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"LEISARNEY DE

TERRAS":
CONFLITOS FUNDIÁRIOSE
RESISTÈNCIA CAMPONESA
MARANHÃOCONTEMPORÂNEO NO
Roberval Amaral Neto'
O INÍCIODO CATIVEIRO DA TERRA NO
MARANHÃO
E quanto àexperiência
fomos levados a reexaminar todos
esses sistemas densos, complexos e
a vida familiar e social elaborados pelos quais
encontra realização e expressão
(THOMPSON, 1981, p.188).
A extrema violência social praticada contra os
trabalhadores rurais
tem sua raiz histórica na Lei de Terras de 1850, que criou o fundamento
daterra-mercadoria, onde énecessário o uso do dinheiro para possui-la.
Pode-se observar pelos desdobramentoseconômicos estruturais do sécu
lo XIX, como a passagem do trabalho escravo para o livre e a transição da
Monarquia para a República, que a implantação do trabalho livre assala
riado noBrasil se deu apartir de um direcionamentoconservador da eli
te brasileira,alocada noParlamento Imperial e orquestrada pelo partido
Conservador, sob aregência de Dom Pedro II, que visava a manutenção
privlegios da aristocracia brasileira; ocasionando, assim, a exclusão
dos
do escravo liberto. Portanto, a premissa do
trabalho era liberal, acompa
seus desdobramentos
nnando a tendência do capitalismo nascente, mas os
com Caio
Conservadores e autoritários. Nesse sentido, concordo
aln

Federal do Pará(UFPA).
1
Doutorando em História Social pela Universidade
pois "a grande propriedade, ea
Prado Júnior (2000. p. 75).
mercial em larga escala
progresso
(...]não sãoresponsáveis apenas
quantitativo da pequena propriedade" peloexsploobsracotánukst,
opostos ao mazelas sociaise econômicas mas um dos
elementos estruturais das do
brasileiro.
estado do Maranhão. assim como Orestante do
campesinat,
"O não fog:
àlógica da grande concentraçãofundiária. Latifúndio. grilagem. expuls Brasil.
de camponeses e superexploraçãode trabalhados
e assassinatos
verdadeiro filme de terror, sendo os camponeses
constitui o enredo de um
um dos sujeitos mais penalizados e injustiçados na sociedade brasilerz
piorados após a lei do
Esses conflitos agrários citados alhures, foram
de 1969, conhecida comels
tado do Maranhão N° 2.979 de 17 de junho
e especiíficos da guesr~
Sarney de Terras. Assim, os contornos próprios fund.
dos vetores aconcentracão
agrária maranhense, que tem Comoum
estruturantes deste artigo.
ária, constituen-se um dos elementos
éo resultado de encaminha
A manutenção histórica do latifúndio
elite brasileira, num contexto de
mentos econômicos conservadores da
proprietários rurais
lutas políticas polarizadas de um lado pelos grandes
Maranhão: e do outro, os
autoridades do
que contam com oapoio das
como a Comissão Pzs
camponeses brasileiros auxiliados por entidades
Rurais Sem Tera
toral da Terra (CPT), Movimento dos Trabalhadores
Comunidades Qu
(MST) emovimnentos sociais como o Movimento das Comunidades
lombolas do Maranhão (MOQUIBOM) e Teia dos Povos e
espa
Tradicionais do Maranhão (Teia); ambos em permanente luta por
ços, sendo que estes apenas lutam por direitos constitucionais e jus
de classe.
social, enquanto aqueles lutam para manter seus privilégios
área
Dessa forma, mesmo o Maranhão possuindo uma
331.937,450 km', sendo o oitavo estado brasileiro e o segundo do Nordes mot-
te em extensão territorial, a cobiça por um dos elementos
terras é quantidade
vadores da elite maranhense; pois, apesar de possuir grande
e des
2 Acitação apresentada foi
extraida do texto A questão fundiáia no Maranh£o:implc.ações
mim,Roberval
dobrarnentos da "Lei Sarney de Terras" na década de 1970", .página 03,enviado por julhode
Amaral Neto, para publicação no XXIX Simpósio de realizado em
2017 em História da ANPUH,
Brasílla. Entretanto, o texto em questão foi publicado pela
3 Por questões ANPUH Se a porLeide
metodológicas,
Terras do Maranhão e/ou Lei de
a partir deste momento, irei me referi a essa lei apenas
Terras.

74
de terras agricultáveis, os conflitos fundiários envolvendo camponeses e
latifundiários é uma das marcas profundas da sua história.

Mesmo comtodo poder econômico e político nas mãos, os em


presáriosrurais vÁm enfrentando resistências dos trabalhadores, mesmo
que muitos estejam próximos e/ou dentro de áreas urbanas. Percebe-se
que as medidas impositivas das elites visam a exploração e dominação
das classes subalternas, pois segundo Gramsci "os grupos subalternos so-
frem sempre ainiciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebe
hs einsurgem: só a vitória permanente' rompe, e não imediatamente,
asubordinação` (2002, p. 135). A experiência histórica dos trabalhadores
nospermite ver que "na realidade, mesmo quando parecem vitoriosos, os
grupos.subalternos estão apenas em estado de defesa, sob alerta" (Tbid., p.
135) permanente, visto que as elites Ihes impöem, em muitos momentos,
omedo e ameaças inerentes à luta de classes.
Visando encontrar respostas aos meus questionamentos, este en
saio procura compreender as implicaçöes sociais e políticas da suposta
modernização do setor agrário maranhense, através da Lei de Terras,
nas décadas de 1970 e 1980. Embora esta análise abarque duas décadas, a
compreensão deste fenômeno se estende até aos dias atuais para melhor
se entender a nova face dos movimentos sociais no campo e, para tal,
parte-se da seguinte problematização: Qual a origem da Lei de Terras do
Maranhão? Quais as estratégias e táticas dos trabalhadores rurais do esta
do para resistir às profundas transformações trazidas pela Leide Terras?
Bem, a Lei do estado do Maranhão N° 2.979, de 17 de julhode 1969,
Dispõe sobre as terras do domínio do Estado e dáoutras providênciase
1O1 criada com a seguintejustificativa: disciplinar, sistematizar e racionali
Zar as terras públicas do Maranhão, promnover desenvolvimento econômi
Oe social eservir de atração aos grandes grupos empresarias do Brasil.
Qu seja, segundo o governador José Sarney ela era a única solução para
modernizar oMaranhão.
4
A"Det
táicaermi nada pela ausência de poder, atática é a arte do fraco, por isso as opera golpe por golpe.
tem que utilizar, vigilante, as falhas que conjunturas particulares abrindo vigi-
vão na
lância do poder proprietário. Vai caçar, cria, ali, surpresas,
as
consegue estar onde ninguém espera; é
astúcia"
SLei (CERTEAU, 1994,
N° 2.968 de 17de p.101).
iunho de 1969.p. 01.
75
algumas Curnosidades na
Onsul importante
Terras fo evidéna
his,
bomoga1969da
|969, mas so loi puble pel
dezembro de ada n
da Lei de Terras Por que
que
dombpo públco estadual | \, seráassegurada enlatiza
Pose ehleque nàn mpote alomaåo: de latifúndio, regularizandn
ojtenta) dias a contar da
a mC)a
denwo de 180 (uento e
lor que este artigo da.alei foi
vijogado
géncianadesa
Negto meu) lata
Je dhd.p 04 aranhenses?
ixopelas autotdades
o
primeioquanto no segundo exemplo citado alhures.
Tanto no Lei de Terras: No
que cercam a primeiro
aprescntadas incongruências esperou ate o ültimo momento n
que Sarney
caso, a nhahipótese é governo cinco meses após a valida.
saju do
publcála no D0/MA, pois seu sucessor a implantacão a
juridica deixando para o
(ao legal da peça 45° da lei mostra-se contraditório, pos
o artigo
mesma No segundo caso, municípios de Santa Luzia do Tide
camponeses dos
oquc se viuloram sendo expulsos e mortos por pistoleiros
epo
Pndaré Mirim e Açailândia
conflitos de terra nas décadas seguintes. Este e outros
lhiais miitaresnOs legalidade imoral" através das
na "vala da
artigos da lei foram jogados amesma foi adquirindo
ao longo
reinterpretações e jurisprudências que
da décadade 1970. homens e mulheres do
de vida e luta desses
Ao persCrutar omodo perspectiva
crítico-dialética.
modelo indiciário', numa
campo, optei pelo teóricos da história social da cultura. A5
principais
sob a abordagem dos partir do binÓmio articulado teoraP
constrói a
sin, a práxis da pesquisase(THOMPSON, 1987), pois como assevera
E.
o cOntrário
prática e não
comparel
historiador é doente. E.
prolicua asseriva do historiador Carlo Ginzburg: "...lo cada
6 Cito aqui a mal específico de o
Nesse sentdo,
quadros nOSográficos para analisar o
ao médico, que utiliza os histórico éindireto, indiciário, conjectural". necessita
omo o do mdico, o Conhecimento isto é, "L..JJ dos
anatomia,
apresenta a mesma característica da tormas
haber historiográfico tanbém lóbulos das orelhas, as unhas, as
negligenciáveis |...J os
CXamina Os pormenores mais
p. 157, 154). metodologicamen
dedos dab máos cdos pés" (GINZBURG, 1989. também, e
teórica THOMPSON (1981)
quais fundamentam,
7Cto aqui duas mportantes obras, as erros", de E. P.
teorta ou um planetário de
Ie este aigo, a baber "A misérla da
Oapital riicada eConomia poliuca livro ", de Karl Marx (2005).

76
Thompson (1981) o que move todas as categorias, instâncias e instituições
( a luta de classe, ouseja, o seu resultado se manifesta de diferentes ma
neiras epodem aparecer, também,como histórias distintas, destaque para
a micro-história onde atotalidade é articulada com suas partes.

A EMERGÊNCIA DA LEI DE TERRAS


Teve realmente necessidade de o Maranhão aprovar a Lei de Terras
em 1969? Esta foi realmente imprescindível para a modernização do esta
do| Pode-se iniciar esse processo de compreensão da problemática mara
nhense a partir de duas outras perguntas: Tal emergência da lei justificao
total desmantelanmento da vida campesina? e: Caso fosse realmente neces
sária, quem se beneficiou com as mudanças?
Esclarecer esse problema não é fácil, pois as evidências são frag
mentárias,o que dificulta a análise do fenômenoem sua totalidade. Para
começar, vou revisitar a campanha de 1965 para governador de estado,
em que José Sarney foi eleito governador do Maranhão (a gestão vai de
31/01/1966 a 14/05/1970). Isso nos permite observar as forças políticas
responsáveis por sua vitória e, para tal, recorro aanálise de Wagner Cabral
(2002), o qual assevera que "A vitória das Oposições somente foi possível
porque contou com o apoi0 decisivo da ditadura militar, que se instalara
no Brasil em 1964 para reprimir as mobilizações sindicais e populares"
(COSTA, 2002, p. 13).
No Maranhão a oligarquia Sarney, que cresceu e se fortaleceu à
sombra dos militares, foi escolhida pela ditadura para implantar o seu
projeto de modernização conservadora da Amazônia através da agrope
Cuaria. Ou seja, o novo governo promoveu a incorporação do Maranhão
ao projeto autoritário, excludente e repressor do regime militar que optou
mo
pelo modelo de grande propriedade rural como elemento central da
dernização da Amazônia, Isso "significou ainda uma maior abertura ao
Processo de expansão do capitalismo monopolista na Amazônia, o qual
aprofundouas desigualdades sociais, acelerou o processo de concentração
Tundiária" (Tbid., p. 14). Dessa forma, a violência, a grilageme aexpulsão
maldades dis
dostrabalhadores de suas terras fizeram parte do pacote de
sua traje
tibuido pelos governos da oligarquia maranhense ao longo de
tória no poder.
77
sujeitos políticos que
Aheterogeneidade dos jovens intelectuais participavam
regra: da carm
panha de José Sarney era uma políticos com mandatos
fazendeiros, e pequenoS
e
gan
agricultores, etc. Do lado oposto, sem
des comerciantes,
pequenos e grandes
Bello, ambos estavam OS mandatre
didatos Costa Rodrigues e
Newton
política
apoiados Can-
pelo govern,
importante figura do
do estado e pela nmais Maranhão
Vitorino Freire.Acusações de fraudes, naquele
periodo, osenador
compra de votos, troca de
favores, listas de eleitores
ir egulaetc.ridades
entoadas pelos dois grupos políticos; todavia, Sarneyfantasmas,
tinha algo novoforamque
politico irrestrito dos militavs ue
o outro lado não possuía: o apoio
talados no poder através do golpe civil-militar de 1964, oqual foi decisivo,
1965.
para a sua vitória em
MARANHÃO
AHEGEMONIA SARNEY NO
Como demonstrado alhures, o grupo Sarney chega e se Consolida
Sarney ascende
no poder àsombrados governos militares. Daí em diante
hegemonicamente no cenáriopolítico maranhense, sempre apoiando in:
Condicionalmente todos os governos militares. A partir desse momento.
executar seu projeto político-eco
Ogrupo que chegou ao poder começa a
nômico para o estado.
José Sarney
Assim, para modernizar o setor agrário do Maranhão,
Não serão aliena
criou a Lei N° 2.979/69. Esta traz em seu Art. 14° -
arta
das nemn concedidas terras aquemn for proprietário no Estado, cuja
utlizadas Com
Ou áreas de sua posse ou domínio não sejam devidamente
explorações de natureza agropecuária, extrativa ou industrial"Ou seja
de
poderiam
"L...] Amentalidade dessa lei era dizer que sÑ os capitalistas rudimentar
senvolver o Estado, pois o lavrador maranhense é atrasado e
lavrador deve
Éa mentalidade de que aempresa deve ocupar a terra, eo Ter-
a Lei de
ser o peão [...]" (ASSELIN, 1982, p. 149). Nos anos seguintes
riquezas
ras foi mantida eampliada, visando unicamente entregar as
estado aqueles que eram considerados os emissários do progressohomo
Sua
modernidade capitalista: os empresários rurais. E logo apos disciplinare
logação, foram criadas as Delegacias de Terras, objetivando

8 Lei N° 2968 de 17 de junho de 1969. p. 01.

78
organizar a ocupação das terras livres do Maranhão etitular áreas reser-
vadas àcolonização.
Aimensa maioria das terras devolutas do estado foram destinadas
aos grupOS empresariais que formaram grandes latifúndios, o que levou
milhares de maranhenses a migrarem para outros estados", motivados
pelosconflitos fundiários nas décadas de 1970 e 1980.
Nesse contexto, Os 90.000 km de terras devolutas da Amazônia
oranhense e 100.000 km de terras livres de outras regiões do estado
AI MEIDA; MOURAO, 1976) eram vistas pela classe dominante como a
solucãopara modernizar o setor agrário e deveriam funcionar como polo
de atração aos grupos empresariais nacionais que alavancariam a econo
mia doestado a partir do setor agrário. Assim, "...]incorporar as terras
lheres do Maranhão ao modelo de propriedade da sociedade capitalista
tornou-se uma tareta urgente e pioritaria a ser executada pelo governo,
a nartir da década de 1960" (ASSELIN, 1982, p. 23)visando a expansão do
capital agrário no estado.
A questão descrita em linhas anteriores casa perfeitamente com a
análise de Karl Marx (2001) a respeito da acumulação primitiva de capi
tais, poisoprogresso do "século XVIII consisteem ter tornadoa própria
lei veículo do roubo das terras pertencentes ao povo, embora os grandes
arrendatários empregassem simultânea eindependentemente seus peque
nos métodos particulares" (MARX, 2001, p. 838). Assim, o roubo assume
a forma legislativa que lhe dão as "leis relativas ao cercamento das terras
comuns, ou melhor, os decretos com que os senhores das terras se presen
Lelam com os berns que pertencem ao povo, tornando-os sua propriedade
particular, decretos de expropriação do povo" (Tbid.).
Na década de 1970, a mesorregiäo oeste'l maranhense, composta
Na concepção do Direito Positivo, as terras não tituladas estavam vazias. Esse tipo de Direito
oconsegue perceber a dinâmica social e cultural das populações camponesas, muito menos os
marcadores que definem fronteiras e linhas de ocupação do espaço geogranco.
origináios
Jundo o governo do Estado do Maranhão em 1975, havia cerca de cem mil peões
dO estado trabalhando nas fazendas da Amazônia (MARTINS, 2009, p. 77).
do
esOrregião do oeste Maranhense é uma das cinco mesorregiões do estado brasileiro
atanhao. Eformada pela uni·o de 52 municipios agrupados em três microrregiöes. Atualmente,
87.042 km²; População: 1.361.681
apresenta os seguintes dados geográficos e econômicos: "Área:limítrofes:
hab.; PIB per Centro Maranhense, Sul
capita: RS 2.408,96" (IBGE, 2010). Mesorregiões
Sudeste Paraense (PA), Ocidental do
Maranhernse, Norte Maranhense, Nordeste Paraense (PA),
79
pelas microrregiões Gurupi, Pindaré eImperatriz, foi
conflitos fundiáriOs, numa cmpreitada sem tréguase dos grandes
camponescs. Tais
tários rurais contra os regiõcs tornaram
aos
dos conflitos devido, principalmente, fluxos migratórios de
estado, bem como de
ses expulsos de outras regiõesdo
outras recgóesarnpn d,
Nordeste devido aquestões climáticas, Sociais e econômicas.
do Maranhão criou vários projetos de colonização, objetivando asSertar
milhares de famílias camponesas na região centro-oeste do
bando parte dos municípios de Grajaú, Lago da Pedra,
estado, engr,
Pindaré-Mirim, Santa Luzia, Amarante do Maranhão e Barra do
Vitorino Freire
deles nn Corda
como era previsto pela Lei de Terras, porém a maioria
do papel.
cee
Grandes empresas, mediante anúncios de terras baratíssimas
com.
concorrência poblica e sem leiãoe financiadas por bancos estatais,
grupos empres.
praram grande parte das terras do Maranhão. Alguns
hectares, organizaram
riais, objetivando comprar maior quantidade de
propriedades de até 100 mi
várias empresas de fachada para conseguir Lei
completada pela
hectares. Logo, ainstitucionalização da grilagem promoveu, dentre
Federal N° 6.383 /76,Lei das Ações Discriminatórias
ruralde famíilias camponesas que nao
outras questões, um imenso êxodo
posses, devido principalmente
Conseguiram permanecer nas suas antigas administrativos, editais ep0r
jurídicos e
aonão cumprimento dos prazos
disciplinadas por essa peça jurídica que concedia certos direitos a0s
tarias
posseiros.
de exclusão docampons
Visando acelerar ainda mais esse processo atravésdaLei N°
dezembro de 1971,
Ogoverno do estado criouem 06 de (COMARCO) que
ime-

3.230, a Companhia Maranhense de Colonização devolutaslocalizadas


diatamente incorporou 1.700.000 hectares de terras
dos atuais municipios
na Amazônia maranhense e que englobava parte
SantaLuziae
de Grajaú, Lago da Pedra, Vitorino Freire, Pindaré-Mirim,
deMaracaçume
Amarante; e mais ainda 400.000hectares dos municípios elites.
e Turiaçu destinados aimplementar o projeto agrário das
iníciodosé
OMaranhão, assim como a Inglaterra hanoveriana do

Tocantins (TO).
80
culoXVIll. passou por um duro processo de mudança no regime de pro-
priedade, devido aos interesses econômicos e políticos de uma minoria
privilegiada detentora de poder. Nesse sentido, E.P Thompson assevera
ae "Nesse contexto. podemos ver a aprovaçãoda LeiNegra como uma
severa medida dos negócios do Governo, servindo acima de tudo ao inte-
rCSse dos seus próprios defensores mais próximos" (THOMPSON, 1987,
p.281)'2 Isso representou "um passo a mais na ascensão dos duros Whigs
hanoverianos, eem particular na carreira pessoal de Walpole. Dessa for
ma. oque vemos ésua evolução contingente"(bid.). Mas, tal peça juridica
não seria possível "sem um consenso anterior sobre os valores da proprie-
dade na mente de toda a classe dirigente. Como observou Radzinowicz,
aaprovação da Lei Negra coincidiucom a ascendência da doutrina da re
ribuiçãocrua e indiscriminada"(Ibid.). Com ou semoPrimeiro-Ministro
Walpole, a Lei Negra foi constantemente renovada e ampliada, tantoa
nivel legislativo quanto juridico.
E no Maranhão após a homologação da Lei de Terras, foi criada a
burocracia administrativa para executar os principais pontos dessa peça
juridica. Assim, além da COMARCO foram criados os seguintes órgãos:
em 1972, a Companhia de Colonização do Nordeste (COLONE); alguns
anos depois, em abril de 1979, aCompanhia de Terras do Maranho (Co
TERMA); em 1980, oInstituto de Terras do Maranhão (ITERMA) e o
Grupo Executivo de Terras do Araguaiae Tocantins (GETAT), os quais
complementariam o trabalho do INCRA no Maranhão (ASSELIN, op.
cit., p. 135), colocando, dessa forma, milhares de trabalhadores rurais na
rota da concentração fundiária, grilagem e marginalizaço social. Dos
1.700.000 hectares administrados pela COMARCO 300.000 seriam desti
nados àdez mil familias camponesas e o restante seria vendido às grandes
empresas, que deveriam modernizaro setor agrário utilizando, para isso,
mão de obra barata de milhares de trabalhadores rurais sem-terra.
Se fizermos uma comparação de temporalidades distintas, obser
Va-se que os impactos sociais que resultaram da Lei Negra, da Revolução
Industrial e da Lei de Terras do Maranhão "não transformou sÏ a cidade
eNegra toi aprovada na Câmara dos Comuns,em maio de 1723, sob o pretexto de com
bater os Negros (receberam esse nome por causa das máscaras efuligem que usavam no rosto)
mentalidade de
h r a s e parques reais. Todavia, os motivos foram outros associados ànova
POpiedade capitalista que iniciara com a consolidação do capitalismo.

81
bascaram numcapitalismo agrário
eo
campo: elasse
vovido" (WILLIAMS,
aprofundando outros já
1980, p. 12),
gerando
novos conflitos
existentes; ou seja, classe
a de altamente ladten
mesmotempo sendo moldada e moldando o sistema capitalista, que
formaavassaladora transformou campo e cidade. Tanto no Maranhän d,
Inglaterra do século XVIlI, OS
século quanto na camponeses foranm
XX e excluídos, mas não aceitaram passivarmente tais manobr
perseguidos
da elite dominante.

Lána Inglaterra, "em 1721. tentaramn


um
procedimento jurdir,
processando os ladrões de cerVOS no Tribunal da Pa
novo eincomum, investida
essas medidas sucessivas, seguindo-se à Contra oS
zenda. Mas (THOMPSON,
COstunes florestais nos
tribunais respectivos" 1989, p. 735
solidariedade aos habitantes da
proporcionaram grande união e loresta
Majestade o Rei Jorge I. o de
autoridades de Sua
descontentes com as estimulou a formacão de socied
floretas
contentamento dos povos das
levando ao "roubo isolado e independente de cer.
des e grupos secretos, numerosos cúmplices disfarçados acavalos.
VOS a ceder lugar a
ataques de
autoridade dos funcionários florestais se esfacelou à
Em consequência, a
sua volta" (bid.).
década de 1970, contrários ao poder do captal
Jáno Maranhão na incondicional dos militares,um
que se instalava no camp0
com o apoio das florestas
do

Camponeses mais entoados no Brasil veio


dos cânticos Vila Nova: "O risCo qu
criado pelo camponês
oeste maranhense efoi que temer/ Aquele que e
machado/ Não há o Colchete
corre o pau, corre o Op. cit., p.
195.
da matar/ Também pode morrer" (ASSELIN, trabalhadoresrurais
meu). Esse cântico, segundo Stedile (2005), inspirou do campoa
cot-

do Brasil inteiro, Oxigenou a luta de homense


mulheres formação
a
contribuiu para décadase-
quistarem osonho do "pedacinho de terra" e na
Rurais Sem Terra(MST)
do Movimento dos Trabalhadores
guinte. Sangrento
daquele
Nas palavras de Victor Asselin (1982), "ao longo foramregis
processo político [o ano era 1985], somando os dois lados, (ASSELIN
trados pelo menos, 54 mortes: 26 lavradores e 28 pistoleiros' Tidee do
1982, p. 196). Acrescenta, ainda, que na região de SantaLuzia do

82
o descontrole ea convulsão social foram de tal ordem que houve
Pindaré"o
episódio onde um lavrador foii preso e o povo invadiu a delegacia, que-
um
broutudo etirou o preso de lá. Opróprio Vila Nova sofreu três atentados"
vida.
Tbid.)contrasua
Nesse contexto, os trabalhadores rurais criaram a nível estadual a
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Esta-
Maranhão (FETAEMA)" objetivando expandiro movimento sindi-
do do
cal no estado. Desde então ela se destaca nos debates, em nível estadual
e nacional, sobre temas de interesse do campesinato: agricultura familiar,
previdênciasocial, trabalhador assalariado rural, conflitos agrários, etc.
Como forma de prejudicar Os camponeses e favorecer os empresá
dos os editais da COMARCOdestinados aos posseiros eram divulgados
em iornais de São Luís e/ou afixados nos murais da sede da empresa, o
que levou milhares de camponesas a perderem os prazos legais para a
compra de suas posses; Ou seja, ela criou um ardil meticuloso com uma
única finalidade: expulsar os trabalhadores de suas terras e vendê-las aos
grupos econômicos. Assim, contraditoriamente, a Lei de Terras aduz que:
"Não serão alienadas nem concedidas terras a quem for proprietário rural
no Estado, cuja área ou áreas de sua posse ou domínio não sejam devi
damente utilizadas com explorações de natureza agropecuáia, extrativa
beneficiava
ou industrial"1", Pelo exposto, percebe-se que a letra fria da lei
necessário aos
apenas os proprietáriosrurais detentores de grande capital,
nvestimentos principalmente de natureza agropecuária. E quando a lei
jurisprudência
não beneficiava as elites, a justiça se encarregava de criar a
necessária aos seus interesses.
do capitalismo no
No intuito de melhor compreender o avanço
trabalhadores, taz-se
Maranhão e, consequentemente, a expropriação dos elemen
maranhense e inglesa buscando
uina analogia entre as realidades
tos comuns que ajude compreender a progressiva mudança no regime
capitalista. Pois, se-
de
propriedade comunal para a propriedade privadada autoridade, e não
deslocamento
gundo E.PThompson (1987) foi "o constituía uma enmergência aos
Oantigo delito de roubo de cervos, que
ago.
<htto://fetaema.org/sobre-nos>, Acessoem: 21de
2019rElAEMA. Disponível em:
Art. 14, p. 01.
14 dezembro de 1969. Caput. III,
MARANHÃO, Lei N° 22.969, de 10 de

83
olhos do Governo'" (THOMPSON, 1987. p. 246) que
de leis contra o direito paternalista. Esse
Lei Negra em 1723, sendo os maiores fenômenooslevou a
que acabaram com os direitos costumeiros beneficiadosdos Whigs
e criaram o
ainsurgência de movimentos sindicais e socias
trabalhadornoMes
moderno regime de propriedade capitalista
E
expansão capitalista na Amazônia. constituiam
Assim como aconteceu na Inglaterra
georgiana, guardando,
as singularidades temporais eespaciais, o Maranhão foi
pela aprovação da Lei de Terras. De um ano para outro.
res. quilombolas, ribeirinhose indigenas tiveram suas
meiro vendidas de forma fraudulenta einvadidas por
posseirs
terras de e

A grilagem no Maranhão reduziu os 300 mil fazendeiros.


hectares
à reforma agrária para cerca de 150 mil levando,
res rumo ao
assim, OS dess
abismo social. Para completar a estratégia de traba,
camponës, os recursos financeiros da COMARCO foram zbandono z,
diferentes secretarias de governo, com o objetivo de formar aloczds
contingente de peões e oferecer mão de obra barata para os latifundi
Segundo Victor Asselin (2009), uma das maiores grlagens do
do ocorreu na microrregião de Pindaré. Ochamado grilo da Fazenda Pe
daré foi uma ação criminosa que evidencia os conflitos mortais da la
pela terra. Adimensão da grlagem foi tão extensa que até nos tias zruas
não deixa de causar surpresas pela grande quantidade de terras tomt
dos posseiros e indigenas que viviam naquela região. "Existem v
declarações de propriedades, todas da mesma Fazenda Pindaré. eoa
cadastradas no INCRA. Descobrimos sete declarações prinapas
distintas uma das outras, porém todas da Fazenda Pindaré ( ?
As dimensões da ditafazenda são a seguinte: 1) "73 mil alqueires 00h
g
tricos 353.320 hectares; 2) 350 mil alqueires geométricos -- 1..694
3) 3.518.320 hectares; 4) 242 mil hectares; 5) 125 mil hectares,
imóvel (sic); 7) uma faixa de terras na Açailândia- Santa Luzia
Dessa forma, "Não hádúvida de que a grilagem inha
de aproPnação de todas as terras ainda não incorporadas ao sistemna
nio
tes0
talista e que, até aquele momento, eram terras de trabalho en

84
ncgócio
",(Ihid). Mas, ocapital que pretendia se alojar na Amazónia nã
qucria
saber disso, visava apenas aincorporação das prosses carnponesas
instalação de unidades agropecuárias e cxtrativas ou
sCja
para sirnples
cspeculação fundiária.
mente para
Nas palavras de Karl Marx (2001, p. 827) a acumulação prirnitiva
de capitais desempenha na economia política um papel análogo ao do
pecadooiginal na teologia. Adão mordeu a maçã e, por isso, o pecado
contaminou alhumanidade inteira".Tomoemprestada esta
metáfora para
explicar oprocesso de acumulação de capitais através da Lei de Terras do
Maranhão.

Deloexposto percebe-se que a Lei de Terras foi um importante ele


mento utilizado por Jose Sarney para obter apoio político e eleitoral ne
cessários àperpetuação da oligarquia Sarney,
A LUTA CAMPONESA PELA TERRA

Em meados da década de 1970 surge duas grandes lideranças cam


ponesas: Vla Nova e Manoel da Conceição. Oprimeiro jáera uma figura
conhecida no Maranhão, mas ascende como um grande líder. Jáosegun
do era ligado ao CENTRU (Centro de Educação e Cultura do Trabalhador
Rural), uma organizaço que, segundo ele, "atuava naquela conjuntura
com oobjetivo de tomar os sindicatos das mãos dos pelegos eorganizar a
luta pela terra. O CENTRUfoia instituição onde os lavradores se encon
travam para refletir juntos e plarnejar sua ação" contra a grilagem.
Ainda na década de 1970 écriada a Comissão Pastoral da Terra
(CPT), tendo como princípio religioso a Teologia da Libertação. Deste
então,associou o seutrabalho às já existentes organizações camponesas,
aSsessorando os trabalhadores rurais na criação elou ampliação dos mo
vimentOS sociais; constituindo-se, assim, uma importante instituição na
defesa dos trabalhadores.
Segundo Clemens (1987) no auge dos conflitos pela terra no Mara
nhão, muitos camponeses foram queimados vivos dentro de suas casas,
15 Hegemonia para Gramsci é o conjunto das funções de dominio e direção exercido por uma
classe social dominante, no decurso de um periodo, sobre outra classe social eaté sobre oconjunto
disSes da sociedade. Ahegemonia é composta de duas funções: função de domínio e função de
direção intelectual emoral, ou função própria de hegemonia (MOCHCOVITCH, 1992).
85
dos
por pistolciros a nando fazendeiros e/ou
nhensc. Outra práica de cxtrema violência grileiros do
praticada Contra OS
de Santa Luza do Tide era a de jogar sementes de oesie mar
Braquiuátrilaz,mapdraoenSjuuiaznlimssi\teunrj
te oude aviào. juntoàplantaçâo de arroz para Ihes causar
a pistolagem c outros métodos de violência foram
pública, cOntando inchusive com oapoio do Estado através de de
que se cmpenhavam em garantir que aleifosse
cumprida.
irna
Fssas relaçõcs são complexas e envolvem
violência. resisténcia, negociação, conformação, exploeração,
etc., não domina r ape
nas um único polo; ao contrário são cheias de
lacunas, posSuern
zonas
variadas formas de atuação política. Nesse tocante concordo 0pacas
com Moraes
Silva (2004). pois "às relações de dominação, torna-se evidente
não são estáticas. Na verdade, essas relações são que elas
conflituosas e
tórias. Não existe um polo dominador e outro extremamente contradi-
(MORAES SILVA, 2004, p. 57). Ou seja, "Ainda que o poder seja assimk. dominado
trico, [...] ainda que os donminantes tenham uma dose maior de poder, os
dominados conseguem reter uma fatia desse poder" (Tbid.).
Logo, "Essa dinâmica contraditória engendra as mais diferentes es:
tratégias de recusa por parte dos dominados. Muitas delas ocorrem nos
microespaços, outrassão silenciosas (Tbid.). As ações de resistências dos
camponeses foram sendo moldadas no tempo ao sabor das contingências
mantendo algumas, criando e adaptando outras de acordo com o momen
to da luta.

No município de Santa Luzia do Tide, uma das táticas dos posse


ros era cortar ou queimar durante a noite as cercas de arame tarpao ue
terras desapropriadas e ocupadas por latifundiários ou, ainda, quema a
um
achas de madeira antes de fixá-las no chão. Tais exemplos ilustram
t lutame
pouco do cotidiano desses trabalhadores que vivem, sonham,
zem opções que moldam e definem suas vidas.
campo-
O mais impressionante éque em nome da modernização, E"osdi-
neses foram violentados, assassinados e expulsos de suasterras. aum
relações sâo elevadosbelo:
versos tipos alteridades que compõemessas
de mais
tem de
nivel mortal, perdendo de forma irracional aquilo que SangrentOs,
a diferença" (AMARAL NETO, 2016, 1p. 174). Esses conflitos

86
vidos em n0me da propriedade capitalista, vêm de longa data e re
do século XVII; ou seja,
montann à Europa constata-se que OS mesmos
proccssos de expropriação de trabalhadores ingleses foram observados no
Maranho nasegunda metade doséculo XX.
Ao fazer tal constatação, pretendo evidenciar que, mesmo distantes
no tenmpo e no espaço, trabalhadores ingleses e maranhenses foramn ex-
proprados pelo capitalismo. Dessa forma, os cercamentos e o fim do di
reito paternalista assim como a grilagem, a violência e ofim do direito de
posse dos camponeses são fenômenos historicamente assimétricos, mas
constituem efazem parte da longa marcha de avanço do capitalismo, seja
nas áreas politicamente centrais ou periféricas do mundo.

Outro momento importante da resistência camponesa no Brasil foi


1° Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na cidade de
Cascavel (PR), comoobjetivo de fundar oMovimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), que desde então estápresente em todos os esta
dos brasileiros e se tornou, a nível nacional, o mais importante movimen
to social que luta pela reforma agrária.
Em 1995, as trabalhadoras rurais maranhenses organizaram, con
Movimento
juntamente com os estados do Pará, Piauí e Tocantins, o
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), comoreação
que há
ao latifúndio e na busca por alternativas de sobrevivÁncia, visto
para
décadas estas mnulheres extraem amêndoas de coco babaçu, tanto
pro
Complementar a alimentação de sua família quanto para a venda do
fonte de renda, identidade
duto in natura, sendo esta atividade a principal
e resistência das quebradeiras de babaçu.
babaçuais ganhou
A discussão política acerca do acesso livre aos
município maranhense Lago do
1orça em 1997, quando foi aprovada no
ano, o MIQCB em Par
Junco a Lei do Babacu Livre. Ainda no nmesmo
ceria com o deputado federal Domingos Dutra
(PT/MA) apresentou ao
Babaçu
Federal N° 231/2007 (Lei do
Ongresso Nacional o Projeto de Lei
conceder o direito de livre trânsito aos babaçuais e o não
Livre), "visando às quebradeiras de
rurais" (Ibid., p. 188)
assédio moral dos proprietários Segundo Amaral
encontra-se parado no Congresso.
CocO, mas o mesmo nenhuma lei federal que ampare
as
existe atualmente
eo (2016) "Não

87
quebradeiras de coco babaçu, ficando à
cargo dos
bitrar sobre o'coco preso ou coco livre'
através de municipiose
coco são legislação esadiS
(Ibid.). Por isso, "muitas quebradeiras de
donos dosobrigadas a
de meeiras e vender asua produção aos
ciantes de babaçu` (bid.).
babaçuai s tr abesap
le
hch
ara
e
Os embates pela terra fizeranm as
se aglutinaram em volta da Associação comunidades
das
elo u C
negras maranhe'
om
Quilombolas (ACONERUQ). movimnento social Comunidades
e conquista dos direitos quilombolas. A pioneiro naNegras ura
ACONERUQ
enquanto representação quilombola, "associada tem suaorganizar
ção do movimento negro no Maranhão a partir da processo deforTmar
ao
surgimento do CCN/MA". (SOUSA, BLOG década de organiD:
KADILA 1970, com.,
DA
teve
TRANSUMÂNCIA, 2017). Apartir da sua formacão
início estudos e pesquisas de comunidades
os e
quilombolas,
-OBSERVATÓRI
consolidac~,
por pesquisadores e militantes ligados às
comunidades;
destacam os estudos antropológicos realizados nas décadas
,realizados
entre oS quais se
sob a influência de Maria
1970 t
Raimunda Araújo (ou Mundinha Araúio coms
muitos a denominam). "Tal iniciativa
consistia na documentacão de ma.
mórias do pós-escravidão, formas de posse da terra,
turais e religiosas no interior do estado, em meio às manifestações cu.
comunidades ruras
principalmente" (bid. ).
O referido projeto foi
apresentado ao CCN/ MA como ponto dt
partida para olevantamento de material antropológico das comunidades
quilombolas. Todavia, devido àfalta de recursos financeiros para custea
as pesquisas e estudos não houve continuidade sistemática, mas apena
um arremedo de execução do projeto, por meio de trabalhos voluntint
ea tentativa de organização de dados empíricos a partir de vis1tas a
madas comunidades negras, precarizando-o sobremaneita.
Dessa forma, a movimento neg
ACONERUQ foi concebida pelo era
maranhense como portadora de uma pauta social legítima, pois
derada Por representantes das próprias comunidade quilombolas."Nesedk
efetivação
sentido, a ACONERUQ teve para
articulação fundiários, prt
importante
garantias territoriais" (Ibid.) junto aos diferentes órgãos (ITERMA
cipalmente ao Instituto de
Colonização e Terras do Maranhão

88
Nacional de Agrária (INCRA), ambos
Colonização e Reforma
eInstituto
responsáveis pelas titulações de territórios quilombolas em nível federal e
estadual.

O ano de 2002 trouxe profundos abalos àACONERUQ, pois come


çam a OCOrrer os primeiros problemas relativos à prestação de contas da
entidade, bem como suspcitas de desvio de verbas e danos ao Erário Pú-
hico por partede seusgestores."Nesse sentido, comoparte do processo
de mobilizaço das comunidades quilombolas, surge no primeiro semes
tre de 2011, com protestos em São Luís, um novo movimento quilombola
maranhense que se autodenomina MOQUIBOM" (Ibid.).
OMovimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM), diferen
temente da ACONERUQ tem primado pela reivindicação do território
comoponto primordial para reprodução socioeconômica e cultural das
comunidades. Enquanto outras entidades negociam como poder público
a inserção em programas vinculados às políticas assistenciais, "o diferen
cial do MOQUIBOM éa luta pela terra, ou melhor, pela titulação de seus
territórios" (FURTADO, 2012, p. 269). Com o lema "Território Quilom
bola Livre, Já!" ele vem se constituindo, desde a década de 2000, como o
principal movimentoquilombola do estado.
E, mais recentemente no Maranhão, os movimentos sociais forma
ram em 2013, a Teia dos Povose Comunidades Tradicionais do Maranhão,
com o objetivo de discutir e articular demandas comuns às diversas popu
lações tradicionais do estado, entre camponeses, quilombolas, indígenas,
pescadores e quebradeiras de coco. A Teial, como muitos militantes o
chamam carinhosamente, épioneiro no Brasil e, por meio de seus emba
tes, vem demonstrando oquanto épredatório o modelo de desenvolvi
mentocapitalista imposto aos territórios étnicos. Sem uma pauta única,
a1aloga com todos os movimentos sociais do estado, apresentando uma
deresa ampla do direito ao acesso e permanência dos trabalhadores na
ld nesmo que, em muitos momentos,
contra a vontade de autoridades

forte e sugestivo.Teia" de tecido,


10 A Tela dos Povos e Comunidades Tradicionais é um nome
comunidades tradicionais, com suas
1 o , estrutura, organizacão, enredo, cadeia. São povos e
Da Teia da Vida, de Fritjop Capra
ades, que se ligam, compartilhando pontos em comum.
identidade originária do Maranhão que cresce,
a, na Mitologia Grega, a deusa traçadora. É a
enguanto os cumpridores de mandatos eletivos
edSe, organiza-se e forma vínculo entre si,
interesses pnvados.
a Ver navios do Porto do Itaqui, emaranhados em seus

89
revela o depoimento de Dona Menina
públicas. Ëo que da
camponesaForquilha,
teve sua
no município maranhense de Benedito
residência violada por policiais militares de
com
forma ilegal
uma
Segundo seu relato ol uma e
Vez.
u
Leir
ti
ed, ad e
que
ue não possuíam mandato judicial.
menina estava com um mês
tudo aqui em casa, minha que
neném e cles a interrogararm, perguntaram se a gente não tinha medo de tinha ganhado
MINARD, 2017).
morrer" (BLOG DO
táticas individuais e coletivas
Ao narrar as estratégias e dos trabalha
palavras de Gerson Rodrigues a
dores do campo, faço minhas as respeitona
desses sujeitos de baixo: "Não posso deixar de considerar. que ao entrar
vida social desses trabalhadores da mata, dialogando com os significados
de suas práticas, saberes, tradições e valores (ALBUQUEROUE. 200s
34), negando muitospressupostos da historiografia tradicional "caminho
no sentido da formulação de uma história em aberto, em construcão.
atenta àglobalidade das ações humanas e àdinâmica das relações sociais"
Ou seja, "Uma história posicionada em que concepções e categorias que
suscitam mais indagações do que produzem certezas (Ibid.). E também
"Uma história que não estápreocupada em explicar tudo, porque nada
explica tudo, nada é finito (Ibid.,).
Assim como "As modalidades do agir e do pensar, como escreve
Paul Ricoeur, devem ser sempre remetidas para os laços de interdepen
dência que regulam as relações entre os indivíduos e que são moldados,
de diferentes maneiras em diferentes situações, pelas estruturas do poder
(CHARTIER, 1990, p. 34), os trabalhadores rurais vêm empreendendo
sua maneira de vivere lutar a partir de sua cultura, ora conquistando im
Portantes vitórias para a sua categoria, ora enfrentadodoloridas derrota
mas igualmente inmportantes no processo de democratização da sociedade
brasileira.
ÚLTIMAs PALAVRAS
Entre as décadas de 1970 a 1990, um bom termômetro para Se com-
preender a situação social maranhense é a comparação da distribuiçãoda
riqueza do estado nesse período (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEO.
GRAFIAE ESTATÍSTICA, 2003, 2010), pois isso nos ajuda Compreendera
luta de classes entre
ricos e pobres.
Em 1970, os 10 % mais ricos
detinham
cerca de 48% das riquezas do estado: já em 1990 detinham 54,7%. Ain
da segundo o TBGE, nesse mesmo período, oMaranhão aumentou ex
ponencialmente sua concentração fundiária, Oque originou e sustentou
numerosos conflitos agrários. Daí, é possível concluir que os mecanismos
riados c sustentados pelo Estado garantiramn as condicões econômicas e
políticas para oennquecimento de sua elite
Apesar de mudanças ocorridas nas últimas décadas, desenvolvidas
aravésde política públicas federais, elas atingiram, na maioria dos casos,
apenas as pequenas e medias propriedades, fato que revela a proteção ao
larifindio. Dessa forma, no início da década de 1970 o grupo de proprie
dades de até 10 hectares compunha aproximadamente 87.6% dos estabe
lecimentos rurais, pertazerndo cerca de 5.6% da área total do estado. Já na
década de 1990, como resultado dos desdobramentos agráios das décadas
grupo caiu
anteriores, a proporção do número de estabelecimentos desse
das terras mara
Dara 76.9% da área total do estado, 3.1% da área total
nhenses.
camponeses, mas
A Lei de Terras não alterou apenas a vida dos
de todas as comunidades tradicionais
como as dos quilombolas. Assim,
aprovação, ela continua impondo
passados quarenta e nove anos da sua
restrições às comunidades negras que lutam pela demarcação e
grandes
seus territórios, o que demonstra a resistência quilombola
titulação de
imposta por tal lei(CRUZ, 2012).
contra o regime de propriedade
denúncia contra os direitos das comunidades e
Outro exemplo de divulgada em 09 de
São Luís,
tradicionais estáexpresso na Carta de
povos
do Seminário Internacional Carajás 30 anos, dis
maio de 2014 por ocasião Maranhão.
aprovação da Lei de Terras do
tante quarenta e quatro anos da agronegocio e
carta-denúncia de São Luís aduz que "O mo-
Nesse sentido, a destrutivas da natureza e dos
práticas
inimigo da sociedade, com suas dos povos das florestas,
camponesa e
dos de vida da agricultura familiar 2014, p. 19). E acrescenta
cidades"(CARTA DESÃO LUÍS, uma
das aguas e das criminalização e violência é
formas,
mais: "Esse processo de espionagem, expressa, dentre outras
que se
do capital (1bid., p. 20). Ef-
manifestação da ditadura
manipulação da grande
imprensa"
camponesas,
através da censura e
mais emblemáticas lideranças
nalizo com a vOz de uma das
fome haverá
luta!" (Tbid., p. 21).
houver
Manoel da Conceição, "Enquanto

91
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