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A Teoria Marxista

do Valor-Trabalho
A Teoria Marxista do
Valor-Trabalho
H. W.B. JOSEPH
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho
Horace William Brindley Joseph
Alta Linguagem Editora e Editora Konkin
Acompanhamento editorial
Vitor Gomes Calado, Daniel Miorim de Morais, Claudio
Henrique Tancredo
Tradução:
José Aldemar Santos, Erick Ottoni Kerbes

Direitos autorais
Domínio público, esta obra está livre de direitos de autor e
conexos
Sumário

Prefácio ............................................................... 1

I.Introdução .......................................................... 3

II.Enunciado da Teoria do Valor de Marx .............. 29

III.A Inconsistência entre as Consequências da Teoria


de Marx e os Fatos .............................................. 57

IV.Trabalho Humano Homogêneo ......................... 99

V. Relatividade Individual do Trabalho ................ 117

VI. A Ilusão Dos Valores Absolutos ................... 137

VI.-Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão .... 173


PREFÁCIO
Este livro surgiu de uma série de conferências originalmente pro-
feridas sob o título de Justice and Wages, em 1913; mas difere consi-
deravelmente delas por alterações, acréscimos e omissões. Acredito que
a teoria que encontra uma medida absoluta de valor para as coisas no
trabalho incorporado nelas é fundamentalmente falsa, e que a aceitação
generalizada dela entre as “classes trabalhadoras” é duplamente malici-
osa. Por um lado, faz com que seu ressentimento justificado em relação
ao funcionamento da ordem econômica venha a assumir a forma de de-
núncia de uma suposta injustiça definida; e isso inflama mais do que
esclarece sua análise dos esquemas de reforma. Por outro lado, exaspera
aqueles a quem atacam pela injustiça da alegação particular; e isso ali-
ena a simpatia.
A teoria, eu sei, foi rejeitada e, como penso, refutada por outros
antes de mim. Desejo fazer conversões, não pregar aos convertidos.
Esta é a razão pela qual me aprofundei tanto no argumento de Marx, a
cuja defesa a teoria deve a maior parte de sua aceitação; quanto à pers-
pectiva de sucesso, não posso julgar.
Devo reconhecer com gratidão a ajuda recebida das críticas e su-
gestões de três amigos que tiveram a bondade de ler o livro em versão
datilografada: Sr. H. Clay, Professor de Economia Política na Univer-
sidade de Manchester; Sr. H. A. Prichard, Fellow do Trinity College,
Oxford; e Dr. E. Cannan, Professor de Economia Política na Universi-
dade de Londres.

1
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

A passagem sobre a determinação de preços, pp. 123-9, seria mais


inadequada do que é, se não fosse pelo professor Clay, e o argumento
das pp. 138-45 foi desenvolvido pela primeira vez em correspondência
com ele, embora, devo admitir, em forma de oposição ao Dr. Cannan
devo algumas das referências históricas na Introdução; e o Sr. Prichard
melhorou o argumento ou exposição em mais lugares do que posso di-
zer, por seu exame atento e paciente. Mas eles não têm responsabilidade
por nenhum dos meus erros.

2
I- INTRODUÇÃO
Talvez seja verdade dizer que existem três elementos notáveis na
doutrina econômica de Karl Marx. Uma é a interpretação econômica da
história, a visão de que a verdadeira pista para a explicação do curso
dos eventos na história de toda a humanidade deve ser encontrada nas
condições econômicas sob as quais os homens vivem. 1
Uma é sua análise do curso e crescimento reais da indústria capi-
talista moderna, especialmente na Inglaterra, e a afirmação de que ela
se move inevitavelmente em direção ao seu próprio colapso e substitui-
ção por um estado comunista; embora sobre se a transição virá por meio
de um interlúdio de revolução sangrenta ou por um desenvolvimento
relativamente pacífico, seus discípulos não estejam de acordo.
A terceira é sua teoria do valor—que o valor de troca das merca-
dorias surge e deve ser medido pelo trabalho colocado nelas, e que os
trabalhadores sob o sistema capitalista são explorados, porque as mer-
cadorias que eles recebem em troca de seu trabalho incorporam menos
trabalho do que o que eles exercem e, portanto, são de menor valor do
que o que eles criaram.
Com as duas primeiras dessas doutrinas, o presente livro não está
preocupado. Pode ser que Marx tenha subestimado o papel que a ambi-
ção, o medo, o sentimento, a boa vontade, a razão e a religião

1
Para um esboço brilhante de algumas das maneiras pelas quais os fatos
econômicos determinam o amplo curso da história, cf. Professor J. L.
Myres, Dawn of History, na Home University Library.

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A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

desempenharam na determinação dos eventos. Pode ser que, apesar da


tendência de profecias como a dele se cumprirem, o futuro das socieda-
des capitalistas não esteja de acordo com sua previsão. Mas estas são,
ou serão, questões dos fatos históricos. Sua doutrina do valor é muito
mais uma questão de teoria, e pode ser examinada e, como acredito,
refutada sem o uso do aprendizado histórico.
Pode, de fato, parecer que tal exame é hoje quase desnecessário.
Isso foi feito ambos antes e desde que Marx escreveu. Pois a teoria da
conexão do valor nas coisas com o trabalho despendido nelas é mais
antiga do que Marx, embora não apresentada antes dele da mesma
forma, nem em uma tão elaborada e sistemática.
Há vestígios disso no Segundo Tratado do Governo Civil, de
Locke. É verdade que ‘‘o valor intrínseco das coisas’’ depende ‘‘apenas
de sua utilidade para a vida do homem’’, 2 embora em algumas coisas,
‘‘ouro, prata e diamantes’’, ‘‘a fantasia ou o acordo tenham colocado o
valor . . ., mais do que o uso real e o apoio necessário à vida’’. 3
Mas, em outro lugar, Locke escreve que ‘‘é o trabalho, de fato,
que coloca a diferença de valor em tudo’’ 4; ‘‘sempre que o pão vale
mais do que as bolotas, o vinho mais do que a água, e o tecido ou a seda
mais do que as folhas, a pele ou o musgo, se deve totalmente ao trabalho

2
§ 37-
3
§ 46, cf. §§ 50, 184.
4
§ 40.

4
Introdução

e à indústria’’ 5;‘‘é o trabalho [...] que coloca a maior parte do valor


sobre a terra, sem o qual ela dificilmente valeria alguma coisa’’ 6; o tra-
balho ‘‘faz, em grande parte, a medida’’ do valor, até mesmo do ouro e
da prata. 7
Nenhuma tentativa é feita para reconciliar as aparentes inconsis-
tências entre algumas dessas passagens; nem há realmente maior envol-
vimento naquelas que ligam o valor ao trabalho além do fato de o tra-
balho ser comumente necessário para trazer as coisas para o estado em
que elas são úteis para a vida do homem, ou em que a fantasia dos ho-
mens lhes atribui um valor.
Mas a autoridade do tratado pode muito bem ter ajudado a popu-
larizar, embora não pudesse tornar precisa, a noção de que o valor é de
alguma forma dependente do trabalho. De influência muito maior, no
entanto, do que quaisquer palavras de Locke, foram as bem conhecidas
declarações de Adam Smith e de Ricardo.
No quinto capítulo do primeiro livro Riqueza das Nações, Adam
Smith contrasta o preço real das mercadorias, ou seu preço em trabalho,
com seu preço nominal, ou preço em dinheiro:

O valor de qualquer mercadoria . . ., para a pessoa que


a possui, e que não pretende usá-la ou consumi-la, mas trocá-

5
§ 42.
6
§ 43.
7
§ 50. Pode valer a pena notar que Aristóteles, Ética a Nicômaco, V. v.
II, 1133ª 25-31, encontra na demanda ou necessidade a verdadeira fonte
de valor de troca.

5
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

la por outras mercadorias, é igual à quantidade de trabalho que


lhe permite comprar ou controlar. O trabalho, portanto, é a me-
dida real do valor de troca de todas as mercadorias. . .. O tra-
balho foi o primeiro preço, o dinheiro original que foi pago por
todas as coisas.

Não foi pelo ouro ou pela prata, mas pelo trabalho, que
toda a riqueza do mundo foi originalmente comprada; e seu va-
lor, para aqueles que o possuem e que querem trocá-lo por al-
gumas novas produções, é precisamente igual à quantidade de
trabalho que pode capacitá-los a comprar ou controlar.

Essas palavras são referidas, e em parte citadas, por Ricardo no


primeiro capítulo de seu Political Economy and Taxation. Ele admite
que ‘‘existem algumas mercadorias cujo valor é determinado apenas
por sua escassez’’; mas estas ‘‘formam uma parte muito pequena da
massa de mercadorias trocadas diariamente no mercado’’. Diz ele:

Ao falar de mercadorias, de seu valor de troca e das leis


que regulam seus preços relativos, queremos dizer sempre as
mercadorias que podem ser aumentadas em quantidade pelo es-
forço da indústria humana e na produção das quais a concor-
rência opera sem restrições.

Nos estágios iniciais da sociedade, o valor de troca des-


sas mercadorias, ou a regra que determina quanto de uma deve
ser dado em troca de outra, depende quase exclusivamente da
qualidade comparativa do trabalho despendido em cada uma
delas.

E, novamente citando Adam Smith, ele prossegue:

Que este é realmente o fundamento do valor de troca de


todas as coisas, exceto aquelas que não podem ser aumentadas

6
Introdução

pela indústria humana, é uma doutrina da maior importância


na economia política; pois de nenhuma fonte tantos erros e
tanta diferença de opinião nessa ciência procedem, como das
ideias vagas que estão ligadas à palavra valor.

Nota-se que Ricardo aqui atribui duas condições à doutrina de que


o valor de troca das mercadorias depende da quantidade de trabalho
gasto nelas; o trabalho deve ser capaz de aumentar a oferta, e a concor-
rência deve operar sem restrições na sua produção; e na produção, ele
aqui pretende incluir a disposição delas por meio da venda.
Na segunda seção do capítulo, ele ressalta que há diferentes qua-
lidades do trabalho, e que são consideradas de forma diferente; essa es-
timativa, diz ele, logo será ajustada no mercado, como Adam Smith ha-
via dito ser ajustada “pela disputa e barganha do mercado.” Pode-se
mostrar que há um sentido no qual, quando se dá força total a essas
condições e qualificações, o valor de troca das mercadorias é aproxima-
damente mensurável pelo trabalho necessário para produzi-las, 8 em-
bora não seja no sentido de Marx; pois, embora haja uma correspondên-
cia entre trabalho e valor, o valor não é constituído pelo trabalho.
Mas o editor de Ricardo, McCulloch, faz declarações mais abran-
gentes, esquecendo as condições e qualificações de Ricardo. Diz ele:
O trabalho é a única fonte de riqueza. [...] Um objeto
que não requer nenhuma parcela de trabalho para ser apropri-
ado ou adaptado ao nosso uso pode ser da mais alta utilidade,

8
Cf. abaixo, p. 135.

7
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

mas, como é uma dádiva gratuita da natureza, é totalmente im-


possível que tenha qualquer valor. 9

Contra essa doutrina, críticas deveras prejudiciais foram dirigidas


muito antes de Marx adotá-la e tentar dá-la uma justificativa científica
em seu Capital. Sobre isso, escreveu N. W. Senior 10:

Se enquanto descansasse despreocupadamente ao longo


da costa, eu pegasse uma pérola, ela não teria valor? O Sr.
McCulloch responderia que o valor da pérola advém de minha
apropriação ao me abaixar para pegá-la. Suponha, então, que
eu me deparei com ela enquanto comia uma ostra, como fica?
[...]

É verdade que, onde quer que haja utilidade, a adição


de trabalho como necessário à produção constitui valor, pois,
sendo a oferta de trabalho limitada, segue-se que o objeto, para
cuja oferta é necessário, é por essa mesma necessidade limitado
em oferta.

Mas qualquer outra causa que limite a oferta é uma


causa tão eficiente de valor em um artigo quanto a necessidade
de trabalho para sua produção. E, de fato, se todas as merca-
dorias usadas pelo homem fossem fornecidas pela natureza sem
qualquer intervenção do trabalho humano, mas fossem forneci-
das exatamente nas mesmas quantidades que são agora, não há
razão para supor que elas deixariam de ser valiosas ou que se-
riam trocadas em qualquer outra proporção que não a atual.

9
Principles of Political Economy, pp. 66-72.
10
Political Economy, ed. 1850, p. 24.

8
Introdução

A resposta ao Sr. Ricardo é, em primeiro lugar, que os


artigos de riqueza que não devem a parte principal de seu valor
ao trabalho que foi empregado em sua respectiva produção
real, formam, de fato, a maior parte da riqueza, em vez de uma
porção pequena e sem importância dela; e, em segundo lugar,
que, como a limitação da oferta é essencial para o próprio valor
do trabalho, assumir o trabalho e excluir a limitação da oferta
como a condição da qual o valor depende, não é apenas substi-
tuir uma causa parcial por uma geral, mas excluir intencional-
mente a própria causa que dá força à causa atribuída. 11

Uma resposta semelhante já havia sido dada por Richard Wha-


tely, em suas Introductory Lectures on Political Economy, proferidas
em Oxford em 1831. Ele estava ilustrando a prática, na Economia Polí-
tica, de introduzir circunstâncias acidentais juntamente às essenciais
nas definições de seus termos. Diz ele:
Um exemplo dessa introdução de circunstâncias aciden-
tais que descrevi pode ser encontrado, creio eu, na linguagem
de inúmeros escritores a respeito de riqueza e valor, que geral-
mente fazem do Trabalho um ingrediente essencial em suas de-
finições. É verdade que acontece que, por determinação da Pro-
vidência, artigos valiosos são, em quase todos os casos, obtidos
por meio do Trabalho, mas essa é uma circunstância acidental,
não essencial.

11
A segunda parte desta resposta parece ter mais peso do que a primeira,
na qual Sênior exagera seu caso. Como será visto no Capítulo V abaixo,
a razão pela qual o trabalho confere valor a seus produtos é o fato de
que seus produtos são desejados, portanto, o trabalho que os produzirá
também o é.

9
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Se os aerólitos que ocasionalmente caem fossem dia-


mantes e pérolas, e se esses artigos não pudessem ser obtidos
de nenhuma outra forma, mas fossem coletados casualmente,
na mesma quantidade que é obtida atualmente por meio de es-
cavação ou mergulho, eles teriam exatamente o mesmo valor
que hoje possuem.

Neste, como em muitos outros pontos da Economia Po-


lítica, os homens são propensos a confundir causa e efeito. Não
é que as pérolas alcancem um preço alto porque os homens mer-
gulharam para obtê-las; mas, pelo contrário, os homens mer-
gulham por elas porque elas alcançam um preço alto. 12

Marx nunca enfrentou, de fato, as críticas assim apresentadas con-


tra a doutrina que ele aceitou e desenvolveu. Em vez disso, ele a repetiu
com um grande desfile de justificativas filosóficas e associou a ela uma
teoria que, ao apelar para as paixões e ao senso de justiça dos homens,
atraiu a simpatia deles para a doutrina da qual ele a deduziu. Essa foi a
teoria de que o trabalhador, que cria valor, é espoliado do valor que cria.
Ricardo, apesar de sustentar que o preço natural ou o valor das
mercadorias deve ser medido pelo trabalho empregado em sua produ-
ção, admitia que seu preço de mercado pudesse divergir desse valor,
embora, sob a livre concorrência, ele esteja constantemente sendo tra-
zido de volta ao preço natural. Ele fez a mesma distinção entre o preço
natural e o preço de mercado do trabalho.

12
3ª ed., p. 234. Esta conferência foi publicada pela primeira vez em 1832.
Os itálicos são do autor.

10
Introdução

Como o preço natural das mercadorias deve ser medido pelo tra-
balho necessário para produzi-las, o preço do trabalho deve ser medido
pelo trabalho necessário para produzi-lo, isto é, para produzir ‘‘os ali-
mentos, artigos de primeira necessidade e conveniências necessárias
para o sustento do trabalhador e sua família’’. “É quando o preço de
mercado excede o preço natural, que a condição do trabalhador é flo-
rescente e feliz’’; mas, também nesse caso, pela ação da concorrência,
quando a oferta de trabalho excede a demanda, ela trabalha para trazer
o preço de mercado para o preço natural, ou mesmo, por vezes, abaixo
dele. 13
Foi essa parte da doutrina de Ricardo que deu a Marx a oportuni-
dade de associar à doutrina de que o valor é criado pelo trabalho a de-
dução de que, em uma sociedade capitalista, o trabalhador é defraudado
do valor que cria. É difícil distinguir um preço natural de um preço de
mercado sem sugerir, pelos termos da antítese, que, por mais que o
preço de mercado possa prevalecer por um acaso das circunstâncias, o
preço natural é aquele que deveria prevalecer.
Mas, para o próprio trabalho, esse preço ‘‘natural’’, como Ricardo
o definiu, parecia ser, para Marx, um preço fraudulento. É tudo menos
autoevidente que os trabalhadores não devam receber mais do que o
necessário para prover os ‘‘alimentos, necessidades e conveniências’’
necessários para o sustento deles próprios e de suas famílias, se é o tra-
balho deles que produz o valor das mercadorias que o empregador
vende por muito mais do que tais salários.

13
Political Economy and Taxation, ch. v.

11
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Marx sustentava que o valor do trabalho deve ser medido, na ver-


dade, não pelo trabalho necessário para produzir o que manterá o traba-
lhador e sua família, mas por sua própria quantidade; de modo que sua
recompensa adequada são as mercadorias que incorporam tanto traba-
lho quanto o trabalhador exerce, e isso é mais do que está incorporado
no que mal manterá a ele e a sua família.
A teoria do valor-trabalho assim desenvolvida adquiriu uma in-
fluência prática muito diferente do que poderia exercer na forma que
Ricardo lhe dera. Se for admitido que o trabalho é a única fonte de valor,
certamente pareceria que a recompensa do trabalhador deve ser do valor
que seu trabalho cria, e não do valor do que ele consome ao criá-lo.
Mas permitir isso é proclamar um conflito entre a justiça e aquelas
“leis econômicas” que, de acordo com a doutrina da Economia Política
“ortodoxa” ou “acadêmica”, devem regular os salários. Essa Economia
Política, portanto, e toda a ordem econômica cujas “leis” ela analisou,
Marx denunciava com desdém. Alguns, de fato, como vimos, já haviam
rejeitado a teoria do valor-trabalho da qual Marx extraiu sua condena-
ção daquela. Mas o exame dessa teoria passou a ser uma questão de
interesse tanto prático quanto especulativo. E, desde que Marx a escre-
veu, os economistas “ortodoxos” têm sido unânimes em rejeitá-la; tam-
pouco as incoerências específicas na tentativa de Marx de demonstrar
sua veracidade passaram despercebidas. 14

14
Como recentemente pelo Sr. F. R. Salter, Karl Marx e Modern Socia-
lism Macmillan & Co., 1921), capítulos v e vi. Cf. também abaixo, p.
79, n. 1.

12
Introdução

Mesmo os líderes do pensamento socialista de hoje não a profes-


sam – não todos. No entanto, há boas razões para pensar que sua in-
fluência real sobre as mentes de grandes massas de homens é muito
forte, e que não faz pouco em amargurar os pensamentos delas.
Embora a prova de sua validade não seja encontrada nas declara-
ções publicadas como o é na experiência daqueles que circulam entre
os trabalhadores e ouvem seus debates, pode valer a pena dar algumas
evidências do primeiro tipo.
O Sr. Philip Snowden, em seu Socialism and Sindicalism, 15 em-
bora não se comprometa com toda a doutrina de Marx, considera a exis-
tência de uma classe rica que não trabalha como a demonstração de que
“o trabalhador não recebe tudo o que o cria”; a riqueza dessa classe
exibe de forma concreta “o valor não pago do produto do trabalhador”;
proprietários e capitalistas “apropriam mais-valor”, e o capitalismo é
definido como “capital empregado com a finalidade de se apropriar do
lucro ou do mais-valor”.
Todas essas expressões implicam a aceitação do que acredito ser
falso na teoria de Marx. O Sr. Snowden cita também uma resolução
adotada pela Conferência Anual do Partido Trabalhista em Liverpool,
em 1905, que mostra como a aceitação da teoria é generalizada. A re-
solução afirma que o objetivo final do partido será

Obter para os trabalhadores os resultados completos de seu tra-


balho pela derrubada do atual sistema competitivo capitalista e

15
Pp.73, 79, 141.

13
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

pela instituição de um sistema de propriedade pública de todos


os meios de produção, distribuição e troca.

Parece justo interpretar isso como significando que “os resultados


completos do trabalho dos trabalhadores” não são apenas mais do que
o que eles agora recebem, mas tudo o que pode ser obtido. Mais recen-
temente, o Sr. Robert Smillie teria dito 16 em uma conferência de dele-
gados da Federação dos Mineradores, que os fazendeiros, cuja classe,
se alguma, havia lucrado durante a guerra, ‘‘em termos gerais, não fo-
ram os próprios produtores; mas as classes assalariadas, que foram re-
almente os produtores’’.
Presumivelmente, as exceções pretendidas pelas palavras ‘‘em
termos gerais’’ são os agricultores que trabalham com as próprias mãos.
Que apenas os assalariados, ou seja, aqueles que trabalham com as
mãos, produzem é um dos elementos mais explosivos da teoria. 17
Porque o valor pertence, em sua maior parte, apenas a coisas nas
quais o trabalho foi exercido, supõe-se que o trabalhador que produz
alguma mudança material também produz o valor. O Sr. H. M. Hynd-
man, até o final de sua vida, ensinou que o lucro bruto do capitalista

16
The Times, 24 de outubro de 1919, relatando uma conferência do dia
anterior.
17
Embora o Partido Trabalhista, ao admitir em seu quadro de membros,
há alguns anos, aqueles que pertenciam ao 'Salariado', tenha reconhe-
cido que outros tipos de trabalho, além do manual, ajudam a criar valor,
ele não repudiou os fundamentos da teoria de Marx. O próprio Marx,
em alguns lugares, reconheceu o mesmo.

14
Introdução

vem ‘‘do trabalho dos trabalhadores incorporado nos bens produzi-


dos’’, e mesmo que ‘‘servidores assalariados, superintendentes, escri-
turários, etc.’’, que ‘‘recebem seus salários dos lucros brutos’’, ‘‘não
agregam valor aos bens produzidos’’. 18 E, para ir mais longe, que o
proletariado seja explorado pela burguesia, que faz parte da essência da
doutrina de Marx, é o fardo constante do livro de Lenin, O Estado e a
Revolução 19, e o credo declarado da Terceira Internacional20.
Criticar a doutrina, então, não é chutar cachorro morto, e pode ser
que tenha valor prático. Nenhum ser pensante aprovaria as grandes de-
sigualdades na atual distribuição de riqueza, e certamente é desejável
que haja uma regra de justiça nessa questão.
A derrubada de todos os padrões aceitos de preço ou salário, efe-
tuada pela guerra, fez com que os homens sentissem mais intensamente
a necessidade de tal regra. A teoria do valor de Marx professa fornecer
uma. Daí seu efeito em criar amargura, pois, naqueles que acreditam
nisso, ao descontentamento se acrescenta a sensação ardente de uma
injustiça definitiva; e o problema da cura, que para outros parece intrin-
cado e delicado, para eles parece definido e simples.
Se, como acredito, a teoria de Marx é definitivamente falsa, e se
não há nenhum meio pelo qual se possa estabelecer a quantidade de
riqueza que cada homem cria, nem nenhuma regra de justiça para

18
Carta ao The Times, 19 de janeiro de 1921.
19
Escrito em 1917: publicado por George Allen & Unwin.

15
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

determinar que parte da riqueza total criada cada um deve ter, vale a
pena tentar demonstrar isso.
Persuadir pelo menos alguns daqueles que a teoria de Marx cati-
vou de sua falsidade é a esperança deste livro. Como a apresentação de
Marx é muito obscura, sua exposição argumentativa não pode ser total-
mente fácil, e pode ser mais fácil seguir a linha dos capítulos subse-
quentes se um breve esboço do argumento for apresentado primeiro.
Todos sabem que as coisas que são compradas e vendidas são tro-
cadas por quantidade, peso ou medida, tanto de uma por tanto de outra.
O vendedor muitas vezes pensa que deve receber mais do que recebe
pela quantidade do que dá; o comprador muitas vezes pensa que deve
se desfazer de menos do que dá pela quantidade do que recebe.
As proporções nas quais as coisas são trocadas são o que tornam
as trocas lucrativas ou não lucrativas, ou desigualmente lucrativas, para
diferentes partes; como as proporções são comumente expressas em di-
nheiro, dizemos que são os preços que desempenham esse papel.
Em particular, para uma parte muito grande da população nas co-
munidades industriais modernas, é a proporção na qual o trabalho pode
ser trocado por mercadorias, o preço do trabalho ou a taxa de salários,
que torna seu trabalho lucrativo ou não lucrativo para eles, que torna as
condições materiais de sua vida confortáveis, toleráveis, duras ou mi-
seráveis.
O fato de que, por uma coisa, um homem pode garantir outras em
troca, chamamos de valor de troca, ou simplesmente o valor, dessa
coisa; e o valor de qualquer coisa é medido pela quantidade de outras

16
Introdução

coisas—particularmente de dinheiro—que podem ser obtidas em troca


dela.
Mas também costumamos dizer que algo foi vendido abaixo ou
acima de seu valor, por mais ou por menos do que vale. E, ao falar as-
sim, parecemos sugerir que o valor de uma coisa não deve ser medido
meramente pela quantidade de dinheiro (ou outras coisas) que, em um
determinado momento, pode ser obtida por ela, mas pela quantidade
que deveria ser dada por ela; que seu valor não é necessariamente ex-
presso em seu preço, mas é algo a que seu preço deveria corresponder
e frequentemente não corresponde.
Mesmo que não fosse assim, uma investigação sobre as condições
que determinam as proporções em que diferentes coisas são trocadas e,
portanto, seus preços, e o preço que o trabalho pode exigir, seria algo a
que as pessoas, cujos interesses são tão diretamente afetados pelos fa-
tos, dificilmente poderiam ser indiferentes. Mas se for possível demons-
trar que existe um valor para as coisas que é distinguível do que elas de
fato alcançam, e determinam o que elas devem alcançar, a investigação
se torna muito importante. Pois apela ao senso de justiça das pessoas,
bem como à sua curiosidade no que lhes diz respeito.
Poderíamos então falar adequadamente das relações de troca reais
das coisas como conformes ou divergentes de suas relações reais; po-
deríamos chamar uma troca, ou um preço, ou um salário, de correto ou
incorreto, justo ou injusto. Determinar as condições que conferem às
coisas esses valores, às quais suas relações de troca podem ou não se
conformar na prática, seria determinar o que é justo na ordem econô-
mica da sociedade, encontrar um modelo ou padrão pelo qual pessoas

17
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

de mente justa podem concordar em reparar a distribuição atual tão de-


sigual dos bens deste mundo.
Isso é o que Marx afirmou ter feito. Ele ensinou que o que dá
valor real às coisas que o possuem, e que originalmente controlava suas
relações de troca, é o trabalho nelas incorporado; e que, com referência
a esse trabalho, podemos determinar não apenas as quantidades justas
ou adequadas de quaisquer duas coisas materiais ou mercadorias que
devam ser trocadas entre si, ou que sejam equivalentes, mas também
qual quantidade delas é o retorno justo ou adequado para alguma quan-
tidade de trabalho, ou seja, uma quantidade que incorpora uma magni-
tude de trabalho igual àquela pela qual é paga.
Tal ensino tem dois atrativos óbvios. Ele promete uma regra ci-
entífica em uma questão em que todos nós, ao menos às vezes, nos sen-
timos ofendidos por uma aparência de egoísmo ou irracionalidade; e
para a maioria menos afortunada, ele proclama que, por meio dessa re-
gra, eles estão sendo injustiçados e podem conhecer seus direitos. Não
é, portanto, surpreendente que tenha se tornado o credo de uma grande
parte entre ela: e um credo com uma influência explosiva e revolucio-
nária.
Esse é o credo cujo exame será o objetivo das próximas páginas.
Pois, embora o mal dessas desigualdades a serem corrigidas, que os dis-
cípulos de Marx veem em sua teoria do valor como a regra científica,
seja grosseiro e gritante, ainda assim, se a teoria é insana, se a regra for
viciosa e incapaz de ser aplicada, a tentativa de agir conforme a ela deve
fracassar; e uma revolução econômica guiada por tal regra provavel-
mente será ruinosa—destruirá e será incapaz de reconstruir.

18
Introdução

A teoria é exposta no segundo capítulo; e os pontos a serem enfa-


tizados nela são os seguintes:
1. O valor de qualquer coisa é considerado algo inerente a ela
como resultado do trabalho nela despendido, e é bastante dis-
tinto de sua utilidade, embora a coisa deva ser de alguma forma
útil; e distinto também do poder real da coisa de obter outras
coisas em troca.
2. Mas esse trabalho não é o trabalho familiar de ferreiro ou lavra-
dor, nem mensurável pelas horas que trabalham. É ‘‘trabalho
simples homogêneo’’, ‘‘trabalho humano em abstrato’’, cujas
quantidades diferentes estão contidas em, ou são equivalentes a,
uma hora de lavoura ou uma hora de trabalho na forja. E, nova-
mente, o trabalho inerente a uma determinada coisa não é nem
mesmo a quantidade de “simples trabalho homogêneo” que es-
tava contida no trabalho específico do homem que trabalhou
nela; é a quantidade “socialmente necessária”, que pode ser
mais ou menos do que isso: mais, se a coisa dada foi feita com
menos trabalho real do que é comumente necessário para pro-
duzir coisas de seu tipo; menos, se produzida com mais trabalho.
3. Se, com todo o trabalho que são capazes de exercer, os homens
que trabalham em cooperação pudessem produzir apenas a sub-
sistência básica da vida, não haveria nenhum avanço em termos
de riqueza ou conforto. Os fatos são outros; e, em média, é pre-
ciso menos do que um dia inteiro de trabalho para produzir as
necessidades que sustentarão uma sociedade cujos membros
adultos e fisicamente aptos estejam exercendo um dia inteiro de
trabalho. Portanto, a quantidade de bens que incorporam uma

19
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

determinada quantidade de trabalho aumenta continuamente; o


valor real, isto é, o valor medido em termos do trabalho inerente,
de uma determinada quantidade de bens diminui continua-
mente; e, à medida que isso ocorre, a quantidade de bens deve
aumentar, o que será o equivalente verdadeiro ou justo de um
dia de trabalho.
4. Mas a quantidade de bens necessários para sustentar o trabalha-
dor é determinada fisiologicamente e, portanto, não aumenta.
Agora, em uma sociedade em que a maioria dos homens não
tem acesso independente aos materiais e instrumentos de produ-
ção, os capitalistas que controlam esse acesso podem fixar os
termos em que o permitem aos demais. Não há mais valor em
todos os bens produzidos do que aquele que o trabalho exercido
sobre eles confere; e se os capitalistas dessem aos trabalhadores
o equivalente total do seu trabalho, não restaria nada para eles
mesmos.
Tudo o que eles devem lhes dar, entretanto, são as necessidades
da vida, nas quais menos trabalho é incorporado e que, portanto,
têm menos valor do que o trabalho que recebem. A diferença
entre a quantidade de trabalho de um homem e a quantidade de
trabalho incorporada nos bens que ele recebe por isso, Marx
chama de mais-trabalho; e o valor disso, mais-valor. Esse é o
lucro do capitalista; o valor que ele retém ou ganha é o valor não
pago do trabalho de seus empregados.
Tal é, então, a teoria. Uma teoria é testada considerando quais
consequências decorrem dela. Não é certamente verdade que os fatos
são o que pode ser deduzido como consequências da teoria; pois, muitas

20
Introdução

vezes, até certo ponto, os mesmos fatos podem ser deduzidos de teorias
conflitantes. Mas se os fatos não são o que pode ser deduzido como
consequência da teoria, a teoria certamente é falsa.
Segundo Marx, um capitalista obtém lucro pagando a seus traba-
lhadores menos do que o valor real de seu trabalho. Ele paga por outras
coisas além do trabalho—por matéria-prima e máquinas; mas ele paga
o valor total por isso e não lucra com elas. O capital gasto na compra
desses produtos, Marx chama de capital constante; o capital gasto em
salários, de capital variável; sua soma é o capital total.
Como todo lucro vem, conforme a teoria, do uso do capital vari-
ável, duas consequências se seguem:
(i) Um capitalista deve diminuir seu lucro, outras coisas
sendo iguais, ao diminuir sua folha de pagamentos de sa-
lários.
(ii) As taxas de lucro de diferentes capitalistas devem variar,
outras coisas sendo iguais, conforme a maior proporção
entre seus capitais variável e constante—suas folhas de
pagamentos em relação às suas outras despesas.
Nenhuma dessas consequências ocorre.
Marx não era ignorante quanto a essas discrepâncias. Mas, em vez
de, portanto, abandonar a teoria que levou a elas, tentou mostrar como
eram consistentes com ela. Ele sustentava que, em uma sociedade pré-
capitalista, os valores dos produtos do trabalho de trabalhadores inde-
pendentes eram proporcionais ao tempo de trabalho incorporado a eles,
e que esses valores foram transformados pela influência posterior do
capitalismo em “preços de produção”, que não são assim proporcionais,

21
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

mas produzem uma taxa de lucro aproximadamente uniforme sobre o


total de capitais empregados. Essa alegação é examinada no Capítulo
III desse livro. É demonstrado
1. Que, em uma era pré-capitalista, os trabalhadores independentes
não atribuem valores iguais aos produtos de períodos iguais de
trabalho;
2. Que não há motivo para dizer que, em tal era, cada trabalhador
ganha por seu trabalho o que é justo;
3. Que, se a desigualdade das recompensas de períodos iguais de
trabalhos diferentes for explicada pela redução de períodos
iguais desses trabalhos a períodos desiguais de simples trabalho
homogêneo, o argumento será circular. Os preços, então, nunca
se conformaram aos “valores” e, portanto, o suposto processo
pelo qual eles foram desviados dessa conformidade não pode ter
ocorrido. Mas supondo que ocorreu, descobrimos que o relato
de Marx sobre o suposto processo se quebra.
Ele argumenta que, em primeiro lugar, em cada linha de produ-
ção, em vez de diferentes taxas de lucro para diferentes capitalistas
dessa linha, dependendo diretamente das proporções que os mais-valo-
res apropriados por eles possuem em relação aos seus respectivos capi-
tais totais, uma única taxa média de lucro vem a ser substituída. Esta é
a explicação da discrepância (i) acima.
E, posteriormente, para essas várias taxas médias de lucro em
cada linha de produção, uma taxa uniforme de lucro é estabelecida para
todas as linhas, resultando em “preços de produção”. Mas o relato do
primeiro processo é na verdade uma explicação do estabelecimento de

22
Introdução

um preço único de mercado para qualquer tipo de mercadoria. Marx diz


que isso é efetuado pela concorrência entre os produtores, mas sustenta
erroneamente que o que a concorrência estabelece é uma média dos di-
ferentes valores individuais das várias partes do estoque total.
A explicação do segundo processo gira em torno da concepção de
um único valor de mercado para cada tipo de mercadoria, distinto tanto
do preço de mercado único quanto do preço final da produção; mas sob
o nome de valor de mercado, Marx esconde ora o preço de mercado, e
ora o preço de produção, e em nenhum lugar mostra que realmente há
uma terceira coisa distinguível de ambos. O valor, portanto, como sua
teoria o define, mensurável no tempo de trabalho, nunca figura real-
mente na conta.
E, ao longo do relato, Marx revela um completo equívoco sobre
a natureza e os limites do surgimento das médias. Ele fala de um valor
médio para todas as mercadorias, e tal coisa não pode existir. Ele supõe
que, a partir de uma determinada proporção entre as quantidades médias
de dois recursos em um conjunto de termos, é possível deduzir uma
proporção constante entre as quantidades desses recursos nos vários ter-
mos do conjunto. Isso não é verdade.
Ele usa, novamente, a noção de uma média quando substitui,
como constituindo o valor de um determinado artigo, o trabalho real-
mente despendido nesse artigo, pelo trabalho socialmente necessário; e
não vê que isso destrói qualquer plausibilidade pertencente à doutrina
de que um homem deve receber por seu trabalho em proporção à sua
labuta.
Uma vez que o trabalho que Marx diz conferir valor não é qual-
quer trabalho específico de ferreiro ou lavrador, mas um “simples

23
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

trabalho homogêneo”, em várias quantidades das quais estas são consi-


deradas redutíveis, o quarto Capítulo é dedicado a examinar essa con-
cepção.
É demonstrado que, quando ele sustenta a doutrina de que, em
uma sociedade que subsiste pela divisão do trabalho, o valor é constitu-
ído pelo trabalho, ao argumentar a partir Robinson Crusoé exercendo
diferentes tipos de trabalho em sua ilha deserta, Marx se baseia em uma
falsa analogia; e que, dos dois métodos pelos quais ele diz que poderí-
amos determinar a quantidade de simples trabalho homogêneo equiva-
lente a uma determinada duração de qualquer trabalho específico, o pri-
meiro apenas levantaria a questão.
O segundo, baseado no custo de treinar um homem para qualquer
trabalho específico, mostraria que as relações de troca não estão de
acordo com os valores assim determinados. E é então apontado que toda
a noção de um simples trabalho homogêneo ao qual os diferentes traba-
lhos específicos são redutíveis é logicamente errônea, confundindo uma
unidade de medida com uma identidade genérica.
O quinto capítulo argumenta que é um erro fundamental supor
que há algum elemento comum inerente a todas as coisas que possuem
valor de troca e que determina suas relações de troca. A questão envol-
vida não é meramente econômica; diz respeito a todas as preferências,
incluindo a preferência moral. As trocas econômicas resultam da von-
tade mútua por coisas diferentes, e não do desejo de um elemento nas
coisas, do qual as coisas que contêm mais são as mais valiosas.
O valor é conferido a qualquer coisa principalmente pelo fato de
ela ser desejada: valor igual, quando cada coisa recebida em troca é de-
sejada um pouco mais pelo comprador do que aquilo que é dado por

24
Introdução

ela. O trabalho confere valor apenas na medida em que produz o que


satisfaz as necessidades dos homens e não pode ser obtido sem trabalho.
Quando Marx pensou que, se abstrairmos de seus usos específi-
cos, não há mais nada de comum em todas as coisas que têm valor, a
não ser o fato de serem produtos do trabalho, ele se esqueceu de que é
igualmente comum a todas elas satisfazer alguma vontade. Mas, embora
as necessidades deem valor às coisas, o que faz com que seus valores
pareçam comensuráveis é a relação dessas vontades com a vontade de
uma única coisa, o dinheiro.
Este não é um elemento comum inerente, que poderia fornecer
uma unidade de medida para todos os valores. Pelo contrário, os valores
das coisas são realmente diferentes para pessoas diferentes, pois seus
desejos diferem. Esse fato só é escondido, não cancelado, pela fixação
de preços, como pode ser prontamente demonstrado por um exemplo.
E essa variabilidade das vontades das pessoas faz com que a tentativa
de medir os valores das coisas absolutamente, ou para todas as pessoas,
em termos de uma unidade comum, seja quimérica.
A impossibilidade não decorre do valor flutuante da unidade de
medida em si, o franco, o marco ou a libra esterlina; pois ela ainda per-
maneceria, se evitássemos isso substituindo-a por números-índice.
Surge do fato de que uma coisa só tem valor quando é desejada, e nem
todas as pessoas querem as mesmas coisas nas mesmas proporções.
A conexão de valor com os desejos é prosseguida no sexto capí-
tulo. Argumenta-se que o que leva à ilusão de um valor absoluto nas
coisas é o fato de elas terem preços fixos; como o preço é o mesmo para
todos, supõe-se que o valor também o seja. Mas, na realidade, o valor

25
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

da mesma coisa para pessoas diferentes é tão distinto que pode parecer
que elas deveriam dar preços diferentes por ela.
Há, no entanto, tanto razões morais que fazem parecer certo de
que os preços sejam fixados quanto razões econômicas para fixá-los; e
há causas definidas na conduta de compra e venda que levam à sua fi-
xação. E embora daí resulte uma maior igualdade de sacrifício e satis-
fação, se diferentes transações da mesma mercadoria fossem realizadas
a preços diferentes, desde que aqueles que pudessem aceitar um preço
mais baixo fossem postos em contato com aqueles que tivessem menos
condições de dar um preço mais elevado, e aqueles que precisassem
mais de um preço mais alto com aqueles que pudessem oferecê-lo,
ainda assim seria impossível garantir esse emparelhamento harmoni-
oso.
Devemos, então, concordar com preços únicos que envolvem sa-
crifícios e satisfações muito desiguais para aqueles que os dão ou rece-
bem; e não há valor de troca absoluto ou objetivo expresso pelo preço.
Tampouco os preços que correspondem às exigências de produção po-
dem expressar qualquer valor real ou absoluto. O valor não é absoluto,
porque os desejos variam em sua intensidade positiva e comparativa de
pessoa para pessoa, e se baseia no fato dos desejos das pessoas, combi-
nado com algum grau de escassez daquilo que os satisfará.
É verdade que as pessoas sentem um sacrifício ao se separarem
do que querem, e, portanto, não pode haver valor de troca sem sacrifí-
cios e desejos. Mas os fatores primários são os desejos e a escassez; e
mesmo que se pudesse dizer que o valor de uma coisa surge tanto do
sacrifício necessário para produzi-la quanto do desejo por ela, isso ainda
não mostraria que advém o valor do trabalho. Pois trabalhar é apenas

26
Introdução

um tipo de sacrifício; e embora, na medida em que o trabalho possui


valor, e possa transmiti-lo ao que produz, ele deriva esse valor do desejo
dos homens por aquilo que ele pode produzir.
O último capítulo discute se o trabalho, que demonstrei não criar
valor, deve regular a parte das pessoas no tocante aos bens materiais e
se pode haver uma regra única e justa de distribuição

27
II- ENUNCIADO DA TEORIA DO
VALOR DE MARX
A PRINCIPAL OBRA DE MARX, Das Kapital, ou O Capital, está em
três volumes, dos quais apenas o primeiro foi publicado em sua vida.
Uma tradução em inglês deste volume não apareceu até 1886, três anos
após a morte do autor; e, do terceiro volume, não apareceu até 1894. A
obra é dedicada a uma análise do modo de produção capitalista que ele
considerou predominante especialmente na Europa Ocidental e nos Es-
tados Unidos da América.
No modo de produção capitalista, os materiais e instrumentos de
produção estão concentrados nas mãos de comparativamente poucos,
enquanto o trabalho real de manusear os materiais e usar os instrumen-
tos é realizado por pessoas que trabalham por um salário. Por mais fa-
miliarizados que estejamos com esse sistema, não é o que sempre pre-
valeceu, nem o que prevalece em todos os lugares agora.
O sapateiro ou ferreiro de alguma aldeia, o pequeno agricultor que
cultiva sua própria terra com a ajuda de seus filhos, o grupo de pesca-
dores que possui um barco e equipamentos, não são, no sentido de
Marx, capitalistas, embora possuam instrumentos e materiais de produ-
ção; não há capitalismo na comunidade de aldeia na Índia rural 20 ou na
Arábia.

20
Exceto pelas atividades do bunnia, ou emprestador de dinheiro.

29
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O sistema capitalista é principalmente o resultado de grandes ma-


quinários. A provisão de grandes máquinas requer mais riqueza do que
o pequena o trabalhador possui; o uso delas requer muitos trabalhadores
em uma única fábrica; elas são incentivadas pela subdivisão do traba-
lho; e tanto por causa disso quanto pelo número de trabalhadores con-
centrados, faz-se necessária uma organização e direção cuidadosas dos
trabalhadores.
Assim, o capital e o controle passam a estar nas mãos de poucos:
pelo menos a gestão do capital, se não (em sociedades por ações) a pro-
priedade dele. A massa de homens passa a ser assalariada, negociando
com um empregador para trabalhar tantas horas por dia por tantos xe-
lins; não precisando entender muito do processo de produção além das
fases de seu próprio trabalho imediato; não tendo nenhum interesse fi-
nanceiro óbvio no negócio, exceto seu salário; e, porque o pequeno tra-
balhador não é capaz de produzir de forma tão barata quanto a fábrica,
não tendo alternativa, se quiser ganhar a vida, deve trabalhar por um
salário.
O sistema fabril surgiu primeiro na Grã-Bretanha, onde as primei-
ras invenções mecânicas que o tornaram possível foram feitas; e o es-
tudo de Marx é baseado em grande parte em experiência vinda da In-
glaterra e almanaques ingleses. Os terríveis abusos relacionados ao sis-
tema fabril em seus estágios iniciais, antes da introdução de quaisquer
Decretos Fabris, são bem conhecidos.
Marx considera a ganância e a insensibilidade frequentemente
exibidas como características não tanto da natureza humana, ou do

30
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

caráter britânico, quanto do sistema capitalista. 21 Ele tenta mostrar


como esse sistema se baseia na apropriação pelo capitalista de mais-
valor, um lucro imerecido que sua posição como capitalista o tenta a
aumentar por todos os meios possíveis.
Mas, embora a teoria do mais-valor, e do valor em geral, seja ex-
posta com referência especial ao sistema de produção capitalista, sua
verdade, se for verdade, é independente desse sistema. A troca de pro-
dutos com alguma consideração por seus diversos valores, o uso de di-
nheiro para facilitar essa troca, a expressão do chamado valor de outras
coisas em termos de dinheiro, são fatos que pertencem a todos os está-
gios econômicos da sociedade, exceto os mais simples; e se a fonte do
valor dos bens trocáveis é a força de trabalho utilizada em sua produção,
esse fato não tem nada a ver com o capitalismo.
Tampouco os enigmas e os problemas dos quais a pesquisa de
Marx se origina, e as injustiças que ele acusa contra o sistema capita-
lista, de forma alguma se limitam ao capitalismo. Como é possível, se
uma troca é justa, que qualquer um dos lados possa lucrar com ela? 22
Se houver lucro, uma parte não deve ter obtido mais e a outra menos do
que deveria da transação? E não teria um homem que enriqueceu no
curso dos negócios enganado alguém? Qual seria, novamente, um preço
justo para qualquer coisa, e é correto que ele seja tal que permita ao

21
Para algumas evidências contra este veredicto, cf. Industry and Trade,
do Professor Alfred Marshall, p. 73 (Macmillan & Co., 1919).
22
“A troca não cria valor.” Sr. H. M. Hyndman, carta ao The Times, 19
de janeiro de 1921.

31
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

vendedor pagar juros sobre seu dinheiro a um homem que empresta para
fins de produção ou comércio?
Essas são perguntas que podem ser facilmente feitas em uma so-
ciedade onde cultivadores e artesãos trabalham para si mesmos e não
para um empregador, possuindo os meios de produção com os quais
‘‘misturam seu trabalho’’ e compram e vendem entre si sem qualquer
desenvolvimento elaborado das atividades de intermediários. A maioria
deles pode ser questionada onde o meio de produção, a distribuição e a
troca estão nas mãos da comunidade.
A teoria do valor e do mais-valor destina-se, por Marx, a explicar
imediatamente as relações de troca entre diferentes tipos de mercado-
rias, o verdadeiro valor, e, portanto, o preço justo de uma mercadoria, a
fonte do aumento do valor do estoque de mercadorias em um país, e o
método pelo qual a classe capitalista se apropria desse aumento, nas
formas de renda, juros e lucro.
Segundo a teoria, todo valor em uma coisa é derivado do trabalho
nela incorporado; as relações de troca das coisas são uma expressão de
seus valores relativos em trabalho; o aumento do valor na totalidade das
coisas é possível, visto que um trabalhador pode exercer mais força de
trabalho em um dia do que foi empregado na produção das coisas que
ele deve consumir para sustentar-se durante o esforço; mas o valor que
esse mais-trabalho incorpora em mercadorias é apropriado pelo capita-
lista, que paga o trabalhador, na forma de salários, uma quantia que in-
corpora menos trabalho do que o trabalhador emprega enquanto traba-
lha e, portanto, tem menos valor do que o trabalhador produz.
Essa é a teoria que vamos examinar. Marx, de fato, até onde eu
sei, não dá nenhuma explicação filosófica geral da noção de valor. Ele

32
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

distingue valor de uso e valor de troca, como muitos outros economistas


fizeram. O que possui valor de uso é útil para algum resultado, quer esse
resultado possa ser obtido em troca ou não. Mas se for dito que o resul-
tado tem valor, não como instrumental para um resultado posterior, mas
em si mesmo, a palavra é usada em um sentido diferente dos sentidos
que Marx distingue.
O ar raramente tem valor de troca; mas tem alto valor de uso,
sendo necessário à vida. Não se diria que a vida possui valor de uso,
exceto em relação a algo posterior; por exemplo, a vida de um cavalo
teria valor de uso para um viajante em um país onde é possível se apro-
priar de cavalos ao léu. No entanto, devemos dizer que a vida tem valor;
e é esse sentido da palavra que é de maior interesse filosófico.
Talvez seja melhor não usar a mesma palavra em todos esses sen-
tidos. ‘‘Valor’’ também sugere inevitavelmente a comparação por ser
uma boa palavra para denotar o elemento cujos graus são comparados.
Dizia-se antigamente que os deuses podem ser honrados, mas não elo-
giados, porque elogiamos as coisas por referência a um padrão, e os
deuses são incomparáveis 23; e assim podemos dizer que aquilo o que
justifica sua existência meramente por ser o que é deve ser chamado de
bom em vez de valioso.
A palavra “valor” às vezes é preferida nesse sentido a “equiva-
lente”, embora também seja um termo de comparação (pois dizemos
que uma coisa equivale a tanto), porque não sugere tão fortemente uma

23
Aristóteles, Ética a Nicômaco, I. xii. 2-4, 1101b 12-27.

33
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

mera relação com outras coisas. Mas ‘‘bom’’ é a palavra que melhor
sugere esse caráter autojustificador nas coisas que desejamos indicar.
Em um tratamento filosófico da noção de valor, seria necessário
considerar se existe algo bom e, em caso afirmativo, o quê, intrinseca-
mente; e independentemente do valor que os homens possam atribuir a
isso. Mas a teoria de Marx implica que o valor de troca é algo tão in-
trínseco a uma mercadoria que o possui quanto tal bondade o seria.
É como se alguém olhasse para alguma obra estupenda do traba-
lho humano, como a Grande Pirâmide ou a Grande Muralha da China,
e dissesse: Há aqui tanto trabalho humano incorporado e mantido firme
que, quer seja de alguma utilidade para qualquer pessoa ou não, 24 quer
as pessoas tenham consciência disso e tenham prazer em contemplá-la
ou não, ela tem valor.
No entanto, ele continua a pensar no valor (pois identifica o valor
de troca com o valor simplesmente) como algo essencialmente relativo.
O valor de troca é assim. Mas—e é isso que ele não consegue enxer-
gar—o valor, incorporado em uma única coisa, seria primariamente não
relativo, embora, tendo magnitude ou grau, fosse a base das relações.

24
Marx, como eu disse, sustentava que nada tem valor de troca que não
tenha também algum valor de uso; mas uma vez que ele também sus-
tentava que o valor de troca não é de forma alguma uma função do valor
de uso, e uma vez que o trabalho que confere valor de troca foi igual-
mente despendido em uma coisa, quer tenha ou não valor de uso, sua
teoria realmente implica o que é dito aqui. O fato de ele ter hesitado
mostra apenas a fraqueza especulativa de sua posição.

34
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

Voltando, no entanto, à sua discussão sobre a distinção entre valor


de troca e valor de uso: Marx aponta que o valor de uso de qualquer
coisa deriva de sua qualidade, ou natureza específica; mas que com o
valor de troca é diferente. Algo não pode ter valor de troca a menos que
tenha algum valor de uso; mas seu valor de troca não depende das qua-
lidades particulares que dão valor de uso (isto é, de fato, utilidade) a ela
ou àquilo pelo qual é trocada. Pois seu valor de troca é expresso em uma
relação; tanto trigo vale tanto ouro, ou seda, ou algodão.
Ora, não são as qualidades úteis peculiares do trigo que o fazem
valer tanto algodão, uma vez que a seda, que não possui essas qualida-
des, também tem valor de troca, e tanta seda vale igualmente tanto al-
godão. Por paridade de raciocínio, não são as qualidades úteis peculia-
res do algodão, nem da seda. No entanto, uma vez que podemos assim
igualar tanto de uma coisa a tanto de outra, deve haver algo nelas da
mesma espécie e igual em quantidade, para ser distinguido de suas di-
ferenças qualitativas.

Como valores de uso, as mercadorias são, acima de tudo, de


qualidades diferentes; mas como valores de troca, são mera-
mente quantidades diferentes; e, consequentemente, não contêm
um átomo de valor de uso. 25

Marx chama aquilo que é qualitativamente igual nas coisas trocá-


veis, e pelas suas variações quantitativas permite igualá-las,

25
O Capital, I, p. 4.

35
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

simplesmente valor; e ele considera esse valor em uma coisa como algo
inerente ou intrínseco; algo de que se poderia dizer que realmente há
tanto numa determinada coisa, quer o troquemos por algo que contenha
a mesma quantidade ou não. Mas o que dá às coisas esse valor? Diz ele:

Se deixarmos de lado o valor de uso das mercadorias, elas pos-


suem apenas uma propriedade comum, a de serem produtos do
trabalho. 26

É o trabalho, então, que lhes dá valor. Mas devemos levar nossa


abstração adiante. Pois o trabalho em si é de muitos tipos diferentes: o
trabalho de um tecelão não é o mesmo que o de um fiandeiro ou de um
carpinteiro, e um homem não pode exercer o trabalho de um tecelão na
fabricação de uma cadeira.
Essas diferenças qualitativas no trabalho devem ser ignoradas;
elas correspondem às diferenças qualitativas nos produtos do trabalho,
de onde surgem seus diferentes usos, ou valores de uso; e não estamos
preocupados com o valor de uso. Devemos considerar apenas o que é
comum a todos esses tipos de trabalho, a saber, o simples fato de serem
trabalho humano.
É o trabalho, então, meramente como trabalho humano, não como
trabalho deste ou daquele tipo especial, que dá às coisas em que é gasto

26
O Capital, I, p. 4.

36
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

seu valor; e é a quantidade desse trabalho—a quantidade sendo medida


pela duração—que determina a magnitude de seu valor.

Como valores, as mercadorias são apenas massas definidas de


tempo de trabalho congelado. 27

Como o argumento acima é fundamental para a teoria de Marx, e


é importante torná-lo o mais plausível possível, pode valer a pena variar
a declaração dele. As mercadorias têm um valor de uso e um valor de
troca. Elas não possuem um valor em troca a menos que também te-
nham um valor em uso. O valor de uso de uma determinada mercadoria
X surge de suas qualidades especiais e é diferente do de outra mercado-
ria Y. Mas seu valor de troca não surge de suas qualidades especiais,
nem precisa que o valor de troca de X difira do de Y.
Como quase todas as mercadorias úteis possuem valor de troca, e
qualquer uma que o tenha pode ser comparada a esse respeito quantita-
tivamente, e o valor de troca de todo o resto pode ser expresso em ter-
mos de qualquer uma, seus valores de troca devem depender de algo
qualitativamente igual em todas elas, não, como seus valores de uso, do
que é qualitativamente diferente. Mas não podemos encontrar nada qua-
litativamente igual em todas, exceto serem produtos do trabalho hu-
mano.

27
O Capital, I, p. 6. Isso, é claro, não é realmente consistente com a ad-
missão de que nada tem valor em troca, a menos que seja de alguma
forma útil.

37
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Serem produtos do trabalho humano, portanto, lhes dá esse ele-


mento comum de valor, e elas são trocadas porque contêm esse ele-
mento comum e em proporção às quantidades dele. O trabalho humano,
de fato, também as tornou úteis; mas o fez por sua natureza especial.
Não pode, portanto, ser a natureza especial do trabalho que lhes deu
valor de troca, pois o valor de uso e o valor de troca são diferentes.
Assim, deve ser apenas o caráter comum de ser trabalho humano;
e quando abstraímos das diferenças qualitativas do trabalho, ficamos
apenas com suas variações quantitativas. Todos os tipos de trabalho são,
portanto, ‘‘reduzidos a um único e mesmo tipo de trabalho, o trabalho
humano em abstrato’’, 28 e a quantidade deste que vai para a fabricação
de uma mercadoria determina a quantidade de seu valor.
É verdade que o trabalho humano nunca é tão abstrato; um ho-
mem deve trabalhar como carpinteiro, fiandeiro ou o que quer que seja.
Em uma fábrica de algodão,

se o trabalho produtivo especial do trabalhador não fosse o de


fiar, ele não poderia converter o algodão em fio, portanto, não
poderia transferir os valores do algodão e do fuso para o fio.

Mas isso, na opinião de Marx, não prova que é a natureza especial


do trabalho que confere valor.

28
Ibidem, I, p. 5.

38
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

Suponha que o mesmo trabalhador mudasse sua ocupa-


ção para a de marceneiro, ele ainda acrescentaria valor ao ma-
terial em que trabalha por um dia de trabalho. Consequente-
mente, vemos que a adição de novo valor ocorre não em virtude
de seu trabalho em particular, mas porque é trabalho abstrato
e uma parte do trabalho total da sociedade; e a seguir vemos
que o valor agregado é o de uma determinada quantia definida,
não porque seu trabalho tenha uma utilidade especial, mas por-
que é exercido por um tempo definido. 29

O valor em mercadorias trocáveis é aqui considerado, como foi


dito acima, como algo absoluto ou intrínseco. Podemos, é claro, falar
também de valores relativos, porque esses valores em mercadorias tro-
cáveis têm relações entre si; sempre expressamos o valor de uma coisa
em termos de outra, e comumente de dinheiro.
Os valores relativos de duas coisas podem se alterar se ocorrer
uma mudança na quantidade de trabalho necessário para a produção de
uma sem uma mudança proporcional àquela necessária para a produção
da outra. Mas sem qualquer mudança relativa pode haver uma mudança
absoluta.
Se um quarto do trigo fosse trocado por oito jardas de um certo
linho, e o trabalho necessário a ser incorporado na produção de cada um
fosse aumentado ou diminuído em uma quarta parte, seus valores abso-
lutos seriam aumentados ou diminuídos, embora seus valores relativos

29
Ibidem, I, p. 182. Observe que, nessa passagem, Marx assume tacita-
mente (ele diz que nós vemos) o que é realmente a coisa a ser provada,
ou seja, que há valores iguais adicionados a mercadorias de diferentes
tipos por trabalhos de diferentes tipos e com igual duração.

39
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

permanecessem os mesmos; e a mudança apareceria em comparação


com uma terceira mercadoria, cujo trabalho necessário para a produção
permanecera o mesmo.
E se a produtividade de todo o trabalho aumentasse ou diminuísse
de uma só vez na mesma proporção, embora não houvesse mudança nos
valores relativos, ou relações de troca, das mercadorias, ainda assim o
mesmo estoque total de mercadorias teria menos ou mais valor do que
antes; ou, se a mesma quantidade de trabalho ainda fosse exercida na
produção de um estoque maior ou menor de mercadorias, o estoque an-
tigo e o novo teriam o mesmo valor. 30
Até agora, a teoria, verdadeira ou não, parece bastante simples 31:
a quantidade de trabalho despendido na produção de uma coisa deter-
mina seu valor, e as coisas são trocadas em proporção aos seus valores.
A teoria é desenvolvida como um relato dos fatos, uma explicação não
apenas do que deveria, mas do que determina as relações de troca. Diz
Marx:

30
Ibidem., I, p. 23.
31
Mais adiante, será demonstrado que a noção de trabalho humano em
abstrato é fundamentalmente infundada, portanto, nada pode adquirir
valor a partir desse trabalho: ver abaixo, cap. iv.

40
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

Torna-se claro que não é a troca de mercadorias que regula a


magnitude de seu valor; mas, pelo contrário, é a magnitude de
seu valor que controla suas proporções de troca'. 32

E é fácil encontrar fatos que parecem apoiar essa afirmação. Se


eu selecionar para um monumento uma pedra mais dura que leva mais
tempo para ser trabalhada, embora ambas as pedras fossem igualmente
abundantes e acessíveis, devo pagar mais pelo monumento. O ferro for-
jado custa mais do que o ferro fundido porque, como dizemos, há mais
mão de obra nele. No entanto, existem outros fatos igualmente familia-
res que não parecem à primeira vista se encaixar na teoria.

Algumas pessoas podem pensar que, se o valor de uma


mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto
nela, quanto mais ocioso e inábil o trabalhador, mais valiosa
seria sua mercadoria, porque mais tempo seria necessário em
sua produção. 33

Obviamente, não é isso que ocorre. Marx explica que o trabalho


que forma a substância do valor em uma determinada mercadoria não é
o trabalho real gasto nela, trabalho talvez excepcionalmente eficiente
ou ineficiente, e que, portanto, a produz em menos ou mais tempo do
que aquele em que outras mercadorias semelhantes são produzidas; é o

32
Ibidem., I, p. 33.
33
Ibidem, I, p. 5.

41
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

trabalho socialmente necessário, uniforme em qualidade e intensidade,


ou homogêneo.

O tempo de trabalho socialmente necessário é o necessário para


produzir um artigo nas condições normais de produção, e com
o grau médio de habilidade e intensidade prevalecente no mo-
mento. 34

Devemos, por assim dizer, reunir o trabalho despendido nos di-


versos artigos de um tipo e atribuir a cada um deles uma parte igual.
Assim:

a introdução de teares mecânicos na Inglaterra provavelmente


reduziu pela metade o trabalho necessário para tecer uma de-
terminada quantidade de fio em tecido.

Se os tecelões de tear manual ainda gastassem tantas horas de tra-


balho quanto antes, isso não impediria que o valor de seu tecido caísse,
pois eles gastaram o dobro do tempo que agora se tornou socialmente
necessário, e é esse o tempo que é a substância do valor.

34
Talvez nenhum trabalho seja totalmente não qualificado. O problema
de Marx, é claro, surge igualmente para diferentes graus de habilidade.

42
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

Cada mercadoria individual, nesta conexão, deve ser conside-


rada como uma amostra média de sua classe. 35

A concepção de trabalho humano homogêneo empregada na ex-


plicação acima é usada por Marx para remover outra dificuldade. Vimos
que o trabalho dá valor às mercadorias não em virtude da habilidade
especial que possui, mas apenas como trabalho humano.
Agora, o trabalho de dois homens pode diferir não como o do fa-
bricante de carroças e o do carpinteiro, em que as habilidades, embora
diferentes, talvez sejam equivalentes, mas como o do carpinteiro e o do
trabalhador em geral, e o do qualificado e do não qualificado, em geral.
E o trabalho qualificado agrega mais valor a um artigo no qual é
despendido do que o não qualificado em um tempo igual, como é mos-
trado pelo fato de que o produto do trabalho qualificado é trocado por
mais da mesma mercadoria, digamos, trigo ou fio, do que o produto de
uma quantidade igual de trabalho não qualificado. Pode parecer, por-
tanto, que não é a mera incorporação de tanto trabalho humano que dá
tanto valor a uma mercadoria.
A resposta de Marx é que uma determinada quantidade de traba-
lho qualificado é redutível a uma maior quantidade de trabalho comum.

35
Ibidem, p. 6. O argumento de Marx não funciona. Se o valor deve ser
derivado do tempo de trabalho médio, os processos mais lentos dos te-
celões de tear manual devem elevar o valor, como fazem com a média;
no entanto, ele não supõe que eles o façam.

43
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O trabalho qualificado conta apenas como trabalho co-


mum intensificado, ou melhor, como trabalho simples multipli-
cado, sendo uma determinada quantidade de trabalho qualifi-
cado igual a uma quantidade maior de trabalho simples.

A experiência mostra que essa redução está sendo feita


constantemente. Uma mercadoria pode ser o produto do traba-
lho mais qualificado, mas seu valor, ao ser equiparado ao pro-
duto do trabalho simples não qualificado, representa uma quan-
tidade definida apenas do último trabalho.

E o que determina o valor é o:

dispêndio de força de trabalho simples, ou seja, da força de tra-


balho que, na média, além de qualquer desenvolvimento espe-
cial, existe no organismo de todo indivíduo comum 36.

A substância do valor, portanto, é o tempo de trabalho homogê-


neo; as respectivas quantidades socialmente necessárias desse tempo
incorporadas nas mercadorias determinam as relações de seus valores
de troca.

36
Ibidem, I, p. 11. Para um exame desta resposta, ver abaixo, cap. iv.

44
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

Como valores, as mercadorias são meros congelamentos do tra-


balho humano 37

E somente quando congelado em uma mercadoria é que seu tra-


balho se torna valor. Tudo isso, vale lembrar, Marx desenvolve antes de
introduzir a consideração de dinheiro ou salário. Ao descrever a redu-
ção de trabalho qualificado a termos de simples trabalho homogêneo,
ele diz expressamente que não está falando do salário do trabalhador:

O salário é uma categoria que não existe no estágio atual de


nossa investigação 38

E a equação de uma mercadoria por outra por meio desse ele-


mento homogêneo incorporado a elas é descrita como anterior, no pen-
samento, à concepção de dinheiro, que não é mais do que uma única
mercadoria em quantidades nas quais as quantidades de valor intrínse-
cas ao restante podem ser expressas. O próprio dinheiro obtém seu valor
da força de trabalho incorporada a ele.
Se o salário de uma semana é de £1, ou £3, isso ocorre porque a
quantidade média de trabalho despendido na produção de tanto ouro é

37
Ibidem., I, p. 18
38
Ibidem, I, p. 12. Esse ponto é importante. É essencial para o argumento
de Marx mostrar que a redução pode ser feita sem considerar os preços
das mercadorias; mas ele não é capaz de mostrar isso

45
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

a mesma incorporada nas mercadorias consumidas em uma semana pelo


trabalhador e sua família—não, note-se, o mesmo que o trabalhador
exerce em uma semana. 39
E nessa diferença reside o segredo do mais-trabalho e do lucro. O
assalariado não tem acesso a materiais para incorporar seu trabalho; ele,
portanto, não pode produzir as coisas necessárias para seu próprio uso,
ou outras coisas que tenham valor, para obter aquelas por meio de troca.
O capitalista lhe oferece os meios de subsistência, com a condição
de que trabalhe para ele em jornadas de, digamos, oito horas, seis dias
por semana. 40 Mas nos meios de subsistência está incorporado o traba-
lho de seis dias de, talvez, apenas quatro ou cinco horas.
Em condição de justiça, só deveria ser exigido que ele desse qua-
tro ou cinco horas de trabalho por dia em troca de seu salário. Ele é
obrigado a dar oito. Metade ou três oitavos de seu trabalho, portanto,

39
Marx está certo ao aplicar a mesma teoria ao ouro e a outros produtos.
As mesmas causas que determinam as flutuações no valor de outras
commodities em relação ao ouro, se afetarem a produção de ouro, farão
seu valor flutuar em relação a outras commodities. E, na medida em que
é verdade que os custos do trabalho determinam os valores, é verdade
para o ouro. Os custos do trabalho são um elemento na determinação
do valor, como veremos (abaixo, pp. 133-5), mas apenas na medida em
que o próprio trabalho tem que ser pago, e assim tenha um valor medido
em termos de outra coisa que não o trabalho. O fato, portanto, não prova
que é o trabalho em uma coisa que lhe dá valor, como Marx argumenta.
40
Marx geralmente assume um dia de dez horas; neste e em outros deta-
lhes, onde o argumento não é afetado, tomei números ilustrativas mais
próximos dos fatos de hoje.

46
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

não são pagos. Ele cria valor, mas em parte para o benefício do capita-
lista, não de si mesmo.
Isso é o mais-valor, isto é, valor que o capitalista recebe em bens
produzidos, além e acima do equivalente pelo qual ele paga em outros
bens. Do mais-valor vêm a renda, os juros e os lucros. A divisão do
mais-valor nessas três partes é uma questão menor; todos são derivados
do trabalho pelo qual o trabalhador não é pago, e surgem por sua explo-
ração.
Aqui reside a injustiça fundamental do sistema capitalista. Uma
troca só é justa quando as coisas trocadas incorporam quantidades
iguais de trabalho humano. 41 Quando, em troca de algo que incorpora
tantas horas de trabalho humano, é dado algo que incorpora menos ho-
ras desse trabalho, a troca é injusta.
Há, sem dúvida, muitas outras trocas injustas, mas a forma cons-
tante e onipresente disso em uma sociedade capitalista está no paga-
mento de salários. O empregador tira do assalariado, nos materiais com
os quais o assalariado trabalha, mais trabalho, e, portanto, mais valor
do que ele lhe dá em seu salário ou nas mercadorias às quais o trabalho
do assalariado é equivalente. Assim, o capitalista acumula mais-valor;
ele se torna mais rico injustamente por mera troca.

41
Nunca é demais insistir, no entanto, que esse trabalho é considerado o
trabalho humano homogêneo socialmente necessário; e que os princí-
pios pelos quais o trabalho é desconsiderado como não socialmente ne-
cessário, ou o trabalho especial e qualificado reduzido a termos de tra-
balho homogêneo, estão em conflito direto com a teoria principal.

47
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Há apenas uma maneira de se tornar mais rico de forma justa nos


negócios, e é você mesmo colocar mais trabalho nas mercadorias que
você vende do que está contido naquelas que você consome. Então, em-
bora você as troque por outras que contenham apenas trabalho e valor
iguais, você ainda possuirá um estoque que incorpora mais trabalho do
que antes; e você não terá explorado ninguém.
Vimos que, de acordo com Marx, o valor das mercadorias de-
pende da quantidade de trabalho socialmente necessário incorporado
nelas, não da quantidade de serviço que elas podem prestar; e que, se
aumentarmos a produtividade do trabalho, isto é, a extensão da trans-
formação que ele pode efetuar nos materiais em um determinado tempo,
não aumentamos o valor do estoque produzido, embora produzamos um
estoque de maior utilidade.
Todavia, para a subsistência do trabalhador, são os valores de uso
das coisas que importam, portanto, se a produtividade do trabalho au-
mentar, será possível que os trabalhadores se sustentem com bens de
menor valor do que antes (isto é, de menor valor de troca, não de menor
valor de uso).
O capitalista, portanto, pode pagar um salário contendo uma pro-
porção menor do valor que o trabalhador cria, mesmo que a quantidade
de trabalho exercida em um determinado tempo permaneça a mesma.
Sem dúvida, o trabalhador pode insistir em reter sua antiga parte do
valor que cria e, assim, melhorar seu padrão de vida, obtendo mercado-
rias de mais valor de uso.
Mas Marx acreditava na chamada “lei de ferro dos salários”, de
acordo com a qual há uma tendência constante sob o capitalismo de os
salários descerem ao nível de subsistência. O efeito geral, portanto, de

48
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

uma redução no tempo de trabalho necessário para suprir as necessida-


des básicas da vida do trabalhador, ele pensou, seria reduzir o valor do
que lhe é pago em salários; portanto, do valor que ele cria por seu tra-
balho, uma parte menor seria paga e uma parte maior anexada como
excedente por seu empregador, supondo que ele continuasse a trabalhar
para seu empregador tanto quanto antes.
Se, por exemplo, o tempo médio necessário para suprir as neces-
sidades diárias da existência de um trabalhador for reduzido de cinco
horas para quatro, seu valor, e, portanto, seu preço, cairá em um quinto;
e um salário de 10 xelins por dia será reduzido para 8 xelins.
Mas o trabalhador ainda trabalhará oito horas por dia; logo, o ex-
cedente de trabalho não remunerado será de quatro horas em vez de
três; o trabalho pago será de quatro horas em vez de cinco; e o mais-
valor apropriado será de 100 por cento do valor pago, em vez de 60 por
cento. É do interesse do capitalista efetuar tal mudança.
Além disso, Marx faz uma distinção, muito importante para seu
argumento, entre as funções de duas partes do capital do empregador.
O capitalista, é claro, obtém seu lucro vendendo mercadorias; mas ele
deve primeiro produzi-las e, para esse fim, deve fornecer a si mesmo os
instrumentos e materiais de produção, bem como trabalho.
Pelo trabalho, ele paga em salários, e por menos do que o valor
total; mas por seus instrumentos e materiais, ele paga pelo valor total.
É verdade que o trabalho que cria o valor incorporado neles não foi
pago em seu valor total pelos outros capitalistas de quem ele os compra;
mas o valor total está lá, e é cobrando-o pelo valor total que esses outros
capitalistas convertem o mais-valor de que se apropriaram.

49
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Em sua fábrica, esse valor é meramente transferido das máquinas


e matérias-primas para o produto mais acabado. Suponha, por exemplo,
que um moinho de algodão transforme 100 libras de algodão bruto em
fio por dia, e que a vida útil do maquinário seja de 3.000 dias úteis;
como haverá um certo desperdício na fiação, o moinho produzirá diari-
amente, digamos, 85 libras de fio.
Então, se o valor do maquinário for £6.000 e o de 100 libras de
algodão bruto for £10, haverá até agora um valor, em cada 85 libras de
fio, de £2 para uso de maquinário e £10 para material, = £12. Mas um
valor adicional terá sido incorporado ao fio conforme a quantidade de
trabalho exercida no moinho em um dia corrido: digamos, £6; de modo
que o valor total das 85 libras de fio será £18.
Agora, se a taxa de mais-trabalho na fábrica de algodão for de 100
por cento, por exemplo, se o valor do salário do trabalhador representar
apenas quatro horas de tempo de trabalho, enquanto as horas de trabalho
forem oito, então o capitalista em cujo produto está incorporado o valor
adicional de £6 está pagando em salários apenas um valor de £3. Seu
fio lhe custará £15, mas terá um valor de £18; e seu lucro será à taxa de
3 para 15, ou 20 por cento, sobre suas despesas de capital.
Mas esse lucro é obtido inteiramente por meio de sua folha de
pagamento; seus instrumentos e materiais de produção são pagos em
seu valor total, embora aqueles de quem ele os compra não o tenham
feito. Para ele, no entanto, é indiferente se os trabalhadores que traba-
lhavam neles obtiveram o valor total de seu trabalho, ou parte foi para
os capitalistas de quem ele os comprou. Ele paga pelos produtos

50
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

íntegralmente e não poderia vendê-los por mais. 42 Mas pelo trabalho


que ele emprega, ele não paga integralmente.
Aqui, então, está toda a fonte de seu lucro; é meramente através
disso—apropriando-se do mais-valor criado por seus próprios trabalha-
dores—que ele pode vender seus produtos por mais do que eles lhe cus-
taram.
Marx distingue essas duas partes do capital, a que é gasta na com-
pra de instrumentos e materiais de produção e a que é gasta em salários,
pelos nomes de capital constante e capital variável; porque, na medida
em que o capital é gasto na compra do primeiro, não há mudança no
valor do que o capitalista detém; mas, na medida em que é gasto em
salários ou na compra de força de trabalho, há uma mudança criada no
valor total do que ele detém, embora varie em taxa conforme a maior
ou menor quantidade dessa força de trabalho que não é paga.
O capitalista não percebe a importância dessa distinção; os salá-
rios figuram em suas contas como um item de custo ao lado de materiais
e máquinas. Ele está pelo menos tão disposto a reduzir suas despesas
no primeiro quanto no segundo, mesmo sem reduzir as taxas de salá-
rios. Pois ele calcula sua taxa de lucro pela proporção que o mais-valor

42
Marx não está considerando as transações de um mero intermediário,
cujos lucros, ou seja, o que quer que ultrapasse o valor de seu trabalho
no aumento do preço, seriam injustos. Ele também não está conside-
rando as flutuações do mercado. Além disso, se o cobre, digamos, custa
£70 a tonelada, e eu compro mais do que quero, só posso vendê-lo no-
vamente por £70.

51
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

apropriado possui em relação ao seu capital total, constante e variável


juntos. 43
Mas todo o mais-valor, portanto, todo o lucro, vem realmente do
capital variável. E como, nos negócios, esse capital pode ter diferentes
relações com o capital constante, enquanto a proporção de trabalho não
pago pode ter diferentes relações com o trabalho pago, a taxa de lucro
e a taxa de mais-valor podem variar de forma diferente.
Eles só não fariam isso se todo o capital fosse constante ou se todo
o capital fosse variável. Que todo o capital fosse constante significaria
que um homem que possui os instrumentos e materiais de produção tra-
balharia sobre eles, sem empregar mais ninguém com salários; e então
ambas as taxas seriam zero.
Para ilustrar a segunda alternativa, poderíamos supor que um ho-
mem, cujo negócio é carregar mensagens, empregasse um capital de
£10 na contratação de um assistente por um mês e ganhasse £15 a mais

43
Observe que o capitalista realmente considera sua taxa de lucro em ter-
mos de dinheiro, não de qualquer 'valor' em mercadorias distintas do
dinheiro. Na declaração acima, portanto, Marx assume que o valor do
produto do capitalista é o que ele obtém em dinheiro. Mas toda a sua
alegação é que o valor é outra coisa, o trabalho incorporado; e que uma
relação entre os preços monetários só é justa quando está em conformi-
dade com a relação entre os valores laborativos das mercadorias; como
ele aqui sustenta, isso acontece nos preços de venda finais, embora uma
parte do que deveria ir para o trabalhador vá para o capitalista. Mas até
que ele tenha provado isso (e ele nunca prova), ele não tem o direito de
falar como se o que é verdade para os valores monetários fosse verdade
para os números que expressam 'valor'.

52
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

do que ganharia sozinho; e se supusermos que as £15 que ele recebe, e


não as £10 que ele dá, são o verdadeiro valor do trabalho do assistente,
então as duas taxas seriam as mesmas, 50 por cento pelo mês. Mas esta
é uma suposição altamente artificial.
Normalmente e na verdade, o capital é em parte constante e em
parte variável, e a proporção varia; com a mesma taxa de mais-valor, a
taxa de lucro aumenta à medida em que o capital variável forma uma
proporção maior do capital total; com a mesma proporção de capital
variável em relação ao capital constante (ou ao total), o lucro aumenta
à medida em que a taxa de mais-valor aumenta. Assim, seja C = capital
total, c = capital constante, v = capital variável, s = mais-valor, s'= taxa
de mais-valor, p’ = taxa de lucro. Então podemos ter os seguintes casos,
a título de ilustração:

C 100 = c 80, v 20 : s 20 : s' 100 por cento. p' 20 por cento.

C 100 = c 50, v 50 : s 50 : s' 100 por cento. p' 50 por cento.

C 100 = c 80, v 20 : s 40 : s' 200 por cento. p' 40 por cento.

Mas o capitalista olha apenas para p', a relação de s para C. Marx


chama a relação de c para v de capital constante para variável, a com-
posição orgânica desse capital.
Agora, se tudo isso for verdade, duas consequências importantes
surgem. Primeiro, um capitalista não deve ser indiferente se sua econo-
mia é feita em sua folha de pagamentos de salários ou em suas outras

53
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

despesas. Pois, por meio da economia em sua folha de pagamento de


salários, haverá uma mudança tal na composição orgânica de seu capital
que diminuirá a fonte de seu mais-valor e, a menos que a taxa de mais-
valor seja correspondentemente aumentada, diminuirá também seu
montante. Essa mudança deve reduzir sua taxa de lucro, que é o que
importa para ele.
No entanto, encontramos capitalistas prontos para economizar em
salários sem cortar taxas e sem necessariamente diminuir seus outros
gastos. A explicação oferecida é que um único capitalista que age dessa
forma ganha, porque, como vimos, todas as mercadorias de um deter-
minado tipo no mercado devem ser consideradas como um estoque, e o
valor de qualquer parte desse estoque depende do trabalho médio ou
socialmente necessário despendido para produzi-lo.
Enquanto isso permanecer inalterado, o capitalista individual, por
meio de sua economia de salários, não diminuirá o valor de seu produto,
mas, com menos capital do que antes, apropriar-se-á da mesma fração
do valor incorporado, por trabalho como o que ele emprega, nesse es-
toque de mercadorias. O valor em suas mercadorias será o mesmo, bem
como o mais-valor nelas, e o valor de seu capital total será menor; e sua
taxa de lucro, sendo calculada pela quantidade de mais-valor que ele
anexa ao valor total de seu capital, terá aumentado. 44
Mas se o outro capitalista imitar sua economia, já que a tendência
será que eles o façam, o valor agregado incorporado em todo o estoque

44
Se y = o montante da economia efetuada em sua folha de salários, sua
𝑠𝑠
taxa de lucro terá aumentado de para s/(C-y).
𝐶𝐶

54
Enunciado da Teoria do Valor de Marx

dessa mercadoria cairá, sua fração cairá, a queda será expressa em uma
diminuição do preço, e sua taxa de lucro cairá, mesmo que o lucro agre-
gado seja mantido pelo aumento da produção.
A outra consequência é que, entre duas linhas de produção, a que
deve sempre produzir a maior taxa de lucro é aquela em que o capital
variável é em maior proporção ao capital constante ou, na frase de
Marx, em que a composição orgânica do capital é menor. Assim, um
capitalista deve preferir um negócio em que seu principal gasto seja
com salários a um em que seja com instalações e materiais. Mas isso
notoriamente não é verdade.
Aqui, novamente, Marx invoca, para resolver a dificuldade, a in-
fluência do cálculo da média, mas do cálculo da média do lucro agora
não sobre as diferentes partes do estoque de mercadorias de um tipo,
mas sobre diferentes tipos. Através da concorrência, as diferentes taxas
de lucro que surgem na produção de determinados tipos de mercadorias
são convertidas em uma taxa média de lucro.
A explicação dessa mudança é dada no terceiro volume de O Ca-
pital, que só apareceu após a morte de Marx. No intervalo, foi apontado
que toda a doutrina de que os valores de troca dependem do trabalho
incorporado nas mercadorias e do lucro do mais-trabalho não pago em
salários estava ameaçada pela ausência de qualquer correspondência
entre a taxa de lucro em um negócio e a razão entre o salário e suas
outras despesas; e Engels, em seu Prefácio ao segundo volume, se refe-
riu à crítica e desafiou o público a descobrir a solução de Marx.
Considerando que o argumento que Marx oferece como solução
falha totalmente em remover a dificuldade, não é de surpreender que
Engels tenha ficado insatisfeito com a resposta ao seu desafio. O

55
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

objetivo deste capítulo foi dar uma exposição da teoria do valor


de Marx que mostrasse o que nela é plausível ou atraente; as objeções
foram indicadas apenas de passagem. O desenvolvimento dessas obje-
ções nos capítulos seguintes irá, como acredito, refutar a teoria.

56
III- A INCONSISTÊNCIA ENTRE AS
CONSEQUÊNCIAS DA TEORIA DE
MARX E OS FATOS
NO último capítulo, nos esforçamos para expor a doutrina de
Marx, que afirma que o que determina os valores de troca das merca-
dorias é o trabalho despendido ao produzi-las, e que o capitalista obtém
seu lucro a partir da porção de valor criado por seus trabalhadores pela
qual ele não lhes paga de maneira equivalente.
Agora temos que perguntar até que ponto essa doutrina é verda-
deira. Vimos que o próprio Marx admitiu que certos fatos parecem, à
primeira vista, estar em conflito com ela. As mercadorias são, de fato,
trocadas na proporção do trabalho despendido em sua produção? E os
lucros dos capitalistas correspondem, de fato, às diferenças entre os va-
lores totais do trabalho de seus trabalhadores e os montantes que eles
pagam em forma de salários? Encontraremos como resposta um “não”
para ambas as perguntas.
É verdade que Marx oferece uma explicação para o fato de que
qualquer capitalista em particular obtém uma taxa de lucro que não é
determinada pelo mais-trabalho ou trabalho não pago que ele induz seus
próprios trabalhadores a exercer. Mas isso equivale a admitir que agora
ao menos os preços não estão em conformidade com sua lei do valor.
Poderia ser argumentado, assim como Marx alega, que os preços
originalmente estavam em conformidade com sua teoria; porém, ele não
consegue sustentar tal alegação. Também poderia ser argumentado que,

57
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

embora os preços não sejam realmente determinados dessa forma, em


termos de justiça, deveriam ser; que o valor real das coisas é proporci-
onal ao trabalho nelas empregado; que nada deveria dar direito a alguém
a uma parte dos bens materiais, exceto o trabalho, e que as partes da-
queles que trabalham deveriam ser proporcionais às quantidades de seus
trabalhos.
Tentarei mostrar que é difícil encontrar qualquer sentido preciso
e satisfatório em que essas proposições possam ser verdadeiras 45; e que
existem certas concepções indefensáveis na própria base do argumento
pelo qual Marx se esforça para provar que a fonte e a substância do
valor em uma mercadoria é o tempo de trabalho. 46
Podemos começar examinando a explicação de Marx sobre o fato
de que as taxas de lucro dos capitalistas que produzem diferentes tipos
de mercadorias não variam com as proporções de suas folhas de paga-
mento em relação ao resto de seus custos, mas se aproximam da unifor-
midade. Esta foi a segunda das dificuldades indicadas no final do último
capítulo.
A explicação é proposta no nono e décimo capítulos de seu ter-
ceiro volume. Diz Marx no capítulo anterior:

Demonstramos que diferentes linhas de indústria podem


ter diferentes taxas de lucro, correspondentes a diferenças na
composição orgânica dos capitais, e (dentro dos limites

45
Ver abaixo, cap. iv.
46
Ver abaixo, ib. pp. 96-100.

58
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

indicados) também correspondentes a diferentes tempos de cir-


culação. [...]

Por outro lado, não há dúvida de que, desconsiderando


perturbações não essenciais, acidentais e mutuamente compen-
sadoras, uma diferença na taxa média de lucro de diferentes li-
nhas de indústria não existe na realidade e não poderia existir
sem abolir todo o sistema de produção capitalista.

Pareceria, então, que a teoria do valor é irreconciliável


nesse ponto com o processo real, irreconciliável com os fenô-
menos reais de produção, de modo que teríamos que desistir da
tentativa de entender esses fenômenos. 47

A discrepância entre fato e teoria é, portanto, reconhecidamente


séria. Podemos renunciar à complicação que seria introduzida ao levar
em conta diferentes taxas de circulação, uma vez que é claro que sua
consideração não pode afetar o problema. 48 Todavia deve-se notar que
Marx não demonstrou realmente que diferentes linhas de indústria po-
dem ter diferentes taxas de lucro correspondentes a diferenças na com-
posição orgânica dos capitais.
Tudo o que ele mostrou é que, se as relações de troca das merca-
dorias dependem dos tempos de trabalho dedicados à sua produção, e

47
Capital, III, p. 181.
48
É claro que, se um homem faz circular seu capital duas vezes por ano,
sua taxa anual de lucro será o dobro do que teria sido se ele o tivesse
circulado apenas uma vez. Mas a fonte de seu lucro ainda será a mesma;
se a taxa de lucro com uma única circulação for determinada pela com-
posição orgânica de seu capital, também o será com uma dupla circula-
ção; e, caso contrário, não.

59
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

se os capitalistas lucram por não pagar seus trabalhadores com merca-


dorias que incorporam quantidades de trabalho iguais ao esforço desses
trabalhadores, então isso ocorrerá.
É desconcertante para essas suposições que isso não aconteça; no
entanto, dado que não foram demonstradas e não são auto evidentes,
não há razão, por estes motivos, para desistirmos da tentativa de com-
preender os fenômenos. Podemos, em vez disso, renunciar às suposi-
ções.
Marx emprega ilustrações para representar o que a posição deve-
ria ser, mas não é. Suponha que há dois capitalistas, A e B, com a mesma
taxa de circulação, e cada um com um capital total de £100; suponha
que suas taxas de mais-valor sejam de cem por cento, i. e., que seus
trabalhadores recebam apenas metade do valor real de seu trabalho; en-
tão suponha que A use um capital constante de 80 e um capital variável
de 20, e B use um capital constante de 60 e um capital variável de 40.
Em uma circulação, A produzirá bens no valor de 80+20+20, ou 120, e
sua taxa de lucro será de vinte por cento, enquanto B produzirá bens no
valor de 60+40+40, e sua taxa de lucro será de quarenta por cento.
Qualquer capitalista, portanto, preferiria empregar seu capital aos
modos de B, em vez de seguir os modos de A. É verdade que ele não se
beneficiaria ao empregar trabalhadores mais lentos, ou desfazendo e re-
fazendo o trabalho, como Penélope com seu sudário; pois apenas o tra-
balho socialmente necessário cria valor. 49

49
Esta parte da doutrina é examinada abaixo, pp. 82-5.

60
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Mas ele ainda preferirá investir seu capital em uma linha de ne-
gócios na qual as despesas necessárias com salários tenham a maior
proporção possível em relação às despesas necessárias com outras coi-
sas, como, por exemplo, na mineração de carvão, em vez de na fundi-
ção. Infelizmente, o capitalista não exibe tal preferência e, exceto na
medida em que acolhe positivamente as máquinas que economizam tra-
balho, é indiferente à composição orgânica de seu capital.
Marx explica que essa discrepância entre teoria e fato surge por-
que, sob a influência da concorrência, uma taxa média de lucro passa a
ser substituída por taxas que variam com a composição orgânica dos
capitais; de modo que as mercadorias, em vez de serem trocadas de
acordo com seus valores, passam a ser trocadas de acordo com seus
preços de produção.
Por preço de produção, ele se refere a um preço que restitui ao
capitalista o que foi gasto em materiais e instrumentos de produção,
bem como em salários, e que lhe rende, além disso, um lucro à taxa
média sobre seu capital total. Assim, suponha que com £1.000 um ca-
pitalista possa comprar couro, linha, pregos, maquinário etc., para 500
pares de botas, e pagar aos trabalhadores para fazê-las (presume-se, é
claro, nessa ilustração, que o maquinário é totalmente consumido na
produção dos 500 pares, ou apenas uma fração de seu custo é pago com
as £ 1.000, correspondente ao que é consumido de sua vida útil durante
a fabricação).
Suponha também que a taxa média de lucro seja de 10 por cento.
Em seguida, o preço de produção dos 500 pares de botas é de £1.100, e
o de cada, par 44 xelins: o preço de custo do lote é de £1.000 e o de

61
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

cada par é de £2. De forma geral, se k = preço de custo e p' = taxa de


lucro, o preço de produção será k + kp'.
Tudo isso acontece independentemente da composição orgânica
do capital, e se o custo de produção inclui a compra de uma quantidade
maior ou menor de trabalho, e assim permite a apropriação em diferen-
tes casos de uma quantidade maior ou menor de mais-valor. 50
Assim, a teoria original é que as relações de troca das mercadorias
são determinadas pela quantidade de tempo de trabalho incorporado ne-
las, o que constitui seu valor real. A objeção é que elas não são trocadas
nessa proporção. A resposta é que seus valores, que são baseados e es-
tão de acordo com o tempo de trabalho, são “transformados” em preços
de produção, e na verdade não o são.
É óbvio que um valor, como entendido por Marx, não pode real-
mente ser transformado em preço de produção; e deve-se entender que,
em vez de uma determinação das relações de troca por valores, sua de-
terminação é substituída pelos preços de produção. É difícil ver como
essa resposta difere de uma admissão da solidez da objeção e do aban-
dono da teoria de que o tempo de trabalho é a fonte do valor de troca.
Mas se Marx pudesse mostrar que as relações de troca outrora
estavam de acordo com o tempo de trabalho, e os lucros variavam com
a composição orgânica do capital, e pudessem indicar as circunstâncias
que operaram para equalizar essas taxas de lucro originalmente

50
Capital, III, p. 189.

62
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

variáveis, sua teoria ainda poderia ser salva. Isso é o que ele professa
realizar. Diz Marx:

A verdadeira dificuldade reside na questão: como é que essa


equalização de lucros em uma taxa média de lucro é alcançada,
visto que é evidentemente um resultado, não um ponto de par-
tida? 51

As últimas palavras claramente indicam que as relações de troca,


e, portanto, os preços das mercadorias, em algum momento, estavam
em conformidade com sua lei de valor, mas foram levadas a se desviar
dela. Mas em sua explicação acerca da divergência, não são oferecidas
evidências de que as relações de troca alguma vez se conformaram à
sua lei do valor.
A divergência é atribuída ao sistema capitalista de produção e à
concorrência entre os capitalistas que é característica desse sistema.
Quando os trabalhadores trabalham para si mesmos e não para um em-
pregador, seus produtos são trocados de acordo com seus valores. Antes
da ascensão do capitalismo, Marx sustenta que isso de fato ocorreu. Ele
não pode demonstrar que isso é um fato apelando para registros histó-
ricos, uma vez que não há registros sobre o assunto; mas tenta demons-
trá-lo por meio de argumentos.

51
Ibid., III., p. 205.

63
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

No argumento para demonstrar isso, 52 Marx supõe dois trabalha-


dores trabalhando em tempos iguais (considerando qualquer compen-
sação necessária por diferenças na intensidade do trabalho). 53 Eles têm
que comprar suas ferramentas e materiais. Os produtos de seu trabalho
terão então um valor igual ao preço de custo de seus materiais, à depre-
ciação de suas ferramentas e ao novo valor que seu trabalho criou. Diz
ele:

Este novo valor compreenderia seus salários e o mais-


valor, o último representando o mais-trabalho excedendo suas
necessidades básicas, cujo produto pertenceria a eles. Se fôsse-
mos usar termos capitalistas, diríamos que ambos recebem o
mesmo salário e o mesmo lucro, ou o mesmo valor expresso,
digamos, pelo produto de uma jornada de trabalho de dez ho-
ras. 54

No entanto, se um deles, digamos A, estiver trabalhando em um


material mais caro do que o outro, B, os valores das mercadorias pro-
duzidas por eles serão diferentes. E, se os considerarmos investindo na
produção o custo de ferramentas, materiais e os meios de subsistência
consumidos por eles enquanto trabalham, então suas taxas de lucro, i.

52
Ibidem, pp. 207-8.
53
Marx não explica como essa compensação deve ser calculada; é claro
que não é mais realmente possível do que a redução das diferenças de
intensidade de prazer a diferenças de duração.
54
Capital, III, p. 207. É claro que eles não recebem salários, mas se esti-
vessem trabalhando para um empregador, receberiam salários que co-
brissem as necessidades básicas da vida, e é explicado que por salários
aqui se entende o valor dessas necessidades.

64
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

e., as proporções de mais-valor realizadas em seus produtos em relação


ao total de capitais investidos neles — serão diferentes.
Mas as quantias de lucro, isto é, de mais-valor realizadas, serão
as mesmas e terão a mesma proporção de seus capitais variáveis, isto é,
do valor dos meios de subsistência necessários para mantê-los em perí-
odos iguais de produção, cujo valor, se estivessem trabalhando para um
empregador, teria sido representado por seus salários.
A diferença em suas taxas de lucro não terá consequências; e seus
produtos serão trocados entre si de acordo com os valores neles conti-
dos, i. e., com os valores totais constituídos (a) pelos valores das ferra-
mentas, na medida em que forem depreciadas, e dos materiais utiliza-
dos, e (b) pelo trabalho adicionado por eles a esses materiais.
Essa, penso eu, é uma apresentação justa do argumento de Marx.
Ao examiná-lo, podemos primeiro perguntar se A e B devem expressar
os valores dos produtos que eles trocam em termos de alguma medida
de valor, ou seja, dinheiro. Supondo que não, eles ainda estarão no es-
tágio de escambo.
Agora, se as ferramentas e materiais fossem fornecidos por ter-
ceiros, é possível que cada um esperasse que o outro empregasse o
mesmo número de horas de trabalho que cada um emprega naquilo que
eles pretendessem trocar. Nesse caso, a descrição de Marx dos fatos se
aplicaria.
Mas é igualmente possível que não fizessem nada disso; poderia
ser o caso, por exemplo, que A, um ferreiro, ao passar metade de um dia
forjando um gancho para B, um aparador de sebes, pudesse esperar que
B passasse um dia inteiro aparando as sebes de A. Tudo o que podemos

65
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

dizer até agora é que, se dois homens pensam que seus trabalhos são de
igual valor, eles trocarão quantidades iguais deles, conforme incorpora-
das no que executam ou produzem. Isso está muito longe de mostrar
que todas as mercadorias, em uma era pré-capitalista, seriam trocadas
de acordo com as quantidades de trabalho incorporadas nelas.
Mas suponha que os produtos tenham seu valor expresso em ter-
mos de uma medida comum, e assim sejam precificados; e Marx im-
plica que esse estágio tenha sido alcançado, quando ele diz que as pes-
soas teriam, em seus respectivos produtos, além do valor adicionado
por seu próprio trabalho,

um equivalente pelo desembolso, os preços de custo das merca-


dorias consumidas por eles. 55

É verdade então que, quando os trabalhadores trabalham para si


mesmos, como (digamos) um ourives e um sapateiro, eles concorda-
riam em expressar os valores adicionados por seus trabalhos durante
períodos iguais aos preços de custo de seus materiais, por acréscimos
iguais a esses preços de custo? Claramente não.
Quando dois trabalhadores concordam nesse aspecto, é porque
atribuem o mesmo valor a um dia de trabalho; entretanto, muitos traba-
lhadores atribuem valores diferentes a isso. Longe, portanto, de encon-
trar a substância, ou mesmo a medida, do valor no tempo de trabalho,

55
Capital, III, p. 207; itálico meu.

66
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

eles consideram seu próprio trabalho como algo cujo valor deve ser me-
dido em termos de outra coisa.
O valor que Marx supõe que o tempo de trabalho confere ou cons-
titui é concebido por ele como algo absoluto, algo alojado em uma mer-
cadoria como a água poderia ser; de modo que uma troca de mercado-
rias que não ocorra de acordo com os trabalhos nela incorporados é ma-
nifestamente injusta, em desacordo com seus valores. Que todo o traba-
lho deve ser igualmente recompensado por tempos iguais é uma propo-
sição ética, que nem pode receber apoio de fatos econômicos, nem re-
solve qualquer problema econômico.
O próprio Marx não aceita tal proposição sem ressalvas, pois diz
que o trabalho não socialmente necessário não confere valor; um ho-
mem que executa um trabalho de forma mais demorada do que outro na
fabricação do mesmo artigo porque é desajeitado ou adere a métodos
antiquados não deve, ele pensa, por esse motivo, receber mais; embora
seu trabalho não deixe de ser trabalho por causa disso.
Mas que o valor na troca é “tempo de trabalho solidificado”, Marx
apresenta como uma verdade econômica, à qual ele dá uma aparência
de significado ético, tornando o valor algo intrínseco e, ao mesmo
tempo, expressando-o em dinheiro. Pois ele argumenta que se, depois
de eu ter trabalhado por um dia em algum material, o material adquiriu
um valor adicional expresso por 15 xelins, e eu recebo apenas 10 xelins,
alguém está me roubando um terço do valor que eu, ao depositar meu
trabalho no material, criei; enquanto, sob um sistema sistema pré-capi-
talista, eu não apenas, como agora, crio o valor, como também deveria
retê-lo todo.

67
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Mas o fato de que, sob um sistema pré-capitalista, ninguém mais


obtenha qualquer ganho com o preço das mercadorias nas quais eu tra-
balhei, ou nas quais outros produtores independentes trabalharam, não
mostra que os ganhos que obtemos são justos, ou que são proporcionais
às quantidades de trabalho que lhes dedicamos, e nem mostra que seria
justo se fossem proporcionados dessa forma, nem ainda que seja in-
justo, sob um sistema capitalista, que outros, além daqueles que lhes
dedicaram trabalho, obtenham algum ganho com o preço delas. 56
Há outro ponto fraco no argumento de Marx. Ele se omite a per-
guntar como A e B obtêm suas ferramentas e materiais. Suponha que o
valor de cada dia de trabalho seja o mesmo, mas as ferramentas e ma-
teriais de A podem ser duas vezes mais caros que os de B.

56
Na teoria de Marx, valor e preço são heterogêneos: o valor é tempo de
trabalho congelado, o preço é uma quantia de dinheiro; e embora as
relações de preço devam concordar, e uma vez concordaram, com as
relações de valor, elas não precisam concordar, e agora não concordam.
No entanto, ele constantemente desliza em seu argumento de um para o
outro, ou fala como se conhecer um valor fosse o mesmo que conhecer
um preço. Assim, na p. 207, ele primeiro fala dos valores dos 'vários
instrumentos de trabalho e matérias-primas' de seus dois produtores di-
ferentes e, em seguida, de cada um tendo em seu produto um equiva-
lente ao preço de custo dos meios de produção consumidos 'por seu
trabalho', bem como quantidades iguais de novo valor criado por ele.
Aparentemente, não há consciência de que uma substituição importante
foi feita sem qualquer justificativa apresentada. E é claro que você não
pode realmente adicionar um valor e um preço a um total homogêneo,
se valor é o que Marx diz que é.

68
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Eles só podem pagar por isso se o valor de seu trabalho, conforme


percebido na diferença entre os preços que obtêm por seus produtos e
aqueles que pagam por ferramentas e materiais, for maior do que o valor
de seus meios de subsistência, conforme expresso no custo dos mesmos.
Este excesso é o mais-valor ou lucro.
Marx supõe que é igual para A e B. Mas levará, digamos, seis
meses do trabalho de A para pagar o desembolso sem o qual ele não
poderia sequer ter começado, enquanto B pode ganhar o suficiente para
pagar seu desembolso menor em três meses de trabalho. É verdade que,
após uma circulação, essa desvantagem cessa, pois cada um recupera
seu gasto original em seu preço de venda e pode começar de novo de
uma só vez; e o lucro de três meses pode ser uma diferença insignifi-
cante ao longo de uma vida.
Mas a diferença dos desembolsos iniciais necessários poderia ser
muito maior, de modo que vários anos dos lucros de A, se fossem, por
ano, os mesmos que os de B, seriam necessários para cobrir seus de-
sembolsos. Nesse caso, ele não deveria ser compensado recebendo algo
mais do que a mesma taxa de lucro em seu “capital variável” ou trabalho
— algo mais do que a mesma adição ao custo mínimo de seus meios de
subsistência? E, incidentalmente, essa compensação não seria o juro?
Marx, então, não conseguiu mostrar que, em uma era pré-capita-
lista, as relações de troca correspondiam aos valores; ou mesmo que os
preços das mercadorias excediam os dos materiais e instrumentos de
sua produção em quantidades que variavam conforme o tempo de tra-
balho gasto com esses materiais. Tampouco isso ocorre, na verdade.
O mesmo trabalhador independente, sem dúvida, esperaria obter
preços para as diferentes coisas que ele faz excedendo seus custos em

69
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

quantidades proporcionais aos períodos pelos quais ele trabalhou nelas;


e diferentes trabalhadores independentes que exercem o mesmo tipo de
trabalho no mesmo mercado esperariam que os preços excedessem seus
custos em quantidades proporcionais aos seus vários períodos de traba-
lho.
Mas os trabalhadores independentes que exercem diferentes tipos
de trabalho nem sempre esperam obter, e nem sempre obtêm lucros pro-
porcionais dessa forma. Um construtor de feixes de madeira converte
madeira num feixe, um carpinteiro em janelas e portas, um marceneiro
em móveis requintados.
Sejam os valores de sua madeira e ferramentas iguais ou não — e
Marx admite que isso não deva fazer diferença — os valores de seus
produtos expressos em preços os excedem em quantidades muito desi-
guais por períodos iguais de trabalho. Da mesma forma, onde não há
ocasião para trocas, mas apenas de pagamento por serviços, não se ve-
rifica que em uma era pré-capitalista esses pagamentos sejam proporci-
onais ao tempo de trabalho.
Na comunidade simples de certas aldeias indígenas, inquestiona-
velmente pré-capitalistas, os servos da aldeia que não cultivam são pa-
gos em grãos do estoque da aldeia; todavia suas parcelas do estoque não
são iguais nem proporcionais à duração de seu dia de trabalho, mas às
supostas diferenças de suas castas ou ocupações em relacionadas à dig-
nidade ou importância.
Novamente, em várias indústrias, onde trabalhadores de diferen-
tes ofícios têm diferentes taxas de salários, um aumento dado aos mais
mal pagos muitas vezes causará descontentamento entre os mais bem

70
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

pagos, até que essa aproximação das taxas seja removida pela elevação
das deles também. 57
Isso ocorre porque eles acham que seu trabalho é mais valioso por
tempos iguais, não porque acham que ele contém, durante tempos
iguais, quantidades maiores de simples trabalho. É verdade que o sen-
timento igualitário às vezes opera para igualar as taxas horárias de sa-
lário; no entanto, essa influência de uma teoria do que deveria ser não
demonstra que originalmente era dessa forma, nem que realmente assim
deveria ser.
Contudo, pode-se insistir que a aparente desproporção, mesmo
em uma era pré-capitalista, entre as relações de troca, ou taxas de paga-
mento, e as quantidades de trabalho pagas ou incorporadas nas merca-
dorias trocadas, desapareceria, se reduzíssemos esses trabalhos qualita-
tivamente diferentes a termos de simples trabalho homogêneo.
Em resposta a isso, deve-se apontar, em primeiro lugar, que Marx
escreve como se a conformidade dos fatos com sua lei do valor fosse
clara sob um sistema pré-capitalista; e se tal conformidade é invisível
até que essa redução seja efetuada, isso não é verdade. E em segundo
lugar, como a redução deve ser efetuada? Por quais meios devemos de-
terminar quantas horas do trabalho simples de um fabricante de feixes
estão contidas em uma hora de trabalho de um entalhador ou marce-
neiro?

57 1
Cf. a história dos notórios 12 por cento de aumento em 1917.
2

71
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Só podemos fazer isso a partir das diferentes somas que eles co-
bram pelo tempo ou adicionam por hora aos preços de custo dos mate-
riais em que trabalham. E determiná-las assim é, para Marx, argumentar
em um círculo. Pois ele tem que mostrar que as relações de troca ex-
pressas nos preços das coisas produzidas por trabalhadores independen-
tes são determinadas por seus valores no tempo de trabalho. Para mos-
trar isso, ele deve mostrar que tempos iguais de trabalho aplicados aos
materiais resultam em incrementos iguais em seus preços.
Para este fim, os trabalhos qualitativamente diferentes para os
quais isso não é verdadeiro devem ser reduzidos a quantidades quanti-
tativamente diferentes de trabalho de uma denominação comum. Mas
se usarmos os preços para fazer essa redução, primeiro assumimos que
as diferenças de preço expressam diferenças nas quantidades de traba-
lho homogêneo, a fim de mostrar que a quantidade ou duração desse
trabalho homogêneo é o que determina os preços.
Se, então, nunca houve um momento em que as mercadorias fos-
sem trocadas por seus ‘‘valores’’, e em que os lucros fossem proporci-
onais ao mais-trabalho, o suposto processo pelo qual as mercadorias
foram levadas à troca por seus preços de produção, e os lucros se torna-
ram proporcionais ao capital total, nunca poderia ter ocorrido. No en-
tanto, uma consideração do relato de Marx sobre o processo ilustrará
ainda mais a confusão em que sua teoria o mergulha.
Os preços de produção são tais que cobrirão os custos de produ-
ção e garantirão, além disso, uma taxa de lucro aproximadamente a
mesma para todas as esferas de produção, em vez de as taxas variarem
com a composição orgânica dos capitais em diferentes esferas.

72
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Originalmente, alega-se (embora, como vimos, sem fundamento)


que as taxas de lucro o fizeram em diferentes esferas; e o processo a ser
explicado é o processo que substituiu os preços que geram essas taxas
variáveis de preços de lucro que geram aproximadamente a mesma taxa
em todas as esferas.
Diz-se que essa taxa aproximadamente igual é alcançada

ao calcular a média das várias taxas de lucro nas diferentes es-


feras de produção. 58

Mas a explicação detalhada não está de acordo com essa descri-


ção. Pois extrair essa média implicaria que várias taxas de lucro surgi-
ram primeiro da venda de bens de diferentes tipos a preços que não eram
preços de produção, mas correspondiam às diferenças nas quantidades
de mais-valor que as composições orgânicas dos capitais permitiam que
os produtores em diferentes esferas se apropriassem; implicaria que

58
Capital, III, p. 185. 'Os preços que surgem pelo cálculo da média das
várias taxas de lucro nas diferentes esferas de produção e adicionando
essa média aos preços de custo das diferentes esferas de produção, são
os preços de produção. Eles estão condicionados à existência de uma
taxa média de lucro, e isso, novamente, repousa na premissa de que as
taxas de lucro em todas as esferas de produção, consideradas por si só,
foram previamente reduzidas a tantas taxas médias de lucro'.

73
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

essas taxas foram então determinadas e sua média calculada; e que os


preços foram então deliberadamente fixados, o que geraria a taxa mé-
dia. 59
Tal operação é inteligível, embora não possa ser demonstrado que
tenha ocorrido. Mas o suposto processo, cuja explicação temos que exa-
minar, é algo bem diferente 60; e a média que se supõe ter ocorrido no
decorrer dele não é, como será visto, inteligível.
Afirma-se ainda que, antes de calcular essa média, outro processo
de média, ou conjunto de processos, foi realizado, pelo qual uma única
taxa de lucro é fixada para cada esfera separada de produção. 61 Mate-
maticamente, seria tão fácil encontrar a média comum para todas as es-
feras de muitas taxas diferentes em cada esfera quanto a partir de uma
única taxa média em cada uma; e, à primeira vista, não é claro por que
Marx deveria supor que a determinação de uma taxa média especial
para cada esfera deve preceder a de uma taxa média para todas as esfe-
ras.
Ele diz que essas taxas especiais de lucro

59
Ver nota, acima, p. 65.
60
Capital, III, p. 186. 'Essas diferentes taxas de lucro são equalizadas por
meio da concorrência em uma taxa geral de lucro, que é a média de
todas essas taxas especiais de lucro.’ [Itálicos meus].
61
Ver nota, acima, p. 65.

74
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

devem ser deduzidas dos valores das mercadorias, como mos-


trado no volume I. 62

Ora, o que ele realmente afirmou no volume I foi que diferentes


produtores em uma esfera de produção não obtiveram de fato uma taxa
média de lucro, mas um montante médio de mais-valor. A afirmação
foi direcionada para explicar como é que um determinado produtor que
economiza em seu emprego de trabalho não reduz seu lucro, embora
todo o lucro seja derivado do emprego de trabalho.
A razão, como será lembrado, foi explicada como sendo o fato de
que o mais-trabalho que, incorporado em seu output, é a fonte de seu
lucro, não é o trabalho não remunerado de seus próprios trabalhadores
— cuja quantidade será menor, na mesma taxa de exploração, se ele
empregar menos trabalhadores — mas sua parte proporcional do traba-
lho total não remunerado exercido por todos os trabalhadores emprega-
dos em sua esfera de produção; em outras palavras, para as diferentes
quantidades de trabalho incorporadas nas várias partes iguais do esto-
que total de alguma mercadoria é substituída, como fonte de seu valor,
a quantidade média de trabalho nelas.
Esta certamente não é uma média das taxas de lucro; na verdade,
Marx está explicando por que as taxas de lucro são diferentes para di-
ferentes produtores — e diferentes de tal forma que aqueles que

62
Capital, III, p. 186.

75
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

economizam em suas folhas de pagamento não obtenham uma taxa me-


nor, como sua teoria parece exigir, mas que obtenham uma taxa maior.
No entanto, os lucros e, portanto, as taxas de lucro, são, de acordo
com a teoria, derivados do mais-valor; e é possível que uma explicação
da média das quantidades de mais-valor, que são a fonte das taxas de
lucro, seja confusamente considerada como uma explicação da média
das taxas de lucro, e que a determinação de uma taxa média de lucro em
uma determinada esfera de produção seja novamente confundida com a
de um único preço de mercado.
Esta hipótese é apoiada pela seguinte consideração. O fato indu-
bitável de que um capitalista economizando em sua folha de pagamento
aumenta, ceteris paribus, sua taxa de lucro, é realmente devido à exis-
tência de um único preço de mercado, que ele continua a obter por seus
produtos, embora tenha reduzido seus custos.
Mas essa explicação não chega, na teoria de Marx, à raiz da ques-
tão; pois, embora as relações de troca sejam expressas em preços, ele
sustenta que elas são, ou foram originalmente, determinadas por valores
no tempo de trabalho; portanto, o preço único que partes iguais do es-
toque de qualquer mercadoria obterão no mesmo mercado reflete valo-
res iguais contidos nessas partes.
Portanto, a demonstração de como esses valores são iguais, apesar
das diferenças nas quantidades de trabalho empregadas por diferentes
capitalistas que produzem essas porções iguais, seria a demonstração
do motivo pelo qual o preço é o mesmo. Agora, na verdade, no argu-
mento pelo qual ele se esforça para explicar como os preços de produ-
ção, que rendem uma taxa de lucro aproximadamente igual em todas as
esferas de produção, vêm a ser substituídos por preços que rendem taxas

76
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

variáveis de lucro proporcionais à composição orgânica variável dos


capitais em diferentes esferas, Marx começa explicando a formação, em
cada esfera, de um único preço de mercado.
Se, então, podemos considerar a formação do preço de mercado
único como refletindo uma média das quantidades de mais-valor, a su-
posição de que Marx confunde isso com uma média das taxas de lucro
explicaria sua afirmação de que as taxas médias de lucro devem ser es-
tabelecidas em cada esfera de produção separada antes que uma média
comum seja estabelecida para todas as esferas e, em seguida, inicie sua
explicação do segundo processo fazendo referência ao estabelecimento
de preços de mercado únicos.
Seja como for, há de fato duas coisas que, em sua própria teoria,
Marx tem que explicar, e para cuja explicação ele realmente dirige seu
argumento no terceiro volume:
1. Que um preço de mercado único, embora possa ser flutuante,
prevalece para todas as partes do estoque de uma mercadoria no
mesmo mercado; pelo qual, como vimos, um capitalista particu-
lar que economiza em salários obterá uma taxa de lucro mais
alta do que seus concorrentes nessa linha, em vez de uma mais
baixa, como a teoria do valor parece exigir;
2. Como esses preços de mercado vêm a ser tão ajustados que mer-
cadorias de diferentes tipos rendem aos produtores capitalistas
a mesma taxa de lucro, em vez de taxas proporcionais à compo-
sição orgânica de seus capitais. Se isso ocorreu, os preços do
mercado único devem ter expressado os valores do tempo de
trabalho; não, de fato, os valores reais do tempo de trabalho de
diferentes peças de bens, um dos quais pode incorporar mais ou

77
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

menos trabalho do que outro do mesmo tipo, mas o valor médio


do tempo de trabalho de todos esses bens no mercado. Depois,
quando se tornaram preços de produção, eles expressam o valor
médio do tempo de trabalho não de tais bens, mas de bens em
todas as esferas de produção; e o mais-valor furtado de tecelões,
fundidores, mineiros e construtores navais é reunido para obter
uma taxa média de lucro para os proprietários de moinhos, mes-
tres ferreiros, mineradores e construtores de navios.
Deve então ser demonstrado que, no início do sistema capitalista,
antes de ser modificado pela concorrência no curso de seu desenvolvi-
mento posterior, havia um único preço de mercado para as mercadorias
em cada linha de produção separada, que expressava o valor médio das
mercadorias nessa linha, e produzia uma taxa de lucro apropriada à
composição orgânica do capital nessa linha, e diferindo da taxa produ-
zida em outras linhas onde as composições orgânicas dos capitais eram
diferentes.
Agora, se perguntarmos como isso pode ser mostrado, duas ma-
neiras se sugerem:
1. Se soubéssemos quais eram, no início, os vários preços do mer-
cado único e qual era a quantidade média de trabalho incorpo-
rada nas várias mercadorias assim precificadas, e se possuísse-
mos um meio de reduzir essas quantidades de trabalhos qualita-
tivamente diferentes, ou específicos, a termos de simples traba-
lho homogêneo, e se, além de tudo isso, soubéssemos o preço
adequado do simples trabalho homogêneo, poderíamos mostrar
separadamente para cada mercadoria que seu preço por unidade

78
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

correspondia à quantidade média de trabalho nas unidades dessa


mercadoria,
2. Se, embora o preço adequado do trabalho homogêneo fosse des-
conhecido, as condições restantes acima enumeradas fossem
cumpridas, poderíamos ter sucesso em mostrar que havia a
mesma razão entre as quantidades de simples trabalho homogê-
neo assim determinadas para quaisquer duas mercadorias, bem
com entre seus preços de mercado. Isso nos daria uma boa razão
para afirmar que os preços expressavam valores no tempo de
trabalho, embora não pudéssemos deduzi-lo de um preço conhe-
cido para unidades desse valor.
Mas nenhuma dessas condições está satisfeita. Os preços que co-
nhecemos são preços presentes, que reconhecidamente não correspon-
dem a valores; os supostos preços originais não são conhecidos. Tam-
pouco sabemos a quantidade média de trabalho originalmente incorpo-
rada em mercadorias de cada tipo, nem podemos reduzir esses trabalhos
específicos a termos de simples trabalho homogêneo, nem temos qual-
quer preço por unidades disso.
O máximo, portanto, que o argumento de Marx pode tentar mos-
trar é, primeiro, como surge um único preço de mercado para cada mer-
cadoria e, segundo, como surgem preços de produção que rendem em
diferentes esferas a mesma taxa de lucro. Ele não pode nem mesmo
mostrar que, uma vez, no início da era capitalista, havia preços de mer-
cado únicos que não eram preços de produção, assim como não conse-
guiu mostrar que, em uma era pré-capitalista, os preços estavam em
conformidade com sua lei do valor.

79
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Todo o argumento é tão confuso que é difícil condensá-lo em


qualquer explicação suficientemente coerente para criticar. Mas a dis-
puta parece ser essa. Antes de tudo o mais, no lugar dos valores indivi-
duais das diferentes partes do estoque de cada mercadoria, vem a ser
estabelecido um ‘‘valor de mercado’’ único e comum.
Com esse valor de mercado, o preço de mercado se alinha, em-
bora as flutuações na relação entre oferta e demanda o façam subir tem-
porariamente acima ou cair abaixo do valor de mercado; e nesses mo-
mentos os lucros nessa linha de produção excedem ou ficam aquém do
que o valor de mercado permitiria. Mas se o valor de mercado em uma
determinada linha de produção (para a qual os lucros nessa linha gravi-
tam) for maior do que em outra, mais capitalistas entrarão nessa linha,
e sua concorrência deprimirá o valor de mercado.
Assim, os valores de mercado, que são os centros de gravidade do
lucro, são assimilados; e as taxas de lucro são deixadas a flutuar tem-
porariamente com variações na relação de oferta e demanda, sem diferir
permanentemente com a composição orgânica dos capitais.
O argumento até agora gira em torno da concepção de um valor
de mercado distinto igualmente do valor individual de uma mercadoria,
do preço de mercado e do preço de produção. É algo relacionado a um
preço definido, porque podemos dizer que um determinado preço de
mercado está acima ou abaixo dele, ou está em conformidade com ele
corretamente. Mas, embora assim relacionado ou exprimível em um de-
terminado preço, é fundamentado no trabalho socialmente necessário
incorporado à mercadoria.
No entanto, um ‘‘valor de mercado’’ nunca pode ser determinado,
independentemente do preço. Pois um capitalista pode ignorar quanto

80
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

tempo de trabalho está incorporado nas mercadorias que ele produz ou


quanto disso é socialmente necessário.
O próprio assecla de Marx, Engels, confessa isso, quando diz 63
que um capitalista geralmente não sabe quanto capital variável é inves-
tido em seus negócios; ele está familiarizado com a distinção entre ca-
pital fixo e circulante, mas não com a distinção entre capital constante
e variável. Devemos, então, com a finalidade de determinar se o preço
de mercado representa corretamente o valor de mercado, buscar uma
regra que não exija uma averiguação e comparação separadas dos dois.
E para que um possa representar o outro, Marx diz que duas coisas
são necessárias:
(1) os diferentes valores individuais das várias partes do estoque
de qualquer mercadoria devem ter sido médias em um único
valor social, que é o valor de mercado 64;
(2) a quantidade da mercadoria no mercado deve ser tal que a
demanda total possa absorver precisamente. 65
Como não há valor de mercado até que o primeiro seja feito, Marx
está apenas dizendo que os preços de mercado correspondem aos valo-
res de mercado quando a oferta é precisamente igual à demanda. Os
economistas ‘burgueses’, a quem ele ridiculariza, apontariam que a
oferta só pode ser considerada igual à demanda a um determinado

63
Capital, III, cap. iv (escrito por Engels), p. 90.
64
Ibidem, Ill, p. 213.
65
Ibidem, Ill, p. 218.

81
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

preço, e que pode haver vários preços diferentes nos quais o equilíbrio
pode ser alcançado, sendo que apenas um deles, em qualquer caso, pode
corresponder ao valor de mercado. Marx ignora isso.
A média que estabelece um único valor de mercado é efetuada,
segundo nos dizem, pela concorrência entre os produtores. Mas isso não
faz sentido. Uma média é determinada por meio da aritmética; e se os
valores individuais fossem conhecidos, ela poderia ser estabelecida sem
concorrência; caso contrário, não poderia ser resolvida de forma al-
guma.
Agora, os valores individuais não são conhecidos, sendo uma fun-
ção do tempo de trabalho incorporado em cada unidade de uma merca-
doria, que não é conhecido. E a concorrência só pode agir sobre os pre-
ços, não sobre os valores, e não necessariamente, quando a mesma mer-
cadoria é oferecida a preços diferentes, tende a substituir estes por sua
média.
Se houver mais compradores no preço mais alto do que o estoque
oferecido fornecerá, ela substituirá o preço mais alto; e se houver mais
vendedores prontos para aceitar o preço mais baixo do que a demanda
esgotará, ela substituirá o preço mais baixo; e o preço comum pode cair
em qualquer posição entre estes. A suposta explicação de Marx do
efeito da concorrência sobre os valores de mercado é, então, uma ex-
plicação imprecisa de seu efeito sobre os preços de mercado, que ela
unifica, mas não calcula a média.
Tendo dado esse relato impossível do estabelecimento de valores
de mercado únicos, em que o valor de mercado é realmente outro nome
para o preço de mercado, Marx passa a declarar as condições sob as
quais os preços de mercado corresponderão aproximadamente a esses

82
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

valores de mercado; e nesta parte de seu argumento, valor de mercado


é outro nome para preço de produção. As condições são estas:
(a) as trocas devem ser constantes;
(b) as mercadorias devem ser produzidas em quantidades sufici-
entes;
(c) não deve haver monopólio acidental ou artificial. 66
Quando há um aumento repentino da demanda que não pode ser
atendido imediatamente pelo aumento da oferta, ou um excesso além
da possível extensão imediata da demanda, os preços de mercado, por
algum tempo, subirão acima ou cairão abaixo dos valores de mercado.
Agora, essas condições são economicamente importantes, porque
há algo para o qual elas mantêm os preços de mercado próximos; no
entanto, isso se refere aos preços de produção, não aos ‘‘valores de mer-
cado’’. Assim, fica claro que o valor de mercado, se não o mesmo que
o preço de mercado, é apenas o preço da produção sob outro nome.
É verdade que Marx os distingue 67 e, de fato, supõe estar expli-
cando como os preços de acordo com os ‘‘valores de mercado’’ são
‘‘transformados’’ em preços de produção. Mas, se não são os mesmos,
por que a introdução de um modo mais barato de produzir uma

66
Capital, III, p. 209.
67
Capital, III, p. 229.

83
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

mercadoria reduziria, como diz Marx, 68 seu valor de mercado? Clara-


mente, o que isso reduz é o preço de produção.
Pois um preço de produção é aquele que, depois de cobrir o custo
de produção, em salários, materiais etc., deixa ao produtor a taxa média
de lucro, ou seja, a taxa pela qual os empreendedores comumente estão
dispostos a realizar negócios, nem notavelmente mais, o que atrairia
mais produtores nessa linha de produção e daria origem a uma abun-
dância, nem notavelmente menor, ou alguns sairiam do negócio, cau-
sando escassez.
Sem dúvida, o barateamento do modo de produção pode ser efe-
tuado, como Marx supõe, por alguma redução do ‘‘trabalho socialmente
necessário’’ 69; mas isso não é suficiente para mostrar que existe algum
valor de mercado, distinguível do preço da produção, que é reduzido
pela redução do trabalho ‘‘socialmente necessário’’.
O que é chamado de valor de mercado único de uma mercadoria
é apenas outro nome ao mesmo tempo para o preço do mercado único,
e, em outro momento, para o preço de produção. O relato do processo
pelo qual é substituído pelos valores individuais das diferentes partes
do estoque de uma mercadoria é apenas um relato impreciso do pro-
cesso de estabelecimento de um preço de mercado único.

68
Ibidem, Ill, p. 228.
69
Ibidem, Ill, p. 228. Mas pode ser devido a outras causas, por exemplo,
diminuição do desperdício, a descoberta de um meio de utilizar subpro-
dutos ou corte de taxas salariais.

84
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Esse processo não tem nada a ver com valores no tempo de traba-
lho, e o preço único não é alcançado pela média de valores individuais
ou preços individuais. Os valores individuais, calculados no tempo de
trabalho, ninguém leva em consideração; e os preços de mercado não
têm relação com eles; eles têm relação com a quantidade de trabalho
pela qual os salários devem ser pagos, mas isso é trabalho específico, e
o salário que o exigirá dependerá não de sua equivalência a uma quan-
tidade de simples trabalho homogêneo, mas dos padrões de vida atuais,
da demanda e da oferta, combinação e concorrência, mínima legislati-
vos e assim por diante.
Além disso, os preços individuais não são calculados em média
no preço do mercado único. Novamente, a descrição do processo pelo
qual os valores de mercado são substituídos pelos preços de produção é
algo que nunca ocorre; pois nunca houve um tempo em que os valores
de mercado existissem rendendo, em diferentes linhas de produção, lu-
cros proporcionais ao seu capital variável.
O movimento do capital de linhas de produção menos lucrativas
para linhas de produção mais lucrativas, que supostamente ‘‘transfor-
mam’’ os valores de mercado em preços de produção, é realmente ape-
nas a agência que mantém os preços de mercado próximos do custo de
produção; aqui, valor de mercado é outro nome para preço de mercado;
e quando mais tarde se diz que o chamado valor de mercado é o centro
para o qual os preços de mercado gravitam, é apenas outro nome para
preço de produção.
Além disso, se refletirmos, descobrimos que o processo de média,
que Marx supõe que a concorrência exerceu sobre os diferentes valores
de mercado, de modo a produzir preços que proporcionem uma taxa

85
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

comum de lucro, é bastante ininteligível. 70 Uma vez que o argumento


para mostrar isso será o mesmo, quer suponhamos a média aplicada a
‘‘valores de mercado’’ ou preços de mercado, podemos formulá-lo com
referência a preços de mercado, que são reais e familiares, não a valores
de mercado, que, por sua vez, são desconhecidos e fictícios. Uma média
é derivada a partir de números; e nenhuma média pode ser encontrada
para um conjunto de termos, a menos que cada termo seja primeiro ex-
presso em um número. Para isso, devemos saber o que é um termo.
Às vezes, não há dificuldade em saber isso. Podemos encontrar a
média ou o nível médio do mar em Liverpool, porque seus níveis em
momentos diferentes podem ser expressos como muitos pés e polegadas
acima ou abaixo de uma determinada linha; e um determinado nível é o
nível no momento de uma observação.
Então, se quisermos o preço médio do trigo desembarcado em Li-
verpool, tomaremos como nossas unidades tantas quantidades iguais de
trigo em peso, digamos toneladas. O trigo será entregue em cargas, e
cada carga terá um valor exprimível em libras, xelins e pence; mas as
cargas serão desiguais, e a média que queremos não é o preço médio
por carga, pois não sabemos qual é a quantidade de uma carga, mas o
preço médio por unidade fixa.

70
Uma média das taxas de lucro é, naturalmente, inteligível; mas embora,
no início, Marx diga que a taxa uniforme de lucro é alcançada ‘‘calcu-
lando a média das várias taxas de lucro nas diferentes esferas de produ-
ção’’ (Capital, III, p. 185), em sua exposição subsequente, ele fala da
média dos valores de mercado.

86
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

O fato de que o trigo pode ser medido em peso torna possível


encontrar uma média neste caso; toneladas de trigo são unidades com-
paráveis. Mas como vamos atingir uma média dos preços de mercado
de todas as mercadorias? Não saberemos mais o que deve ser tratado
como um termo.
Nossas diferentes linhas de produção oferecerão trigo, ferro-gusa,
lã, tecido, carvão, camas, cronômetros, pôneis de polo, roseiras, binó-
culos e tudo mais. Devemos calcular a média de seus preços; os núme-
ros de nossos preços dependerão das unidades tomadas; quais unidades
devemos tomar?
Se tomarmos pesos iguais, quem fará a cotação por peso para os
pôneis de polo ou cronômetros? Se tomarmos um espécime de cada
mercadoria, quanto custa um espécime de lã, trigo ou ferro-gusa? A
unidade em cada linha de produção deve ser fixada de forma indepen-
dente e arbitrária; no entanto, cada diferença em nossa escolha alterará
a média. Falar de um preço médio ou valor médio para mercadorias de
todos os tipos não faz o menor sentido.
Devemos então concluir que Marx falhou totalmente em sanar a
objeção à sua teoria do valor levantada por qualquer uma das duas dis-
crepâncias aparentes, notadas no final do último capítulo 71, entre elas e
os fatos, a saber, que as taxas de lucros em diferentes indústrias não
variam com a proporção do salário em relação a outros custos, e que um
capitalista que economiza em sua folha de pagamento, que deveria ser

71
Vide pp. 49, 50, acima.

87
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

a fonte de seu lucro, descobre, no entanto, que seu lucro é assim aumen-
tado.
Podemos examinar um pouco mais a solução oferecida para esta
última discrepância. A princípio, a solução dada, como vimos, é que ele
ainda obtém a parcela média do mais-valor, derivada do trabalho médio
em mercadorias do tipo que ele produz, e constituindo seu valor social
ou valor de mercado único.
Foi mostrado que essa concepção é insustentável; um capitalista
economizando na produção, seja em seu salário ou de outra forma, au-
menta seu lucro porque ele ainda vende ao preço do mercado único, que
não é uma personificação do tempo de trabalho médio. Mas no terceiro
volume Marx vai mais longe.

O capitalista individual, ou mesmo todos os capitalistas em


cada esfera individual de produção, acreditam justamente que
seus lucros não são realmente derivados do trabalho empre-
gado em cada esfera individual. 72

Em vez de reunir todos os valores nas diferentes mercadorias de


um tipo para determinar quanto pertencerá a uma amostra específica,
Marx, aqui, reúne os valores em mercadorias de diferentes tipos. E o
que o capitalista não vê, como aqui afirmado, é que seus lucros se de-
vem à exploração universal do trabalho pelo capital social total.

72
Capital, III, p. 201. Itálicos meus.

88
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Agora, se o capitalista não consegue ver que seus lucros se devem


à exploração agregada do trabalho em sua própria esfera de produção,
como alegado no primeiro volume do Capital, ou à exploração maior e
universal do trabalho pelo capital social total, como alegado aqui, ele
certamente está correto.
Pois se seus lucros fossem sua participação em qualquer um dos
grupos, o efeito de sua economia, pela qual ele explora menos trabalho
e, portanto, contribui com menos mais-valor para o grupo, diminuiria
na mesma proporção, ainda que ligeiramente, a sua própria participa-
ção, bem como a de todos os outros capitalistas.
Mas o efeito real é aumentar o dele, sem necessariamente dimi-
nuir os dos outros. Mas o ponto particular a ser notado na nova versão
da doutrina de Marx dada nas palavras em itálico acima é que, como
Böhm-Bawerk mostrou 73, envolve um abandono da tese original.
Alega-se agora que, quando um capitalista aumenta seu lucro pela
redução de sua folha de pagamento, apesar do fato de que, ao reduzi-la,
ele restringe sua fonte imediata de lucro, o aumento ainda é derivado
do mais-valor, não apenas daquele que ele se apropria, mas daquele
produzido pelo mais-trabalho total de toda a comunidade.

73
Agora não consigo encontrar minha fonte original para essa referência.
A crítica, no entanto, será encontrada totalmente desenvolvida em seu
Karl Marx and the Close of his System, E. T., pp. 68 sq. (T. Fisher
Unwin, 1898), uma obra que, lamento dizer, só veio ao meu conheci-
mento enquanto eu procurava minha fonte durante a revisão das provas.

89
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O que Marx tinha a mostrar era que, de fato, em algum período


da história da produção, a razão entre o lucro realizado em um negócio
e a quantidade de mais-valor apropriado nele era constante para todos
os negócios. Isso ele nunca mostra; e admite que não pode ser mostrado,
quando admite que um capitalista individual pode aumentar seu lucro
pela redução do trabalho e, portanto, do mais-trabalho em seus negó-
cios.
Mas no primeiro volume do Capital, a objeção decorrente dessa
admissão foi respondida ao dizer que o capitalista individual obtém seu
lucro a partir de sua parcela proporcional do mais-valor agregado apro-
priada por todas as empresas pertencentes à sua esfera de produção.
Pela razão dada no início deste parágrafo, essa resposta é insatis-
fatória; mas se a aceitássemos, deveria haver pelo menos uma razão
constante em todas as esferas da produção entre os lucros agregados
realizados por todos os capitalistas em qualquer esfera e o mais-valor
agregado apropriado nela. Na passagem diante de nós, Marx abandona
a tentativa de mostrar até mesmo isso. Em vez disso, ele aponta que a
razão entre o lucro médio e o mais-trabalho médio é única e insiste que
isso apoia sua teoria.

Como o valor total das mercadorias regula o mais-valor,


e esse é o nível do lucro médio e da taxa média de lucro, a lei
do valor regula os preços da produção. 74

Mas eu poderia facilmente provar que o peso os regula. Pois os


preços de produção se ligam às mercadorias, e não há mercadorias sem

74
Capital, III, pp. 211—12.

90
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

peso; e embora não haja relação constante entre o preço de produção de


uma mercadoria e seu peso, a razão entre o preço médio de produção e
o peso médio é única. 75
Uma consideração das médias pode muitas vezes ser frutuosa-
mente substituída pela dos indivíduos, se os indivíduos se enquadrarem
em vários grupos, e as médias forem tomadas para cada grupo. Supo-
nha, por exemplo, que as médias de um elemento (digamos, lucro) di-
ferissem de acordo com as diferenças nas médias de outro elemento (di-
gamos, tempo de trabalho) em uma série de grupos (digamos, aqueles
formados pelas empresas em tantas linhas de produção distintas);

75
A crítica acima pode ser expressa de forma bastante geral. Seja M algo
que exibe quantidades variáveis de dois caracteres mensuráveis, A e B;
e haja qualquer número n de M 's; e sejam as quantidades agregadas dos
dois caracteres A e B em todos os M's x e y, respectivamente; então
haverá uma razão das quantidades médias de A e B neles e, claro, uma
𝑥𝑥 𝑦𝑦
única razão, a saber, ; . Mas as proporções das quantidades particu-
𝑛𝑛 𝑛𝑛
lares de A e B podem, no entanto, ser diferentes para cada M. Assim,
seja M uma mercadoria, e n, o número de mercadorias, seja 4; seja A
lucro e B mais-valor; e seja x o lucro agregado, e y o mais-valor agre-
gada, nas 4 mercadorias. Segue-se que a razão entre o lucro médio e o
𝑥𝑥 𝑦𝑦
mais-valor médio será : ; e se x=y, o lucro médio será igual ao mais-
4 4
valor médio (embora, obviamente, a razão de x para y não tenha nada a
ver com a unicidade da razão média). Mas as quantias particulares de
lucro em cada uma das 4 mercadorias podem estar relacionadas como
2 3 7 13
, , , ; enquanto as quantias particulares correspondentes do
25 25 25 25
1 5 8 11
mais-valor nelas podem estar relacionadas , , , ; e as razões de
25 25 25 25
lucro para mais-valor nas várias mercadorias, a saber, 2:1, 3:5, 7:8,
13:11, são todos desiguais para a razão x: y dos agregados e entre si.

91
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

devemos então ter boas razões para suspeitar de uma conexão entre os
dois elementos.
Ou novamente, quando temos que tomar uma ação em relação a
um número de indivíduos, que se baseia em algum elemento presente
em todos, mas presente em força ou magnitude variável, então, onde os
efeitos de erros contrários se neutralizarão, um conhecimento da força
ou magnitude média desse elemento pode servir em vez de um conhe-
cimento dos detalhes de cada caso.
Assim, uma empresa de seguros de vida pode agir com segurança
com base no conhecimento da expectativa média de vida de seus clien-
tes em cada idade; embora para um segurador, interessado apenas em
seu próprio caso, o problema seja diferente; se ele quiser saber se fará
um bom negócio assegurando sua vida, ele deve saber quanto tempo ele
mesmo viverá.
Mas onde nenhuma dessas condições é realizada — em que nem
diferentes médias sejam tomadas para grupos distintos, nem que, se
uma única média for tomada, os efeitos de erros contrários se neutrali-
zam — uma média é inútil. Um oculista que prescrevesse para todos os
seus pacientes óculos adequados ao desvio míope médio beneficiaria
muito poucos deles; e um engenheiro de irrigação que construísse seus
reservatórios e comportas para se adequar à precipitação média seria
inútil. E muito menos, se eu quiser provar uma conexão entre dois ele-
mentos ao longo de suas flutuações em uma série de casos individuais,
posso fazer qualquer coisa encontrando as médias de cada elemento
para toda a série.
Entretanto, Marx não parece entender os limites adequados para
o uso do apelo às médias. Ele a usa indevidamente não apenas no caso

92
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

que acabamos de considerar, substituindo, pelas razões dos preços de


mercado individuais nas várias linhas de produção para as quantidades
de trabalho incorporadas nelas, a razão das médias; mas também
quando ele diz que o tempo de trabalho que constitui o valor de uma
mercadoria não é o que está incorporado nessa mercadoria em particu-
lar, mas é uma parte alíquota do tempo de trabalho incorporado em to-
das as mercadorias desse tipo que foram produzidas pelo trabalho soci-
almente necessário para satisfazer a demanda social por essa mercado-
ria.
Em relação às várias peças semelhantes, como ferraduras, produ-
zidas por um operário, substituir os valores de cada peça com base no
tempo de trabalho gasto nelas, um valor médio com base no tempo de
trabalho médio não teria significado na fixação de um preço.
Pois os erros contrários que surgiriam através da fixação de um
preço uniforme, ora acima e ora abaixo do valor individual, se neutrali-
zariam. Mas a substituição não seria mais insignificante se cada peça
fosse feita por um operário diferente; pois um operário receberia mais
e outro menos do que seu trabalho justificava.
Se A, B e C são três fabricantes de botas trabalhando por conta
própria, e eles podem produzir respectivamente três, quatro e cinco pa-
res de botas artesanais em uma semana de quarenta e oito horas, traba-
lhando com igual intensidade, e se o custo dos materiais é por par, e o
valor total do trabalho de sua semana é £ 4, é justo que as botas sejam
vendidas a um preço uniforme de £ 2 por par, e que eles recebam, depois
de pagar por seus materiais, rendimentos líquidos de £ 3, £ 4 e £ 5,
respectivamente?

93
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Marx defende isso com o fundamento de que A exerce menos do


que trabalho socialmente necessário e C exerce mais do que o trabalho
socialmente necessário. Agora, o trabalho socialmente necessário é ape-
nas o trabalho médio gasto em cada par do estoque de botas necessário
para satisfazer a demanda efetiva da sociedade. É um mero acidente que
o dispêndio de trabalho de qualquer fabricante em particular de botas
em um par de botas coincida com a média, e não é menos acidental do
que se lhe ocorresse de ter altura média de todos os fabricantes de botas.
Se todo o valor é criado pelo trabalho, e o justo é que um homem
receba o valor total ou equivalente de seu trabalho, um homem deve
receber mais por um par de botas, se mais trabalho foi gasto nelas; que
razão há em dizer que o equivalente a cada um dos trabalhos desiguais
de outros fabricantes de botas em um par de botas é o valor do trabalho
desse fabricante de botas em um par 76 que coincide com a média?
Com base em que princípio evidente de justiça A deve receber
menos e C mais do que B por seu trabalho igual de uma semana? Sem
dúvida para P, um comprador, pode parecer irracional que ele tenha que
pagar mais por um par de botas para A do que para C, já que para ele
elas valem o mesmo. Mas se o valor é realmente criado pelo tempo de
trabalho, e se há mais tempo de trabalho incorporado nas botas de A do
que nas de C, as de A são realmente mais valiosas.

76
Na verdade, não é necessário haver nenhum par de botas nas quais tenha
sido colocado precisamente o número médio de horas de trabalho por
par.

94
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Como devemos ajustar esses dois pontos de vista, o de A, que diz


‘Essas botas são intrinsecamente mais valiosas do que as de C, porque
mais trabalho foi gasto nelas’, e o de P, que diz ‘Elas são para mim do
mesmo valor, porque uma satisfaz minhas necessidades, bem como a
outra’? Em outras palavras, como devemos ajustar a concepção de um
valor em um artigo dependendo não da falta dele, mas do trabalho nele,
e a concepção de um valor dependendo não do trabalho nele, mas da
falta dele? Marx não esclareceu isso, nem sequer enfrentou a questão.
Ele qualifica a primeira concepção pela segunda quando diz que
o trabalho que confere valor é apenas o trabalho socialmente necessário;
e novamente, quando faz o suposto valor de mercado ou social flutuar
com as perturbações temporárias na relação de oferta e demanda.
Pois é a indiferença da necessidade, como entre os vários artigos
de um tipo no mercado, que torna os valores uniformes para todos eles;
e novamente as flutuações na necessidade, que fazem esse valor uni-
forme flutuar. Marx não podia se dar ao luxo de dizer que a necessidade
estabelece apenas um preço uniforme, em desacordo com o valor; pois
então ele teria que chamar os valores dos vários artigos de um tipo no
mercado diferentes, e a existência do preço único, que é tão necessária
tanto se o mercado for abastecido por capitalistas ou por produtores in-
dependentes, seria injusta.
Tal posição seria muito paradoxal; pois claramente não há justiça
em fazer um comprador pagar mais por um do que outro entre dois ar-
tigos exatamente semelhantes. Mas também claramente não há justiça,
na teoria de Marx, em fazer um produtor vender um artigo abaixo de
seu valor intrínseco.

95
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Assim, como foi dito acima 77, a ressalva de que o trabalho que
constitui o valor de um artigo é o trabalho socialmente necessário nele
é irreconciliável com a doutrina principal. Para evitar a contradição que
estaria envolvida em dizer que é injusto fazer o comprador pagar o
preço justo de um artigo, Marx modifica a doutrina de um valor criado
pelo trabalho por uma qualificação baseada em uma concepção confli-
tante. Se o valor surge do trabalho incorporado, a demanda não pode
afetar o verdadeiro valor.
Poderia ser dito por aqueles preparados para admitir um elemento
de verdade em ambos os apelos, tanto do produtor que vende quanto do
desejante que compra, que o único sistema sob o qual ambos podem ser
satisfeitos é o comunista. Marx observa, em outra conexão 78, que so-
mente quando a sociedade pré-arranja e controla a produção, a quanti-
dade de tempo de trabalho social empregado na produção de um deter-
minado artigo será ajustada à demanda da sociedade por esse artigo.
Se o controle da produção estivesse nas mãos da sociedade — o
que significa, na prática, que ela esteja nas mãos de alguns funcionários
agindo em nome de toda a comunidade — e se o mesmo Tesouro que
pagou os custos de toda a produção recebesse o produto de todas as
vendas, os fabricantes de botas poderiam ser pagos a taxas diferentes
por par, de acordo com a quantidade de tempo que gastaram em fazê-
las, enquanto as botas eram vendidas a um preço médio para cada qua-
lidade.

77
Ch. II, p. 43, n. 1.
78
Capital, III, p. 221.

96
A Inconsistência entre as Consequências da Teoria de Marx e os Fatos

Pois as perdas devidas aos trabalhadores que trabalhavam mais


lentamente do que a média seriam neutralizadas pelos ganhos devidos
àqueles que trabalhavam mais rapidamente, estando o mesmo Tesouro
incorrendo em ambos. Se sob tal sistema a produtividade do trabalho
seria alta, e se os trabalhadores mais rápidos pensariam que o sistema é
justo, são outras questões.

97
IV- TRABALHO HUMANO HOMOGÊNEO
O empreendimento de uma teoria é explicar os fatos observados,
e nenhuma teoria pode ser verdadeira ao mesmo tempo em que impli-
que consequências em conflito com os fatos. Para salvá-la, deve-se
mostrar que os fatos não são tal como alegados, ou que o argumento
que deduz as consequências conflitantes é defeituoso. Caso contrário, a
teoria deve ser modificada ou abandonada.
A teoria newtoniana da gravitação foi modificada, e até mesmo
os axiomas de Euclides foram abandonados por alguns, em obediência
a esse princípio lógico. Agora não podemos questionar os fatos cuja
discrepância com as consequências implicadas pela teoria de Marx foi
apontada no final do Capítulo II; e, como vimos no Capítulo III, ele não
consegue mostrar que sua teoria não implica essas consequências, e
suas tentativas de modificá-la não são consistentes com ela. O que, en-
tão, devemos fazer além de abandoná-la?
Não chegamos, no entanto, ao fim do erro e da confusão envolvi-
dos nele e, portanto, devemos um exame mais aprofundado. As dificul-
dades envolvidas em tornar o trabalho que confere valor a um artigo o
trabalho socialmente necessário são grandes, mas aquelas que cercam a
concepção de trabalho humano homogêneo são maiores. Em seu es-
forço para apoiar essa concepção, Marx argumenta de forma circular;
ele faz um apelo a fatos que os fatos rejeitam; e a redução dos diferentes
tipos de trabalho específico a trabalho humano homogêneo é viciosa em
princípio.

99
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

1. O argumento circular que a redução envolve já foi brevemente


indicado, 79 mas podemos ponderá-lo um pouco mais de perto.
Declaradamente, as relações de troca de mercadorias são, no iní-
cio, determinadas por seus valores, e seus valores são constituí-
dos pela força de trabalho congelada nelas; e o trabalho qualifi-
cado conta apenas como

trabalho simples multiplicado, uma determinada quanti-


dade de qualificação sendo considerada igual a uma quanti-
dade maior de trabalho simples. A experiência mostra que essa
redução está sendo feita constantemente. Uma mercadoria pode
ser o produto do trabalho mais qualificado, mas seu valor, ao
ser equiparado ao produto do trabalho simples não qualificado,
representa uma quantidade definida apenas do último traba-
lho. 80

Agora, obviamente, essa equiparação deve ser feita antes de fixar


as relações de troca de mercadorias produzidas por trabalhos de dife-
rentes graus de qualificação; pois até que tenhamos feito isso, não po-
demos determinar quanto do produto do trabalho qualificado de um dia
deve ser trocado pelo produto do trabalho não qualificado de um dia.
Em outras palavras, para que a teoria de Marx funcione, devemos redu-
zir os trabalhos heterogêneos a termos de simples trabalho homogêneo
antes que os preços sejam estabelecidos.
Porém, na verdade, a equação e a redução são feitas através dos
preços das mercadorias nas quais os diferentes trabalhos entram. E isso

79
Acima, p. 64.
80
Capital, I, pp. 11-12.

100
Trabalho Humano Homogêneo

o próprio Marx reconhece em outra conexão. A passagem é aquela em


que ele professa desnudar o mistério na natureza de uma mercadoria.
Não há nada de misterioso em uma mercadoria enquanto tendo
valor de uso; mas como tendo valor de troca, é, diz Marx, um ‘hieróglifo
social’ que precisa ser interpretado. Os trabalhos dos homens, conside-
rados como produzindo diferentes tipos de coisas úteis, classificam-se
separadamente em nossa visão da sociedade; mas considerados como
produzindo algo que tem um valor não no uso dele pelo produtor, mas
na troca dele, eles se classificam da mesma forma.

Essa equalização dos mais diferentes tipos de trabalho


pode ser o resultado apenas de uma abstração de suas desigual-
dades, ou de reduzi-las à sua denominação comum, a saber, dis-
pêndio de força de trabalho humana ou trabalho humano em
abstrato. 81

O caráter social, portanto, pertencente a todo tipo de trabalho, em


uma comunidade onde a divisão do trabalho e a troca prevalecem, ou
seja, o caráter de ser igual, em um aspecto, a todos os outros tipos par-
ticulares de trabalho, mostra-se nos produtos do trabalho como um ca-
ráter objetivo, ou seja, como a qualidade comum de ter valor.
Prossegue Marx:

Portanto, quando colocamos os produtos de nosso tra-


balho em relação uns com os outros como valores, não é porque
vemos nesses artigos os receptáculos materiais do trabalho hu-
mano homogêneo. Muito pelo contrário: sempre que, por uma

81
Capital, I, p. 44.

101
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

troca, equiparamos como valores nossos diferentes produtos,


por esse mesmo ato, também equiparamos, como trabalho hu-
mano, os diferentes tipos de trabalho despendidos sobre eles.
Não estamos cientes disso, no entanto, é o que fazemos.

O valor, portanto, não espreita por aí com um rótulo,


descrevendo o que é. É antes o valor que converte cada produto
em um hieróglifo social. Mais tarde, tentamos decifrar o hieró-
glifo, para descobrir o segredo de nossos próprios produtos so-
ciais; pois rotular um objeto de utilidade como um valor é tanto
um produto social quanto a linguagem. 82

Marx não é muito lúcido como revelador de mistérios; mas o que


ele parece querer dizer é o seguinte: os homens que vivem solitaria-
mente teriam cada um que fazer exatamente o que precisassem para si
mesmos. Seja lá no que Robinson Crusoé trabalhasse (é a própria ilus-
tração de Marx), seu trabalho, apesar das variedades de formas que as-
sumiria, seria apenas seu trabalho; embora, se pudéssemos falar de va-
lor onde não há troca, os vários artigos de uso que ele fez seriam consi-
derados valiosos apenas em proporção à extensão do trabalho devotado
em fazê-los.
Sem troca, no entanto, o valor não é realizado; não ganha expres-
são; está presente nos vários objetos úteis que Crusoé fez, mas por falta
do fator social eles não são marcados como valores. Porém, em uma
sociedade, onde todo homem não produz mais tudo o que deseja para
si, mas os homens satisfazem suas diversas necessidades exercendo um
trabalho diferente com vistas à troca, seus trabalhos não são apenas

82
Ibid., I, p. 45. Itálicos meus.

102
Trabalho Humano Homogêneo

heterogêneos, como os de Crusoé, porque fazem coisas diferentes, mas


sociais, diferente de antes, porque essas coisas são trocáveis.
Mas serem sociais significa que eles são os trabalhos de uma so-
ciedade, como os de Crusoé eram os trabalhos de um homem e, por-
tanto, assim como os dele, são homogêneos. É o valor neles derivado
desse trabalho social ou homogêneo que torna os produtos mercadorias
e lhes dá relações em troca.
Os homens não percebem que o valor que transforma seus produ-
tos em mercadorias vem do trabalho homogêneo neles; é por isso que
Marx chama o produto trocável de hieróglifo social. Eles não veem o
trabalho homogêneo nos artigos que trocam. Mas está lá e faz seus va-
lores (e Marx o descobriu e revelou); e, portanto, de fato, quando equi-
paramos como valores diferentes produtos — quando, por exemplo,
numa troca, dizemos que um par de botas vale um saco de aveia, ou
ambos valem 40s. — nós, assim, equiparamos os trabalhos despendidos
em produzi-los, apesar de sua heterogeneidade.
Agora, a última parte desta linha de argumentação reconhece, e
as palavras em itálico na citação realmente confirmam, que a redução
do heterogêneo a termos de trabalho homogêneo é efetuada através das
relações de troca dos produtos. A evidência, e a única evidência, de que
duas quantidades desiguais de trabalhos específicos diferentes são equi-
valentes à mesma quantidade de trabalho homogêneo é que as merca-
dorias que os incorporam são trocadas ou têm o mesmo preço.
Mas por que esse fato é evidência da equivalência? Somente por-
que se assume que as quantidades de trabalho homogêneo incorporadas
nas mercadorias determinam suas relações de troca. E como esse prin-
cípio é conhecido? Certamente não é autoevidente e não pode repousar

103
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

diretamente na observação, uma vez que a observação não determinará


quanto trabalho homogêneo é exercido em qualquer instância.
O relógio medirá o tempo durante o qual um trabalhador exerce
algum trabalho específico, mas não a duração do trabalho homogêneo
ao qual isso é equivalente. As quantidades de trabalho homogêneo em
diferentes artigos devem então ser inferidas de alguma forma.
Se pudéssemos, com a ajuda de qualquer tabela de equivalentes,
determiná-los a partir das quantidades de diferentes trabalhos específi-
cos na troca de artigos, poderíamos então descobrir que as relações de
troca, embora não estejam em conformidade com as quantidades destas,
estão em conformidade com as quantidades de trabalho homogêneo às
quais foram reduzidas; e tendo estabelecido isso como um princípio ge-
ral, poderíamos então, com base nisso, deduzir das relações de troca de
outras mercadorias particulares a respectiva quantidade de trabalho ho-
mogêneo nelas. Mas não temos essa tabela de equivalentes independen-
tes.
A igualdade de preço, portanto, entre dois artigos produzidos por
quantidades desiguais de trabalho específico diferente continua sendo a
única evidência de que eles incorporam quantidades iguais de trabalho
homogêneo. E isso é evidência apenas se for garantido como princípio
geral de que as quantidades de trabalho homogêneo incorporadas nas
mercadorias determinam suas relações de troca.
Agora, esse é o próprio princípio ao qual estávamos procurando
mostrar que os fatos estão em conformidade. Estabelecer um princípio
apontando para fatos cuja suposta conformidade com ele é inferida a
partir do princípio a ser estabelecido é argumentar de forma circular; e
é isso que Marx faz.

104
Trabalho Humano Homogêneo

Podemos colocar o argumento de maneira um pouco diferente, da


seguinte forma: Marx alega que o que dá às coisas seus valores e, assim,
determina suas relações de troca, é a quantidade de trabalho incorporada
nelas: no entanto, não as horas de qualquer trabalho específico, mas a
quantidade de simples trabalho homogêneo ao qual estes são equivalen-
tes. Não sendo diretamente mensurável o simples trabalho homogêneo,
nem de fato observável, essa alegação não pode ser confirmada por um
apelo à experiência.
A prova oferecida é que as relações de troca ou preços são um
hieróglifo social que oculta ou simboliza a presença nas mercadorias
precificadas das quantidades proporcionais de simples trabalho homo-
gêneo. Para aqueles que perguntam que evidências constam para a exis-
tência desse simples trabalho homogêneo, e que constitui o valor das
mercadorias e determina seus preços, Marx responde:

Seus preços o representam.

Mas a questão é se seus preços realmente representam algo do


tipo, e se existe mesmo tal coisa; e Marx, pela resposta que forneceu,
implora por essa pergunta.
2. Mas seu argumento tem outro defeito. Para mostrar que seu
princípio está correto, ele faz um apelo a certos fatos que não o
confirmam. Ele apela para os fatos da situação de um produtor
solitário; mas não há nenhuma analogia real entre a situação de
Robinson Crusoé e a de uma sociedade.

105
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

3. Marx está lidando com a dificuldade de que diferentes tipos de


trabalho atribuem valor desigual a seus produtos em tempos
iguais. Ora, a razão disso é que trabalhadores de alguns tipos
reivindicam, e podem fazer valer a reivindicação, serem mais
altamente remunerados do que outros.
4. Se, por causa de sua maior habilidade, ou por qualquer outra
razão, a taxa de salário de um homem deve, com justiça, ser fi-
xada mais alta do que a de outro homem pela mesma duração
do trabalho, é outra questão. De qualquer forma, é claro que Ro-
binson Crusoé não poderia alegar ser um trabalhador que mere-
cesse que sua remuneração fosse fixada a uma taxa mais alta do
que a sua.
5. E supondo que ele atribuísse igual valor, para seu uso privado,
a coisas nas quais ele havia despendido trabalho igual — uma
suposição de forma alguma necessária — isso não mostraria que
os membros de uma sociedade que coletivamente supre suas ne-
cessidades pela divisão do trabalho e pela troca dão valor a seus
produtos na proporção da duração do trabalho despendido neles.
É, de fato, possível que Robinson Crusoé, se tivesse um cliente
para trabalhar, pudesse cobrar a uma taxa mais alta por um tipo de tra-
balho do que por outro; ou que, se ele pensasse em trocar seus produtos
quando os visitantes chegassem à ilha, talvez não estivesse disposto a
estimar, com base no mero tempo dedicado à produção deles, quanto
milho ele deveria pedir por cada um deles.
Mesmo para seu uso privado, é possível que ele possa atribuir va-
lores desiguais a coisas nas quais ele gastou trabalho igual. Mas, nessas
suposições, nenhuma inferência poderia ser tirada dos fatos de sua

106
Trabalho Humano Homogêneo

situação solitária para os de nossa situação social, para apoiar o princí-


pio de que a duração do trabalho homogêneo determina o valor. Marx,
portanto, não faz essas suposições. Elas são, no entanto, pelo menos tão
plausíveis quanto aquelas que ele faz.
E, de fato, se Crusoé distinguisse entre diferentes tipos de seu pró-
prio trabalho e pensasse que sua taxa de remuneração deveria diferir
com o tipo, e não depender apenas de sua duração (como um cirurgião
cobra honorários de acordo com a dificuldade e não com a duração de
uma operação, e um guia alpino de acordo com o perigo de um per-
curso), seria absurdo fingir que essas diferenças qualitativas em seu pró-
prio trabalho lhe pareceriam, ou seriam, reduzíveis a quantitativas.
Em outra passagem em que Marx expõe a suposta equivalência
de quantidades menores de trabalho qualificado a maiores quantidades
de trabalho não qualificado, há um apelo a fatos igualmente malsucedi-
dos. Ele está oferecendo o que à primeira vista parece uma sugestão
mais promissora para determinar a equivalência do que o método circu-
lar, já examinado, de inferi-la a partir dos preços dos produtos.
Diz Marx:

Todo trabalho de caráter maior ou mais complicado do


que o trabalho médio é o dispêndio de uma força de trabalho de
um tipo mais caro, força de trabalho cuja produção custou mais
tempo e trabalho e que, portanto, tem um valor maior do que a
força de trabalho simples e não qualificada. Sendo essa força
de maior valor, seu consumo é trabalho de uma classe superior,

107
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

trabalho que cria em tempos iguais valores proporcionalmente


mais altos do que o trabalho não qualificado. 83

Portanto:

na criação de mais-valor, não importa nem um pouco se


o trabalho apropriado pelo capitalista é simplesmente trabalho
não qualificado de qualidade média ou trabalho qualificado
mais complicado.

Agora, é claro que é verdade que o trabalho para o qual os homens


só podem ser treinados por uma educação cara é, em parte, mais bem
pago. Se £ 3.000 devem ser gastas desde a infância antes que uma cri-
ança possa ser criada, treinada e qualificada como médica, enquanto £
500 são suficientes para que ela seja apenas um farmacêutico, o médico
não pode cobrar tão pouco por seus serviços quanto o farmacêutico
pode. Mas o custo relativo de formá-los está longe de explicar toda a
diferença entre as taxas pelas quais diferentes tipos de trabalho são pa-
gos. 84
Se fosse suficiente, duas coisas deveriam se seguir.
6. Os trabalhadores que não trabalham para um capitalista, mas
vendem seus serviços (como enfermeiros e cirurgiões) ou seus

83
Capital, I, p. 179.
84
Marx assimila a educação do trabalhador, como o custo de produção de
seu trabalho, ao custo de implementos, materiais e salários na produção
de uma mercadoria. Mas o trabalhador formado pode colocar seu pró-
prio preço em seus serviços; a mercadoria acabada não pode; embora o
proprietário dela às vezes possa colocar um preço à parte de toda rela-
ção com o custo de produzi-la.

108
Trabalho Humano Homogêneo

produtos (como pintores de retratos, carpinteiros e sapateiros de


aldeia), devem vendê-los a preços que, em geral, lhes deixariam
ganhos ou lucros líquidos iguais.
7. Eu pago mais por um banco de teca porque o carpinteiro deve
pagar mais pela teca do que pelo nosso acordo; mas ele obtém o
mesmo lucro líquido em ambos, exceto por qualquer pequena
porcentagem sobre o dinheiro adiantado pelo estoque e qualquer
diferença no tempo necessário para trabalhar nas duas madeiras.
8. Portanto, se um trabalhador me vende serviços que custaram
mais para produzir do que os de outro, sua cobrança deve incluir
algo para cobrir o custo extra de seu treinamento, mas depois de
permitir isso, ou quando o treinamento for pago, deve cobrar o
mesmo por hora que outro trabalhador; de modo que, quando
eles tiverem sido reembolsados das despesas de sua ‘produção’,
eles ficarão com o mesmo lucro líquido.
9. Os trabalhadores que trabalham para um capitalista e exercem
diferentes tipos de trabalho mais ou menos qualificados, embora
possam receber diferentes taxas de tempo de salários, devem
igualmente, depois de pagar o custo de sua formação, ser deixa-
dos com um mero salário de subsistência. Pois Marx supõe que
o capitalista anexa todo o mais-valor e deixa ao trabalhador ape-
nas o que comprará os meios de subsistência.
10. Se, então, a única razão pela qual ele paga um salário mais alto
a A, um trabalhador qualificado, do que a B, um trabalhador não
qualificado, é que a habilidade de A era uma despesa direta,
como a compra da teca. A não deveria ter mais nada sobrando
depois de descarregar o custo de seu treinamento do que B. Ou

109
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

se eles não são totalmente explorados, mas retêm parte do valor


de seu mais-trabalho, na mesma taxa de exploração, seus ganhos
devem ser os mesmos.
Agora, claramente, nenhuma dessas coisas ocorre. O que deveria
acontecer, se os diferentes valores de trabalhos qualitativamente dife-
rentes fossem devidos apenas às diferentes quantidades de trabalho sim-
ples médio direta ou indiretamente dedicado a produzi-los, não acon-
tece. Os vários tipos de trabalho qualificado, então, não podem ser
equalizados a trabalho homogêneo, levando em consideração os custos
de produção. Aqui, novamente, os fatos não confirmam o apelo de Marx
a eles.
11. E, além disso, sua concepção de trabalho homogêneo é viciosa
em princípio. Confunde unidade genérica com comensurabili-
dade em termos de uma unidade comum. Embora nada, diz ele,
tenha valor de troca sem ter valor de uso, no entanto, ao consi-
derar os valores de troca das mercadorias, tiramos de vista suas
diferenças específicas como valores de uso; e encontramos neles
apenas a propriedade comum de serem produtos do trabalho.
12. O trabalho concreto tem, de fato, suas diferenças específicas,
em virtude das quais produz artigos com seus vários usos espe-
ciais. Mas se abstraímos das diferenças de uso dos produtos, de-
vemos igualmente abstrair das diferenças de onde elas brotam
no trabalho. 85 Portanto, não resta nada além do que é comum a

85
Capital, I, pp. 4, 5.

110
Trabalho Humano Homogêneo

todos os trabalhos; eles são ‘‘reduzidos a um único e mesmo


tipo de trabalho, o trabalho humano em abstrato’’. 86
13. Um artigo útil tem valor

‘‘apenas porque o trabalho humano em abstrato foi incorpo-


rado ou materializado nele’’;

14. e novamente, em palavras já citadas,

a equalização dos mais diferentes tipos de trabalho pode ser o


resultado apenas de uma abstração de suas desigualdades, ou
de reduzi-las à sua denominação comum, a saber, gasto de
força de trabalho humana ou trabalho humano em abstrato’ 87

Agora, a distinção entre trabalho concreto e trabalho abstrato é a


distinção entre as diversidades específicas e a identidade genérica em
diferentes tipos de trabalho. Abstrair do primeiro, e considerar esses
trabalhos como apenas trabalho humano em abstrato, seria ignorar suas
diferenças e tratá-las, porque todos são trabalho, como iguais e inter-
cambiáveis.

86
Ibidem, I, p. 5.
87
Ibid., p. 44; cf. acima, p. 88.

111
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Podemos fazer uma analogia. Cada livro é de algum tipo particu-


lar, seja em linguagem, tamanho, data, acerca do que trata, e do que não
trata; se, com o propósito de comparar minha biblioteca com a de outro
homem, eu abstrair dessas diferenças e tratar todos os livros apenas
como livros em abstrato, a biblioteca maior será simplesmente a bibli-
oteca com mais livros.
Portanto, se, ao calcular o valor de uma mercadoria pelo trabalho
nela incorporado, eu abstraio das concretas diversidades de trabalho e
trato todos os tipos como apenas trabalho humano em abstrato, eu devo
estimar os valores conferidos em tantas horas pela mera duração do tra-
balho, sem levar em conta seu tipo.
Todos eles são genericamente dispêndios de força de trabalho hu-
mano; ao considerá-los, pode-se dizer que os reduzo a uma denomina-
ção comum, assim como reduzo livros de todos os tipos, ao estimar a
grandeza de duas bibliotecas, à denominação comum dos livros.
Dois livros podem ser desiguais em comprimento, mérito, custo,
idade; mas se, para equalizá-los ou reduzi-los a uma denominação co-
mum, devo abstrair de suas desigualdades, eu contarei cada um tão so-
mente como um livro. E Marx diz que igualamos trabalhos de diferentes
tipos abstraindo de suas diferenças. Mas o que ele quer dizer é que essa
operação não exige que abstraiamos as diferenças. A redução de traba-
lhos qualitativamente diferentes a uma denominação comum, no sen-
tido em que ele usa a expressão, requer que levemos em conta suas di-
versidades específicas.
As extensões iguais ou unidades desses diferentes trabalhos não
são reduzidas à denominação comum de unidades de trabalho, que seria
a sua identidade genérica, mas sim à denominação comum de um

112
Trabalho Humano Homogêneo

suposto trabalho humano médio ou homogêneo, que de forma alguma


é a sua identidade genérica, nem em sentido algum é um trabalho mé-
dio, nem mais homogêneo do que qualquer outro trabalho específico, e
do qual, apenas por causa de suas diferenças, diz-se que contêm dife-
rentes números de unidades.
É como se eu reduzisse os livros em duas bibliotecas a uma de-
nominação comum, não contando cada um como um livro, mas consi-
derando cada um como equivalente a um número diferente de cópias de
Marmion. E Marmion certamente não é sua identidade genérica, e não
é mais abstrato do que os livros reduzidos a termos dela. Se eu igualar
o Paradise Lost a mil Marmions, e o Paradise Regained a dez, não es-
tou abstraindo de suas desigualdades, mas levando-as em conta.
Portanto, se eu reduzir os vários trabalhos específicos que homens
diferentes exercem ao mesmo tempo a diferentes extensões de algum
tipo de trabalho humano, levei em conta suas diferenças específicas.
Esse trabalho é homogêneo no sentido de que é de um único e mesmo
tipo, de modo que diferentes trabalhos específicos, ao serem reduzidos
a termos dele, são comensuráveis: não no sentido em que os vários tra-
balhos específicos são homogêneos, que pertenciam a um mesmo gê-
nero, trabalho.
O gênero comum, como todo gênero, é abstrato, mas não deve ser
reduzido a termos disso. A unidade comum, aos termos dos quais de-
vem ser reduzidos, não é abstrata. O trabalho, de fato, no qual Marx
consideraria é o trabalho simples, mas específico, de algum assalariado
que recebe, digamos, 10 xelins por dia; não é mais abstrato do que o
trabalho de um Acadêmico Real ou de um Lorde Chanceler.

113
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

É falso supor que diferenças qualitativas nos membros de qual-


quer gênero possam ser expressas como diferenças quantitativas do ca-
ráter genérico. Se as cores diferem qualitativamente, não posso afirmar
suas diferenças como mais ou menos de cor. Se os prazeres diferem
qualitativamente, não posso afirmá-los como constituídos mais ou me-
nos de prazer. Posso declarar as diferenças de cor como maior ou menor
amplitude de comprimento de onda, ou frequência de ondas por se-
gundo, na luz; não significa que essas sejam as diferenças de cor, mas
que de alguma forma elas determinam ou estão conectadas a elas.
Foi dito que o gênio é uma capacidade infinita de se esforçar; se
for, isso não quer dizer que o gênio de Napoleão era apenas uma quan-
tidade maior de se esforçar do que a diplomacia tediosa do rei da Prússia
ou o generalato monótono de Wurmser; mas que, em virtude e conse-
quência de se esforçar mais, ele desenvolveu um gênio qualitativamente
diferente tanto das qualidades medíocres dos outros dois homens
quanto do esforço empregado por eles ou por ele.
Portanto, se trabalhos de diferentes tipos devem ser reduzidos a
termos de uma medida comum, a quantidades de uma unidade homo-
gênea, isso só é possível no sentido de que encontramos algo que não é
trabalho — nem trabalho em geral, ou seja, a identidade genérica de
trabalhos de diferentes tipos, nem trabalho de qualquer um desses tipos,
nem a média deles (como se pudesse haver qualquer média de qualida-
des diferentes): mas algo, várias quantidades das quais estão causal-
mente ou pelo menos regularmente conectadas com as diferenças qua-
litativas dos trabalhos.
Dificilmente é preciso dizer que Marx não mostrou como efetuar
essa redução. Mas apenas como forma de indicar a natureza do

114
Trabalho Humano Homogêneo

problema, podemos considerar o que, se fosse possível, seria tal redu-


ção. Suponha que os fisiologistas descobriram que o exercício por tem-
pos iguais de diferentes tipos de trabalho estava correlacionado com di-
ferentes quantidades de secreção pelas glândulas sudoríparas, podería-
mos então dizer que, em certo sentido, reduzimos as diferenças qualita-
tivas de trabalho a diferenças quantitativas em termos de uma unidade
homogênea. Mas nossa unidade não seria trabalho de maneira alguma;
e apenas em um sentido impreciso poderíamos dizer que efetuamos tal
redução. Pois nenhum tipo de trabalho teria, conteria ou seria constitu-
ído por tanta secreção de suor.
Trabalhos de diferentes tipos não podem, em nenhum sentido pre-
ciso, ser quantidades diferentes de uma unidade comum; nem é fácil
sugerir, no sentido impreciso que acabamos de ilustrar, uma unidade
comum em termos da qual eles possam ser seriamente contados.
A menos que de fato — se a suspeita pode ser insinuada — a
unidade comum seja o dólar ou a libra esterlina; pois, apesar de suas
diferenças, eles são comparáveis em relação ao que os homens podem
obter em dinheiro para exercê-los. Mas tal redução encontra em seus
respectivos preços a base de qualquer relação quantitativa entre traba-
lhos de diferentes tipos; e Marx professa encontrar nas relações quanti-
tativas entre os trabalhos a base de seus respectivos preços.

115
V- A RELATIVIDADE INDIVIDUAL DO
TRABALHO
Encontramos razões para pensar que a equação dos trabalhos qua-
litativamente diferentes, em vez de ser pressuposta pela fixação de seus
respectivos preços, é efetuada através dela. Nesse caso, não precisa ha-
ver um elemento comum em todas as mercadorias para que os preços
sejam medidos, como Marx concebeu o trabalho humano homogêneo
nelas incorporado.
Os preços em si certamente não são assim; e se sendo trocados
em certas quantidades definidas um contra o outro, ou, mais comu-
mente, sendo precificados os produtos se tornam mercadorias, isto é,
em coisas com valores de troca, nenhum elemento comum neles será
necessário. Marx, no entanto, argumenta o contrário. 88
Porque eu posso equiparar em troca quaisquer duas mercadorias,
deve haver, ele pensa, alguma medida comum; esta não pode ser o di-
nheiro, uma vez que a troca de mercadorias é possível sem usar o di-
nheiro como medida de suas relações; portanto, deve ser algo igual em
todos eles, e para isso ele recorre ao trabalho. Mas há um erro nesse
argumento de algum interesse filosófico geral. Supõe-se que nenhuma
escolha é possível entre as coisas na medida em que elas são heterogê-
neas; que se eu prefiro a ao invés de b, isso só pode ser porque a contém
mais de algo igual em ambos.

88
Capital I, p. 3.

117
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Essa suposição não é peculiar à economia marxiana. Muitas vezes


encontramo-la na reflexão ética. Ela ajudou a persuadir muitos de que
os prazeres podem ser somados; e alguns, se pensam que o prazer não
é o único bem, a estender essa visão para além dos prazeres, e dizer que
todos os bens são comensuráveis. 89
Como, pergunta-se, você pode dizer que uma coisa lhe agrada
mais do que outra, quando os prazeres diferem em espécie, a menos que
a diferença de espécie seja redutível a uma de quantidade? E, similar-
mente, como você pode dizer que aprender é melhor do que riquezas,
ou que dar prazer é melhor do que obtê-lo, a não ser que é porque um
contém mais do que o outro do mesmo bem?
Há aqui, prima facie, um enigma; mas não devemos recusar-nos
a reconhecer os fatos só porque, à primeira vista, são enigmáticos. E às
vezes acontece na filosofia que estamos dispostos, à primeira vista, a
rejeitar um fato, quando ele aparece sozinho; mas que, quando encon-
tramos outros aparentemente com o mesmo caráter, vemos que nossa
atitude original não se baseava em qualquer incompreensibilidade no
fato alegado, mas apenas em sua infamiliaridade.
Temos aqui um exemplo pronto. Marx, olhando apenas para a
troca econômica, acha que os bens trocados devem, como trocáveis, ser
homogêneos. Mas a troca é apenas uma questão de preferir uma coisa à
outra, e uma mercadoria pode ser preferida ou rejeitada não apenas so-
bre outra mercadoria, mas por honra, amor ou conforto. Por isso, ele
realmente precisa mostrar que há algo de igual tanto nas commodities

89
E.g., Dr. H. Rashdall, Theory of Good and Evil.

118
A Relatividade Individual do Trabalho

quanto em todas essas coisas; o que certamente não poderia ser o traba-
lho.
Se é dito que, em última análise, encontraremos, envolvida, uma
consideração sobre como obter a maior quantidade de prazer, ou de al-
gum bem homogêneo, ao menos esse bem homogêneo não será intrín-
seco a todas as mercadorias. Possuí-los pode ser um meio de obter mais
dele; mas a noção de que o fato de serem preferidos e adiados um contra
o outro exige algo igual neles é uma mera ilusão.
Na determinação desse problema mais amplo, podemos começar
considerando a escolha entre prazeres. Argumenta-se que, a menos que
os prazeres sejam homogêneos, e a diferença seja de quantidade, não
podemos afirmar que achamos, ou esperamos achar, uma coisa mais
agradável do que outra.
Mas, se eu me pergunto o que quero dizer ao dizer que uma é mais
agradável que a outra, descubro que posso querer dizer que o prazer
proporcionado por uma é mais intenso do que o proporcionado pela ou-
tra, ou simplesmente que eu o prefiro; e posso preferi-lo por algum ou-
tro motivo que não seja o de ser do mesmo tipo, mas mais intenso.
Aqueles que questionam isso o fazem porque acham que deve ha-
ver um motivo para minha preferência; e nesse ponto, eles pensam cor-
retamente. Mas o erro deles é pensar que precisa haver algum outro
motivo para preferir A a B, além de que um é A e o outro é B.
Mesmo quando as alternativas são do mesmo tipo, como quando
alguém diz que prefere carne bovina a carne de carneiro, é suficiente
que uma tenha um gosto para ele, e a outra tenha outro gosto. Mesmo
no sentido de “prazer” em que ele se refere a um certo tipo de sensação,

119
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

preferir um prazer a outro por gostar mais de um não significa ter ou


esperar ter mais da mesma sensação, ou a mesma sensação de forma
mais intensa, pela escolha de um do que pela escolha do outro.
Gostar de um prazer não é apenas sentir o prazer gostado; e o fato
de um prazer ser mais apreciado não significa que ele é sentido como
sendo maior. Às vezes, as pessoas caem, aqui, no mesmo tipo de argu-
mento circular em que descobrimos que Marx caiu sobre a relação entre
preço e valor.
O fazem porque pensam que a preferência por um prazer A a outro
B deve ser baseada na maior magnitude, ou suposta maior magnitude,
de A, eles consideram a preferência por A como evidência de que A é
considerado ou percebido como maior; e então, supondo que isso esteja
estabelecido, que A é considerado ou percebido como maior, afirmam
que os fatos apoiam seu princípio já pressuposto.
Mas, se alguém desafia o princípio, eles não têm nada a apresentar
além da suposta evidência de instâncias, pela qual a alegação de que são
instâncias do maior prazer sendo preferido é, ela mesma, baseada no
princípio desafiado. Eles devem apresentar alguma outra evidência
além do fato da preferência para mostrar que um prazer preferido é um
prazer maior: evidência que determinaria igualmente bem a relação ou
estimativa quantitativa dos prazeres, mesmo que alguém escolhesse o
menor.
Uma pessoa pode, sem dúvida, às vezes preferir um prazer a outro
porque o considera ou acredita que ele é maior; mas ele também pode
considerá-lo, ou acreditar que ele é maior, e rejeitá-lo; ou pode preferir
um a outro não porque um é maior e o outro menor, mas porque um é
equitativo e o outro violento, ou um imediato e o outro remoto. E não

120
A Relatividade Individual do Trabalho

há mais justificação para reduzir essas diferenças a diferenças de quan-


tidade do que para reduzir uma diferença de quantidade a uma de mo-
deração ou imediatismo.
Mas a escolha nem sempre é entre prazeres; e mesmo entre pra-
zeres, podemos preferir um não porque, como diríamos, gostamos mais
dele, mas porque achamos que é melhor. Tal linguagem implica que o
motivo de preferirmos A ao invés de B é a crença de que A é melhor que
B; pelo menos na ação racional, pois não precisamos considerar aqui o
problema de se um homem realmente pode escolher o que, no momento,
ele acredita ser pior.
Agora, para aqueles que acreditam na “comensurabilidade de to-
dos os valores”, diz que, pelo menos, ser em alguma medida bom ou
ruim é uma qualidade comum em todas as coisas que escolhemos ou
rejeitamos. Mas, por mais plausível que isso pareça, ainda parece ver-
dadeiro que, ao julgar uma coisa como melhor que outra, eu não preciso
e não julgo que ela contenha mais de algo igual.
Aqueles que dizem o contrário nunca explicaram realmente
como, na visão deles, eu devo pesar juntos o ruim e o bom que podem
ser ingredientes em cada alternativa diante de mim. Supondo que os
lugares fossem classificados de acordo com sua temperatura, enten-
dendo por temperatura o que sentimos e não a leitura de um termômetro,
como posso comparar o clima estável das Ilhas Scilly com os extremos
de Nova York? O mesmo se aplica aos elementos bons e ruins nas al-
ternativas entre as quais um homem tem que escolher.
Se o bem fosse uma qualidade homogênea, seria uma qualidade
dos elementos ou partes; e o mal não seria a mesma qualidade em grau
inferior, ou uma quantidade menor de bem; seria uma qualidade

121
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

diferente e contrária, e nenhuma aritmética nos diria o que ou quanto de


mal anula o que ou quanto de bem.
As alternativas devem ser consideradas e avaliadas em sua totali-
dade; se uma é preferida, é julgada melhor como um todo; e mesmo se
as partes em uma fossem das mesmas qualidades contrárias que as da
outra, os conjuntos não seriam, portanto, qualitativamente idênticos.
Ainda devemos manter que o motivo para julgar A como melhor que B
é que um é A e o outro é B.
Mantendo esses resultados em mente, vamos examinar nova-
mente a relação econômica de troca. Qual é o fato fundamental por trás
da troca? Simplesmente que cada parte, no momento, por qualquer mo-
tivo, prefere a coisa oferecida a ela à coisa que possui. Até agora, não
há questão de uma medida de valor.
Esaú, no momento, preferiu uma porção de ensopado ao seu di-
reito de primogenitura; Jacó, no momento (e depois também), preferiu
o direito de primogenitura de Esaú à porção de ensopado. E o ponto
imediato é que a troca dependia de preferências que não implicam em
algo idêntico nas coisas trocadas. Mas Jacó não fez uma barganha ruim,
e o direito de primogenitura não valia mais do que o ensopado? Certa-
mente.
Em qualquer ponto antes que o dinheiro seja introduzido como
uma ‘medida de valor’, o valor igual de duas mercadorias — digamos,
de tanto trigo comparado a tanto cobre — significa que elas são das
exatas quantidades em que a preferência se torna recíproca.
Se as partes concordam que um quintal métrico de trigo tem o
mesmo valor que 28 libras de cobre, isso significa que, embora o

122
A Relatividade Individual do Trabalho

proprietário do trigo sem dúvida prefira 28 libras de cobre a apenas 111


libras de trigo, o proprietário do cobre não preferiria apenas 111 libras
de trigo a 28 libras de cobre; e embora o proprietário do cobre prefira 1
quintal métrico de trigo a 27 libras de cobre, o proprietário do trigo não
preferiria 27 libras de cobre a 1 quintal métrico de trigo.
As quantidades nas quais a troca é efetuada são aquelas em que
cada parte prefere exatamente a mercadoria do outro à sua própria. Por-
tanto, é importante para o estabelecimento de uma equivalência na troca
que as coisas sejam divisíveis, para que qualquer fração possa ser dada
e recebida.
Mas quando, como no caso do direito de primogenitura de Esaú,
uma parte prefere muito mais o que recebe do que o que dá em compa-
ração com a outra, a troca é desigual; e quando um homem se aproveita
das necessidades temporárias de outro para forçar uma troca desse tipo,
ele faz uma barganha ruim.
A troca, então, depende da preferência mútua; e a igualdade na
troca, enquanto considerarmos uma transação isolada em particular,
depende do fato de que as quantidades trocadas são aquelas em que a
preferência se torna mútua; a importância dessa condição aparecerá
mais tarde.
Não é verdade que a igualdade signifique que ambas as coisas
contenham a mesma quantidade de alguma coisa comum; e, portanto,
não precisamos procurar por essa coisa em trabalho humano homogê-
neo. Mas é notável que Marx tenha considerado o fato de serem produ-
tos do trabalho como a única propriedade comum restante em commo-
dities trocáveis, quando têm sido feitas abstrações das diferenças

123
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

qualitativas que as tornam aptas a servir a usos diferentes. Pois resta,


igualmente, que elas têm algum uso.
Porque as diferenças específicas do trabalho são a fonte de usos
específicos, e os usos específicos devem ser ignorados, Marx abstrai
das diferenças específicas do trabalho e considera as mercadorias como
mal sendo produtos do trabalho em geral. Seria mais simples, e descon-
sideraria igualmente os usos específicos, considerá-las como mal tendo
uso em geral.
Ou talvez seja melhor dizer, como satisfazendo alguma necessi-
dade. E há algo sobre as necessidades que as torna prima facie mais
propensas do que o trabalho incorporado a determinar as relações de
troca: que uma avaliação baseada no trabalho incorporado exige que
estabeleçamos uma relação quantitativa entre trabalhos verdadeira-
mente heterogêneos; mas as vontades obtêm a medida de que precisam
das preferências que geram as trocas.
Além disso, não é verdade que todas as coisas dotadas de valor
de troca sejam produtos do trabalho; se eu pegar uma pedra preciosa ou
uma pepita de ouro no rio, ela tem valor, mas nenhum trabalho está
incorporado nela. 90 Não é meu trabalho ao pegá-la e carregá-la que a
torna valiosa, mas a vontade das pessoas por tais coisas.
As vontades que tornam as coisas valiosas podem ser vontades
tolas; as coisas que as satisfazem podem, em certo sentido, ser comple-
tamente inúteis, ou seja, podem não satisfazer nenhuma necessidade
real, não fornecer ao homem nada cuja falta seja danosa a ele. Portanto,

90
Cf., supra, p. 13

124
A Relatividade Individual do Trabalho

parece melhor dizer que o que tem valor de troca deve satisfazer uma
necessidade, do que dizer que servir a um uso.
Mas o que se quer dizer por ter valor de uso é satisfazer uma von-
tade; e Marx admite que as mercadorias devem ter valor de uso se qui-
serem ter valor de troca. Aquecedores de cama caíram em desuso; mas
se as pessoas ainda os compram para pendurá-los ociosamente em uma
parede, eles retêm um uso no sentido econômico. E se olharmos para a
vontade sentida por uma coisa, não para o que terceiros podem julgar
ser a importância dos serviços que a coisa prestará, veremos por que às
vezes ocorrem trocas que a maioria das pessoas considera tolas.
Marx em toda parte leva muito pouco em consideração a influên-
cia da vontade ou dos desejos das pessoas. Ele de fato a admite, como
quando diz que relações incomuns de oferta e demanda farão com que
os preços de mercado divirjam dos valores de mercado, e de fato modi-
fiquem a relação entre valor de mercado e valores individuais. Mas ele
não reconhece seu papel completo. Caso contrário, ele não diria que as
mercadorias, como valores de troca, não contêm um átomo de valor de
uso. 91
Podemos abstrair tanto quanto quisermos de uma consideração
dos serviços particulares que um aquecedor de cama providenciará–
seja aquecer uma cama, ou adornar uma parede, ou hipnotizar a pessoa
que olha para ele; mas não podemos, se vamos explicar seu valor, abs-
trair-nos do fato de que ele é desejado, e que ele tem uma utilidade que

91
Capital, I, p. 4.

125
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

consiste em satisfazer uma vontade. É essa utilidade que dá origem ao


próprio valor excedente.
Onde a natureza foi generosa, e o homem não sentiu nenhuma
vontade que não pudesse satisfazer com a terra, a teoria do valor exce-
dente não seria criada. Algumas tais condições existem entre os habi-
tantes primitivos de algumas ilhas tropicais. Somente em relação às ne-
cessidades de um intruso é que o excedente de produção, que não é ne-
cessário para manter os nativos em seu padrão de vida costumeiro e
simples, pode ter qualquer valor. Reformadores de diversos tipos têm
visto em querer pouco um obstáculo ao progresso.
Durante a greve nas marinas de Londres em 1889, Mr. Bem Til-
lett, falando em Oxford, insistiu sobre a importância de cultivar até a
maturidade o descontentamento infantil do homem; e o relatório Mon-
tagu-Chelmsford sobre as reformas constitucionais indianas lamenta-
mos o patético contentamento das massas com a pobreza Indiana. Mas
estimular vontades é aumentar o valor, e produz todas as complicações
econômicas conectadas com tal aumento.
Mesmo a posição peculiar que Marx, em sua teoria do valor, atri-
bui ao trabalho, como a fonte de tudo valor de excesso, depende da von-
tade. Exceto nos climas mais mesquinhos, como na Tierra del Fuego,
as pessoas, especialmente quando elas organizam seu trabalho em soci-
edade, podem produzir mais do que elas precisam consumir.
Isso é o que Marx quer dizer quando eu disse que o trabalho é
uma mercadoria que possui o valor de uso específico de

126
A Relatividade Individual do Trabalho

“ser uma fonte não somente de valor, mas de mais valor do que
ele mesmo possui”, 92

ou que

“o valor da força de trabalho, e o valor que a força de trabalho


cria no processo de trabalho, são duas magnitudes inteiramente
diferentes”. 93

Mas se as pessoas não quisessem criar mais do que precisam con-


sumir, o trabalho não teria seu valor de uso; pois a produção extra, não
sendo desejada, não teria valor algum. Marx, enquanto admitia que nada
tem valor próprio, que, por sua vez, não tem valor de uso, pensou que
havia descoberto a verdadeira pista para a solução dos problemas
econômicos na proposição de que o valor é força de trabalho homogê-
nea solidificada; e seus discípulos o aplaudiram por isso. 94 Na reali-
dade, ele estava desviando seus olhos da verdadeira luz, e seguindo uma
ilusão em direção à confusão e à escuridão.

92
Capital, I, p. 175.
93
Vide Engels no Prefácio ao Vol. II de Capital, p. 20.
94
Ibid., p, 174.

127
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O primeiro fato, então, sobre as relações de troca -- e o conheci-


mento sobre elas é tão velho quanto Aristóteles 95 – é que ela nasce das
vontades recíprocas. Se as mercadorias são ambas divisíveis, é possível
negociar sobre as quantidades a serem trocadas; e quando cada parte
consegue o que prefere o que ela dá, podemos dizer que, em todo caso,
a troca é uma troca de valores iguais. Isso não significa que nenhuma
das partes ganha, mas que ambas ganham igualmente.
Quando uma ou ambas as coisas são indivisíveis, como uma vaca
e uma arma, a troca ainda pode acontecer, se cada parte prefere a mer-
cadoria do outro sobre a sua própria; mas não há nenhuma forma de
mensurar as vontades das duas partes, ou de determinar se, para eles, a
troca é uma troca de valores iguais.
O que faz as coisas comensuráveis é o fato de que há uma coisa
desejada e divisível, que pode determinar quanto as pessoas vão dar e
receber por todos os outros objetos heterogêneos de seus desejos, na
troca. Chamamos essa coisa de dinheiro. Nenhum elemento comum in-
tegrado às coisas, como trabalho homogêneo, as dá valor, ou as faz co-
mensuráveis. Serem desejadas é o que as dá valor; e uma relação co-
mum ao dinheiro as faz comensuráveis.
Tudo isso é bastante familiar, embora Marx desejasse que fosse
diferente. Mas o que não percebemos tão facilmente é que, porque o
valor nas mercadorias não é uma quantidade definida de algo igual, mas
surge das vontades das pessoas, e porque as forças relativas das

95
Nicomachean Ethics, V., v. 11, 1133a, 26-8.

128
A Relatividade Individual do Trabalho

necessidades das pessoas pelas mesmas coisas variam de maneira in-


descritível, portanto, a comensurabilidade nunca é realmente alcançada.
Os preços em dinheiro são um compromisso e escondem, em vez
de remover, a verdadeira impossibilidade de fixação, a relatividade in-
dividual, do valor. Isso é mais bem compreendido ao considerarmos um
pouco mais de perto o curso que as transações de troca poderiam ter
sem dinheiro.
Lembramos que, para quaisquer duas pessoas, as coisas que eles
trocam têm valores iguais quando cada uma obtém a quantidade da ou-
tra coisa que ela prefere ao que ela dá. Vamos representar igual valor,
nesse sentido, pelo símbolo =, maior valor por > e menor valor por <; e
suponha três pessoas, A, B e C, oferecendo em troca do que desejam,
pão, envelopes e cerveja, respectivamente.
Suponha que A e B estejam prestes a trocar pão e envelopes,
quando A oferece a B meia libra de pão por uma dúzia de envelopes;
então, para A e B, 1 libra de pão = 24 envelopes. Da mesma forma, para
B e C, suponha que 30 envelopes = meia lata de cerveja; e para C e A,
suponha que meia lata de cerveja = 1 libra de pão.
Uma situação como essa é perfeitamente possível; de fato, se
olharmos além dos preços para os fatos das vontades recíprocas dos ho-
mens, isso ocorre constantemente. No entanto, se tratarmos os valores
desses artigos como algo absoluto e tirarmos suas relações de valor des-
sas vontades dos homens, surge esse resultado:
Como 1 libra de pão = 24 envelopes, 30 envelopes > 1 libra de
pão; como meia lata de cerveja = 1/4 libra de pão, 1 libra de pão > uma
lata e meia de cerveja; e como 30 envelopes = meia lata de cerveja, uma

129
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

lata e meia de cerveja > 30 envelopes; e assim, 30 envelopes > 30 en-


velopes.
A introdução do dinheiro altera a aparência da questão. Os valores
relativos, que se aplicam às coisas em virtude das vontades que deter-
minam um certo número de trocas, podem ser suficientes para fixar pre-
ços; e esses preços, por sua vez, regulam outras trocas. Assim, se, com
base nas relações de desejo entre A e B, B e C, 1 libra de pão for preci-
ficada a 3d., 24 envelopes a 3d., e meia lata de cerveja a 4,5d., A dará a
C 1 libra e meia de pão por sua meia lata de cerveja.
Mas se os valores surgem das necessidades, e o dinheiro deve ser
uma medida de valores, todas as relações de desejo têm igual direito de
contribuir para a regulamentação dos preços. 96 Por isso ser impossível,
o dinheiro não é uma verdadeira medida. Fundamentalmente, com os
fatos supostos, não há mais razão para dizer que 1 libra de pão tem o
mesmo valor que 24 envelopes do que para dizer que tem o mesmo va-
lor que 2 latas de cerveja.
Mas os preços em dinheiro nos fazem pensar que “na verdade” 1
libra de pão vale apenas um terço de lata de cerveja. Se tivéssemos co-
meçado fixando os preços com base nas relações de desejo de B e C, C
e A, mantendo 24 envelopes a 3d., teríamos precificado 1 libra de pão

96
E, portanto, entre elas a relação de desejos consistindo no fato de que A
e C, cada um por si, e não sendo guiados por preços outrora fixados,
ficariam igualmente contentes em trocar ¼ de libra de pão por ½ lata de
cerveja.

130
A Relatividade Individual do Trabalho

a 1s. 6d.; e então os preços em dinheiro teriam forçado a troca entre A


e B a se afastar do que a relação de seus desejos tornaria igual.
As negociações que levam à fixação de preços, na medida em que
são fixados, são, é claro, muito mais numerosas e intricadas do que na
ilustração acima; mas, independentemente dos números, elas estão des-
tinadas a favorecer alguns negociadores em detrimento de outros; ao se
conformar ao que alguns consideram igual em suas transações, estão
destinadas a forçar outros para o que, com igual direito, pode ser cha-
mado de desigual.
A fixação de preços por autoridades públicas não pode alterar
isso, embora em certos casos possa impedir que os detentores de esto-
ques se aproveitem das necessidades dos outros. Pois é impossível fixar
os preços de todas as mercadorias de tal maneira que cada pessoa, seja
o que for que compre e venda pelo mesmo dinheiro, obtenha exata-
mente tanto do que compra quanto lhe pareceria de valor igual ao que
vende em uma troca direta.
Não é de admirar, portanto, que Marx tenha procurado escapar
das incertezas mutáveis de um valor dependente das relações entre as
necessidades das pessoas nas quantidades definidas e absolutas de valor
que sua teoria professa encontrar. Se sua teoria fosse verdadeira, sempre
existiria alguma relação definida entre os valores reais de duas coisas,
por mais difícil que fosse descobrir. Infelizmente, a teoria não é verda-
deira.
As relações de troca não se conformam a ela, e nunca se confor-
maram. Fazer com que elas o façam, se o tempo de trabalho fosse estri-
tamente considerado como a medida de valor, seria tão manifestamente
absurdo e injusto que, para a duração real do trabalho efetivamente

131
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

realizado, ele substitui como medida a duração socialmente necessária


de um trabalho homogêneo fictício nunca realizado. E o que é social-
mente necessário, vemos, depende das próprias condições cuja influên-
cia perturbadora ele está tentando evitar.
Devemos, então, contentar-nos em reconhecer que, porque as ne-
cessidades são individualmente relativas, os valores econômicos tam-
bém o são, e a sua estimativa em preços fixos em dinheiro é uma tenta-
tiva de sobrepor-se aos fatos que, embora bem justificada pela balança
da conveniência, não pode fornecer uma verdadeira medida objetiva de
valor. Os homens têm procurado, de várias formas, encontrar uma me-
dida de valores mais satisfatória do que o dinheiro proporciona.
Adam Smith observou que o trigo é, de certas maneiras, uma me-
dida melhor, ao longo de um longo período, do que a prata ou o ouro.
Índices numéricos nos lembram que coisas que têm o mesmo preço em
duas datas não necessariamente têm o mesmo valor. Mas nossos pro-
blemas não surgem das flutuações temporais no valor do dinheiro em
relação a todas as mercadorias igualmente; surgem do fato de que o
valor do dinheiro, medido em mercadorias, muda à medida que passa-
mos não apenas de uma data para outra, mas de uma pessoa para outra.
E, portanto, índices numéricos, seja qual for a base sobre a qual sejam
calculados, nunca podem registrar corretamente para todas as pessoas
as flutuações temporais no poder de compra do dinheiro. Pois diferentes
pessoas querem comprar coisas diferentes, ou comprar as mesmas coi-
sas em proporções diferentes; e os preços em dinheiro dessas coisas
flutuam mais ou menos independentemente.
Suponha, para fins de simplicidade, que o índice numérico seja
baseado em apenas três mercadorias: pão, bacon e açúcar; que na data

132
A Relatividade Individual do Trabalho

base o pão custava 6d. por quarto (4 libras), o bacon 9d. por libra e o
açúcar 4,5d. por libra; e que na nova data eles subiram para 1s., 2s. 3d.
e 6d., respectivamente. Então, o pão subiu 100%, o bacon 200%, o açú-
car 33,3%, e a média de aumento é de 111,1%.
Mas, para fins práticos, devemos considerar não apenas a taxa de
aumento em cada mercadoria, mas as quantidades relativas sobre as
quais cada taxa atua; e se 4 libras de pão, 1 libra de bacon e 1 libra de
açúcar receberem peso igual na determinação do índice numérico, o au-
mento total será de 116%, e o novo índice numérico será 216, ou seja,
as mesmas mercadorias custarão 2,16 vezes o que custavam antes, e o
poder de compra de £1 será apenas £0,46 ou 46,29% do que era. Mas a
mudança real no poder de compra do dinheiro para cada pessoa depen-
derá de suas necessidades.
Se dois homens, A e B, na data base tivessem cada um uma renda
de £1 por semana e a gastassem da seguinte forma:
A:

qt Produto s
d. . .

2 Quartos de pão
9,5 4

6 Libras de bacon 4

133
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

2 Libras de açúcar

B:

qt Produto s
d. . .

3 Quartos de pão
4 7

3, Libras de bacon 2
5 ,5

1 Libra de açúcar
,5

E se na nova data continuarem a comprar as mesmas quantidades,


A, aos novos preços, teria que gastar £2 4s. 0d., e B apenas £2 2s. 4,5d.;
e isso significa que o poder de compra da libra esterlina teria caído para
45,45% para A, mas apenas para 47,19% do que era anteriormente para
B.
Sem dúvida, as pessoas ajustam suas compras em certa medida às
mudanças de preço, reduzindo-as mais nos produtos que mais subiram;
mas mesmo quando isso é feito, as discrepâncias entre o que poderia

134
A Relatividade Individual do Trabalho

ser chamado de índices particulares de quaisquer duas pessoas são, sem


dúvida, frequentemente muito maiores do que na ilustração acima.
As mercadorias têm valor não de forma absoluta, mas em relação
às vontades das pessoas. Uma coisa tem valor apenas para alguém. Se
é valiosa para X simplesmente por satisfazer suas vontades, esse é o seu
valor para ele em uso; se é valiosa para ele por permitir que obtenha de
outro que a deseja o que satisfará suas necessidades, esse é o seu valor
para ele em troca.
Os valores de troca são expressos em dinheiro, e as quantidades
de dinheiro a serem trocadas por tanto de qualquer outra coisa são mais
ou menos fixadas em uma determinada data; isso não torna o valor ab-
soluto; apenas sujeita as pessoas ao risco de benefícios desiguais a partir
das cifras nas quais os preços são fixados e das flutuações que ocorrem
neles. E isso é expresso quando alguém diz de uma mercadoria que ela
não vale a pena, ou vale mais do que o seu preço.

135
VI- A ILUSÃO DOS VALORES
ABSOLUTOS
Vimos que as coisas têm valor porque as pessoas as desejam; isso,
e não o trabalho nelas, é o fato fundamental; e como diferentes pessoas
desejam coisas diferentes e desejam as mesmas coisas em ordens de
preferência diferentes, não existe valor absoluto. A ilusão de que existe
surge da expressão das relações de valor em preços em dinheiro, e da
fixação de um único preço para as diversas partes iguais do estoque de
qualquer mercadoria em um mercado, sob a influência da competição
entre compradores e vendedores.
Se olharmos um pouco mais de perto o processo pelo qual não o
valor real, mas o poder de compra das coisas é fixado, estaremos em
uma posição melhor para abordar uma pergunta que até agora não fize-
mos, ou seja, como os fatos sobre o valor se relacionam com conside-
rações de justiça e injustiça.
Pode ser útil lembrar que, quando se diz que a vontade gera valor,
algo específico é entendido pela palavra "vontade" que só existe quando
alguém a sente. Dizemos, de fato, que um campo precisa de adubo; mas
esse fato não conferiria valor ao adubo, a menos que alguém desejasse
as colheitas que não poderiam ser cultivadas sem ele. O poder das ne-
cessidades dos homens em gerar valor nas coisas desejadas também não
é afetado pela convicção de outros homens de que essas coisas não são
necessárias, mesmo para aqueles que as desejam.
Da mesma forma, um artigo não adquire valor por seu poder de
satisfazer as necessidades dos homens, mesmo aquelas que desejam

137
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

satisfazer, a menos que os homens estejam dispostos a satisfazê-las com


esse artigo. A carne de cavalo pode ser tão saudável quanto se queira,
mas onde os homens têm um preconceito que os impede de comê-la,
ela não terá mais valor morta do que a carne bovina entre os hindus;
qual grau de fome dará valor a ela é uma questão psicológica, assim
como o valor é um produto psicológico.
O valor de uso e o valor de troca que os economistas comumente
distinguem não são realmente duas espécies do mesmo gênero, não são
valores no mesmo sentido. Existem, na verdade, três fatos, entre os
quais não devemos nos deixar confundir, nessa conexão:
1. que uma coisa produzirá certos efeitos, como o pão alimenta,
2. que as pessoas querem uma coisa, ou consideram a posse dela
como importante para eles, e
3. que podem obter outras coisas em troca dela.
Agora, o primeiro é um mero fato físico, e embora possa ser a
razão pela qual os homens desejam possuir uma coisa, ou podem obter
outras coisas em troca dela, é um fato diferente de ambas essas infor-
mações; e quando o poder de uma coisa de produzir certos efeitos a
torna valiosa, é porque as pessoas desejam esses efeitos. Como diz
Marx,

138
A Ilusão dos Valores Absolutos

“uma mercadoria é, em primeiro lugar, (…) uma coisa que, por


suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo
ou de outro” 97

Suas propriedades podem permitir que ela faça isso de duas ma-
neiras, seja diretamente e imediatamente, como um fogo nos aquece,
seja indiretamente e mediatamente, como o carvão faz fogo. No pri-
meiro caso, pode parecer indiferente se dizemos que uma coisa é valiosa
por causa de sua qualidade específica ou porque satisfaz uma vontade;
já que a qualidade em questão é precisamente aquela que satisfaz à von-
tade, podemos dizer tanto que a qualidade da coisa quanto que a vontade
pela coisa é o que lhe dá valor.
No segundo caso, a vontade por outra coisa confere valor à coisa,
mas apenas criando uma vontade dela como meio para a outra; de modo
que o sentimento de vontade das pessoas é, novamente, o fato funda-
mental. Falamos de maneira perfeitamente correta quando dizemos que
uma pessoa "atribui valor" a uma coisa.
Como então, diante da variedade infinita das avaliações que dife-
rentes pessoas fazem da importância relativa para elas de coisas dife-
rentes, elas chegam a supor que as coisas têm um valor absoluto, ou
“real”? As razões parecem ser em parte econômicas, mas também em
parte morais. Podemos tratar primeiro das últimas.

97
Capital, I, p. 1.

139
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Se cada troca fosse objeto de uma barganha independente, não


influenciada pelas demais, não apenas coisas do mesmo tipo poderiam
ter valores diferentes em cada troca, mas essas diferenças subjetivas
também poderiam ser refletidas em preços diferentes. Entre vendedores
em um bazar oriental e turistas estrangeiros, os negócios se aproximam
dessa condição. E argumentos podem ser encontrados em defesa disso.
Não causo dano a alguém, poder-se-ia dizer, se eu tirar dele o que
ele valoriza menos, em troca do que ele valoriza mais; e a menos que
ele valorize mais o que obtém em troca, por que ele faria a troca? Ele é
o melhor juiz de quanto se importa com alguma coisa; e as coisas são
valiosas para alguém apenas na medida em que ele se importa com elas,
de modo que o dinheiro em si seria inútil para um homem que não de-
sejasse nada que se pudesse comprar (como alguns tentadores descobri-
ram).
No entanto, essa alegação não convence. Provavelmente argu-
mentaríamos contra ela, (1) que quase todos os homens têm muitos de-
sejos, e embora devamos deixar para eles a decisão de qual satisfação
preferir e qual adiar (pois poucos de nós podem satisfazer todos os nos-
sos desejos), ainda assim, grandes desigualdades na extensão em que os
homens podem satisfazer seus desejos são, prima facie, ruins; especial-
mente em relação às necessidades mais comuns.
Mas enquanto a distribuição de bens materiais for desigual e ar-
bitrária, se cada transação fosse objeto de uma barganha independente
e não houvesse preços fixos, aqueles já mais bem providos teriam uma
grande vantagem sobre os necessitados. A satisfação imediata de alguns
desejos é necessária para a vida, e uma pessoa poderia tirar vantagem
desse fato para exigir mais do que qualquer pessoa daria que não

140
A Ilusão dos Valores Absolutos

estivesse passando fome de outra pessoa em troca de comida, como


Jacó tratou Esaú; por mais relativo e subjetivo que seja o valor, não
podemos negar que o sacrifício que uma parte faz nesse caso é incom-
paravelmente maior do que o da outra.
Agora, em uma troca justa, deveria, pensamos, haver alguma
igualdade de sacrifício, bem como de ganho; cada parte deveria obter o
que prefere justamente, ou pelo menos prefere em medida aproximada-
mente igual ao que dá. Se Jacó também estivesse passando fome e en-
tregasse a comida que parecia ser sua chance de escapar da fome, o
negócio poderia ter sido justo; mas não quando ele entregou algo de que
ele não sentiria falta.
Pois o valor de algo para uma pessoa é medido pela importância
que ele atribui não ao desejo que ele satisfaria com isso, se o obtivesse
ou mantivesse, mas ao desejo que ficaria insatisfeito pela falta desse
algo. Assim, um homem no deserto, que pagaria um alto preço por um
copo de água, se de repente se depara com uma fonte jorrante, embora
o primeiro jarro que ele encheu sacie sua sede, não teria perdido nada
de valor para ele se o derramasse; pois ele só precisa enchê-lo nova-
mente, e sua sede será saciada. 98
As pessoas usam seus recursos da melhor maneira que podem, ou
seja, para satisfazer primeiro os desejos que sentem com mais urgência;
e se parte de seus recursos for perdida, são os desejos menos urgentes
que ficarão insatisfeitos. O valor, então, para um homem, de uma sobe-
rana perdida não é o da coisa, em sua estimativa, mais importante que

98
Cf., Böhm-Bawerk, Positive Theory of Capital, L. III, cap. ii.

141
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

ele poderia ter comprado com ela, por exemplo, sua comida para a se-
mana; mas da coisa da qual ele teria que abrir mão por estar privado
dela, e isso pode, mas não precisa, ser a mesma coisa.
E assim, um copo de água, onde outro pode ser obtido sem es-
forço, não tem valor, embora o saciar da sede tenha; e a porção de en-
sopado que Jacó deu a Esaú não tinha valor para Jacó. O valor que uma
coisa deriva não da importância do desejo que ela é usada para satisfa-
zer, mas daquele que ficaria insatisfeito sem ela, é chamado pelos eco-
nomistas de 'valor marginal'; e em uma barganha difícil, os valores mar-
ginais das coisas trocadas são muito diferentes.
Novamente (2), poderia ser dito que princípios muito diferentes
se aplicam na troca ou venda de algo especial e favorito, como um qua-
dro ou um livro raro, e na produção em massa para o mercado. Se um
homem quer o primeiro, posso razoavelmente recusar-me a dá-lo a me-
nos que ele ofereça um preço que me seduza, seja dinheiro ou alguma
outra coisa; e o que eu dei por ele, ou o tempo que levei para pintar ou
escrever, não é relevante.
Mas quando os homens fabricam coisas diferentes em massa com
o objetivo de trocá-las, eles esperam obter um retorno ou recompensa
por seu trabalho; e se o retorno de cada homem pela contribuição que
ele faz à vida econômica da sociedade estivesse sujeito a todas as chan-
ces incalculáveis de barganhas sem preços fixos, eles não aceitariam de
bom grado o sistema. O valor é, afinal, como Marx o chamou, um fato
social.
Supondo que cada pessoa produza principalmente para si mesmo,
e que a troca seja apenas um incidente ocasional, as pessoas acumula-
riam, no geral, coisas úteis proporcionalmente a sua habilidade e

142
A Ilusão dos Valores Absolutos

energia. Se, em vez disso, adotarem um sistema de divisão do trabalho


e trocarem seus produtos, eles deveriam ainda receber, por meio desse
sistema, proporcionalmente a sua habilidade e energia.
É verdade que a sociedade não foi formada pela fusão de produ-
tores previamente independentes e autossuficientes. As pessoas não têm
outra opção senão viver por meio de um sistema de produção para troca.
Mesmo em uma vida pastoral e nômade, onde os bens são mínimos, os
membros de uma família dividem suas ocupações.
Se alguém quisesse viver independentemente de seus companhei-
ros, muito provavelmente não conseguiria fazê-lo, por falta de terra para
cultivar; e se tivesse terra, viveria muito precariamente. Mas, embora
não haja opção sobre viver sob ele, um sistema não é justo quando per-
mite que alguns se aproveitem das necessidades dos outros e, forçando
todos a participar do trabalho social de produção e troca, ainda recusa a
uma parte tal retorno como eles teriam insistido, caso fossem homens
independentes convidados a entrar voluntariamente na sociedade.
Não devemos ver os homens apenas como tendo suas várias von-
tades e trocando bens de tempos em tempos para satisfazer melhor suas
vontades; eles são também produtores, contribuindo para a vida comum
da sociedade e merecendo receber sua parte das coisas produzidas em
termos o mais iguais possível. Os preços, então, pensamos nós, deve-
riam ser uniformes para o mesmo artigo; e relacionados de tal forma

143
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

com diferentes artigos a fim de recompensar os homens de acordo com


seus serviços sociais. 99
Assim, chegamos a considerar o valor de uma coisa não como o
valor marginal que ela tem para um homem específico em um momento
específico, variando de homem para homem e de momento para mo-
mento; mas como o valor marginal que ela teria para um tipo de homem
normal, um homem normalmente equipado com recursos para a satis-
fação de suas vontades. E assim, uma noção do que deveria ser, ajuda a
criar a ilusão de um valor absoluto.
Sem dúvida, em diferentes sociedades, de acordo com seu nível
geral de riqueza e com suas circunstâncias, a mesma coisa teria classi-
ficações muito diferentes. A prata não era nada considerada em Jerusa-
lém nos dias do rei Salomão; é diferente hoje em uma vila indiana. Mas
em qualquer comunidade, o valor de uma coisa tende a ser pensado
como algo definido e fixo, porque é considerado em relação ao que é
concebido como um padrão de vida adequado nessa comunidade, não
em sua relação variável com a posição de cada membro dela.
E, porque preços desiguais envolvem, para os mesmos serviços,
uma desigualdade casual de recompensa, pensamos que os preços de-
veriam ser fixados, e então que o preço fixo é uma medida de um valor
fixo, que é injusto ignorar. E essa última suposição opera para manter
os preços, em certa medida, fixos. Eles podem variar de cidade para
cidade, ou até de loja para loja; mas não de cliente para cliente. Sem

99
Essa regra será escrutinada em seguida, pp. 155[adequar a esta edição]
et seq.

144
A Ilusão dos Valores Absolutos

dúvida, isso é em parte uma questão de entendimento mais ou menos


tácito.
Existem profissões, como o de comerciante de antiguidades, onde
isso prevalece de maneira muito imperfeita; e em alguns países, o hábito
é tão mal estabelecido que uma loja notificará ‘‘preços fixos’’ na vi-
trine. Mas o ponto é que noções morais, ou noções do que é justo, assim
como motivos econômicos, têm algo a ver com a produção e manuten-
ção de preços fixos, e assim com a geração da crença em valores abso-
lutos das mercadorias.
Essa influência de uma noção do que é justo ou razoável é refor-
çada por considerações de conveniência econômica. Saber quanto deve
ser pago por coisas é uma grande ajuda e um estímulo para os negócios.
Dentro dos limites de um único mercado, a competição, embora não
mantenha os preços estáveis, está destinada a torná-los bastante unifor-
mes para o mesmo artigo ao mesmo tempo. Vamos analisar o processo
pelo qual os preços vêm a ser estabelecidos em um mercado competi-
tivo 100. Veremos que isso não realmente estabelece valores absolutos.
Suponha, primeiro, que há vários vendedores e um comprador. O
comprador terá em mente uma cifra acima da qual ele é incapaz ou re-
lutante em aceitar, e isso será o limite máximo para o qual o preço pode
se deslocar. Os vendedores, da mesma forma, terão em mente cifras
abaixo das quais não aceitarão, mas não cada um a mesma cifra; e o

100
Cf., para págs. 124-8[adequar a esta edição], Böhm-Bawerk, Positive
Theory of Capital, L. IV, cap. Iv.

145
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

limite inferior para o qual o preço pode se deslocar será a cifra do ven-
dedor disposto a aceitar a menor quantia.
Se o estoque dele for tudo o que o comprador quer, o preço ficará
entre a cifra dele (que ele não revelará, é claro, esperando por um preço
melhor) e a do vendedor cujo mínimo está imediatamente acima do dele.
Onde exatamente o preço ficará entre esses limites dependerá da habi-
lidade de barganha das partes.
Mas se o comprador quiser todo o estoque no mercado, a menos
que ele possa dividir suas negociações e fechar com os vendedores me-
nos exigentes antes que saibam que ele vai comprar o restante, ele terá
que pagar por tudo, se não for seu máximo particular, pelo menos o mí-
nimo particular mais alto de qualquer um dos vendedores de quem ele
compra. Pois por que os outros, que estavam dispostos a aceitar menos
se necessário, o fariam quando não é necessário? O comprador mostrou
que pagará a cifra mais alta, e eles farão com que ele a pague a eles.
Da mesma forma, quando há muitos compradores e apenas um
vendedor, se o vendedor não tiver mais para vender do que deseja o
comprador que está disposto a pagar mais que os outros, ele poderá ob-
ter um preço entre o máximo particular desse comprador e o do próximo
licitante mais alto.
Mas se a demanda total não exceder o estoque oferecido, a menos
que cada negociação possa ser mantida sem influência do restante, ele
não obterá um preço mais alto do que o mínimo dos máximos particu-
lares dos compradores. Pois por que qualquer outro comprador daria
mais, mesmo que estivesse preparado para fazê-lo, se souber que o ven-
dedor preferiria aceitar essa cifra a não vender?

146
A Ilusão dos Valores Absolutos

Quando há um número tanto de vendedores quanto de comprado-


res, a questão é um pouco mais complicada. Podemos primeiro consi-
derar o caso comparativamente simples em que toda a oferta de um es-
toque limitado, não pronto para ser reposto, é oferecida de uma vez em
um único mercado.
Suponha que os engenheiros estejam fazendo lances por cobre
para entrega imediata. Eles terão celebrado vários entrado em vários
contratos que não podem cumprir sem suprimentos; as datas e magni-
tudes destes serão diferentes. Assim também variará o valor de seu di-
nheiro pronto e de suas reservas, e muitos outros detalhes.
Os produtores também estarão em posições muito diferentes.
Nem todos terão produzido igualmente barato. Nem todos terão neces-
sidade igualmente urgente de dinheiro. Eles terão diferentes visões do
curso provável do comércio no futuro imediato. Vamos imaginar, para
fins de ilustração, que há quatro empresas produtoras e seis empresas
de engenharia no mercado. Elas podem ser simbolizadas respectiva-
mente por P1-4 e E1-6.
Agora suponha que as cifras que, em suas próprias mentes, os
produtores fixaram como mínimas e os engenheiros como máximas se-
jam as seguintes:

£ £

P1 60 por to- E1 55 por to-


nelada nelada

147
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

P2 65 E2 60

P3 75 E3 63

P4 80 E4 70

E5 78

E6 85

Vamos supor que a qualidade seja a mesma, e qualquer enge-


nheiro esteja disposto a aceitar todo o estoque oferecido, desde que es-
teja dentro de seus limites. É claro que qualquer produtor receberia mais
dinheiro do que seu mínimo, e qualquer engenheiro daria menos do que
seu máximo, se possível.
É evidente que, nessa situação, E1 não fará a compra; pois nin-
guém venderá por um preço tão baixo quanto £55. A alternativa pode
ser séria, mas se ele não pode pagar o preço solicitado sem enfrentar
consequências igualmente sérias, por que deveria fazê-lo? E2 negociaria
de bom grado com P1, mas como há compradores dispostos a pagar mais
de £60, P1 não aceitará sua oferta; e nenhuma oferta inferior a £80 será
aceita, e o preço, então, ficará em algum lugar entre os limites

148
A Ilusão dos Valores Absolutos

estabelecidos pelo mínimo privado de P4, o vendedor mais exigente, e


o máximo privado de E6.
No entanto, se nenhum engenheiro quiser comprar todo o estoque,
o curso das coisas será diferente. Vamos supor, para simplificar, que
cada engenheiro queira uma tonelada e que cada produtor tenha uma
tonelada para vender. E1 ainda não será capaz de realizar negócios. E2
estaria disposto a comprar por £60, mas há outros dispostos a oferecer
mais, e P1 aguardará.
Quando as ofertas avançarem para £70, haverá 2 toneladas à
venda e 3 toneladas desejadas (uma tonelada cada por E4, E5 e E6); por-
tanto, o preço continuará a subir. Mas a £78, apenas 2 toneladas seriam
compradas e 3 oferecidas, então os vendedores começariam a fazer
ofertas mais baixas; e o preço será finalmente estabelecido a £70, para
a qual há mais compradores do que vendedores, e £75, para a qual há
mais vendedores do que compradores; digamos £72.
Nesse resultado, há uma ou duas coisas a serem observadas. Em
primeiro lugar, o preço único, embora mais favorável tanto para com-
pradores quanto para vendedores do que seus máximos e mínimos res-
pectivos, beneficia-os em graus desiguais; e essas vantagens desiguais
decorrem a eles por causa dos acasos do mercado: porque outros ven-
dedores pedem mais, outros compradores oferecem menos, nenhum
quer todo o estoque, e assim por diante.
Os economistas compararam tais vantagens desiguais que surgem
para compradores e vendedores pela fixação de um preço único com as
vantagens desiguais que surgem para os proprietários de terras mais ou
menos férteis pela fixação de um preço único do milho; os proprietários
de terras mais férteis conseguem cobrar aluguéis mais altos (e o mesmo

149
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

acontece com os proprietários de terrenos mais valiosos para constru-


ção): não por causa de quaisquer melhores serviços prestados por eles,
mas por causa da situação geral e da relação existente na época entre as
necessidades dos consumidores e a oferta de terra.
Da mesma forma, os produtores e usuários de cobre obtêm mais
ou dão menos do que o valor que atribuem ao metal, não por causa de
quaisquer serviços mais bem prestados por eles ou para eles, mas de-
vido à situação geral e à relação existente na época entre as necessida-
des e recursos econômicos dos usuários e produtores. A vantagem é
igualmente "não merecida" em ambos os casos; e essa vantagem que
surge para compradores ou vendedores a partir da diferença entre seus
valores privados e o preço único foi chamada de quasi-rent.
Em segundo lugar, em consequência de o preço único ser fixado
em £72, E2 e P1 não fazem negócios, embora cada um deles ficasse
feliz em fazê-lo por £60; nem E6 e P4, embora pudessem concordar
com algum valor entre £80 e £85. Pode ser tão importante para eles
comprar ou vender quanto para aqueles que conseguem fazê-lo. O preço
único, que para aqueles que satisfazem seus desejos traz excedentes de-
siguais de satisfação, nega a outros qualquer satisfação de seus desejos.
Das suposições comparativamente simples do caso recém-anali-
sado, podemos passar para as maiores complexidades do mercado e do
comércio ordinários. Descobriríamos que os resultados que surgiram da
consideração do caso simplificado não são afetados em princípio. O su-
primento de quase todas as mercadorias é, em algum grau, elástico, ou
seja, pode ser aumentado se oferecido incentivo suficiente, seja na
forma de um preço mais alto ou de uma venda maior.

150
A Ilusão dos Valores Absolutos

Da mesma forma com a demanda; ela geralmente pode ser au-


mentada se o custo de a satisfazer for suficientemente reduzido. Supo-
nha que a 1s por libra haveria uma demanda por meio milhão de tone-
ladas de açúcar por ano na Grã-Bretanha; se o preço fosse reduzido,
sem dúvida haveria uma demanda por mais.
Até certo ponto, uma redução de preço poderia levar a um au-
mento mais do que proporcional do consumo: de modo que a 6d. por
libra, mais de um milhão de toneladas poderiam ser vendidas. Uma re-
dução adicional poderia ser seguida por uma desaceleração no aumento
da demanda, e a 3d. por libra, o consumo poderia ser inferior a duas
milhões de toneladas.
Qual aumento do consumo ou demanda acompanhará qual dimi-
nuição de preço ou aumento de oferta: que diminuição do consumo ou
da demanda acompanhará qual aumento de preço ou diminuição de
oferta - isso dependerá de inúmeras circunstâncias em cada caso, e em-
bora curvas possam ser traçadas para mostrar o que aconteceu após o
evento, e para certas mercadorias básicas, essas curvas possam ser vá-
lidas ao longo de períodos consideráveis, ainda assim, nenhuma lei fixa
pode ser dada.
Deve-se também notar que a conexão entre flutuações na oferta e
demanda com flutuações no preço funciona mutuamente e de maneira
diferente para diferentes mercadorias. Onde a quantidade de uma mer-
cadoria é hora maior e hora menor com o mesmo esforço de produção,
como acontece com os frutos da terra, um aumento ou diminuição da
oferta pode ocorrer primeiro e levar a uma redução de preço que criará
uma demanda por todo o estoque, ou a um aumento do preço tal que
não impedirá que todo o estoque seja vendido.

151
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Em outros casos, um aumento da demanda, ao elevar o preço,


pode estimular os produtores a aumentar a oferta, ou uma diminuição
da demanda, ao baixar o preço, pode levá-los a reduzir a oferta. Ou,
novamente, produtores, confiantes de que preços mais baixos estimula-
rão poderosamente a demanda e satisfeitos de que vendas maiores mais
do que compensarão o suficiente pelos preços mais baixos, podem co-
meçar reduzindo os preços.
Uma condição de equilíbrio pode ser dita alcançada quando o
preço de uma mercadoria é tal que nem reduzi-lo e nem aumentá-lo
aumentaria os lucros das partes envolvidas, embora as quantidades ven-
didas possam ser modificadas; mas é claro que é muito difícil saber,
exceto pelo método de tentativa e erro, qual é esse preço, e embora di-
vergências dele em qualquer direção frequentemente levem a restrições
ou expansões na produção ou no uso de uma mercadoria, o que aproxi-
mará o preço do ponto de equilíbrio, o resultado dessas atividades mui-
tas vezes faz com que ele oscile para o outro lado, e há uma espécie de
gangorra em torno do ponto. E produtores e consumidores industriais
de mercadorias são guiados em suas ações por sua estimativa do efeito
que modificações na oferta ou demanda e no preço terão uns sobre os
outros.
No mercado de cobre, por exemplo, empresas produtoras e de en-
genharia normalmente não considerariam apenas uma quantidade defi-
nida de cobre pronto, ao cotar preços; embora essa suposição tenha sido
feita, para fins de simplificação, no caso imaginado acima. Oferecendo
ou licitando por tanto de uma vez, eles aumentariam sua produção ou
diminuiriam seus pedidos respectivamente quando o preço resultante da

152
A Ilusão dos Valores Absolutos

competição de vendedores e compradores fosse alto, e diminuiriam sua


produção ou aumentariam seus pedidos quando estivesse baixo.
Isso se aplica também aos frutos da terra e ao gado, com a dife-
rença de que, enquanto a produção de cobre pode ser regulada indepen-
dentemente das estações, e o estoque pode ser mantido sem pereci-
mento, a regulação da produção de safras ou gado é uma questão de
longo prazo, de modo que o ajuste deve levar em consideração qual será
a expectativa da demanda em algum tempo futuro, e os estoques não
podem ser mantidos sem destruição ou deterioração ou despesa.
No entanto, mesmo que os fatores que determinam os preços te-
nham toda essa complexidade, ainda é verdade que o preço fixado be-
neficia diferentes compradores ou vendedores de maneira desigual. Al-
guns vendedores teriam vendido mais barato de boa vontade, e alguns
compradores compraram mais caro.
Também permanece sendo verdade que o ponto em que o preço é
fixado pode excluir alguns compradores e vendedores completamente,
cujas valorações subjetivas estão abaixo ou acima dele, embora hou-
vesse compradores pelo preço fixado que teriam estado dispostos a pa-
gar o mínimo dos vendedores excluídos e vendedores que teriam estado
dispostos a aceitar o máximo dos compradores excluídos.
Não seria então melhor não usar preços fixos, mas permitir que
esses compradores e vendedores de qualquer mercadoria façam um
acordo, cada par ao seu preço respectivo, cujas estimativas subjetivas
do valor da mercadoria em dinheiro e do dinheiro na mercadoria con-
cordem mais aproximadamente? Pois então mais pessoas satisfariam
suas necessidades, e os excedentes de satisfação não merecidos seriam
menos desiguais.

153
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

No entanto, tal proposta é inviável. Isso exigiria que as pessoas


revelassem honestamente suas estimativas monetárias da urgência de
seus desejos, ou do valor para eles deste ou daquele artigo. Isso eles não
poderiam sempre fazer; pois até saberem a que preço comprarão ou
venderão uma coisa, não sabem o quanto podem pagar ou aceitar por
outra; e supondo que indicassem todas as alternativas contingentes,
quem decidirá qual problema será resolvido primeiro? Um agricultor
poderia se dar ao luxo de vender seu trigo mais barato se conseguisse
um preço melhor por sua palha, e vice-versa.
Ele deve esperar até que os acordos sobre a palha tenham sido
concluídos antes de decidir o que aceitar do negociante de milho, ou
vice-versa? Mas supondo que eles pudessem declarar definitivamente
suas várias estimativas privadas, como poderiam ser compelidos a fazê-
lo? Eles podem ser obrigados a dar um número, mas não o número ver-
dadeiro. Um produtor para quem seria justo vender seu cobre a £60, se
colocasse sua estimativa em £100, ainda poderia conseguir um compra-
dor.
As pessoas, então, ao vender, estariam certas de declarar um nú-
mero mais alto do que o mais baixo pelo qual valeria a pena negociar,
e um número mais baixo do que o mais alto ao comprar; se lhes fosse
permitido corrigir esses números, a competição da qual um único preço
emerge começaria novamente; se não fossem, os resultados seriam pi-
ores do que antes.
Pois o preço único, embora torne os ganhos daqueles que trocam
muito desiguais de acordo com suas próprias valorações subjetivas,
ainda é fixado com base em um princípio definido, por um processo em
que os lances de fato representam alguma estimativa real pelos

154
A Ilusão dos Valores Absolutos

licitantes sobre a urgência de seus desejos. Mas no método alternativo,


os resultados seriam bastante aleatórios, dependendo da extensão em
que os homens falsificassem suas estimativas reais e da chance de faze-
rem isso de maneiras apropriadamente correspondentes.
Não é necessário entrar em uma consideração mais detalhada das
“barganhas do mercado” e das muitas diferenças de detalhes na forma
como ele funciona para diferentes mercadorias. Os detalhes são dife-
rentes para mercados atacadistas e varejistas, e, entre os atacadistas, di-
ferentes onde há um mercado mundial para uma mercadoria como trigo
ou algodão, e onde existem diversos mercados restritos para uma mer-
cadoria como carne fresca ou leite, ou, em menor grau, carvão.
Mas variações nos detalhes não afetam esse princípio amplo, de
que em um único mercado haverá um preço para a mesma mercadoria,
e isso proporcionará vantagens e desvantagens muito desiguais para di-
ferentes pessoas que fazem ou deixam de fazer negócios a esse preço.
Sem dúvida, há muitos meios pelos quais um comprador ou ven-
dedor habilidoso pode fazer um acordo a um preço mais baixo ou mais
alto do que seus concorrentes; mas isso será porque o mercado não está
completamente unificado ou por algum motivo pessoal, como uma co-
nexão comercial antiga, esperança de negócios futuros ou incentivos
menos louváveis. Ainda assim, a cotação de mercado será a figura do-
minante.
E essa figura passa a parecer expressar o “valor real” da merca-
doria naquele momento. Tem sido chamada de valor de troca

155
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

“objetivo”, 101 distinguindo-se das figuras amplamente diferentes que


expressam as valorações subjetivas de diferentes compradores e vende-
dores. Mas na realidade, não é mais do que um dispositivo prático ou
acordo necessário entre diferentes modos de satisfazer as necessidades
das pessoas. Flutua com as flutuações dessas necessidades e não tem
nada de absoluto.
No entanto, há uma condição em que o preço de mercado pode
parecer ter uma reivindicação especial de expressar um valor real, ou
seja, quando está de acordo com o que Marx chama de preço de produ-
ção, e Ricardo chama de preço ou custo de produção; Adam Smith cha-
mou isso de preço natural.
Este é o preço que, ao cobrir o custo de produção e material, e o
custo do trabalho à sua taxa normal de remuneração, deixa para o capi-
talista ou “undertaker” uma taxa normal de lucro. Sob a influência da
competição, os preços tendem a esse nível; e, ao excluir ganhos anor-
mais em qualquer lugar, os preços de produção podem parecer peculi-
armente justos, e até peculiarmente próximos do valor real. Pois o anor-
mal, seja acima ou abaixo do salário ou preço comum, é facilmente con-
siderado, por pessoas que pensam que o familiar é certo, como sendo
mais ou menos do que o trabalho ou o artigo realmente vale.
Mas não há motivo para assumir que as taxas normais de salário
ou juros ou lucro correspondem a um valor “real” nos serviços pelos
quais são pagas: quer esses serviços sejam prestados por trabalhadores,

101
Böhm-Bawerk, Positive Theory of Capital, L. III, cap. I.

156
A Ilusão dos Valores Absolutos

empreendedores ou emprestadores de capital. Marx negaria que os úl-


timos fazem qualquer contribuição para a criação de valor.
Mas, se olharmos apenas para os trabalhadores e para os empre-
endedores que realmente fazem trabalhos de gerenciamento, ainda te-
mos bastante problemas. Se os preços de produção lhes fornecessem
salários ou remunerações em proporção fixa à quantidade de seu traba-
lho, poderíamos ficar tão impressionados com a uniformidade a ponto
de concluir que os valores de seus serviços realmente eram iguais por
tempos iguais. Mas isso não acontece.
Os salários que cobrem são salários nas várias taxas de expecta-
tiva de diferentes tipos de trabalhadores; os lucros estão nas taxas de
expectativa prevalecentes em diferentes tipos de negócios. E até que se
possa mostrar qual taxa de salário ou lucro está de acordo com o valor
real desses vários tipos de trabalho ou serviço, não há motivo para afir-
mar que os preços de produção, ou preços naturais, expressem o valor
real das coisas.
Qualquer que seja nossa opinião sobre o valor absoluto de cada
ser humano, temos que admitir que, no sentido econômico das palavras
"valor" e "valia", o valor ou valia do trabalho de um homem é derivado,
assim como o de uma mercadoria, das necessidades das pessoas. Se as
pessoas não quisessem ouvir ópera mais do que ler matemática, Caruso
não teria feito uma fortuna maior que Einstein; embora o trabalho dos
matemáticos, a longo prazo, possa levar à satisfação das necessidades
das pessoas de maneira muito mais abrangente.
O absinto pode ser tão prejudicial quanto o governo francês acre-
dita; mas enquanto os homens gostarem de bebê-lo e puderem, o traba-
lho daqueles que o fabricam tem um valor econômico. Hoje, o trabalho

157
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

dos viticultores da França tem valor; mas se o mundo efetivamente pa-


rasse de beber, ele deixaria de ter valor.
O que nos faz pensar que o valor das mercadorias é concedido a
elas pelo trabalho necessário para sua produção, e não pelo valor do
trabalho derivado da importância que as pessoas atribuem à posse das
mercadorias, é que as mercadorias desejadas não podem ser obtidas a
menos que o trabalho seja pago.
Várias causas tendem a fixar taxas de salário ou salário em valo-
res abaixo dos quais é difícil conseguir que os homens trabalhem; e es-
ses valores parecem então expressar um valor no trabalho independente
do desejo sentido por seu produto. Mas uma completa cessação da de-
manda pelo produto logo mostraria que o trabalho não tem nenhum va-
lor intrínseco deste ou de qualquer montante.
Isso não significa dizer que o trabalhador não tem nenhum valor,
mesmo economicamente, pois ele é capaz de se voltar para trabalhos
produtivos de bens que são desejados, ou de substituir serviços que já
não estão em demanda por outros que estão: como muitos cocheiros,
quando perceberam que o automóvel destruiu o valor de sua antiga
forma de serviço, aprenderam a ser motoristas.
Menos ainda significa dizer que, em um sentido não econômico,
o trabalhador não tem nenhum valor: que ele não é um ser cuja existên-
cia adiciona um elemento de bem ao mundo em que vive, e para cujo
suporte, portanto, devemos nos esforçar para fazer com que nossos ar-
ranjos econômicos providenciem. Mas esse tipo de valor não é o que
Marx ou esse argumento estão preocupados em discutir.

158
A Ilusão dos Valores Absolutos

Outra circunstância que incentiva o erro de que o valor é intrín-


seco ao trabalho e não derivado das vontades sentidas por seus produtos
ou serviços é que certos tipos de habilidade comandam um alto preço,
e o preço dos produtos ou serviços parece alto devido ao valor excepci-
onal da habilidade necessária.
No entanto, é evidente que em uma comunidade perfeitamente
saudável, a habilidade do médico perderia todo valor; e se um ameri-
cano engenhoso pudesse produzir instrumentos cirúrgicos automáticos
e padronizados a preços acessíveis, que uma criança poderia aprender a
operar, os preços dos cirurgiões cairiam consideravelmente. O que con-
fere a algumas formas de habilidade um valor tão alto é a sua escassez.
Nisso, é semelhante a diamantes ou a locais de construção muito dese-
jáveis. Mas seu valor não é mais intrínseco do que o deles; ambos sur-
gem das vontades das pessoas.
Existem também taxas de pagamento e de lucro 102 que são tão
baixas que os homens são fisicamente incapazes de se sustentar com
elas. Existem outras taxas, mais altas do que estas, nas quais os homens
não mais se contentarão em trabalhar quando puderem obter taxas me-
lhores. Acima destas, novamente, existem taxas, diferentes em diferen-
tes comércios e empregos, pelas quais, por períodos consideráveis, as
pessoas têm se sentido satisfeitas em trabalhar.

102
Lucro aqui significa lucro de gerenciamento, não o lucro do acionista
dorminhoco que só empresta capital; embora seja verdade que há taxa
de lucro aqui também, variando de acordo com os riscos envolvidos,
sobre os quais o homem não será tentado a poupar seu dinheiro para
empreendimentos produtivos.

159
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Quando existem tais taxas costumeiras, elas oferecem considerá-


vel resistência às forças que tentam derrubá-las. Essas forças, que tam-
bém ajudaram originalmente a estabelecê-las, são duas: competição e
escassez. A atuação da competição na fixação dos preços de mercado
só ocorre porque os suprimentos não são ilimitados, e ela não poderia
funcionar sem uma medida de escassez.
Em vez de escassez, muitas pessoas falam em monopólio. No en-
tanto, o monopólio é a concentração nas mãos de uma autoridade que
tem o poder de controlar o grau de escassez que algum serviço ou mer-
cadoria terá no mercado (não em existência real); a autoridade pode ser
uma pessoa ou uma associação. Este é o sentido correto da palavra; e o
monopólio nesse sentido raramente ocorre. É enganoso, por exemplo,
falar em monopólio de terras.
Existem milhares de proprietários, grandes e pequenos, embora
em uma vila específica um homem possa ter um monopólio local; e a
concorrência entre os proprietários para alugar ou vender geralmente
impede preços ou aluguéis realmente monopolizados.
O que é peculiar sobre a terra é a impossibilidade de aumentar
tanto o fornecimento total quanto o fornecimento em um local especí-
fico; mas dispositivos como arranha-céus, que tornam possível aumen-
tar o alojamento no mesmo local, têm o mesmo tipo de efeito que au-
mentar a oferta.
A palavra "monopólio" tem associações pejorativas que a palavra
"escassez" não tem; e isso pode ajudar a incentivar seu uso. Mas, em
prol da clareza de pensamento, é melhor falar de escassez. Pois o valor
da escassez é muito difundido; e a escassez mais ou menos local ou
temporária de diferentes materiais, diferentes tipos de habilidade e

160
A Ilusão dos Valores Absolutos

(quando as pessoas não podem ou não querem esperar) diferentes pro-


dutos acabados é a grande influência que se opõe ao efeito nivelador da
livre concorrência.
Ambas a escassez e a vontade variam indefinidamente em grau, e
não há uma fórmula para prever o efeito de sua ação conjunta na deter-
minação do valor que as pessoas atribuirão a uma coisa em particular
ao longo do tempo. Mas quando a escassez pode ser removida pelo tra-
balho, a mercadoria ainda deve manter um valor alto o suficiente para
remunerar o trabalho (apesar de perturbações ocasionais) não abaixo de
uma certa taxa.
Um excesso repentino de frutas perecíveis pode forçar os produ-
tores a permitirem que as pessoas as colham gratuitamente; mas se isso
fosse constante, eles faliriam, até que restassem tão poucos que a nova
escassez de frutas restauraria seu valor. Na média das vendas, o preço
deve remunerar todos os envolvidos na produção.
É aqui que a influência das taxas costumeiras e esperadas se ma-
nifesta e entra na fixação dos preços de produção. Essas taxas costu-
meiras, no entanto, são em grande parte dependentes da escassez rela-
tiva de um ou outro tipo de habilidade. Este é um fato de influência
econômica exatamente igual ao chamado monopólio de terras, embora
as causas sejam diferentes.
Às vezes, é mantido artificialmente, como pelo mantimento rí-
gido de segredos comerciais ou pela limitação do aprendizado; às vezes,
com menos referência a uma forma específica de habilidade, pela opo-
sição à imigração para um país ou região; ou, uma vez que a escassez
econômica é uma questão de oferta não existente, mas do mercado, por
meio da combinação dos trabalhadores.

161
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Esses métodos de manter ou aumentar o preço a ser obtido por


seu trabalho, seja pelos trabalhadores em geral ou por uma classe espe-
cífica de trabalhadores, podem ou não ser mais justificáveis do que os
métodos empregados pelos proprietários de coisas materiais para man-
ter ou aumentar o preço delas.
O ponto é que, economicamente, eles têm a mesma natureza; e
nenhum desses métodos funcionaria se não fosse pelo fato de que as
vontades das pessoas as induzem a dar algo em troca do que desejam.
Voltamos à nossa antiga posição de que, sem as vontades das pessoas,
não haveria valor de troca em nada, embora possa haver ocasionalmente
sem trabalho; que esses valores não são fixos, mas flutuam com as von-
tades das pessoas e com a provisão mutável para a oferta delas; e que
os trabalhos adquirem um valor econômico na medida em que as von-
tades das pessoas não podem ser satisfeitas sem eles.
Em um sistema geral de produção para a troca, as vontades são
como que agrupadas, de modo que os graus relativos das necessidades
de duas pessoas por produtos específicos um do outro não determinam
mais as relações de valor desses produtos, mas uma medida comum é
buscada em dinheiro para a necessidade social total do estoque total ou
social de cada mercadoria.
No entanto, isso não impede que suas diferentes vontades se tor-
nem uma coisa de valor desigual para diferentes pessoas ao mesmo
preço; de modo que eles colhem satisfações desiguais por meio desse
agrupamento social. O fato de necessidades recíprocas operarem em
uma sociedade onde o trabalho pode, na maioria das vezes, ajustar a
oferta à demanda modifica profundamente a influência que essas neces-
sidades teriam, de outra forma, na produção de valores; de modo que os

162
A Ilusão dos Valores Absolutos

valores de troca de várias mercadorias acabam exibindo alguma corres-


pondência, constantemente perturbada, para com as quantidades de tra-
balho necessárias para sua produção.
No entanto, esses trabalhos são de todos os tipos e remunerados a
diversas taxas; e essas taxas não expressam um valor original e intrín-
seco nos trabalhos, mas dependem, como os valores de bens materiais,
das vontades e dos mesmos fatores acidentais de escassez e demanda.
A conexão do trabalho ou sacrifício de uma pessoa com a satisfa-
ção do desejo de outra tem sido considerada análoga à conexão entre o
fornecimento de uma mercadoria, que o trabalho produz, e a demanda
que a mercadoria satisfaz; de modo que alguns escritores falaram de um
equilíbrio entre sacrifícios e satisfações ou entre desejo e esforço,103
assim como entre oferta e demanda.
E se houvesse tal equilíbrio, poderia parecer indiferente dizer que
o valor de troca deriva do fato de um desejo a ser satisfeito ou de um
sacrifício equilibrando a satisfação. 104 E a partir do segundo, não é um
grande passo, embora falso, dizer que ele deriva do trabalho.

103
E.g., Marshall, Principles of Economics, L. V, cap. II, §1 (4th ed, p.
408).
104
Não há necessidade de proporção constante entre as forças dos diferen-
tes desejos e os graus de satisfação sentidos quando eles são supridos.
Mas é mais o grau de satisfação antecipado àquele finalmente realizado
que determina que sacrifício deve ser feito para suprir um desejo; e se
ele realizado se prova menos que o que é antecipado, menos sacrifício
seria feito outra vez. A desproporção, portanto, deve ser ignorada em
uma visão geral.

163
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O passo é falso, porque o trabalho não é o único sacrifício que os


homens podem fazer, ou que a satisfação de um desejo exige, e em con-
dições propícias, o trabalho não é necessariamente um sacrifício, mas é
a própria satisfação de um desejo. 105 No entanto, muito trabalho produ-
tivo é infelizmente realizado em condições não propícias, e muito,
mesmo quando é, é realizado por homens que prefeririam estar traba-
lhando em algo diferente; e muito pouco que tenha valor de troca foi
produzido sem trabalho humano, embora seu valor possa estar fora de
proporção com a quantidade desse trabalho.
De vez em quando, como vimos, algo comandará um preço, sobre
o qual nenhum trabalho humano foi gasto, como uma concha rara e bo-
nita; mas tais casos são relativamente tão poucos que geralmente são
ignorados, embora para a compreensão do problema não sejam menos
importantes por serem poucos.
Na maioria das vezes, não há satisfação dos desejos de uma pes-
soa sem esforço ou sacrifício de sua parte e da parte de outros. E uma
vez que o valor de troca, lembrando Jano, tem essa conexão geral com
o sacrifício, bem como com a satisfação, e uma vez que o fornecimento
requer o sacrifício envolvido no trabalho de produção, e o cumprimento
da demanda é a satisfação do desejo, e uma vez que os economistas
permitem que o preço que mede o valor de troca seja fixado pela

105
Os homens querem fazer, bem como ter. A importância desse fato é
bem insistida por John Grote, em seu Treatise on the Moral Ideals; ele
chama o desejo de fazer coisas de “atuação” [acturience].

164
A Ilusão dos Valores Absolutos

interação de oferta e demanda, por que não o consideramos igualmente


fixado pela interação entre sacrifício e satisfação?
E se podemos, então, como falam de um equilíbrio entre demanda
e oferta a um determinado preço, não podemos também falar de um
equilíbrio entre oferta e satisfação? E assim como não se pode dizer
que, ao atingir o equilíbrio, a demanda desempenhou um papel maior
do que a oferta, ou vice-versa, também não podemos argumentar que,
ao atingir o outro, a satisfação não desempenhou um papel maior do
que o sacrifício, ou vice-versa?
E então não parecerá que podemos falar indiferentemente da parte
desempenhada pela satisfação do desejo (ou pelo desejo) e da parte de-
sempenhada pelo sacrifício, na determinação dos preços ou dos valores
de troca assim expressos? E se não olharmos para nenhum sacrifício
além do trabalho, não podemos tão bem dizer que o trabalho confere
valor de troca às coisas como podemos dizer que os desejos das pessoas,
ou os poderes nas coisas para satisfazer os desejos das pessoas, o con-
ferem? Não será uma afirmação tão verdadeira quanto a outra, de modo
que podemos escolher a que preferirmos? “Este raciocínio aparente-
mente convincente é, ainda assim, falso” 106.
Embora haja uma associação geral de valor com esforço ou sacri-
fício, ainda assim, na criação de valor, desejo e escassez são os fatores
fundamentais. Deles surgem sacrifício e esforço. Seja o seu sacrifício
ao se render a outro, em troca do que você quer e não tem, algo seu que

106
Veja Hobbes, Leviathan, cap. XV.

165
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

ele quer, isso só é um sacrifício porque você também o quer e porque


há alguma escassez, já que ambos querem a mesma coisa.
Ou, seja o trabalho e o esforço de outro em produzir o que suprirá
seu desejo, eles são realizados porque o produto é desejado e são neces-
sários porque o produto é em certa medida escasso, na medida em que
o trabalho e o esforço são necessários para aumentar o estoque. Ainda
assim, embora o desejo e a escassez sejam fundamentais, se sempre
houvesse um sacrifício que os equilibrasse, poder-se-ia argumentar que
há a mesma relação de valor para ambos.
Deve-se observar, portanto, que no último parágrafo dois sacrifí-
cios foram distinguindo - o feito por aquele que deseja, para obter o que
satisfará seu desejo, e o feito por outro, para produzi-lo. Com relação
ao primeiro, podemos dizer que há um sentido em que o sacrifício é
justamente o outro lado da moeda para o desejo.
No que diz respeito à mesma pessoa, não faz diferença se eu men-
suro o valor para ela das coisas que ela compra pelo grau em que ela as
deseja, ou pelo grau de sacrifício que ela faria para obtê-las. No entanto,
o grau de sacrifício que ela faria pode ser maior do que o sacrifício que
ela tem que fazer; mas aqui novamente o valor para ela do que ela deve
abrir mão pode ser tão bem mensurado pelo grau de sacrifício feito ao
abrir mão, ou pelo grau do desejo dela pelo que ela abre mão.
Abandonar o que é valorizado é recriar o desejo, para satisfazer o
qual ele é contado como valioso; enquanto ela o tinha, o desejo foi como
que apagado; quando ela o entrega, o desejo é reacendido. Mas, embora
para a mesma pessoa o grau de sacrifício ao abrir mão de uma coisa seja
a medida da intensidade de seu desejo por ela, ou o grau de seu desejo
por ela seja a medida de seu sacrifício ao abrir mão dela, não há tal

166
A Ilusão dos Valores Absolutos

correlação necessária entre o grau de seu desejo pelo que ela obtém na
troca e o grau de seu sacrifício ao dar o que ela dá; e ainda menos entre
o grau de sacrifício que um homem faz ao abrir mão de uma coisa e a
intensidade do desejo que outro satisfaz ao obtê-la.
Considere a relação entre o grau em que um homem quer o que
obtém, ao fazer uma troca, e o grau do sacrifício feito por ele para obtê-
lo; é claro que nas compras no varejo ele não precisa pensar, ao comprar
o que quer, que sacrifício faz gastando o dinheiro com o qual poderia,
de outra forma, ter satisfeito algum outro desejo; os homens nem sem-
pre gastam seu dinheiro com um olho atento para satisfações marginais.
E nas transações no atacado mais cuidadosamente pesadas dos grandes
negócios, uma parte geralmente estaria preparada para aceitar menos ou
pagar mais do que o preço acordado. Isso não passa de dizer novamente
que os valores não são absolutos.
Desde que não haveria valores de troca se as coisas trocadas não
fossem desejadas, em alguma medida ou por alguma razão, por ambas
as partes, e desde que renunciar ao que se deseja é sacrifício, sacrifício
e satisfação ambos existem para ambas as partes e são ambos insepará-
veis do valor.
Mas a satisfação obtida por qualquer das partes no que ela obtém
e o sacrifício feito por essa parte no que ela dá não precisam ter uma
relação fixa; apenas o sacrifício que ela faria ao abrir mão do que ela
obtém e a satisfação que ela ganha ao obtê-lo, o sacrifício que ela faz
ao abrir mão do que ela dá e o desejo que ela satisfaria ao retê-lo, têm
tal relação fixa e podem ser considerados como lados opostos do mesmo
fato; e mesmo aqui a satisfação do desejo é a concepção anterior; não
haveria sacrifício se a coisa não satisfizesse nenhum desejo.

167
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

E entre a satisfação que uma parte obtém ao garantir o que deseja


e o sacrifício que outra parte faz ao produzi-lo ou fornecê-lo, a suposta
correlação dificilmente sequer existe. No entanto, isso é o que suposta-
mente seria análogo à correlação entre oferta e demanda, pois a de-
manda está de um lado da troca e a oferta do outro. Somente onde uma
troca é igual, no sentido já dado à troca igual, ou seja, cada parte prefere
apenas o que recebe ao que dá, poderíamos dizer que há esse último
tipo de correlação.
E mesmo aqui, não podemos falar de um equilíbrio entre sacrifí-
cio e satisfação, como podemos falar de um equilíbrio entre oferta e
demanda. Diz-se que este é alcançado (quando é alcançado) a um preço
acima ou abaixo do qual nem produtores nem consumidores são levados
a forçar uma mercadoria pela tentação de lucros maiores.
Consideremos que a ação econômica seja influenciada por moti-
vos diferentes da esperança de lucro: pela rivalidade, costume, espírito
público, senso de justiça ou desejo sentimental de manter uma antiga
conexão. Estes são, ou determinam, desejos cujo cumprimento trará sa-
tisfação; e, portanto, pode ser bem dizer que o equilíbrio entre oferta e
demanda é alcançado a um preço acima ou abaixo do qual nenhuma das
partes é levada a forçar uma mercadoria pela tentação de mais satisfa-
ção, em vez de lucros maiores. E na medida em que obter satisfação é
evitar sacrifício, poderíamos dizer, por uma perspectiva de menos sa-
crifício. Mas esse sacrifício é apenas o outro lado da satisfação; é o sa-
crifício que a falta de satisfação envolveria para a mesma pessoa.
Sempre há essa correlação, como vimos, entre sacrifício e a satis-
fação renunciada, entre satisfação e o sacrifício evitado; mas não é equi-
líbrio. O equilíbrio entre oferta e demanda é entre a oferta de um lado e

168
A Ilusão dos Valores Absolutos

a demanda do outro; o equilíbrio mencionado entre sacrifícios e satis-


fações deve estar entre os sacrifícios feitos por aqueles que fornecem e
as satisfações obtidas por aqueles que efetivamente demandam.
Agora, o equilíbrio entre oferta e demanda é uma relação entre
quantidades da mesma coisa oferecida e desejada, quando essas quan-
tidades são iguais, e as forças econômicas de ambos os lados não traba-
lham para perturbar a igualdade. Parece não haver sentido correspon-
dente em que possamos falar de um equilíbrio entre sacrifícios de um
lado e satisfações do outro; essas não estão conectadas com quantidades
iguais da mesma coisa.
Mesmo em uma troca igual, quando cada parte prefere apenas o
que recebe ao que dá, embora se dissesse que há equilíbrio, seria em um
sentido diferente; pois a relação é entre as satisfações nos dois lados, ou
entre os sacrifícios, não entre satisfações de um lado e sacrifícios do
outro. E supondo que o equilíbrio em uma troca igual fosse per impos-
sibile entre satisfação de um lado e sacrifício do outro, tal equilíbrio só
poderia ser dito existir em trocas individuais de forma independente.
Mas o preço ao qual oferta e demanda estão em equilíbrio regula
uma multiplicidade de trocas; e é impossível dizer, e sem sentido per-
guntar, se no agregado de todas essas trocas as satisfações do lado da
demanda efetiva e os sacrifícios do lado da oferta se equilibram ou são
iguais.
Finalmente, mesmo que isso não fosse impossível, não seria ver-
dade que sacrifício é a mesma coisa que trabalho; e mostrar a depen-
dência do valor de troca do sacrifício não seria mostrar sua dependência
do trabalho. O sacrifício que alguém faz ao renunciar a algo não de-
pende do trabalho que ele investe para fazê-lo, mas do grau em que ele

169
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

o quer; e é a magnitude desse sacrifício que eleva o preço contra um


comprador.
O trabalho, sem dúvida, é comumente uma espécie, embora não
a única espécie, de sacrifício; mesmo assim, ele não conferiria valor ao
produto se outros não quisessem o produto, e o trabalhador não quisesse
outra coisa, ou se não quisesse pelo menos cessar o trabalho. 107

107
Assumiu-se no argumento anterior que em toda troca há tanto sacrifício
quanto satisfação em ambos os lados. Mas seria isso necessário? Se um
milionário não faz sacrifício algum quando ele dá meia-coroa a uma
pedinte, faria ele algum caso ele a usasse para comprar um cigarro? E
se eu vender a um colecionador uma foto que eu estava para jogar fora,
faço eu algum sacrifício?
Na medida em que os homens querem mais do que eles possuem, a
resposta é sim. No exemplo da foto, embora, na medida em que eu a
considero sem valor, eu não a queria, e não devo ter feito sacrifício al-
gum em partilhá-la, ainda se eu quisesse mais que eu possuo, eu qui-
sesse dinheiro, que dá poder para satisfazer desejos por outras coisas;
portanto a descoberta de que dinheiro poderia ser ganho pela foto criou
um desejo dela. Tornou-se, portanto, um sacrifício partilhar do que eu
agora soube que poderia assegurar-me alguma satisfação dos meus de-
sejos; embora eu não contemplasse sacrifício algum ao jogá-la fora, na
medida em que eu pensava que eu não poderia conseguir coisa alguma
com ela.
Mas um homem sempre e necessariamente quer mais do que possui?
Há homens cujos desejos por riqueza não são ilimitados. Aristóteles,
em uma passagem da Política que, diga o que quiserem os economistas
sobre a economia presente na obra, mostra profunda inteligência nas

170
questões morais que tocam a economia, ensina que a riqueza possui um
limite natural; é uma suficiência, ou completa quantidade, de instru-
mentos para uso doméstico e do estado (órgánan plêthos oìkonomikôn
kaì politikôn, Pol. I, viii. 15, 1256b 36). Mas ele admite também que os
homens concebem um desejo ilimitado pelo que eles chamam de ri-
queza, i.e., não pelos instrumentos eu eles requerem para uso doméstico
ou do estado, viver o tipo de vida que mais a pena vale viver, mas pelo
dinheiro, que comprará aqueles instrumentos, considerado em si mesmo
e não em relação ao custo da riqueza já definida, não há limite natural
Há um sentido no qual todo homem está insaciado; daquilo que ele
pensa ser absolutamente bom não há medida exagerada. E se ele pensa
que esse bem consiste nas coisas que o dinheiro comprará, e assim (em
virtude delas) no dinheiro, não haverá limite em seu desejo por dinheiro.
Ele então pode ser dito, independente do quanto ele possua, que faz
algum sacrifício em abdicar dele na quantidade que for.
Ainda assim o sacrifício pode ser inapreciável. E se um homem rico
não pensa que o que é bom para ele resida no possuir ilimitado, ele não
fará sacrifício algum em partilhar sua superfluidade, exceto na medida
em que o uso do dinheiro para ajudar alguém cause que ele pro tanto
reduza seu poder de ajudar os outros. Isso, também, é algum sacrifício,
mas pode também ser inapreciável; e em questões de prática, o que é
inapreciável deve ser tratado como nil. Digamos então que não há, em
toda troca, tanto sacrifício quanto satisfação em ambos os lados. A co-
nexão do valor de troca com o sacrifício, todavia, não é, por isso, abo-
lida. Pois se não o é para o homem que rende algo, para o homem que
recebe o que é rendido, o que é rendido tem valor; de outro modo ele
não teria dado coisa alguma pela coisa; e assim ele ao menos faria um
sacrifício em partilhá-la. Que uma coisa deva ser tal de modo que os
homens na maioria das vezes fariam um sacrifício em rendê-la, à me-
dida em que na maioria das vezes os homens a desejariam, é suficiente

171
para ela ter valor de troca. Os casos excepcionais seriam extremos ou
casos limitantes da relatividade individual do valor, no qual a coisa está
tão relacionada com a pessoa que para ela o valor dela desaparece.

172
VII- UM POUCO DE MORALIDADE E
UMA CONCLUSÃO

Temo-nos esforçado nos capítulos anteriores para descobrir o que


é, não o que deveria ser. Vimos, de fato, que Marx, pensando que o
trabalho nas coisas é o que lhes confere valor, tirou a conclusão de que
o trabalhador, que assim confere às coisas uma quantidade definida de
valor, deve receber coisas que incorporam a mesma quantidade de valor
em troca do trabalho.
Nossa investigação teve como objetivo mostrar que o valor nas
coisas, em virtude do qual as pessoas darão outras coisas em troca delas,
não surge primariamente do trabalho nelas e não pode ser medido pela
quantidade dele; e que o próprio trabalho só é uma fonte de valor nas
coisas porque as coisas são desejadas.
As relações de troca das coisas não correspondem e nunca corres-
ponderam às quantidades relativas de trabalho que foram para sua pro-
dução. A lei do valor de Marx, então, está em desacordo com os fatos;
e é viciada por certas confusões fundamentais na concepção dela.
O próprio trabalho, descobrimos, só tem valor pela mesma razão
que as mercadorias têm valor, ou seja, porque é desejado, seja por seus
serviços diretos ou como necessário para a produção de mercadorias. E
a quantidade de seu valor, ou o que ele pode comandar em troca, flutua
sob as mesmas condições que o preço das mercadorias.
Pessoas incapazes de qualquer trabalho para o qual haja demanda
não podem obter salário, embora, às vezes, motivos não econômicos
possam nos induzir a dar dinheiro a cantores de rua ou artistas de

173
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

calçadas. O trabalho qualificado é mais valioso porque é mais escasso


que o não qualificado; e as valorações concorrentes que os trabalhado-
res atribuem ao que é oferecido por seu trabalho, e os empregadores ao
trabalho oferecido, produzem taxas mais ou menos uniformes de salá-
rios para o mesmo tipo de trabalho no mesmo lugar e tempo, assim
como influências semelhantes produzem preços únicos para commodi-
ties de um tipo em um mercado.
A combinação novamente elevará o preço do trabalho, assim
como um cartel elevará o preço das mercadorias; e a mobilidade au-
mentada ajudará a equalizar as taxas de salário para o mesmo tipo de
trabalho, assim como para os preços, e a reduzir as flutuações decorren-
tes de mudanças locais na demanda. Em tudo isso, trabalhadores indi-
viduais, como produtores individuais de mercadorias, se veem desigual-
mente favorecidos ou desfavorecidos através da interação dos desejos
recíprocos e de outras influências que determinam de tempos em tem-
pos o valor econômico de seu trabalho.
Mesmo a taxa uniforme de salário é de valor subjetivo desigual
para diferentes pessoas, assim como o preço uniforme de uma merca-
doria. Pois, assim como, quando a manteiga está a 2s. 6d. a libra, um
fazendeiro de laticínios que poderia se dar bem a 2s. 4d. É mais benefi-
ciado do que um que não conseguiria se dar bem tão confortavelmente
abaixo de 2s.7d., assim também um salário de £3 por semana significa
algo muito diferente para dois trabalhadores com saúde ou compromis-
sos familiares diferentes.
Para muitos, parece falso considerar que o valor do trabalho é de-
terminado da maneira aqui declarada, porque pensam que isso implica
que o trabalhador é considerado como uma mera mercadoria útil, um

174
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

instrumento produtivo como um arado ou um cavalo. Como ele não é


isso, argumentam que uma teoria do valor de seu trabalho que o consi-
dera como se assim fosse dever ser falsa: falsa e talvez também per-
versa.
Mas não há nada realmente inconsistente com a dignidade do ho-
mem em dizer que seu trabalho tem valor em troca apenas porque é
desejado, e nenhum se não for desejado. Por que a voz quebrada de um
cantor de rua tem menos valor do que a de uma prima donna, se não por
que os homens querem ouvir uma e não ouvir a outra? O cantor de rua
pode ser melhor em todos aqueles aspectos que fazem a dignidade do
homem ou da mulher, mas isso não torna o canto mais digno de ser
ouvido.
Um Conselho de Comércio pode fixar os salários de uma indús-
tria em uma cifra que considere o mínimo que os trabalhadores deve-
riam ter; mas se o público não achar que os bens produzidos valem o
preço necessário para pagar esses salários, de nada adianta dizer que o
trabalho valia isso.
O público não pode ser obrigado a comprar a esse preço, quando
há a alternativa de comprar fora desse preço; e as necessidades do tra-
balhador não conferem a seu trabalho, em bens que não são desejados,
um valor mais alto do que a demanda pelos bens carregará, assim como
não dariam nenhum valor a ele, se fosse gasto na tarefa totalmente inútil
de cavar um buraco e enchê-lo novamente.
O fato de que o preço dos bens também cobre o lucro do empre-
endedor e os juros sobre o capital não afeta o argumento, já que, se esses
elementos fossem eliminados, ainda haveria casos, como com pequenos

175
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

trabalhadores independentes, onde o valor do produto seria menor do


que o necessário para prover um sustento decente para os trabalhadores.
Premiações e legislação de Conselho de Comércio podem ser efi-
cazes até certo ponto no aumento dos salários, assim como as combina-
ções entre os trabalhadores podem ser; ambos alteram as condições sob
as quais uma indústria deve ser conduzida, se for conduzida.
Mas se será conduzida sob as condições alteradas deve, a menos
que substituamos a liberdade de escolha por uma completa regulamen-
tação industrial, depender da disposição do público de comprar pelo
preço que as condições alteradas tornam necessário. É a importância
relativa atribuída por diferentes pessoas a diferentes bens e serviços,
como elementos em seu bem-estar, que fixa as relações de troca de bens
e serviços, isto é, que lhes dá seus respectivos graus de valor de troca.
Fechar os olhos para esse fato, porque gostaríamos que os valores
de todos os produtos do trabalho fossem tais que trouxessem aos traba-
lhadores uma renda tão grande quanto suas necessidades, é bastante
inútil, e só leva à confusão do pensamento, onde a clareza de pensa-
mento é mais do que o que normalmente é necessário.
O valor econômico é uma questão de economia, não de ética. Que
algo valha £1 – seja uma coisa material ou tantas horas de trabalho –
significa que outros entregarão em troca disso o poder de obter tanto de
qualquer outra coisa que £1 conseguirá; e se não o fizerem, não há mais
nada a dizer além de que não vale £1. É irrelevante dizer que deveria
valer.
No entanto, o interesse que a teoria do valor desperta se deve à
preocupação dos homens com o que deveria ser e à convicção de que,

176
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

de alguma forma ou de outra, os arranjos econômicos da sociedade de-


veriam ser muito diferentes do que são. E eles são atraídos por uma
doutrina que lhes diz que o verdadeiro valor monetário do trabalho pode
ser determinado sem levar em conta as considerações que, na estrutura
terrivelmente insatisfatória da sociedade de hoje, fixam seu preço mo-
netário. Portanto, vale a pena perguntar em que sentido pode ser corre-
tamente dito que o preço de uma mercadoria ou o pagamento por um
serviço (chamemos isso de salário ou não) é o preço ou pagamento cor-
reto ou justo.
Há um sentido em que é perfeitamente adequado falar de um
preço ou salário justo ou injusto. Uma vez que uma regra tenha sido
acordada para governar todos os casos de um certo tipo, é injusto se
afastar dela. Um comerciante varejista que anuncia que seus preços são
fixos age injustamente se cobrar de um cliente ignorante ou abastado
mais do que o preço normal.
Um empregador que, seja voluntariamente ou sob direção legal,
concorda em pagar a seus trabalhadores uma quantia por hora age in-
justamente se pagar menos. Na distribuição, a justiça consiste em pro-
ceder de acordo com a regra reconhecida. Mas assim que a regra falha,
ou sua aplicação ou interpretação é duvidosa, a propriedade de uma
acusação de injustiça começa a ser duvidosa também.
Assim, não acharíamos injusto um leiteiro aumentar o preço da
manteiga quando os estoques são escassos. Mas seria injusto vender
uma qualidade inferior? Se ele não fizesse a declaração de continuar
vendendo na mesma qualidade, provavelmente diríamos que não; mas
e se ele a misturasse com margarina?

177
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Cabe aos clientes descobrir quem vende a melhor manteiga; por


que não cabe a eles também descobrir quem vende a mais pura? John
Bright, como é sabido, se opôs à interferência legislativa na adulteração,
argumentando que a adulteração não era mais do que uma forma de
competição; e ele era um homem honesto.
No entanto, o legislativo posteriormente decretou que a margarina
não pode ser vendida exceto sob seu próprio nome, e agora nosso lei-
teiro certamente estaria agindo injustamente. No entanto, isso só é certo
porque a regra é clara. Onde não é clara, sempre haverá casos contesta-
dos.
Uma ferrovia agiria injustamente se cobrasse taxas diferentes
pelo mesmo serviço sem um princípio geral, e por favoritismo a reme-
tentes específicos; mas as taxas diferenciais das quais os comerciantes
às vezes reclamam são baseadas em um princípio reconhecido e, quer
sejam ou não imprudentes ou contrárias à política pública, não são in-
justas: como, por exemplo, quando taxas mais baixas são cotadas para
transportar as mesmas mercadorias entre dois portos do que entre um
porto e alguma estação interior no caminho para o outro.
Pois, nas taxas mais baixas, as mercadorias cobrem mais do que
o custo de seu transporte, embora contribuam menos pro rata para as
despesas gerais da linha; e, portanto, é vantajoso para a empresa, que
deve manter seu serviço em funcionamento em prol de lugares que não
podem ser alcançados por água, levá-las nessas taxas em vez de deixá-
las dar a volta pelo mar. Preços de mercado únicos novamente são fa-
voráveis de maneira desigual para diferentes comerciantes; mas, porque
são estabelecidos não por favoritismo, mas com base em um princípio,
não são injustos.

178
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

E assim é com os salários. O sistema de caminhões, enquanto le-


gal, se não for contrário a nenhum acordo explícito ou implícito do em-
pregador, não era injusto, embora prejudicial. Se um empregador pos-
suísse um bar logo fora de sua fábrica, que tentasse seus trabalhadores
a entrar lá no dia do pagamento, ele agiria imoralmente, mas não injus-
tamente. Sempre, se houver injustiça, deverá ser possível recorrer à re-
gra que está sendo infringida.
A regra pode ser uma que ainda não tenha ganhado aceitação ge-
ral; mas devemos estar preparados para dizer que ela deveria ser se-
guida, se chamarmos um ato específico de injusto por não se conformar
a ela. Assim, a menos que sustentemos geralmente que homens e mu-
lheres devem ser pagos em taxas iguais por desempenharem o mesmo
trabalho, não podemos dizer que uma mulher em particular é tratada
injustamente ao ser paga menos que um homem; e mesmo assim, é di-
fícil, na ausência de qualquer lei nesse sentido, sustentar uma acusação
de injustiça quando a autoridade pagadora anuncia um princípio de pa-
gamento desigual.
Disputas, de fato, surgem sobre a justiça ou injustiça das próprias
regras; e quando é possível apelar para uma regra mais geral, pela con-
formidade com a qual a regra em disputa pode ser defendida ou rejei-
tada, regras, não menos que ações particulares, podem ser chamadas de
justas ou injustas. Mas quando isso não é possível, e a regra é última,
seria melhor chamá-la de certa ou errada, boa ou má, do que justa ou
injusta.
Que iguais devem ser tratados igualmente não é tanto uma regra
justa quanto uma declaração da natureza da justiça; significa que agi-
mos justamente se, quando há uma regra que deve ser aplicada, tratamos

179
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

de acordo com ela os casos que ela abrange. Mas não podemos deduzir
dessa fórmula que homens e mulheres, ao desempenharem o mesmo
trabalho, devem ser igualmente remunerados, ou que todo adulto deve
ter um voto e nada mais. Essas podem ser boas ou más regras. Se ou
onde são boas, devemos adotá-las; e se as adotamos, é injusto aplicá-
las de maneira desigual. Mas o que não é uma violação de uma regra
que deve ser seguida não é injusto.
Se tudo isso é verdade, um preço ou salário não é injusto onde
nenhuma não se pode apresentar uma regra que ela infrinja. E, na au-
sência de acordos ou decretos definitivos, não podemos produzir uma
regra de aplicação universal, à qual os pagamentos de salários devem
se conformar.
Que um salário deve conter, ou comprar o que contém, uma quan-
tidade de trabalho igual àquele pelo qual é pago, é uma regra que, em-
bora implícita pela teoria de Marx, não pode ser defendida com sucesso.
Que deve ser um salário pelo qual se possa viver é uma regra de inter-
pretação duvidosa; e quando foi interpretada em termos de dinheiro,
teremos um valor inferior ao que o trabalho de alguns homens vale e
superior ao que o trabalho de outros homens economicamente valem.
Como pode ser injusto não pagar a um homem por seu trabalho o
que seu trabalho não vale? Se, apesar desse fato, ele deveria ter o di-
nheiro, não se pode dizer que deveria ser dado a ele por um empregador
que estará no prejuízo ao dá-lo; será a comunidade que é responsável, e
o pagamento então deixará de ser um salário.
Pode, de fato, ser dito que a comunidade é realmente responsável;
que todos somos parceiros na tarefa social total de produção ou, se al-
guns de nós estão atualmente ociosos, pelo menos todos deveríamos

180
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

igualmente ser parceiros no consumo do que é produzido; que o sistema


atual, no qual o pagamento a ser feito a diferentes produtores é deixado
para ser decidido pelo jogo de muitas valorações privadas, sem qualquer
consideração geral do que é justo ou desejável, e do que realmente re-
sultará ao deixar que seja assim decidido, é indefensável na teoria e fa-
lhou miseravelmente na prática.
Ele falhou de muitas maneiras tão ruins que se pode ser tentado a
pensar que é teoricamente insustentável. Mas em que ponto ele é teori-
camente insustentável? Que uma pessoa deve considerar a posse de uma
coisa mais importante para ele do que a posse de outra; e que as pessoas
não devem concordar nem entre si, nem sempre consigo mesmas, em
suas ordens de preferência — isso não é certo nem errado, mas apenas
inevitável. E é disso que resultam os valores de troca como os encon-
tramos.
Nisso não há nada teoricamente insustentável, assim como nas
peculiaridades das chuvas na Índia. Mas as chuvas da Índia, mesmo as-
sim, causam angústia e fome, e tornaram alguns distritos desertos. E
engenheiros restauraram a fertilidade de partes do deserto e equaliza-
ram em certa medida as irregularidades dos diferentes monções, com
represas que retêm a água e comportas que a distribuem. Portanto, po-
demos tentar corrigir as desigualdades de fortuna que o jogo de valora-
ções subjetivas cria; o problema é como fazer isso com mais segurança
e eficácia. Esse problema não é ajudado por recriminações nem por fra-
ses vagas e sonoras.
Podemos concordar que todos somos parceiros na tarefa social de
produção, mas isso não significa que todos contribuímos igualmente. O
problema é de distribuição, e a distribuição, se não deve se resolver por

181
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

si mesma, requer uma regra. Qual será a nossa regra, como ela será
aplicada e quais serão os efeitos de aplicá-la? Se, porque todos somos
parceiros na tarefa, devemos compartilhar o produto igualmente, deve
haver uma autoridade central para a qual o controle do produto passa e
que ordena sua distribuição. Mas as pessoas ficarão satisfeitas com a
regra da distribuição igual? O Sr. G. D. H. Cole é a favor dela.
Que o trabalho por peça, ou “pagamento por resultados, possui
uma equidade superior ao trabalho por tempo, em que realmente garante
que um trabalhador que produz mais receberá mais dinheiro”, parece-
lhe “pura moralidade capitalista. Por que”, pergunta ele, “um homem
que produz mais deveria ser pago mais?
É verdade que os trabalhadores às vezes concordaram que o que
eles querem é uma parcela maior na riqueza que produzem, e a elimi-
nação da mais-valia atualmente embolsada pelo capitalista tem sido
confundida com a apropriação dessa mais-valia por cada trabalhador
produtivo individual ou grupo de trabalhadores. Mas certamente o que
buscamos não é que cada homem assegure integralmente o fruto de seu
próprio trabalho, mas que os frutos do trabalho comum sejam equitati-
vamente compartilhados por todos.
O argumento de Bernard Shaw pela igualdade de renda parece ao
presente escritor ser convincente quando claramente compreendido.
Muitas vezes é mal-entendido e descrito erroneamente como um apelo
à igualdade de ‘remuneração’, enquanto todo o ponto de Bernard Shaw
é que a ideia de remuneração é em si errada, que as pessoas não deve-
riam ser remuneradas pelo trabalho que fazem, mas deveriam ter asse-
gurada uma renda por meio de sua cidadania ou em virtude do fato de
que são seres humanos. A igualdade de renda (não remuneração) não é,

182
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

de fato, um ideal; mas é a aproximação de trabalho mais próxima de um


compartilhamento ideal da riqueza da comunidade”. 108
Este trecho levanta vários pontos de interesse. É perfeitamente
verdade que garantir o “direito ao todo produzido pelo trabalho”, no
sentido comumente entendido de abolir aluguel e juros, e qualquer lucro
do gerente como algo distinto de um salário estipulado, de forma al-
guma resolveria o problema da distribuição do produto entre os traba-
lhadores.
O princípio desse suposto direito, como Anton Menger diz, 109 é
aceito pelos socialistas em sua função negativa, como um repúdio do
aumento não merecido; embora tenhamos visto que existem muitas for-
mas em que o aumento não merecido surge sob um sistema não capita-
lista; de fato, enquanto o valor para uma pessoa do que ele recebe em
troca de seu próprio trabalho ou produto flutuar por causas independen-
tes dele mesmo, haverá aumento, e decremento, que ele não ganhou.
É o lado negativo do princípio, como Menger continua apon-
tando, que o torna, como ‘‘ideia de igualdade política na Revolução
Francesa e em seus desdobramentos’’, de uma “força revolucionária
imensa”; pois “as massas se unem mais facilmente por negações".
Quando se trata de propostas positivas, surgem diferenças, mas essa
fórmula “não contém nenhum princípio positivo para a reconstrução de
uma ordem econômica’’.

108
The Payment of Wages, pp. 112-13, Fabian Research Dept., 1919.
109
The Right to the Whole Produce of Labour, E.T., p. 160.

183
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Mas é também verdade que uma distribuição igual da riqueza da


comunidade é a mais equitativa? Que a ideia de remuneração em si é
errada é um sentimento arrogante, porque a remuneração pretendida é
na forma de bens materiais, e mentes arrogantes realmente avaliam es-
ses bens como negligenciáveis em comparação com os bens do espírito.
Mas, supondo que tal sentimento possa ser compartilhado ampla-
mente o suficiente para que uma política baseada nele satisfaça a gene-
ralidade dos homens, temos certeza de que a ideia de remuneração em
toda forma é errada? Devemos igualmente aprovar um mundo no qual
os elementos mais altos na felicidade de um ser racional caem para o
mal em vez de, ou não menos que, para o bem, e aquele no qual eles
caem preferencialmente para o bem?
Alguns argumentaram que ser bom é, por si só, ou traz consigo, o
que há de melhor na felicidade de um ser racional, e que, portanto, a
dissociação sugerida não pode ocorrer; e por outros, que a noção de
mérito é fundamentalmente indefensável. Essas são questões grandes
demais para serem discutidas mais a fundo aqui.
De qualquer forma, a maioria concordará que, se a elevação do
caráter não é por si só todo o bem-estar de um homem, e se fosse pos-
sível, por algum ato de distribuição, dar aos homens felicidade em graus
diferentes, o grau mais alto deveria ir para aqueles de caráter mais ele-
vado.
E se isso for admitido, seguirá que o que faz a doutrina de que a
ideia de remuneração em si é errada parecer verdadeira ou atraente,
deve ser o fato de que a remuneração pretendida é em bens indiferentes
ou negligenciáveis. E se isso for verdade, é de tamanha importância que
eles devem ser compartilhados igualmente?

184
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

Se alguém acha que uma distribuição igual é a aproximação de


trabalho mais próxima a um compartilhamento ideal deles, isso não é
antes um sinal de que ele não os considera indiferentes? Pode muito
bem ser que algumas vocações, não inúteis para a comunidade, exijam
uma parcela maior desses bens do que outras; e que a falha de nossa
condição atual não seja a desigualdade, mas a extensão da desigualdade.
A variedade torna a vida mais interessante e, se não somos ciu-
mentos, podemos muito bem desejar ver algumas casas grandes e par-
ques bonitos, sem desejar possuí-los. Não há nisso nenhuma desconsi-
deração pelos interesses de muitos, a menos que se possa mostrar que
tais privilégios são incompatíveis com um padrão de vida decente para
todos. Não deve haver coisas bonitas e caras feitas? Ou elas devem to-
das decorar igrejas ou salões públicos, ou permanecer no ar frio de nos-
sos museus? As artes da vida certamente sofreriam se assim fosse.
Vamos analisar novamente a afirmação do Sr. Cole. Decorre, por-
que “as pessoas devem ter assegurada uma renda por meio de sua cida-
dania, ou em virtude do fato de serem seres humanos”, que, portanto,
as rendas devem ser iguais. “Não existe almoço grátis” é um ditado que
talvez deva ser entendido mais como apontando para o que acontece em
algumas circunstâncias econômicas do que para o que devemos visar.
Mas será que realmente achamos que, se um homem não trabalha, ele
ainda deveria compartilhar igualmente com aqueles que trabalham?
Por que, porque todos são cidadãos ou seres humanos, todos de-
veriam ter rendas iguais? Certamente isso não é enfaticamente um ideal;
e qual é o fundamento para pensarmos que é a aproximação funcional
mais próxima? Talvez não seja mais do que apenas um refúgio para a
dificuldade de encontrar outro princípio satisfatório.

185
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Da mesma forma, buscamos refúgio na regra "Um homem, um


voto". Não se pode mostrar que, para a difícil tarefa de determinar a
política e administração de uma cidade ou estado, ou escolher as pes-
soas mais adequadas para determiná-las, todo homem é tão qualificado
quanto seu vizinho em inteligência e imparcialidade.
Mas porque pensamos que não podemos encontrar nenhum crité-
rio de melhor aptidão, e sabemos que Dick e seu vizinho são igualmente
homens, recorremos à regra de que aqueles que são igualmente homens
devem compartilhar igualmente o poder de voto. Ainda assim, é difícil
justificar o princípio como algo evidentemente certo e adequado.
A maioria daqueles que têm experiência no caráter e hábitos men-
tais de tipos muito atrasados hesitaria em aplicá-lo a eles; e em uma
população mista como a da África do Sul ou dos Estados do Sul da
União Americana, eles estariam preparados para modificá-lo de modo
que simples números não dominassem as eleições. Devemos observar
os efeitos de tais instituições. E assim é com o princípio da distribuição
igualitária da riqueza.
Ao rejeitar a reivindicação de que a renda deve ser proporcional
ao trabalho realizado, o Sr. Cole admite que a riqueza não merecida não
é errada como tal e universalmente; e de fato todos nós a admitimos em
certos casos; pois os doentes e impotentes não trabalham pelo que con-
somem, e ainda assim não é julgado errado que vivam sem trabalho.
Podemos pedir alguma razão especial para justificar viver sem
trabalhar; mas a mera cidadania não é uma razão especial. Se, de fato,
todos os sistemas que deixam a distribuição de riqueza se resolver pelo
jogo da iniciativa e ação privadas forem condenados, e o Estado se

186
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

tornar o único distribuidor, então o princípio da distribuição igual ganha


mais plausibilidade.
O tratamento diferenciado pelo Estado é sempre injusto, a menos
que alguma regra muito clara possa ser formulada para isso, como no-
tamos no caso do poder de voto. Mas ainda devemos perguntar quais
são as consequências prováveis dos sistemas alternativos propostos, a
menos que possa ser mostrado que os homens devem ter rendas iguais,
independentemente das consequências.
É muito difícil acreditar que, enquanto a natureza humana perma-
necer como a conhecemos, homens assegurados de uma renda igual à
de seus vizinhos com base em sua cidadania comum trabalharão tão
bem e produzirão tanto quanto se pudessem ganhar mais trabalhando
mais.
Se todos tivessem atingido esse nível de espírito público, eles se
importariam pouco com a igualdade de renda, a menos que, é claro,
ressentissem a desigualdade como injustiça; mas fazer isso reintroduz a
ideia de um direito na questão, e assim a necessidade de mostrar quando
e por que os direitos dos homens são iguais. Por outro lado, com as
pessoas como as conhecemos, alguns ganhos muito definidos acompa-
nham a existência de uma classe ociosa.
Muitos deles realizaram trabalhos para incentivar a arte e a litera-
tura, ou como estudiosos e exploradores, ou mesmo por meio do desen-
volvimento imprevisto de hobbies, que não está claro se teriam sido
realizados se a seleção daqueles que deveriam ser subsidiados para isso
fosse deixada para o Estado. Será tão claramente impossível preservar
as vantagens, e ao mesmo tempo diminuir os males, que surgem de um

187
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

sistema que gera suas próprias desigualdades, que devemos recorrer à


distribuição pelo Estado e à regra de rendas iguais?
Qualquer um que aprove essa regra será sábia em não tentar bus-
car razões econômicas para chamá-la de justa. Economicamente fa-
lando, não existe salário ou recompensa justos para o trabalho. Justiça
e injustiça surgem quando há um distribuidor e uma regra de distribui-
ção.
Condições econômicas podem fazer uma regra ser aceita; mas não
a tornam uma regra justa, e não tornam uma violação dela injusta; en-
quanto ela for aceita, uma violação dela é injusta, mas a economia não
tem nada a ver com essa injustiça. Mas poderia ser possível encontrar
uma regra que fosse moralmente correta, e à qual, portanto, deveríamos
ajustar, tanto quanto possível, as distribuições que, por causas pura-
mente econômicas, ocorrem de maneira diferente.
Ainda assim, quando tentamos encontrar uma única regra clara e
correta para a distribuição da riqueza, as dificuldades parecem insupe-
ráveis. O princípio de partes iguais, que temos considerado, certamente
não se recomenda geralmente. O Sr. J. H. Thomas, quando foi proposto
estabelecer um salário-mínimo para os trabalhadores ferroviários, disse
que seria grosseiramente injusto fazê-lo, a menos que o salário dos ní-
veis mais altos fosse aumentado proporcionalmente. 110
O Sr. Frank Hodges desejava propostas para a indústria minera-
dora que, além de incentivar a produção e baratear o carvão, “forneçam
para que os salários dos trabalhadores não fiquem abaixo de uma

110
The Times, 15 de set., 1913.

188
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

quantia compatível com a habilidade e responsabilidade exigidas no tra-


balho de um mineiro, e que os mantenham, a ele e a sua família, em
conforto e decência”. 111
Aqui existem duas regras totalmente diferentes sugeridas. Uma é
a do “salário digno”, de acordo com um padrão não indicado definiti-
vamente. A outra, embora difícil de entender, claramente atribuiria di-
ferentes taxas a diferentes ocupações. Mas o que significa dizer que um
salário específico é compatível com a habilidade e responsabilidade exi-
gidas em uma determinada ocupação?
Se eu soubesse qual salário era adequado para um trabalhador ru-
ral, e se eu conhecesse a relação entre a habilidade e responsabilidade
exigidas em seu trabalho e as exigidas em um mineiro, então eu poderia
dizer qual salário era adequado para um mineiro. Mas parece difícil
classificar ocupações de maneira precisa e arbitrária, e impossível mos-
trar que um salário específico é adequado a uma ocupação específica.
Poderíamos chegar a algum acordo sobre o primeiro ponto e, a
partir daí, determinar a relação adequada entre os salários de diferentes
ocupações; mas a fórmula do Sr. Hodges é absolutamente inútil para
determinar seus montantes positivos adequados. Outras regras também
falham igualmente.

111
The Times, I, junho de 1921.

189
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

“A cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo


suas habilidades

Mas quem vai julgar as necessidades de cada pessoa, e se um ho-


mem não cultivou suas habilidades ou falha em produzir trabalho con-
forme elas?

Parcelas justas para trabalho, capital e talento

Mas por que a proporção de Fourier, 5:4:3, é justa? Como pode-


mos mostrar que qualquer proporção específica é justa?
E considerando que empresas que empregam o mesmo capital po-
dem empregar números muito diferentes de trabalhadores, alguma pro-
porção constante poderia ser justa?

A maior felicidade do maior número

Bentham propôs interpretar isso por uma regra de distribuição


igual:

Cada pessoa conta como uma e ninguém conta como mais de


uma.

190
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

Mas ele logo descobriu que agora tinha duas regras que poderiam
entrar em conflito em sua aplicação; pois (supondo que possamos con-
siderar de maneira inteligente as felicidades desfrutadas pelos vários
membros de uma sociedade como um agregado, capaz de ser aumen-
tado ou diminuído), poderíamos aumentar concebivelmente a felicidade
agregada atendendo aos interesses de um número menor. Devemos nos
importar mais em aumentar o total ou equalizar o dividendo?
“Igualdade de oportunidades” é outro princípio sugerido. É im-
possível que esse ideal seja completamente realizado em uma sociedade
grande e complicada por meio de quaisquer medidas que não envolvam
tirar todas as crianças de suas casas e criá-las juntas em creches e insti-
tuições estatais. Mas vamos assumir que algo menos que isso é o que é
pretendido; até que idade as oportunidades fornecidas devem ser iguais?
E após essa idade, as pessoas devem arcar com as consequências de
suas ações e erros? Se assim for, as forças econômicas se imporão como
fazem agora.
Ou diremos que os homens devem ser recompensados proporcio-
nalmente à sua capacidade, ou à necessidade dos outros de seus servi-
ços? Disse o Sr. James Larkin a um modelador durante o interrogatório,
na época da Greve dos Docas de Dublin

Com todo respeito à sua profissão eu tenho tanto direito a 42


xelins por semana quanto um modelador. Eu sou um homem tão
capaz quanto ele, embora não esteja trabalhando na mesma es-
fera de atividade, e você não pode trabalhar sem mim, pois você
não pode fazer um molde sem que eu (um trabalhador de trans-
porte) traga o material para você.

191
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

Que princípio tinha o Sr. Larkin em mente? Supondo que ele é


um homem tão capaz quanto o outro, será que um homem tão capaz é
necessário para o trabalho de transporte? e se não, o salário deve ser
fixado em relação ao trabalho ou ao trabalhador? Novamente, ele baseia
sua reivindicação de receber o mesmo salário que um modelador em
sua capacidade igual ou em ser igualmente indispensável? Ambos os
princípios não podem ser sustentáveis, pois podem entrar facilmente em
conflito.
Os métodos econômicos comuns, dos quais estamos tentando nos
afastar, em breve determinariam se ele era indispensável. Ele não está
confundindo a indispensabilidade do transporte com a de um trabalha-
dor de transporte específico? Novamente, em nossa organização indus-
trial complexa, muitos operários são indispensáveis para um único re-
sultado; aqueles que os executaram, portanto, devem ser remunerados
igualmente? Mineração, transporte, fundição, modelagem, empoça-
mento, forja e ajuste podem ser todos indispensáveis para a ferramenta
acabada.
Deveria cada trabalhador de cada tipo ter salários iguais? Mas é a
operação, não um operador específico, que é indispensável. Deveria,
portanto, a carga salarial total ser a mesma para cada tipo de operação?
Então, aqueles operadores serão pagos mais, dos quais o menor número
é necessário. Não há realmente uma regra defensável indicada.
E é certamente um princípio geral não desimportante que, em-
bora, quando um número de fatores cooperantes seja indispensável para
um único resultado, não se possa determinar quanto cada um contribui

192
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

para isso; 112 ainda assim, ser igualmente indispensável não é ser igual.
E mesmo que fosse, o apelo à indispensabilidade, como fundamento
para exigir um certo salário ou pagamento, é um apelo à necessidade
dos serviços prestados; e nós realmente voltamos ao modo de determi-
nar o valor econômico, pelo qual estávamos tentando substituir algo
melhor.
Esse modo prevaleceu não apenas desde a revolução industrial,
mas onde quer que tenha havido mercados e trocas livres. Ele nasce das
valorações que os homens atribuem a coisas diferentes, e estas não são
justas nem injustas. Ele funciona sem propósito, mas não sem leis.
Ele não resulta em uma distribuição de renda igual aos valores
que cada indivíduo cria, mas não deve ser condenado por isso; pois é
impróprio falar do valor que cada indivíduo cria, uma vez que o valor é
criado principalmente pelo desejo sentido por coisas, não pelo trabalho
gasto nelas; e embora os trabalhos das pessoas, assim como as opera-
ções da natureza, geralmente sejam necessários para tornar as coisas
como no que queremos que sejam, geralmente é impossível estimar
quantitativamente a parcela de qualquer trabalhador na produção das
mudanças físicas que contribuem para a existência de um produto ter-
minado.
Se condenarmos, então, esse modo de determinação do valor eco-
nômico, deve ser por alguma outra falha em sua influência sobre a dis-
tribuição de renda do que sua incapacidade de realizar a tarefa

112
E, portanto, é impossível dizer qual é o produto total de qualquer traba-
lho humano na indústria moderna.

193
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

impossível e verdadeiramente sem sentido de tornar essa distribuição


justa. E essa falha é que ela torna alguns muito ricos e outros muito
pobres. Mas isso não aconteceu na mesma medida em todas as eras.
E, uma vez que ela opera de acordo com certas leis, a inferência
é que algo diferente nos fatos da situação faz com que os resultados
sejam diferentes. Agora, o valor de qualquer coisa para um homem é
seu valor marginal, isto é, depende da importância da vontade que fica-
ria insatisfeita pela falta dela; isso pode ser muito menos do que a im-
portância da necessidade que a coisa satisfaria.
Mas algumas pessoas "não têm margem" — a necessidade que a
coisa satisfaria e aquela que ficaria insatisfeita sem ela são as mesmas;
e essas pessoas estão em desvantagem nas negociações. Se a vontade
for urgente, o preço pode ser forçado contra eles. Exceto na medida em
que o costume ou a lei prevalece, todas as trocas são realizadas sob a
pressão de necessidades opostas, e tais trocas forçadas não exibem nada
novo em princípio. Mas elas resultam em uma distribuição mais desi-
gual dos bens materiais, com os quais satisfazemos nossas várias neces-
sidades à medida que ocorrem.
A mudança então necessária, se um sistema de livre troca baseado
nas valorações subjetivas dos homens deve funcionar de maneira mais
igual, é que deve haver menos barganhas forçadas, isto é, que as posi-
ções de barganha dos homens devem ser mais iguais. Elas não podem
ser tão iguais a ponto de o preço de mercado fazer todas as transações
parecerem igualmente lucrativas para todos os envolvidos. Mas elas po-
deriam ser muito mais iguais do que são.
Isso seria alcançado não concentrando o controle da propriedade
nas mãos de estados e municípios, mas dividindo-a; tendo não nenhum

194
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

capitalista, mas mais. Ninguém finge que o capital seja desnecessário;


e vimos que a teoria que deriva os lucros de um capitalista do mais-
valor que os trabalhadores criaram e que ele se apropriou é uma análise
falsa dos fatos do valor. Mas, sob o atual sistema capitalista de indústria,
um grande contingente de pessoas não tem nada para viver se não for
empregado por um salário e, portanto, está em desvantagem nas nego-
ciações.
Um remédio sugerido para isso é a produção cooperativa, onde
aqueles envolvidos na produção são donos da fabricação e dos materi-
ais. O sucesso disso é frequentemente questionado, devido à raridade
de alta habilidade empresarial de direção e controle – capacidade que
atualmente muitas vezes traz grandes lucros ao proprietário, da natureza
não de juros, mas do ganho que vem para aqueles a quem um preço de
mercado é especialmente vantajoso: embora esses lucros se tornem, por
sua vez, um capital que traz ganhos adicionais por meio de juros, e a
concentração viciosa da riqueza continua.
Acredita-se que, na produção cooperativa, aqueles que possuem
essas qualidades não se estabeleceriam tão facilmente na administração.
Mas, além disso, aponta-se que as sociedades cooperativas agiriam
como unidades de negociação por si mesmas, e os preços resultantes
seriam tão desiguais quanto os preços são agora. Esse perigo parece ser
inseparável de qualquer sistema no qual os preços são deixados para
serem fixados pelo jogo de valorações subjetivas.
Uma terra de pequenos proprietários e indústrias camponesas não
estaria livre disso. Nem uma terra onde sindicatos de trabalhadores pos-
suíssem, como enormes trustes ou conglomerados, seus diversos esto-
ques de produção. Se houvesse um mercado para a troca de seus

195
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

produtos, os preços deveriam ser formados como são formados nos


mercados agora, e com as variações nos gostos das pessoas, na abun-
dância de diferentes colheitas, no sucesso exibido ao melhorar este ou
aquele processo de fabricação, ou no grau em que diferentes mercado-
rias pudessem ser produzidas por métodos industriais avançados, esses
preços dariam aos membros de um sindicato uma vantagem maior do
que aos membros de outro.
A menos que alguma autoridade central decida quanto de uma
coisa pode ser trocado por quanto de outra, os produtores de diferentes
mercadorias se verão recebendo quantidades diferentes daquilo que to-
dos querem para o que produzem individualmente, de tempos em tem-
pos: e o máximo que podemos esperar é fazer arranjos para que essas
flutuações sejam o mínimo possível, igualando na medida do possível
o poder de barganha dos homens.
Não sendo isso uma panaceia, não é surpreendente que aqueles
sobre quem os males do sistema atual pressionam mais desejem substi-
tuir o funcionamento sem propósito das forças econômicas pela ação
conscientemente dirigida pelo Estado; ou, se não pelo Estado, pelo me-
nos por alguma autoridade única. Mas assim que houver uma direção
consciente, será necessário um princípio, e qual princípio será adotado?
Foi sugerido que os homens deveriam ser pagos por seu trabalho
em cheques de trabalho, e os bens serem precificados em termos do
trabalho despendido neles. Em pequena escala, isso realmente foi colo-
cado em prática por um tempo. Mas isso não tem cara de justiça, exceto
a que é derivada da falsa doutrina de que o valor é uma qualidade abso-
luta incorporada nas coisas pelo trabalho.

196
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

Deixando de lado essa doutrina, como podemos defender isso?


Uma coisa é dizer que toda pessoa deve fazer algo de bom em sua ge-
ração, e caso contrário não merece sua parte nos bens materiais; é total-
mente outra coisa dizer que a justiça exige que sua parte nesses bens
seja proporcional às horas de trabalho que ele exerce. Muitos levam
vidas valiosas que não poderiam apresentar uma boa agenda de trabalho
- poetas, místicos, antiquários, exploradores, matemáticos.
Sem dúvida, algum funcionário poderia estabelecer sua taxa de
pagamento na moeda de cheques de trabalho; e poderia estabelecer uma
tabela de equivalentes para trabalhos de diferentes tipos, se achasse que
uma mera taxa de tempo não era satisfatória. Mas o acerto deve ser ar-
bitrário; não há princípio a seguir.
E se certos bens, depois de devidamente precificados em unidades
de tempo de trabalho, deixassem de ser desejados, eles seriam forçados
aos compradores pelos preços antigos, e, se sim, como? Ou algum fun-
cionário os reduzirá até que se esgotem, e deixará o jogo de valoração
subjetiva começar de novo? Além disso, esse método de precificação
não pode ser aplicado ao comércio exterior, que, se o reaparecimento
de ganhos desiguais devem ser evitados, deve ser todo conduzido pelo
Estado; e o Estado terá que agir arbitrariamente ao definir os preços
pelos quais o que ele importa será vendido aqui.
Teoricamente, esses e outros sistemas comunistas não são incon-
cebíveis; mas eles não podem funcionar na prática, a menos que as pes-
soas estejam dispostas a trabalhar sob eles. Os dois grandes males do
sistema industrial de hoje são que os rendimentos são tão terrivelmente
desiguais e que muitos sentem que suas vidas são gastas de maneiras
nas quais eles não têm participação no controle.

197
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

O comunismo pode tornar os rendimentos mais iguais por meio


de uma grande destruição de riqueza, mas isso não é o que se quer. No
entanto, ele só poderia, de outra forma, trazê-los em direção à igualdade
por uma grande concentração de controle. Essa concentração de con-
trole significaria, na prática, que os funcionários que administram a má-
quina seriam donos da riqueza da comunidade; pois a comunidade é
grande demais para que os cidadãos comuns tenham qualquer parte real
na direção ou administração. Se assumirmos que esses funcionários não
tiram vantagem de sua posição para se enriquecerem, eles ainda contro-
larão as vidas dos cidadãos por meio do controle da produção; e o se-
gundo mal mencionado será intensificado em vez de removido. 113
Somente por meio de uma arregimentação como a de um exército
o esquema funcionará; e em um exército, o soldado comum não sente
que ajuda a direcionar sua própria vida. No exército comunista, os ofi-
ciais podem ser eleitos; mas, a menos que ainda recebam obediência
implícita, o sistema entrará em colapso.
Mesmo sob a pressão do interesse comum em derrotar o inimigo
e o medo comum de ser derrotado por ele, sabemos quanto ciúme e
insatisfação a distribuição de promoções e nomeações em um exército
cria. Qual razão há para pensar que a tarefa muito mais difícil de nomear
homens para seus empregos em um estado comunista será cumprida de
forma a dar melhor satisfação?

113
A verdade disso parece ter sido ilustrada na Rússia sob o governo Bol-
chevique.

198
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

Todas as reclamações serão contra um governo, que estará sem-


pre tomando inúmeras decisões que, com as melhores intenções, não
podem deixar de ser arbitrárias e frequentemente erradas. Este não é o
caminho para obter contentamento e trabalho voluntariamente assu-
mido.
Atualmente, um descontentamento justificado com as recompen-
sas desiguais que os homens recebem por seus trabalhos os faz procurar
um princípio de distribuição justa e uma organização da sociedade que
o coloque em prática. Seu desejo por isso os seduz a pensar que encon-
traram o princípio e, portanto, podem fazer todas as coisas para estabe-
lecer a organização. Mas se o caráter da justiça está sendo reivindicado
para um princípio ao qual não pertence, os esforços das pessoas pela
reforma provavelmente estarão equivocados.
Considerações parciais obterão uma influência muito maior do
que deveriam exercer e, muito provavelmente, serão desastrosas. Isso
talvez tenha acontecido no século passado, quando a “Escola de Man-
chester” estava no auge de sua influência. Os economistas corretamente
sustentavam que o valor de troca de uma coisa era seu poder de obter
tanto de outras coisas, e na prática, especialmente de dinheiro, em troca;
e, como o valor de troca do trabalho é fixado dessa maneira, eles pen-
saram que o sistema pelo qual o trabalhador recebia o valor de troca de
seu trabalho era um sistema correto.
A ideia de que isso era justo induziu homens bons, às vezes, a
apoiar o que, de outra forma, teriam condenado. Hoje, muitos erronea-
mente acreditam que o valor de uma coisa é criado por e proporcional-
mente ao trabalho gasto nela; e a ideia de que é justo que as pessoas
sejam remuneradas proporcionalmente ao seu trabalho leva-as a

199
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

condenar como injusto o que, de outra forma, estariam dispostos a acei-


tar e manter.
As pessoas anseiam por princípios simples para guiá-las nas com-
plexidades infinitas da vida, e quando pensam que encontraram um, fi-
cam impacientes com aqueles que o questionam. Mas, na realidade, não
há um princípio simples ou único pelo qual se possa determinar uma
distribuição de bens materiais que possa ser chamada de justa, ou esta-
belecer um salário justo.
Existem certos atos que podem ser chamados de injustos, quando
a parte que paga não fornece realmente o que se comprometeu a pagar
ou o que é exigido por lei, ou quando tira uma vantagem que, de acordo
com o costume geral do comércio ou negócios, ou o entendimento geral
prevalecente na comunidade, não deveria tirar. E quando estabelecer-
mos o que deveria ser, poderemos chamar de injustas as instituições que
conflitam com essa injustiça. Mas não é fácil estabelecer em detalhes o
que deveria ser.
Pois, economicamente, o valor não é criado pelo trabalho, e o tra-
balho não é, de forma alguma, de igual valor por tempos iguais; e mo-
ralmente, as horas de trabalho não são o único padrão pelo qual medir
o merecimento dos homens de bens materiais, assim como os bens ma-
teriais não são o único meio de medir o que merecem.
Porque dois homens trabalharam igualmente duro pelo mesmo
período, deveríamos aprovar um sistema em que ambos estão igual-
mente bem, se um é briguento, malicioso e cruel, e o outro faz todos ao
seu redor mais felizes? Certamente, se é uma questão de ética, o tempo
de trabalho é uma medida absurda para o direito dos homens ao bem-
estar material.

200
Um Pouco de Moralidade e uma Conclusão

É verdade que não podemos esperar desenvolver um sistema que


torne o bem-estar material proporcional ao merecimento das pessoas;
mas isso não é motivo para torná-lo proporcional à duração de seu tra-
balho. Mas um salário que não pode ser propriamente chamado de justo
ou injusto pode ser opressivo, ou maldoso, ou cruel; e um sistema pode
merecer essas reprovações pelos efeitos que produz e pelos motivos que
levam as pessoas, mesmo assim, a mantê-lo.
Nossa tarefa é desenvolver um sistema que previna, na maior me-
dida possível, os males dos quais sofremos. Mas a teoria do valor de
Marx não nos ajudará a fazer isso, e a doutrina do direito a todo o pro-
duto do trabalho não nos diz quem produz quanto. O princípio do salá-
rio digno aponta para um ideal melhor.
Ele não envolve a reivindicação de partes iguais de riqueza, nem
mesmo que deveríamos abolir completamente a classe economicamente
improdutiva (que de forma alguma é idêntica à socialmente prejudicial
ou inútil). Mas, exceto através do arriscado processo de tentativa, nem
sempre podemos saber qual salário é economicamente possível; e um
salário digno significa um que torna possível manter um certo padrão
de vida, e qual deve ser o padrão mínimo não é evidente por si só.
Podemos admirar o espírito que leva os grevistas a suportar sofri-
mento e vontade imediatos em prol da perspectiva de um padrão de vida
mais elevado; mas os efeitos posteriores do aumento do preço de seu
trabalho e sua repercussão sobre outros em todas as direções são obs-
curos e frequentemente tão prejudiciais para aqueles que não o mere-
cem quanto as causas dos problemas dos grevistas.
Se, diante de tudo isso, desejamos fazer do Estado nossa Provi-
dência, não nos iludamos pensando que ele certamente será mais sábio

201
A Teoria Marxista do Valor-Trabalho

do que os governos são agora, ou que terá alguma regra de justiça para
iluminar seu caminho. Ele terá que fazer o que parecer, para ele ou para
aqueles que o administram, mais desejável no todo, diante da oposição
de pessoas ainda dispostas a suportar os males da oposição presente em
prol de algo que consideram mais vantajoso ou mais justo, e sob a ori-
entação de um número de máximas, nenhuma delas absoluta, e todas
capazes de conflito entre si.
Tal conclusão pode desagradar, mas não adianta fingir que os fa-
tos são diferentes do que são.

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