mesmo, sendo que este outro assume a forma paradigmática do linguagem das competências e habilidades (pedagogia profissionalizante). O que marca mestre. Deste modo, a relação mestre-discípulo se torna exemplar para pensar a sua diferença, decisivamente, em relação a estas duas outras concepções, de filosofia e formação ética do sujeito e, por conseguinte, a própria formação humana. Neste âmbito, de pedagogia, é o fato de ela não mais ser derivada de um saber técnico especializado, a pedagogia tem a ver com a problematização das condições necessárias para que o mas sim de uma sabedoria que investiga a imersão dos envolvidos no mundo prático, mestre possa exercer seu papel formativo e para que o discípulo, aprendendo com o constituído em seu tríplice significado, o si mesmo, os outros e sua pertença à ordem mestre, possa constituir-se como sujeito. É neste âmbito, como veremos, que a parresía cósmica. Trata-se, portanto, antes de tudo, de uma sabedoria prática que se constitui do lado do mestre e a escuta silenciosa ativa, do lado do discípulo, constituem o âmbito como forma de vida exigente, ou seja, do exercício permanente de si sobre si mesmo na de problematização do saber pedagógico. Como se pode observar, estamos muito longe companhia dos outros, visando a excelência nas ações. Ora, é precisamente enquanto da concepção de pedagogia centrada no ensino das competências e habilidades voltadas sabedoria prática que a pedagogia pode irmanar com a filosofia enquanto forma de vida para o preparo de determinado exercício profissional. O fato decisivo é que tais o mesmo terreno da práxis humana exteriorizada nas mais diferentes práticas de si. questões não se identificam tão somente com as exigências que emergem da escolha e Para esclarecer melhor este vínculo entre sabedoria prática e pedagogia exercício de determinada profissão. formadora, como orientação de mundo, que estamos postulando aqui, recorremos a uma Neste sentido, como indica Hans-Georg Flickinger (2014, p. 97ss), o domínio e passagem da segunda hora da Aula de 10 de março de 1982, na qual Foucault trata, manuseio do saber especializado, das técnicas e normas, são necessários, mas não especificamente, do saber parresiástico do mestre em relação ao discípulo, tomando as suficientes. Além do saber técnico especializado, o profissional precisa ancorar o Cartas a Lucílio de Sêneca como apoio textual principal. Após ter feito a reconstrução exercício de sua profissão naquele tipo de saber que é oriundo de uma longa experiência detalhada do sentido da libertas (parresía) do mestre, tomando como referência a carta vivida, espelhada no saber de experiência de seus próprios professores educadores. É 75 das Cartas a Lucílio – vamos tratar especificamente da libertas do mestre nos por isso que o diálogo crítico com a pedagogia enquanto sabedoria prática e a noção do capítulos posteriores deste livro -, Foucault estabelece a distinção entre pedagogia como mestre parresiástico dela resultante pode auxiliar para problematizar o papel e a formação profissional e a psicagogia como postura de mundo. Tal distinção possui uma importância do professor na atualidade, auxiliando na distinção daquilo que é atualidade impressionante na medida em que permite compreender o dualismo que indispensável à sua tarefa formativa e aquilo que ele precisa aprender a dizer não, pois marca o debate educacional contemporâneo entre pedagogia profissionalizante e não corresponde ao exercício de ser professor. pedagogia formadora. Vejamos, primeiro, o que ele diz sobre pedagogia como dotadora Têm-se, com isso, dois aspectos diretivos da pedagogia, que brotam de seu de aptidões: “Chamemos, se quisermos, ‘pedagógica’ a transmissão de uma verdade que vínculo com a sabedoria prática compreendida como exercício de si: a exigência de tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões, capacidades, saberes, etc., que ele colocar-se na situação, no sentido de que o sujeito precisa exercitar-se permanentemente antes não possuía e que deverá possuir no final desta relação pedagógica” a si mesmo e a postura da inclusão ética do outro na própria ação. Neste contexto, (FOUCAULT, 2004, p. 493). O característico deste tipo de pedagogia é o saber auxiliar para que educador e educando possam refletir sobre o significado ético de levar conteudístico, cuja forma básica é sua transmissão, visando dotar os sujeitos o outro a sério, é um aspecto decisivo da noção de pedagogia como orientação de educacionais (professores e alunos) do conhecimento que ainda não possuem. O foco mundo. Ora, é este questionamento sobre si mesmo e sua relação com o outro que leva a recai na transmissão do conhecimento, sendo que a postura formativa inerente à pensar o sentido da própria profissão, uma vez que esta obviamente não se reduz ao construção do saber é quase irrelevante. simples manuseio do saber técnico especializado. Também são estas duas referências Contudo, tal postura é precisamente o interessa maior da psicagogia, a qual é que auxiliam o profissional, no caso o pedagogo, a reconstruir sua experiência vivida definida por Foucault, na continuidade da mesma passagem, como “transmissão de uma numa perspectiva ética e colocá-la na base do exercício de sua profissão. verdade que não tem por função dotar o sujeito qualquer de aptidões, etc., mas Contudo, a noção de pedagogia como orientação de mundo deixa-se modificar o modo de ser do sujeito a quem nos endereçamos”. Enquanto na primeira a compreender, de maneira ainda mais aprofundada, em analogia com o terceiro aspecto verdade é estritamente disciplinar, que visa dotar o sujeito, por meio de conteúdos, de acima aludido, isto é, com a noção estoica de pertença cósmica. Neste sentido, antes de competências e habilidades (aptidões), a verdade da pedagogia como psicagogia volta- ser teoria dos saberes docentes especializados, a pedagogia é uma forma de vida que, se para a postura do sujeito, isto é, para os exercícios de si (práticas de si) que provocam enquanto exercício de si sobre si mesmo, pergunta pelo sentido da existência humana e sua própria transformação. É neste sentido psicagógico antigo, que a pedagogia se do mundo como um todo, pensando os problemas da formação do si mesmo com transforma em orientação de mundo, porque ela toca na ação dos sujeitos educacionais referência a tal pergunta. A noção de pertença cósmica propicia à pedagogia romper (professores e alunos), refletindo sobre a finalidade interna de suas ações, sobre o modo com o exclusivismo do saber profissional especializado e provoca educador e educando como eles as executam. Como orientação de mundo, a pedagogia possui tarefa a construírem um olhar ampliado e abrangente sobre si mesmos e sobre o mundo. Ora, é formativa insubstituível, a saber, de provocar a autorreflexão dos próprios sujeitos na noção estoica de pertença cósmica que se radica, como mostrou recentemente Martha educacionais. E a pedagogia como orientação de mundo consegue fazê-lo por deter seu Nussbaum, o cosmo político (kosmupolitês) da cidadania universal e a concepção de foco nos diferentes exercícios de si, herdados de sua vinculação com a ascética comunidade humana como fonte de nossas obrigações morais (NUSSBAUM, 2014, p. filosófica. 12). Este breve recurso à passagem da aula de Foucault nos auxilia para compreender Este terceiro aspecto é indispensável aos dois anteriores, pois permite que o como a pedagogia se constitui a partir daquele núcleo tripartite acima referido: si saber prático baseado nas experiências vividas tanto do educador como do educando mesmo, o outro e o mundo. De seu vínculo com o si mesmo, primeiro aspecto acima seja reconstruído na perspectiva do olhar dirigido ao todo. Importa salientar que é esta referido, brota a exigência de que a pedagogia pode ser um tipo de saber que provoca perspectiva universalista e cosmopolita pressuposta na noção de pertença cósmica que nos envolvidos a postura ética de se considerar como parte da situação específica e no permite romper com o aspecto dogmatizante do preconceito e com o provincianismo acontecimento em questão, tendo que renunciar a atitude de sempre querer colocar-se egoísta, ambos inerentes à experiência marcante do sujeito neoliberal contemporâneo, apenas de fora, com um ponto de vista neutro, indiferente e descompromissado. Pensada dominado pela perspectiva mercadológica da concorrência, eficiência e lucratividade. nos trilhos do exercício de si, a pedagogia amplia-se para além de um saber meramente Deste modo, referido ao sentimento de pertença cósmica, o saber prático vê-se cognitivo profissionalizante, incluindo em seu campo de abrangência a questão da confrontado com sua própria perspectiva individualista, tendo que reconstruir suas postura e da formação ética dos sujeitos educacionais. Neste âmbito, o sujeito experiências vividas à luz da cidadania universal (cosmopolitismo político) e da educacional é convidado a exercitar-se permanentemente a si mesmo por meio de comunidade humana como fonte da dignidade humana, ambas (comunidade e
Página 11 de 15 Página 12 de 15 cidadania) alicerçadas no reconhecimento recíproco de iguais entre iguais. DALBOSCO, C. A. Condição humana e educação do amor próprio em Jean-Jacques Há várias consequências pedagógicas inerentes a este sentimento de pertença Rousseau. São Paulo: Edições Loyola, 2016. cósmica, ou seja, a este “olhar desde o topo”. Tal sentimento torna possível, como atestou Pierre Hadot, que o ser humano volte a se situar diante da imensidão do DALBOSCO, C. A. Educação e condição humana na sociedade atual. Formação universo, tomando consciência daquilo que é, considerando a fragilidade e o humana, formas de reconhecimento e intersubjetividade de grupo. Curitiba: Appris, inacabamento que constituem sua própria condição. Mas, sobretudo, “tem o efeito de 2021. permitir ao indivíduo ver as coisas desde uma perspectiva universal e depreender-se de seu ponto de vista egoísta” (Hadot, 2009, p. 247). A pedagogia, neste contexto, pensada como orientação de mundo, atribui um sentido ético à escolha da profissão, permitindo DALBOSCO, C. A. Educação e condiçãao humana na sociedade atual. Formação ao profissional elevar-se acima de um projeto de vida individualista, calcado apenas nos humana, formas de reconhec9imento e intersubjetividade de grupo. Curitiba: Appris fins lucrativos que a escolha de uma determina profissão pode render. Deste modo, a Editora, 2021. pedagogia como orientação de mundo torna-se base normativa importante para pensar não só a formação do licenciado (futuro docente), mas também o problema da formação DALBOSCO, C. A. Pesquisa educacional e experiência humana na perspectiva profissional em geral. Em síntese, a formação pedagógica alicerçada na ideia de hermenêutica. In: Cadernos de Pesquisa, v. 44, n. 154, p. 1028-1051, 2014a. orientação de mundo possui a tarefa de despertar em cada profissional especialista o sentimento de um cidadão do mundo pertencente à comunidade humana. Esta dimensão tripartite constitutiva da pedagogia como sabedoria prática DALBOSCO, C. A.; DORO, M. J. Ontologia da formação pós-humanista em Heidegger precisa ter seu início já na educação infantil, perfazendo a trajetória formativa do ser e Foucault. In: ETD – Educação Temática Digital, Campinas/SP, v. 2., n. 1, p. 63-83, humano ainda em seu início, enquanto criança. Por isso, é importante descortinar a 2019. criança diferentes exercícios formativos que a façam perceber sua pertença à humanidade e à ordem das coisas e que de modo algum é um ser isolado e sem contato com as outras pessoas ou sem vínculo com o mundo. Pois a oportunidade de DALBOSCO, C. A.; MÜHL, E. H. Filosofia da educação e pesquisa experiências concretas de convivência solidária com os outros por meio de pequenos educacional: fragilidade teórica na investigação educacional. In: Revista Educação e gestos e o desenvolvimento da sensibilidade cósmica, ou seja, de que pertence a um Filosofia, Uberlândia, v. 34, n. 70, p. 251-277, 2020. universo infinito, torna-a mais humilde e solidária. Pois, tais experiência, na medida em FABRE, M. Existem saberes pedagógicos? In: HOUSSAYE, J. & OUTROS. Manifesto que auxiliam no seu descentramento, propiciam a formação de um espírito mais a favor dos pedagogos. Porto Alegre: ARTMED, 2004, p. 97-119. solidária e de interdependência humana. Em conclusão, meu intento foi reconstruir algumas linhas gerais da noção de FLICKINGER, H.-G. Gadamer & a Educação. Belo Horizonte:Editora Autêntica, filosofia como forma de vida e de pedagogia como orientação de mundo, ou seja, como 2014. sabedoria prática. Penso que esta noção de filosofia é uma referência importante para questionar a predominância atual da formação profissional especializada que toma conta da educação formal. De outra parte, a noção de pedagogia como orientação de mundo FOUCAULT, M. A Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. abre a perspectiva para pensar a formação docente muito além de um saber especializado nos termos do manuseio de técnicas de aprendizagem. Neste contexto, a GADAMER, H. G. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes, 2006. filosofia da educação, compreendida como parte da sabedoria prática precisa dialogar com a tradição filosófica e pedagógica passada, elaborando os recursos conceituais necessários para pensar de maneira ampliada a formação profissional das novas HADOT, P. Ejercicios espirituales y filosofía antigua. Madrid: Ediciones Siruela, 2006. gerações. Com isso, a filosofia da educação chama para si a difícil tarefa de proporcionar o diálogo crítico entre saber técnico especializado e formação humana, _____. La filosofía como forma de vida. Conversaciones con Jeannie Carlier y Arnold I. sem ter que concebê-lo de maneira excludente, mas sim complementar. Davidson. Barcelona: Ediciones Alpha Decay, 2009.
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