Você está na página 1de 32

Revista Cerrados (Unimontes)

ISSN: 1678-8346
ISSN: 2448-2692
revista.cerrados@unimontes.br
Universidade Estadual de Montes Claros
Brasil

CONFLITOS TERRITORIAIS NA
AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO
ESTADO DO PARÁ: duas situações
distintas, mas a mesma lógica imperativa
Rodrigues, Jondison Cardoso
CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas situações
distintas, mas a mesma lógica imperativa
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 18, núm. 02, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=576962806023
DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202026

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0
Internacional.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto
CONFLITOS TERRITORIAIS NA
AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE
DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógica
imperativa
TERRITORIAL CONFLICTS IN THE EASTERN
AMAZON, WEST OF PARÁ STATE: two distinct
situations, but the same imperative logic
CONFLICTOS TERRITORIALES EN LA AMAZONIA
ORIENTAL, ESTADO OESTE DE PARÁ: dos situaciones
diferentes, pero la misma lógica imperativa
Jondison Cardoso Rodrigues
jondisoncardosorodrigues@gmail.com
Universidade Federal do Pará - UFPA, Brasil

Revista Cerrados (Unimontes), vol. 18,


hps://orcid.org/0000-0001-6400-7445
núm. 02, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros,
Brasil
Recepção: 23 Agosto 2020 Resumo: Há hoje na Amazônia novos agentes (estados-nações, multinacionais, bancos
Aprovação: 30 Novembro 2020 e fundos), novos interesses e novas escalas de espoliação e integração financeira,
Publicado: 07 Dezembro 2020
cujos resultados práticos, materializados nos territórios, são de uma padronização de
DOI: https://doi.org/10.46551/ violências e conflitos, por exemplo: intimidações, agressões físicas e verbais, ameaças
rc24482692202026 de morte, tentativas de assassinatos e mesmo assassinatos. Todavia, existe a emergência
Redalyc: https://www.redalyc.org/ de particularidades e singularidades, em termos de violências e formas dinâmicas de
articulo.oa?id=576962806023 conflitos na Amazônia Oriental. Tais particularidades e singularidades são “visualizadas”
no Oeste do estado Pará, onde mais recentemente se constitui palco (de uma
cartografia) de intensificações de conflitos, face principalmente à territorialização
do agronegócio (empresas de fertilizantes, armazéns, portos, postos de combustíveis,
multinacionais). Considerando tal discussão, o objetivo aqui é descrever e analisar
os Conflitos Territoriais (CTs) produzidos junto: 1) à comunidade tradicional em
Rurópolis (Comunidade de Santarenzinho); e, 2) à comunidade de pescadores em
Itaituba (Colônia de pescadores Z-56), frente à territorialização do agronegócio. A
questão a perseguir é: Quais são os atores envolvidos e as formas (singularidades e
padrões) de tais CTs assim como os territórios em disputa, “visões de território”, nesses
CTs da Amazônia Oriental, oeste do estado do Pará, especificamente a comunidade
Santarenzinho e dos pescadores artesanais de Itaituba?
Palavras-chave: Conflitos territoriais, Comunidade, Lutas e disputas territoriais,
Amazônia.
Abstract: ere are new agents in the Amazon now (nation-states, multinationals,
banks and funds), new interests and new scales of spoliation and financial integration,
whose practical results materialized in the territories are of a pattern of violence
and conflicts, for example: intimidation, physical and verbal assaults, death threats,
assassination attempts and murders. However, there is an emergence of particularities
and singularities, in terms of violence and dynamic forms of conflict in the Eastern
Amazon. Such particularities and singularities are "visualized" in the west of the Pará
state, of which, more recently, it constitutes the stage (of a cartography) of intensification
of conflicts, mainly due to the territorialization of agribusiness (fertilizer companies,
warehouses, ports, gas stations, multinationals). Considering such discussion, the goal is
to describe and analyze the territorial conflicts (TCs) produced with: 1) the traditional

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 474
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

community in Rurópolis (Santarenzinho Community); and, 2) the fishing community


in Itaituba (Colony of fishermen Z-56) in view of the territorialization of agribusiness.
Having as a question to pursue: What are the actors involved and the forms (singularities
and patterns) of such TCs as well as the disputed territories and “territory views” in these
TCs in the Eastern Amazon, west of the state of Pará, specifically the Santarenzinho
community and the artisanal fishermen from Itaituba?
Keywords: Territorial conflicts, Community, Territorial fights and disputes, Amazon.
Resumen: Hoy en la Amazonía hay nuevos agentes (naciones-estados, multinacionales,
bancos y fondos), nuevos intereses y nuevas escalas de expoliación e integración
financiera, resultados prácticos materializados en los territorios es un patrón de violencia
y conflictos, por ejemplo: intimidación, agresión física y verbal, corrigiendo muerte,
asesinatos y asesinatos. Sin embargo, surgimiento de particularidades y singularidades,
en términos de violencia y formas dinámicas de conflicto en la Amazonía Oriental.
Tales particularidades y singularidades se "visualizan" en el occidente del estado
de Pará, del cual somos escenario (de una cartografía) de intensificación de los
conflictos, principalmente por la territorialización de la agroindustria (empresas de
fertilizantes, depósitos, puertos, estaciones de plan, multinacionales). Discusión el
objetivo es describir y analizar los conflictos territoriales (CTs) obtenidos de: 1) la
comunidad tradicional de Rurópolis (Comunidad Santarenzinho); y, 2) la comunidad
pesquera de Itaituba (Colonia de pescadores Z-56) enfrenta una territorialización de la
agroindustria. Teniendo como pregunta a seguir: ¿Cuáles son los actores involucrados y
las formas (singularidades y patrones) de tales CTs así como los territorios en disputa y
“visiones de territorio” en las CTs en la Amazonía Oriental, al oeste del estado de Pará,
específicamente la Santarenzinho y pescadores artesanales de Itaituba?
Palabras clave: Conflictos territoriales, Comunidades Luchas territoriales y disputas,
Amazonas.

INTRODUÇÃO

O Oeste do estado Pará é uma sub-região composta por vinte municípios:


Altamira, Anapu, Aveiro, Belterra, Brasil Novo, Itaituba, Jacareacanga,
Medicilândia, Mojuí dos Campos, Novo Progresso, Novo Repartimento,
Pacajá, Placas, Porto de Moz, Rurópolis, Santarém, Senador José Porfírio,
Trairão, Uruará e Vitória do Xingu. Em termos de extensão físico-
territorial, possui significava dimensão, representando 33,46% (417.628
km²) do território do estado do Pará (1.248.000 km²). Além de possuir:
i) uma das maiores concentrações de sociobiodiversidade; ii) um dos
maiores aquíferos (Aquífero Alter do Chão); iii) a maior concentração
espacial (e tamanho) de bacias hidrográficas do Brasil: Xingu, Tapajós
e Baixo Amazonas; iv) grandes geozonas minerais (aurífera, bauxitífera,
calcarica, fosfaltica); e, v) grandes extensões de terras – além de “baratas”
e agricultáveis.
Essa sub-região é um “microespaço” representativo de uma cartografia
histórica de conflitos, fruto de um processo histórico, de formação
socioeconômica e política (CASTRO; CAMPOS, 2015), que se
construiu socialmente, por meio da (uso da) violência: física,
simbólica, epistêmica, étnica e de gênero (colonialidade racista!!!
[1]). Portanto, essas violências se constituíram como resultado, meio
e condição para reprodução e ampliação do controle simbólico,
político, mas, principalmente, dos ganhos econômicos exorbitantes de
frações hegemônicas: elites locais, regionais e nacionais, empreiteiras,
mineradoras, multinacionais e bancos, ainda mais recentemente, fundos.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 475
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

Muitos dos conflitos recentes estão ainda ligados à macropolíticas


desenvolvimentistas para região e a lógica colonialista-mercadológica
(neo)extrativista (CASTRO, 2017a; BRITO; CASTRO, 2018;
LOUREIRO, 2019), de exploração, espoliação de territórios,
territorialidades de vida e de reprodução (existência) social. Muitas vezes
expressos na questão fundiária (BENATTI et al, 2008; CASTRO, 2008;
TORRES, 2012; CPT, 2020).
Segundo Castro (2017b), a Amazônia paraense:
[...] está associado a uma história de violência colonial - coronelista e
patrimonialista - relacionada ao território e às tensões sobre populações ali
residentes, sobretudo no que diz respeito aos processos de colonização e
abertura de grandes eixos rodoviários, desde a rodovia Belém-Brasília, nos
anos 1960. Conflitos agrários, expropriação de populações tradicionais de suas
terras, genocídio indígena, grilagem de terras, chacinas e mortes anunciadas por
mandantes e seus pistoleiros, marcam as imagens e tornam a violência uma chave
de interpretação da sociedade (CASTRO, 2017b, p. 9).

Essa história de violência colonial dá-se, ainda segundo Castro


(2017b), devido a um mercado hiperglobalizado, cujos interesses
econômicos nos recursos naturais amazônicos ampliaram-se assim como
as pressões, violências, tensões, disputas e conflitos sobre as florestas,
as águas, a terra, solo e o subsolo. Seria uma espécie de movimento
duplo: expansão de frentes, exploração econômica (madeira, garimpo,
agricultura mecanizada e soja), tensões e conflitos territoriais. Tendo
como elemento incentivador (apoio) o Estado brasileiro, em termos de
políticas, planos e programas.
Essa atuação, no caso desse controle político do Estado brasileiro,
é retomado face à globalização e geopolítica mundial de participação
“forte” dos Estado-nações (RODRIGUES, 2018). Esse formato
de participação do Estado é visualizado no Brasil, sobretudo, na
década de 2000, por meio de políticas e planejamentos de matriz
neodesenvolvimentistas, neoextrativistas, com fortes investimentos em
infraestrutura (hidrelétricas, rodovias, infovias, aeroportos e portos) para
à exportação de commodities (RODRIGUES, 2018; RODRIGUES;
LIMA, 2020), acompanhado do incentivo à produção de mercados de
ações, terras, infraestruturas e serviços (neoliberalismo financeirizado).
Tais ações (geo)políticas do Estado brasileiro integram-se ao processo
de mundialização e financeirização global, como forma de cumprir
uma agenda de “consenso de commodities” (SAMPA, 2015), pautada
na divisão internacional do trabalho: 1) com lugares que serão
exportadores de produtos in natura, semielaborados e matérias primas;
e, 2) lugares que serão exportadores de máquinas, equipamentos,
patentes, grandes tecnologias e investimentos. Agenda essa que se pauta
na massiva implementação de megaprojetos neoextrativistas, produção
de narrativas legitimatórias, de positividade e imprescindibilidade de
megaprojetos. Portanto, configurando a continuidade da dimensão
compreensiva e associativa da Amazônia enquanto “almoxarifado
do Brasil” (LOUREIRO, 2019, p. 207), ou, mais especificamente
“almoxarifado do mundo”.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 476
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

Megaprojetos neoextrativistas esses que constitui cada vez mais


estruturas estampadas na paisagem, nas dinâmicas e políticas territoriais
no e para o Oeste do estado do Pará, com investimentos estrangeiros
e especulativos, ligados, sobretudo, ao agronegócio, na construção de
uma logística intermodal, particularmente, de complexos portuários.
Já há seis portos operando, em Itaituba, dos seguintes grupos
econômicos: Unitapajós, Cianport, Hidrovias do Brasil, Cargill,
Transportes Bertolini/ADM e Caramuru Alimentos (RODRIGUES;
RODRIGUES; LIMA, 2019); e, há o planejamento de construção de
mais de quarenta portos na região Oeste do estado Pará, envolvendo o
município de Itaituba e Rurópolis.
Além disso, há outros projetos que se costuram com projetos portuários
como forma de promover a fluidez das commodities agrícolas, isto
é, contribuir na sustentação logística dessa fluidez e no monopólio
territorial para soldar a cadeia produtiva e especulativa de commodities,
no caso: ferrovias (Ferrogrão e Ferrovia Paraense), hidrovias (Teles-Pires
e Tapajós), concessão da rodovia à Br-163, pequenas centrais hidrelétricas
(do Cupari e Itapacurá/Rurópolis e Itaituba) e hidrelétrico (complexo
hidrelétrico São Luiz do Tapajós, em: Cachoeira do Caí, Jamanxim,
Cachoeira dos Patos, Chacorão, Jardim de Ouro, Jatobá e São Luiz do
Tapajós). Além da hidrelétrica em Oriximiná, no Oeste do estado do Pará
(RODRIGUES; LIMA, 2020).
Considerando tal discussão e contextualização sobre o terreno que se
pavimenta na Amazônia, particularmente no Oeste do estado Pará, e
as intensificações de conflitos, face principalmente a territorialização do
agronegócio, o objetivo deste artigo é descrever e analisar os Conflitos
Territoriais (CTs) produzidos junto à uma comunidade tradicional
em Rurópolis (Comunidade de Santarenzinho) e também junto a
pescadores(as) artesanais de Itaituba (Colônia de pescadores Z-56), face
à territorialização do agronegócio. A partir de tal objetivo temos a
seguinte questão a perseguir: Quais são os atores envolvidos e as formas
(singularidades e padrões) de tais CTs, assim como os territórios em
disputa e “visões de território” nesses CTs na Amazônia Oriental, Oeste
do estado do Pará, no caso a comunidade Santarenzinho e dos(as)
pescadores(as) artesanais de Itaituba?
A relevância do artigo encontra-se em “(ex)por” em cena pública
novos padrões de relação territorial (relação de poder) no campo e
na cidade, correlacionando os conflitos com os setores de exportação
de commodities e uso de recursos (SHEIDEL et al, 2020), isto é,
as contradições e territorializações espoliativas ligadas ao setor do
agronegócio. Além disso, evidenciar a política neodesenvolvimentista
do Estado brasileiro, que vem contribuindo significativamente para
a supressão de territorialidades de existência, reprodução social e a
“diversidade de formas de existência coletiva de diferentes povos e grupos
sociais em suas relações com os recursos da natureza” (ALMEIDA, 2004,
p. 9).
A abordagem metodológica interdisciplinar (e qualitativa) adotada
aqui nesse artigo deve-se ao fato de que os fenômenos sociais e ambientais

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 477
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

na e da Amazônia são um mosaico complexo de: paisagens, populações,


culturas, identidades, crenças, rituais, religiosidades, espiritualidades,
tradições, cosmovisões, territorialidades, temporalidades, dinâmicas
territoriais recentes e históricas de agentes políticos e econômicos com
interesses distintos, assim como conflitos e desigualdades sociais sub-
regionais e microregionais. Segundo Minayo (2010), a compreensão
interdisciplinar se calca na apreensão e análise da totalidade, por meio da
inter-relação entre disciplinas, múltiplos olhares e o entrecruzamento de
saberes como estratégia para compreensão, interpretação e explicação de
temas complexos.
Do ponto de vista da operacionalização do processo de pesquisa, o
caminho aqui traçado deu-se com a definição e o critério de escolha
do recorte temporal e espacial da pesquisa. O recorte temporal foi de
2014 a 2019[2], cujo critério de escolha temporal está relacionado ao
período de desenvolvimento da nossa tese de doutorado (entre 2014 e
2018) e pós-doutorado (em 2019), particularmente convergindo com a
territorialização do agronegócio. Agronegócio esse ligado a complexos
portuários (Unitapajós, Cargill, Hidrovias do Brasil, Transportes
Bertolini/ADM, Caramuru Alimentos e Cianport). Com relação ao
recorte espacial, Oeste do estado do Pará (Rurópolis e Itaituba), foi devido
à grande concentração de políticas públicas e projetos econômicos do
e para o agronegócio, assim como “locais” que começavam a emergir (e
intensificar) “fatos” e casos∕eventos de conflitos territoriais.
Durante o período de pesquisa, foram realizadas observações
assistemáticas no distrito de Miritituba/Itaituba e no rio Tapajós, onde
se localizam os complexos portuários (RODRIGUES; RODRIGUES;
LIMA, 2018; RODRIGUES; LIMA, 2020), com registros fotográficos
dos portos, do rio tapajós e da comunidade de Santarenzinho. Assim
como foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o presidente
da Associação de Moradores de Santarenzinho e com o Presidente da
Colônia Pescadores de Itaituba – com objetivo de capturar as experiências
e vivências face ao uso corporativo dos territórios promovidos por agentes
econômicos portuários ligados ao agronegócio.
Para Minayo (2012, p. 623):
[...] é preciso saber que a experiência e a vivência de uma pessoa ocorrem no
âmbito da história coletiva e são contextualizadas e envolvidas pela cultura do
grupo em que ela se insere. Toda compreensão é parcial e inacabada, tanto a do
nosso entrevistado, que tem um entendimento contingente e incompleto de sua
vida e de seu mundo, como a dos pesquisadores, pois também somos limitados no
que compreendemos e interpretamos.

Portanto, o ato de entrevista (semiestruturada) funciona como captura


de um movimento, em que o narrado e o vivido por si estão visualizados
pela dinâmicas experienciadas e tais traduções de narrativas são formas de
apreensão de traços, processos recorrentes (que são sequências recorrentes
de situações e ações), evidenciando a singularidade, sua historicidade, sua
subjetividade inserida em uma coletividade (BERTAUX, 2020).
Dentro do processo de análise, o aporte teórico-analítico pauta-
se na abordagem da ecologia política. Abordagem cuja perspectiva é

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 478
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

multiescalar e crítica, na compreensão de ações, políticas e reverberações


socioambientais. Segundo Leff (2015, p. 46):
A ecologia política tem suas raízes e estabelece sua identidade disciplinar no
poder relações que atravessam todas as estruturas / estratégias teóricas, discursivas
e econômicas a apropriação social da natureza (Marx, 1965; Foucault, 1980).
Assim, a prática de ecologia política diz respeito principalmente à desconstrução
de teorias, descolonialização de modos de pensamento e confronto de estratégias
de poder-em-conhecimento [...] [Tradução nossa].

Tal compreensão analítica da ecologia política buscaria também


descortinar ou revelar processos políticos, econômicos, culturais e
ecológicos do passado e do presente, em uma região geográfica
relacionados a uma ontologia da diversidade, de políticas (da produção)
da diferença, de conflitos de (re)distribuição ecológica, de reapropriação
cultural da natureza, dos territórios (LEFF, 2015). No caso, dando
enfoque: i) nos atores marginalizados e insivibilizados; ii) nas estruturas,
relações e agentes econômicos e políticos e práticas discursivas (poder).
Tudo isso como forma de “tornar visíveis”: 1) os atores marginalizados
e invisibilizados, suas territorialidades e lutas territoriais; 2) as estruturas e
agentes hegemônicos por trás de injustiças e violação de direitos humanos,
não-humanos e étnicos; 3) nas formas sustentabilidade ambiental, a partir
de atores que pensam a natureza/território como “bem comum” (e não
utilitarista); e, 4) relações de poderes e hierarquias (classificações sociais),
formas espoliativas que compõe o projeto (de modernidade) capitalista
colonial.

Conflitos territoriais: uma breve incursão e definição

O debate e discussão sobre a categoria (e/ou objeto de estudo) “conflito”,


dentro ambiente de pesquisas e estudos acadêmicos, perfaz-se literalmente
por uma zona de conflito. Zona de conflito não pelos diferentes ângulos
empíricos, causas, os atores/agentes e suas motivações, assim como nas
formas, resultados e seus múltiplos efeitos em diferentes contextos-, mas,
sobretudo, pelo sequestro da categoria, a evocação da “paternidade” e/ou
a produção da crença da verdade depositada em uma disciplina científica.
“Produção de crença” essa, aliás, fincada pelo excessivo modo de pensar,
categorizar e classificar científicamente pela lente do “mundo ocidental”,
colonial (ÁLVAREZ; COOLSAET, 2020; CASTRO, 2019a).
Tais disputas epistemológicas pela categoria expressa-se nas
inumeráveis aparições de “termos”, muitas das vezes sem conceituação
ou definição: conflitos sociais, conflitos interpessoais, conflitos éticos,
conflitos urbanos, conflitos fundiários, conflitos trabalhistas, conflitos
ecológicos, conflitos ambientais, conflitos socioambientais, conflitos
territoriais, conflitos socioterritoriais, conflitos étnicos e identitários.
Todos esses “termos”, porém, na maioria das vezes, com uma demarcação
no elemento empírico, paisagístico, “comportamental” e/ou a lutas, isto
é, como adjetivo: acrescentando uma qualidade, uma característica, uma
extensão e/ou uma quantidade.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 479
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

Há outra configuração que vem reduzindo o conflito a um fato


meramente técnico (tecnocrata-empresarial), compondo a área (“receita”
ou “manual”) denominada mediação de conflitos ou resolução de
conflitos. Segundo Zhouri (2015), essa área/abordagem, mediação de
conflitos, pauta-se no paradigma de modernização ecológica, isto é, na
prevenção técnica dos chamados impactos ambientais, bem como adoção
de medidas de mitigação e compensação pela degradação ambiental.
Para Teixeira, Zhouri e Mota (2020, p. 7):
[...] as medidas de indenização e compensação revelam sua funcionalidade para a
viabilização institucional e política dos projetos. Isso porque, uma vez previstas
e inseridas como condicionantes no processo de licenciamento, permitem a
continuidade das obras mesmo sob expressiva recusa das populações afetadas e
a flagrante evidência dos danos sociais e ambientais irreversíveis advindos dos
empreendimentos.

O fato é que os conflitos (enquanto um fenômeno social)


intensificaram-se com o processo de urbanização planetária, do
fenômeno de globalização, do projeto de modernidade∕colonialidade
(BALLESTRIN, 2017) e de financeirização global, a partir da
década de 1970. Tal quadro que se reverberou no hiperconsumo de
recursos, em efeitos e distribuição desigual de bônus e ônus de ações
políticas econômicas, com maior carga dos danos e riscos ambientais
do desenvolvimento às populações de baixa renda, grupos étnicos
discriminados, populações marginalizadas e vulneráveis (ACSELRAD,
2010). Tudo isso, aliás, que perpassa pelo debate, lutas pela distribuição
injusta de "bens" ambientais, como água limpa e ar, ou acesso a terras
férteis, além da distribuição injusta de ônus, como exposição à poluição,
riscos e ameaças à saúde, meios de subsistência, identidades sociais e
culturais (FERNÁNDEZ‐LLAMAZARES et al, 2020).
Tal compreensão de distribuição desigual de acesso a recursos, bônus
e efeitos vêm sendo analisados e refletidos em termos acadêmicos e
políticos (de forma crítica) pelo pesquisador e economista espanhol, Joan
Martinez-Alier, da Universidade Autônoma de Barcelona. Martinez-
Alier usa o termo “Conflitos de Distribuição Ecológica” (MARTINEZ-
ALIER, 2006) que seria equivalente aos termos utilizados pela ecologia
política: conflitos socioambientais e conflitos ambientais, como também
conflitos territoriais – que, aliás, equiparam-se.
Segundo Martinez-Alier e Roy (2019), o termo Conflitos de
Distribuição Ecológica foi cunhado em 1996 pelos economistas
ecológicos Joan Martinez-Alier e Martin O’Connor (MARTINEZ-
ALER; O’CONNOR, 1996), para descrever conflitos sociais nascidos do
acesso injusto aos recursos naturais e encargos injustos da poluição. A
causa final de tais conflitos é o crescimento e as mudanças no metabolismo
social (os fluxos de energia e materiais) concomitante ao crescimento
econômico.
A perspectiva de Joan Martinez Alier e assim como estudos recentes
(FLEURY; ALMEIDA; PREMEBIDA, 2014; RADAELLI; VARGAS;
FLEURY, 2019), convergem com a relação sociedade/natureza e algumas
perspectivas sobre conflitos, dos quais o capitalismo é protagonista

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 480
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

(MIKATI, 2020), apesar das diferenças e diferenciações históricas


produzidas. Mas também alinhado as diferenças e diferenciações
históricas produzidas é necessário compreender que há processos e
relações entre saber e poder, ser e ter, entre submissão (colonialidade) e
reconhecimento, entre apropriação e desapropriação (SILVA; ARAÚJO;
SILVA, 2019). Como destaca Acselrad (2014), no campo político, nas
atuais condições de liberalização dos mercados, têm sido apresentado
uma narrativa conciliatória e moderadora, no aspecto preventivo, para
justificar fórmulas compensatórias e mitigatórias (ZHOURI, 2018),
consequentemente, uma forma de ignorar, desqualificar, condenar ou
obscurecer evidências de danos produzidos, que, aliás, não são e não serão
mitigados e compensados.
A reflexão de Acselrad (2014) é interessante, pois a configuração
de modelos e políticas (neo)desenvolvimentistas (CASTRO, 2017a),
principalmente na década de 1990 e 2000, vem contribuindo diretamente
no processo de negação e violação de direitos (sociais, humanos, étnicos e
ambientais), leis, regulamentações ambientais e territóriadades específicas
(ZHOURI, 2015; 2018), no caso conflitos territoriais. Tais conflitos
territoriais, visualizados particularmente na Amazônia, com: i) processos
de desterritorilização de populações rurais, agroextrativistas, populações
e comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, provocados pelos
grandes projetos desenvolvimentistas (RODRIGUES; LIMA, 2020);
ii) deslocamentos forçados por inundações, mudança na qualidade dos
recursos florestais, aquáticos, do solo e do ar (racismo ambiental e
perda de conforto ambiental) (HAZEU, 2015; CASTRO, 2017a); e, iii)
intimidações, ameaças, tentativas de assassinatos, assassinatos e grilagem
de terras (CPT, 2020).
Há também uma outra variável subjacente a essas políticas espoliativas
desenvolvimentistas, ou como prefere Castro (2017a, p. 36): “[...]
processo civilizador e portador do desenvolvimento e do progresso”.
Segundo Acselrad (2014) observam-se, no continente latino-americano,
processos de reconfiguração das lutas por terras em lutas por território
e de etnização de parte das lutas territoriais, ambientais e fundiárias
(CASTRO, 2018; ZHOURI, 2018). Como destaca Leff (2018, p. 358):
“Hoy, los Pueblos de la Tierra no solo reclaman el reconocimiento a
sus modos ancestrales de vida, sino que demandan su derecho de ser: a
reinventar sus identidades, a resignificar sus mundos de la vida en una
reflexión sobre sus condiciones de existência”.
Tal situação de lutas territoriais ocorreriam pelas seguintes motivações:
as lutas ou disputas seriam travadas pela apropriação material e simbólica
do território, todavia, o processo de disputa (estratégias de resistências)
conforma-se pela exposição e legitimação de tipos de capitais e sentidos
sociais sobre o (uso do) território. Isso porque há uma profunda assimetria
de poder econômico, por exemplo, sobre os estudos de viabilidade de
um empreendimento, uma vez que são emitidos pela própria empresa
interessada (quando não pelo Estado), por meio de empresas contratadas.
Outra assimetria de poder é a profusão ou difusão em massa de
informações nos meios de comunicação e a plataformas e mídias digitais

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 481
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

sociais. Então o processo de disputa perfaz-se pela “produção” de:


narrativas, contra narrativas, racionalidades e redes hierárquicas de poder
ou conquistas simbólicas de parceiros de blindagem e/ou luta, como,
instituições de pesquisas (com estudos), associações sociais, trabalhistas,
sindicais e ambientais, grupos instituições jurídicas, midiáticas e artísticas,
instituições religiosas e espirituais, organizações intergovernamentais e
internacionais (ONU, UNESCO, UNICEF, FMI, BIRD, OMS).
Segundo Laschefski e Zhouri (2019), grupos econômicos e políticos
hegemônicos criaram as estratégias de despolitização, silenciamentos,
desqualificações e criminalização das pessoas atingidas pelos grandes
projetos, assim como movimentos sociais e pesquisadores(as) críticos(as).
Além disso, o capitalismo liberalizado procura, segundo Acselrad (2014),
capturar os atores sociais no interior de "alternativas infernais", isto
é, construir situações que parecem não deixar outra escolha além
da resignação ou da denúncia impotente ante a guerra econômica
incontornável e de uma luta impossível de vencer. Por isso, o intenso
processo das lutas territoriais buscarem revalorização das identidades
culturais, das práticas tradicionais e saberes originários como forma de
proporcionar uma tensão discursiva e comparativa entre a racionalidade
instrumental e o saber ambiental (SILVA; ARAÚJO; SILVA, 2019).
Assim, conflitos territoriais, aqui entendidos, não são reduzidos à
distribuição de recursos ou ônus de tal ação política e/ou econômica, tão
pouco a crítica ou a guerras jurídicas, mas, sobretudo, às formas distintas,
sentidos de apropriação e relação com e na natureza e defesa dos territórios
como fonte de reprodução social: material, econômica, simbólica,
identitária, cultural, religiosa, cosmológica, que pode se manifestar em
eventos, dinâmicas ou permanências nos lugares. territórios. Portanto,
o fio condutor da compreensão sobre conflitos territoriais passa pela
visão e habitus[3] de grupos sociais que pautam sua visão enquanto
coletividade, comunitariedade, reciprocidade, solidariedade, cooperação,
espaços coletivos comuns, autogestão e autossuficiência, pressupostos
esses rechaçados pela racionalidade instrumental capitalista.

Conflitos territoriais: duas situações distintas, mas com a


mesma lógica imperativa

Cada contexto de tempo põe suas formas e problemas de fundamentos e ideias.


E cada mudança de época repõe tais exigências, reafirmando com a atualização
ou o perecimento cada campo de conhecimento. Assim, entra-se num período
temporal de parâmetros registradores do novo, até que outro tempo novo os
revogue. É o que vemos no atual momento (MOREIRA, 2020, p. 107).

A citação de Moreira levanta uma reflexão interessante e importante


que seria a de pensar as formas e problemas presentes e emergentes,
como também a revogação de tempos e temporalidades. Essa reflexão é
importante, pois tanto para Moreira (2020) quanto para nós, aqui neste
artigo, é que as mudanças não são/estão reduzidas a transformações da
paisagem, mas sim a uma transformação sistêmica: cognição, relações
sociais, meio ambiente, políticas, economias, culturas, naturezas e

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 482
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

territórios. Transformações essas ocorridas pelas lógicas e racionalidades


pautadas: em aspectos econômicos e de mercado, ao mito do progresso, de
crescimento econômico linear e baseado na obsessão pelo hiperconsumo
material (GUDYNAS, 2011; ACOSTA, 2016).
Presencia-se, na América Latina, e, particularmente no Brasil, a partir
da década de 2000, em políticas de crescimento focadas na solução
da "pobreza extrema" e nas desigualdades sociais, porém, baseadas na
distribuição de renda (e consumo) e não na distribuição de riquezas.
Como também são alicerçadas na mercantilização da floresta (serviços
ambientais e créditos de carbono), da terra, água, solo e subsolo. Essa
configuração é uma dinâmica de especialização econômica e social
dos territórios e supressão da diversidade ambiental, etnocultural,
econômica, histórica, identitária e intercultural; portanto, sendo a asfixia
de outras formas de compreender, pensar, ser, sentir, desejar e apropriar-
se de naturezas e territórios (GUDYNAS, 2011; ESCOBAR, 2015;
ACOSTA, 2016).
Quando se pensa na escala da Amazônia, visualiza-se um processo
impositivo de materialização ou instauração na região de um:
‘Tempo veloz’ associado à lógica da rodovia, das conexões aeroviárias, dos sistemas
de infovias e dos grandes fluxos econômicos, do qual é internalizado nos corpos
e mentes das pessoas como um ajuste ou alargamento forçoso nas suas dinâmicas
e práticas diárias, pois o “progresso”, a instantaneidade, descartabilidade,
efemeridade e trabalho esquizofrênico (incessante) seriam encarados como bom,
bonito e inevitável (HARVEY, 2008) e “[...] reproduzidas numa espacialidade
concretizada e criada, que tem sido progressivamente “ocupada” por um
capitalismo que avança, fragmentada em pedaços, homogeneizada em mercadorias
distintas, organizadas em posições de controle e ampliada para a escala
global” (SOJA, 1993, p.115) e cria novos desejos e necessidades de cunho material
(RODRIGUES, 2018, p. 260).

Para Rodrigues (2018), tal tempo, “tempo veloz” e “tempo lento”,


seriam ritmos que muitas das vezes coexistem de forma conflituosa, pois o
“tempo veloz” materializa-se nos territórios, por meio de uma “profunda
perturbação” (HARVEY, 2008, p. 219), por exemplo, com o inchaço
populacional da cidade (com estrangulamento do sistema educação, saúde
e proteção social), violência urbana. Além disso, do “caos” no centro
da cidade, em virtude do congestionamento, envolvendo: automóveis
e motos particulares, mototaxistas, taxistas, ciclistas e caminhões (ao
“desembarcarem” mercadorias).
Tais transformações são expressas na dinâmica urbano-rural de Itaituba
e região oeste do Pará (RODRIGUES, 2018), na bacia do Tapajós e no
rio Tapajós, com um processo de monopolização do(s) território(s) que
segue em curso. Seguiriam em curso, pois há: 1) vários projetos portuários
(mais de quarenta portos) e; 2) diversas ações, políticas e narrativas
de agentes hegemônicos. Ações, narrativas e políticas que precisam ser
legitimadas sistematicamente e sutilmente disputadas (ACSELRAD,
2014; ALMEIDA, 2012; CASTRO, 2018; ZHOURI, 2018).
Disputas (territoriais) que podem ver visualizados no rio Tapajós, em
Itaituba[4], com pescadores(as) artesanais, que se expressam em relações

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 483
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

de apropriação (assimétricas de poder) e expropriativa de acessar algo, que,


segundo Paula (2019; 2020), seria a de acessar os recursos ambientais.

Disputas e apropriação do território: conflitos com os(as)


pescadores(as) artesanais

Essa disputa territorial “inicia-se” com a “contagem” (questionamento)


de pescadores(as) artesanais. Algo que veio ocorrer com a licença de
operação (n. 8677) concedida no dia 19 maio de 2014, ao porto da Bunge
(recentemente Unitapajós), o qual reduziu a atividade pesqueira nas
imediações dos empreendimentos a apenas dois pescadores, o que pode
ser visualizado na nota técnica 1973/GEINFRA/CLA/DILAP/2015, da
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS).
Tal estratégia de disputa territorial é algo recorrente de grandes projetos
e políticas territoriais sobre Amazônia, que a considera como espaço
de “vazio demográfico”, assim como promotora da invisibilização e da
negação do outro e suas territorialidades[5] (RODRIGUES; LIMA,
2020).
Porém, o estudo de Zacardi, Ponte e Silva (2014)[6], na Colônia
de pescadores Z-56, apontava que havia 889 pescadores cadastrados
(homens e mulheres), dos quais 60% atuavam em tempo integral no setor;
tendo uma produção mensal de pescado que variava em média entre 50 a
800 kg. Além disso:
Na comunidade de Miritituba, as mulheres exercem papel importante na pesca,
pois, junto com maridos e filhos dividem as funções da atividade pesqueira, como:
pilotagem das embarcações, retirada dos peixes emalhados, eviscerar e “ticar”
os peixes e são as principais responsáveis pelos consertos das redes de pesca,
caracterizando a identidade da família enquanto pescadores artesanais. Percebe-se,
portanto, que a unidade de produção da pesca corresponde, na maioria das vezes,
à unidade familiar (ZACARDI; PONTE; SILVA, 2014, p. 137). [...] Observou-
se que quando a unidade de produção é formada por relações de vizinhança
e parentesco distante, a pesca neste caso, constitui-se uma sociedade de co-
participação, as relações de trabalho não são formais e não existe assalariamento.
A divisão da produção ocorre no sistema de partes, por meio de acordos entre os
participantes (ZACARDI; PONTE; E SILVA, 2014, p. 138).

Há com isso uma forte dependência econômica, social e simbólica na


atividade pesqueira. Atividade, aliás, que sofreu um forte abalo com o
início da operação da Bunge (hoje denominado Unitapajós, joint venture
com o Grupo Amaggi), em seguida com os portos do grupo Cianport,
Hidrovias do Brasil, Cargill e Transportes Bertolini/ADM, como assinala
o presidente da Colônia de Pescadores de Itaituba – Z-56, Francisco
Coelho (o Tucuruí) (em entrevista), em 2017:
Bom a pesca ela teve mudança assim ... perca de espaço ... naquele setor ali onde
foi construído os portos... e também vão ser ainda construído alguns ... ele era
pesqueiro ... porque fala que perdeu espaço ... de duas maneiras nós perdemos o
espaço ... por motivo de construção dos portos e também perdemos espaço no
setor onde as barcaças passam que são os leitos do Tapajós ... e também porque eles
essas balsas elas são apoitadas no meio do Tapajós por exemplo ... uma empresa
tem um porto lá na frente do porto dela lá a 100 metros 200 metros beirando o

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 484
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

canal eles colocam uma boia ... e lá eles vão ... ancorar essas barcaças ... e aí a gente
perdeu aquele espaço da bubuia ninguém pode bubuiar mas adorado filhote ... ou
mesmo outro peixe de espécie que a gente pescava ... e na margem do rio que é
a barrigueira ... porque o pescador pesca no tempo do cardume ... por exemplo
chegou o tempo do aracu da lua de maio que a água começa a vazar ... todos nós
tínhamos nosso setor de pesca ... eu tinha cinco seis pesqueiros ... naquele trecho
ali onde era (Bunge) ... abaixo da bunge ali começava o sabá ... tinha dez grupos
pesqueiros terminava ai tinha o Raimundinho e assim por diante ali com aqueles
pesqueiros ... a gente pescava do período de maio até fim de julho ... que era a
derradeira boa do aracu ... após a construção não era que eles impeçam a gente de
pescar ... eles impedem só onde tá construído a obra ... mas em compensação você
não vai poder colocar a rede em lugar nenhum ... porque ali tem o movimento das
barcaças ... entra sai então você fica impedido de por as malhadeiras de qualquer
maneira esse foi um dos maiores prejuízos.

Francisco Coelho ainda reitera acerca da proibição da pesca – que seria


perda de territórios, ao longo e na frente dos portos e em situação de
proibição da atividade pesqueira:
Sim, e não só a BUNGE eu acho que a BUNGE é a única que não perturba tanto ...
hoje nós já temos outras empresas que tão operando ... nós já temos a Hidrovias ...
temos a Cargill ... temos a:: Bertolini que não tá no porto dela mas tá operando na
doca ... e:: ... segundo relato de pescador que eles falam com a gente né ... que eles
cobram que não podem pescar naquela área ... por medida de segurança né ... outra
coisa a marinha também demarcou a área que eles não podem ficar ... então isso pra
nós a gente tem um pouco de complicação ... porque a gente não foi avisado disso ...
então antes deveria reunir com as colônias fazer uma reunião com os pescadores ...
essa reunião fosse destinada aos pescadores ... pra que eles pudessem ficar cientes do
que ia acontecer após a construção né ... porque aquelas áreas são áreas de marinha
né ... patrimônio da União né ou já venderam tudo né ((risos)) e o:: pescador ...
ele tem uma carteira ... essa essa carteira dá direito como pescador artesanal em
todo o território nacional ... tá que não seja área indígena e área reserva ... e:: nós
ainda não saímos nem da nossa jurisdição que tá na frente da nossa cidade ... e já
não podemos mais fazer o que é de direito que é a pesca ... então essas são as coisas
que a gente fica complicado com isso né fica preocupado ... o que vai ser de nós
futuramente ... a gente vê que o governo imprensa as empresas vão imprensando e
o que a gente tá vendo é que futuramente não teremos mais a pesca artesanal né ...
[...] ... então vai chegar uma hora que o pescador vai ter que abrir um buraco pra
colocar a malhadeira dele ali dentro porque todo lugar é proibido dele pescar.

Cabe destacar que, desde a concessão de licença (licença prévia), para a


empresa Bunge (hoje Unitapajós), houve negação da atividade pesqueira,
invisibilização de tais trabalhadores(as) e territorialidades e a redução
da atividade pesqueira nas imediações dos empreendimentos. Negação
da atividade pesqueira e invisibilização de pescadores(as), visualizado:
no Estudo de Impacto ambiental (EIA), no Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA) e na licença ambiental (Licença Prévia) do Porto
da Bunge. Na licença n. 1964, em 25 maio de 2012, concedida à Bunge
(com o nome, naquele momento, de Rio Turia Serviços logísticos), não
houve nenhuma “referência” a programas ou ações mitigatórias advindas
de efeitos negativos à comunidade pesqueira, no caso, pescadores(as)
artesanais.
Com relação em si, a perda desses “territórios pesqueiros”, ocorreu um
sério problema, pois dialogando com o trabalho de Zacardi, Ponte e Silva
(2014, p. 142):

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 485
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

Independente da arte de pesca empregada, este estudo apresenta um forte


componente territorial relacionado a localização geográfica da comunidade
às margens do rio, onde residem estes pescadores e por estar situada em
frente à sede do município, Itaituba. Desta forma, concentram suas pescarias,
preferencialmente, nas margens do rio Tapajós, lagos e igarapés do entorno, por
serem áreas de pesca menos onerosas, sem necessidade de utilização de gelo e baixo
consumo de combustível.

Apesar de pontuarmos acima a perda de território físico, com a


construção de muros/cercamentos invisíveis promovidos pelos portos,
isso representa na realidade um conflito territorial, isto é, uma
luta política, envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de
territorialidades/temporalidades, de apropriação, uso e significação/
sentido de território, que não se reduz ao acesso a recursos ambientais
(PAULA, 2020). Assim os territórios pesqueiros seriam configurados
como “mundos” e lógicas (muito) distintas, simbolicamente construídas
e conservadas.
Segundo Laschefski (2011, p. 129), “[...] a luta pela apropriação da
natureza não consiste na disputa por espaço meramente físico, livre
de qualquer sentido. O conflito se estabelece em torno de espaços
preenchidos por diferentes significados culturais, ou seja, em torno dos
territórios”. Essa compreensão do autor ganha mais sentido quando
também se compreende territórios tradicionais dos(as) pescadores(as)
artesanais, como um lugar de viver e sobreviver e como expressão
de “relações comunitárias e com a natureza, sendo fundamental na
reprodução social, cultural e econômica das comunidades” (PAULA;
SUERTEGARAY, 2018, p. 108).
Portanto, há disputas (conflitos) pelo controle e a apropriação dos
benefícios materiais e/ou produtos simbólicos do território (no caso,
o rio) e com as constantes negações de territorialidades preexistente
(PAULA, 2020). Isso é destacado na fala de Francisco Coelho (o
Tucuruí), em entrevista:
- Tão tirando areia de um lugar ... pra tampar um buraco e deixando outro ... tão
usando os pescadores né ... massacra o pescador ... e facilita a vida do homem que
tá em terra por exemplo em Miritituba ... um monte de gente que trabalha ... mas
o pescador não se emprega. Falei pra ele [membro da ATAP/AMPORT[7]] “se o
pescador se empregar a carteira dele é cassada” ... e aí você desemprega o pescador
e emprega o fulano de tal porque na verdade quem tá sentindo os impactos é o
pescador porque você tá tirando o direito deles de pescar ... (entrevista em 2017).
- Já fui em várias reuniões deles [da AMPORT]. Nunca vim sair nada, nada da...
da, como é se diz que se diga assim que não estamos vendo a luz no fim do túnel que
possa compensar o projeto para pesca. Como gente discuti aqui os portos. Olha
a empresa não empata pescar. [...] [Porém] Chega lá marra sua malhadera e bota
pra fora. Mas na hora que cara dá acelerada no rebocador lá.... Então não é preciso
empatar você pescar. Não é mais conveniente pescar. - Você sabe quanto tempo
pesquei ali onde era Bunge [hoje porto Unitapajós], 26 anos (entrevista dezembro
de 2019).

É preciso enfatizar que essa disputa, entre pescadores(as) artesanais


e empresas, podem conduzir ao estilhaçamento daquilo que fala Paula
(2020, p. 182) de “malha territorial”: a “malha territorial na pesca
artesanal é composta por uma ampla área que integra pesqueiros, área

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 486
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

de moradia e de vivência, e mercados locais”. Além de contribuir para


a construção de uma “insegurança” em termos: i) de soberania e risco
alimentar e nutricional para pescadores(as), para a cidade e para a
região; e, ii) de geração de renda e de permanência na área de moradia.
Contribuindo ainda para o comprometimento de territorialidades
específicas desse grupo social tradicional.
Isso seria importante já que como enfatiza Paula e Suertegaray
(2018), o processo modernizador se impõe sobre territórios, negando
a história dos lugares, dos sujeitos sociais, da tradição, da cultura e da
economia local. Assim como direitos, por exemplo, com a negação da
Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que dispõe sobre a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca,
que é responsável por “regular” as atividades pesqueiras, cujo objetivo
primordial é: o desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional
dos que exercem a atividade pesqueira, bem como de suas comunidades
(art.1, parágrafo 4).
Há outro conflito territorial ocorrendo em decorrência da produção
de complexos portuários, da territorialização do agronegócio, na
Comunidade de Santarenzinho, a partir de uma ruptura abrupta com o
lugar ontológico relacional.

Conflitos territoriais na comunidade de Santarenzinho

A comunidade de Santarenzinho encontra-se localizada na margem


direita do rio Tapajós, distante aproximadamente 18 km da sede do
município de Itaituba, e mais de 130 km da sede do município de
Rurópolis. Essa comunidade foi fundada no final do século XVII
por exploradores da região; inicialmente levou o nome de “Uxituba”.
Tal comunidade está dentro do Assentamento da Reforma Agrária
chamado Araipacupu, criado em 21/11/2006, pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Assentamento esse que
possui mais de 30 mil hectares e 361 famílias assentadas. A comunidade
de Santaerezinho é formada por quatro famílias: Vajão, Menezes, Galvão
e Silva, onde residem aproximadamente vinte famílias (oitenta pessoas),
porém já tinha chegado a sessenta famílias (afirmação baseada nas
entrevistas) (Figura 1).

Figura 1
Fotografias da comunidade de Santarenzinho, oeste do estado do Pará
Fotos (a) e (b) dia 8 de dezembro de 2019

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 487
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

Santarenzinho constitui uma comunidade tradicional, principalmente


porque se configura como uma “[...] organização social, que ocupa
e usa territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição” (BRASIL, 2007). Além disso, guardam um patrimônio
histórico cultural, “um sítio arqueológico”, no qual segundo Rocha et al
(2014), a identificação de sítios arqueológicos é creditada em grande parte
ao conhecimento territorial das comunidades tradicionais que integram
paisagens antropizadas de longa duração.
O sítio arqueológico possui cerâmica e artefatos de origem indígena
(no Museu Vovô Affonso), de indígenas de várias etnias, principalmente
da etnia Munduruku. Constitui-se, portanto, “terras tradicionalmente
ocupadas” (ALMEIDA, 2004), que se expressaram e se expressam
historicamente por meio de uma gama de diversidades e “[...] formas de
existência coletiva de diferentes povos e grupos sociais em suas relações
com os recursos da natureza” (ALMEIDA, 2004, p. 9). Muitas das
relações ou territorialidades específicas pautadas na ideia do pluriverso,
isto é, na coexistência de muitos mundos e com diversas e emaranhadas
cosmologias (ESCOBAR, 2015).
Essa comunidade, a partir de 2011, começou a sofrer pressões com
relação à sedução por dinheiro e venda de terras (com especulação já
em 2010), e consequentemente o rompimento de vínculos comunitários:
“[...] aí como a ... venda começou em 2011 aí 2012 né ... até a:: agora
que parou um pouco /.../ já tem alguns anos que não vende mais nada
né desde 2013 parece que [...] estão presos né ... essa:: rouba-lheira né”[8]
(João Carlos[9], Morador de Santarenzinho, entrevista gravada em maio
de 2016).
Essa especulação fundiária foi intensificada, a partir de 2016, quando
houve uma padronização do preço dos terrenos:
[...] agora que o certo certo certo mesmo é que aqui na região que foi estipulado
mesmo é cem mil um hectare de terra ... aqui ... eles fizeram tipo assim né você é
diz aqui o preço por hectare ... cem mil um hectare
[...] chegaram num acordo né porque tá ficando muito especulativo e não dá
conta chegaram assim.
[...] ficou ... tava em torno disso ... cem mil à hectare ou seja um terreno que tem
dez hectares dá dez milhões ... se ele dá trinta hectares trinta milhões ... só que é
assim como eu tô falando ... isso depende do local né tem local que é mais caro do
que outro esse terreno mesmo nosso pelo valor que ele ofereceu iria girar em torno
de quase duzentos mil reais à hectare ... (José Maria, Morador de Santarenzinho,
entrevista gravada em setembro de 2017).

Em 2011 era um contexto de avanço de agentes econômicos e


investimentos com o objetivo de produção de complexos portuários para
movimentação de grãos, portanto, para agronegócio (RODRIGUES;
RODRIGUES, 2015; RODRIGUES, 2018); ao mesmo tempo havia
uma disputa na esfera do poder público, Itaituba e Rurópolis. Uma
disputa jurídica entre município de Rurópolis e Itaituba acerca de quem
“pertenceria” a Santarenzinho.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 488
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

O município de Itaituba, a partir de 2016[10], por meio da


Procuradoria Geral do Município (PGM), acionou a justiça federal, por
meio de uma medida cautelar para que fosse realizada uma perícia, “in
loco”, para definir/delimitar o limite territorial entre os dois municípios,
e a quem “pertenceria” Santarenzinho (ainda à espera de decisão),
pois hoje figuraria como “pertencente” ao município de Rurópolis.
Tal conflito territorial, dialogando com Fonseca (2020), envolvendo
os limites municipais, estão articulados à globalização e aos jogos de
interesses específicos, locais e regionais, para captura de investimentos
volumosos sobre territórios, assim como por tributos.
Essa disputa constitui uma forma de capturar capital simbólico e
econômico (financeiro e/ou “compensações”) para o poder público e
elites locais. Seria uma busca por “beneficios materiales o simbólicos
de universalización (los mismos que persiguen las estrategias dirigidas
a “ponerse en regla”) y que los universos que, como el campo
burocrático, reclaman con la mayor insistencia la sumisión a lo
universal” (BOURDIEU, 1997, p. 124). Em síntese seria a monetização
simbólica da comunidade, acompanhada da asfixia e a mutilação de
crenças, tradições, valores, sociabilidades/territorialidades específicas, ou
seja, a redução da comunidade ou o território a um ato de troca.
Essa monetização, que é também econômica (KOTHARI et al. 2020),
da comunidade pelos grandes agentes econômicos e pelo Estado (que
também é um agente econômico) reverbera-se no território (ZHOURI,
2018), na comunidade tradicional: na fragmentação familiar e no conflito
territorial. Em “entrevista” com um morador e membro da associação
comunitária de Santarenzinho, há um destaque sobre a fragmentação
familiar (quando da fala sobre venda de terrenos):
[...] porque foi assim ... teve o terreno que foi vendido ali pra são dois donos ... esse
terreno que também era da minha tia aqui também virou em dois ... então com
isso assim desparcelou um pouco as famílias que tinham aqui venderam e aí eles
é:: as terras não eram pequenas a deles ... de irmãos por exemplo aí eles venderam
e se tornou em dois donos três assim que é:: que ficou aqui ... houve uma divisão
de terras ... que as vezes tinha um dono vendeu ele ele tinha dois documentos né ...
aí surgiu ficou em dois donos que o caso de bem aqui ... que era do Waltinho/
Valtinho hoje tem dois donos ... lá que era da minha irmã também virou vai ser
dois donos ou já é .... então ... se tornou assim ... é:: em vez de uma empresa tá duas
três [Negrito nosso] (João Carlos, Morador de Santarenzinho, entrevista gravada
em maio de 2016).
[...] elas saíram exatamente por::: é::: vendas de terra essa coisas e foi vendendo
vendendo vendendo e foi saindo aí ... outros que moravam aqui[...]... e hoje já não
é mais assim devido a venda de terras e:: ... as pessoas sempre olham o dinheiro né ...
e:: não sei porque mais muitas pessoas olham assim mesmo que não que tenham
um prejuízo muito grande depois mas sempre ter aquele dinheiro né ... que deu eu
pelo que percebeu já deu prejuízo pra muita gente já isso
[...] vendido tem mais ou menos uns quinze lotes vendidos.
[...] o mais caro saiu em torno de dois milhões e meio ... dois e meio mais
só perdem é:: trinta hectares ... humm pequena mas trinta hectares (José Maria,
morador de Santarenzinho, entrevista gravada em setembro de 2017).

Esse “desparcelou” traz consigo uma densidade reflexiva, pois associa a


comunidade como uma grande família. A venda dos terrenos significou

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 489
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

a fragmentação de uma família, após seus “parentes” terem vendido suas


terras para construção de portos (foram cinco núcleos familiares – no
total mais de quarenta pessoas que moravam e venderam as terras) e ainda
familiares que possuem o interesse de vender suas terras.
Essa compreensão de vínculo social de “morador” vai de encontro com
a
[...] Su forma dominante, esta modernidad –capitalista, liberal y secular – ha
extendido su campo de influencia a la mayoría de rincones del mundo desde el
colonialismo. Basada en lo que llamaremos una ‘ontología dualista’ (que separa lo
humano y lo no humano, naturaleza y cultura, individuo y comunidad, ‘nosotros’
y ‘ellos’, mente y cuerpo, lo secular y lo sagrado, razón y emoción, etc.),
[...] “Un Mundo” – que hoy llega a su máxima expresión con la llamada
globalización neoliberal de corte capitalista, individualista, y siguiendo cierta
racionalidad– ha conllevado la erosión sistemática de la base ontológica-
territorial de muchos otros grupos sociales, particularmente aquellos donde
priman concepciones del mundo no dualistas (ESCOBAR, 2015, p. 93).

Essa globalização neoliberal/financeira, por meio de agentes


econômicos (empresas, multinacionais e Estado), tendem, dialogando
com Bourdieu (2014), a aplicar de forma sutil às estruturas objetivas
(estruturas de percepção, ação e apreciação), no mundo social para que
ele se movimente, consequentemente, contribuindo para que territórios e
pessoas também se movimentem (física e mentalmente). Tal situação seria
na realidade “coações” (violência simbólica), cujas pessoas reunidas iriam
se modelando a código de regras e regularidades (BOURDIEU, 1986).
Esses códigos de regras e regularidades vêm sendo expressos em
conflitos familiares - entre famílias -, uma espécie de modificação
da estrutura de sentimento de família e coletividade, por uma das
famílias[11]. Além disso, insere-se uma visão de “tempo veloz”,
de hiperconsumo, crescimento econômico, com o sufocamento de
territorialidades específicas a uma vida com tranquilidade, vinculada às
temporalidades e ao fluxo do rio, da floresta, da reprodução frutos e
animais (GUDYNAS, 2011; ACOSTA, 2016).
João Carlos, morador de Santarenzinho, em entrevista gravada em
setembro de 2017, fala sobre o início do conflito:
bom iniciou depois da ... daí da da ... daquele movimento de compra de terreno pra
porto né ... esses:: empreendimentos grandes quando eles começaram ... e que é que
acontece ... a comunidade era:: uma comunidade simples mas muito organizada ...
aí ... já passou a ter conflito dentro porque:: essa área o qual a gente se refere né
ela é dentro de uma propriedade né ... e esses proprietário acharam que com isso
aí eles não venderiam as áreas deles (José Maria[12], morador de Santarenzinho,
entrevista gravada em setembro de 2017).

Conflito esse que a priori foi a ruptura do senso de coletividade


ou de um bem comum coletivo, propriedade comum, pois a escola,
centro comunitário, igreja e campo de futebol que foram construídos
pela comunidade, que se localizava na propriedade de um familiar em
particular (logo adiante exporemos a perda dessa propriedade comum).
Tudo isso corresponderia a um processo de, segundo Gudynas (2011,
p. 11), “invasión o usurpación, no sólo de recursos naturales, sino de
los estilos de vida”, com base de desestruturações físico-simbólicos, isto

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 490
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

é, o desmoronamento de todas as representações, crenças, tradições,


experiências e memorias contidos nesses “objetos” que contribuem para
quebrar uma vinculação profunda com o lugar, no caso com o território.
Tornando, posteriormente, tais territórios mero valor de troca econômica
ou de prestação de serviços econômicos hegemônicos.
[...] eu to com mais de sessenta anos quando eu me entendi que já tinha já tinha
essa comunidade ... eu ajudei a construir o que tem hoje no caso o colégio da
época eu era o presidente da comunidade ... e hoje eles querem acabar destruir
botar tudo no chão pra nós ajuntar os pedaços e fazer me outro lugar esse que
é o problema -- mas é como meu irmão disse quem fez foi até ele essa casa é ele
quem faz quem construiu a sede [centro comunitário] ... tudo foi ele aí ele disse
como é que nós vamos (primeiro) derrubando hoje eu vou ajuntar esses cacos
que nós suemos aos pouquinho pra pegando aos pouquinhos comprando brasilite
comprando cimento um tijolo pra fazer e hoje nós vamos derrubar e pegar pra fazer
de novo não é assim facin que faz né?
(João Carlos, morador de Santarenzinho, entrevista gravada em maio de 2016).

Quando realizamos essa entrevista, em maio de 2016, já tinham


ocorrido várias situações de “brigas” e questionamentos acerca da retirada
ou remoção do centro comunitário, igreja, escola, poço artesiano e campo
de futebol, e, em final de 2016, houve um pequeno incêndio no clube de
futebol (que foi rapidamente contido). Outros sentidos e territorialidades
emergiam e passam a vigorar ou compor outras territorialidades que
sustentam outras formas de ações sociais e políticas, como assinala Zhouri
(2007; 2015; 2018) e Acselrad (2014) seria a construção de relações
de poder entre os sujeitos sociais, pautadas e determinadas por outros
significados de meio ambiente, espaço e território.
Em setembro de 2017, quando fomos realizar uma nova pesquisa de
campo (entrevista, registro fotográfico e conversa com os/as moradores/
as), o resquício de afetividade, solidariedade e vínculo social familiar
tinha se dissolvido. O cenário de conflito territorial intensificou-se com
novos projetos portuários e uma forte busca pela compra de terras
por empresários, nacionais, regionais e locais, principalmente com fins
especulativos. Segundo Zhouri (2015), há um padrão hegemônico de
construção de um pensamento, do Estado e das empresas (empresários
públicos e privados), em diversos megaprojetos, que é inserir a “terra como
propriedade”, e, portanto, como uma mercadoria valiosa (ZHOURI,
2018), sem conteúdo simbólico, identitário, cultural e coletivo.
Tal padrão hegemônico, “terra como propriedade”, começava
a permear as territorialidades da comunidade, promovendo
desestruturações e conflitos dentro da comunidade ribeirinha, sobretudo,
porque a “terra” é compreendida como patrimônio comunitário e
familiar, de uso coletivo de recursos (da paisagem e socialmente
construídos). Portanto, a terra é compreendida como território, isto é,
uma expressão de luta, conquistas, de memória coletiva, de identidade
e coesão social da comunidade: um “território como símbolo, valor
simbólico ("abrigo", "lar", segurança afetiva, fonte de vida, de existência
e reprodução social)” (GONCALVES; RODRIGUES; SOBREIRO
FILHO, 2019, p. 95).

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 491
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

A intensificação das desestruturações dentro das comunidades


ribeirinhas reverberou-se na sequência de atos violentos:
[...] o incêndio ... foi ... no finalzinho do ano passado né em dois mil::: e dezesseis
né ... foi em dois mil e quinze finalzinho de dois mil e quinze ... no último dia do
ano ... botaram hum é botaram fogo em tudo né mas o fogo não foi pra frente
apagou ... e alguém chegou lá zerou ... mas ... quando foi ano passado de dois mil
e dezesseis ... é no dia:: vinte e três de julho ... aí derrubaram tudo né que era
nosso derrubaram a igreja ... derrubaram a:: sede do clube .. a cozinha aí né o que
que a gente tinha de bem ... aí derrubaram e foi já em setembro pelo dia sete de
setembro ... aí os meninos foram brincar no campo de futebol né chegaram lá aí ...
já encontraram ... só vidro né ... no campo de futebol ... aí ... lá encerrou o esporte ...
sete de setembro não tem mais ... e:: a gente teve muita coisa boa né no passado e
hoje nada ... quando passou ... essa fase aí ... de derrubada vidro e tudo né ... aí a gente
é::: não conseguiu ... sucesso em nada mais de justiça de nada e tava como você vê
tá do mesmo jeito e ... ninguém apenas ninguém faz nada ... e a gente até tem medo
de procurar ... a justiça mesmo mas assim forte a gente tem medo pois quando a
pessoa faz um ato daquele ... é::: ... a gente tem medo que faça com qualquer um
né é:: possível fazer ... como vocês acabaram de ver né tá tudo no chão (a pessoa já
tem) quando você ... é capaz ... derrubar uma igreja ... né ... você tem você imagina
o que é derrubar uma igreja? [...]
[...] quando foi agora em julho pelo meio do mês de julho foi derrubada a escola
as mesmas que derrubaram a comunidade as coisas da comunidade foram as que
derrubaram. [...] (José Maria, morador de Santarenzinho, entrevista gravada em
setembro de 2017).

A destruição da escola, sede de futebol (também sede do centro


comunitário), igreja, e do campo de futebol (com cacos de vidros
quebrados) (vejam algumas fotos: escola, igreja, sede e nova escola
improvisada – Figura 2) vem significar a fragmentação do senso de
bem coletivo conquistado e construído mutualmente. Segundo Escobar
(2015), a fragmentação do lugar é necessária e indispensável, pois não
é possível inserir ou legitimar uma ordem hegemônica e exterior ao
lugar (LEFF, 2015; ESCOBAR, 2019), onde homens e mulheres, jovens
e adultos, criam e recriam suas práticas, costumes, crenças, tradições,
identidades, do qual o território se constitui como lugar de vida. Isso
se traduziu na absorção de dores e/ou sofrimento social, isto é, “[...]
uma construção coletiva que, por um lado, se exprime na constituição
de atores, na construção de uma memória e de uma narrativa sobre um
acontecimento” (MAGALHÃES, 2007, p. 261).
Segundo Bourdieu (2003), pessoas que sofrem fortes contradições
internalizam uma grande quantidade de sofrimento social, no semblante,
no olhar, no corpo e na autoestima. Situação que se refletiu nas
crianças e adolescentes, com destruição desses espaços de sociabilidade,
conhecimento e fonte de conquista coletiva da comunidade. Assim, os
efeitos da territorialização do agronegócio, também produziram uma
sobreposição ou amalgamento de efeitos, como um sovar (amassar
bem, para tornar homogêneo e liso), no qual o sofrimento social de
moradores(as) e crianças da comunidade de Santarenzinho é um exemplo,
uma expressão.
Esses efeitos não se assemelham, em termos de singularidades, em
sistematizações de pesquisas, mais recentes, acerca da construção e
expansão dos empreendimentos portuários no Brasil e seus efeitos

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 492
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

territoriais, conforme visualizamos em Vieira (2015), Monié (2016),


Moretti e Cox (2016), Gómez-Soto e Silva (2017), Vieira, Leal e Lemes
(2017), Sant'ana Júnior, Lopez e Pedro (2019) e Cruz e Hazeu (2020).

Figura 2
Fotografias da escola (A), igreja (C), sede derrubada (D), a nova escola
improvisada (E e F) e também a fotografia da escola, antes da destruição (B).
As fotografias (A) registradas por Jane Silva/IBASE e as fotografias (B), (C) e (D) registradas por Elmara
Guimarães/CPT-Prelazia de Itaituba (fotografias registradas em setembro de 2017). Pesquisa de campo integrada.

Essas destruições, que são, aliás, “despossessões bárbaras”, seriam


mecanismos de construção de território como troca. Mecanismo esse que
vem se reproduzindo na Amazônia como apontado por Hazeu (2015), em
Barcarena/Pará, onde há a sistemática estratégia de jogar famílias contra
famílias, seja pela oferta de dinheiro (e brigas por heranças), seja pela
contratação de membros familiares para trabalhar na futura empresa, ou,
pela compra coletiva da propriedade.
Os agentes econômicos (Estado e empresas) vêm construindo a
narrativa (e retórica) de sacrifício social individual para o bem coletivo,
do município, da região e/ou do Estado-nação. Na compreensão dessa
narrativa os interesses egoístas devem ser superados, principalmente o
ritmo do espaço-temporal corporal e subjetivo pautado na velocidade
dos rios, florestas, cosmologias, tradições e crenças e inserindo-se
a instantaneidade, a modernidade, ao trabalho esquizofrênico e ao
desenvolvimento econômico capitalista. Tal narrativa fortalecedora e
legitimadora de discursos e imaginários de superioridade de saber e poder
(RODRIGUES; LIMA, 2020) como também da monamentalidade do
caminho “imperialista” que se pauta-se na narrativa de consumo da
modernidade que é de colonialidade, “progressista e correspondem à
retórica celebratória da modernidade” (MIGNOLO, 2017a, p. 4), (o
relato da salvação, progresso e felicidade) que justifica[ria] a violência da
colonialidade. Para Mignolo (2017b, p. 13) pondera que a colonialidade
seria uma ‘matriz ou padrão colonial de poder’, “o qual ou a qual é um
complexo de relações que se esconde detrás da retórica da modernidade
(o relato da salvação, progresso e felicidade) que justifica[ria] a violência
da colonialidade”.
Além dessa situação de conflito -, de usurpação de lotes (para
duplicação da estrada de Santarenzinho) e violação de direitos (sem
consulta prévia, livre e informada) a comunidade de Santarenzinho vive

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 493
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

a angústia e a insegurança de perderem sua autonomia de acesso ao rio


Tapajós e à estrada, já que estão sendo cercados por diversos portos. Portos
esses pertencentes aos seguintes grupos econômicos: LDC, Cianport,
Transportes Bertolini, Odebrecht, Porto Ipiranga, DSR, Porto Tapajós,
Unirios.
né então assim ... nós temos acesso pelo rio ... mas por exemplo pra nós vir de
lá na na da casa da minha vizinha ... eu aí eu vou ter que fazer o que? ou eu
venho por água ou então eu vou ter que arrudiar lá, dois quilômetros de distância
pra poder vir bem aqui ... também eu tenho dois dois daqui aqui ali ô ... tem
QUATRO dono de terra ... pra você ver daqui até lá em casa não dá um quilometro
tem quatro terrenos ... são pequeno né? então esses quatro donos agora eles vão
fechar ... eles vão fechar né então meu acesso lá ... ou eu vou ter que fazer um
estradinha lá pro fundo pra mim sair lá ou então só pelo rio ... então ... fica essa
pergunta ... como ((risos)) a comunidade reage diante disso? (José Maria, Morador
de Santarenzinho, entrevista gravada em setembro de 2017).

Esse cercamento (fechamento, estrangulamento e obstrução) (Vide


Figura 3 que ilustra isso) é forma de obrigar a mercadificação e a
privatização da terra e a expulsão de populações tradicionais, isto é, a
conversão de várias formas de direitos (“Bem Viver”) de propriedade
comum e/ou coletiva em direitos exclusivos de propriedade privada
corporativa -, com a supressão dos direitos a territórios comuns
partilhados e formas autóctones de produção, consumo, relações
simbólicas e identitárias. Ou, como assinala Escobar (2019), uma forma
de buscar a construção de novos territórios existenciais pautados na lógica
capitalista colonial.

Figura 3
mapa de localização da Comunidade de Santarezinho e o “cercamento” por portos
Autor

O Oeste do estado do Pará e ao longo do rio e das margens


do Tapajós, os diversos territórios passam por um processo de
incorporação a desenhos de programas e projetos (já predefinido,

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 494
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

sem debate e participação social), com a re-funcionalização dos


territórios a serviço de grupos capitalistas, fluxos globais de exploração e
espoliação (ESCOBAR, 2019), que possuem forte participação do Estado
brasileiro (RODRIGUES, 2018). Como indaga José Maria, morador
de Santarenzinho e então presidente da comunidade de Santarenzinho
(entrevista gravada em setembro de 2017): “[...] é outro problema que vai
ficar na comunidade é ... sério né porque ... que que nós ... moradores daqui
podemos fazer diante de uma empresa? É uma pergunta que eu faria a
você ... o que que NÓS poderíamos fazer diante de tem dinheiro acima
da ... da justiça? acima da lei? Que que nós podíamos fazer?”.
Apesar da fala do morador de Santarenzinho, acerca da dificuldade de
organizar e enfrentar tal evento conflituoso, as lutas baseadas no lugar, isto
é, em defesa da vida, diversidades e de suas territorialidades (ALMEIDA,
2012; ESCOBAR, 2019) conformaram-se em uma vitória coletiva da
comunidade, no que tange a uma nova “área” onde será construída a nova
escola, o centro comunitário e o campo de futebol (Figura 4).

Figura 4
Área onde será construída nova escola, centro comunitário e campo
de futebol, comunidade de Santarenzinho, Rurópolis, Oeste do Pará
registrado por Jondison Rodrigues no dia 08 de dezembro de 2019

Tal resistência configuraria uma espécie de coesão social (territorial),


com o rompimento com a tutela e ação mediadora técnico-burocrática do
Estado. Aliás, tal ação técnico-burocrática acaba por invisibilizar e diluir a
participação e a representatividade das mobilizações políticas em mesas de
negociação (ALMEIDA, 2012; BRONZ; ZHOURI; CASTRO, 2020).
Mas cabe ainda destacar que seria uma forma de se afirmar e se posicionar
em sua zona ontológico-existencial (FANON, 2009), enquanto uma zona
humana, de diversidades, solidariedades e de vidas, que aliás, possuem
direitos calcados em declarações, constituições e leis.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 495
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

A coesão social (territorial) também significaria uma defesa do


território, da cultura e da identidade da comunidade (ESCOBAR, 2019).
Uma forma de demarcação, de posição política contra-hegemônica face à
territorialização do agronegócio, pelos seguintes projetos já desenhados:
ferroviário (Ferrogrão), hidrelétricos (Complexo São Luiz do Tapajós),
Pequenas centrais Hidrelétricas (PHCs, em Rurópolis e Itaituba), portos
(mais de quarenta), pátios e postos de combustível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário dessa última década no Brasil, em termos de políticas


territoriais, pensado e coordenado pelo Estado (em parceria público-
privado), foi de ajustes espaciais e macropolíticas, calcados em uma visão
progressista-desenvolvimentista e neoextrativista. Cenário esse que vem
sendo desenhado, ou, aliás, desenha-se, na escala nacional, principalmente
na escala regional, no caso na Amazônia, pela reedição de estratégias
políticas seletivas (de espaços e agentes ganhadores) e do capitalismo
colonial parasitário.
Tal quadro e racionalidades (arquiteturas de poderes), que vêm se
instalando, com lógicas corporativas em escala global, nacional, regional
e local, baseados: na exploração de trabalhadores(as), desmatamento,
poluição, privatização de espaços de uso coletivo (rio, estradas e rodovias),
espoliação de territórios e violação de direitos humanos, étnicos,
territoriais e da natureza. Tudo isso muito bem visualizado na Amazônia
oriental, mais particularmente, no oeste do estado do Pará, e, tendo como
grande protagonista o agronegócio.
Entre os efeitos das ações e políticas do agronegócio, estão os
espraiamentos nos territórios - uma configuração de lutas e disputas
territoriais, isto é, de conflitos territoriais. Conflitos, por exemplo,
que discorremos ao longo artigo, na comunidade de Santenrezinho,
com pescadores(as) artesanais. Portanto, conflitos entre populações
tradicionais e trabalhadores(as), multinacionais e tradings ligadas ao
setor agronegócio (Cargill, Hidrovias do Brasil, Cianport, LDC, ADM,
Bertolini, Odebrecht, RTL, VMX, Caramuru, JF Oliveira, Porto
Ipiranga, DSR, Porto Tapajós, ATEM, Unirios, Mobile, Cantagalo e
Júlio Simões). Ainda com parceria com bancos (o BNDES) e fundos
(Pátria investimentos, proprietárias da Hidrovias do Brasil). Cabe
destacar que todos esses setores e agentes do agronegócio vêm compor o
mosaico de grupos sociais (e disputas) que já compunham a região oeste
do estado do Pará: indígenas, ribeirinhos, agroextrativistas, garimpeiros,
beiradeiros, palmiteiros, migrantes, fazendeiros, elites locais e populações
em geral.
Face a esse mosaico de agentes e diversos usos do território, é que as
dinâmicas territoriais também se pluralizam em termos de singularidades
de conflitos territoriais, mas possuindo a mesma lógica imperativa de
espoliação, advinda da territorialização do agronegócio. Singularidades
(especificidades) no que tange “aos territórios em disputa” e às “visões
de território”, por exemplo, na comunidade Santarezinho e junto a

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 496
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

pescadores(as) artesanais. Nessa comunidade o território em disputa foi e


é o território físico plural, a “terra” (enquanto território!); já para os(as)
pescadores(as) a disputa é pelo rio Tapajós. A “visão de território” é um
pouco distinta: a comunidade de Santarezinho vê o território como aquilo
que une enquanto comunidade (coesão social), expressão da memória
coletiva e da identidade, isto é, de manutenção de práticas, costumes,
crenças, tradições e identidades, do qual o território constitui-se lugar
de vida. Já para os(as) pescadores(as) artesanais, as “visões de território”
perfaz-se por uma espécie de reprodução social e existencial e o território
enquanto natureza mãe, que concede alimento, bem estar e existência
social.
Tal síntese (nesse artigo) não é apenas a apresentação de conflitos,
territórios em disputas, “visões de territórios” de agentes que estão
em tais disputais e conflitos, como também não é somente para dar
visibilidade a lutas territoriais, aos atores vulneráveis e à profunda
naturalização de conflitos e violências. É também para compreender que
esses conflitos territoriais não são locais, mas sim globais, já que estão
inseridos como mecanismo ou processo de controle monopolístico do
território, pois “você espolia as pessoas da sua vizinhança; você espolia
as pessoas dos seus espaços de moradia porque quer aqueles espaços
para a incorporação” (HARVEY, 2012, p. 17-8). Assim, estão inseridos
dentro de políticas e lógicas econômicas interescalares globais que se
conectam regiões e territórios, e, manifestam-se em agendas políticas e
econômicas que promovem violações que compõe uma “economia de
espoliação” (HARVEY, 2012, p. 17).
“Economia de espoliação” que a comunidade de Santarenzinho e os(as)
pescadores(as) artesanais estão inclusos, e que podem se intensificar
com desembarques de investimentos e políticas estatais autoritárias, de
multinacionais, de bancos e de fundos, na Amazônia oriental. Cabe
destacar que essa “economia de espoliação” se manifesta ano após ano
(particularmente, 2018, 2019 e 2020), por exemplo, com o aumento
de taxas de incêndios e desmatamentos, conflitos fundiários, grilagem
de terras, ameaças de morte, assassinatos, expulsões de trabalhadores(as)
de terras e territórios, trabalho escravo, especulação imobiliária e
fundiária. Além disso, conformados pela materialização de uma atmosfera
de intimidação e desqualificação por agentes fundiários (fazendeiros,
jagunços, pistoleiros e elites locais). Conflitos intensificados no oeste
do estado Pará, desde a eleição para presidente do Brasil, em 2018, de
Jair Bolsonaro. Portanto, antecedendo ao destacado por Bronz, Zhouri e
Castro (2020, p. 21): “Ainda em janeiro de 2019, nos primeiros dias de
governo, foram registradas denúncias de invasão em terras indígenas em
todo o Brasil”.
A eleição e consequentemente as ações políticas estatais pautados no
discurso autoritário, autorizatório e legitimatório, de práticas violentas,
espoliativas sobre a natureza, populações e comunidades, principalmente
populações tradicionais, indígenas e agroextrativistas, são visualizadas
claramente no Oeste do estado Pará. Práticas violentas e espoliativas que
estão inseridas em uma agenda (e ações) anti-cultural, anti-democrática,

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 497
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

anti-ambiental, anti-indígena[13] e antipopulações tradicionais (além


de anti-afrodescendetes e anti-LGBTQI+) - uma verdadeira cruzada
em termos de eco-cosmo-epistemistecídio – inclusive no período mais
intenso de casos e óbitos da pandemia da Covid-19 no Brasil.
O oeste do estado do Pará vive um clima de tensão e ameaças a
territorialidades e territórios, que já estava intenso, devido projetos
infraestruturais e logísticos: portuários, hidrelétricos, hidroviário,
rodoviário e ferroviário, ligados ao agronegócio. Primeiro devido o
Projeto de Lei 191/2020, enviado pelo poder executivo (governo
Bolsonaro) que vem estabelecer as condições específicas para a realização
da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o
aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em
terras indígenas, instituindo a indenização pela restrição do usufruto de
terras indígenas. Tal ato Projeto de Lei que desencadeou à interdição do
entroncamento entre rodovia Br-163 e Br-230 (no Distrito de Campo
Verde, em Itaituba), no dia 02 de setembro de 2020, por cerca de
150 indígenas e garimpeiros. A pauta que sustentou a interdição foi a
legalização das atividades de garimpo e liberação da exploração minerária
e garimpeira em terras indígenas, no caso, a agilidade da aprovação do
Projeto de Lei 191/2020.
Outro clima de tensão e ameaças a territorialidades e territórios é que
dia 25 de novembro de 2020, o Governador do estado do Pará, Helder
Barbalho, assina o decreto nº 1.190/2020 que regulamenta a Lei Estadual
nº 8.878, de 8 de julho de 2019, sobre a regularização fundiária das áreas
rurais, e dá outras providências. No Art. 1º deste Decreto enfatiza sobre a
regularização fundiária das áreas rurais sob o domínio do Estado do Pará
e/ou áreas rurais sob o domínio da União e dos Municípios, desde que
sejam objeto de convênio ou outro instrumento legal apropriado firmado
entre os respectivos entes competentes. Dispositivo jurídico esse que
acaba por fortalecer grilagens de terras, especulação fundiária, produção
de um mercado de terras e aquisição de terras por estrangeiros. Em síntese
uma corrida por compra de terras, principalmente no oeste do estado do
Pará, fonte de vários projetos privados de investimentos. Tais resultados
ou efeitos que constituirão futuramente outros resultados de pesquisa,
assim como outros artigos científicos.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ e a FEPEAP/CAPES pela bolsa, respectivamente, de


Doutorado e Pós-Doutorado, ao autor do artigo. Ao MAB, CPT,
IBASE, Terras de Direitos, pelos diálogos e entrevistas. Também
agradecemos ao Grupo de Pesquisa sobre Estado, Território, Trabalho
e Mercados Globalizados/GETTAM (coordenado pela professora Edna
Castro, da Universidade Federal do Pará/UFPA) e o Grupo de Pesquisa
sobre Sociedade, Território e Resistência na Amazônia/GESTERRA
(Coordenado pelos professores: Solange Gayoso e Marcel Hazeu/UFPA)
pelos ensinamentos, diálogos e participações formativas e autoformativa.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 498
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

Notas

[1] Segundo Loureiro (2019, p. 210): “O sequestro da autonomia


política da região, seguido do seu disciplinamento pelo bloqueio das
ações regionais e locais, exigia uma alteração no quadro cultural,
com a diminuição das populações tradicionais, populações interioranas
próprias da região e, especialmente, índios. Tais grupos sociais eram
concebidos e o são ainda hoje por parte da tecnoburocracia e pelos
grupos econômicos, como povos atrasados, primitivos, portadores de uma
cultura inferior, que criam obstáculos ao desenvolvimento e que só teriam
a ganhar integrando-se à sociedade urbana e “civilizada”, devendo por isto
desocupar suas terras para destiná-las a atividades ditas ‘modernas’”.
[2] As pesquisas de campo ocorreram em: i) julho de 2014; ii) fevereiro
e novembro de 2015; iii) maio, agosto e outubro de 2016; iv) junho e
setembro de 2017; v) novembro de 2018; e, vi) maio e dezembro de 2019.
[3] Habitus é um sistema de esquemas de percepção, apreciação e ação
que estão ligados a um “campo”, do qual se reproduz a lógica objetiva
de campo, consequentemente re-produzido relações sociais objetivas, os
esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão
(BOURDIEU, 1997).
[4] As espécies “exploráveis” pela pesca artesanal são: aracus, piaus,
tucunarés, jaraqui, pescada branca, surubim, acará, pacu, mapará, fura-
calça, branquinha e sarda (ZACARDI; PONTE; SILVA, 2014).
[5] Ministério Público Estadual e Federal em Ação Civil Pública
questiona: (a) que não houve consulta prévia, livre e informada (com
relação aos portos da Bunge, Hidrovias do Brasil e Cianport) (d)as aldeias
indígenas da Praia do Índio, Praia do Mangue, Sawré-Muybu, e demais
populações tradicionais, como a de Montanha e Mangabal, ribeirinhos,
pescadores, garimpeiros artesanais, localizados na área de influência do
empreendimento projetado e afetados pelas medidas administrativas e
legislativas já executadas no âmbito do licenciamento ambiental.
[6] O trabalho foi publicado em 2014, mas as coletas de dados
ocorreram em 2012. A data aqui é importante, pois a pesquisa precede a
instalação do Porto da Bunge (recentemente Unitapajós), que começou
a operar em 2014.
[7] Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de
Cargas da Hidrovia do Tapajós (ATAP). A partir de agosto de 2016,
a ATAP torna-se Associação dos Terminais Portuários e Estações de
Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica (AMPORT) que representa
12 empresas que possuem: Cargill, Cianport, Hidrovias do Brasil,
Imerys, LDC, Mineração Buritirama S.A, Norsk Hydro S.A, Chibatão
Navegação, Terminal de Grãos Ponta da Montanha, Termogás S/A,
Transportes Bertolini e Unitapajós.
[8] É uma referência ao grupo Odebrecht.
[9] Por uma questão de ética e preservação do nome dos entrevistados,
criamos nomes fictícios.
[10] No dia 11 de novembro de 2016, realizou-se uma audiência
pública na câmara de vereadores de Itaituba, para discutir acerca do

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 499
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

problema da divisa de Itaituba com Rurópolis, mais especificamente, o


caso de Santanrenzinho.
[11] Por questão ética e para não desencadear outros conflitos,
resolvermos não citar a família especificamente.
[12] Por uma questão de ética e preservação do nome do entrevisto,
criamos um nome fictício.
[13] No caso, eco-cosmo-epistemistecídio das populações indígenas
com a negação (o veto), em julho de 2020, devido à escassez de acesso
às aldeias à água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e
respiradores mecânicos, de acordo com a lei (Lei 14.021, de 2020 que
prevê medidas e o Plano Emergencial para Enfrentamento de proteção
para comunidades indígenas durante a pandemia da Covid-19). Outro
eco-cosmo-epistemistecídio das populações indígenas se faz por acusações
(e ataques) do presidente Jair Bolsonaro às populações indígenas,
culpabilizando-os por incêndios generalizados na floresta Amazônica.
Acusação realizada na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (no dia 22 de setembro de 2020).

REFERÊNCIAS

ACOSTA, A. O Bem Viver. São Paulo: Autonomía Literaria y Editora Elefante,


2016.
ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por
justiça ambiental. Estudos Avançados, [S./l.], v. 24, n. 68, p. 103-111,
2010.
ACSELRAD, H. Disputas cognitivas e exercício da capacidade crítica: o caso dos
conflitos ambientais no Brasil. Sociologias, [S./l.], v. 16, n. 35, p. 84-105,
2014.
ALMEIDA, A. W.B. Territórios e territorialidades específicas na Amazônia:
entre a “proteção” e o “protecionismo”. Caderno CRH, [S./l.], v. 25, n.
64, p. 63-71, 2012.
ÁLVAREZ, L.; COOLSAET, B. Decolonizing Environmental Justice Studies:
A Latin American Perspective. Capitalism Nature Socialism, [S./l.], v.
31, n. 2, p. 50-69 2020.
ARAUJO, R. S. B.; CASTRO, E. M. R. Desenvolvimento e conflitos na
Amazônia: um olhar sobre a colonialidade dos processos em curso na
BR-163. Revista NERA, [S./l.], v. 42, p. 51-73, 2018.
BALLESTRIN, L. Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O Elo
Perdido do Giro Decolonial. Dados, [S./l.], v. 60, n. 2, p. 505-540, 2017.
BENATTI, J. H. et al. Questão fundiária e sucessão da terra na fronteira Oeste
da Amazônia. Revista Novos Cadernos NAEA, [S./l.], v. 11, p. 85-122,
2008.
BERTAUX, D. O “relato de vida” como método das ciências sociais: Entrevista
com Daniel Bertaux. Tempo Social, [S./l.], v. 32, n. 1, p. 319-346, 2020.
BOURDIEU, P. Habitus, code et codification. Actes de la recherche en
sciences sociales, v. 64, p. 40-44, 1986.
BOURDIEU, P. Razones práticas - sobre la teoria de la acción. Barcelona:
Anagrama, 1997.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 500
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

BOURDIEU, P. Doxa y vida cotidiana. In: ZIZEK, S. (Ed). Ideología – Um


mapa de la cuestión. Buenos Aires: FCE, 2003. p. 295-308.
BOURDIEU, P. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais. Brasília, 2007.
BRONZ, D.; ZHOURI, A.; CASTRO, E. Passando a boiada: violação
de direitos, desregulação e desmanche ambiental no Brasil. Revista
Antropolítica, [S./l.], n. 49, p.8-41, 2020.
CASTRO, E. M. R. Sociedade, Território e Conflitos: a Br 163 em Questão.
Belém: NAEA/UFPA, 2008.
CASTRO, E. M. R.; CAMPOS, I. Formação Socioeconômica do Estado
do Pará. In: CASTRO, E. M. R.; CAMPOS, I. (Orgs.). Formação
Socioeconômica da Amazônia. Belém: NAEA, 2015.
CASTRO, E. M. R. Amazônia na encruzilhada entre o saque colonial e as
lutas de resistência. In: CASTRO, E. M. R. (Org.). Territórios em
transformação na Amazônia. Belém: UFPA/NAEA, 2017a. p. 19-48.
CASTRO, E. M. R. Introdução a territórios em transformação. In: CASTRO,
E. M. R. (Org.). Territórios em transformação na Amazônia. Belém:
UFPA/NAEA, 2017b. p. 7-16.
CASTRO, E. M. R. Neoextractivismo en la mineria, prácticas coloniales y
lugares de resistencia en Amazonia, Brasil. Perfiles Económicos, [S./l.], v.
5, p. 35-76, 2018.
CASTRO, E. M. R. Razão decolonial, experiência social e fronteiras
epistemológicas. In: CASTRO, E. M. R. (Org.). Pensamento crítico
latino-americano. São Paulo: Editora Annablume/Editora CLACSO,
2019. p. 35-62.
CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no Campo: Brasil de 2019.
Goiânia: CPT Nacional, 2020.
CRUZ, J. N.; HAZEU, M. T. Água em estado vivo: conflito socioambiental e
r-existência em torno do rio Dendê, Barcarena, Pará. Revista de Políticas
Públicas, [S./l.], v. 24, n. 1, p. 28-48, 2020.
FANON, P. Piel negra, máscaras blancas. Madrid: Akal, 2009.
FERNÁNDEZ‐LLAMAZARES, A. et al. A State‐of‐the‐Art Review
of Indigenous Peoples and Environmental Pollution. Integrated
Environmental Assessment and Management, [S./l.], v. 16, n. 3, p.
324-341, 2020.
FLEURY, L. C.; ALMEIDA, J.; PREMEBIDA, A. O ambiente como questão
sociológica: conflitos ambientais em perspectiva. Sociologias, [S./l.], v. 16,
n. 35, p. 34-82, 2014.
FLEURY, L. C.; BARBOSA, R. S.; SANT’ANA JÚNIOR, H. S. Sociologia dos
conflitos ambientais. Revista Brasileira de Sociologia, [S./l.], v. 5, n. 11,
p. 219-253, 2017.
FONSECA, A. A. M. Localismo, desempenho institucional e (in)justiça
territorial. Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía,
[S./l.], v. 29, n. 2, p. 473-492, 2020.
GONCALVES, O. D.; RODRIGUES, J. C.; SOBREIRO FILHO, J. Marés das
rebeldias em Abaetetuba: dos rios da existência à resistência dos territórios

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 501
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

na Amazônia paraense, Baixo Tocantins. Revista Tamoios, [S./l.], v. 15,


n. 1, p. 80-103, 2019.
GÓMEZ-SOTO, W. H.; SILVA, R. H. A expansão dos empreendimentos
portuários e seus efeitos sociais na vida cotidiana dos pescadores da Vila
Nova - São José do Norte (RS). Estudos Sociedade e Agricultura, [S./l.],
v. 25, n. 1, p. 131-152, 2017.
GUDYNAS, E. Buen vivir: Germinando alternativas al desarrollo Eduardo
Gudynas. América Latina em Movimento, [S./l.], n. 462, p. 1-20, 2011.
GUDYNAS, E. Nuevas coyunturas entre extractivismos y desarrollo Los límites
del concepto de populismo y la deriva autoritária. Ecuador Debate, [S./
l.], n. 105, p. 23-45, 2018.
HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola,
2008.
HARVEY, D. A urbanização e as crises. A urbanização e as crises. Pós, [S./l.], v.
19, n. 32, p. 10- 24, 2012.
HAZEU, M. T. O não-lugar do outro: sistemas migratórios e transformações
sociais em Barcarena. 2015. 337f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento
Socioambiental) – Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Belém,
2015.
KOTHARI, A. et al. Hallar senderos pluriversales. Revista del CESLA, [S./l.],
v. 25, p. 3-24, 2020
LASCHEFSKI, K. Licenciamento e Equidade Ambiental: As racionalidades
distintas de apropriação do ambiente por grupos subalternos. In:
ZHOURI, A. (Org.). As Tensões do Lugar. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011. p. 21-60.
LASCHEFSKI, K.; ZHOURI, A. Povos indígenas, comunidades tradicionais
e meio ambiente: a ‘questão territorial’ e o novo desenvolvimentismo no
brasil. Revista Terra Livre, [S./l.], v. 1, n. 52, p. 278-322, 2019.
LEFF, E. Encountering political ecology: epistemology and emancipation. In:
BRYANT, R. (Ed.). e International Handbook of Political Ecology.
Chelteham: Edward Elgar Publishing, 2015. p. 44-56.
LEFF, E. Reexistencia. In: D’ALISA, D.; DEMARIA, F.; KALLIS, G.
Decrecimiento: un vocabulario para una nueva era. 2 ed. Cidade do
México: Icaria editorial, s. a./Fundación Heinrich Boell, 2018. p. 357-359.
LOUREIRO, V. R. Amazônia: da dependência a uma nova situação colonial. In:
CASTRO, E. (Org.). Pensamento crítico latino-americano. São Paulo:
Annablume, 2019. p. 197-224.
MAGALHÃES, S. B. Lamento e Dor: Uma análise sócio-antropológica do
deslocamento compulsório provocado pela construção de barragens. 278
f. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal
do Pará, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2007.
MARTINEZ-ALIER, J. Conflitos de distribuição ecológica num contexto
de incerteza. In: CABRAL, M. V.; GARCIA, J. L.; JERÓNIMO, H.
(Orgs.). Razão, Tempo e Tecnologia: Estudos em Homenagem ao
Professor Hermínio Martins, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006.
p. 411-487.
MARTINEZ-ALIER J.; M. O’CONNOR. Ecological and economic
distribution conflicts. In: COSTANZA, R.; J. MARTINEZ-ALIER, J.;

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 502
Jondison Cardoso Rodrigues. CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA ORIENTAL, OESTE DO ESTADO DO PARÁ: duas
situações distintas, mas a mesma lógi...

SEGURA, O. (Ed.). Getting down to Earth: Practical Applications of


Ecological Economics. Washington: Island Press/ISEE, 1996.
MARTINEZ-ALIER J.; ROY, B. Editorial: Some Insights on the Role of
Violence. Ecology, Economy and Society–the INSEE Journal, [S./l.], v.
2, n. 1, p. 27–30, 2019.
MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, [S./l.], v. 32, n. 94, p. 1-18, 2017a.
MIGNOLO, W. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, [S./l.], v. 1,
n. 1, p. 12-32, 2017b.
MIKATI, M. For a Dialectics of nature and need: unity, separation, and
alienation. Capitalism Nature Socialism, [S./l.], v. 31, n.1, p. 34-51, 2020.
MINAYO, M. C. S. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade.
Emancipação (Online), [S./l.], v. 10, n. 2, p. 437-444, 2010.
MINAYO, M. C. S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência
e Saúde Coletiva, [S./l.], v. 17, n, 3, p. 621-626, 2012.
MONIÉ, F. Análise geopolítica dos conflitos territoriais na área de influência do
Complexo Portuário e Industrial do Açu - São João da Barra, RJ. Cadernos
do Desenvolvimento Fluminense, [S./l.], v. 09, p. 69-83, 2016.
MOREIRA, R. Em Busca dos fundamentos: o problema da identidade e do
método – Parte I: a geografia da totalidade. Revista Ciência Geográfica,
[S./l.], v. 24, n. 1, p. 107-113, 2020.
MORETTI, R.; COX, M. Impactos socioambientais ao longo da implantação
e consolidação do Complexo Industrial Portuário de Suape - PE. Gaia
Scientia (UFPB), [S./l.], v. 10, p. 98-105, 2016.
PAULA, C. Q. A Pesca artesanal na geografia brasileira: impactos/conflitos,
ambientes/ territórios. PARA ONDE!? (UFRGS), [S./l.], v. 12, n. 1, p.
01-08, 2019.
PAULA, C. Q. A. Conflitos por território na pesca artesanal brasileira. Revista
NERA, [S./l.], v. 23, n. 51, p. 180-204, 2020.
PAULA, C. Q.; SUERTEGARAY, D. M. A. Modernização e pesca artesanal
brasileira: a expressão do “mal limpo”. Revista Terra Livre, [S./l.], v. 1, n.
50, p. 97-130, 2018.
RADAELLI, A.; VARGAS, F; FLEURY, L. Ciências sociais, ambientes e o
debate colonial: uma introdução. Revista Contraponto, [S./l.], v. 6, n. 2,
p. 1-8, 2019.
ROCHA, B. C. et al. Na margem e à margem: arqueologia amazônica
em territórios tradicionalmente ocupados. Amazônica: Revista de
Antropologia (Online), [S./l.], v. 6, n. 2, p. 358-384, 2014.
RODRIGUES, J. C. O Estado a contrapelo: lógica, estratégias e efeitos
de complexos portuários no oeste do Pará. 383 f. Tese (Doutorado
em Desenvolvimento Socioambiental) – Universidade Federal do Pará,
Belém, 2018.
RODRIGUES, J. C.; RODRIGUES, J. C. A produção de complexos portuários
no município de Itaituba, Oeste do Pará: lógicas e contradições das
políticas públicas. Caminhos de Geografia, [S./l.], v. 16, n. 56, p. 1-21,
2015.
RODRIGUES, J. C.; LIMA, R. A. P. Grandes projetos de infraestrutura na
Amazônia: imaginário, colonialidade e resistências. Revista NERA, [S./l.],
v. 23, p. 89-116, 2020.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 503
Revista Cerrados (Unimontes), 2020, vol. 18, núm. 02, ISSN: 1678-8346 / 2448-2692

SANT'ANA JÚNIOR, H. A.; LOPEZ, J. I. A.; PEDRO, V. V. Cajueiro:


Terminal Portuário, Resistência Popular e Conflito Ambiental em São
Luís do Maranhão. In: In: CASTRO, E.; CARMO, E. D. (Orgs.). Dossiê
Desastres e Crimes da Mineração em Barcarena. Belém: NAEA/UFPA,
2019. p. 53-68.
SHIEDEL, A. et al. Environmental conflicts and defenders: a global overview.
Global Environmental Change, [S./l.], v. 63, p. 1-12, 2020.
SILVA, D. M.; ARAÚJO, D. O. A; SILVA, M. F. L. As determinações
epistemológicas da Justiça ambiental no âmbito da complexidade dos
valores do meio ambiente. Revista Eletrônica Mestrado em Educação
Ambiental, [S./l.], v. 36, n. 2, p. 391 - 408, 2019.
SVAMPA, M. Commodities Consensus: Neoextractivism and Enclosure of the
Commons in Latin America. e South Atlantic Quarterly, [S./l.], v.
114, n. 1, p. 65–82, 2015.
SVAMPA, M. Yers un néoextractivisme aux formes extrêmes. Recherches
internationales, [S./l.], n. 115, p. 145-165, 2019.
TEIXEIRA, R. O. S.; ZHOURI, A; MOTTA, L. D. Os estudos de impacto
ambiental e a economia de visibilidades do desenvolvimento. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, [S./l.], v. 36, n. 105, p. 1-18, 2020.
TORRRES, M. Terra privada, vida devoluta: ordenamento fundiário e
destinação de terras públicas no Oeste do Pará. 2012. 879 f. Tese
(Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo, Programa de
Pós-Graduação em Geografia, São Paulo, 2012.
VIEIRA, T. W. M. Novo desenvolvimentismo e conflitos ambientais: o
Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro e os pescadores
artesanais da Baía de Guanabara. 2015. 126 f. Dissertação (Mestrado
em Ciências Ambientais e Conservação) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Ciências Ambientais e
Conservação, Rio de Janeiro, 2015.
VIEIRA, T. W. M.; LEAL, G. F.; LEMES, R. M. Novo desenvolvimentismo
e conflitos ambientais na Baía de Guanabara. Desenvolvimento e Meio
Ambiente, [S./l.], v. 42, p. 271- 286, 2017.
ZACARDI, D. M.; PONTE, S. C. S.; SILVA, A. J. S. Caracterização da pesca
e perfil dos pescadores artesanais de uma comunidade às margens do Rio
Tapajós, Estado do Pará. Amazônia: Ciência & Desenvolvimento, [S./
l.], v. 10, n. 19, p. 129-148, 2014.
ZHOURI, A. From 'participation' to 'negotiation': supressing dissent in
environmental conflict resolution in Brazil. In: BRYANT, R. (Ed.). e
International Handbook of Political Ecology. Chelteham: Edward Elgar
Publishing, 2015. p. 447-459.
ZHOURI, A. Megaprojects, epistemological violence and environmental
conflicts in Brazil. Perfiles Económicos, [S./l.], n. 5, p. 7-33, 2018.

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R


Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 504

Você também pode gostar