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Economics
ISSN: 2318-0811
ISSN: 2594-9187
Instituto Ludwig von Mises - Brasil
DOI: 10.30800/mises.2019.v7.1111
DOI: https://doi.org/10.30800/mises.2019.v7.1111
tendo em vista o fato de que as interações compra e venda destes mesmos recursos, em
econômicas são inerentes à convivência relações mercantis, onde definir o valor deles
humana, era necessário fazer deliberações era fundamental para que cada um, pensando
sobre elas. Porém, existia uma faculdade de em seu interesse individual, maximiza-se
teologia dedicada especialmente a assuntos sua utilidade. Apesar de tão familiar a todas
de interesse econômico, a Universidade de as sociedades, a economia ainda é uma das
Salamanca. Fundada pelo monarca dos reinos ciências mais jovens conhecidas, tornando
de Leão e Galícia, Alfonso IX de León, no difícil oferecer uma definição exata.
ano de 1218. Dentro desta universidade, no Segundo Mankiw (2012, p. 10) “Economia
século XV, nasceu a escola de pensamento é o estudo de como os seres humanos tomam
filosófico, chamada de Escola de Salamanca, decisões em face da escassez. Estas podem
fundada pelo padre Dominicano e teólogo ser decisões individuais, decisões familiares,
escolástico Francisco de Vitória, onde se usava decisões de negócios ou decisões sociais”.
da base intelectual deixada de legado por Apresentando um conceito mais amplo,
seus antecessores escolásticos para defender a Garcia e Vasconcellos (2004, p. 2) definem
teoria do valor subjetivista, o livre comércio e economia como:
o direito à propriedade privada (FABRE, 1998).
É necessário desmistificar a falsa [...] a ciência social que estuda como o
ideia de que o medievo seria uma indivíduo e a sociedade decidem (escolhem)
empregar recursos produtivos escassos
época obscurantista e intelectualmente
na produção de bens e serviços, de modo
repressiva, de pouco desenvolvimento a distribuí-los entre as várias pessoas e
científico e filosófico, pensamento este que, grupos da sociedade, a fim de satisfazer as
infelizmente, segue dominante em grande necessidades humanas.
parte dos ciclos acadêmicos e instituições
educacionais, quando na verdade foi um 1.1.1 A Influência da Filosofia Escolástica
tempo de desenvolvimento político, social, na Formação do Pensamento
tecnológico e científico (HUIZINGA, 1978). Econômico
Ao comentar sobre a evolução do pensamento
O economista teórico Ludwig Von Mises
filosófico do século XII, Le Goff (2003, p. 78)
(2010, p. 325), entretanto, define economia
aponta que “Assim prossegue essa obra de
de forma mais abstrata e filosófica do que
dessacralização da natureza, de crítica do
propriamente técnica, defendendo que “A
simbolismo, prolegômenos necessários a
economia [...] é a teoria de toda ação humana,
qualquer ciência [...]”.
a ciência geral das imutáveis categorias da
ação e do seu funcionamento em quaisquer
1 Desenvolvimento condições imagináveis sob as quais o homem
age”.
1.1 O pensamento econômico
A economia, tanto em seu aspecto
As interações econômicas são intrínsecas filosófico, como em seu aspecto prático, não
à existência da vida em sociedade, uma vez que pode ser definida como ciência da mesma
sempre foi necessário, em alguns momentos maneira que a matemática ou a física o
da história humana mais do que em outros, são, demandando total rigor, exatidão e
manejar recursos escassos. Além disso, as objetividade. Apesar de se utilizar de um
pessoas sempre conviveram com situações de instrumental matemático muito consistente
454 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
econômico do que sua relação com seus pares Cantillon, que causou uma revolução no
(ROCHA, 1999). estudo da ciência econômica ao publicar, no
Segundo Marx (1974, p. 26): ano de 1755 sua obra Sobre a natureza do comércio
em geral, que continha percepções sobre valor
Corresponde aos fisiocratas a honra de ter e preço, oferta e demanda e autorregulação
analisado o capital na sociedade moderna.
do mercado, antecipando, em pelo menos 20
Isto lhes dá o direito de se considerarem
como os verdadeiros fundadores da anos, Adam Smith. Este tratado, escrito cerca
moderna economia. Foram os primeiros que de 25 anos antes de sua efetiva publicação, foi
analisaram os diversos elementos materiais o primeiro a apresentar bases organizacionais
em que o capital existe e se manifesta durante e científicas para o estudo da economia (FEIJÓ,
o processo de trabalho. [...] está claro que 2001; IORIO, 2017).
eles não podiam deixar de ver, nas formas
burguesas de produção, formas naturais, mas Thorton (2006) considera que Cantillon
tiveram o grande acerto de conceber essas foi o primeiro economista a analisar com
mesmas formas como formas fisiológicas sucesso a natureza cíclica da economia
da sociedade, impostas pela necessidade capitalista, desenvolvendo o que chamamos
natural da produção ou independentes da hoje de modelo de fluxo circular da riqueza.
política, da vontade etc. Trata-se de leis
Cantillon considerava que o dinheiro e os
materiais.
juros tinham uma natureza autorregulatória,
William Petty (1623-1687), famoso por sua tendendo sempre ao equilíbrio e só podiam ser
proposição de métodos quantitativos para perturbadas por manipulações bancárias ou
estudo das riquezas nacionais, defendia que intervenções monetárias por parte do governo.
existem dois tipos de renda: a da terra e a Ele atacou, por isso, toda a noção de controle
dos juros. A da terra é simplesmente o valor governamental da oferta monetária. Assim
total da colheita, subtraída dos gastos com como Von Mises, defendeu que qualquer
insumos e trabalhadores. A agricultura tinha quantidade de dinheiro é suficiente para o
uma utilidade especial para Petty, pois era a bom funcionamento da economia, já que o
única atividade capaz de gerar excedente para que os indivíduos buscam não é grandeza
o trabalhador. Por outro lado, a renda do juro dos meios de pagamento, mas sim poder de
correspondia ao pagamento pelo risco que compra.
corria o investidor, ao abrir mão de moeda, Murray Rothbard (1995) inclusive
que representava riqueza líquida e certa, para considera Cantillon como o fundador da
aplicá-la em uma atividade onde não havia ciência econômica ao usar o que chama de
nenhuma garantia de retorno, por melhor “praxiologia”, que é uma espécie de estudo
que fossem as perspectivas. Foram nessas econômico baseado em axiomas amplos e
ideias de Petty que os fisiocratas defenderam auto evidentes, deduzidos logicamente, sem
que, somente o trabalho produtivo é capaz necessidade de empirismo. Essa metodologia
de gerar um produto líquido, em especial a praxiológica o permitiu descobrir relações
agricultura, em face da renda com juros, do naturais de causa e efeito na economia de
trabalho com comércio ou com manufaturas. mercado. Justamente essa não necessidade
Estes seriam trabalhos estéreis, que apenas de empirismo permitiu a Cantillon isolar
transferem riqueza, mas não a criam. o fenômeno econômico, utilizando-se de
Outro autor que influenciou os pensa- abstração ou de construção imaginária, para
mentos fisiocrata e clássico foi Richard confeccionar modelos simples, e aceitando que
456 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
existem variáveis incontroláveis (ou exógenas) Espanholas, apesar de ser importante destacar
a eles e com o benefício do preceito ceteris que pensadores de outras escolas posteriores
paribus (IORIO, 2017). ao final do escolasticismo, como os fisiocratas,
Além das contribuições metodológicas e também tiveram contribuições originais e
sobre a natureza do dinheiro que Cantillon fez, indispensáveis antes do surgimento da
outra marca importante foi deixada: sua visão economia clássica (IORIO, 2017).
evolucionária sobre o papel do empreendedor.
O empreendedor é aquele que toma riscos e 1.2 O pensamento no mundo antigo
gastos certos para, talvez, colher frutos que A despeito dos méritos contidos nas
são incertos, seja esse um empreendedor, defesas de cada corrente sobre o início da
um produtor ou um comerciante. Por isso,
ciência econômica, é seguro afirmar que o
o empreendedor deveria receber mais do
pensamento econômico é bastante anterior
que apenas o valor do produto final, era a
e remonta ao período pré-helenístico,
recompensa que ele recebia por assumir
encontrado inclusive em fragmentos de Tales
riscos. Os empresários estavam vinculados
de Mileto e Xenofonte. Segundo Oliveira e
em reciprocidade com os seus clientes, uma
Gennari (2009, p. 7) “A palavra “economia”
vez que, para vender seus produtos, eram
vem do grego oikonomikos. O termo resulta
clientes de outros empresários, ou seja,
da composição da palavra oikos (que significa
a demanda por produtos é o que define o
casa ou unidade doméstica) com o radical
número de empresários em uma economia.
semântico nem (que significa regulamentar,
Essa definição, apesar de inovadora, é uma
administrar, organizar)”.
claramente derivada da escolástica. O padre
Rothbard (1995, p. 8) segue a mesma linha
Luís de Molina já havia enunciado uma
de raciocínio ao afirmar que “no decorrer do
definição neste sentido, porém muito menos
pioneirismo filosófico, seu filosofar sobre o
rebuscada, em torno de um século e meio
homem e seu mundo produziu fragmentos
antes (IORIO, 2017; SCHUMPETER, 1954).
de pensamentos e ideias político-econômicas
Um grupo minoritário, porém, muito
ou mesmo estritamente econômicas”. Porém,
influente, constituído basicamente por
ele faz um alerta para evitar o erro do
pensadores da escola Austríaca de economia,
anacronismo, segundo ele “ninguém deve
defende que a ciência econômica nasceu, de
ser enganado ao pensar que os antigos gregos
forma difusa e desordenada, com os filósofos
eram “economistas” no sentido moderno”. E
da escolástica, especialmente os escolásticos
conclui:
tardios da universidade Salamanca, como
Friedrich Hayek, que argumentou, ainda É verdade que o termo “economia” é
nos anos 1970, que as bases da economia de grego, proveniente da oikonomia grega,
mercado, e em especial do laissez-faire¸ não são mas oikonomia significa não economia em
nosso sentido, mas “gestão doméstica”, e os
resultado das obras de escritores anglo-saxões
tratados sobre “economia” discutiriam o que
protestantes, como linhas mais tradicionais poderia ser chamado de tecnologia de gestão
da literatura, em especial Max Weber em familiar – útil talvez, mas certamente não
uma das suas mais importantes obras: o que consideramos hoje como economia.
A ética protestante e o espírito do capitalismo,
tendem a defender, mas sim de padres das O alerta de Rothbard é extremamente
ordens franciscanas, esuítas e dominicanas válido, sendo necessário também deixar claro
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Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
que os primeiros filósofos pós-socráticos a de riqueza é um fim por si só, não se pretende
abordarem temas de interesse econômico, criar nada com ela, é o caso, por exemplo, do
não estavam preocupados com questões comércio (GENNARI; OLIVEIRA, 2009).
como preços, inflação ou desemprego. Seu Este pensamento de Aristóteles, de
interesse partia da perspectiva ética e do condenar o comércio como força meramente
funcionamento da pólis. especulativa, muito se relaciona com o seu
Durante a era de ouro da filosofia mentor Platão, que acreditava que a função
grega, Atenas experimentava condições da atividade econômica deveria ser promover
sócio-político-econômicas que permitiram o bem-estar e o desenvolvimento da pólis, os
reflexões relevantes para o desenvolvimento bens e riquezas deveriam ser propriedade da
de qualquer pensamento econômico, como pólis e não do indivíduo (ROTHBARD, 1995).
a ampliação do comércio e da liberdade de Confirmando a prioridade que ambos
trocas entre as cidades-Estados da região davam à pólis em detrimento do indivíduo,
(ANTISERI; REALE, 2003). Oliveira e Gennari (2009, p. 7-8) afirmam que:
O desenvolvimento econômico da época
Tanto Platão quanto Aristóteles orientaram a
permitiu que a produção passasse a ser mais atenção para a vida econômica com o objetivo
sofisticada, exigindo especialização dos de extrair normas práticas que garantissem
trabalhadores, segundo Oliveira e Gennari condições de vida adequadas aos cidadãos, o
(2009, p. 8) funcionamento, a harmonia e a estabilidade
política da pólis. Da perspectiva que eles
Essa “especialização” fez com que o homem assumiam, o homem era entendido como
passasse a depender dos demais para obter um conjunto de potencialidades integradas
os artigos de que necessitava, mas não (físicas, produtivas, éticas, artísticas,
produzia. Assim surgiu a necessidade de intelectuais e espirituais) cuja realização
cooperação, e a pólis é o ambiente no qual plena só seria possível na vida em sociedade,
os homens cooperam entre si para produzir isto é, no interior da pólis.
e obter, por meio da troca, os produtos de
que necessitam para viver melhor. Segundo Joner (2015, p. 17)
É fácil entender o porquê de os primeiros grande parte disso foi adotada pelos países
insights econômicos terem se revelado do Ocidente cristão”. O direito Romano
na Grécia antiga, segundo Schumpeter permitia pouca influência do Estado sobre
(1954, p. 51) “O pensamento grego, mesmo a vida pessoal do indivíduo, inclusive nos
quando mais abstrato, sempre girava em assuntos que tangiam a vida econômica do
torno dos problemas concretos da vida mesmo, em raríssimas vezes arbitrava sobre o
humana”. E completa “[...] o filósofo grego preço dos produtos ou alocação dos recursos
era essencialmente um filósofo político: era privados disponíveis.
da pólis que ele olhava para o universo, e era Nesta linha de raciocínio, Rothbard
o universo – tanto do pensamento como de completa:
todas as outras preocupações humanas que
ele encontrou refletido na pólis”. [...] O preço “justo” (justum pretium) era
simplesmente qualquer preço alcançado
Apesar do evidente destaque que estes
por negociação gratuita e voluntária entre
receberam, não é correto imaginar que o comprador e vendedor. Cada homem
pensamento econômico no mundo antigo tem o direito de fazer o que quer com sua
se resumiu aos pensadores gregos. Os propriedade e, portanto, tem o direito de
pensadores romanos pré-medievais também fazer contratos para distribuir, comprar ou
tiveram sua importante contribuição. Assim vender esses bens; portanto, qualquer preço
como os gregos, os romanos não estavam livremente chegado é “justo”.
exatamente preocupados em resolver
problemas puramente econômicos, seus A cultura jurídica ocidental, especialmente
esforços eram dirigidos para resolver questões nos países latinos, foi formada em grande
centrais do dia a dia da comunidade, que, parte pelo direito Romano, em especial no
por vezes, esbarravam em assuntos da esfera que diz respeito ao direito privado. O direito
econômica. privado Romano considerava a existência
de um direito subjetivo da propriedade, que
Um dos grandes legados que a civilização
era inerente à natureza humana, já que o
Romana deixou para posteridade foi o seu
acúmulo de capital é próprio dela (BARBOSA;
direito, e é justamente em seus códigos de leis
PAMPLONA FILHO, 2004).
que se encontra a maior parte da contribuição
ao pensamento econômico que eles têm a A grande revolução jurídica Romana,
apresentar. no tocante à propriedade privada, consiste
nos bens imóveis. Sociedades mais antigas
O s ju r i st a s roma nos, s eg u ndo
só consideravam a existência de propriedade
Schumpeter (1954, p. 66) “[...] criaram uma
para os bens móveis, tais quais, objetos
lógica jurídica que provou ser aplicável a uma
de trabalho ou de uso pessoal. As terras
grande variedade de padrões sociais – de fato
pertenciam à coletividade, ou ao Estado. Essa
a qualquer padrão social que reconheça a
mesma propriedade era considerada absoluta,
propriedade privada e o comércio capitalista”.
individual, ilimitada e perpétua, tendo sua
E completa: “na medida em que seus fatos
transmissão garantida para seus sucessores
eram econômicos, sua análise era análise
(DEBONI, 2011; VENOSA, 1999).
econômica”.
Segundo Rothbard (1995, p. 31) “os 1.3 Os Escolásticos
direitos de propriedade privada e o laissez-
faire eram, portanto, a herança fundamental É chamada de escolástica, a corrente de
da lei romana até os séculos seguintes, e filosofia medieval que tentava harmonizar
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e teologia nas universidades pontifícias avaliar os efeitos práticos que suas variáveis
e mosteiros. Mânlio Severino Boécio e os de interesse têm na vida dos envolvidos.
escolásticos tardios espanhóis, tidos como, Sendo assim, o economista, além de executar
respectivamente, o primeiro e os últimos a prática do ofício, deve sempre se defrontar
representantes do escolasticismo, estão com o componente ético que o permeia
separados no tempo por um período de onze (JONER, 2015).
séculos, o que não faz com que suas ideias Por exemplo, para São Tomás de Aquino,
percam a consistência. A escolástica não pode a propriedade não se limita apenas a objetos
ser definida na obra de poucos autores, com físicos, o direito inicial de cada pessoa é a
linhas de pensamento individuais, ela é o propriedade sobre si mesmo, o que pode
resultado dos esforços combinados de um ser entendido como sua independência, tal
grupo de intelectuais, organizados dentro “direito de propriedade sobre si mesmo”
da mesma instituição religiosa, por mais advém a racionalidade do gênero humano.
de um milênio, onde cada novo autor que Tal ponderação de Aquino antecipa, em pelo
surgia buscava referenciar seus antepassados menos quatro séculos, as deliberações iniciais
(CARVALHO, 2007). de John Locke sobre direito à propriedade.
Assim como seus antecessores, os Como argumenta Mello (1993, p. 85)
escolásticos não estavam exatamente
interessados em desenvolver uma ciência Para Locke [...] a propriedade já existe no
estado de natureza e, sendo uma instituição
nova, e sim em analisar fatos da vida cotidiana
anterior à sociedade, é um direito natural
sobre o ponto de vista moral, o que inclui do indivíduo que não pode ser violado pelo
interações econômicas. É importante se Estado. O homem era naturalmente livre e
ater para o fato de que as ordens religiosas proprietário de sua pessoa e de seu trabalho
não têm, nem nunca tiveram, o objetivo de [...]. Como a terra fora dada por Deus em
formar economistas. As ordens formavam comum a todos os homens, ao incorporar seu
padres que muitas vezes seriam confessores trabalho à matéria bruta que se encontrava
em estado natural o homem tornava-a sua
de seus fiéis, então era relevante o debate de
propriedade privada, estabelecendo sobre
assuntos econômicos como preço justo, direito ela um direito próprio do qual estavam
a propriedade ou usura, para que o pároco excluídos todos os outros homens.
decidisse se os atos a ele confessados seriam
um pecado ou não. (SCHUMPETER, 1954). Aquino também defende que, em caso de
A análise moral feita pelos padres não existência de proprietário para uma bem,
escolásticos das interações humanas é como terras cultiváveis, o primeiro que nele
fundamental para o desenvolvimento da empreender trabalho e se ocupar, terá direito
ciência econômica, uma vez que esta, é, antes adquirido a sua propriedade, para uso, e seu
de tudo, um problema filosófico, mesmo domínio, para venda (ROTHBARD, 1995).
que repleta de tecnicidade e instrumentos A propriedade, para Aquino, estava
matemáticos sofisticados. Antes de se avaliar justificada porque os indivíduos cuidarão
qual o impacto que instituições fortes de melhor do que é exclusivamente seu do que o
defesa a propriedade têm sobre a atividade que é de uso geral, uma vez que o livre acesso
econômica, deve-se perguntar o que, em si, a um recurso escasso acaba por esgotá-lo, visto
é a propriedade. O estudo econômico não é que ninguém sofrerá diretamente a perda,
um fim em si mesmo, ele deve servir para antecipando, em pelo menos seis séculos,
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o que o economista inglês William Forster dita. De qualquer forma, é inegável que estes
Lloyd disse e o que viria a ser chamado de pensadores do período medieval, além dos
“Tragédia dos comuns”. Outras justificativas escolásticos tardios do século XVII, foram
para a propriedade é que os indivíduos se essenciais na reflexão de temas de interesse
esforçariam mais arduamente para lograr algo econômico, como preço justo, inflação e
para si mesmos do que para a coletividade, impostos.
aumentando sua eficiência, e que a ordem Segundo Oliveira e Gennari (2009, p. 22)
social seria mais facilmente preservada se “A escolástica assumiu a tarefa de realizar essa
as posses fossem distintas (SCHUMPETER, flexibilização do pensamento econômico da
1954). Igreja mediante um conjunto de leis e preceitos
A concepção de Aquino provavelmente morais criados para possibilitar uma boa
deriva da tradição cristã, onde Deus deu ao administração da vida econômica [...]”. Dentre
homem o domínio da terra para que este todas as contribuições que os escolásticos
se utilizasse dos materiais disponíveis na deram para o desenvolvimento, tanto da
natureza para moldá-la, a transformando em ciência, como do pensamento econômico, as
seu lar legítimo. Sobre os aspectos econômicos mais célebres foram as desenvolvidas pelos
pode-se dizer que Aquino compreendeu mais professores da Universidade de Salamanca.
sobre o processo de formação de capital do Os escolásticos não formam um
que sobre a acumulação de riqueza, devido pensamento homogêneo, e nem se pode
a sua confusa definição de usura. esperar isso de uma tradição filosófica que
se inicia no século VI com Mânlio Severino
É neste sentido que aquele grupo de
Boécio e dura até o século XVII, com os últimos
escolásticos, que foram apenas professores
escolásticos espanhóis, também chamados de
de moral e ética, diferentemente de seus pares
escolásticos tardios. Existiam divergências
que se envolveram com estudos sobre moeda,
teológicas, morais e até mesmo artísticas.
valor, ou preço, têm também a oferecer para
Apesar disso, existem elementos comuns que
o desenvolvimento da ciência econômica,
os ligam pelo percurso destes onze séculos.
especialmente no ocidente da terra.
Eram católicos de fé e formação intelectual
Segundo Joner (2015, p. 13) e, baseados nos valores que lhes foram
Através da compreensão do conceito ensinados nos seminários e monastérios,
de prudência em Tomás de Aquino, que defenderam ideais de liberdade e a maior
combinou as observações de Aristóteles autonomia do cidadão em relação ao rei ou ao
e Agostinho, podemos compreender a Estado propriamente dito, pois, segunda sua
pesquisa econômica como portadora de moral, só existe mérito em rejeitar o mal se
valores, já que a sua abordagem é prática e o indivíduo puder escolher não rejeitá-lo, só
não teórica, afinal, a ciência econômica pode há mérito na caridade, se o indivíduo é livre
ser livre-de-valor, mas o economista jamais.
para não fazê-la (ANTISERI; REALE, 2003).
A partir do advento do escolasticismo 1.4 Universidade de Salamanca
fica difícil definir se o que existe é apenas o
pensamento econômico, com alguns insights A universidade de Salamanca, fundada
que derivavam de situações da vida social em 1218, carrega o peso de ser o centro de
(da mesma forma que Gregos e Romanos) ensino superior mais antigo da Espanha, e o
ou se é a ciência econômica propriamente quarto mais antigo da Europa. É mais jovem
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DO PENSAMENTO ECONÔMICO
humano perde sua condição de detentor de deveria ser uma forma de reproduzir, na
seus direitos naturais. Essas considerações de medida do que fosse possível, a justiça divina
Vitória ecoam até mesmo nos estudos mais (SOARES, 2008).
modernos. A Nova Economia Institucional,
por exemplo, que é uma abordagem que 1.5 Teoria Monetária
tenta combinar diferentes disciplinas
A moeda surge no contexto da
como economia, direito e ciências políticas,
especialização dos indivíduos e do progresso
considera os contratos como uma instituição
econômico, como uma substituição do
formal indispensável para a funcionalidade
escambo, uma vez que, em uma economia
e a eficiência de qualquer mercado. Além
complexa com bens intangíveis, é inviável
disso, estes contratos devem ser estáveis, onde
uma troca direta. Além disso, ela serve como
todos os agentes têm certeza de quais são
facilitadora das trocas, uma vez que nada mais
suas obrigações e direitos, e estes devem ser
é do que uma mercadoria de desejo comum.
protegidos. Modo muito similar à segurança
Sem a presença da moeda, seria necessária
jurídica pregada por Vitória para os indígenas
uma dupla coincidência do escambo. O
(MACEDO, 2012; PONDÉ, 2007).
proprietário do bem A, que deseja possuir
Ainda sobre o conceito de propriedade, o bem B, deve encontrar algum proprietário
defendido por Vitória, que a considera um de bem B interessado em trocar pelo bem A.
direito intrínseco à existência humana e não Além de ser claramente um estorvo para os
uma convenção social, é importante ressaltar a transacionadores, este sistema representaria
diferença entre domínio e uso da propriedade um atraso para o desenvolvimento econômico,
privada, aquele deveria sempre ser particular, uma vez que, em grande parte, só seriam
enquanto este pode ser público. Isto significa produzidos os bens de maior valor unitário
que, em caso de necessidade extrema, uma (LOPES; VASCONCELLOS, 2008).
pessoa, que não é proprietária de algo, pode Milton Friedman (1992, p. 23) apud
se utilizar dele em benefício próprio ou de Matias-Pereira (2010, p. 13), de uma perspectiva
algum terceiro. Como no exemplo de uma clássica, define como:
tragédia natural, onde a propriedade de
algum indivíduo poderia ser utilizada por moeda é tudo aquilo que é aceito por todos
outro que sofresse graves riscos, cabendo em troca de bens e serviços – aceito não
como um objeto para ser consumido, mas
a este restituir financeira ou materialmente
como um objeto que representa um conteúdo
o dono legítimo, uma vez que, durante a temporário de poder aquisitivo a ser usado
catástrofe, o que foi perdido foi o uso, mas para comprar outros bens e serviços.
não o domínio. E é exatamente por este motivo
que a propriedade poderia ser utilizada por Já Assaf Neto (2003, p. 34), sob uma
este indivíduo em perigo, mas não poderia perspectiva moderna do que é a moeda, define
ser vendida por ele, já que isto configuraria como “um meio de pagamento legalmente
transferência de domínio (JONER, 2015). utilizado para realizar transações com bens
Como se faz claro, os escolásticos não e serviços. É um instrumento previsto em lei
abriam mão de seus valores morais na e, por isso, apresenta curso legal forçado. Ou
elaboração de sua atividade intelectual, sendo seja, sua aceitação é obrigatória”.
assim, o jusnaturalismo medieval assume Para Keynes, a moeda tinha a função de
contornos de teologia cristã. A justiça humana ser unidade de conta, meio de pagamento e
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Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
reserva de valor, o que nada mais é do que Essa amplamente desejada, commodity,
uma atualização das ideias já concebidas por qualquer que seja, deve, portanto, primeiro
Aristóteles. Já Marx, defende que a moeda ser valorizada por seu papel na satisfação de
desejos não monetários. Deve ser facilmente
funcione como uma medida universal de
portátil e divisível e ter alto valor por
valor e controladora dos preços, meio de unidade de peso, de tal forma que pequenas
entesouramento, meio de pagamento e deveria quantidades sejam valiosas o suficiente para
apresentar uma característica universal, facilitar quase qualquer transação.
fazendo se tornar irrelevante a origem dos
transacionadores. Modernamente, a visão Jean de Buridan teve um aluno que
Keynesiana é a mais aceita. Já os atributos alcançou tanto destaque quanto o mestre
necessários à moeda são: baixo custo de na formulação da teoria monetária e foi
transação e estocagem, estabilidade do valor, significativamente mais bem sucedido na
ser relativamente escassa, com elasticidade sua vida religiosa, chegando ao posto de
de produção próxima a zero (AMADO, 2000; bispo de Lisieux. Este foi Nicolas Oresme, que
MOLLO, 1993; LOPES; VASCONCELLOS, escreveu, na década de 1350, seu Tratado sobre
2008). a Origem, a Natureza, o Direito e as Alterações do
Jean de Buridan (1300 – 1358), teólogo Dinheiro, onde aplicava os ensinamentos de
e filósofo francês, é considerado por grande Buridan ao caso concreto da coroa francesa
parte dos historiadores da economia como (ROHTBARD, 1995).
o fundador da teoria da moeda. Seu tratado Segundo Rothbard (1995, p. 75):
sobre o dinheiro é tido por muitos como
a contribuição mais importante da Oresme
o pioneiro no que se trata de explicar um
para a teoria monetária foi enunciar
problema de natureza econômica, que incluía claramente, pela primeira vez, o que veio
análise sobre o fluxo do dinheiro entre países e a ser chamado de “lei de Gresham”, isto
também sobre a paridade do poder de compra é, a percepção de que, se duas ou mais
em reinos que usavam moedas diferentes. moedas forem legalmente fixados em valor
A visão de Buridan sobre dinheiro se relativo pelo governo, então o dinheiro
sobrevalorizado pelo governo expulsará o
assemelha muita mais a perspectiva clássica
dinheiro subavaliado da circulação.
do que a moderna, segundo Woods Jr. (2005,
p. 154): Oresme também considerava que a
Buridan mostrou como o dinheiro surgiu moeda tinha duas funções: Ser unidade de
livre e espontaneamente no mercado, medida para facilitar as trocas de bens e
primeiro como uma mercadoria útil e depois serviços e de servir como reserva de valor
como um meio de troca. Em outras palavras, para o detentor ou para o reino. Considerava
o dinheiro emergiu não por decreto do que a moeda poderia existir sem prejudicar
governo, mas por meio do processo de troca
a eficiência do mercado em qualquer
voluntária, que as pessoas descobrem ser
dramaticamente simplificada pela adoção de
quantidade, antecipando Richard Cantillon
uma mercadoria útil e amplamente desejada em 4 séculos, desde que fosse o suficiente
como meio. para possibilitar que todas as trocas de uma
economia acontecessem. Considerava que
Buridan inclusive define como a moeda o uso da moeda era uma convenção social
deve ser fisicamente. Ainda segundo Woods e precisava atender certos requisitos para
Jr. (2005, p. 155): continuar sendo admitida pelos usuários
466 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
e enumerou condições para que uma se com valor estável, para que ele seja um
moeda fosse valorizada. Em sua visão, ela meio de troca confiável e não prejudique os
deveria ser fabricada em material durável, outros preços relativos existentes na economia
ter aparência facilmente identificável, ser (JONER, 2015). Aquino também defende que
amplamente aceita por quem usa e respeitar a moeda tem valor apenas para transações
os costumes comerciais dos usuários. Para que e não um valor intrínseco, porque não tem
a moeda possa ser facilmente identificável, utilidades práticas, como servir de matéria-
Oresme considera que ela deve ser feita de prima para algum produto. Além disso, ela
um material específico, o qual não deve pode ser usado como meio de enriquecimento
ser alterado frequentemente. Nela também do usuário, por ser uma boa reserva de valor.
deve ser impressa uma imagem ou figura Contudo, criar valor definitivamente não se
que identifique o reino de sua cunhagem e encontrava entre uma das funções naturais
que seja expresso, na própria moeda, o seu da moeda, visto que ela é um simples meio
valor nominal. A ampla aceitação da moeda de troca, valorada apenas em convenção
é especialmente importante pois permite dos agentes que a manuseiam. Para ele, a
uma medida comum para diferentes bens, moeda não tem poder de medir diretamente
estipulando uma noção de justiça distributiva a utilidade dos bens, esta era medida pelo
e também porque permite uma maior julgamento pessoal do detentor da moeda
especialização de bens e serviços uma vez (GENNARI; OLIVEIRA, 2009; JONER, 2015).
que o escambo só permite a troca de bens de Segundo Woods Jr. (2005, p. 156):
primeira necessidade, de forma direta.
Na ausência de moeda, o proprietário do Oresme também concluiu sobre os efeitos
bem A teria que encontrar um proprietário destrutivos da inflação. A degradação pelo
governo da unidade monetária não serve
do bem B que desejasse fazer essa troca.
para um bom propósito, explicou ele. Isso
Na presença de moeda, o proprietário do interfere no comércio e aumenta o nível geral
bem A pode trocar com qualquer um que de preços. Isso enriquece o governo às custas
tenha essa unidade de medida de valor para do povo. Idealmente, ele sugeriu, o governo
depois trocá-la pelo bem B. Assim, sendo não deveria interferir no sistema monetário.
a existência e a ampla aceitação da moeda
fatores que permitem que existam bens ou Oresme também considerou o valor da
serviços intangíveis, como um serviço de moeda no tempo ao afirmar que a função
assessoramento ou contabilidade, onde, em de reserva de valor serviria, entre outras
termos físicos, nada é produzido (CUSTÓDIO, coisas, para transferir poder de compra
2015). do presente para o futuro, uma vez que o
A crítica das ações governamentais no processo inflacionário faria os preços relativos
processo monetário é frequente em escritos se alterarem (CUSTÓDIO, 2015).
de toda a escolástica. Os filósofos dessa escola Com a descoberta das Américas, no
sempre olharam com muita desconfiança para século XV, iniciou-se um processo que veio
o processo de multiplicação de moeda e de a culminar na alta generalizada dos preços na
desvalorização da mesma, usando metal de Espanha do século XVII, decorrente da massiva
qualidade inferior na sua produção. Aquino, entrada de metais preciosos, especialmente
especialmente, defende que a moeda não pode a prata, do novo mundo na economia local.
ser criada a bel prazer do rei, ela deve manter- Martin de Azpilcueta (também conhecido
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 467
Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
doutrina romana frente a iminente revolta de atacar os ganhos obtidos com cobranças de
protestante. Porém, não só no campo teológico juros, apresentou uma defesa das transações
Caetano obteve destaque, no início do século cambiais como forma de lucro. Para ele, o
XV, escreveu sua Magnum opus, intitulada dinheiro não tinha apenas a função de meio
De Cambiis, onde, segundo Woods Jr. (2005, de troca de bens, eles poderiam ser trocados
p. 157): entre si mesmos e por diferentes preços,
uma vez que o valor da moeda não pode ser
[...] apontou que o valor do dinheiro
definido por uma lei, mas sim pelo peso e
no presente poderia ser afetado pelas
material com a qual as mesmas tenham sido
expectativas em relação ao mercado no
futuro. Assim o valor do dinheiro no presente fabricadas. Bonini foi um dos primeiros a
poderia variar se as pessoas esperassem observar que a demanda por dinheiro pode
certos eventos de grande impacto no futuro, variar, e de fato varia, com o decorrer do
como doenças e guerras. tempo. Assim, a moeda pode sofrer mudanças
de valor, mesmo que fisicamente permaneça
Segundo Rothbard (1995, p. 100), Caetano a mesma, podendo também ter alterações em
em sua obra De Cambiis: seu preço relativo, se comparadas com outras
moedas estrangeiras (ROTHBARD, 1995).
estabeleceu a defesa mais completa e
incondicional ainda escrita do mercado Um dos discípulos de Bonini foi São
cambial [...] Ele mostrou claramente que o Bernardino de Siena, o qual seguiu os passos
dinheiro é uma mercadoria, particularmente do mestre ao defender o mercado cambial,
quando se deslocam de uma cidade para uma vez que as transações cambiais eram
outra e, portanto, está sujeito às leis de
conversões de moeda e não empréstimos, não
demanda e oferta que regem os preços das
sendo, portanto, como a proibida usura. Para
commodities.
Bernardino, o mercado cambial deveria ser
Além disso, Caetano demonstrou que defendido, inclusive pela Igreja, pois somente
era impossível a existência do comércio assim seria possível a existência do comércio
internacional sem o mercado de câmbio e que exterior, uma vez que a cunhagem de um
o mesmo era completamente lícito. A retórica reino certamente não seria aceita em outros.
é simples. Caetano considerava que o papel É conveniente lembrar que tanto Bonini
do comerciante era legítimo. Então, como (1270 – 1314) como São Bernardino (1380 –
a moeda nada mais é do que um produto 1444) antecedem os pós-escolásticos, que só
comercializável, o trabalho do banqueiro de surgiram depois do século XV (ROTHBARD,
câmbio também é legítimo. No mercado de 1995).
câmbio, como nos outros, o preço justo para
1.6 Teoria do Valor
uma moeda era aquele livremente acordado
entre compradores e vendedores. (IORIO, A contribuição mais importante dos
2017). escolásticos para o desenvolvimento da
Mas, antes mesmo de Caetano, outro economia é também a característica que
teólogo escolástico já tinha redigido uma os diferencia da maior parte das correntes
defesa do mercado de câmbio. O padre econômicas existentes até o momento (e
Franciscano Alexander Bonini, professor da também parte das futuras). Os escolásticos
Universidade de Paris, durante os séculos XIII acreditavam que o valor dos bens e serviços
e XIV, em sua obra Tratado sobre a usura, apesar derivavam de fatores subjetivos e não de
470 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
fatores objetivos. Segundo Joner (2015, p. 37), produto (quanto maior a oferta), por outro
“os doutores notaram que o valor dos lado, menor o valor e o preço.
bens possuía um caráter subjetivo, que
impossibilitava uma mensuração uniforme Na mesma linha de raciocínio, Chafuen
de um determinado bem pela população como (2003, p. 84) argumenta que o Cardeal
um todo”. Jesuíta Juan de Lugo havia desenvolvido
um argumento original em favor do valor
Segundo Joner (2015, p. 32):
subjetivo:
Vitória analisou o valor dos bens no mercado
a partir de uma lei natural e não de uma o preço flutua não por causa da perfeição
justificação objetiva. Para ele, “quando intrínseca e substancial dos artigos – uma
Pedro vende trigo, o comprador não precisa vez que os ratos são mais perfeitos que o
considerar o dinheiro gasto por Pedro ou o milho, mas valem menos – mas por sua
seu trabalho, mas sim a estimação comum utilidade em relação à necessidade humana
de quanto vale o trigo. e somente por causa da estimativa seu preço
é muito maior. E devemos levar em conta
Segundo Woods Jr. (2005, p. 158) não só a estimativa de homens prudentes,
mas também da imprudência, se eles são
“influenciados em parte pela própria análise
suficientemente numerosos em um lugar.
e em parte pela obra de Santo Agostinho “A [...] A estimativa comunitária, mesmo que
Cidade de Deus”, esses pensadores católicos tola, aumenta o preço natural dos bens, já
compreenderam que o valor deriva não de que o preço é derivado da estimativa.
fatores objetivos como o custo de produção
ou o montante de trabalho empregado, mas Para Tomás de Aquino, no momento
da valoração subjetiva que os indivíduos dão”. de definir o valor subjetivo que dá a
Em consonância, Joner (2015, p. 25) afirma determinada mercadoria, o homem pondera
que Agostinho “[...] foi o primeiro a avaliar o trabalho efetuado pelo comerciante, e não
que o valor e o preço de um determinado só pelo produto, bem como o risco que este
bem são baseados na utilidade deste para o comerciante assume para poder transportar
homem”. Porém, antes mesmo dos escolásticos os bens de um reino ao outro. É importante
tardios espanhóis, já existia dentro da corrente reforçar que Tomás de Aquino viveu no século
de pensamento, um seleto grupo que defendia XIIV, na região do Lácio, onde foi fundada a
os fatores subjetivos como determinantes do cidade de Roma, capital do império, e estava
preço. Um dos mais destacados foi Jean Pierre inserido no contexto de uma economia
Olivi, teólogo franciscano do século XIIV. feudal, onde grande parte do comércio se
Segundo Rothbard (1995, p. 60): dava nos burgos. Ou seja, do lado de fora
das muralhas que protegiam as cidades, por
[...] em dois tratados sobre contratos,
pessoas, em geral, de menor poder aquisitivo,
um sobre usura e outro sobre compras e
vendas, apontou que o valor econômico que enfrentavam riscos como saqueadores e
foi determinado por três fatores: intempéries (WOODS JR., 2005).
escassez (raritas); utilidade (virtuositas); Segundo Rothbard (1995, p. 52-53):
e desejabilidade (complacibilitas). O efeito
da escassez, ou o que agora chamaríamos São Tomás era claramente um Aristotélico
de “oferta”, é claro: quanto mais escasso ao adotar a visão incisiva deste último de
é um produto, mais valioso é, e, portanto, que o determinante do valor de troca era a
maior o preço. Quanto mais abundante o necessidade, ou utilidade, dos consumidores,
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 471
Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
expressa em sua demanda por produtos [...]. dependia da quantidade relativa de trabalho
Além disso, na Summa, Tomás de Aquino aplicada a sua produção. Ele acreditava que
observa a influência da oferta e da demanda deveria haver uma “mercadoria padrão”, a
nos preços. Uma oferta mais abundante em
qual seria uma medida de todas as outras, esta
um lugar tenderá a baixar o preço naquele
lugar e vice-versa. “mercadoria padrão” deveria ter um preço
que não variava de acordo com outros preços
A teoria do valor subjetivo está ou com os salários dos trabalhadores, pois a
diametralmente em oposição com a teoria sua produção necessitaria de uma quantidade
do valor objetivo. Por influência dos clérigos de trabalho aplicado eternamente invariável.
católicos, a teoria subjetivista encontrou Todos os esforços de Ricardo para encontrar
mais respaldo na própria Espanha, mas esta mercadoria foram frustrados.
também na Itália e, principalmente, na Para Adam Smith, o preço real dos
França, influenciando os pais da Fisiocracia: produtos era uma função da quantidade
François Quesnay e Anne Robert Jacques de trabalho necessário para sua produção
Turgot. Já a teoria objetivista do valor, e a quantidade de trabalho necessário para
encontrou espaço em países que foram mais poder comprá-lo. A riqueza, portanto, é
fortemente influenciados pelo protestantismo, uma relação sobre quanto domínio sobre
como o Reino Unido e Alemanha. O valor o trabalho alheio o indivíduo tem. Assim,
objetivo foi tão determinante na formação dos o preço de alguma mercadoria representa
economistas destes países que se converteu uma quantidade de riqueza equivalente às
em parte indissociável dos trabalhos de horas de trabalho necessárias para obtê-
Karl Marx, Adam Smith e Davi Ricardo, por la. Stuart Mill também considerava que o
exemplo. trabalho era o principal fator para se definir
Segundo Woods Jr. (2005, p. 161): o preço das mercadorias, mas não o único.
Para ele, também eram relevantes o valor
A teoria do valor subjetivo também equivale dos instrumentos de produção utilizados e
a uma refutação direta à teoria do valor do a quantidade de capital empregada, assim,
trabalho, mais intimamente associada a
o trabalho só poderia ser o único valor a
Karl Marx, o pai do comunismo. [...] Esse
valor econômico objetivo foi baseado no
afetar os preços se as quantidades de capital
número de horas de trabalho que entraram fossem idênticas em todas as indústrias.
na produção de um bem em particular. O que havia em comum em todas essas
análises é que elas consideravam que os
Woods Jr. (2005, p. 163) ainda completa preços poderiam ser determinados por fatores
“os economistas franceses e italianos, objetivos (CARCANHOTO, 1991; OLIVEIRA;
influenciados pelos escolásticos, mantiveram, SCOVILLE, 2014).
em geral, a posição correta; foram os A teoria do valor-trabalho divide a
economistas britânicos que divergiram tão produção entre trabalho produtivo e trabalho
tragicamente em linhas de pensamento que não produtivo. O primeiro é o simples processo
culminaram em Marx”. de transformação dos elementos disponíveis,
Apesar de apresentar a formulação mais onde existe produção de valor de uso. Em
desenvolvida do valor trabalho, Marx não foi o suma, é o trabalho que produz mais-valia para
único teórico a tratar do assunto. David Ricardo o capitalista, que valoriza monetariamente
considerava que o valor de uma mercadoria o produto. Porém, este trabalho produtivo
472 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
estaria completamente livre de coerção, ele A crítica de Aquino a Usura está longe de
deve comprar para sobreviver, então nestes existir em um sentido estritamente econômico,
casos, é admitida interferência externa (o ela é mais de caráter moral. Para ele, o trabalho
que pode ser entendido como interferência mecânico, ou mesmo, o intelectual tem valor
estatal) na determinação do preço justo do positivo e se afastar deles poderia representar
item. (ROTHBARD, 1995). riscos a alma humana, como o pecado capital
da avareza. Além disso, Aquino considerava
1.7 Mercado, comércio e usura que lucrar com empréstimos configurava
uma imoralidade, uma vez que, para ele, o
Os filósofos católicos medievais, em dinheiro é totalmente consumido pelo seu
grande parte, sempre se demonstraram contra proprietário em uma troca, assim o direito
o que se chamava de usura. Mas, apesar de de uso e o direito de domínio do dinheiro
serem os mais lembrados por essa condenação, são a mesma coisa. Então, cobrar juros pelo
não foram os únicos a fazê-las, tampouco os empréstimo é cobrar duas vezes pelo mesmo
primeiros. A filosofia pagã ocidental já contava item, uma vez pelo seu domínio e uma vez
com inúmeros críticos a esta forma de lucro, pelo seu uso. Antes, Guilherme de Auxerre,
dentre eles, Aristóteles, que marca claramente filósofo escolástico e reitor da Universidade
essa posição em sua obra “Política”. Como de Paris, nominalmente citado por Aquino
São Tomás de Aquino é a grande ponte entre como uma de suas maiores referências,
Aristóteles e o catolicismo, ao mesmo tempo fez um ataque violento à prática da usura,
em que é visto como referência para boa parte classificando-a como “má e monstruosa”, até
dos filósofos escolásticos nascidos depois mesmo pior que o assassinato, pois este, sob
do século XIIV, é fácil perceber a origem do certas circunstâncias de legítima defesa, pode
movimento escolástico de repudia a usura ser justificado, a usura jamais (GENNARI;
(RODRIGUES, 2015). OLIVIVEIRA, 2009; ROTHBARD, 1995).
Definir usura, até os dias presentes, é um A partir do século XIV, porém, parece
trabalho árduo. O que é ponto pacífico entre haver, nos documentos oficiais da igreja, uma
historiadores e filósofos é que, quando se fala redefinição do que seria a condenável usura:
em usura, se faz uma referência ao ganho Nem toda cobrança de juros era pecaminosa,
ou rendimento, por meio de juros, de certa apenas aquela exagerada e injusta. Também
quantia de capital emprestado. Segundo Le após o século XIV, a usura deixa de ser crime
Goff (2014, s/p): comum, com punições similares as que se
aplicavam a casos de furto, passando a ser um
O código de direito canônico exprime
melhor a atitude da Igreja em face da usura
“crime contra as finanças”, e se aproximando
no século XIII: usura é tudo aquilo que se muito do que o direito moderno chama de
pede em troca de um empréstimo para além “agiotagem”.
do empréstimo em si mesmo; pedir isso é Essa mesma tendência de aceitação dos
um pecado proibido pelo Antigo e o Novo ganhos com empréstimo por parte da Curia
Testamento; a só esperança de um bem de
Romana, que se manifesta a partir do século
retorno para além do bem emprestado é um
pecado; as usuras devem ser integralmente
XIV, é refletida nos filósofos escolásticos que
restituídas a seu verdadeiro dono; preços começavam a se destacar nesta época. Como
mais altos por uma venda a crédito são é o caso de Gabriel Biel, importante canonista
usuras implícitas. alemão e histórico professor da Universidade
474 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
de Erfurt. Biel defendia que ganhar juros estivesse defasado (IORIO, 2017; ROTHBARD,
com um empréstimo era o mesmo que 1995).
comprar um contrato de seguro, pois não Por conta deste tipo de tratamento,
havia nenhuma garantia de que o tomador que era dado a cobrança de juros, formou-
do empréstimo iria retornar ao poupador se uma certa linha de análise histórica que
o capital emprestado, portanto, se manter associa a igreja católica a um entrave no
contratos de seguro era lícito, lucrar com desenvolvimento econômico e do mercado
juros também deveria ser. Vale lembrar que (uma vez que empréstimos, e a consequente
o argumento de Biel tem grande impacto pois cobrança de juros, são necessários para grandes
o mesmo viveu durante a expansão marítima empreendimentos) ou, mais especificamente,
europeia, que era de grande importância tivesse inibido o desenvolvimento do
para a expansão do catolicismo, uma vez que capitalismo. Porém, é importante deixar claro
havia todo um novo continente a catequizar, que, antes do século XIIV, a Europa contava
e que não seria possível sem os chamados com uma economia agrária, ainda marcada
“contratos e dinheiro e risco marítimo”, que, fortemente pelo escambo, onde o dinheiro
segundo Pereira (2013, p. 5) “consistiam desempenhava apenas papel secundário
num empréstimo dado a um navegador, e nas relações de troca e ainda não existiam
que previam uma cobrança maior no caso de os grandes investimentos especulativos
sucesso da viagem e o perdão da dívida se a que se iniciaram com a expansão marítima
embarcação e a carga fossem perdidas” (LE (CAMPOS, 1952).
GOFF, 2014; PIMENTEL, 1974; ROTHBARD, Outra acusação comumente feita é que
1995). as bases do pensamento católico condenam
O jesuíta Leonard Lessius, pioneiro o enriquecimento pessoal, porém, segundo
Le Goff (2014, s/p)
na aplicação da ética a práticas comerciais,
foi o primeiro a utilizar, explicitamente, a literatura da alta Idade Média só raramente
o que pode ser traduzido como custo de fala em “ricos”, palavra que designa antes os
oportunidade. Para Lessius, a cobrança de poderosos do que os donos de fortunas [...].
juros sobre o empréstimo de capital era Um dos textos mais célebres e mais utilizados
na Idade Média é o de Isidoro de Sevilha
perfeitamente justificável, pois o emprestador,
(cerca de 570-636) que, em suas famosas
além de correr o risco de sofrer um calote, Etimologias, situa o amor ao dinheiro à
ainda fica, temporariamente, sem a posse frente dos pecados capitais, promete aos
do dinheiro, que poderia ser utilizado em ricos o inferno e lembra a parábola do rico
outros investimentos lucrativos. Ou seja, e do pobre Lázaro, mas na verdade não
para emprestar dinheiro para um investidor, condena totalmente a riqueza e os ricos.
Como a riqueza foi criada por Deus, se
ele mesmo perdia uma chance de investir.
os ricos consagrarem sua fortuna ao bem
Lessius, paralelamente, também especulou público e às esmolas estão justificadas [...].
sobre o preço justo. Para ele, havia dois:
aquele determinado pelo mercado ou aquele Nem mesmo as acusações de serem
determinado pelo governo (quando este fosse promotores e advogados da pobreza e atuarem
legítimo), porém, o preço de mercado deveria contra o desenvolvimento do mercado e da
ser o efetivo sempre que ele fosse menor que o economia, por sua recusa à propriedade
preço definido governo, ou quando o segundo privada, feitas contra os franciscanos
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 475
Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
procedem, uma vez que a doutrina da ordem, vida; e buscamos o lucro, não como um fim,
fundada por São Francisco de Assis, diz que mas como paga do trabalho.
seus membros devem abrir mão de suas
riquezas, voluntariamente, para compartilhá- Tomás de Aquino ainda considerava
las com os pobres, mas para alguém abrir mão que o comércio não era intrinsecamente
de riqueza é necessário que, anteriormente, virtuoso, mas que era indispensável para
tenha tido meios para acumulá-la (IORIO, o bom funcionamento de um mundo
2017). imperfeito e que poderia ser completamente
justificado, desde que fosse feito para garantir
Ao contrário do que aponta uma linha
a subsistência do comerciante ou dos que dele
historiográfica que se tornou muito popular,
dependessem ou quando o comércio trouxesse
especialmente depois da publicação, em 1904,
desenvolvimento para a comunidade na qual
por Max Weber, de A Ética Protestante e o Espirito
o empreendedor estava inserido, ou nas
do Capitalismo, o pensamento escolástico e pós-
que seu empreendimento afetavam. Sendo
escolástico sempre se mostrou muito favorável
assim, só existia um comércio injustificável
a uma economia de mercado desregulada e
para Aquino, aquele que servia apenas para
à atividade comercial. As principais provas
enriquecer o comerciante, que já tinha mais do
disto talvez sejam a incessante defesa dos
que o necessário para sobreviver, ao mesmo
escolásticos de que o valor de bens ou serviços
tempo que não beneficiasse a comunidade, ou
seria sempre relativo, sendo definido pela
até mesmo o Estado, na suposição de que este
totalidade de compradores e vendedores, que
reverteria o benefício para os cidadãos. Fica
juntos formam o que chama-se de mercado,
claro que Aquino não apresentava empecilhos
e não por fatores objetivos que podem ser
morais para a obtenção do lucro, o problema
determinado por uma legislação. Além da
era buscar a acumulação de riqueza como fim
também argumentação de que o preço justo
último. (GENNARI; OLIVEIRA, 2009).
é aquele livremente acordado entre os entes
Corroborando com o exposto acima,
envolvidos na transação, desde que estes
Rothbard (1995, p. 53-54) defende que
estejam livres de coerção. (WOODS JR., 2005).
Segundo Aquino (1980, s/p) apud Gennari Não deveria surpreender que Aquino, em
e Oliveira (2009, p. 24): contraste com Aristóteles, fosse altamente
favorável às atividades do comerciante.
[...] a negociação, em si mesma considerada, O lucro mercantil, declarou ele, era um
não visando nenhum fim honesto ou salário para o trabalho do comerciante e
necessário, implica em certa vileza. Quanto uma recompensa por assumir os riscos do
ao lucro, que é o fim do negócio, embora não transporte. Em um comentário à política de
implique por natureza nada de honesto ou Aristóteles [...] particularmente importante
necessário, também nada implica de vicioso foi o breve esboço de Tomás de Aquino sobre
ou de contrário à virtude [...] nada impede o benefício mútuo que cada pessoa obtém da
um lucro ordenar-se a um fim necessário ou troca. Como ele colocou na Summa: “comprar
mesmo honesto. E, desse modo, a negociação e vender parece ter sido instituído para o
se torna lícita. Assim, quando buscamos, num benefício mútuo de ambas as partes, uma
negócio, um lucro moderado, empregando-o vez que é preciso algo que pertence ao outro,
no sustento da casa ou mesmo ao socorrer e inversamente.”
os necessitados. Ou ainda quando fazemos
um negócio visando a utilidade pública, para Aquino ainda considerava que existia
não faltarem à pátria as coisas necessárias à uma outra prerrogativa para justificar o
476 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ESCOLÁSTICA NA FORMAÇÃO
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
vez que a contribuição escolástica para o desta ciência. Eram filósofos sofisticados em
desenvolvimento da ciência econômica sofre seu trabalho de aplicar análise moral a fatos
com um déficit de produção acadêmica, cotidianos, muitos de natureza econômica,
especialmente em língua portuguesa. como a licitude de fazer comércio ou cobrar
Com a formulação do referencial teórico, juros. Os escolásticos entenderam muito
foi possível apresentar o pensamento bem a importância da propriedade privada
econômico antes dos clássicos como Smith, individual em detrimento da propriedade
Ricardo e Marx. O que, apesar de muitas vezes coletiva, antecipando o que viria, século depois,
ser deixado de lado pelas principais linhas de a ser chamada de “tragédia dos comuns”.
análise histórica, é de suma importância, uma Permitiram formidável entendimento no
vez que o pensamento econômico precede e que se refere a inflação e valor da moeda
forma a ciência econômica, ao criar as bases no tempo, deram o lastro necessário para
filosóficas que, posteriormente, seriam usadas ao desenvolvimento do mercado de câmbio
por economistas renomados. Juntamente com e foram fundamentais, até mesmo para
os ferramentais empíricos e matemáticos para o desenvolvimento do conhecimento e
a estruturação desta ciência. ciência como conhecemos hoje, mérito das
Discutiu-se o que significa ciência suas grandiosas universidades. A maior
econômica dentro dos seus nuances e contribuição foi sua teoria subjetiva de
qual o papel do economista dentro do valor, que contrapõe a teoria marxista do
campo das ciências sociais, bem como sua valor objetivo e mais-valia, tendo muito mais
indissociabilidade para com outras formas aderência com a realidade, no que tange a
de conhecimento, como a filosofia ou a correta análise dos determinantes dos preços.
sociologia. Foi demonstrado que, apesar de Por fim, afirma-se aqui o mérito e a
certas imprecisões, filósofos do mundo antigo, importância do tema abordado. Não há como
especialmente gregos e romanos, foram estudar a história da ciência econômica, ou
os primeiros a discutir conceitos que são mesmo olhar para seu futuro, sem ter em mente
utilizados até hoje. Como mercado, comércio, a monumental contribuição dos escolásticos.
divisão social do trabalho. É difícil acreditar A análise se faz necessária à medida em que
que existiria o laissez-faire sem o arcabouço ajuda a desmistificar preconceitos com o
jurídico fornecido pelos romanos, ou mesmo medievo e confronta até mesmo, em alguns
que nosso conceito atual de propriedade seria pontos, teorias consagradas. Como é o caso da
o mesmo. Weberiana, sobre a importância da ética das
Quanto aos escolásticos, que consistiram religiões no progresso econômico, oferecendo
na parte fundamental do trabalho, houve um uma visão, que ainda é minoritária, mas,
esforço considerável para conceituar e definir sem dúvidas, relevante dentro do meio
qual a filosofia deste grupo, uma vez que foi acadêmico. Algo que torna o debate acadêmico
um movimento que durou mais de 1000 anos multidisciplinar, não se atendo apenas aos
e contou com pensadores das mais diversos instrumentais matemáticos, uma vez que a
matizes do conhecimento, apesar de serem ciência econômica, em última instância, estará
todos teólogos católicos. Com a pesquisa sempre tratando de indivíduos humanos,
empreendida, torna- se compreensível o com dilemas morais, raramente utilitaristas
motivo de tantos historiadores da economia e isto, os escolásticos entenderam melhor do
classificarem os escolásticos como fundadores que qualquer outro grupo.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 479
Gabriel Estruzani Queiróz de Melo
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