Você está na página 1de 10

A aplicação do método dialético de produção de conhecimento no

ensino de ciências sociais


Nilson Nobuaki Yamauti
Departamento de Ciências Sociais, Universidade Es tadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020 -900, Maringá, Paraná,
Brasil. e-mail: nilson.yamauti@uol.com.br

RESUMO. Este artigo expõe a aplicação prática do modo dialético de produção de


conhecimento esboçado por Karl Marx em Método da Economia Política. Na primeira parte, de
forma resumida, apresentamos uma interpretação do método proposto por Marx . Na
segunda parte, relatamos a nossa experiência de aplicação des se método no ensino de
Ciências Sociais.
Palavras-chave: metodologia das Ciências Sociais, mate rialismo dialético, totalidade concreta, prática
de ensino, análise e síntese.

ABSTRACT. The application of the dialectical method of knowledge production


in the teaching of social sciences. This article exposes a practic al application of
knowledge production form sketched by Karl Marx in Method of the Political Economy. In the
first part, an interpretation of the method proposed by Marx is concisely presented. In the
second part, our experience in the application of this method in the teaching of social
sciences is related.
Key words: social sciences methodology, dialectical materialism, concrete totality, teaching practice,
analysis and synthesis.

Introdução De acordo com o método esboçado por Marx, o


objeto de conhecimento deve passar, em primeiro
A leitura de O método da Economia Política —
lugar, pelo processo da análise. Ou seja, a realidade
manuscrito deixado por Karl Marx (1978) — tem
objetiva deve ser decompo sta em representações
suscitado interpretações diversas 1. Apresentaremos aqui
cada vez mais simples para que se torne possível
uma releitura desse manuscrito orientada por minhas
isolar, identificar e reconhecer as células que a
experiências pessoais relacionadas à produção de
constituem bem como as relações mais primárias,
conhecimento com base no método dialético.
gerais, abstratas, determinantes do objeto visto como
Sugerimos a transposição de alguns princípios e
um todo. Marx assinala que o proc esso de
conceitos empregados nesse texto de Marx no estudo
fragmentação do todo empírico nos conduz a
de objetos de conhecimento compreendidos enquanto
categorias cada vez mais simples, a abstrações cada
totalidade2. Posteriormente, explicitaremos a aplicação vez mais tênues, até se atingirem as determinações
prática desse método no ensino de Ciências Sociais . mais simples. As categorias, os conceitos, os
Método de produção de conhecimento princípios e hipóteses da teoria escolhida pelo
pesquisador devem facilitar a identificação dos
No Método da Economia Polít ica, Marx (1978)
elementos parciais constituintes do objeto de
propôs o que ele considera a forma cientificamente
investigação.
correta de se atingir o conhecimento de um objeto
Nesse processo de conhecimento do objeto, é
de estudo 3. Trata-se de começar pelo real e concreto,
oportuno chamar a atenção para dois movimentos
pelo que se supõe efetivo, pelo concreto inicialmente
do pensamento no sentido da abstração. O primeiro
representado. No início do pro cesso, a representação
consiste no isolamento de partes do todo que não
decorrente de um primeiro contato com o objeto
possuem significados concretos a não ser quando
seria caótica.
inter-relacionados como um todo. A abstração
possibilita conceber como isolados os elementos
resultantes da decomposição analítica. O segundo
1
Este texto constitui a seção 3 de Para a crítica de Economia Política, incluído no
livro Marx, da coleção Os pensadores.
2
Kosik (1976) apresenta uma concepç ão consistente de totalidade concreta. movimento consiste na supressão das características
singulares dos elementos identificados mediante a
3
Conferir uma outra versão des se mesmo texto, Contribuição à crítica d a
Economia Política, publicada em 1977.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


112 Yamauti

operação da análise. Com essa supressão, mantém-se obtidos mediante a decomposição do objeto efetuada
apenas aquilo que é essencial e comum a elementos pela operação da abstração. Em outros termos, o
similares, da mesma natureza, existentes no mundo essencial do método científico consistiria na
objetivo. É mediante essa forma de abstração que se descoberta de relações presentes no objeto de estudo
torna possível a produção de categorias e de por meio da operação de síntese6.
conceitos. E esses produtos-ferramenta do processo A totalidade resultante das operações de
de análise viabilizam o movimento do pensamento e pensamento, enquanto representação dialética do
constituem a matéria primordial da produção de objeto de conhecimento, seria concreta porque a
conhecimento nas Ciências Sociais. realidade foi rearticulada de forma estruturada
Feita a análise, será preciso efetuar o processo produzindo sentido coerente. Os m últiplos
inverso mediante a operação da síntese. Esse elementos que compõem essa totalidade foram
movimento consiste na recomposição dos elementos inter-relacionados em uma rede de conexões
que foram identificados pela análise a partir da complexas. Esses elementos, ricos em determinação,
fragmentação do objeto enfocado enquanto totalidade. deixaram, assim, de ser componentes abstratos,
A síntese exige, inicialmente, a classificação ou a isolados, sem conteúdo, sem nexo ontológico. Seus
localização estrutural dos elementos constituintes do significados passaram a emergir da rede de relações,
todo a fim de se obter uma certa ordem no caos ou de determinações, que se constitui como
formado pela desconexão des ses elementos. Se a totalidade concreta.
teoria social escolhida pelo pesquisador proporcionar Devido às limitações naturais da cognição
uma representação estrut ural do todo, essa tarefa humana, o princípio da totalidade sugeriria
tornar-se-á bem menos complexa. Nesse caso apreensões provisórias, sempre inacabadas, devendo,
específico, a teoria funcionaria como um modelo, por isso, ser compreendido mais precisamente como
um mapa, um esquema ou diagrama que orientaria o método de produção de esquemas de definição de
pesquisador na montagem das peças do objeto um objeto em processo de estudo coletivo
desconstruído. É preciso ter em conta que a t eoria permanente. Carlos Nelson Coutinho (1994)
social não nos fornece jamais uma representação, assinala, nesse sentido, que o marxismo busca não
mesmo que aproximada, do objeto enquanto uma totalidade fechada e definitiva, m as um
totalidade. Oferece apenas orientações e pistas para a processo de totalização. Nes se processo, o todo seria
rearticulação dos componentes do objeto que compreendido como algo aberto .
concebemos como totalidade 4.
Durante o processo da síntese, poderá ocorrer a Totalidade abstrata e totalidade concreta
descoberta de elementos novos presentes na Designaremos totalidade abstrata o resultado de
constituição da realidade tomada como objeto de um trabalho de síntese das diversas interpretações já
conhecimento. Essa descoberta exigirá a criação de realizadas sobre o objeto. Ela não deve ser
novos conceitos ou categorias. Poderá ocorrer, identificada com a verdade . Deve, porém, ser
também, a revelação de relações gerais — de nexos compreendida como um ponto de vista específico.
dialéticos — que irão propiciar uma melhor Pode constituir um referencial, um guia para as
compreensão do objeto. operações de análise e de síntese a serem efetuadas
Quando o pesquisador concluir a montagem de no estudo do mesmo objeto por outros
todas as peças do seu quebra -cabeças, irá pesquisadores. Mais precisamente, referencial que
compreender os nexos que articulam o objeto proporcionaria os conceitos necessários para a tarefa
enquanto totalidade estruturada. Passará a ter, assim, de análise, isto é, para a operação de identificação e
um conhecimento concreto desse objeto. de distinção de cada elemento essencial que constitui
O resultado do processo da síntese — uma rica o objeto a ser interpretado. A totalidade abstrata,
totalidade com múltiplas determinações ou relações enquanto um referencial, sugere, também, relações e
— oferece, enfim, a compreensão estruturada do princípios de ordenação que subsidiam a operação da
objeto5. Conclui-se que o conhecimento é síntese, ou seja, a recomposição dos elementos da
produzido pelo pensamento através da operação de realidade desmontada por meio da análise. A
inter-relacionamento do conjunto de componentes totalidade abstrata pode, ainda, oferecer pistas par a o
preenchimento de lacunas observadas durante a
4
A recomposição processada pela síntese não pode ser arbitrária. Ou seja, não
recomposição das partes componentes do objeto.
deve ser orientada, primordia lmente, no sentido lógico. O caráter ontológico do Tais lacunas aparecem quando faltam elementos
método exige um olhar atento às conexões existentes no mu ndo objetivo; exige a
consideração do conteúdo objetivo dos conceitos e princípios teóricos.
5
Lukács (1974) supõe que a noção de totalidade caracter iza o método marxista
6
de abordagem da realidade social. E es se método distinguiria a corrente Prado Jr. (1980) salienta que é no processo de progressiva determinação de
marxista de pensamento das demais. relações que se constitui o conhecimento.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


Aplicação do método dialético de produção de conhecimento 113

identificados plenamente por conceitos ou fatos. O A fim de aplicar os princípios do método


processo da síntese, compreendido como momento dialético de produção de conhecimento, venho
de confrontação entre as dimensões da fazendo a opção pelo estudo da Guerra da Tríplice
universalidade e da singularidade, entre a teoria e o Aliança contra o Paraguai ocorrida no século XIX 12.
objeto de estudo, possibilitaria, enfim, a percepção Esse estudo é realizado através de pesquisa
dos nexos que constituem o objeto visto enquanto bibliográfica 13. Cada aluno deve produzir uma
totalidade 7. monografia e os resultados são expostos em
Em suma, sugerimos como totalidade concreta o seminários no final do curso.
resultado do processo de análise e de síntese Explico aos alunos os objetivos da atividade: a)
efetuado por um determinado pesquisador no sugerir um método de preparar aula que é, ao
estudo de um objeto de conhecimento . Essa mesmo tempo, um método de produzir
totalidade, antes de constituir uma expressão fiel da conhecimento concreto; um método e técnica de
realidade, seria um esboço permanentemente pesquisa; enfim, um método de produção de
provisório que poderia orientar novas operaçõe s de monografia, dissertação ou tese acadêmica; b)
análise e de síntese, novos estudos a serem realizados discutir a validade da adoção de livro didático; c)
para ampliar o grau de determinação do objeto 8. O estabelecer uma relação entre Teoria do
grau de concreticidade assim atingido seria expressão Conhecimento e Pedagogia; d) discutir o tema da
da incorporação de elementos, princípios e relações interdisciplinaridade e relacioná -lo com o método da
que não estavam ainda identificados . Da síntese de totalidade concreta; e) explicar as causas da Guerra
um conjunto de interpretações realizadas na forma do Paraguai relacionando essa explicação com as
de totalidade concreta resultaria, então, o que razões históricas e políticas do subdesenvolvimento
denominamos totalidade abstrata. Deste modo, seria na América Latina; f) desenvolver uma postura
fechado o círculo dialético de produção de crítica em relação a interpretações de fatos nas
conhecimento nas Ciências Sociais 9. Ciências Sociais; g) aprender a sintetizar
informações coletadas em fontes diversas.
A aplicação prática do método Alguns alunos podem sentir -se ofendidos com a
Farei, a seguir, o relato da forma como efetuei a escolha do tema porque ele atenta contra a auto -
aplicação do método dialético de produção de estima relacionada à sua nacionalidade. É
conhecimento no Ensino Médio e na disciplina importante, nesse caso, lembrar a eles a afirmação
Prática de Ensino de Ciências Sociais , ministrada no feita por Eça de Queiroz: “Aos que sabem dar a
Ensino Superior 10. Desenvolvi esse método de verdade à sua pátria não a adulam, não a iludem (...)
ensino por acreditar que a aprendizagem é um Gritam-lhe sem cessar a verdade rude e brutal”.
processo eminentemente ativo que não se encerra na Explicar, ainda, que a escolha do tema não foi
transmissão pura e simples de conteúdo feita pelo arbitrária; por experiência, concluiu -se que é aquele
professor em sala de aula. Venho notando que os que possibilita a realização dos objetivos propostos
alunos não aprendem de verdade ouvindo, da forma mais eficaz.
A turma deve ser cientificada de que a definição
passivamente, o que expomos em nossas aulas. Eles,
do problema da pesquisa racionaliza e reduz o tempo
sim, são os verdadeiros produtores de sua
a ser gasto na coleta de informações. Se o problema
aprendizagem 11.
for definido de forma equivocada, muitos
Cheguei à conclusão, depois de alguns anos de
fichamentos de textos serão jogados no lixo.
magistério, que o professor deve orientar os alunos Geralmente, em razão do curto tempo disponível
para que eles próprios, de modo ativo, reconstruam para a realização do estudo, somos obrigados a
o conhecimento que estão n os livros. E, nessa estabelecer para os alunos os problemas a serem
reconstrução, eles perceberão em que consiste, elucidados pela pesquisa. Estipulo, então, que o
realmente, a aprendizagem. problema a ser investigado são as causas da Guerra
do Paraguai. Nesse caso, muitas informações
7

8
Sobre as operações de análise e de síntese, ver, por exemplo, Lefebvre (1979). presentes nos livros, como aquela s que dizem
A noção de totalidade que sugeri mos pode ser confrontada com aquela
proposta por Kosik (1976). respeito às batalhas ocorridas durante a guerra,
9
A respeito do processo dialético de desenvolvimento do conhecimento, poderão ser ignoradas.
consultar, por exemplo, Cheptulin (1982).
10
Ministramos a disciplina Prática de Ensino de Ciências Sociais nos anos de
A seguir, exponho aos alunos os fundamentos
2003 a 2005 na Universidade Estadual de Maringá.
11
Essas afirmações podem parecer banais, mas precisam ser enfatizadas porque 12
continua predominando em Escola s e Universidades a idéia paternalista de que Considerando que a maioria dos livros didáticos denomina esse fato histórico
o ensino é gerado a partir, apenas, do esforço realizad o pelo professor. Guerra do Paraguai, irei utilizar essa expressão de ora em diante.
13
Presenciei muitas reclamações e até movimentos de estudantes motivados por Certamente, a metodologia de ensino que irei expor é adequada, sobretudo, ao
essa concepção de ensino -aprendizagem que considero equivocada . ensino de História.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


114 Yamauti

gnosiológicos da atividade proposta. Se o trabalho de podemos recorrer a um esquema, a um modelo, a


ensino consiste, primordialmente, em viabilizar a uma teoria capaz de orientar o processamento de
assimilação e a incorporação de conhecimento, os informações. Por exemplo: para montar as peças de
alunos devem refletir, um pouco, sobre o que é um quebra-cabeças, uma criança pode orientar -se
conhecimento. Como ele pode ser produzido p or pela figura impressa na tampa da caixa que armazena
um pesquisador? Como ele pode ser obtido por as peças do jogo. Existe uma diferença: a teoria social
estudantes de Ciências Sociais? não nos fornece a fotografia exata da sociedade;
Explico que o materialismo dialético supõe a funciona apenas como um guia que nos proporciona
produção de conhecimento nas Ciências Sociais uma determinada forma de conceber a realidade social.
mediante as operações de análise e de síntese. Devemos, nesse momento, salientar aos alunos
Traduzindo o método em uma linguagem acessível, que é no processo da síntese que ocorre,
esclareço que a operação da análise consiste na verdadeiramente, a produção de conhecimento. Da
fragmentação do objeto de conhecimento em seus mesma forma que a montagem das peças de um
elementos constitutivos; ou seja, na separação do quebra-cabeças proporciona a visualização da figura
todo em partes. A análise poderia ser comparada à e da mesma forma que a remontagem do motor de
desmontagem de um motor de automóvel. Outros um automóvel pode possibilitar a compreensão de
exemplos de análise: exame de sangue, dissecação de seu funcionamento.
uma rã para fins de estudos de anatomia, estudo da O processo da síntese proporciona, enfim, a
sintaxe de parágrafos de textos. É preciso r essaltar aprendizagem ativa: o aluno aprende reconstituindo,
que a análise possibilita o isolamento, a identificação ele próprio, o processo de prod ução de
e o reconhecimento dos elementos que constituem conhecimento. Aqui, deve ser reiterado que es se
o todo, ou seja, das partes constitutivas do motor, do processo constitui o oposto de acumular
sangue, da rã, de uma sentença. Os conceitos informações soltas, sem nexo, em salas de aula.
produzidos pelas teorias sociais facilitam essa Sublinhar, inclusive, que a atividade de descobrir
operação. Pode-se dizer que a análise possibilita a nexos entre informações é diferente de acumular
produção de informações abstratas. Informações informações desconectadas na memória; é diferente
podem ser comparadas a peças isoladas de um de guardar uma quantidade muito grande de peças
quebra-cabeça. Elas não possuem um significado de um relógio ou de um jogo de quebra -cabeças
concreto quando isoladas do todo. Um cidadão dentro de uma caixa, desmontadas.
brasileiro que absorve todos os dias as informações Ressaltar, ainda, o seguinte: o professor de
fragmentadas transmitidas pelo Jornal Nacional, da Ciências Sociais que transmitir informações se m
Rede Globo de Televisão, não pode afirmar apontar as interconexões existentes entre elas age
peremptoriamente que conhece a realidade do país. como um pai que tenta explicar a seu filho o
Os elementos desconectados do todo, vale a pena significado do conteúdo pictórico de uma única peça
insistir, apresentam um signi ficado abstrato. Não de um jogo de quebra-cabeças formado por milhares
proporcionam, na verdade, aquilo que se pode de fragmentos. Se existe uma diferença brutal entre
denominar conhecimento concreto . Da mesma transmitir informações abstratas e transmitir
forma que as peças desmontadas de um motor não conhecimento concreto, existe, também, uma
podem movimentar o automóvel. Ou da mesma grande diferença entre transmitir conhecimento
forma que o sujeito de uma oração, separado do concreto e ensinar os alunos, eles próprios, a
verbo e de outros complementos, nada enuncia. Em reconstituirem a forma de produzir conhecimento
termos alegóricos, o conhecimento é produzido concreto. Existe, em suma, um a grande diferença
quando o quebra-cabeças é montado 14. entre receber informações desconexas numa sala de
Explico, em seguida, que a síntese consiste na aula e produzir conhecimento concreto em casa ou
recomposição das partes que foram separadas do na biblioteca.
todo pela operação da análise. Seria como fazer a Todos sabem que a metodologia cartesiana e
remontagem do motor do automóvel. No trabalho positivista dominante no mundo acadêmico exige do
de recomposição das partes que constituem o todo , pesquisador a fragmentação do objeto de
conhecimento, a divisão do trabalho científico, a
14
A fim de ilustrar essa explicação, o professor pode distribuir peças de um jogo ultra-especialização. Isso significa que o pesquisador
de quebra-cabeças e solicitar aos alunos que tentem explicar o significado da
imagem contida em cada uma delas. Os alunos podem achar absurdo o pode trabalhar durante a vida toda com minúsculos
exemplo. Todavia, de certa forma, o profes sor que pede nas provas a explicação
sobre fenômenos isolados da realidade social acaba procede ndo, mais ou fragmentos da realidade social. Quando ele for dar
menos, da mesma forma.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


Aplicação do método dialético de produção de conhecimento 115

aula, não estará, por falta de hábito, p reparado para O exemplo é simples e serve, apenas, para
transmitir um conhecimento concreto da realidade demonstrar como se efetua a síntese no processo de
social. E, muito menos, a ensinar os alunos a produção de conhecimento. Quando precisamos
produzirem um conhecimento concreto dessa sintetizar milhares de informações, a tarefa de
realidade 15. produção de conhecimento é bem mais complexa.
Quando o professor transmite informações Todavia a operação de pensamento subjacente será a
desconexas, abstratas, sem significado concreto, ele mesma: aquela que denominamos process o de
força os alunos a memorizarem o conteúdo síntese de múltiplas determinações.
transmitido. Em minha experiência de sala de aula,
tenho notado que, se o professor transmitir A monografia sobre a Guerra do Paraguai
conhecimento concreto, os alunos poderão redigir Deixar claro que a atividade proposta não
algumas páginas de almaço nas provas sem grande consiste, exatamente, na compreensão do tema da
esforço de memorização porque incorporaram o pesquisa. Os alunos devem atentar, sim, para o
nexo, apreenderam as relações entre as peças do exemplo que está sendo oferecido de co mo conciliar
quebra-cabeça, não estão sendo obrigados a produzir ensino e pesquisa. Deverão aprender uma forma de
reflexões sobre o significado do conteúdo de peças preparar aulas cuja finalidade consiste em transmitir
isoladas que compõem um todo indissociável 16. conteúdo não abstrato, ou seja, conteúdo com
Para que os alunos fixem o conteúdo d a significado concreto.
explanação sobre os fundamentos gnosiológicos da A primeira tarefa conferida aos alunos será a
atividade proposta, o professor pode solicitar que tomada de contato com o tem a mediante a leitura de
eles façam a síntese das seguintes informações: alguns autores. Tenho oferecido algumas dezenas de
1. Adalberto é casado. textos copiados de livros de História do Brasil de
2. Maria Helena é desquitada. nível fundamental e médio, além de alguns livros
3. Adalberto e Maria Helena foram vistos saindo paradidáticos. Ofereço, também, alguns livros que
juntos do Motel Paratodos num automóvel. omitem o capítulo sobre a Guerr a do Paraguai para
4. Adalberto e Maria Helena não são policiais e que eles discutam o significado dessa omissão.
nem pesquisadores. Encerrada a atividade, os alunos podem ser
5. Adalberto e Maria Helena não são convidados a debaterem em sala de aula o que eles
funcionários e nem fornecedores do Motel consideram as causas da Guerra do Paraguai.
Paratodos. Posteriormente, em casa, eles poderão formular um
6. Adalberto e Maria Helena não são diagrama a fim de explicar a causa dessa guerra. Se o
proprietários do Motel Parat odos. tempo disponível for exíguo, o professor pode
7. Adalberto e Maria Helena não são vendedores oferecer aos alunos os elementos que ele julgar
e nem prestadores de serviços do Motel Paratodos. essenciais para a composição do diagrama:
Tomando cada informação isolada, teremos
O modelo econômico e social paraguaio ;
algum conhecimento concreto significativo, não
A reação da Inglaterra a este modelo;
abstrato? Fazendo a síntese dessas informações, que
O projeto de Solano Lopez ;
conhecimento novo produzimos que inexiste em
A formação da Tríplice Aliança ;
qualquer uma delas tomadas isoladamente? Que
A destruição de um projeto de construção de
operação de pensamento foi efetuada para que
ocorresse a produção de conhecimento ? Podemos nação independente;
afirmar que esse conhecimento é verdadeiro ou Efeitos da guerra.
trata-se, apenas, de uma hipótese? Mostrar que uma Nesse caso, é importante deixar claro que o
investigação mais refinada poderia levar à conclusão, professor está induzindo os alunos a formularem
por exemplo, de que Adalberto e Maria Helena são uma determinada interpretação que pode, muito
irmãos e foram visitar Antonio Carlos, gerente do bem, ser questionada. Reiterar que a atividade não
Motel Paratodos e amigo deles. consiste, exatamente, no estudo de um fato da
História do Brasil e isso justificaria o pouco respeito
15
Com esta afirmação, não pretendo propor que seja equivocado o trabalho do
concedido pelo professor à autonomia intelectual da
professor de expor aos alunos os textos clássicos das Ciências Sociais. Os
alunos podem aplicar o método que está sendo aqui exposto no estudo dos
turma na compreensão desse fato.
pensadores clássicos.
16
Na aula seguinte, alguns alunos poderão
Passo aos alunos algumas provas dissertativas realizadas por alunos de um
outro curso. Peço para eles observarem que es se método possibilita aos alunos desenhar, no quadro-negro, o diagrama que
redigir, sem grande esforço, 4 páginas de papel almaço, ou até mais, no per íodo
de duas aulas de 50 minutos cada. produziram, bem como explicar os nexos que eles
Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006
116 Yamauti

conceberam como hipóteses de pesquisa. sobrenome do autor seguido de vírgula e do ano de


Um exemplo de diagrama: publicação do texto. E no canto inferior direito, o
número da página ou d as páginas que foram
fichadas. As duas faces do papel podem ser
Modelo paraguaio O projeto de Reação da Inglaterra aproveitadas para a anotação de informações.
Solano Lopez
Recomendar a anotação apenas de conteúdos que
forem pertinentes à discussão do problema da
pesquisa e somente o que for compreendido. A fim
de saber se a informação é útil para o
A destruição do... A Guerra A formação da desvendamento da hipótese da pesquisa, o aluno
Tríplice Aliança
deve consultar o diagrama a todo o momento. Ou
seja, a coleta de informações em fichas deve ser
realizada tomando-se o diagrama como parâmetro
quase supremo. Deixar claro , que quanto maior a
Certamente, trata-se de um esquema de
quantidade de fichamentos produzidos e quanto
explicação bastante arbitrário. Deve ser considerado
melhor a qualidade das fontes consultadas, mais
como uma hipótese de pesquisa que os alunos
ricos serão os resultados da pesquisa.
podem tanto comprovar — expondo fatos e dados
O conjunto de fichas produzidas sobre um
— como, também, refutar.
determinado texto pode ser preso com um clipe ou
O passo seguinte será o fichamento de textos, ou
elástico. A primeira ficha desse conjunto deve
seja, a anotação de informações coletadas em livros
apresentar os dados bibliográficos da fonte
em pequenos pedaços de folhas de papel 17. Essas
consultada.
informações podem ser copiadas literalmente —
Durante o transcurso da coleta de dados, é
devendo ser sinalizadas, nesse caso, com aspas — ou
comum surgirem idéias a respeito do tema da
copiadas na forma de resumo.
pesquisa. Elas podem ser anotadas também em
Recomendar a cópia de apenas uma só
fichas formando um conjunto próprio deno minado,
informação em cada ficha. Isso por que elas serão,
por exemplo, observações pessoais.
posteriormente, separadas por assunto, isto é,
Terminado o trabalho de coleta de informações,
classificadas de acordo com os tópicos do diagrama.
as fichas devem ser separadas de acordo com os
A anotação da informação deve terminar na ficha
tópicos do diagrama. Tenho observado que o
que está sendo utilizada, não deve continuar em
trabalho de classificação , em pesquisas cujo
outras fichas. O aspecto mais proveitoso do método
problema não foi ainda bem definido, é ótimo para o
de fichamento é a possibilidade de classificar as
desenvolvimento de nossa capacidade de abstração. E
informações de acordo com certos tópicos pré -
por exigir a leitura e a releitura das fichas, ele
definidos pelo pesquisador. E , para facilitar essa
constitui o início do estabelecimento de ordem no
classificação, cada ficha deve ter um conteúdo
caos de informações obtidas.
autônomo, discreto, para tornar possível o seu
Um conjunto de fichas já separadas por assunto
deslocamento de um conjunto de fichas para outro.
pode ser reclassificado quantas vezes foram
Além disso, quanto maior a fragmentação do objeto necessárias até que se torne possível o início da
realizada mediante a operação da análise, maiores redação de parágrafos sem esforço intelectual
serão as chances de descoberta de nexos na descomunal. O computador tornou a tarefa de
elucidação do problema da pesquisa. Daí a redação de textos bem menos penos a por possibilitar
importância de se produzir em fichas com conteúdos o recorte e a colagem de parágrafos ou de
discretos que se encerram nelas mesmas. enunciados. O trabalho de formulação da estrutura
No canto superior esquerdo da ficha, o aluno do texto é outra atividade que desenvolve muito a
poderá, se quiser, escrever o nome do tópico ao qual capacidade intelectual do educando. Considero a
se vincula a informação. Vale repetir, os tópicos prática constante da síntese de informações e a
serão os mesmos do diagrama. No canto superior expressão dessa síntese na forma de textos e aulas
direito, pode-se colocar a numeração seqüencial uma das fontes mais produtivas do desenvolvimento
referente ao texto que estiver sendo fichado. No intelectual.
canto inferior esquerdo, pode -se escrever o Quando iniciarem a redação da monografia, os
alunos devem ser orientados sobre a forma de
17
Tenho recomendado a utilização de fichas de papel sulfite com cerca de 8 cm citação das fontes bibliográficas. Ressaltar a
de largura por 10 cm de altura. As papelarias ve ndem esse papel em blocos de
rascunho.
importância de se confrontar dados e enfoques do s

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


Aplicação do método dialético de produção de conhecimento 117

diversos autores consultados a fim de se obter um Quando os apresentadores de telejornais


discurso fecundo e instigante. Sublinhar que as teses chamam uma reportagem e se a imagem não entra
de um autor podem ser reforçadas mediante a imediatamente no ar, a angústia que inunda a tela da
citação de outros autores. Se desejarem, os alunos TV, exagerando, é comparável à de um condenado
poderão intervir na discussão inserindo, também, os no corredor da morte. Os criadores de frango de
seus pontos de vista 18. corte deixam as luzes do aviário acesas durante a
No final dos trabalhos realizados, além da noite toda para apressar o ganho de peso de suas
apresentação escrita, os alunos podem expor os aves. Por isso, quando se diz que tempo é dinheiro ,
resultados obtidos em seminários de pesquisa. exprime-se com fidelidade ab soluta o princípio
Considerando-se que todos os alunos adquiriram fundamental vigente no capitalismo contemporâneo .
um certo grau de familiaridade com relação ao tema Por tudo isso, o professor que exige fichamento
e dependendo do grau de comprometimento da de textos pode ser considerado louco, alienado ou,
turma, as discussões podem ser basta nte ricas. É no mínimo, insensato, por aqueles alunos que
importante exigir de cada um o exame sobre a operam no ritmo do mercado financeiro, no ritmo
validade da adoção de livros didáticos bem como a das esteiras de fábricas, no ritmo do rock pesado, no
exposição da forma como foi compreendida a teoria ritmo da digitação de textos durante a conversação
do conhecimento e a teoria da aprendizagem que pela Internet. Vão achar, certamente, que esse
subsidiaram metodologicamente a atividade.
professor nunca se impacientou na fila de caixas de
A importância do fichamento de textos Banco, nunca foi operador da Bolsa de Valores,
nunca foi repórter de televisão, não freqüenta
Fazer fichamentos pode representar uma tortura
academias de ginástica, nunca fez cursos de língua
para indivíduos habituados à velocidade das imagens
estrangeira com fones nos ouvidos enquanto dorme.
de televisão, seja de videoclipes, seja de comerci ais
de 15 segundos. É um suplício para quem fica Sabe, muito menos, o que é disk pizza, desconhece o
profundamente angustiado com a brevíssima império da lei do conforto e do menor esforço. E,
demora da luz verde no farol de trânsito. Nas muito menos, tomou conhecimento das inúmeras
grandes cidades, se levarmos 5 segundos para mortes na Fórmula Hindy ocor ridas na luta para se
arrancar o carro após o farol abrir, as pessoas que tirar diferenças de centésimos de segundos em cada
estão atrás já começarão a buzinar insistentemente. volta do circuito. Só pode ser alguém que deve ter
Fazer fichamentos pode ser encarado como uma escapado da epidemia do gozo precoce. Não
crueldade por aqueles que ficam aflitos com os compreendeu que a estrutura de ensino está sendo
demorados décimos de segundos de espera durante orientada de acordo com esse ritmo, com u ma
uma navegação pela Internet. Na era da Fórmula 1, grande quantidade de disciplinas, textos, trabalhos,
com máquinas voando nas pistas a 300 km por hora, seminários e provas bimestrais intermináveis. Não
pode significar uma estupidez abominável. percebeu que não se trata de favorecer a reflexão e
Coloquemo-nos no lugar dos alunos. O nem de produzir grandes pensadores. Vive
professor que obriga suas vítimas a realizar uma completamente fora de sua época. Não percebeu,
atividade dessa espécie não sabe que estamos na enfim, que um décimo de segundo de demora pode
época histórica do fast food bem como da mania de significar uma eternidade insuportável.
zapear via controle remoto. A troca rápida de canais, Estou, também, mergulhado até o pescoço nesse
mesmo quando se sabe que não existe nada de mundo de pressa e de velocidade. Mesmo assim,
interessante para ser visto em algum dos 150 canais venho estabelecendo a exigência de fichamento de
de TV a cabo, satisfaz a nossa obsessão pela textos para os meus alunos. Já enfrent ei resistência
velocidade, exprime o condicionamento a que fomos de muitos. Fui obrigado a estipular prazos para a
submetidos pela pressa. A impaciência dentro de um entrega regular e parcelada de uma determinada
elevador, a inquietação no saguão do aeroporto, a quantidade de fichas. Fui obrigado a estipular o
ansiedade resultante dos intermináveis minutos de fichamento de um certo número de textos diferentes
espera no consultório do dentista, tudo isso reflete o até que fosse completado o mínimo necessário para a
condicionamento produzido pelos jogos de produção de uma monografia convincente.
computador, a nossa conformação à e ra dos Vivemos em uma era de predomínio da atitude
brinquedos de fliperama. consumista. Para que vou fazer eu próprio um
objeto em casa que leva três meses para ser
18
terminado se posso ir à loja e comprar es se mesmo
Recomendar a colocação de discussões paralelas àquela que está sendo feita
em nota de fim de página para não truncar o texto, para não prejudicar o ritmo da objeto com um acabamento profissional, gastando
exposição e o movimento lógico do texto.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


118 Yamauti

muito menos, para desfrutá-lo imediatamente, sem a Ainda, o método de fichar textos pode ser
insuportável espera? Para que vou ficar perdendo comparado à invenção feita por Gutenberg no início
tempo na cópia cansativa de textos se posso, em da era moderna. Uma das grandes revoluções da
apenas uma noite, baixar milhares de páginas de humanidade foi o desenvolvimento do tipo móvel.
textos pela Internet? Se um determina do livro pode Antes, as páginas de livros eram esculpidas na
ser lido em um dia, por que devo gastar 15 para superfície de uma madeira. Com a criação do tipo
fichá-lo, desperdiçando, ass im, um tempo móvel, os textos passaram a ser montados e
preciosíssimo? desmontados com a reutilização do mesmo material
O professor deve expor as razões do exercício de na composição de novas matrizes , tornando a
sua autoridade institucional a fim de legitimá -la. impressão de livros muito mais rápida e racional. De
Pode explicar que o trabalho de ficham ento impede forma similar, a coleta de informações em fichas
a postura consumista, o vício da comodidade, investe pode ser confrontada com a coleta de informações
contra a falta de disciplina dos alunos para realizar em cadernos. Conheci alguns pesquisadores que
esforços contínuos, prolongados, constantes e vivem, ainda, na era pré-Gutenberg. Em lugar de
regulares na leitura de textos. A atividade constitui fazer fichas móveis, anotam tudo em cadernos da
um ataque à visão paternalista, basta nte arraigada, de mesma forma como se esculpia m matrizes de livros
que a aprendizagem ocorre , apenas, com o esforço em superfícies de madeira. O problema das
feito pelo professor em sala de aula para transmitir anotações coletadas em cadernos é que as
conhecimento a seus alunos. informações não podem ser separadas por assunto.
Quem já incorporou algumas noções a respeito Considero quase impraticável a classificação de
do processo de ensino e aprendizagem sabe que a informações anotadas em cadernos. Para escrever
sincronia entre a leitura corrente e a assimilação do um capítulo de tese, o pós -graduando precisará ficar
conteúdo de um texto não é perfeita. Pelo contrário, procurando informações sobre um assunto
essa forma de leitura não possibilita uma reflexão específico, folheando centenas de páginas de
mais aprofundada. O professor deve explicar que o anotações para fazer, depois, a síntese mentalmente.
ritmo que nos é imposto pelo processo de Com fichamentos em mãos, seria possível separar
fichamento não é, ainda, o mais adequado. Um todas as informações que interessam a um capítulo, a
pedagogo francês afirmou que o ritmo apropriado uma seção, a um parágrafo, a um único enunciado.
para o ensino é o de se esculpir em pedra. O O professor poderia alegar também que , nos
processo da aprendizagem exige , enfim, que se dê países desenvolvidos , existem grandes
tempo ao cérebro para assimilar e processar as supermercados com produtos para bricolagem,
informações. denominados Do it yourself, além de programas de
O professor pode, ainda, levantar razões futuras televisão que ensinam as pessoas a fazer em trabalhos
para justificar o fichamento de textos. Apesar de manuais. O artesanato passou a ser encarado como
parecer uma perda de tempo estúpida, a atividade terapia nesses países. Os aficionados se deliciam
constitui, na verdade, um grande ganho de tempo. trabalhando com cerâmica, tecelagem, tricô,
Suponhamos que, ao se tornarem mestrandos, os marcenaria, artigos de decoração, reforma e pintura
alunos gastem seis longos meses com o trabal ho de de casas. O trabalho de produzir fichamentos pode
fichamento de textos. Ele terá , ainda, pelo menos ser compreendido, também, como parte de uma
um ano para classificar as fichas e termi nar a redação atividade artesanal gratificante. Marx e Engels
da dissertação. Produzindo fichamentos em ritmo de perceberam que o ser humano evoluiu transformando
tartaruga, ele terá condições de terminar o seu a natureza, isto é, trabalhando com as suas mãos. Essa
trabalho acadêmico em muito menor tempo que um circunstância histórica desenvolveu as habilidades
pesquisador que fez leitura dinâmica de centenas de motoras do cérebro humano e, conseqüentemente, a
livros e tentou armazenar milh ões de informações inteligência 19. Nesse caso, o consumismo —
em seu cérebro. Mesmo que a capacidade de inclusive a postura consumista do aluno em sala de
gravação da memória do pesquisador fosse igual à de aula — pode ser considerado uma prática que
um computador, é difícil imaginar, mesmo assim, constitui a negação do caráter primordial da espécie
como seria possível a um limitado cérebro humano humana.
processar essa quantidade gigantesca de informações No meu entendimento, o aspecto positivo mais
e expressar os resultados por meio da linguagem fascinante na atividade de fichar textos está
escrita em cerca de 120 páginas impressas em prazo relacionado ao prazer da descoberta. Enquanto
tão reduzido. Nem um gênio seria capaz de tamanha
proeza. 19
Consultar, por exemplo, Engels (s.d.).

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


Aplicação do método dialético de produção de conhecimento 119

copiamos, sobretudo quando não prestamos atenção de conhecimento, por meio do método dialético de
no conteúdo dos parágrafos, muitas informações, de análise e de síntese, estará abandonando a postura
forma subliminar, vão sendo acumul adas no nosso paternalista de doador de conhecimento para respeitar e
subconsciente. E esse, sem que tenhamos desenvolver a autonomia intelectual de seus
consciência, vai processando as informações e, educandos.
quando menos se espera, experimentamos o insight Esses objetivos devem ser bem explicitados. Se eles
glorioso. A síntese das informações vem à tona, não forem bem compreendidos, os alunos de Prática de
acabada, de forma aparentemente espontânea, no Ensino poderão — no final do curso e, sobretudo,
pensamento, sem que tenhamos feito algum esforço quando iniciarem a experiência de magistério —
intelectual consciente. Esse fenômeno nos reclamar que o professor gastou o ano todo falando de
surpreende porque descobrimos coisas incríveis que Guerra do Paraguai e não os ensinou, verdadeiramente,
parecem ter, simplesmente, despencado do céu. a dar aula.
Em suma, o fichamento de textos pode parecer Um dos alunos que seguiu quase todas as
uma tortura no começo porque a lei tura é realizada recomendações feitas, Dálcio Aurélio Milanesi,
pelo aluno a passos de tartaruga. Trata-se, porém, de produziu, em 2004, uma monografia que foi publicada
uma atividade que pode contribuir para o na Revista Urutágua. Condicionado no ensino básico a
desenvolvimento, nos alunos, da auto -disciplina encarar os livros didáticos como textos sagrados,
necessária na atividade de leitura de textos em uma Milanesi (2004), bastante surpreso, chegou, à conclusão
era movida por pressa e velocidade estontean tes. em seu texto, de que “A divergência entre as fontes
consultadas é tão grande que somos tentados a seguir
Considerações finais pelos caminhos do ceticismo”. Ou seja, ele percebeu,
O objetivo deste artigo foi o de estabelecer uma impressionado, que as Ciências Sociais, da mesma forma
relação entre teoria dialética do conhecimento e que a História, não produzem verdades absolutas e
pedagogia. Propusemos que a atividade de produção de inquestionáveis. Produz, sim, interpretações que
conhecimento nas Ciências Sociais por meio do exprimem pontos de vista condicionados pela corrente
método dialético supõe as operaçõ es de análise e de de pensamento ao qual o pesquisador está filiado.
síntese. Procuramos associar a operação da análise ao Milanesi observou, inclusive, o seguinte:
processo de fichamento de textos. Nas Ciências Sociais,
Muitos autores discordam da interpretação acima.
coletar informações e isolá-las em fichas seria um Diferentemente de nós, eles não incluem os interesses
modo prático de fragmentar o objeto da pesquisa por dos capitalistas ingleses entre as principais causas do
meio do processo de análise. A síntese, enquanto conflito. Dentre aqueles por nós consultados, integram
recomposição do todo fragmentado pela análise, seria este grupo os seguintes historiadores: Max Justo Guedes
correspondente ao trabalho de classificação das (1995); Américo Lacambe (1979); Olavo Leonel Ferreira
informações coletadas em fichas e posterior elaboração (1986); Álvaro de Alencar (1985); Ana Maria de Morais e
do texto na forma de dissertação, tese ou monografia. Maria Efigênia Lage de Resende (1979); Sérgio Buarque
Ao efetuar a síntese de múltiplas informações, o aluno de Holanda (s/d); Vital Darós (s/d); Geraldo Arcênio
(s/d); Boni e Belluci (s/d); Milton B. Barbosa Filho e
experimentaria uma aprendizagem efetiva, aprenderia
Maria Luiza Santiago Stockler (1988); Borges Hermida
um método de reproduzir a produção de (1986); e Lúcia Carpi (1985). Elza Nada i também pode
conhecimento. Futuramente, quando os alunos se ser incluída graças a um livro publicado em 1985, mas ela
tornassem pesquisadores, a incorporação desse método muda sua interpretação no livro didático que publica em
poderia significar, efetivamente , produção de 1990. Entre os 39 textos consultados, pelo menos 14
conhecimento original. pertencem a esse grupo, sendo que 13 deles sequer citam
O objetivo principal da atividade relatada consisti u o nome da referida potência. Em geral, os escritores
na demonstração de uma forma determinada de mencionados no parágrafo anterior substituem a
preparar aula e em uma forma de ensino em que os argumentação baseada nas determinações do capitalismo
internacional, o qual se manifesta mais claramente nas
alunos assumem uma postura ativa no processo de
ações imperialistas da maior potência econômica do
ensino e aprendizagem. Ao preparar um conteúdo planeta, por uma versão que culpa as iniciativas
articulado na forma de totalidade concreta, o professor imperialistas de Solano López, realizando a condenação
deixaria de transmitir informações sem nexo, abstratas , moral deste presidente. Foi interessante constatar que
portanto, e passaria a oferecer um conhecimento cinco dentre eles não se preocupam em descrever o
carregado de significado, ou seja, um conhecimento modelo econômico e social do Paraguai e que três não
repleto de nexos que deve prescindir de esforços mencionam as trágicas conseqüências do conflito para a
desmedidos de memorização. Sugerimos que, se o república guarani – lacunas que não verificamos em
professor ensinar a reproduzir o processo de produção nenhum dos historiadores esforçados em relacionar a

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006


120 Yamauti

atuação da Inglaterra com a destruição do exemplo GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. 21. ed. Rio de
paraguaio de desenvolvimento. Existem, entretanto, Janeiro: Paz e Terra, 1985.
estudiosos que combinam os dois fatores para compor GUEDES, M.J. História da Guerra do Paraguai. In:
suas interpretações. MARQUES, M.E.C.M. (Org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos
depois. Rio de Janeiro: Relume–Dumará, 1995.
A concessão de autonomia aos alunos para
produzirem suas próprias conclusões seria, portanto, um HERMIDA, B. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Editora
Nacional, 1986.
dos principais aspectos positivos do método de ensino de
História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Nova Geração,
Ciências Sociais que relatamos neste artigo.
1992.
HOLANDA, S.B. História do Brasil, 6ª série. São Paulo:
Referências
Nacional, s/d.
ALENCAR, Á. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Saraiva, KOSIK, K. Dialética do concreto, 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e
1985. Terra, 1976.
ARAÚJO, A. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Editora LACAMBE, A. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo:
Brasil, 1985. Nacional, 1979.
ARCÊNIO, G. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Ibesp, s/d. LEFEBVRE, H. Lógica formal, lógica dialética. 2. ed. Rio de
BARBOSA FILHO, M.; STOCKLER, M.L.S. História do Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
Brasil, 6ª série. São Paulo: Scipione, 1988. LOCONTE, W. Guerra do Paraguai. 3. ed. São Paulo: Ática,
BASTOS, P. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: 1998.
Moderna, 1983. LUCCI, E.A. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Saraiva,
BONI; BELLUCI. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: FTD, 1985.
s/d. LUCCI, E.A. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo:
CAMPOS, R. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Saraiva, 1987.
Atual, 1983. LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Porto: Escorpião,
CARMO, S.I. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Atual, 1989. 1974.
CARPI, L. História do Brasil, Ensino Médio. Rio de Janeiro: MARX, K. Contribuição à crítica da economia política . São Paulo:
Livro Técnico, 1985. Martins Fontes, 1977.
CECCON, C. História do Brasil, 6ª série. Rio de Janeiro: Vozes, MARX, K. Para a crítica da economia política. Os pensadores. 2.
1986. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
CHEPTULIN, A. A dialética materialista: categorias e leis da MILANESI, D.A. Sobre a Guerra do Paraguai. Revista Urutágua,
dialética. São Paulo: Alfa Ômega, 1982. Maringá, n. 5, 2004. Disponível em: <http://www.uem.br/
CHIAVENATO, J.J. A Guerra contra o Paraguai. São Paulo: redirect.php?to=www.uem.br/~urutagua>. Acesso em: 15 abr.
Brasiliense, 1996. 2006.
CHIAVENATO, J.J. A Guerra do Paraguai. 12. ed. São Paulo: MOCELLIN, R. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Ed. do
Ática, 2001. Brasil, 1985.
CHIAVENATO, J.J. Genocídio americano. A Guerra do MORAIS, A.M.; RESENDE, M.E.L. História do Brasil, 6ª série.
Paraguai. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. São Paulo: Pioneira, 1979.
CHIAVENATO, J.J. Genocídio americano: a guerra do Paraguai. NADAI, E. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1985.
São Paulo: Editora Moderna, 1998. NADAI, E. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1990.
COTRIM, G. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Saraiva, PEREIRA, D. História do Brasil, Ensino Médio. Atual, 1987.
1987. PILETTI, N.; PILETTI, C. História & Vida, 6ª série. São Paulo:
COTRIM, G. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Ática, 1989.
Saraiva, 1990. POMER, L. Paraguai: nossa guerra contra esse soldado. 5. ed. São
COUTINHO, C.N. Marxismo e política. São Paulo: Cortez, Paulo: Global, 1989.
1994. PRADO JR., C. Dialética do conhecimento. 2. ed. São Paulo:
DANTAS, J. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Moderna, Brasiliense, 1980.
1984. SANTOS, J.V. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Ática, 1990.
DANTAS, J. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: SILVA, F.A. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Moderna,
Moderna, 1989. 1994.
DARÓS, V. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: FTD, s/d. SOUZA, O. História do Brasil, 6ª série. São Paulo: Ática, 1987.
ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na t ransformação do
macaco em homem. In: MARX, K.; ENGELS, F. (Ed.). Obras
escolhidas. v. 2. São Paulo: Alfa-Omega, s.d. Received on April 25, 2006.
FERREIRA, O.L. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Accepted on June 19, 2006.
Ática, 1986.

Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 28, n. 1, p. 111-120, 2006

Você também pode gostar