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QUAIS OS TEMPOS DA
OLIGARQUIA?∗
Apenas para ilustrar com a passagem mais conhecida: no século XIX, falava-se
que o estado (e especialmente São Luiz) seria a Atenas Brasileira, por causa da
prosperidade econômica (o Maranhão seria a 4a província mais rica do país) e,
principalmente, devido ao desenvolvimento cultural da região, com seus famosos
escritores e intelectuais. O que a louvação da Atenas sempre “esqueceu” é que essa
“riqueza” econômica e cultural era desfrutada por pouquíssimas pessoas, pois a mesma
foi construída com base na mais brutal exploração dos escravos e dos homens pobres
livres nas lavouras de algodão do Itapecuru, nos canaviais da baixada, nas fazendas de
gado do sertão. Exploração complementada pela repressão e pela violência, pelo
“espichar do couro”, tal como aconteceu no massacre dos revoltosos e dos quilombolas
∗ A primeira versão deste artigo foi escrita para um curso do MST, realizado em outubro/2001, no
assentamento Conceição Rosa (Itapecuru/MA). Agradeço aos vários amigos e companheiros que discutiram,
com textos próprios ou pessoalmente, os temas aqui em pauta.
O presente texto foi originalmente publicado em: SOUSA, Moisés Matias Ferreira de (org.). Os outros
segredos do Maranhão. São Luís: Editora Estação Gráfica, 2002. p. 13-24.
que participaram da Balaiada. De maneira simplificada, poderíamos dizer que a Atenas
Brasileira das elites regionais tinha o seu avesso necessário no tempo do cativeiro: na
escravidão, no latifúndio, na violência e na mentira. Duas faces da mesma moeda...
Hoje, em pleno século XXI, vivemos em uma época que o governo estadual
batizou de Novo Tempo. E aí vem a dúvida: mas o que seria realmente esse Novo
Tempo, apregoado pela oligarquia Sarney através da televisão, do rádio e dos jornais?
Para responder a essa pergunta é preciso voltar um pouco na história, visando entender
quais os processos e mecanismos que levaram o grupo Sarney a conquistar e se
perpetuar no poder estadual. (Por óbvias razões de espaço, seremos sucintos).
Até o limiar dos anos 1960, a política estadual era dominada por um outro grupo
oligárquico, chefiado pelo senador Victorino Freire. Este comandava com mão de ferro o
Maranhão, apoiado nos coronéis latifundiários do interior, nos grandes comerciantes e
industriais, além de utilizar a máquina do governo para beneficiar seus aliados, para
reprimir com imensa violência as manifestações dos trabalhadores e para praticar a
fraude nas eleições, garantindo a “vitória” de seus candidatos. Este foi o tempo da
Ocupação, como se dizia na época.
Nesse período, foi organizada uma ampla e heterogênea aliança política chamada
Oposições Coligadas, que procurou mobilizar a população contra os desmandos do
vitorinismo. Depois de muitos conflitos e embates eleitorais (com destaque para a Greve
de 1951), a frente única oposicionista conseguiu eleger José Sarney ao governo do
estado em 1965. A vitória das Oposições somente foi possível porque contou com o apoio
decisivo da ditadura militar, que se instalara no Brasil em 1964 para reprimir as
mobilizações sindicais e populares em defesa das Reformas de Base (reforma agrária,
reforma educacional, reforma urbana, controle do capital estrangeiro, dentre outras).
Moral da estória: o Maranhão “trocava seis por meia dúzia”, pois saía de cena a oligarquia
vitorinista e começava a se formar a oligarquia Sarney, que cresceu e se fortaleceu à
sombra dos militares no poder.
Já nos anos 1990, temos convivido com outra versão da mistificação, o Novo
Tempo de Roseana Sarney, que fez uma aposta modernizante e começou o mandato
falando em investimento industrial, em “pólos regionais de desenvolvimento” (quem
conhece a estória da KAO-I em Rosário ou do projeto Salangô em São Mateus?), em
crescimento do turismo (associado ao apoio à cultura popular). Além do mais, o governo
estadual tem procurado implementar algumas medidas do receituário neoliberal, tais
como, a tentativa de doação fraudulenta (disfarçada de “privatização”) do Banco do
Estado, a reforma administrativa (com ênfase na criação das gerências regionais), o apoio
à grande agricultura de exportação (em detrimento da agricultura familiar). Conforme as
elites dominantes, o Maranhão estaria vivendo uma nova fase de “enriquecimento” e já
seria o 4o estado mais rico do Nordeste. Ademais, ainda segundo o discurso oficial, o
progresso trazido pelas políticas do governo Roseana estaria incrementando
substancialmente todos os indicadores sociais, ou seja, melhorando as condições de
todos, no campo e na cidade.
Tabela 2
PARTICIPAÇÃO NA RENDA (%) – MARANHÃO
1970 1980 1988
10% mais ricos 48,9% 52,1% 54,7%
50% mais 20,9% 16,5% 14,4%
pobres
Fonte: PESSOA & MARTINS, in: Revista de Políticas Públicas, v.2, n.2, jul/dez 1996, p.27.
Os indicadores sociais do IBGE 2000 revelam ainda outras “cifras que choram” do
subdesenvolvimento estadual (Tabela 3). O conjunto desses estarrecedores e revoltantes
dados relativos à EDUCAÇÃO, SAÚDE e RENDA foram agrupados pelo PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no chamado Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), que aponta o Maranhão como um dos estados mais
desiguais (ou desumanos) do Brasil, o qual, por sua vez, ocupa a vergonhosa 69a
colocação no mundo. Nos idos de 1966, o então governador José Sarney, ao se referir às
mazelas sociais, afirmava que o estado era o “campo de concentração da democracia
brasileira”. E hoje, passados 35 anos de dominação sarneísta, o que não seria o
Maranhão?
Tabela 3
INDICADORES SOCIAIS – MARANHÃO
Mesmo se levarmos em conta a ligeira melhora dos indicadores sociais, isto não
pode obscurecer um fato fundamental, qual seja, a responsabilidade dos sucessivos
governos estaduais ligados à oligarquia Sarney na manutenção da desigualdade e da
miséria em terras timbiras, bem como a inexistência de efetivas políticas públicas de
combate e erradicação da pobreza. Em lugar de levá-los a sério, a postura do governo
Roseana e seus porta-vozes tem sido de buscar desacreditar estes dados, chegando
mesmo ao cinismo de negar a existência da pobreza absoluta dos maranhenses, quando
não chegam a dizer que a pobreza é “vontade de Deus”, e não resultante das ações dos
homens, grupos e classes em sociedade. O que a imprensa oficial faz em demasia é
maquiar e distorcer estatísticas, num jogo de marketing com os números. Tudo em nome
da propaganda do Novo Tempo. Mas, afinal, que tempos estranhos são estes?
Tabela 4
BASES POLÍTICAS DA OLIGARQUIA SARNEY (1986/2000)
1986/88 1990/92 1994/96 1998/2000
Coligação Aliança Maranhão Frente Novo
Democrática do Povo Popular Tempo
Governadores Cafeteira Lobão Roseana Roseana
Senadores 2 --- 2 1
Deputados 16 8 13 13-16
federais (em 18) (em 18) (em 18) (em 18)
Deputados 34 17-19 26-33 26-33
estaduais (em 42) (em 42) (em 42) (em 42)
Prefeitos 110 75 152 189-202
(em 136) (em 136) (em 217) (em 217)
Fonte: TRE - MA.
De passagem, vale destacar algumas curiosas semelhanças entre as candidaturas
de Roseana e de Fernando Collor de Melo (em 1989). Naquele momento, não existia um
candidato a presidente que reunisse em torno de si o apoio das elites dominantes do país
e que pudesse se contrapor à forte candidatura operária de Luís Inácio Lula da Silva (PT).
Esta situação permitiu que surgisse uma “novidade” (Collor), saída de um estado pobre do
Nordeste, dominado por seu grupo político (com relações, inclusive, com a ditadura
militar). Assim, o governador de Alagoas (até então desconhecido da grande maioria dos
brasileiros) foi “fabricado e vendido”, da noite para o dia, pelos meios de comunicação
(em especial, a Rede Globo), apresentando-se como um “governador-modelo” (lembram-
se da “caça aos marajás”?), “jovem forte e dinâmico”, que faria agora a “salvação” ou
“reconstrução nacional” (lembram-se do PRN?). Todo mundo sabe como essa estória
terminou... Em 2002, a “novidade” eleitoral pode ser a “governadora-modelo”, cujo partido
(o PFL) quer vender para todo o Brasil a pílula dourada do (falso) “milagre maranhense”,
acrescida ainda de outra “novidade”: uma mulher na política nacional...
Neste outro trecho de seu Sermão, Antônio Vieira ressaltou ainda as (más)
qualidades da terra e sua gente. Sem aceitar a generalização indevida do padre jesuíta,
procuramos neste breve artigo chamar a atenção para uma prática sistemática das elites
regionais: o uso da mentira e da mistificação no exercício do poder, enquanto mecanismo
de legitimação e de construção de uma euforia ilusória e passageira. Processo que um
pesquisador recentemente denominou de experiência do falso, referindo-se a outro
contexto. Assim, que significados comportaria o tão anunciado Novo Tempo? Que tempos
são estes da oligarquia? M – Maranhão, M – modernidade, M – (falso) modelo, M – (falso)
milagre, M – mentira, M – miséria, M – morte, que de todos e por todos os modos aqui se
mata... no espetáculo sombrio conduzido pela política dominante.