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História Econômica: uma breve ...

– Cavalcante & Cavalcante

HISTÓRIA ECONÔMICA: UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE


SUAS ABORDAGENS E TRAJETÓRIAS

d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n18p75

Jannaiara Barros Cavalcante – UPE1


Jupiraci Barros Cavalcante - UFAL2

Resumo: As discussões ligadas à interdisciplinaridade estão hoje


extremamente presentes no espaço acadêmico. Embora saibamos dessa
realidade, bem como dos esforços realizados para que seja vivenciada,
compreendemos que ainda estamos inseridos dentro de uma cultura
disciplinar que muitas vezes acaba travando diálogos e aproximações
que possibilitem a construção de um saber de maneira mais integral.
Compreendendo esta realidade, esta discussão busca expor alguns
debates que envolvem a História econômica enquanto campo que
transita pela Economia e pela História, possuindo abordagens e perfis
teórico-metodológicos que partem das duas ciências citadas. Sendo
assim, acreditamos que esse texto possa ser útil aos estudiosos das
ciências humanas e sociais que tem algum interesse em conhecer os
debates em torno das trajetórias e possibilidades de abordagens da
produção em História econômica.

Palavras-chave: História econômica; trajetória; abordagens.

1
Mestre em História pela UFPE, graduada em História pela UPE. Atualmente
professora de História na rede municipal de Garanhuns.
2
Mestre em Economia pela UFAL, graduada em Ciências Econômicas pela Faculdade
do Vale do Ipojuca (FAVIP). Atualmente professora do curso de Administração da
UFAL.
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Abstract: The discussions related to interdisciplinarity are today


extremely present in academic space. Although we are aware of this
reality, as well as the efforts made to make it happen, we understand
that we are still part of a disciplinary culture that often ends up in
dialogues and approaches that make it possible to construct a more
complete knowledge. Understanding this reality, this discussion seeks
to expose some debates that involve economic history as a field that
travels through economics and history, having approaches and
theoretical and methodological profiles that depart from the two
sciences cited. Thus, we believe that this text can be useful to scholars
of the human and social sciences who have some interest in knowing
the debates about the trajectories and possibilities of approaches of
production in economic history.

Keywords: Economic history; trajectory; Approaches

Introdução
A construção do conhecimento histórico em todas as suas
dimensões, exige do pesquisador um olhar atento que consiga bem
aproveitar os conceitos e categorias que são produtores de sentidos e
que nos permitem melhor analisar os contextos sociais. Tal exercício
exige sempre uma aproximação com outras esferas do conhecimento.
Há algumas décadas que a interdisciplinaridade, em perspectiva
epistemológica ou pedagógica, é palavra comum no vocabulário
acadêmico, ressaltando-se sempre a sua importância para dar conta da
complexidade dos fenômenos sociais. Nesse sentido, falaremos sobre a
aproximação da História com outros campos da produção do
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conhecimento, bem como a definição de sub-campos dentro dessa área


que, devido a sua própria constituição, só podem ser melhor pensados
em diálogo com outras ciências. Trataremos nessa discussão sobre a
História Econômica enquanto modalidade singular do saber histórico
que encaminha a conexão entre História e Economia. Trataremos
também de alguns debates e complexidades que ainda são direcionadas
às discussões inseridas dentro dessa modalidade da produção do
conhecimento.

1. A escrita da história econômica: percursos e abordagens

A escrita da história sempre se deu em meio a muitas


discussões e contextos históricos marcantes que encaminharam, por
vezes, alguns enfoques em detrimento de outros. Como nos apresenta
D’Aléssio (1998, p.15):
Se acreditarmos na relação entre história,
experiência vivida e historiografia, como elaboração
intelectual sobre essa experiência, podemos aceitar o
argumento de que as metamorfoses pelas quais passa
a historiografia não se devem apenas a seu
movimento interno, mas são ditadas também pela
própria história.

A partir da década de 1970, no que concerne à historiografia


internacional, observamos no campo da História, uma grande ênfase nas
questões culturais, o retorno da história política trazendo novas
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abordagens e enfoques para antigos objetos e ainda a história social com


sua abrangência de temas tratando de movimentos sociais, trabalhistas e
se utilizando de paradigmas e diálogos diversos. Contudo, esse nem
sempre foi o quadro existente, uma vez que a História, enquanto saber
cientificamente produzido, passou ao longo do tempo por inúmeras
mudanças de ordem metodológica e teórico epistemológicas, bem como
mudanças quanto aos aspectos sociais que foram sendo enfatizados em
determinados momentos (BARROS, 2014).3
Para D’Alessio (1998), a agitação intelectual dos anos 70
no campo da produção historiográfica teria sido consequência de certo
desconforto pelas ações políticas do mundo socialista “cujos vícios e
impasses colocaram em discussão a mais bem sucedida teoria global
da história, o marxismo que marca profundamente o mundo intelectual
francês desde a primeira metade do século”(Idem). O marxismo
possibilitou um vínculo entre análise econômica e explicação histórica
dos acontecimentos e esse descontentamento com o marxismo, teria
sido responsável pelo afastamento de muitos historiadores com relação
aos estudos econômicos, considerando que a História econômica
ocupou a historiografia marxista ao longo do século XX. Mas isso é

3
Conferir a obra de José D’Assunção de Barros. Teoria da História v1. Nela o leitor
poderá compreender de maneira clara, alguns aspectos do percurso da História
enquanto campo de conhecimento.
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algo para refletirmos relacionando com questões que veremos a seguir


nessa singela discussão.
Para os que possuem alguma leitura relacionada à trajetória
História enquanto campo de conhecimento científico, é compreensível o
fato de que a mesma apresentou, a partir do início do século XX um
direcionamento voltado aos aspectos econômicos e sociais da
sociedade, buscando uma contraposição ao modelo de produção do
conhecimento histórico marcado pela ênfase nos eventos políticos e
exaltação de figuras políticas nacionais (REIS:2000).4 Especificamente,
e para melhor contextualização de nossa análise, bem como para melhor
compreensão de possíveis leitores de outras áreas do conhecimento,
apontamos que esse movimento historiográfico de renovação de
paradigmas teve sua gênese na França em 1929 e ficou conhecido como
Escola5 dos Annales, contando com 3 grandes fases no decorrer século
XX e que apresentaremos aqui brevemente para melhor adentrarmos na
discussão proposta.
O primeiro momento, de 1929 a 1946 compreendeu o
lançamento da revista chamada Annales d’Histoire Économique et

4
Conf. REIS, José Carlos. A Escola dos Annales.
5
Pierre Vilar, historiador francês esclarece que a palavra escola não seria apropriada
para se referir aos Annales, pois expressa que há uma doutrina ensinada e imposta por
mestres. Pontua que não foi isso que aconteceu e que a revista apenas pediu que se
ocupassem das sociedades. Ver a obra D’ALESSIO, Marcia Mansor. Reflexões sobre
o saber histórico: entrevistas com Pierre Vilar, Michel Volvelle, Madeleine Reberioux.
SP. Unespe, 1998.
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Sociale em 1929 (Anais de História Econômica e Social). Notoriamente


com destaque para os aspectos econômicos e sociais e para a
interdisciplinaridade, sendo comum a presença de economistas na
composição da revista (DOSSE: 2003). Os historiadores dessa primeira
fase buscavam a construção de um programa voltado a um novo tipo de
produção historiográfica e direcionavam suas propostas às instituições
francesas, com o intuito de que as principais instituições pudessem
adotá-las e assim haver uma historiografia voltada a novos sujeitos,
abordagens e interesses. De acordo com Arruda (1977), a crise de 1929
teria despertado nesses historiadores um interesse para com os ciclos e
flutuações econômicas. Teríamos então um período significativo no que
concerne aos estudos em História econômica.
Cabe apontar que nesse primeiro momento, no que se refere
à tradição historiográfica numa perspectiva global, houve também uma
aproximação com o marxismo, o que possivelmente teria reforçado a
questão da ênfase em aspectos econômicos. Contudo, Dosse (2003, p.
96-97) nos apresenta que se havia uma sensibilidade de esquerda entre
os intelectuais,

no grupo dos Annales isso não significou, como


alguns acreditaram, um núcleo de intelectuais
marxistas. Certamente, as orientações da revista
poderiam algumas vezes fazer acreditar, como a
valorização dos aspectos econômicos e sociais, na

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materialidade histórica e no primado das estruturas


subjacentes. (grifo nosso)

O autor ainda pontua que nos anos 30, o marxismo era


pouco conhecido no que diz respeito aos núcleos universitários, sendo
entendido e reivindicado nos partidos operários como práxis e por
notórios intelectuais inseridos em militâncias partidárias. A
aproximação com o marxismo veio então da vontade de ampliação dos
Annales, não consistindo, de acordo com François Dosse6, a formação
de uma base marxista no interior do grupo. Já D’Aléssio (1998, p.15)
nos apresenta que “são inúmeros os estudos que mostram a
aproximação do marxismo com a historiografia francesa a partir da
ruptura com a escola chamada positivista. (...) os sinais mais nítidos
dessa relação estão nas próprias obras produzidas pelos Annales”.
Para José Jobson de Arruda, notório historiador brasileiro,
a História econômica sofreu numerosas e benéficas influências e
segundo ele, a primeira veio do marxismo “que permitiu a integração
entre a análise econômica e a explicação histórica dos
acontecimentos”. A segunda influência teria sido a da escola histórica
alemã da economia política. A terceira teria sido a dos Annales,
incorporando o estudo dos ciclos e flutuações econômicas (ARRUDA

6
Conferir a obra História em Migalhas, na qual o autor realiza uma interessante
discussão sobre a trajetória dos Annales, assim como a relação desta corrente com
marxismo.
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1977, p. 468). Apresentamos essas informações para que seja possível


perceber esse percurso pelo qual esse domínio de conhecimento passou,
sendo abordado dentro de diferentes campos paradigmáticos e sofrendo
as influências metodológicas e ideológicas de cada um.
Nesse direcionamento, ressaltamos que as produções de
História econômica no Brasil contaram com forte contribuição do
pensamento marxista, como é possível perceber nas produções que se
desenvolveram ao longo de todo século XX em obras que tratam desde
as questões coloniais até os diversos movimentos da história recente.
Portanto, é interessante que consideremos as especificidades dos
movimentos da escrita da História em diferentes conjunturas sociais e
dos perfis institucionais e intelectuais nos quais as diversas
historiografias estão vinculadas.
O segundo momento da produção historiográfica dentro da
proposta dos Annales, foi entre a década de 50 e 60. Além de mudanças
nas questões ligadas à delimitação da temporalidade, na qual se buscou
privilegiar as estruturas e a longa duração, ocorreu o nascimento da
história quantitativa, “realizando estudos dos ciclos, das conjunturas,
da flutuação dos preços e salários” (BARROS, 2004, 127). Esses
novas objetos de estudos tornaram-se possíveis graças a quantificação.
A partir daí, teríamos o que ficou conhecido como História quantitativa,
buscando a partir de modelos explicativos, entender a história em sua
totalidade. Nesse momento, modelos estatísticos foram utilizados em
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abordagens ligadas a diversas temáticas, como história dos preços,


abordagens ligadas às questões demográficas e sociais no geral. Essa
tendência ainda é vivenciada embora tenha existido algumas críticas e
modificações no decorrer do tempo, inclusive quando já se vivenciava
na escrita da História outros aspectos da produção do conhecimento,
como a História cultural. No entanto, quanto à forma como a história
econômica foi vivenciada bem como críticas voltadas aos atores de sua
produção, há algumas discussões interessantes de serem pontuadas.
D’Ássunção (2010), nos traz algumas informações em
âmbito nacional e nos afirma que a História econômica tem sido desde
1930 um campo bem frequentado pelos historiadores brasileiros.
Afirma ainda que essa área contou com “diversos desenvolvimentos na
ciência social da economia, e essa foi uma interdisciplinaridade
importante conquistada pelos historiadores econômicos na primeira
metade do século XX” (2010 p. 46). Notório é que, no Brasil, essa
escrita da História com ênfase no econômico contou com grandes
nomes como Caio Prado júnior, Furtado, Novais. C.F. Cardoso e
Gorender com produções mais recentes. Todos estes buscando oferecer
modelos explicativos voltados à sociedade e economia coloniais
envolvendo questões relacionadas a exploração e exclusão social. Obras
como Formação do Brasil Contemporâneo (1942), História Econômica
do Brasil (1945) de Caio Prado, estão postas hoje como clássicos os

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quais inspiram inúmeros revisionismos com perspectivas mais


localizadas de estudo.
Contudo, por ser a História econômica um ponto de
confluência entre a Economia e a História, torna possível a existência
de produções que partem de historiadores e de economistas. E nessa
perspectiva, devido à paradigmas metodológicas do campo da História
mais engajadas com modelos estatísticos e quantitativos, isso teria em
dado momento intensificado certo afastamento de muitos historiadores,
sobretudo a partir dos anos 1990 do momento em que passa a existir
uma abrangência de estudos voltadas às questões culturais e em
constante diálogo com áreas como antropologia, literatura e filosofia,
tecendo críticas severas ao que teria sido colocado como um
economicismo na História. Crítica esta não apenas relacionada ao
chamado quantitativismo, mas também a tendências marxistas acusadas
de economicistas.
Compondo essa discussão e direcionando-a para a questão
dos usos metodológicos como os modelos matemáticos e a questão da
quantificação, Arruda (1977, p.480) nos aponta que a:
tentativa de transformar a história econômica numa
história técnica, matemática com modelos rigorosos,
tem uma conotação ideológica, pois descarta as
preocupações marxistas e acaba por apresentar uma
história linear, sem conflitos de classe e que sobre
uma aparência científica refinada, surge na verdade

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uma história apologética do crescimento eterno, do


capitalismo eterno.

O autor ainda pontua que a utilização desses modelos tem


uma relação com certo pensamento cientificista o qual os
quantitativistas abraçam, caindo assim numa ilusão da ideia que aquilo
que é racional é aquilo que é matematisável.
Não queremos aqui pontuar que não existam hoje
historiadores elaborando produções em História econômica. Mas não
desconsideramos aqui o fato de que muitas das produções de História
econômica têm hoje partido de economistas7 e não de historiadores. O
que evidentemente não é nenhum crime considerando que historiadores
não possuem o monopólio das análises histórico-econômicas e que os
objetos de pesquisa não são exclusivos de campos disciplinares,
sobretudo quando estamos tratando de um espaço interdisciplinar que
abrange dois campos de conhecimento e de forma mais ampla, das
ciências humanas e sociais, onde tudo está interligado. Mas é uma
informação sem dúvida expressiva e que muito tem a nos dizer, o fato
de que número de programas de pós-graduação em História que
oferecem linhas de pesquisa voltadas ao econômico tem sido pequeno
se comparado aos enfoques sociais e culturais. Mesmo as graduações
em História, pouco tem se ocupado das teorias econômicas.

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Há também críticas às produções que parte da Ciência econômica, a qual muitas
vezes também deixou de lado a historicidade da economia.
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Como dito anteriormente, aponta-se que o economicismo e


o quantitativismo, intensamente presentes na segunda metade do século
XX tenham sido responsáveis por esse afastamento. Essa tendência teria
feito com que esse campo fosse se afastando aos poucos da historia e
dos historiadores, algo que ainda tem uma repercussão nos dias atuais.
Florentino e Fragoso em artigo intitulado “História
Econômica”8 (1997, p.65) apresentaram que nas décadas de 60 e 70, “o
crescimento da história econômica feita por economistas foi tão
avassalador que, em muitos casos, redundou na criação de institutos e
departamentos de história econômica sem conexões sequer formais com
departamentos de História”. Afirmaram ainda que a “História
econômica agoniza. (...) É possível que de seu epitáfio conste: “aqui jaz
uma velha senhora, vitimada por lentos, mas desastrosos ataques de
soberba”. (Ibid, p.65). A afirmação dos autores parece ser um pouco
dura e de certa maneira nos leva a pensar que o que deveria ser um
espaço de diálogo entre os campos de conhecimento, passou a ser
espaço de afastamento onde competem perspectivas distintas e até
concorrentes. Mas Fragoso (2002, p.4) em produção publicada
posteriormente, coloca que fatores como os modismos historiográficos
brasileiros, bem como a “diminuição brutal do número de investigações
econômicas, os levaram aquele pessimismo”. Além disso, o autor

8
Artigo publicado na obra Domínios da História de Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas em 1997.
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pontua que havia uma crítica aos métodos e técnicas que havia
colaborado para aquele pessimismo. Tais críticas eram, portanto,
direcionadas à produção historiográfica e não a que partia da ciência
econômica. Sendo assim, a partir das colocações desse autor possível
pensarmos que no momento em que houve essa retração dos estudos
econômicos no campo da História, no da ciência econômica as
produções continuaram, assumindo modelos explicativos, teorias e
enfoques diferenciados, contudo não isentos de críticas, uma vez que
em tal campo, muitas vezes a ausência ou marginalidade da História em
relação a Economia, pode produzir alguns anacronismos ou até mesmo
uma exclusão elementos que não são necessariamente quantificáveis,
mas dignos de outros tipos de análises.
Nogueróf (2002) possui uma análise diferente e otimista em
comparação a de Fragoso. Nos diz que no Brasil os anos 70 e 80 além
de terem sido as décadas da História econômica, foi o período em que
os historiadores mais se aproximaram dos economistas havendo o
compartilhamento de paradigmas. De acordo com esse autor apenas a
partir dos anos 90 é que começaria a existir um abismo entre os dois
campos em questão.
Hobsbawn em conferência realizada em 1980 e que agora
compõe uma coletânea de textos na obra Sobre História, traz uma
análise interessante para compreendermos um pouco mais essa
discussão. Ele diz que:
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os historiadores econômicos viveram, e até certo


ponto ainda vivem, uma incômoda vida dupla entre
as duas disciplinas que lhe conferem o título. Pelo
menos no mundo anglo-saxão, normalmente existem
duas histórias econômicas, quer a chamemos de
“velha” e “nova” ou, como parece mais realista, de
história econômica para historiadores e para
economistas (...) economistas e historiadores vivem
em incomoda coexistência. Imagino que isso seja
insatisfatório para ambos (2013, p. 138-139)

Embora a colocação do autor se direcione a um espaço


específico, essa realidade não difere muito do Brasil atualmente. Ainda
que o campo da História econômica seja interdisciplinar, é notória a sua
apropriação, em grande maioria, por economistas, obedecendo a outros
perfis de produção, tendo em vista as especificidades de cada área e a
forma como cada área percebe os fenômenos econômicos em suas
temporalidades. Algo que evidentemente gera espaço para muitos
questionamentos e críticas de maneira geral, uma vez que o pesquisador
ao debruçar-se sobre uma determinado campo que demanda o
conhecimento de diversos saberes, necessita conhecer o que
basicamente compõe as metodologias que o envolvem atentando para o
fato de que existem sempre os aspectos da objetividade e subjetividade
inerentes tanto ao pesquisador da área de História ou Economia, quanto
aos seus materiais de pesquisa (empíricos e teóricos) que também
impõem limites quanto aquilo que é apreensível com relação ao
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passado. Mesmo que dos anos 90 até aqui tenhamos visto novas
perspectivas na forma como a história econômica é tratada, ainda é
preciso uma atenção, sobretudo por parte dos economistas em reintegrar
a História, no sentido de uma maior aproximação com essa área. E isso
não pode ser feito “mediante sua simples transformação em
econometria retrospectiva” (Ibid, p. 139).
Observamos então que essa é uma reflexão e crítica forte
quanto as possibilidades de abordagens em História econômica. Sendo
este um espaço complexo que requer atenção e cuidados específicos,
sobretudo no que se refere aos usos conceituais, procedimentos de
pesquisa que são possíveis e todas as dimensões teóricas nas quais os
pesquisadores podem engajar-se, resta refletir sobre a necessidade de
concentração para com as questões ligadas a sua historicidade, seja para
melhor compreensão sobre o campo no qual se pretende adentrar, seja
para acompanhar os avanços referentes a esse espaço de pesquisa que,
se por um lado pode trazer riquezas de conhecimento incomensuráveis
no sentido do conhecimento das realidades econômicas, por outro pode
trazer inúmeros desconfortos decorrentes de estranhamentos e
afastamentos provocados pela deficiência ou total ausência de diálogos
entre a História e a Economia.

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2. Uma análise sobre a História quantitativa no Brasil:


limitações e novas perspectivas
Vimos anteriormente que a História econômica, uma vez
sendo campo de produção de conhecimento, passou por diversas
influências decorrentes de diferentes paradigmas e espaços
disciplinares. No Brasil essa realidade não foi diferente. Além dos
trabalhos utilizando-se das abordagens, conceitos e categorias do
marxismo e da corrente dos Annales, nas décadas de 80 houve uma
tímida aproximação com a chamada cliometria, considerada uma escola
norte-americana de História Econômica.

A cliometria, enquanto abordagem econômica do processo


histórico, conta com todo aparato teórico e metodológico da Economia.
Essa abordagem teve sua origem nos Estados Unidos na década de 60,
período em que outras tendências da produção historiográficas também
vinham desenvolvendo estudos engajados em abordagens econômicas.
Contudo a cliometria, uma vez constituindo-se em escola, contou com
algumas especificidades. Mas o que nos interessa aqui é apresentar que,
embora timidamente, ela ainda atingiu os ares da academia brasileira.
Utilizamos o termo timidamente, pois a cliometria, enquanto escola
americana de métodos quantitativos “não contou e nem conta com
muitos discípulos no Brasil (...) No Rio houve algo parecido, mas

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passou longe da álgebra, estatística e ignorou o paradigma neoclássico


que orientou os norte americanos” (NOGUERÓF:2002, p. 93).
Fica claro para nós que havia certa rejeição para com os
modelos metódicos utilizados. Talvez essa informação corrobore com o
pensamento de Arruda (1977, p. 481), quando nos diz que é necessário
“ir além dos dados para compreender a história do homem; é
necessário captar as estruturas mais profundas que meia dúzia de
dados estatísticos e modelos econométricos não são capazes de
traduzir”. O quantitativo, deve ser então percebido como um meio ou
possibilidade para compreensão do qualitativo e não como um
mecanismo de substituição do mesmo.
Chamamos a atenção para a necessidade de interconexão
dos saberes tanto nos interiores como nos exteriores do que se
compreende como conhecimento historiográfico. É preciso superar
fronteiras e buscar afinidades que só são possíveis quando os objetos de
estudo são pensados não como pertencentes exclusivamente a um
determinado domínio, mas dentro do amplo espaço da produção do
conhecimento. Como afirmamos no início de nossa discussão, a
História econômica, embora sendo uma modalidade da produção do
conhecimento histórico, é também objeto e espaço de interesse da
ciência econômica, sendo assim traz consigo todas as possibilidades de
utilizações metódicas e diálogos teóricos que possivelmente, além de
colocar em evidência as diferenças e até incompatibilidades, pode
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oferecer a complexidade que as análises histórico econômicas


mobilizam, fazendo assim com que os diferentes objetos de estudos
sejam pensados dentro de uma totalidade e não como elementos presos
em grades rígidas.
Embora saibamos da existência de fronteiras e objetivos
específicos dentro de um e outro campo (História e Economia), o
espaço supracitado nesse trabalho demanda uma linha de aproximações
ainda maior, para que assim seja possível os diversos deslocamentos
temáticos, revisão de saberes e fazeres, assim como as particularidades
quanto as formas de se analisar historicamente as dimensões do
econômico (BARROS:2004)
Cabe aqui também pontuar que o econômico, seja no campo
da História, da Economia ou da História econômica, nunca deve ser
pensado isoladamente, mas sempre em conexão com as esferas,
políticas, culturais e sociais. Pois só dessa forma evitaremos uma
espécie de hiperespecialização que tornará inviável uma visão holística
das realidades sociais. Tal esforço, diga-se de passagem, deverá partir
não somente dos pesquisadores, mas também dos departamentos
específicos e programas de pós-graduação que são capazes de promover
esses entrelaçamentos pertinentes e afinados com os debates em torno
das questões epistemológicas ligadas a ideia de interdisciplinaridade. E
nesse sentido, muito trabalho ainda resta a ser feito.

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