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ISSN: 1517-9702
revedu@usp.br
Universidade de São Paulo
Brasil
Goergen, Pedro
Questões im-pertinentes para a Filosofia da Educação
Educação e Pesquisa, vol. 32, núm. 3, setembro-dezembro, 2006, pp. 589-606
Universidade de São Paulo
São Paulo, Brasil
Pedro Goergen
Universidade de Sorocaba
Resumo
Palavras-chave
Correspondência:
Pedro Goergen
E-mail: goergen@unicamp.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 589-606, set./dez. 2006 589
(Im)Pertinent questions for the philosophy of
education
Pedro Goergen
Universidade de Sorocaba
Abstract
Keywords
Contact:
Pedro Goergen
E-mail: goergen@unicamp.br
590 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 589-606, set./dez. 2006
Mesmo os que são céticos com relação ao o conceito de história. Os pós-modernos assu-
conceito de pós-modernidade, hão de se interes- mem a polêmica tese do fim dos metarrelatos
sar pelas razões desse grande debate internacional e declaram sem fundamento a crença numa
que os pós-modernos provocaram. Dentre os filosofia da história, numa história do progres-
muitos pontos polêmicos que marcam esse de- so. Teria sido uma grande ilusão moderna acre-
bate, destacam-se três temas para os quais ditar na razão como garantia do curso unitário
converge grande parte das discussões. Trata-se, da história em direção a uma sociedade mais
em primeiro lugar, da tese que afirma o ocaso das justa e uma vida melhor. Com isso, colocam
grandes ideologias e metanarrativas, ou seja, o fim sob suspeita o principal fundamento de toda a
da idéia de filosofia da história; em segundo lugar, educação moderna que opera precisamente a
a desconstrução do conceito moderno de sujeito, partir do suposto de que a humanidade se
capaz de conhecer, dominar e conduzir os rumos encontra numa trajetória de progresso em dire-
da história; e, por último, a relativização dos va- ção a um futuro melhor.
lores e o surgimento de uma sociedade sem refe- A seguir, chama-se a atenção para o su-
rências, na qual todos os valores são comutáveis. posto definhamento do sujeito que se liga à cri-
Em outros termos, faz-se referência à atrofia da se de fundamentos. Tantas e tão profundas são
consciência histórica, do enfraquecimento da es- as mudanças que vêm ocorrendo na contem-
trutura do sujeito e da relativização dos valores poraneidade que o sujeito parece perder sua
universais. Essa leitura pós-moderna reflete a des- identidade e, com ela, a pretensão moderna de
confiança com relação às expectativas modernas, se tornar senhor e dominador da realidade e de
centradas nos conceitos de progresso histórico, de seu destino. O mundo administrado e automa-
sujeito autônomo e de valores laicos. tizado ofusca a autonomia do sujeito, limita e
Vivemos um momento histórico conturba- exterioriza o pensamento de modo que os ho-
do em que não só a filosofia da história, mas tam- mens se tornam seres genéricos de massa, uns
bém a razão e a subjetividade, os fundamentos e iguais aos outros, governados pelos aconteci-
os valores, as identidades e as certezas se tornam mentos sobre os quais não têm mais controle.
ambíguos. O estremecimento desses conceitos No contexto da educação, é importante saber
angulares, que orientam o pensamento e a ação do se a idéia de formação do sujeito ainda repre-
homem moderno, afeta a vida em todas as suas senta um elemento importante da paideia con-
dimensões. Particularmente a educação se vê dian- temporânea ou se tal suposto deve ser substi-
te de novos desafios que são cruciais para o esta- tuído pela instrução do indivíduo adaptada às
belecimento de seus objetivos e suas práticas. Não exigências do mercado.
sendo possível voltar no tempo e recuperar os Por último, são feitas algumas considera-
fundamentos e valores do passado nem tolerável ções em torno da questão dos fundamentos e
seguir vivendo na instabilidade, torna-se premen- valores como um dos temas mais discutidos na
te encontrar novas formas de legitimação. Essa é atualidade, com o objetivo de destacar as
a tarefa que a Filosofia e, no contexto da educa- inferências da crise ética sobre o agir educativo.
ção, a Filosofia da Educação pode e deve assumir. Tradicionalmente, a educação fundava-se nos
Como pequena contribuição a esse de- grandes supostos da metafísica ocidental como
bate, o presente ensaio oferece algumas refle- Deus, Natureza, Homem, Razão. Desde a crise
xões sobre os temas mencionados – história, desses supostos, que inicia com Nietzsche, avan-
sujeito e valores –, procurando demarcar al- ça com Heidegger e Foucault e se dissemina com
guns espaços que têm especial relevância para os pós-modernos, a teoria educacional ainda he-
a Filosofia da Educação. sita em colocar-se, reflexivamente, no horizonte
Parece adequado iniciar tratando de um dessa crise de fundamentos. Produz-se dessa for-
dos temas mais polêmicos da atualidade que é ma uma desconexão entre teoria e prática que
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deve ser tematizada do ponto de vista filosófico. mos, portanto, presos ao que há, ao que exis-
A Filosofia da Educação deve perguntar, com rigor te e ao que se impõe a todos.
e radicalidade, em nome de quem se educa. Segundo os pós-modernos, a confian-
São essas algumas questões que caracte- ça na razão, com seu metarrelato de progres-
rizam os nossos tempos e que devem ser lembra- so em direção a um estágio melhor da huma-
das ao se pensar o sentido e os rumos da edu- nidade, revelou-se uma falácia, tendo em vista
cação. A pretensão do texto não vai além de as barbáries humanas e ecológicas que marcam
assinalar a importância desse debate e de trazer o percurso da modernidade. Não há filosofia da
algumas contribuições, por ora ainda sucintas e história, não há metarrelato, não há progresso
dispersas, no sentido de destacar sua relevância natural e necessário. Se um dia acreditamos que
para o campo da Educação. Não é preciso dizer o progresso aconteceria por ser o caminho na-
que os três grandes temas aqui lembrados encon- tural da razão humana que, por sua bondade
tram-se separados apenas formalmente e que, na intrínseca, não poderia percorrer outro caminho,
realidade, estão profundamente imbricados uns incorremos em erro. Os fatos não deixam mar-
nos outros. São questões im-pertinentes porque gem a dúvidas: guerras, bombas atômicas,
são polêmicas, requerem acolhimento e exame holocaustos, destruição do meio ambiente, mi-
crítico. São incômodas porque desacomodam e séria, fome; no entender dos pós-modernos, são
exigem posicionamento. trágicas insanidades que ferem de morte a idéia
de progresso (Vattimo, 1996).
A questão da história Apesar do tom radical, não parece jus-
tificado supor que os pós-modernos pretendam
Os pós-modernos entendem que estamos dizer que o progresso seja impossível; apenas
dando adeus ao conceito moderno de historia, negam que ele se dê na forma de um curso
como idéia de constante progresso em direção a constante que, ao abrigo de uma metanarrativa
um mundo e a uma vida melhores. Em vez de ou de uma filosofia da história, conduza a
história, Lyotard fala de “aventura biográfica e humanidade para um estágio melhor. Lembram
intelectual”, como permanente re-escritura e bus- que, ao contrário dessa pretensão moderna,
ca sem fim. Nessa perspectiva, o homem vive a estamos vivendo a confirmação das previsões
constante tentativa de tornar-se testemunho de de Weber de que o mundo se tornará burocra-
um acontecer sem lei nem fundamento últimos tizado e racionalizado e que a própria razão
que lhe dêem sentido e rumo como história. ficará presa por entre as grades da burocracia
Disso resulta uma espécie de relativismo histó- e da racionalização, num cenário por comple-
rico, uma carência de fundamento, de verdade to desencantado e mecanizado. No dizer de
e de orientação. Apenas há aberturas históricas Vattimo (1996), não existe o ‘para onde’ e “su-
e os humanos se encontram ante a tarefa de primido o ‘para onde’, a secularização se tor-
“inventar uma humanidade capaz de existir num na também dissolução da própria noção de
mundo em que a crença numa história unitá- progresso...” (p. XIII).
ria, dirigida a um fim [...] foi substituída pela O pós-modernismo, no afã de resistir à
perturbadora experiência da multiplicação in- metafísica objetivadora (Vattimo, 1996) ou aos
definida dos sistemas de valores e dos critéri- metarrelatos de um projeto que se revelou
os de legitimação” (Vattimo apud Mardones corrompido (Lyotard, 1985), deixa-nos numa
2003, p. 29). Com o fim da unidade da histó- situação de “indigência crítica e sem forças para
ria, estaríamos chegando também ao fim da resistir à invasão e ao domínio das estruturas e
ética, uma vez que, sem uma certa idéia de poderes contra os quais se pretende lutar”
história e de humanidade, ficaríamos igualmente (Mardones, 2003, p. 32). Com isso, o pós-
sem projeto de liberdade e de justiça. Estaría- modernismo assume ares de uma racionalidade
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Ao contrário de Horkheimer, os pós- senvolvimento – que parece estar subjacente à
modernos não só constatam tais tendências, idéia de fim da história – e resignar-se à admi-
mas as consideram irreversíveis, reconhecendo nistração das cruéis assimetrias socioeconômicas
nelas o anúncio do fim da idéia moderna de com benefícios compensatórios que, no melhor
progresso e de filosofia da história. dos casos, podem aliviar a tragédia e o sofrimen-
Diante disso, Mardones (2003) levanta to, não é a melhor estratégia para se chegar a
a suspeita de que uma sociedade mais justa e democrática.
O grande desafio que se coloca como
[...] os que vêem neste abandono da história à tarefa é saber se a busca da vida boa, feliz e
sua evolução, a confirmação de que os pós-mo- humana se resolve pelo ‘grande relato’, confor-
dernos, por detrás da morte do sujeito e do fim me a idéia moderna, ou pelos ‘pequenos rela-
da história, nos deixam nas mãos do ‘imperati- tos’, como sugerem os pós-modernos. O que já
vo técnico’ da sociedade cibernética. (p. 30) sabemos é que os grandes projetos universais
enfrentam dificuldades ante o ainda avassalador
Estaria, então confirmada a tese de Niklas avanço do capitalismo que, pela inusitada incursão
Luhmann (1996) de que a emancipação é algo na microfísica da consciência humana, parece es-
obsoleto, porquanto, de hora em diante, quem tar inserindo em sua estrutura marcas indeléveis de
resolve os problemas do homem é o funcionamen- individualismo, egoísmo e mercadorização. Os
to sistêmico. A razão que comanda esse sistema é pequenos relatos, propostos pelos pós-moder-
uma razão funcionalista que tudo regula num nos, por sua vez, ameaçam despotencializar
processo que se fecha em si mesmo, transforman- qualquer impulso transformador mais radical,
do-se em autolegitimação. “O momento da pós- permitindo que a realidade se torne refém dos
modernidade”, conclui Welmer (1996), “é uma poderes que hoje a dominam e comandam.
espécie de explosão da episteme moderna, na qual Lendo com cuidado certas passagens
a razão e o seu sujeito – como lugar-tenente da do polêmico livro A condição pós-moderna, no
‘unidade’ e do ‘todo’ – se estilhaçam” (p. 50). E é qual Lyotard declara o fim das metanarrativas e
precisamente essa, dirão os pós-modernos, a inten- da filosofia da história, fica-se com a impressão
ção uma vez que a modernidade se revelou um de que Lyotard mais descreve o momento
grande fracasso. histórico atual do que o declara como defini-
A análise teórica dos pós-modernos tivo ou bem-vindo. Primeiro, é mister admitir
encontra seus limites em certas realidades que que Lyotard tem razão quanto aos seus prog-
não podem satisfazer-se com idéias como o fim nósticos relativos à crise das metanarrativas e à
da história, como a ‘des-construção’, o frag- instrumentalização do conhecimento. O mesmo
mento ou a vida privada. Trata-se da situação de vale para outras idéias expressas na mesma obra
carência e necessidade de grande parte da hu- como, por exemplo, a crítica ao conceito de soci-
manidade absolutamente carente de projetos edade como uma totalidade ou uma unicidade,
sociais coletivos que lhe abram perspectivas de sustentada desde Comte até Luhmann (Lyotard,
um futuro melhor, mais justo e digno. Podemos 1985). O debilitamento das narrativas, a crise do
concordar com suas teses no referente à análi- sujeito, a desconstrução do otimismo são todos fe-
se da realidade, mas nem por isso devemos nômenos muito reais, visíveis, por assim dizer, a
conformar-nos e aceitar a barbárie e a desuma- olho nu no quotidiano de nossas vidas. Tais
nidade como a cristalização de um destino, de constatações, no entanto, não significam que de-
uma visão política hegemônica e acomodada vamos conformar-nos com semelhante realidade.
quando se trata de enfrentar os grandes proble- Há uma passagem no próprio livro de Lyotard
mas do mundo contemporâneo. Abdicar da idéia (1985) que chama nossa atenção para a von-
de um esforço planejado e coordenado de de- tade e a capacidade de decidir do ser humano:
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como será. Imerso na mudança, o homem tor- existência no mundo industrial tardio e pelo que
na-se parte dela, tomado por uma espécie de estas interferem no processo educativo. Não se
embriaguez do movimento dionisíaco que o trata de submeter o pensamento pós-moderno a
cativa e envolve, impedindo que assuma seu um processo sumário de julgamento e condena-
próprio caminho e destino. Se antes era possí- ção, mas de impor-lhe o rigor do pensamento
vel, pela mesura das transformações, valer-se do crítico desde o viés do interesse emancipatório
passado como ponto de partida para a interpre- do homem e da sociedade. É preciso examinar
tação do presente e previsão do futuro, agora com o máximo de cuidado e rigor o que signi-
nada está distante o suficiente para que tendên- fica identificar sentido, realidade e verdade1 com
cias possam ser percebidas e pedagogicamente a totalidade social; é preciso examinar o que
aproveitadas para além do puro movimento. significa subsumir a idéia de história2 às noções
Tudo passa a assumir traços de impulsos ao de progresso e de superação; é preciso exami-
sabor de um utilitarismo banal, guiado pela nar o que significa assumir um pensamento
circunstância, sem sentidos abrangentes do identificatório que desconsidera a natureza con-
ponto de vista humano. Os interesses e as ide- traditória da realidade e a vontade de mudança
ologias que evidentemente existem assumem manifestada por indivíduos e grupos pelo mundo
traços de crime perfeito, como diz Baudrillard afora; é preciso examinar o que significa confor-
(1979), que não deixa rastos. mar-se com uma realidade que se revela perversa
A Educação encontra-se entre parado- e injusta com a maioria dos seres humanos.
xais e contraditórias exigências. De um lado,
sabe-se que ela precisa da tradição como con- A questão do sujeito
dição educativa para o presente e para o futu-
ro e, de outro, necessita considerar o ritmo e a O primeiro e mais palpável reflexo da
celeridade das mudanças e transformações. Se falta de perspectiva histórica se constata no en-
no passado o próprio acontecer histórico tinha fraquecimento do sujeito. Definha o sujeito forte
o sentido alegórico que ilustrava as grandes que sabia o que é a realidade, que era dono dos
idéias de Homem, de Deus, da Natureza que ori- objetos, que em seu percurso dispunha de fun-
entavam o mundo, agora o movimento não é damentos e perspectivas estáveis que o orienta-
símbolo de nada; ele é apenas movimento, sím- vam no sentido de um futuro melhor a conquis-
bolo de si mesmo, sem significado exterior a ele tar. Diante da debilitação desse sujeito forte,
próprio. O esvaziamento dos grandes cenários de Vattimo sugere a idéia de um sujeito fraco3 , um
sentidos ou significados teleológicos que gover- sujeito que já não domina desde o alto de seu
navam o mundo e o homem na sua história e pedestal de identidade, mas que se sente fraco e
que serviam de paradigma de leitura, interpreta- afetado pelas mudanças e transformações que o
ção e orientação, privou o homem de sua con- circundam e determinam. Para Mardones (2003),
dição de dominador. O homem foi jogado para essa é uma saida que aceita,
dentro do próprio movimento que, ao tornar-se
autônomo, o consome na medida em que o in- 1. Segundo Vattimo (1996), “pode-se dizer provavelmente que a experiência
tegra no próprio movimento. O movimento dei- pós-moderna [...] da verdade é uma experiência estética e retórica” (v. XIX).
2. A introdução da noção de não-história não significa a eliminação da
xa de ter um sentido de história, de orientação
idéia de progresso, mas a internalização do conceito de progresso, ou seja,
para um ponto futuro, ideal ou utópico, e se es- sua redução à contínua renovação exigida pela sociedade de consumo.
gota em si mesmo. Essa noção de renovação ou inovação é requerida para a pura e simples
sobrevivência do sistema. É supressão do ‘para onde’ (Vattimo, 1996). É
Pelo menos é esta a perspectiva assumi- preciso acrescentar que o próprio Vattimo (1992) acredita que “as dificul-
da pela leitura dos pós-modernos que merece dades do pensamento da pós-modernidade mostram que não se pode dei-
xar vago sem mais o posto antes ocupado pelos ‘metarrelatos’ e pela filo-
atenção crítica da Filosofia da Educação pelo sofia da história” (p. 35).
que evidencia a respeito das novas condições de 3. Sobre a noção de sujeito, ver as considerações de Vattimo (1996; 1992).
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que se empenha na construção de uma socie- do social. Temos que indagar quais os rumos
dade justa e democrática, essas questões são de uma inteligência sem história que “não per-
da mais alta relevância. Agora, no momento em cebe a dureza da vida e nem a situação dos
que “quanto mais o processo de autoconservação que nesta sociedade e neste mundo mal alcan-
é assegurado pela divisão burguesa do trabalho, çam a categoria de seres humanos”, que não
tanto mais ele força a auto-alienação dos indiví- nota a “carência de solidariedade com os mal-
duos, que têm que se formar no corpo e na alma tratados da história e da sociedade”, que não se
segundo a aparelhagem técnica”, se impõe a preocupa com “o sofrimento evitável da huma-
pergunta a respeito da natureza dessa educação, nidade e sem moral” (Mardones, 2003, p. 27).
que necessariamente deve ser emancipadora O fato de as feridas abertas da sociedade glo-
(Adorno; Horkheimer, 1985, p. 41). Como libertar bal como a exclusão, a fome, a doença, o anal-
“o eu integralmente capturado pela civilização”, fabetismo só aparecerem marginalmente nos
no momento em que ele “se reduz a um elemento textos dos autores pós-modernos europeus,
dessa inumanidade” ou imundície (Mattéi, 2002) comprovam sua pouca preocupação com o
no momento em que outro real, imerso no sofrimento, na injustiça e
na dor dos vencidos da história.
[...] os homens se reconverteram exatamente Para evitar imagens caricatas, é preciso
naquilo contra o que se voltara a lei evolutiva entender que quando os pós-modernos falam do
da sociedade, o princípio do eu: meros seres fim do sujeito, não se referem ao fim do sujeito em
genéricos, iguais uns aos outros pelo isolamen- si, mas ao fim do sujeito moderno como autor,
to na coletividade governada pela força. (Ador- supremo juiz e fundador de sentidos. Em outros
no; Horkheimer, 1985, p. 47) termos, o discurso pós-moderno não representa
uma resposta à pergunta cética, mas é apenas uma
E Vattimo (1996) radicaliza ainda mais crítica às aporias modernas, decorrentes de um
essas incertezas ao dizer que conceito objetivista e autoritário de razão, de su-
jeito, de homem e de história. Nesse sentido, tais
[...] o sujeito que nos é proposto defender da críticas somam-se as de Adorno e Horkheimer, que
desumanização técnica era, precisamente ele, a assinalam com igual insistência a coisificação do ser
raiz dessa desumanização, já que a subjetivida- humano. As práticas coisificantes da sociedade
de que se define doravante como sujeito do moderna estão inseparavelmente relacionadas à
objeto é pura função do mundo da objetividade, coisificação do homem pela ciência e pela técni-
tendendo [...] irrefreavelmente, a também se ca. O homem coisificado é apenas um exemplar,
tornar objeto de manipulação. (p. 35) um representante da espécie ou da instituição, o
executor de uma função e não mais um sujeito. No
Se, por esse lado, podemos reconhecer entanto, ao contrário de Adorno e Horkheimer, cuja
méritos na crítica pós-moderna aos rumos do crítica ao sujeito moderno tem o sentido de abrir
pensamento e do sujeito modernos com sua caminho para o surgimento de um sujeito menos
lógica de domínio identificador e excludente coisificado e instrumentalizado e, ao mesmo tem-
responsabilizada pelos descalabros contempo- po, mais autônomo e crítico com relação aos des-
râneos, temos que, de outra parte, perguntar caminhos da própria modernidade, os pós-moder-
também se o entendimento dessa realidade, a nos jogam a criança com a água do banho.
partir de conceitos como sujeito débil, jogo de Do ponto de vista da educação, cujo
linguagem , des-construção , fragmentação , discurso enaltece a formação do sujeito como
estetização e fruição da vida, destituídos de um de seus principais objetivos, é necessário
sentido crítico, não se torna igualmente perigo- refletir a partir do debate antes mencionado,
so pela falta de memória, acriticidade e senti- sobre o que significa, no contexto contempo-
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pós-industrial. O ser humano perde a sua identida- de do poder, da violência do mais ousado e
de pessoal e, por isso, põe-se à procura reflexiva selvagem utilitarismo? Os pequenos contextos
de sua identidade. Esse é o momento em que nos e localismos, ao invés de apontarem para uma
encontramos e que precisa ser aproveitado. maior liberdade, não estariam representando
Infelizmente, essa busca é muitas vezes uma tirania mais severa do que aquela que
banalizada como egoísmo e narcisismo. Na ver- pretendem evitar? Se por detrás dos velhos
dade, é preciso entender o sentido dialético mais universalismos epistemológicos e éticos se es-
profundo dos gestos egóicos e narcisistas e reco- condia o terror dos dominadores e do totalita-
nhecer neles a nostalgia do indivíduo de sua rismo, não estaríamos, agora, às voltas com
própria identidade como sujeito, seja como pes- uma nova forma de domínio e de terror do
soa seja como coletividade. É preciso que a refle- imediato, do fragmento, do ativismo, do indi-
xão filosófica leve essas tendências a sério e vidualismo, da performance?
considere suas conseqüências para o campo da Essas questões, aqui formuladas de forma
Educação. Se a modernidade não pode cumprir as direta e simples, permeiam todo o debate entre
promessas de progresso, justiça, igualdade e de- modernos e pós-modernos. Independente do lado
mocracia, nada mais correto que pensar formas de em que estejamos, parece inegável que o mundo
retomar, nas atuais condições históricas, tais ob- contemporâneo vive, efetivamente, uma forte cri-
jetivos que continuam sendo dignos e justos. se de fundamentos e de referências universais
capazes de orientar o pensamento e a ação.
A questão dos valores O iluminismo é a confiança na razão.
Geralmente se identifica o pós-modernismo
Para J. F. Lyotard, estamos vivendo em como a negação dessa crença. Na verdade, o
meio a uma pluralidade de regras, de expecta- anti-iluminismo contemporâneo não equivale a
tivas e de comportamentos que expressam os uma desconfiança da razão teórica e científica
diferentes contextos vitais que nos cercam e (expressão máxima do iluminismo), mas a um
não temos condições de encontrar denomina- ceticismo em relação aos confrontos e às con-
dores comuns que tenham validade para além tradições entre a razão teórica e a razão práti-
dos limites do contexto (jogos) do aqui e do ca. Isso fica bastante evidente tanto na Dialética
agora. Vivemos imersos num pluralismo do esclarecimento de Adorno e Horkheimer
heteromorfo, de sorte que as regras não podem quanto na Condição pós-moderna de Lyotard,
ser senão heterogêneas também. A busca de para ficar apenas nesses dois exemplos. Para
valores transcendentes ou mesmo de consen- muitos pós-modernos, somente é possível ha-
sos, radicaliza Lyotard, transformou-se num ver uma moral comum entre os membros de um
desiderato obsoleto e suspeito porque por de- mesmo grupo (étnico, político, religioso ou
trás dos princípios universais se esconde sem- mesmo criminoso). Em conseqüência, não pode
pre o terror dos dominadores e a tendência ao haver uma moral comum numa sociedade aber-
totalitarismo. Consensos só são possíveis nos ta que, por definição, é povoada por membros
limites do local e na medida em que forem fle- de diferentes grupos. Nesse sentido, crêem que
xíveis e passiveis de revisão (Lyotard, 1985). já não se possa fazer uso público da razão com
Esse diagnóstico de Lyotard nos leva a vista a fins práticos, ou seja, éticos. Se a razão
perguntar se, dado o caso, nos encontraríamos moderna desencantou (Weber, 1997) o mundo
diante de um avanço ou de um grande retro- dos valores transcendentais e religiosos, bus-
cesso. Se não dispusermos mais de nenhum cando ela mesma impor-se como novo funda-
critério universal de verdade, de justiça, de mento de tudo, hoje ela precisa reconhecer
preferibilidade racional ou de discernimento seus limites que não extrapolam o espaço do
ético, como poderemos escapar da arbitrarieda- conhecimento científico e da produção.
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rais, estéticos, políticos e até ideologias inteiras muitas culturas no momento em que aquela do
(como o fascismo e o comunismo) aparecem humanismo tradicional perde cada vez mais o
como intercambiáveis”, tornando-se “radical- reconhecimento e a força de persuasão? E para
mente questionável sua pretensão de validade que idéias convém educar as novas gerações de
universal e sua capacidade de generalização”. modo que a nossa frágil identidade tenha suces-
Nesse contexto, “não há mais conjuntos de so? [...] A razão e os valores universais dos quais
valores cristãos, liberais, socialistas ou nacio- essa era portadora, com o seu eurocentrismo,
nais que sejam inquestionáveis e passíveis de representam, ainda, uma visão de mundo e uma
consenso” (p. 44). Se a realidade efetivamente base sólida para perfazer o caminho? (p. 87)
confirma esse prognóstico, é preciso lembrar
novamente que as diferentes formas de viver tal Parece que o discurso de natureza
liberdade geram tensões: as diferenças cultu- universalizante está perdendo legitimidade em
rais, éticas e religiosas, que decorrem da ma- decorrência de seu déficit de contextualidade,
neira como o homem declina a sua liberdade, ou seja, é um discurso que não oferece respos-
geram conflitos difíceis de serem administrados tas à diversidade e à polissemia que, bem ou
especialmente no mundo globalizado. Posto mal, marcam o mundo contemporâneo. Do alto
que já não dispomos do recurso aos valores de seu pedestal autoritário, não atende às
transcendentais e o relativismo inviabiliza a especificidades e contextualidades que regem
convivência civilizada entre os homens, é ne- as expectativas do homem atual, razão pela
cessário buscar novos caminhos. qual sofre uma recusa baseada no pluralismo e
Habermas discorda da leitura dos pós- no particularismo. O posicionamento plural, em
modernos e recorre aos supostos kantianos para contrapartida, não considera que facilmente
desenvolver uma ética do discurso que busca pode transformar-se em indiferença que julga
superar o relativismo ético fundando a legitimi- igualmente legítimas quaisquer constelações de
dade em consensos discursivamente alcança- valores. O tão difundido discurso da tolerância,
dos. Faz uma leitura de Kant segundo a qual se na verdade, assume traços de indiferença. As-
exige do iluminista que busque a verdade, não sim, a chamada sociedade pós-moderna pode
que a encontre. Quando Kant fala do uso pú- ser representada como o movimento que osci-
blico da razão, ele não estaria pressupondo que la entre a tolerância e a indiferença. A liberação
tal uso deva levar a um único e previsto resul- dos mecanismos do mercado e do consumo
tado. O ‘sapere aude’ não estaria propondo certamente contribui para a disseminação da
uma certeza, mas um programa de busca e indiferença. A grande pergunta que precisa ser
reflexão sobre nossa realidade, observando os respondida diz respeito aos possíveis caminhos
sentidos aparentes e escondidos do que é hu- que poderiam conduzir a uma superação da
manidade ou, talvez, do que queremos que ela indiferença que aos poucos contamina todos os
seja, a fim de pensar coisas novas e melhores âmbitos da vida.
para o homem. A marcha aparentemente irreversível da
Com sua teoria, Habermas (2004) bus- globalização representa o brutal processo ante
ca encontrar uma saída para os impasses éticos o qual a singularidade individual, grupal ou
que se tornam bem aparentes nas perguntas cultural necessita afirmar-se. De outra parte, a
assim formuladas por Volpi: existência humana nunca é uma existência iso-
lada; ao contrário, é uma existência que só se
[...] dispomos hoje de uma antropologia parti- constitui em comunicação com a existência dos
lhada à altura dos problemas colocados pela outros. No contexto do mundo real, o homem
atual sociedade cultural de massa? Uma huma- só pode desenvolver-se na união com os ou-
nidade para cultivar como terreno comum às tros homens e essa convivência só pode ser
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mentos. A partir daí, pode-se prosseguir dizendo família, aos preceitos divinos e às doutrinas das
que a norma social tem um único fundamento que diferentes Igrejas. Ao contrário da primeira, essa
é a estrutura da argumentação: o convencimento última é teoricamente discreta, mas exerce gran-
mútuo, mediante o processo argumentativo entre de influência, velada e difusa, sobre a prática
os membros da sociedade, de que certa norma é educativa, tanto formal quanto informal.
a mais adequada para todos. Há, portanto, a pos- Além dessas duas dimensões, teoricamente
sibilidade de universalizar uma norma, na medida mais elaboradas, a tendência dominante que marca
em que, por argumentos, ela é considerada a mais a educação contemporânea é o ativismo cego, não
adequada para todos. A norma universal será aquela reflexivo, orientado para o atendimento às exigên-
que todos, em comum acordo, concordam em cias do mercado. Esse ativismo, que representa a
aceitar como norma universal. soma de burocracia, urgência e performatividade,
Pouco antes de sua morte, Jacques ocupa, quase por inteiro, o espaço, o tempo e os
Derrida disse que as expressões ‘vou educá-lo’ e sentidos do educar, visando sempre adaptar e in-
‘vou amestrá-lo’ tornaram-se hoje basicamente tegrar os educandos no sistema. Trata-se de um
equivalentes. Para amestrar, não é necessário agir educativo que se orienta pragmaticamente nas
muita reflexão, já que os objetivos estão postos exigências do sistema econômico e do mercado,
e estes não ‘podem’ ser tematizados quanto aos sem qualquer compromisso com referências ou
seus fundamentos4 . É preciso apenas conhecer a valores transcendentes.
realidade, respeitar suas urgências e exigências, e À semelhançca do que constatamos no
preparar os indivíduos para enfrentá-las da forma âmbito dos conceitos de filosofia da história e do
mais competente possível. Para tanto, além de sujeito, também no campo da moral vivemos um
conhecer bem as expectativas do real, é necessá- momento profundamente ambivalente. Até que
rio apenas dominar os conteúdos ou as habilida- ponto – esta é a pergunta que se impõe – a edu-
des e aplicar os métodos e as técnicas adequados cação ética ainda promete algum resultado se
para transferi-los aos educandos. A partir desse buscar convencer os educandos a pautarem seu
binômio – conhecimento e metodologia –, é comportamento em princípios universais num con-
possível realizar uma educação eficiente e desen- texto cultural em que tais princípios já perderam
volver nos educandos as competências necessá- sua legitimidade e não representam critério de
rias para sua inserção no sistema (mercado) e julgamento moral dos atos das pessoas? Os jovens
assim fazer jus às compensações oferecidas àque- já se tornam indiferentes aos valores universais e
les que atendem às suas exigências. se envolvem na fundação de uma cultura fortemen-
Essa parece ser a tendência dominante te particularista. Ora, é preciso não perder de vis-
nos diferentes âmbitos da atividade educativa ta que essa tendência, à primeira vista sugestiva e
hoje. Os fundamentos dessa atividade não entram progressista porque promete superar o tradicional
em tela de juízo por parte dos atores educacio- autoritarismo dos valores absolutos, também impli-
nais a não ser em duas dimensões. A primeira, de ca sérios riscos que não podem ser esquecidos. Se
caráter social, de orientação marxista ou socialista, aceitarmos os argumentos daqueles que acreditam
preocupada com um projeto de transformação ser impossível ou inócuo discutir a respeito da
social, com a democracia, justiça e direitos huma- universalização e generalização de valores, deve-
nos. Essa tendência revela-se teoricamente con- mos admitir também que não temos como argu-
sistente e ativa, mas na prática pouco influente mentar contra interesses privados que, alçados a
fora do ambiente acadêmico. A segunda, religio- valores pela força ou pela influência da mídia,
sa, conservadora e individualista, preocupa-se sim tentam se impor a todos. O que está em jogo é o
com o sentido do homem, da vida e do destino, confronto entre um discurso prescritivo e
mas desde uma perspectiva teológico-metafísica.
Busca preservar os valores tradicionais ligados à 4.Entrevista ao Jornal Folha de S.Paulo (10/10/2004, A 28).
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 589-606, set./dez. 2006 605
contramovimentos que, embora ainda tímidos e ambivalências e contradições que subjazem às lei-
sem caráter revolucionário, permitem manter ace- turas que vêm sendo feitas da contemporaneidade,
sas as esperanças num futuro melhor. A Filosofia sinalizando suas características e visualizando suas
da Educação também pode e deve ter sua parte de implicações para, mediante o diálogo, avançar
responsabilidade nisso, fazendo aflorar as orientações para a praxis educativa.
Referências bibliográficas
ZIMA, P. V. Moderne/Postmoderne
Moderne/Postmoderne. Tübingen und Basel: A. Franke, 2001.
Recebido em 27.06.06
Modificado em 16.10.06
Aprovado em 06.11.06
Pedro Goergen é professor titular da Universidade de Sorocaba (Uniso) e professor titular colaborador aposentado da
Unicamp.