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Ponto de vista Boletim Contexto n.

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Somos todos behavioristas metodológicos1


Marcus Bentes de Carvalho Neto

Os analistas do comportamento estão familiari- 1974/1976; Tourinho, 1996). Nesse contexto, a


zados com uma divisão clássica e categórica en- construção e, principalmente, a validação do co-
tre dois tipos de behaviorismo: o (meramente) nhecimento seria inerentemente dialógica e social,
metodológico e o radical (Skinner, 1974/1976). ou seja, dependeria da interlocução dos membros
Um dos pontos principais nessa divisão estaria de um grupo. Para isso, o objeto precisaria ser
no tipo de dado aceito em um empreendimento igualmente acessível a todos eles para verifica-
científico do comportamento (para uma análise ção. Mas, ao assumir tal critério, o behaviorismo
mais completa sobre os elementos constituin- metodológico circunscreveria o universo de even-
tes do behaviorismo metodológico, ver Moore, tos cientificamente legítimos aos “objetivos” (i.e.,
1981, p. 64; Moore, 2001, p. 239). O behavioris- observáveis publicamente) e excluiria toda gama
mo metodológico supostamente teria aderido a de eventos, termos e conceitos relativos à esfera
uma versão rígida e ingênua de operacionismo subjetiva ou privada. A maior parte dos processos
(presente no positivismo lógico e no realismo) e, psicológicos tradicionais ficaria, desse modo, para
por isso, lidaria exclusivamente com aquilo que além de um tratamento científico, o que acabaria
fosse publicamente observável: implicando a adoção de um dualismo (explícito ou
implícito) entre eventos comportamentais (públi-
Observação, pois, tornou-se um termo e cos e cientificamente válidos) e eventos mentais
uma operação fundamentais para o beha- (privados e inacessíveis à ciência). Daí o fato de
viorismo watsoniano2 [metodológico]: autores como Moore (1989) e Matos (1997), por
ela define a categoria ‘comportamento’, exemplo, afirmarem que o behaviorismo metodo-
seu objeto de estudo. Comportamento lógico seria também um tipo de mentalismo.
é o observável, mas o observável pelo Nessa caracterização tradicional, o behavio-
outro, isto é, o externamente observável. rismo radical surge como uma alternativa ao
Comportamento, para ser objeto de es- behaviorismo metodológico, pois superaria o
tudo do behaviorista, deve ocorrer afe- limite da verdade por consenso e poderia abor-
tando os sentidos do outro, deve poder dar, sem abrir mão da cientificidade, eventos
ser contado e medido pelo outro [ênfase tanto públicos quanto privados:
adicionada]. (Matos, 1997, p.57)
A distinção público-privado enfatiza a fi-
O critério de cientificidade estaria ancorado losofia árida da “verdade por consenso”.
na possibilidade de se chegar a uma verdade por O público, na verdade, acaba sendo sim-
consenso público (Matos, 1997; Skinner, 1945, plesmente aquilo sobre o que se pode
concordar porque é comum a dois ou
mais observadores. Isso não é uma parte
1  O presente ensaio é uma versão resumida do artigo essencial do operacionismo; ao contrá-
Carvalho Neto, Souza, Strapasson e Dittrich (Em pre- rio, operacionismo nos permite dispen-
paração). O trabalho foi apresentado em setembro de
2011, em Salvador, durante o XX Encontro Brasileiro de
sar esta solução demais insatisfatória do
Psicologia e Medicina Comportamental e I Encontro Sul- problema da verdade. . . . O critério últi-
Americano de Análise do Comportamento. Contatos mo para a boa qualidade de um conceito
pelo e-mail: marcusbentesufpa@gmail.com não é se duas pessoas entram em acor-
2  A classificação de Watson como behaviorista meto-
do, mas se o cientista que usa o concei-
dológico é problemática. Ver a análise proposta por to pode operar com sucesso sobre seu
Strapasson e Carrara (2008). material - sozinho, se precisar [ênfase adi-

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cionada]. O que importa para o Robison mática, na qual um conhecimento privado po-
Crusoé não é se ele está concordando deria ser base para uma ciência do comporta-
consigo mesmo, mas se ele está chegan- mento, desde que gerasse previsão e controle.
do a algum lugar com seu controle sobre
a natureza”. (Skinner, 1945, p. 552) Dois Modos de Produção de
Conhecimento em Análise do
Adotando uma postura alternativa de ope- Comportamento (AC): Análise
racionismo, Skinner (1945) teria defendido um Experimental (AEC) e Interpretação
critério diferente de produção e validação do do Comportamento
conhecimento científico, desvinculado da possi- Donahoe (1993) retoma algumas obras de
bilidade de observação pública. A classificação Skinner para sugerir que uma ciência do com-
de Skinner e da própria análise do comportamen- portamento teria dois modos de produzir e vali-
to como pragmatista é ampla (e.g., Abib, 2001a; dar conhecimento:
Baum, 1999; Borba & Tourinho, 2009; Carrara,
1998; Delprato & Midgley, 1992; Lattal & Laipple, Para Skinner, ciência consiste em dois
2003; Lopes, 2007; Moxley, 2001; Tourinho, 1993, empreendimentos inter-relacionados. O
1996; Tourinho & Neno, 2003), mas não necessa- primeiro é a análise experimental do ob-
jeto de estudo da ciência. Para que sejam
completamente atingidas as exigências
Parece vigorar uma interpretação da análise experimental, todos antece-
de que o behaviorismo radical de dentes eficazes do evento em estudo
Skinner teria não só abdicado do devem ser independentemente manipu-
critério de observação pública, mas lados ou controlados (ou, tais condições
também demonstrado a fragilidade precisam ser aproximadas, como na me-
cânica celeste) e os eventos em si devem
e a ineficiência de tal critério,
ser diretamente observados e mensura-
tornando-o descartável, juntamente dos [ênfase adicionada]. O segundo as-
com o behaviorismo “meramente” pecto do empreendimento científico é
metodológico. a interpretação. Na interpretação, prin-
cípios induzidos da análise experimental
e circunscritos por considerações formais
riamente simples (Abib, 2001b; Leigland, 2004; (i.e., lógica/matemática) são utilizados
Malone, 2004; Micheletto, 1997, 1999). O pen- para fornecer uma perspectiva dos even-
samento Skinneriano é rico em adoções simultâ- tos que ocorrem sob condições que fo-
neas ou consecutivas de posições incompatíveis, gem à análise experimental. (p. 453)
o que acaba gerando uma grande dificuldade
de classificá-lo teórica e filosoficamente (Abib, O método experimental, instrumento básico
2001b; Martin, 1978; Moxley, 1998). Contudo, adotado no âmbito da AEC, exigiria a observa-
mesmo reconhecendo a complexidade de suas ção pública para que fosse possível a replicação
propostas, parece vigorar contemporaneamente dos resultados (Dinsmoor, 2003; Sidman, 1976;
uma interpretação de que o behaviorismo radical Skinner, 1938, 1966), colocando sob controle
de Skinner teria não só abdicado do critério de social a construção do conhecimento científico.
observação pública, mas teria também demons- A partir desse método e desses pressupostos
trado a fragilidade e a ineficiência de tal critério, filosóficos, edificaram-se, ainda nos anos 1930
tornando-o descartável, juntamente com o beha-
viorismo “meramente” metodológico.
Aparentemente, pelo menos no
O objetivo deste ensaio é refletir sobre essa
classificação maniqueísta entre um behavio- âmbito da AEC, o critério de verdade
rismo metodológico que teria a verdade por por consenso público, um dos pilares
consenso público como critério de verdade e do behaviorismo metodológico, foi
um behaviorismo radical que teria abandonado mantido intacto, a despeito da crítica
esse critério, adotando uma perspectiva prag- de Skinner ao seu uso.

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(especialmente em Skinner, 1938), os princípios servação pública e controle social presentes no


básicos da área, como os comportamentos res- behaviorismo metodológico. Matos (1997) des-
pondente e operante, o reforçamento, a extin- creve essa curiosa relação nos seguintes termos:
ção, a discriminação, entre outros.
O critério de observação pública esteve e Estudar eventos privados é uma tarefa
está em vigor nas principais revistas empíricas que o behaviorista radical considera re-
da área, como o JEAB e o JABA, por exemplo. quisito essencial para entender o com-
Aparentemente, então, pelo menos no âmbito portamento humano. A análise desses
da AEC, o critério de verdade por consenso eventos não precisa ser colocada sob cri-
público, um dos pilares do behaviorismo me- térios sociais; para o behaviorista radical
todológico, foi mantido intacto, a despeito da basta um observador, o próprio sujeito.
crítica de Skinner ao seu uso (1945, 1974/1976). Mas os dados dessa observação precisam
Mas, haveria aqui realmente uma fragilidade? ser replicáveis, e os conceitos que são uti-
A observação pública parece ser indispensá- lizados ao lidar com esses dados devem
vel ao empreendimento científico em uma ci- se ajustar ao mesmo conjunto de leis e
ência natural, pois permite o teste externo, o princípios utilizados na análise do com-
controle público, essencial à autocorreção das portamento em geral [ênfase adicionada]
descrições realizadas (Borkowski & Anderson, (Matos, 1990). (Matos, 1997, p. 64)
1981; Dawkins, 2000; Dennett, 1997; Marx,
1975; Popper, 1989; Russell, 1969; Sagan, 1996; Supondo que haveria duas formas diferentes
Skinner, 1953/1965; Sokal & Bricmont, 1999). de produzir e validar conhecimento em AC (i.e.,
Contudo, como já sugerido por Donahoe (1993, análise experimental e interpretação) e supondo
2004), essa seria apenas uma das formas de pro- que cada uma adotaria seus próprios critérios
duzir conhecimento sobre o comportamento em filosóficos - no primeiro caso, o behaviorismo
AC. A interpretação seria uma outra alternativa: metodológico com a verdade por consenso pú-
blico; no segundo, o behaviorismo radical com
Mesmo que a análise experimental se um tipo de pragmatismo -, algumas reflexões
restrinja de fato a eventos observáveis, seriam necessárias: (a) O behaviorismo radical
a interpretação científica não o faz. A in- não seria a filosofia geral a regular a AC como
terpretação pode ter recursos para even- um todo? Como uma subárea, a AEC poderia
tos não observáveis se: (a) eventos deste manter, paralela e autonomamente, uma base fi-
tipo tenham previamente se submetido losófica não apenas diferente, mas incompatível
à análise experimental, (b) os antece- com a orientação geral, o behaviorismo radical?;
dentes do comportamento interpreta- (b) Tendo os principais conceitos da área sido
do incluam condições suficientes para a produzidos e validados inicialmente pela AEC
ocorrência dos eventos não observados e sua verdade por consenso público, e sendo a
quando tais eventos foram observados e interpretação um conhecimento derivado e su-
(c) as características dos eventos não ob- bordinado a esse nível mais básico, não seria o
servados e suas contribuições para pro- próprio behaviorismo radical um “behaviorismo
cessos correntes sejam restritas àqueles metodológico de segunda ordem”?; (c) Como
que já tenham sido demonstrados quan- poderia o behaviorismo radical “dar as costas”
to tais eventos foram observados [ênfase ao método científico que lhe garantiu a própria
adicionada]. (Donahoe, 1993, p. 454) existência e validade? Não seria o behaviorismo
radical proposto por Skinner (1945, 1974/1976)
Portanto, a interpretação não exigiria a ob- um tipo de behaviorismo “ingrato”, fundamen-
servação pública, mas isso não significa que tado filosoficamente no “oportunismo epistemo-
qualquer descrição privada seria válida cientifi- lógico” e no “pragmatismo de conveniência”?
camente. Como indicam os pré-requisitos des- Skinner (1974/1976) reconhece a importância
tacados por Donahoe (1993), a interpretação histórica do behaviorismo metodológico e da es-
estaria atrelada ao conhecimento previamente tratégia em optar por lidar empiricamente com
estabelecido no âmbito da AEC, ou seja, indire- eventos publicamente observáveis na construção
tamente estaria subordinada aos critérios de ob- de uma ciência do comportamento incipiente:

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A respeito de suas próprias metas, o Assim, a exigência de observação pública e


behaviorismo metodológico foi bem su- de controle social do conhecimento na fase ini-
cedido [ênfase adicionada]. Ele lidou com cial da AC foi crítica para a própria existência de
muitos dos problemas levantados pelo uma ciência do comportamento de inspiração
mentalismo e se libertou para trabalhar behaviorista. Skinner, nesse sentido, fez o que o
em seus próprios projetos sem digres- próprio Watson (1913) defendeu para garantir a
sões filosóficas. Ao direcionar a atenção transição de uma psicologia mentalista para uma
para antecedentes genéticos e ambien- psicologia do comportamento: (a) suspender o
tais, ele encerra uma concentração injus- uso da terminologia tradicional mentalista; (b)
tificada numa vida interior. Libertou-nos aplicar o método experimental às relações entre
para estudar o comportamento de espé- organismo e ambiente publicamente observá-
cies inferiores, onde a introspecção (en- veis e construir com isso um conhecimento mais
tão considerada exclusivamente humana) seguro sobre os fenômenos psicológicos (para
não era praticável [ênfase adicionada], e uma análise histórica e crítica, ver Politzer, 1975).
para explorar semelhanças e diferenças Watson (1913) previa inclusive que em uma fase
entre o homem e outras espécies. (p. 16) posterior, com conceitos comportamentais mais
confiáveis à disposição - extraídos da experi-
Curiosamente, Skinner, ao descrever suposta- mentação cuidadosa -, seria possível retornar
mente o behaviorismo metodológico, está tam- aos termos e métodos da psicologia tradicional
bém descrevendo o início da sua própria carreira (introspeccionista) e selecionar o que teria va-
na psicologia, quando nos anos 1930 optou por lidade ou não. Watson assim reservava em sua
identificar as relações comportamentais básicas ciência espaço para um tipo de exercício teóri-
ou fundamentais a partir da adoção do método co, dedutivo, similar à interpretação Skinneriana.
experimental. ��������������������������������
Micheletto (1997), ao caracteri-
zar a obra Skinneriana em sua fase inicial (i.e., o Considerações Finais
Skinner “jovem”), diz: Os termos metodológico e radical para descrever
formas diferentes de behaviorismo admitem um
Em 1931, Skinner se propõe a fazer uma amplo conjunto de características definidoras.
análise científica do comportamento a A necessidade de observação pública, no caso
partir do conceito de reflexo. Um concei- do behaviorismo metodológico, seria apenas um
to que permitia estudar o comportamen- desses critérios. A ênfase e a simplificação na dis-
to a partir de uma determinação observá- cussão desse elemento classificatório acabaram
vel no ambiente [ênfase adicionada] e que por levar a uma distorção na qual a observação
permitia previsão e controle. . . . A partir pública é descrita algumas vezes como uma es-
de uma revisão histórica do conceito de tratégia superada e dispensável. O ponto central
reflexo, Skinner estabelece o conceito do debate metodológico/radical parece ser ou-
de correlação observada entre estímulo tro: qual a natureza dos eventos psicológicos sob
e resposta [ênfase adicionada]. Trabalhar a pele? O behaviorismo radical corretamente rea-
com eventos observáveis diretamente firma a natureza comportamental desses eventos,
em organismos intactos afasta-o não só naturalizando a subjetividade.
de visões metafísicas, mas também de Outra questão seria como uma ciência do
supostos sobre o comportamento e pro- comportamento deveria produzir e validar seu
cedimentos de investigação vinculados à conhecimento. De fato, algumas proposições
fisiologia reflexa [ênfase adicionada] . . . behavioristas parecem ter dado margem a um
. Tomados de forma geral, são positivis- dualismo implícito, ao admitirem exclusivamen-
tas [ênfase adicionada] os critérios que te dados observáveis publicamente. Assim, os
Skinner adota para defender o estudo do eventos sob a pele seriam de outra natureza, a
comportamento a partir de dados obser- “mental”, e não seriam passíveis de investiga-
vados [ênfase adicionada], afastando-se ção científica. Mas não necessariamente a de-
de noções metafísicas . . . . (pp. 33-34) fesa da observação pública na construção de
princípios comportamentais seria atemporal e
levaria à exclusão dos eventos privados.

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É possível entender a adoção de critérios so- É importante lembrar que a necessidade de


ciais de controle do conhecimento no behavio- observação pública e de demonstração empírica
rismo de Watson e de Skinner (pelo menos em e lógica de um argumento surge em um contexto
sua fase inicial) como uma estratégia histórica, no qual um conhecimento podia ser produzido
explicável e válida para um contexto específico. por mera “revelação” ou “inspiração” (resultado
Ambos precisavam iniciar sua empreitada cien- de um processo íntimo, espiritual, misterioso, in-
tífica e a psicologia tradicional não lhes oferecia comunicável e indevassável) e mantido por auto-
segurança nem nos conceitos e termos utiliza- ridade (especialmente as real e religiosa). Comte
dos para descrever os fenômenos psicológicos, combateu o conhecimento místico, individual e
nem nos métodos para conhecer tais fenôme- indiscutível (de papas, reis e assemelhados) e
nos. Qual o caminho mais seguro a ser trilha- propôs critérios que, ao mesmo tempo, naturali-
do nesse cenário? Ambos os autores optaram zavam a produção de conhecimento (entendida
por começar utilizando a experimentação de como humana, mundana, sem vínculos com um
relações entre organismo e ambiente simples, mundo extrafísico a soprar verdades aos escolhi-
dos) e democratizavam o seu acesso (qualquer
O equívoco do debate entre um poderia, independentemente de sua origem
ou classe social, potencialmente compreender,
behaviorismo metodológico e
criar e testar uma teoria sobre o mundo). Ele
behaviorismo radical parece residir na reconhecia a falibilidade humana (daí a neces-
interpretação de que a observação sidade do Método) e tornava explicitamente
pública é o inimigo do “bom” a validação do conhecimento uma questão de
behaviorismo. Ela foi e é crucial para convencimento público, uma tarefa irremediavel-
uma ciência do comportamento. mente coletiva, regida pela razão argumentativa,
e não pelo medo de contrariar uma autoridade.
Tais avanços são conquistas fundamentais da
publicamente acessíveis e, por isso, socialmente modernidade. Estão profunda e historicamen-
controláveis. A princípio, não parece ter havido te relacionados à própria ideia de democracia.
uma negação da validade de estratégias indire- Portanto, não deveria ser um estorvo para o
tas ou interpretativas ou mesmo considerações analista do comportamento, o qual não deveria
definitivas e completas sobre o lugar dos even- ter vergonha de adotá-lo. Talvez seja necessário,
tos psicológicos não acessíveis publicamente. sim, discutir o papel complexo que tal critério
Naquele momento decisivo, o caminho para assumiu em nossa história e reavaliar a partir
edificar uma ciência do comportamento anco- disso as classificações e caracterizações tradicio-
rada em bases seguras recomendaria a adoção nais sobre o que fazemos e no que acreditamos.
da verdade por consenso público. No caso de
Skinner, após terem sido produzidas empirica- Referências
mente as leis básicas da área, estavam prontas as Abib, J. A. D. (2001a). Behaviorismo radical
ferramentas teóricas que o autor aplicaria em sua como pragmatismo na epistemologia. Em H.
interpretação dos fenômenos comportamentais J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz
complexos, mais difíceis de serem submetidos & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento
ao exame em condições controladas. Portanto, o e cognição: Expondo a variabilidade (Vol. 8,
equívoco do debate entre behaviorismo metodo- pp. 158-161). Santo André: ESETec.
lógico e behaviorismo radical parece residir na in- Abib, J. A. D. (2001b). Arqueologia do behavio-
terpretação de que a observação pública é o ini- rismo radical e o conceito de mente. Em H.
migo do “bom” behaviorismo. Ela foi e é crucial J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz
para uma ciência do comportamento. Ela norteia & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento
a prática não só dos analistas experimentais do e cognição. Expondo a variabilidade (Vol. 7,
comportamento trabalhando em laboratório, mas pp. 20-35). Santo André: ESETec.
também a prática dos demais analistas compor- Baum, W. M. (1999). Compreender o behavioris-
tamentais saudavelmente obcecados com a ne- mo: Ciência, comportamento e cultura. Porto
cessidade de objetividade, replicabilidade e de Alegre: Artmed.
descrições baseadas em evidências averiguáveis.

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