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A História Econômica como Interdisciplina


Interdependente
A História Econômica, entendida durante muitos anos até por suas próprias correntes como
um ramo ou da História ou da Economia (ou mesmo de uma interseção de ambas as ciências), vem
se afirmando como uma disciplina independente que utiliza instrumentais comuns e específicos,
possuindo contudo um conjunto de peculiaridades que a transforma em ,mais do que uma soma
interdisciplinar, algo dotado de autonomia suficiente para manter-se eventualmente à distância do
mero préstimo de assistência a áreas afins.

É tarefa, portanto, do estudioso da disciplina situar com propriedade o caráter interdisciplinar


da História Econômica. Ao mesmo tempo, este caráter diversificador permite a ampliação de
horizontes e o questionamento de valores que se configuram na força motriz dos elementos
envolvidos. Portanto, neste caso, o todo apresenta-se maior do que as partes.

A História Econômica, grosso modo, estuda as economias das sociedades passadas. O


interesse por tal objeto surgiu em conseqüência do desenvolvimento do capitalismo e de sua
“mentalidade quantitativa”1 , em meados do século passado. Em meio a uma grande agitação das
ciências sociais, a História Econômica surgiu em função de grandes temas sugeridos pelo próprio
desenvolvimento do capitalismo, muitas vezes ligados ao desenvolvimento da Teoria Econômica e da
Economia Política .Esta, por sua vez, foi a grande fonte dos primeiros problemas levantados: a
produção, o consumo e a distribuição de riqueza. Em particular, os grandes elementos geradores de
temas de estudo foram as crises de produção; a idéia de “compreensão do passado” parecia próxima
da justificação do presente, ou mesmo de sua crítica e apresentação de propostas de mudanças no
statu quo . Enriquecendo-se com métodos e instrumentais de outras disciplinas - entre elas a
Demografia, a Estatística, a própria Economia Política e a Sociologia - a História Econômica acabou
por definir seu espaço dentro do conjunto das ciências.

Esta definição de espaço, como qualquer disciplina, acabou por frutificar concepções
distintas no tocante ao enfoque, ao método e aos objetivos a serem alcançados.

Existem duas linhas principais, definidas pela natureza do tratamento do objeto: a


materialista e a quantitativa. Para a linha materialista, o foco de interesse são os modos de produção,

1 segundo CHACON, Paulo Pan e FRANCO JÚNIOR, Hilário. História Econômica Geral.. São Paulo, Ed. Atlas,
1982.p. 17.

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compreendidos como o conjunto das forças produtivas e das relações de produção 2; neste caso, a
análise da natureza e da dinâmica inerente a estes, utilizando também o instrumental da Economia,
extrapolaria o campo desta, vinculando-se a uma compreensão sistêmica das sociedades.

Na história quantitativa, existem as idéias de estrutura e conjuntura: as estruturas, entendidas


como as permanências dentro de um sistema econômico, interagiriam com as conjunturas - que
seriam por sua vez a convergência de situações e elementos momentâneos da vida econômica.
Segundo Pierre Chaunu, a história econômica quantitativa seria “uma história do movimento, da
variação, da estrutura ondulante da economia”3.

Para tanto, seriam necessários os instrumentais da Estatística, Econometria, e até da


Geografia, ocorrendo em muitas obras uma forte incidência de incursões no campo da
Macroeconomia. Tal efervescência de idéias permitiu uma gama de estudos que vão das sociedades
antigas à eventual periodicidade das crises do Capitalismo. Nessa diversidade encontramos assuntos
que vão do estudo de um mar - “O Mediterrâneo”, de Fernand Braudel - até modos de produção, como
é o caso de “A Evolução do Capitalismo”, de Maurice Dobb.

Um dos pontos mais interessantes presentes em um apanhado de historiografia econômica


são, dentro da dinâmica dos sistemas econômicos, os chamados movimentos de curta, média e longa
duração4, nos quais busca-se na construção do painel histórico um “tempo”, um “trabalho” que são
definidos objetivamente - ainda que pelas regras de pesquisa do historiador - pelo economista. Este
fornece o subsídio para a determinação de relações causais ou consecutivas ou mesmo do
estabelecimento de um sistema definido em um contexto histórico.

Nos últimos anos, temos assistido a um “eclipse” da História Econômica, determinado por
várias causas, oriundas do desenvolvimento e da construção dos componentes de sua
interdisciplinaridade. Uma causa estaria no direcionamento da pesquisa em História para um caráter
mais social - em alguns casos específicos um tanto avesso a sistematizações e quantificações - ligado
à busca de novos campos de cruzamento desta que, para alguns é entendida como “a mais antiga
das ciências” com a Psicologia, a teoria psicanalítica e a Antropologia, para citarmos alguns exemplos.
Outro fator causal, este repousante nos economistas - não culpemos a ciência e sim os cientistas! -
apresenta-se invertido em conotação: neste caso, a história econômica mostra-se por demais “inexata”
e “pouco fecunda em subsídios de ordem objetiva” para o trabalho do economista, sendo, muitas
vezes, mal-entendida. Ainda apontaríamos uma terceira concepção equivocada da História Econômica

2 SANDRONI, P. Novo dicionário de Economia. SP, Círculo do Livro, 5a. ed. 1996. p.229 .
3 CHAVNU, P. “A Economia: Ultrapassagem e Prospectiva” in LE GOFF, J. e NORA, P. História: Novas Abordagens.
Rio de Janeiro, Francisco Alves, 3a. ed. 1988.p.45.
4 cf. CHACON, Paulo Pan e FRANCO JÚNIOR, Hilário. op. cit. p. 18

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como uma disciplina que conferiria à História um caráter mais rígido em termos de campos teóricos
de análise, dando à ciência Econômica uma certa alforria metodológica dos números. Isso seria fruto
de uma visão ainda mais míope e preconceituosa dos três termos, tendo esta primeira como híbrido
de uma não-ciência com uma ciência. Tais posturas, oriundas da dinâmica particular de cada
elemento pertencente à interseção, ameaçariam obscurecer o fascínio exercido pela História
Econômica.

Contudo, as palavras de um professor sintetizam o caráter questionador e polemista da


disciplina : “A História Econômica possui o dom, como poucas, de destruir ilusões” 6 . Enquanto houver
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economistas, historiadores e estudiosos das demais áreas dispostos a quebrar os muros da


sectarização específica - que tanto agrada aos que desejam obscurecer elementos da realidade pela
fragmentação - haverá vida inteligente acadêmica e, por conseguinte, haverá História Econômica...

abril de 1996
Luiz Eduardo Simões de Souza
[Bacharel em História pela FFLCH-USP, Bacharelando em Economia pela FEA-USP]

Bibliografia

BARBOSA, Wilson do Nascimento “A História Econômica como Disciplina Independente” Seminários de Pós-graduação, FFLCH-USP, 1988.
(datilografado)
________, __________________. Teoria e Empiria . São Paulo, Departamento de História da USP, Seminários de Pós-Graduação, 1991.
(datilografado)
BESSELAAR, José Van Den . Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo, Edusp, 4a. edição, 1974.
BOUVIER, Jean. “As Crises Econômicas” in LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: Novas Abordagens. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1988.
CHACON, Paulo Pan e FRANCO JÚNIOR, Hilário. História Econômica Geral.. São Paulo, Ed. Atlas, 1982.
CHAVNU, P. “A Economia: Ultrapassagem e Prospectiva” in LE GOFF, J. e NORA, P. História: Novas Abordagens. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 3a. ed. 1988.
DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. São Paulo, Abril Cultural, 1982.
DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo, Ensaio, Campinas, Universidade de Campinas, 1992.
FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. S. Paulo, Cia. Editora Nacional, 2a. ed. 1968.
MARX, Karl. “Para a Crítica da Economia Política” in Karl Marx, SP, Abril Cultural, 1982.
SANDRONI, Paulo. Novo dicionário de Economia. SP, Círculo do Livro, 5a. ed. 1996.
SINGER, Paul. Curso de Economia Política. SP, Forense, 14a. ed. 1993.
SWEEZY, Paul. Teoria do desenvolvimento capitalista. SP, Abril Cultural, 1982.

5 o qual seria por si um forte argumento para o seu abandono por uma intelectualidade eventualmente acomodada
em seu lugar social.
6 BARBOSA, Wilson do Nascimento “A História Econômica como Disciplina Independente” Seminários de Pós-
graduação, FFLCH-USP, 1988. (datilografado)

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