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I!l!
WILSON BRYAN KEY
i------------------------------------------- 1
A Era da Manipulação
Tradução de
Iara Biderman
Título original em inglês:
The Age of Manipulation
1990 © Wilson Bryan Key
ISBN 85-85328-07-X
Prefácio..............................................................................................................................13
Advertência do autor.........................................................................21
Capítulo um
Para aqueles que acreditam pensar por si mesmos............................. 25
Capítulo dois
Como entrar na mente (desapercebidamente)..................................... 61
Capítulo três
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA.................................................................. 95
Capítulo quatro
Mídia: a máquina de lavagem cerebral..................................................... 127
Capítulo cinco
Como sabemos que sabemos que sabemos............................................... 153
Capítulo seis
A COISA VERDADEIRA — REALIDADES SIMBÓLICAS....................................... 191
Capítulo sete
Causa e efeito: a maior de todas as ilusões..........................................211
Capítulo oito
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS............................................................... 229
Capítulo nove
Profecias que se auto-realizam.................................................................. 259
Capítulo dez
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE................................................ 285
Capítulo onze
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA.......................................................... 311
Epílogo........................................................................................................................... 331
Apêndice......................................................................................................................... 333
Para minha querida esposa, Jan, e nossa ga
tinha, Cristina — duas damas adoráveis que
enriquecem e dividem a vida comigo. Elas
nunca duvidaram que coisas impossíveis
sempre são possíveis quando fazem parte de
uma causa justa.
“Não faz sentido continuar tentando”, disse Alice.
“Não se pode acreditar em coisas impossíveis.”
“Eu ousaria dizer que você não tem muita prática”,
disse a Rainha. “Quando eu tinha sua idade, treinava
meia hora por dia. As vezes eu conseguia acreditar em
até seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã”.
Lewis Carroll,
Alice no País das Maravilhas
Prefácio
1984 de George Orwell ocorreu realmente por volta de 1934. Só que estáva
mos muito ocupados para perceber.
Marshall McLuhan
Gênio é a pessoa capaz de ver dez coisas onde a pessoa comum vê apenas uma
e a pessoa talentosa vê duas ou três.
Ezra Pound
Mais de quinze anos se passaram desde que Wilson Key nos avisou pela
primeira vez: “Cuidado!”, de forma bastante parecida com a que Zeus, o
deus grego, chamou a atenção de Narciso. Narciso entorpeceu-se por fi
car olhando, indefinidamente, sua imagem espelhada num lago. Ele não
percebeu a identidade da imagem idealizada e apaixonou-se perdida-
mente por ela. Como no espelho dos anúncios publicitários norte-ameri
canos, a imagem refletida era sempre amável, nobre, corajosa, sábia, jus
ta, boa, generosa, bela e confiável. Narciso acabou padecendo por não
poder distinguir a realidade da fantasia.
Desde a primeira edição de Subliminal Seduction em 1973, e dos dois
livros seguintes de Key sobre a persuasão subliminar, poucos outros te
mas tiveram impacto tão grande sobre o público leitor. E difícil encontrar
um estudante universitário que, depois de 1973, não tenha lido ou ao me
nos ouvido falar destes livros. Eles ainda são leitura obrigatória em mui
tas faculdades e universidades. Sua mensagem estendeu-se para muito
além das salas de aula, chegando ao comitê de audiência do Senado, às
entidades reguladoras da publicidade, repercutindo até na discussão in
ternacional sobre a ética dos meios de comunicação.
Como o Ouroborus (a cobra que morde o próprio rabo) da mitologia
grega, o livro tornou-se um paradoxo. Key chamou a atenção do mundo
para a violentação das mentes causada pelos anúncios publicitários. Mas
seus avisos também tornaram-se cartilhas de técnicas para controlar o
1 4 • A ERA DA MANIPULAÇAO
muito enganoso e deveria ser sempre considerado junto com uma severa
admoestação de cuidado!
Aqueles que ainda rejeitam inflexivelmente o predomínio da tecno
logia de manipulação subliminar caem em duas categorias gerais: aque
les cujos interesses velados são os de continuar a explorar e manipular os
seres humanos, incluindo muitos que exploram o fanatismo político, re
ligioso e comercial; e aqueles que rejeitam a noção de persuasão sublimi
nar porque odeiam, não confiam e não gostam de nada que seja novo. O
novo é usualmente percebido como ameaçador, subversivo e herético.
Key realizou uma obra de mestre ao explorar a contínua busca da
verdade através da qual os homens podem sobreviver às suas loucuras,
fraquezas e tecnologias. Sua compreensão da batalha de crenças da pro
paganda mundial pode dar uma contribuição significativa à luta pelo en
tendimento e pela paz mundial. A busca da verdade é, com certeza, algo
muito diferente do que a descoberta de uma verdade eterna. Uma vez
que uma verdade eterna é descoberta, o aprendizado, o progresso, o cres
cimento e a liberdade tornam-se restritos, preconceituosos e desfocados.
As opções humanas diminuem inevitavelmente. Afinal, se uma verdade
fosse válida por todo o tempo, em todos os lugares e para todas as pessoas,
haveria muito pouca necessidade de acreditar-se nela, fazer propaganda
desta verdade, lutar por causa dela e matar em seu nome.
Cuidem-se!
Bruce R. Ledford
Professor de Mídia na Auburn University (Auburn, Alabama)
Advertência do autor
AS ESTRATÉGIAS SUBLIMINARES
Inversão de figura/fundo
AS FLORES NO JARDIM
Percepções de gênios
A ESMERALDA ERETA
Duplo sentido
Segredos mal-disearçados
Projeção taquistoscópica
ções taquistoscópicas para determinar até onde podem ir com temas ta
bus subliminares.
Projeções taquistoscópicas mais lentas foram bastante usadas por
vários anos. Elas funcionam de maneira bastante semelhante ao obtura
dor de uma câmera — com velocidades de 1/10 a 1/150 de segundo, e
flashes projetados mais lentamente, que são aparentes à consciência.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as projeções taquistoscópicas fo
ram usadas em treinamentos militares para a identificação de aviões,
barcos, tanques e armas. Este artifício também é bastante usado em cur
sos de línguas estrangeiras, para promover o aumento do vocabulário
do aluno.
Cortes taquistoscópicos mais lentos podem ser utilizados em fil
me ou vídeo, e são amplamente utilizados nas produções de comer
ciais e filmes para TV. São realizados cortes rápidos, também chama
dos de metaconstraste ou “máscara de fundo” {backward masking). Os
cortes rápidos são visíveis conscientemente, mas são mascarados pelo
corte rápido seguinte ou pela continuidade do filme, programada pa
ra desviar a atenção. Os cortes mascarados são subliminares porque
não podem ser recordados, mas suas informações têm um efeito retar
dado sobre a percepção do público, não muito diferente da sugestão
pós-hipnótica.
Visualmente, por exemplo, o metacontraste pode ser usado para in
tensificar as reações de tensão, medo, pressentimnento ou mesmo de hu
mor e riso. O corte rápido, seguido por uma distração, gera uma predis
posição emocional ou um sentimento sem que o público saiba exatamen
te por quê está sentindo aquela determinada emoção. O metacontraste é
utilizado com freqüência em filmes para cinema e TV e nos comerciais.
Observe particularmente os comerciais de produtos farmacêuticos e be
bidas não-alcoólicas. Os vídeo-clipes transformaram a utilização do meta
contraste numa forma de arte.
As tomadas mostrando reações dos atores à fala ou à ação de outros
personagens oferecem um leque de possibilidades para manipulaçcão
do público. Estas cenas de reações raramente são rememoradas, mesmo
tendo sido percebidas conscientemente. O público identifica-se incons
cientemente com as cenas de reação de modo muito mais forte do que
com as falas ou ações principais.
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 47
Se um olhar matasse
(próximo a zero) e o ato de fumar (entre 50% e 70%). Por mais de uma dé
cada, ele dirigiu com sucesso uma clínica de controle de peso em New Or
leans, onde videotapes com enxertos subliminares reforçavam um rigoro
so programa de dieta. Este programa, reconhecido pela Associação Médi
ca de New Orleans, recebia a maioria de seus pacientes através de recomen
dações médicas. Becker enfatizou que não usa a tecnologia subliminar em
propaganda, política ou religião. Seu equipamento só é acessível a profis
sionais qualificados através de contratos para uso restrito. Ele acredita que
a doutrinação subliminar pode reduzir os acidentes no trânsito, o crime e
os maus-tratos, com enorme potencial nas terapias, para a educação e trei
namentos. No entanto, nem todos estão convencidos disto.
Becker parece sinceramente preocupado com a ética da persuasão
subliminar. Mas há um paradoxo envolvido. Se a pessoa é avisada que
será submetida a informação subliminar, a eficácia é reduzida. Se ela
não é avisada, seus direitos constitucionais legais e éticos podem estar
sendo violados. Mas esta discussão sobre ética é acadêmica, já que a in
dústria de propaganda vem doutrinando subliminarmente os consumi
dores por mais de meio século. As violações das leis pela propaganda
têm sido sistematicamente ignoradas pelo governo federal; e pior ain
da, a população tem permitido passivamente que a doutrinação subli
minar continue. Como disse o Christian Science Monitor sobre as in
venções de Becker, “a ameaça real para uma sociedade livre é que as ten
tativas de controle da mente — ou mudança comportamental, como di
zem seus promotores — sejam toleradas por todos... Esta técnica é uma
invasão ao pensamento. Ela pode facilmente ser usada para objetivos
políticos ou opressores.”
dores sejam presos por roubo a lojas, que os empregados sejam pegos fur
tando e então demitidos e que os donos de lojas percam para os ladrões
cinco cents de cada dólar vendido. Tyler chega a antever preços mais bai
xos depois que a doutrinação subliminar tornar todas as pessoas honestas
— um objetivo válido, mas improvável. Como o slogan do McDonalds:
“Ele faz tudo isso por nós!”
A Proactive Systems Inc. também desenvolveu métodos de doutrina
ção subliminar para aumento da auto-estima, controle da dor na recupera
ção de cardíacos após operações do coração, controle do stress em firmas
corretoras de valores e na indústria química e um programa tranquilizante
para uma clínica que trata de crianças hiperativas. A Proactive afirma que
suas instalações, a maioria feita na costa oeste, resultam numa redução mé
dia de 50% nos roubos em lojas de departamentos, mercearias e drogarias.
Em 1984, Becker estimou que houvesse cerca de trezentas instalações des
se tipo nos EUA. Tyler afirma exigir que o público seja informado sobre as
instalações em todos os casos, exceto no de prevenção a roubos.
Outro esquema criado para explorar a tecnologia de persuasão su
bliminar foi desenvolvido pela Stimutech Inc., de East Lansing (Michi
gan) . Os executivos de marketing desta firma descobriram haver milhões
de computadores caseiros guardados nos sótãos ou garagens das casas.
Foi feita muita publicidade, possivelmente com técnicas subliminares, so
bre os computadores, e milhões de famílias investiram nestes equipa
mentos, convencidas de que eram indispensáveis para a organização de
uma casa moderna. Depois de alguns meses, seu uso começou a decair e
a maioria das famílias descobriu o que os fabricantes sabiam desde o iní
cio: os computadores caseiros são caros e, exceto como brinquedos, não
têm nenhuma utilidade em casa. Passado o entusiasmo inicial provocado
pela mídia, os computadores foram para o fundo do armário (eles são
muito caros para serem jogados fora) E seus proprietários criaram um
dos melhores mercados concebíveis. Quando estavam com os computa
dores guardados por um ano mais ou menos, eles sentiam-se estúpidos,
envergonhados e, como forma de defesa, receptivos a qualquer novo pro
duto que justificasse seu investimento.
O Expande-Vision da Stimutech é um sistema para computador e ví
deo que lança mensagens subliminares ao subconsciente. Com apenas um
pequeno investimento (89,95 dólares para um Dispositivo Interface Eletrô
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 55
A luz e o som de fundo são dois elementos essenciais nas produções de fil
mes e vídeos que não são percebidos conscientemente pelo público. Am
bos são cuidadosamente construídos para criar o clima às ações e diálo
gos. Normalmente eles sustentam ou reforçam o que está sendo cons
cientemente percebido numa determinada cena. Sempre que a luz ou o
som de fundo invadem nossa percepção consciente, eles tornam-se dis
trações e prejudicam a percepção do todo.
Um filme ou vídeo sem som ambiente (ou de fundo) parece ser
emocionalmente insípido e terrivelmente arrastado. Mesmo nas loca
ções, é difícil de se obter um fundo sonoro apropriado àquela cena par
ticular. O som deve ser criado artesanalmente para tornar-se preciso. O
som de fundo é normalmente agregado em camadas. Um som de rua
genérico deve envolver um agregado de conversas periféricas indistin
tas, os sons de crianças brincando, dos carros e ônibus, de pássaros, tal
vez um trovão distante, o ruído de passos, do vento, e sons distantes tais
como o de navios, apitos ou sirenes. Estas camadas de som são, em ge
ral, gravadas separadamente e depois mixadas. Uma grande variedade
de dimensões de som — intensidades, velocidades, inter-relações e va
riações de tons — podem ser criadas artesanalmente para adequarem-
se a uma cena. As camadas são mixadas para criarem uma ilusão preci
sa da realidade ou, mais corretamente, da expectativa que o público
tem da realidade. Se for bem construída, esta ilusão é mais satisfatória
emocionalmente do que o seria a realidade de fato, mas ela permanece
totalrnente subliminar.
Quando se cria um fundo sonoro para uma cena, a música pode ser
acrescentada para dar a ênfase dramática, criar suspense ou expectativa no
público para a ação seguinte. Os silêncios também são uma dimensão do
58 -A ERA DA MANIPULAÇAO
Sonhos
Memória
bro. Calor e frio, por exemplo, são transmitidos através de diferentes sis
temas de neurônios. Enquanto o eixo da percepção consciente move-se
de um estímulo sensorial para outro, os indivíduos só podem tomar cons
ciência, a cada dado momento, de um pequeno fragmento da totalidade
de informação disponível. Alguns destes inúmeros estímulos são elimina
dos do sistema como irrelevantes, enquanto outros permanecem retidos
por períodos variáveis, possivelmente por toda uma vida.
A limitada porção da memória da qual os homens tomam cons
ciência quando falam, pensam ou escrevem parece funcionar como
uma defasagem no tempo entre a armazenagem na memória pré-cons-
ciente e a comunicação consciente. As palavras, por exemplo, são pro
nunciadas aparentemente depois que cinco a sete palavras a frente no
discurso são selecionadas pela mente. Antes do discurso, a memória pa
rece classificar, selecionar, avaliar e comparar o significado, organizar a
sintaxe e a pronúncia — um complexo imperceptível de funções ocor
rendo simultaneamente e em alta velocidade. Isto foi chamado de pro
cesso de abstração.
Segundo o house-organ da indústria de publicidade norte-america
na, Advertising Age, o americano médio percebe cerca de mil anúncios
por dia. A maioria deles contém estímulos subliminares de algum tipo.
A McCann-Erickson, uma das maiores agências de publicidade do mun
do, estimou que em 1986 os investimentos em publicidade nos EUA fo
ram de 101,9 bilhões de dólares, com um crescimento anual de 15%. Is
to significa que em 1989 eles teriam atingido os 155 bilhões. Tudo isto
é acrescentado ao preço final dos produtos anunciados e, claro, é pago
pelo consumidor. Os efeitos residuais deste condicionamento mental
são imensos.
Na superfície, os anúncios parecem inocentes, inofensivos e até in
sípidos. Eles são elaborados para serem assim percebidos. No entanto, os
anúncios não são inocentes. A memória inconsciente tem uma enorme
capacidade de armazenagem. Os estudantes que participaram de minhas
pesquisas sobre propaganda subliminar, nos últimos quinze anos, desco
briram capacidades que a memória tem surpreendentes. Passada uma
década, eles podiam recordar-se com frequência não apenas dos anún
cios específicos que haviam estudado (uma grande coisa, se forem consi
derados os mil anúncios que atravessam nossa percepção diariamente),
COMO ENTRAR NA MENTE...* 7 1
Percepção consciente
cada vez que atacam determinada coisa com suas tempestuosas invectivas
direitistas. As ameaças de danação eterna significam muito pouco para
aqueles que estão sendo atacados; talvez elas até os incentivem a conti
nuarem o que estavam fazendo. E isto proporciona uma fonte inesgotá
vel para os contínuos ataques contra o pecado. A crença afirmada em
Deus é virtualmente incompreensível sem as constantes ameaças do de
mônio. A capacidade de angariar fundos entraria em colapso se os obje
tivos declarados fossem cumpridos. O fracasso dos evangelistas em mu
dar o mundo é na verdade a base para seu sucesso econômico. E útil sa
ber o verdadeiro nome deste jogo.
Resposta emocional
bre alguém que odiava; e finalmente, ele apresentou uma elaborada ra
cionalização sobre suas experiências sobre as reações a obscenidades pa
ra um ensaio que planejava escrever.
Este estudante demonstrou um aspecto profundo do condiciona
mento do comportamento humano. Ele não estava mentindo aberta
mente, até onde os presentes podiam determinar. Com grande convic
ção emocional, ele tentou justificar um comportamento que, por qual
quer critério exterior, seria considerado bizarro. Ele parecia compelido a
convencer a audiência de que seu comportamento havia sido normal, de-
fendendo-o como se fosse uma posição ideológica, com alusões à liberda
de, obrigações com a sociedade e altruísmo.
Assumindo haver uma ausência de posições emocionalizadas con
trárias, os estímulos subliminares podem sugerir tanto uma ação quan
to os componentes emocionais ou ideológicos para justificar esta ação.
Os anúncios de comidas são excelentes exemplos. Virtualmente todo
mundo conhece alguém com uma fidelidade obcessiva e ideológica a
certa marca — determinado refrigerante, bebida alcoólica, doce ou bis
coito. Um compromisso ideológico pode ser criado com uma garrafa
de Coca-Cola da mesma forma que é criado para um candidato políti
co. Este compromisso emocional raramente é produto de uma avalia
ção crítica e consciente, derivando geralmente de condicionamentos
subliminares.
Comportamento impulsivo
são que não acaba nunca sobre o que deve ser considerado como im
pulso humano.
Os sistemas impulsivos parecem ser extremamente vulneráveis ao
controle dos estímulos subliminares. O estímulo subliminar pode ser a
alavanca de uma reação comportamental compreendida consciente
mente como fome. Anúncios de comida como o “Moister” de Betty
Crocker (fig. 6) são especialmente eficazes para vender o produto a mu
lheres famintas — seja esta fome gustativa, sexual ou relacionada a al
gum outro impulso, já que todos eles estão interconectados no cérebro.
Embalagens e anúncios nos pontos de venda que utilizam-se de estímu
los subliminares afetam mais profundamente o comprador faminto.
Como muitos já descobriram, é uma medida inteligente evitar-se lojas
de comida quando se está com fome. Do contrário, a sacola das com
pras acaba cheia de comidas caras, ricas em calorias e sódio, e massiva-
mente propagandeadas.
O cupom promocional do Chicken McNugget do McDonald’s (fig.
14) não requer muitas explicações. O cupom anunciando “Pague um e
ganhe outro de graça!” apareceu em jornais de todo o país. O Village Voi
ce reproduziu o cuponf sob o título “Pedido de Comilão”, com a pergun
ta, “que parte da galinha é esta?”
Contradições desordenadas colocara-se entre uma percepção in
dividual do que aparece nos anúncios (você acredita ter entendido o
que foi percebido) e a negação da validade de sua percepção por parte
de corporações de grande credibilidade. Em resposta à pergunta sobre
o anúncio do McNugget da McDonald’s, um porta-voz declarou que
“não há nenhuma relação direta ou implícita entre as promoções de
nossos produtos e a sexualidade”. Ele então entrou em detalhes sobre
os 29 anos da McDonald’s como uma companhia saudável e “pró-famí-
lia”. Os questionadores acabaram sentindo-se culpados de terem per
guntado.
No comercial para a TV do bombom Milky Way, dois adolescentes
descansam após um longo e cansativo passeio de bicicleta. Ao fundo, ou
ve-se uma música sedutora, que não é percebida conscientemente. As
duas crianças devoram seus bombons enquanto conversam de maneira
afável. O diálogo termina quando a garota pergunta, “Hey, hot shot, aren’t
you coming?”
Limite perceptivo
Comportamento verbal
As palavras que ouvimos, falamos e lemos são estímulos tanto para os pen
samentos quanto para as ações. Elas também proporcionam racionaliza
ções, explicações, definições e/oujustificativas para as percepções. Os in-
8 2 • A ERA DA MANIPULAÇAO
Impulso de consumo
Os cientistas evitam os assuntos que não lhes compensarão o tempo e esfor
ço gastos, ou que poderão acarretar punições. Os cientistas, como todo
mundo, buscam as recompensas da sociedade. O impulso de consumo é a
área de maior concentração de pesquisas neste país, e dispende centenas
de milhões de dólares anualmente. Sofisticados sistemas de computadores
correlacionam estes dados de centenas de modos, para tentar fornecer lu
zes sobre por que, como e quais pessoas compram e consomem os diferen
tes produtos e marcas. O consumismo é a área de comportamento mais
exaustivamente pesquisada no mundo ocidental.
As prioridades nos EUA parecem grotescamente invertidas. O Insti
tuto Nacional da Saúde Mental relatou que, durante o ano de 1984, “por
um período de seis meses, 18,7% dos adultos nos EUA (29,4 milhões de
pessoas, quase duas em cada dez) sofreram de pelo menos um distúrbio
psiquiátrico. Apenas um quinto dessas pessoas procuraram tratamento.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 89
PSICOPATOLOGIA
O LADO DE DENTRO
DA CONSCIÊNCIA
A mais perigosa de todas as ilusões é a de que há apenas uma realidade.
Paul Watzlawick, How Real is Real?
seu tempo o que ela queria ouvir. Essa conformidade à cultura dominan
te gerou acusações de que os cientistas sociais são tanto anti-sociais como
anti-científicos, propagandistas de uma cultura geralmente definida co
mo o melhor dos mundos possíveis.
Como e por que o cérebro humano funciona como parece funcio
nar ainda é um mistério. Vários cientistas descreveram exaustivamente e
detalhadamente as estruturas anatômicas do cérebro, pelo menos aque
las que podem ser percebidas. Os processos neurológicos, circulatórios,
elétricos, hormonais, químicos, intracelulares e suas estruturas de apoio
foram medidas microscopicamente, modificados cirurgicamente, ma
peados e manipulados experimentalmente. Mesmo assim um conheci
mento claro e preciso sobre o funcionamento do cérebro ainda é um de
safio à tecnologia. A afirmação mais acurada que se pode fazer sobre o cé
rebro humano é simplesmente que ninguém sabe como e por que este
órgão funciona como parece funcionar. Os neurologistas devem ser os
que estão mais próximos de descobrir isso. No entanto, eles relatam que
não sabem virtualmente nada sobre como o cérebro armazena, sintetiza
e correlaciona as informações percebidas. Há apenas teorias — literal
mente, centenas delas.
O estudo do cérebro humano envolve um paradoxo — estudar um
sistema usando-se o próprio sistema que está sob estudo. O dilema é fun
damentalmente um dilema de linguagem — a singular ferramenta hu
mana que nos permite estudar, explicar e racionalizar o mundo. E fácil
explicar o mundo com palavras e muito difícil relacionar as palavras com
as realidades. As descrições da fisiologia do cérebro (como ele trabalha)
devem ser feitas numa linguagem verbal ou matemática linear, percebida
seqüencialmente, e voltada para definições — um item de cada vez, um
sistema de cada vez, um processo e uma ação de cada vez. A linguagem é
simbólica — uma referência remota e simplista para realidades incrivel
mente complexas, inter-relacionadas e de múltiplos processos, todos
operando ao mesmo tempo através de bilhões de redes microscópicas de
neurônios. Por mais que alguém tente descrever lingüisticamente o mo
do de operar do cérebro, sua descrição verbal nunca poderá retratar ade
quadamente a complexa realidade. Mesmo que a complexidade fosse
compreendida, esta compreensão teria de ser descrita em uma lingua
gem bastante distante da realidade em questão. As palavras e os números
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 99
A INTELIGÊNCIA NÃO-INTELIGENTE
AS DIMENSÕES OCULTAS
nação. Por outro lado, alguns indivíduos ou grupos podem passar a vida
tentando expiar feitos reais ou imaginários que provoquem culpa.
A construção perceptiva desenvolvida tem muito pouco ou nada a
ver com o acontecimento original que causou todo o processo. Quanto
maior for a culpa percebida, tanto em nível consciente quanto incons
ciente, mais dogmáticas, elaboradas e auto-exaltadoras serão as raciona
lizações. O mecanismo parece comum a todo ser humano e a toda socie
dade. Ele pode ser uma técnica indispensável à sobrevivência. As histórias
nacionais são freqüentemente construídas ao redor da anulação de uma
reação formativa a uma desavença reprimida que provocaria ansiedade
se fosse conscientemente deliberada.
As técnicas de repressão são utilizadas pelos meios de comunicação
de massa, tanto na publicidade quanto na venda da chamada informação
jornalística que sustenta a publicidade. A capa da Time com. Khadafi (fig.
9) é um exemplo. Se a informação conscientemente disponível é repri
mida, ela funciona como um estímulo subliminar. A melhor estratégia é
não tomar nada como certo! Não considere nada irrelevante! O conteú
do da mídia comercial geralmente é arrumado de forma a aumentar a
tensão e o envolvimento. Um exemplo de sobrecarga perceptiva é o con
certo de rock onde as demandas multisensoriais assaltam o público. A so
brecarga perceptiva também é aparente na decoração dos cassinos. As
distrações perceptivas — barulhos, luzes piscando, pessoas e garçonetes
em roupas provocativas — sonambulizam instantaneamente os jogado
res, provocando uma conformidade comportamental e um alto grau de
sugestibilidade. O cassino moderno foi arquitetado e decorado como um
máquina comportamental de fazer dinheiro. Como no concerto de rock,
nada no design do cassino existe por acidente ou descuido. Como na mí
dia de publicidade, cada detalhe foi exaustivamente estudado e construí
do para dar o máximo de retorno ao investimento.
Os cassinos são vendidos pela mídia como locais de lazer e diversão.
Os cassinos de Las Vegas anunciam o jogo como “O melhor relax da Améri
ca! ”No entanto, um passeio por um cassino revela pessoas sacudindo-se
mecanicamente nos caça-níqueis e tensamente debruçadas sobre as me
sas de apostas. Faces sombrias e inexpressivas, parecem a robôs em sua
uniformidade. A recreação, o relaxamento ou a diversão não são aparen
tes. Osjogadores parecem estar hipnoticamente voltados para si mesmos,
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 107
Precavidamente isolado
nazista. Eles refletiam os mais altos ideais do 39 Reich. A maioria das so
ciedades define o psicopata como um indivíduo instável, não confiável,
irresponsável e doente mental, preocupado com suas próprias fantasias.
Os voluntários da SS eram considerados o que havia de mais desejável na
cidadania alemã. Soberbamente treinados, eles isolavam os atos diários
de qualquer consideração humana. Eles serviam e obedeciam, eram téc
nicos extraordinários que agiam nobremente para o bem maior, para a
sobrevivência de seu modo de vida, de sua liberdade e de sua fé na lide
rança nazista.
O isolamento como defesa perceptiva representa um importante
papel no mundo atual. Não é sempre fácil determinar se uma informa
ção foi isolada, reprimida ou ambas. O isolamento separa a emoção dos
pensamentos ou idéias ao suprimir as associações ou o reconhecimento
consciente das conseqüências. Quando a formação reativa, a anulação e
o isolamento se combinam, as preces públicas pela paz e boa vontade po
dem estar escondendo desejos inconscientes de guerra como uma válvu
la de escape da agressão, da auto-indulgência, da aquisição de poder e lu
cro ou uma combinação de tudo isto.
Hoje, as lideranças militares dos EUA e da URSS destruíram crimi
nosamente aviões civis, coreanos e iranianos, assassinando centenas de
homens, mulheres e crianças inocentes. As duas nações deram justificati
vas idênticas e rídiculas — a culpa pelas tragédias foi das companhias aé
reas civis. Que tais racionalizações fossem consideradas aceitáveis de
monstra a falta de consciência e o poder do isolamento repressivo que do
minam o que se faz passar por moralidade mundial. Os moralistas profis
sionais de ambas as nações não fizeram muita coisa além de explorar as
vantagens da publicidade. Cada qual ignorou seu próprio terrorismo en
quanto condenava aquele praticado pelo outro lado.
cria uma mitologia sobre seus predecessores, com valores que parecem
inalcançáveis no período contemporâneo.
E claro que o principal problema com a história é que apenas uma
pequena parte do que realmente aconteceu pode ser conhecida. O co
nhecimento é sempre enviesado, subjetivo. O que é conhecido, em sua
maior parte, é o que certos indivíduos ou grupos queriam saber. As histó
rias são altamente seletivas, assim como são os preconceitos que jazem
consciente e inconscientemente por detrás da percepção humana. Os
preconceitos por detrás da história podem ser muito mais intrigantes e
esclarecedores do que os fatos históricos. Parece ser uma necessidade hu
mana básica perceber o passado como uma justificativa para o futuro. As
histórias são vitais para as identidades individuais e grupais, são os tijolos
fundamentais da cultura. Geralmente elas são transmitidas verbalmente
de geração em geração. As histórias escritas ainda são uma invenção no
va, representando apenas os últimos dois mil anos. Se as histórias não ti
vessem existido, elas teriam sido inventadas.
A necessidade psicológica de projetar as incertezas do presente so
bre a fantasia de um passado estável deve constituir a vulnerabilidade per
ceptiva mais significante na herança humana. Nos EUA, é claro, o passa
do é criado pela indústria de comunicação de massa em busca do lucro,
do poder ou dos dois. A história dos Estados Unidos, como a maioria das
histórias nacionais, conta para as pessoas aquilo que elas querem ouvir so
bre si mesmas. A “história objetiva” é uma criação tão mitológica como
qualquer outra coisa “objetiva”. Os preconceitos inerentes à percepção
humana nunca desaparecerão. Uma ciência matemática da história é tão
inconcebível quanto uma história internacional do mundo, uma história
aceitável a todas as culturas.
A técnica da regressão é cada vez mais utilizada na propaganda de
bebidas alcoólicas. Retratado por um ator com quem o público-alvo pos
sa se identificar, o bebedor é cercado por amigos e familiares que lhe acei
tam, perdoam e não exigem nada. Eles aceitam o bebedor do modo com
que ele percebe a si mesmo — amável, dependente, amigo, bem-humo
rado, uma companhia agradável. O uísque 7 Crown, da Seagran, promo
veu uma série de anúncios em revistas que retratavam um monte de gen
te em festas. Havia sempre uma pessoa na multidão que se sobressaía, cer
cada por amigos calorosos e tolerantes, uma pessoa que se encaixava no
1 1 6 »A ERA DA MANIPULAÇAO
grupo de forma jovial e sincera, uma pessoa que poderia aceitar ou recu
sar um drinque. Este indivíduo especial chegava a ser mostrado como al
guém que não bebia mas apoiava feliz os outros que bebiam. A vida real
nunca é assim para os alcoólatras incipientes, é claro. Em geral eles são
dolorosamente embaraçantes para seus amigos, familiares e patrões,
bem o oposto de suas fantasias de si mesmos.
chineses, nos índios, em pessoas com mais ou com menos de trinta anos
etc. O processo, uma vez posto em movimento, é inconsciente aos indiví
duos e aos grupos. E quando a mídia dá o seu impulso, cada vez menos in
divíduos questionam ou opõem-se a estas fantasias.
Enquanto as ginásticas projetivas são um aspecto consciente de uma
estratégia com efeito calculado, elas simplesmente deturpam a realidade
para influenciar opiniões. Isto pressupõe que o outro lado está informa
do sobre a projeção e conscientemente considera seu nonsense retórico
como uma forma de atrair votos, vender produtos e pessoas ou agradar
ao público. Os sérios dilemas ocorrem quando as pessoas facilmente in
fluenciáveis acreditam nas estratégias projetivas. Adolf Hitler contou ao
mundo, em sua autobiografia Mein Kampf escrita em 1926, exatamente o
que planejava para a Alemanha, Europa, Rússia, para os comunistas, ju
deus e para o mundo. Os líderes da época recusaram-se a acreditar em
suas insanas fantasias projetivas, que pareciam mera retórica cinicamen
te criada para ganhar eleições e poder. Tal retórica foi usada em todo o
mundo, e ainda o é, como um meio de induzir e agitar as multidões, com
respostas simplistas para questões complexas.
Por outro lado, se as mentiras projetivas, os exageros e as manipu
lações são percebidos como verdadeiros, esta percepção pode ser ter
minal para todos os envolvidos. Quando os agitadores norte-america
nos em Moscou, ou suas contrapartes em Washington, disparam sua re
tórica projetiva e violenta, o mundo pode apenas prender a respiração
na esperança de que eles estão blefando para alcançarem algum objeti
vo momentâneo; e, é claro, na esperança que o outro lado vai conside
rar os insultos como um simples jogo teatral criado apenas para efeito
de propaganda.
A projeção é aceita inconscientemente como verdade por aqueles
que não entendem a estratégia. Isto pode constituir a prática manipula-
dora mais perigosa do mundo. Sobreviver a tais conflitos, como na crise
cubana dos mísseis em 1962, depende da capacidade de cada lado em
avaliar corretamente as mentiras projetivas, os exageros e as manipula
ções do outro lado. Se alguémjá tivesse realmente considerado a retórica
projetiva como válida — e se os soviéticos forem capazes de uma reação
nuclear estratégica — o planeta Terra já poderia muito bem ter deixado
de existir.
1 22 • A ERA DA MANIPULAÇAO
A CULPA É MINHA
Mídia: a máquina de
LAVAGEM CEREBRAL
Aquele que tenta colocar-se a si mesmo como juiz da verdade e do
conhecimento é destruído pela gargalhada dos deuses.
Albert Einstein, The Evolution ofPhysics
ch, editor no New York Times, “estamos lidando com uma administração
que afirma sem constrangimento — e já afirmou anteriormente — que a
verdade literal não tem sido uma de suas preocupações.” David Wise es
creveu em seu perturbador The Politics of Lying que “o principal critério
no governo não é a verdade, mas o oposto, a criação de mentiras que se
rão suficientemente plausíveis para serem aceitas como verdade, menti
ras nas quais as pessoas acreditarão.”
A importância de tudo isso não é apenas a existência de mentirosos
ocupando posições elevadas. A maior parte das pessoasjá conhecia esse fa
to em algum nível de conhecimento. O que é importante, especialmente
no mundo perigoso de hoje em dia, é que as populações aceitam a menti
ra como um aspecto normal de política governamental. Os mentirosos,
como dissemos há pouco, não podem ter sucesso a menos que encontrem
pessoas dispostas a cooperar — vítimas entusiasmadas iludidas para acre
ditarem que também se beneficiarão das mentiras.
descobrir, com muito pouca objetividade, aquilo cuja descoberta lhe foi
recompensadora.
Assim como a arte, a ciência é comumente aquilo que as pessoas po
dem fazer impunemente em determinado momento da história. E as pes
soas podem fazer impunemente inúmeras coisas, se elas entendem o jo
go. Toda sociedade que deseja sobreviver deveria ser sábia para cuidado
samente desafiar seus políticos, administradores públicos e particulares,
generais, cientistas, engenheiros e outros que se apresentam como espe
cialistas, autoridades, videntes, gurus. O princípio perceptivo que valeu o
Prêmio Nobel para o físico Werner Heisenberg continua sendo uma ad
vertência para os crédulos: “Nenhum julgamento perceptivo pode ser fei
to com absoluta certeza.”
O nível macro de percepção é onde a realidade percebida se trans
forma em palavras e imagens. E o nível no qual a maior parte das pessoas
vive suas vidas. São lutadas macro guerras, desenvolvidas macro políticas e
feitas macro definições que controlam, ameaçam ou destroem a vida hu
mana. Mas qualquer tentativa de definir palavras-símbolos ou imagens-
símbolos termina necessariamente por incluir e excluir informações de
forma arbitrária. E não é raro que o que é excluído se torne mais significa
tivo para o entendimento e para o significado do que o que foi incluído.
são exaustiva por alguém que conheça tanto as duas línguas envolvidas
quanto o campo da especialidade em questão.
Mais uma vez, as variações nos sentidos foram os obstáculos. O dis
pendioso esforço empreendido em várias nações não conseguiu pro
duzir um sistema de tradução eficaz. A mais complexa entidade que os
homens desenvolveram é a linguagem. Não obstante isso, a maior par
te das pessoas simplesmente dá a linguagem por certa, aceitando-a co
mo parece ser na superfície — algo de que, em geral, elas no fim se ar
rependem.
Outro fator deve ser incluído em qualquer tentativa de descrever
o processo de percepção da realidade — o tempo. A percepção tem de
envolver um continuum temporal. A fatia de bolo de chocolate — a fatia
real, não a versão retratada da figura 6 — sofreu uma mudança contí
nua durante toda a sua existência. Não é hoje a mesma fatia que era on
tem, há uma semana ou há um mês. Qualquer avaliação perceptiva váli
da da fatia de bolo deveria incluir uma referência temporal válida. Em
outros termos, qualquer referência à fatia de bolo que tenha um signi
ficado deve incluir tempo, espaço, perspectiva, associações em nível
tanto consciente como inconsciente e informações sobre as distorções
do observador. Pessoas viciadas em chocolate percebem um bolo de
chocolate diferentemente daquelas que não são viciadas. Pessoas fa
mintas perceberão a fatia de bolo de uma maneira bastante diversa de
alguém que acabou de comer. Não obstante, independentemente de
quão detalhada se torna a descrição verbal ou pictórica, os símbolos ver
bais não podem nunca traduzir a complexa e multinivelada realidade
perceptível.
Nossa percepção da fatia de bolo pode não envolver questão de vida
ou morte. Mas, e quanto a realidades perceptivas como o capitalismo, o
socialismo, o amor, o ódio, a liberdade, a escravidão, a lealdade, o meio
ambiente ou o povo? Conceitos verbais e pictóricos subjetivos como estes
— conceitos de um alto nível de abstração — só podem ser descritos por
outras palavras. A montanha cada vez maior de definições descritivas le-
va-nos cada vez mais longe da realidade verificável. As pessoas continuam
a dar passos em falso num denso nevoeiro verbal, e intelectual, tentando
confirmar fantasias perceptivas cada vez mais vagas ou efêmeras baseadas
em outras fantasias baseadas em fantasias etc.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 149
Uma civilização ou um indivíduo que não pode romper com suas abstrações
usuais está condenado à esterilidade após um período bastante limitado de
progresso. Praticamente qualquer idéia que jogue você para fora de suas
abstrações comuns é melhor do que nada.
Alfred North Whitehead, Process and. Realitvy
A LÓGICA DO ILÓGICO
A LÓGICA DA INDEFINIÇÃO
A lei da identidade é resumida pela frase, o que for que seja, é! Por mais de
2 mil anos este conceito tem sido o responsável por desastrosas confusões
e infinitas dúvidas humanas. As palavras nunca são as coisas que elas des
crevem. Os mapas não são os territórios ou as realidades perceptivas que
eles representam. Uma pintura não é o que está descrito na pintura. In
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *16 1
mem grande” estaria chorando pela garrafa quebrada e pelo uísque per
dido. Mas esta afirmação é ilógica. Apenas um alcoólatra patético chora
ria por uma garrafa quebrada, pressupondo que cAorarrefira-se mais a lá
grimas do que a um grito de dor. No entanto, praticamente todos os con
sumidores que repararam no anúncio fizeram a identificação aristotélica
apropriada e prevista (como eles foram condicionados culturalmente a
fazer) entre as imagens, palavras e a realidade supostamente representa
da. Eles perceberam o anúncio quase como robôs que não pensam e são
operados por programas de computador. Agiram e pensaram precisa
mente como era esperado que agissem e pensassem de acordo com a sa
bedoria convencional e a lei da identidade de Aristóteles.
Se alguém questiona o anúncio da garrafa quebrada de um ponto
de vista não-aristotélico, ele se revelará instantaneamente como uma
mentira cara, criada para fazer com que os consumidores caiam na arma
dilha do consumo de álcool — uma fraude, um embuste, um logro, uma
manipulação da ingenuidade do consumidor. O anúncio foi criado para
ser absorvido sem cuidado pela percepção instantânea do consumidor.
Como a maioria dos anúncios, a garrafa quebrada não foi criada para a
percepção consciente, que não afeta o comportamento do consumidor.
Os fabricantes de bebidas alcoólicas investem cerca de 6% de suas
receitas brutas em publicidade, de acordo com o Departamento do Co
mércio. Este é um nível de investimento em publicidade bastante alto.
Ao custo de 12 milhões de dólares, estes anúncio (para ter o retorno mí
nimo) teria de vender mais de 200 milhões de dólares de Crown Royal
no atacado. Ninguém com retorno mínimo permanece muito tempo no
mercado, portanto esta estimativa de vendas é conservadora.
Vários anos atrás eu fui entrevistado num programa religioso de TV
apresentado por Pat Robertson. Nós examinamos o anúncio da garrafa
quebrada para descobrir o que fazia o anúncio funcionar.
Estude cuidadosamente o anúncio sob este ponto de vista. Procure
por qualquer coisa que sugira intenções ocultas. Lembre-se que a maio
ria dos anúncios são criados para serem percebidos em um ou dois segun
dos. Você percebe ou sente qualquer coisa de peculiar no anúncio? Ro
bertson descobriu vários enxertos pintados na garrafa quebrada, embora
ele aparentemente percebesse a pintura como uma verdadeira garrafa
quebrada. Ele apontou a cabeça e o pescoço de um cisne (fig. 41), o pás-
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS >163
saro (fig. 42), o homem gritando (fig. 43) e a silhueta de um soldado ro
mano (fig. 44).
Durante a entrevista, vários enxertos adicionais foram demonstra
dos: o anjo no gargalo da garrafa (fig. 45), faces (figs. 46 e 47) e um ma
chado ou instrumento cortante (fig. 48). Talvez o machado tenha que
brado a garrafa para liberar o anjo. Os anúncios não têm de ser lógicos
ao nível perceptivo inconsciente. Eu virei o anúncio para a esquerda pa
ra facilitar a percepção do perfil de um rosto de caricatura enxertado na
garrafa quebrada (fig. 49): o nariz preto redondo, a testa, um olho aci
ma do nariz e a parte de trás da cabeça descendo até a altura do queixo.
O machado (fig. 48) forma uma alongada mandíbula inferior abaixo da
boca aberta.
Logo abaixo do lábio superior da figura, um toco é projetado sobre
o fundo. O toco parece ter sido mordido pela boca aberta da caricatura.
O resto parece estar caindo pela mandíbula, como se estivesse justamen
te sendo castrado (fig. 50). “Você já viu um homem grande chorar?” De
fato! A legenda adquire uma dimensão inteiramente nova, mas que é in
conscientemente invisível sob a lei da identidade de Aristóteles. A identi
ficação prende o espectador em um módulo específico de expectativas
perceptivas. Quando você identifica, sem pensar nem criticar, palavras
com palavras, palavras com imagens, palavras e imagens com coisas ou
pessoas, você está sendo vitimizado. A lei da identidadevem. servindo à eli
te no poder e suas instituições por mais de 2 mil anos. Se os técnicos de
publicidade não tivessem aprendido a repensar Aristóteles, não pode
riam ter criado um embuste de sucesso.
‘Você já viu um homem grande chorar?” é uma metáfora poética. As
lágrimas não são pela garrafa quebrada, mas pelo que estava dentro da
garrafa quebrada—um pênis castrado. Os pesquisadores das agências de
publicidade sabem muito bem que quantidades substanciais de álcool
são consumidas como um meio de evitar o sexo ou a intimidade. O álcool
é um dos maiores inimigos do sexo que o homem já inventou — uns pou
cos gramas no sangue já destroem a capacidade sexual, mesmo que en
gendrem fantasias de virilidade. As temáticas de castração são encontra
das com freqüência nos anúncios de bebidas alcoólicas, cigarros e remé
dios (wrKey, Clam-Plate Orgy, figs. 5 a 19; Key, Media Sexploitation, figs. 35
a 37; e Key, Subliminal Seduction, figs. 16 e 17).
164»A ERA DA MANIPULAÇAO
quer modo, o símbolo era apenas isto — um símbolo, ainda que um sím
bolo complexo, uma abstração de nível elevado que só pode ser definida
através de outras abstrações.
Cada átomo, molécula, organismo, personalidade, linguagem e socie
dade é uma novidade — uma novidade em constante mudança. As caracte
rizações da linguagem, ou as percepções que resultam delas, são fantasias e
ilusões de primeira ordem. Elas podem ser úteis de tempos em tempos, mas
continuam sendo fantasias.
Por exemplo, as palavras amore Deus significarão para um indivíduo
algo ao mesmo tempo igual e diferente daquilo que significam para ou
tra pessoa. E curioso quando as pessoas insistem que suas definições são
as “verdadeiras” e obrigam as outras a validarem suas fantasias. Os infini
tos significados para tais palavras podem ser divertidos — uma experiên
cia estética e estimulante, como descobriram os poetas. As incertezas ver
bais inerentes podem propiciar um incentivo extraordinário para expan
dir-se e aprofundar-se o conhecimento do mundo, dos povos e das lingua
gem que os homens usam para se comunicar. Mas, como quase todos sa
bem, não acontece deste modo.
Por exemplo, há uma distância remota e abstrata entre os rótulos
verbais amors Deuse qualquer realidade específica. Realidades represen
tadas por palavras como estas só podem ser escritas mediante outros sím
bolos verbais. O significado não pode ser demonstrado simplesmente
apontando-se a realidade representada, como na abstração bolo de chocola
te. Amore Deus podem ser consideradas abstrações altamente elaboradas
em comparação com símbolos de ba xa elaboração como bolo, cadeira,
prato, livro etc. As abstrações altamente elaboradas levam a enganos devas
tadores enquanto os homens tentam sem cessar defini-las verbalmente,
numa busca ilusória por permanência, segurança e alguma garantia na
quilo que acreditam. As abstrações de alta elaboração só podem ser defi
nidas ou explicadas por outras palavras — em geral abstrações de alta ela
boração adicional — resultando em fantasias construídas sobre fantasias
construídas sobre fantasias etc.
Numa provocante tentativa de satirizar a lógica aristotélica, uma bri
lhante freira mexicana do século dezessete, Irmã Juana Inéz de la Cruz,
escreveu um tratado filosófico que provava, acima de qualquer dúvida,
como vários anjos poderiam dançar na cabeça de um alfinete. As autori
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS * 169
A lei da exclusão do meio-termo foi uma das idéias mais imaginosas de Aristó
teles. Ela pode ser explicada resumidamente como “Todas as coisas de
vem ser ou não ser”. O pensamento de ser verbal: as pessoas podem sentir,
mas não pensar sem as palavras. Se o pensamento verbal pode ser restrito
a apenas uma idéia, coisa, proposição ou outra idéia, coisa, proposição, o
mundo torna-se um lugar asséptico, definível e coordenado para se viver.
O mundo real, onde várias coisas acontecem caoticamente ao mesmo
tempo, não é assim. Aqueles que conhecem e obedecem a esta lei podem
ter a fantasia de que sabem precisamente, a qualquer momento, onde ca
da coisa está ou não está. A fantasia de que há apenas dois lados em cada
questão torna a verdade facilmente alcançável. O mundo nunca será um
lugar tão simples. Quando os objetos ou as pessoas são percebidos como
ou este ou aquele, ou uemeste nem aquele, eles estão sendo projetados em
ilusões da realidade simplistas e maniqueístas.
Esta ilusão, estruturada consciente e inconscientemente por mi
lhões de pessoas ao redor do mundo, representa uma das maiores frau
des políticas, sociais, júdiciais e econômicas de todos os tempos. Nenhu-
1 76 «A ERA DA MANIPULAÇAO
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56
-v’t- - (foil
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *177
Profanidade sagrada
Enquanto não podemos elevar nosso “pensamento ’’acima de Nós eEles, os bons
e os maus, tudo continuará na mesma. O únicofim possível será quando todos
os bons tiverem matado todos os maus, e todos os maus matado todos os bons, o
que não parece tão difícil ou improvável, já que para Nós, somos os bons e eles
são os maus, enquanto que para Eles, somos os maus e eles são os bons.
Milhões de pessoas morreram neste século e mais milhões morrerão, incluin
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «179
do, como temos várias razões para acreditar, muitos de nós e dos nossosfilhos,
já que não podemos desatar este nó.
Parece comparativamente um nó simples, mas está muito, muito apertado —
como sefosse ao redor do pescoço — de toda a es^^cie humana.
Mas não acredite em mim porque eu disse isso, olhe no espelho e veja por si
mesmo. (Laing, A Política da Família, p. 49).
A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO
perceptiva. O verbo serê uma das formas verbais mais complexas em qual
quer língua do mundo. Á^rsignifica literalmente “existir”, e a existência é
uma questão perceptiva. O papel em questão ilustrou como uma mensa
gem pode ser e não ser ao mesmo tempo. A maioria dos chefes de conta
bilidade pareceu finalmente estar convencida.
A consistência aparece como uma rachadura fatal em qualquer
sistema de regras rígidas, teorema ou lei de linguagem — seja ela lin
guística, pictórica ou matemática. O filósofo espanhol Miguel de Una
muno escreveu que “Se alguém se contradiz, com certeza é alguém que não sa
be de nada”. A inconsistência é uma condição humana natural, certa
mente para os sistemas de linguagem. No entanto, a ilusão de consis
tência pode ser facilmente construída, seja nas relações entre pessoas
e pessoas, seja entre pessoas e objetos. Os profissionais de publicidade
e de relações-públicas constróem e sustentam ilusões de consistência
— ao menos até alguém fazer uma análise crítica e cuidadosa. A consis
tência é um papel artificial que as pessoas representam em várias situa
ções profissionais. Os políticos e os executivos freqüentemente tor-
nam-se adeptos deste papel. As reconciliações consistentes da inconsis
tência são construções perceptivas. Elas podem parecer boas no papel,
mas são inerentemente enganosas.
Discordar ou desobedecer a estrutura da linguagem viola heretica-
mente as sabedorias convencionais. O paradoxo, a inconsistência e a con
tradição são expectativas normais no raciocínio lógico e científico. Quan
do eles não são encontrados, a regra é ser extremamente cauteloso. Pode
alguém realmente s^raquilo que consciente e inconscientemente moldou
para aparentemente ser? Na verdade, quanto mais consistentemente ho
nesto alguém parecer, mais cuidado você deve ter com seu bolso. As ima
gens são estereótipos, mentiras, dissimulações cosméticas, representações
erradas. As imagens geralmente dissimulam as características opostas.
Quando as contradições não aparecem, elas foram omitidas ou camufla
das. Analistas inteligentes procuram descobrir a consistência criada para
satisfazer as expectativas normais, para então desacreditá-la completa
mente. Os encarregados de pessoal geralmente questionam os relatórios
perfeitos demais.
As afirmações verbais, pictóricas ou matemáticas podem ao mesmo
tempo ser verdade e mentira. A verdade e a falsidade são conclusões e
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 183
construções perceptivas. Elas são produtos dos modos com que os ho
mens sentem, vêem, ouvem, pensam, cheiram e acreditam (ou são mani
pulados para acreditar) que sabem. Normalmente, os homens impõem
avaliações perceptivas sobre a realidade por razões práticas. Os motivos,
é claro, podem ser altruístas, interesseiros, ou ambos em diferentes
graus. A primeira questão na análise de um comportamento lingüístico
deveria ser “o que o emissor está realmente tentando fazer?”
A VERDADE NA PROPAGANDA
Prediçóes impredizíveis
A COISA VERDADEIRA
REALIDADES SIMBÓLICAS
A Bíblia deveria ser reconhecida como mitológica, deveria ser mantida numa
forma simbólica e não substituída por dados científicos. Não há substituto
para o uso de símbolos e mitos. Eles são a linguagem da fé.
Paul Tillich, On the Boundary
Uma palavra ou imagem é simbólica quando ela implica algo mais do que
seu significado óbvio ou imediato. Nós usamos termos simbólicos
constantemente para representar conceitos que não podemos definir ou
compreender totalrnente.
Carl GustavJung, O Homem e seus Símbolos
Sempre que sua mente consciente dá algo por certo, diz-lhe que algo é trivial,
comum, insignificante, imerecedor de uma atenção cuidadosa, volte atrás e
observe novamente com muito cuidado. Questione constantemente suas
questões e — acima de tudo — suas respostas.
Marshall McLuhan,
Seminário na Universidade de Toronto
ros na natureza, mas nenhum deles tem um valor simbólico mais significa
tivo do que o ouro. No nível consciente, o ouro é um metal macio e maleá
vel encontrável na natureza numa forma relativamente pura. Uma onça
de ouro pode ser extraída de oito mil metros cúbicos. Em folhas finas, ele
transmite uma luz esverdeada. O ouro não se mancha nem se corrói. Em
função de sua condutividade elétrica, seu maior uso industrial é em circui
tos elétricos e eletrônicos. O ouro natural é 100% isótopo ouro 197; núme
ro atômico 79; peso atômico 196.967; ponto de fusão 1945QF; peso especí
fico 19,3; valência 1,3; e a configuração eletrônica é (Xe) 4fl4 5dl0 6sl.
Tanta coisa para simples fatos, que têm pouco ou nada a ver com o valor
do ouro.
Qualquer coisa que tenha um valor simbólico, como o ouro, gera uma
mística com a qual as pessoas podem ser manipuladas. Os dicionários de
símbolos são úteis para explorar valores simbólicos (cf. Jobes, Cirlot, e Fra
zer) . A mitologia, o folclore e a propaganda são os meios através dos quais
valores simbólicos têm sido transmitidos de geração em geração. Elas são
ainda as melhores fontes para quem procura sentido e significado simbóli
co. As coisas que se conhece sobre o ouro, por exemplo, não podem expli
car a preferência por este metal najoalheria. Como um símbolo arquetípi
co, cujo significado se manteve mais ou menos consistente durante milha
res de anos, o ouro sempre envolveu uma convicção religiosa.
O significado simbólico do ouro inclui uma identificação com a luz
solar, geralmente comparável ao sol, à inteligência divina, um fruto do es
pírito, a suprema iluminação, constância, dignidade, um elixir da vida,
excelência, amor, perfeição, poder, pureza, riqueza e sabedoria. No fol
clore de muitas culturas uma pessoa é freqüentemente puxada para o céu
por uma corrente de ouro que liga o céu à terra. Estes significados simbó
licos ou arquetípicos do ouro — interpretados um pouco diferentemen
te por homens e mulheres — remontam aos primórdios da história escri
ta. A preciosidade do ouro tem sempre estado antes em seu valor simbó
lico do que em seu uso funcional ou monetário.
Uma propaganda da Corporação Internacional do Ouro (fig. 16),
que apareceu em numerosos periódicos, é um exemplo típico da manipu
lação contemporânea de valores simbólicos em busca de lucro. E um retra
to desfocado de uma mulher usando um colar ou cinto de ouro. Os deta
lhes são difusos, incertos. Se a jóia está em volta de seu pescoço ou de seus
1 98 • A ERA DA MANIPULAÇAO
Líderes simbólicos
ções de imagens — uma cena desaparece enquanto uma nova cena emer
ge. Informações subliminares são facilmente escondidas nesta transição.
A menos que a transmissão seja gravada e examinada a cada quadro, o
embuste fica escondido da consciência. O anúncio de TV do Wishbone é
uma obra-prima tecnológica.
A transição começa com uma modelo voluptosa nadando numa la
goa tropical (fig. 17). Na medida em que ela sai da água, braços e pernas
afastados, a cena se transfere para um pé de alface segurado por duas
mãos femininas. Os polegares que prendem a alface parecem apertar a
área genital da modelo (fig. 18). Conforme a imagem da modelo desapa
rece, a alface se parte em duas metades, como se um nascimento simbóli
co tivesse ocorrido (fig. 19). Surgindo do pé de alface fendido, aparece en
tão a garrafa de Wishbone simbólica (fig. 20). O design da garrafa inclui
uma porção superior fálica e um fundo elíptico feminino — a unidade
simbólica do homem com a mulher num cenário tropical romântico. A ce
na muda para um close da modelo, que parece estar lambendo a parte fe
minina da garrafa (fig. 21). Enquanto a garrafa desaparece, a língua da
modelo se transforma num tomate em sua boca (fig. 22). As quatro transi
ções ocorrem seqüencialmente em menos de dez simbolicamente pode
rosos segundos. Cada detalhe é gravado perceptivamente em níveis in
conscientes. O tomate (também chamado de maçã do amor) e a alface são
símbolos de nascimento, da primavera, de ressurreição, abundância, fer
tilidade, fecundidade e regeneração da vida. Os tomates simbolizam o
amor; a alface simboliza a primavera e uma renovação da vida.
O nascimento, a reprodução e no fim a morte provêem temas ar-
quetípicos fortes e subjacentes em numerosos anúncios. A garrafa que
brada de Crown Royal, da Seagram’s (fig. 15), é um exemplo de um ape
lo subliminar de morte, convidando o consumidor a se auto-imolar e des
truir. A castração é outro símbolo de morte arquetípico. O desejo da mor
te é uma das mais bem articuladas teorias na literatura psicológica—uma
compulsão inata para procurar a morte, seja de fato ou simbolicamente.
Inúmeros anúncios de bebidas ou cigarros foram ilustrados em es
tudos anteriores sobre a percepção subliminar. Um pênis castrado, cére
bros, e caras monstruosas típicas de um pesadelo aparecem num anúncio
de Johnny Walker (cf. Key, The Clam-Plate Orgy, figs. 6-16). A palavra cân
cer estava embutida num anúncio de duas páginas dos cigarros Benson
208 -A ERA DA MANIPULAÇAO
and Hedges (cf. Key, Midia Sexploitation, figs. 41-42). Todas essas imagens
de produção tão dispendiosa são símbolos arquetípicos, personificações
da morte e da autodestruição. Elas foram exaustivamente projetadas, tes
tadas e aplicadas como técnicas de marketing. Elas vendem, ou os anun
ciantes acreditam que elas vendem. Elas deram muito dinheiro aos anun
ciantes. O que os anúncios fazem pelos consumidores indefesos pode ser
percebido nas estatísticas da saúde pública.
Alguém deveria conferir o desejo da morte ou as compulsões de au
todestruição evidentes nas estratégias das Forças Armadas norte-america
nas. Se o simbolismo arquetípico do desejo da morte vende com sucesso
cigarros, bebidas e discos de rock, por que não venderia mísseis MX, bom
bas B-l e outros instrumentos pesados nojogo político de se armar com se
gundas intenções? Existe nitidamente a possibilidade de que as duas su
perpotências estejam apenas representando seu desejo de morte coletivo
numa conspiração inconsciente contra si mesmas.
A história humana tem sido um enredo sobre uma incrível habili
dade de sobreviver em constante confrontação com comportamentos
suicidas. Nenhuma sociedade humana foi jamais contínua. Cedo ou tar
de, todas chegaram à autodestruição. Apesar disso, elas continuam a
proliferar. Até muito recentemente, era impossível matar na escala ne
cessária para destruir tudo. A ingenuidade humana finalmente triun
fou. As potencialidades suicidas de hoje em dia dão ao homem sua pró
pria solução final. A Destruição Mutuamente Garantida (Mutually Assured
Destruction - MAD) não é apenas uma teoria. Ela é uma realidade, a ape
nas alguns minutos do apertar de um botão ou de uma chamada telefô
nica. E, diante da MAD, os líderes mundiais, bem como seus bajuladores
científicos, ainda murmuram que não existe nada de parecido com o de
sejo da morte.
Quando ocorrer a estupidez final — é uma questão de sensatez acei
tar que ela virá — o ato parecerá lógico, racional, justificável e, para al
guns, a realização do destino ou da profecia bíblica. Mais ainda, até que os
últimos poucos indivíduos vomitem dolorosamente até a morte por causa
do envenenamento por radiação, a discussão sobre de quem foi a culpa
continuará violentamente. Milhões de dólares são regularmente investi
dos na pesquisa de meios de destruição maciça; até agora virtualmente na
da se investiu no estudo da sobrevivência humana.
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS » 209
Ninguém até agora, fez a longo termo pesquisas sérias sobre as con-
seqüências do embuste da mídia comercial sobre a personalidade huma
na, a saúde mental, o comportamento e a sobrevivência. Os EUA permi
tem cegamente que o establishment comercial imponha seus interesses
pessoais gananciosos sobre a população. Praticamente ninguém parece
ouvir o tênue tique-taque de nosso tempo se esgotando.
Capítulo sete
O EMBUSTE DO “PORQUE”
Magia verbal
Liberdade é um Datsun!
China e Oriente, prazeres pessoais, tesouros nacionais, banquetes,
aventuras, com a Royal Vilking Line
Quando você parte pela mundo, você não está sozinho
com American Express
Descanse do mundo real (Real World) para explorar o mundo
do cinema/ (Real World) com a Moviebreak
Camel Filters, é um mundo novo!
O Espírito do Império, Cerveja Bass!
Liberdade é um Maxi-Pad!
Revolucionária, a meia-calça Perfeita!
dades desumanas têm sido justificadas pela afirmação de que “alguém ti
nha de fazer isto”. A vulnerabilidade humana à manipulação da mídia
persiste, prolifera e aumenta a cada ano com um potencial sempre mais
devastador.
Predizendo o impredizível
Henry Luce deu ordens à sua equipe editorial para “desprezar o contra-
senso da objetividade”. Ele lhes disse que eles eram “pagos para tirar con
clusões e conclusões, e que era melhor que eles o fizessem”. A afirmação
chocou um pouco o meio editorial da época, mas era provavelmente co
rajosa. A maior parte da concorrência de Luce ainda enganava os leitores
ingênuos com a mitologia da verdade objetiva. Muitos ainda perpetuam
o mito. Qualquer um que esteja disposto a aceitar o simplismo da “verda
de não-enviesada” está preparado para acreditar que “o McDonald’s faz
tudo isto por você! ”
O MENOSPREZADO INCOGNOSCÍVEL
AS EXPECTATIVAS DOS
ESTEREÓTIPOS
A minha expectativa quanto à sua expectativa quanto à minha expectativa
quanto à sua expectativa deveria nos fazer sair gritando em direções opostas.
Anônimo
O remédio nos EUA não é menos liberdade, mas uma liberdade real — e um
fim à intolerância brutal das associações de desordeiros e de patriotas
demagógicos, e de todo o resto de pequenos mas sanguinários déspotas que
fizeram da palavra americanismo um sinônimo de coerção e crime
institucionalizado.
Archibald MacLeish, The Nation, 4 de dezembro de 1937
A FORÇA DA EXPECTATIVA
Não existe nenhuma comunicação entre seres humanos que não te
nha um objetivo. Tudo o que transparece perceptivamente — a maior
parte no nível inconsciente — afeta os relacionamentos humanos. Nós
interagimos sensivelmente e continuamente em níveis conscientes e in
conscientes. Na cultura dominada pela mídia, as expectativas interpes
soais são modeladas a partir de estereótipos.
A comunicação interpessoal envolve uma série enorme de táticas e
estratégias, representações de papéis, tentativas de manobrar outros em
papéis complementares ou subsidiários, e variações freqüentes na ma
neira segundo a qual as pessoas se retratam. Todo comportamento hu
mano, seja por motivos conscientes, está basicamente buscandoum objeti
vo. O interesse pessoal está envolvido mesmo no comportamento mais
altruístico. A questão dos motivos é essencial para que se possa ver um
sentido na comunicação humana. O motivo dos anúncios é simples e sin
gular — vender, vender, vender, ad infinitum, tanto em nível consciente
quanto em nível inconsciente. O que manipuladores comerciais tentam
fazer pode ser avaliado por este simples motivo. O sucesso ou o fracasso
é empírica, rigorosa e cientificamente avaliado pelo esforço, pelos gas
tos e pelas vendas.
Na literatura e nas belas artes — por outro lado — a motivação não
é nunca simplística. Os motivos do artista são extremamente complexos.
Em certo sentido, os grandes artistas e escritores queriam também ven
der — seu trabalho, suas habilidades, suas reputações. Mas outras forças
motivadoras fortes aparecem. DaVinci, de acordo com Sigmund Freud,
refletiu sua homossexualidade em seu trabalho criativo. Pablo Picasso
foi durante toda a vida comunista (embora multimilionário), e em seu
trabalho transparece um forte comentário social sobre a ganância, a
conformidade e a arregimentação da sociedade capitalista. Picasso tam
bém teve enormes dificuldades com as mulheres; isto se refletiu em mui
to de sua produção criativa. Os motivos por trás da pintura de Picasso são
difusos, complexos, geralmente contraditórios, e espelham a percepção
singular que o artista tinha do mundo e de seus povos. A maior parte do
que é considerado arte e literatura significativa é complexa. Talvez seja
por isto que a arte sobrevive durante os séculos como uma experiência
humana significativa.
Embora a tecnologia dos anúncios e das estratégias de relações-pú-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 237
A FANTASIA DA SINCERIDADE
Trabalhando a expectativa
versais de beleza e bondade. Elas têm sido tudo o que se pode conceber em
diferentes momentos e lugares. De fato, os conceitos de beleza e bondade
devem ser vendidos ou comunicados para atingir uma aceitação — o im
portante papel cultural da mídia comercial.
As pessoas normalmente antipatizam com alguém — ou sentem
hostilidade para com esta pessoa — quando sentem terem-se exposto de
mais. A hostilidade aparece por razões nunca especificadas, reações in
conscientes a uma comunicação aparentemente casual. Ninguém pode
ser visto completamente sem preconceito. Quando as percepções são dis
torcidas num sentido contrário à pessoa, esta pessoa é evitada. Sua compa
nhia é considerada tacitamente como não valendo a pena. O evitá-la re
força a antipatia, de modo que há menos oportunidades de descobrir-lhe
traços positivos. Por outro lado, quando se sente simpatia por alguém, é
recompensador estar com esta pessoa. Gasta-se mais tempo avaliando-a,
descobrindo-se no fim traços negativos. Aspectos negativos são normal
mente compensados por uma reação inicial positiva. Ou podem provo
car no fim das contas desilusões, rejeição e inimizade.
A avaliação da personalidade é uma das noções mais fracas e duvido
sas num mundo de muitas noções fracas e duvidosas. As características de
personalidade podem ser acondicionadas para parecerem razoáveis, na
turais ou mesmo científicas. Qualquer coisa, contudo, que seja tida por
certa como razoável, natural e científica deveria — no interesse de sobre
vivência e da adaptação — disparar luzes de alerta. Cuidado! A maior par
te das novas idéias significativas — durante a história da ciência, da erudi
ção, da arte e da inovação intelectual — desenvolveu-se como forma de
resistência a idéias ou posições tidas por certas. Geralmente um insight,
uma descoberta, uma teoria ou uma posição muito estimada se encaixam
tão bem no que o senso comum e a experiência perceptiva cotidiana con
firmam que é difícil acreditar que alguém algum dia pensou de outro mo
do. Estas são em geral as posições mais perigosas de se assumir.
As imagens trabalhadas por relações públicas ou pela publicidade
são ás piores ficções estereotipadas. Elas causam dano se dirigidas para o
interior como parte da auto-imagem. Elas são auto-exploradoras quando
projetadas no exterior como imagens fictícias de líderes, celebridades,
amigos ou inimigos. Ao longo dos anos, a população tem sido cuidadosa
mente doutrinada para aceitar imagens (estereótipos) como substitutos
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 253
A MANIPULAÇÃO DA TRANSGRESSÃO
Profecias que se
AUTO-REALIZAM
Por que e com que direito uma nação ou uma classe de pessoas prende,
tortura, exila, fustiga e destrói outras pessoas quando elas mesmas não são
melhores (oupiores) do que aquelas que torturam'?
Leon Tolstoy, Guerra e Paz
O psiquiatra suiço Carl Jung relatou o caso de um paciente que, logo de
pois de uma temporada de férias, sonhou estar caindo de uma montanha
até morrer. Uma semana depois, o paciente caiu realmente da montanha
e morreu. Coincidência? Pouco provável. As profecias que se auto-reali-
zam (SFP — Self-Fulfilling Prophecies) são pressuposições ou predições que
parecem fazer com que um evento ocorra, confirmando assim sua pró
pria exatidão. O processo de efetuar um vaticínio pode ser consciente, in
consciente, ou ambos.
Se as pessoas assumem que não são amadas, o próprio pressuposto
faz com que ajam de maneira hostil, defensiva, suspeita e agressiva. Estas
atitudes, por sua vez, provocam reações similares nas outras pessoas.
Deste modo, os pressupostos iniciais são confirmados. Os indivíduos
acabam não sendo amados. As pessoas raramente se dão conta do poder
que possuem para se autovitimarem mediante pressuposições, convic
ções e predições.
A vida raramente é, para melhor e para pior, tão simples quanto pa
rece. Boas causas freqüentemente têm efeitos ruins e vice-versa. As com
plexas contradições das realidades verbais fazem com que nada seja o que
parece ser na superfície, especialmente para aqueles que têm uma fé ir
racional nas definições simplistas. Os anunciantes incorporam sublimi
narmente aos anúncios o lado oculto dos pressupostos de causa-efeito, de
uma maneira que os consumidores ficariam aterrorizados se suspeitas
262 -A ERA DA MANIPULAÇAO
mente. A SFP pode, a princípio, não ser nem verdadeira nem falsa, mas
ela produz uma verdade ou uma falsidade por sua existência como parte
do processo de raciocínio.
SFPs curiosas ocorrem nas relações das pessoas com o Fisco. As leis
do imposto de renda são infames, contraditórias e arbitrárias, bastante
abertas às interpretações. Para compreender a miríade de leis em cons
tante mudança é necessária uma equipe de profissionais especializados
trabalhando em período integral. Os funcionários da Receita Federal
(IRS) reconhecem que os contribuintes mentem e procuram evitar de
clarar honestamente suas rendas. Qualquer pessoa que tenha passado
por uma auditoria do IRS sabe como suas idéias pré-concebidas in
fluenciam a investigação. Os funcionários do IRS investigam o estilo e
vida, as propriedades e os divertimentos para estimar a renda. Ao con
trário da doutrina legal para as ações civis ou criminais, os contribuin
tes são obrigados a provar sua inocência frente à pressuposição do IRS
de que são culpados.
A pressuposição, ou predição, obriga o contribuinte a evitar as de
clarações de renda simples e verídicas. A desonestidade, ou talvez a
fronteira da honestidade, torna-se um imperativo para escapar de im
postos vistos como injustos. Os pressupostos do IRS criam de fato a si
tuação prevista. E irrelevante saber se os pressupostos iniciais eram fal
sos ou verdadeiros. O que se presumia ser o efeito acaba sendo a causa.
A causa produz o dilema. A profecia da situação causa a situação da
profecia.
Muitos encarregados de pessoLi de grandes firmas podem recordar
situações onde empregados tinham a impressão de que estavam prestes a
ser demitidos, reagindo com insegurança em procedimentos normais da
rotina de trabalho ou com culpa sobre alguma deficiência pessoal real ou
imaginária. Agindo de maneira errática ou prejudicando seu trabalho,
eles progressivamente preparavam-se para a demissão que, de fato, torna
va-se realidade.
Loucura e Civilização, a brilhante história da insanidade de Michel
Foucault, documenta uma estarrecedora variedade de definições contra
ditórias para a insanidade. Ele demonstra que a insanidade é um concei
to socialmente criado, mudando através dos séculos conforme as socieda
des vão procurando novos meios de lidar com seus desviados. A sanidade,
PROFECIAS QUE SE AUTO-RE ALI Z AM • 265
por outro lado, raramente foi definida. De fato, a sanidade deve ser inde
finível. Assume-se tacitamente que a sanidade sejam aquelas práticas, po
líticas e comportamentos comumente aceitos como normais por uma de
terminada sociedade em um determinado tempo. A normalidade é um
belo conceito até você se lembrar que já foi considerado normal queimar
feiticeiras, hereges e outros desviados após submetê-los a torturas brutais.
Atualmente, é considerado normal viver a um passo da devastação nu
clear. Do ponto de vista de um continuum histórico em constante muta
ção, muito do que é hoje considerado são e normal seria algo insano e
anormal em outro tempo e lugar.
As civilizações forjaram e ratificaram inúmeras definições de insa
nidade, e continuam elaborando esta idéia num ritmo cada vez mais rá
pido. Um dos critérios da psiquiatria moderna para determinar a sani
dade é a capacidade de adaptação à realidade, geralmente definida co
mo ajustamento, ou a capacidade de discenir entre fantasia e realidade.
O senso comum, reforçado pelos estatutos judiciais, assume que a sani
dade é uma realidade objetiva: real, apta a ser examinadz, medida e
compreendida. A comunidade psiquiátrica discute incessantemente so
bre as definições verbais dentro do quadro geral da insanidade. O qua
dro em si raramente é questionado. Deveria ser! Como as definições de
personalidades, os rótulos de insanidade evocam injustamente as profe
cias autoconsumadas.
Os diagnósticos psiquiátricos, ao contrário do que acontece nas ou
tras especialidades médicas, definem e, ao fazer isto, criam condições pa
tológicas. O diagnóstico ou definição torna-se parte da doença, e cria
uma série de profecias que se auto-realizam. Uma vez feito um diagnósti
co institucionalizado, inventa-se uma realidade na qual até o comporta
mento normal parece desequilibrado. Depois do diagnóstico, percep
ções que o tornam válido são fabricadas. O processo rapidamente ultra
passa o controle dos pacientes, atingindo os médicos, a família, a admi
nistração e a equipe dos hospitais. Todos participam da construção de
uma realidade que sustenta o diagnóstico. Um repórter foi internado
num hospital para doentes mentais para colher material para um artigo.
Os funcionários que o viram escrevendo num bloco, observaram auspi
ciosamente em sua ficha: “Comprometido por um comportamento de fa
zer anotações”.
266 -A ERA DA MANIPULAÇAO
Esta experiência, onde pessoas sãs foram designadas como insanas, po
de ser revertida, especialmente quando as percepções de prestígio, inte
gridade profissional e a habilidade de diagnosticar correm risco. Em ou
tro hospital, cuja equipe estava ciente das embaraçantes revelações de
Rosenhan, os profissionais foram unânimes em duvidar que tais erros
pudessem ocorrer em seu hospital, demonstrando claramente a cega
confiança que depositam na ciência, nas autoridades e na integridade
institucional.
O hospital foi informado de que nos três meses seguintes um ou
mais pseudopacientes tentariam ser admitidos. Cada membro da equipe,
incluindo atendentes, enfermeiras, psiquiatras, médicos e psicólogos,
avaliou 193 pacientes. Quarenta e um foram considerados como clara
mente pseudopacientes por pelo menos um membro da equipe. Vinte e
três foram considerados suspeitos por pelo menos um psiquiatra. Deze
nove foram considerados suspeitos por um psiquiatra e um outro mem
bro da equipe.
O grupo de pesquisa não mandou nenhum pseudopaciente para es
te hospital durante os três meses.
No estudo de Rosenhan, comportamentos normais foram interpre
tados erroneamente e desse modo conformaram-se ao rótulo de anor
mais. Tais rótulos produzem suas próprias realidades, causas, efeitos e
profecias que se auto-realizam. E raro que os diagnósticos psiquiátricos
sejam, mais tarde, dados como errados, em contraste com outros diag
nósticos médicos, onde os erros são lugar-comum e são constantemente
PROFECIAS QUE SE A U T O - RE A LI Z A M » 269
A CERTEZA INCERTA
mo podemos fazer um acordo com homens que dizem que não temos al
ma, que não há vida depois da morte e que Deus não existe?”
Numa demonstração do poder dos estereótipos na vida política dos
EUA, o ex-presidente Richard Nixon freqüentemente exortava, “Os co
munistas são ratos! Quando você tenta matar um rato, deve saber atirar
bem! ” Tais declarações de Nixon e Reagan não têm nada a ver com o co
munismo, mas têm muito aver com a credulidade do público americano,
para o qual eles falam.
Este tipo de retórica tem servido a muitos interesses políticos inter
nos, entre eles o aumento dos impostos, as apropriações militares e des
viar a opinião pública dos assuntos reais e significativos. Não estão entre
os de menos importância. Quando os 280 milhões de soviéticos ficaram
sabendo do discurso de Reagan — e a liderança soviética não é nada bur
ra — eles se uniram a seu governo. A decisão de opor-se aos EUA foi for
talecida. Tal retórica, que tem continuado por mais de meio século, na
verdade fortalece o comunismo e o poder da liderança soviética, e susten
ta o perigoso status quo entre as duas nações.
Esta e outras fantasias de “quando-então-porque” similares pode
riam ser exemplos bastante engraçados de auto-ilusão, não fosse o fato de
que pessoas morrem inutilmente a cada ano em razão disso. Durante
uma conversa sobre as SFPs com um diplomata de carreira, eu perguntei:
“Se temos conhecimento das SFPs, como nos deixamos ser manipulados
em tais situações?” Ele respondeu: “Simplesmente porque nós geralmen
te ganhamos. Nós inventamos e controlamos as SFPs, e somos suficiente
mente poderosos para colocá-las em movimento. Mesmo quando parece
mos estar perdendo, estamos ganhando. Quando por exemplo pareceu
que Castro ganhava, ele estava realmente perdendo. Sua presença a qua
renta milhas da costa da Flórida justificou a contínua escalada de apro
priações econômicas e militares realizadas pelos EUA. Tais recursos nun
ca seriam liberados pelo Congresso se Fidel Castro não existisse”. Sempre
aparece mais uma camada na “cebola” perceptiva.
Não é muito consolador saber que qualquer estudante de política
soviética pode descobrir uma grande safra de SFPs nas políticas interna e
externa da URSS da última metade do século. O que é assustador de fato
é perceber que os líderes mundiais não são mais sofisticados ou mesmo
esclarecidos sobre as SFPs do que qualquer homem ou mulher comuns.
SFPS DA MÍDIA DE PUBLICIDADE
O SÍSIFO DO SÉCULO XX
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA
OBJETIVIDADE
Um mundo verdadeiramente objetivo, totalrnente destituído de toda
subjetividade, não poderia ser—por esta mesma razão — observável.
Werner Heizsenberg, prêmio Nobel de Física
Armadilhas ideológicas
O CAÇA-NÍQUEIS AMISTOSO
Seja grato
lar ou incomum sobre ele. Ele parecia ser um pai devotado a sua família,
um bom marido em todos os aspectos — sóbrio, trabalhador, modesta
mente ambicioso, uma pessoa aparentemente amável e respeitável, cuja
moralidade, sanidade e lealdade ao seu país nunca seriam contestadas —
nem pelo próprio major, nem por seus empregadores e nem pelo mundo
no qual vive.
A violenta contradição entre o que sociedade foi doutrinada para
perceber como um cidadão notável e o horror que este homem foi trei
nado para iniciar sob a ordem de alguma autoridade superior anônima,
comunicada através de um computador que não vê e não sente, ilustra a
questão central da sobrevivência humana nos dias de hoje. Os indivíduos
nos EUA, na URSS e em várias outras nações têm sido exaustivamente
submetidos a lavagens cerebrais para que escondam de si mesmos a reali
dade de suas vocações. Esta realidade está escondida por detrás de asso
ciações da realidade cuidadosamente reprimidas, rótulos tecnológicos,
eufemismos cuidadosamente selecionados e slogans patrióticos: “dissua
são nuclear”, “mantendo a paz”, “guardiões da liberdade” etc.
Não é fácil comparar os comandantes de mísseis dos EUA e da URSS
com os burocratas insensíveis que dirigiam os campos de concentração
nazistas. Os julgamentos de Nuremberg, e mais recentemente o julga
mento de Adolf Eichmann em Tel Aviv, deram um importante esclareci
mento que poucos observadores reconheceram na época. Os oficiais da
SS e da Gestapo, pelos mais altos padrões de lealdade, honra e patriotis
mo de sua época, eram super-patriotas. Sua dedicação e sacrifício eram
qualidades legitimadas pela sociedade alemã, por uma população não-
çrítica e preocupada consigo mesma que se favorecia, pelo menos nos
primeiros anos, de percepções da realidade reprimidas. Os membros da
SS eram considerados corajosos, nobres e até mesmo patriotas profunda
mente religiosos que serviam a sua nação, a seus líderes, a sua ideologia e
a sua missão que percebiam como sagrada, até o fim. Patriotas como estes
existem em todas as nações, certamente nos EUA e na URSS. Isto deveria
apavorar as pessoas, mas não é o que acontece enquanto o mundo insiste
em perceber os criminosos de guerra não como tolos simplórios e obe
dientes, mas como um tipo especial de vilão ou psicopata.
O paradoxo é invariavelmente a mentalidade da plebe treinada pa
ra avaliar apenas superficialmente o óbvio. Quando forem apertados os
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE « 309
A MENTE
PERMANENTEMENTE FECHADA
A realidade não é nada além da livre escolha de uma das muitas portas que
estão o tempo todo abertas.
Hermann Hesse, O Lobo da Estepe
Devemos nos lembrar de que nós não observamos a natureza como ela existe de
fato, mas a natureza exposta a nossos métodos de percepção (modos de ver).
As teorias determinam o que podemos e o que não podemos observar.
Albert Einstein, The Meaning ofRelativity
Em 1989, uma pessoa nos EUA enfrentava uma saturação cultural de qua
se 150 bilhões de dólares em propaganda. Este investimento na mídia ge
ralmente cresce entre 10% e 15% anualmente. O investimento na propa
ganda cultural não inclui as enormes quantias gastas nas promoções, re
lações públicas e outras tecnologias manipuladoras da mídia.
Nenhuma nação na história do mundo foi tão exaustivamente sub
metida à propaganda em qualidade, quantidade, intensidade e inovações
tecnológicas. O indivíduo que procura sobreviver a esta super fraude con
fronta um adversário formidável. Depois de conseguir mudar os produtos
e as marcas que são comprados, este investimento anual maciço sustenta
um sistema de valores culturais integrado e fechado em si mesmo.
Para alguns poucos, pode existir a possibilidade de um paraíso tro
pical isolado e desprovido de meios de comunicação de massa. Mas a
3 1 8 «A ERA DA MANIPULAÇAO
maioria das pessoas simplesmente não tem dinheiro para cair fora. Elas
precisam achar um meio de manter a sanidade no hospício da mídia. As
estratégias de defesa contra a lavagem cerebral são relativamente sim
ples. No entanto, elas provavelmente funcionarão melhor se forem ini
ciadas na primeira infância.
A maioria dos indivíduos foi educada desde a infância para diminuir o nú
mero de opções, para tentar obter a verdade. Qualquer compromisso com
uma visão específica tem significado ideológico, serve de aditivo para ven
der-se uma pasta de dentes, uma religião ou um candidato político. Exis
tem múltiplas respostas para cada questão, problema ou objetivo. Procu
re-as. Encontre pelo menos três, preferivelmente cinco e até mesmo dez
ou mais. Escolha hipoteticamente a opção que parece mais provável de al
cançar o objetivo que você deseja. Esteja preparado para descartá-la a
qualquer momento em favor de outra, se houver ameaça de desastre.
Lembre-se que o conteúdo de toda ideologia verbal, nos comporta
mentos religiosos, políticos ou de consumo não está relacionado com a
realidade. As premissas ideológicas geralmente são autolacradas. Elas es
tão em conflito com outras ideologias. Isto pode não ser uma questão de
vida ou morte quando alguém compromete-se com uma marca de sabo
nete, mas o comprometimento cego com as ideologias políticas, milita
res, econômicas e religiosas tem infligido ao mundo uma devastação se
cular. As ideologias baseiam-se em visões estereotipadas tanto do mundo
como de si mesmo. Os estereótipos podem negar ou confirmar quais
quer perspectivas ideológicas e justificar atitudes injustas, cruéis e desu-
manizadoras que prometam sustentar a ideologia.
Curiosamente, as ações que sustentam uma convicção ideológica
geralmente contradizem a ética desta ideologia. A determinação em sal
var o mundo do comunismo ou do capitalismo, mesmo que todas as pes
soas devam ser destruídas neste processo, é um dos muitos paradoxos
deste tipo. As ideologias oferecem fantasias de solucionarem os proble
mas das existência humana: injustiça, ambição, desigualdade, riqueza,
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *319
verdades eternas por qualquer coisa que servisse aos seus objetivos ime
diatos, não muito diferentes do que fazem os demagogos políticos, reli
giosos e econômicos atuais. Figura bastante popular na literatura homé-
rica — assim como a geração de artistas canastrões populares que se se
guiram — foi finalmente punido pelos deuses pela eternidade no Hades.
Sísifo foi condenado a empurrar uma grande pedra até o topo de uma
montanha, dolorosa e trabalhosamente, só para vê-la rolar para baixo as
sim que atingia o cume. E mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez, por
toda a eternidade. Não tivessem as verdades objetivas eternas da Grécia
antiga perecido com sua civilização, tal punição seria bastante útil hoje
em dia. Imagine os mascates da propaganda e da mídia, os políticos inte-
resseiros, os pregadores manipuladores e os vendedores mentirosos fi
nalmente tendo um dia de trabalho honesto.
As questões sobre a verdade objetiva, no entanto, não são simples.
Tampouco o são as respostas individuais a estas questões. Os homens de
alguma forma sobreviveram vários milhões de anos de evolução com os
sistemas de crenças baseados nos conceitos da verdade objetiva. Estas ver
dades, no entanto, mudaram dramaticamente no decorrer dos séculos,
adaptando-se às novas tecnologias, linguagens, economias e elites no po
der. Os processos perceptivos humanos criaram engenhosamente verda
des objetivas que servem tanto ao momento quanto podem ser manipu
ladas verbalmente para se aplicar às percepções do passado e do futuro.
O filósofo da linguagem Ludwing Wittgenstein explorou os modos
pelos quais os homens criam perceptivamente mundos em suas imagens
fantasiosas pessoais, e então criam perceptivamente a si próprios como
parte de suas fantasias subjetivas. No fim das contas, eles permitem que os
meios sociais, econômicos, políticos, religiosos e culturais dirijam suas
percepções da realidade. Em seu Philosophicals Investigations I, Wittgen
stein escreveu: “Alguém pensa que está rastreando os contornos da natu
reza mais uma vez. Mas este alguém está meramente rastreando a moldu
ra através da qual a vê. Um quadro nos torna prisioneiros. E não podemos
escapar dele, pois ele baseia-se em nossa linguagem, e a linguagem pare
ce nos repetir inexoravelmente”.
As premissas e as mentes permanentemente fechadas, trancadas
contra a intrusão da realidade ou a verificação dos pressupostos, são o
formidável resultado final de uma cultura dominada pela mídia. Os indi
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 329
víduos que sabem, absolutartiente por todo o tempo, quem são, aonde
vão e por que, são perigosos tanto para si mesmos como para o mundo
em que vivem. As mentalidades fechadas em si mesmas também não po
dem tirar muito prazer da vida, porque têm poucas oportunidades para
criar ou inovar. Valeria a pena criar um exército da sobrevivência, organi
zado para refrear as personalidades dominadas pelas premissas autola-
cradas. Os candidatos seriam selecionados nos altos escalões do governo,
das empresas, e das escolas. Os militares provavelmente seriam dispensa
dos como uma causa perdida.
Epílogo
No momento em que uma pessoa aceita uma realidade objetiva, uma verda
de eterna, ela torna-se vulnerável, manipulável e eminentemente explorá-
vel. Ela deixou de agir como um indivíduo autônomo, criativo e pensan
te vivendo num mundo integrado e interdependente.
Apêndice
Subliminares
co porque elas têm a clara intenção de ser enganosas. Além disso a FCC
não viu necessidade em diferenciar entre a propaganda subliminar e os
conteúdos subliminares dos programas.
As técnicas subliminares ou similares podem tomar várias formas na
propaganda. Estas formas incluem colocar um fotograma num filme nu
ma velocidade que o observador não possa perceber conscientemente,
mas onde, subconscientemente, possa registrar palavra, frase ou cena.
Uma outra forma, ainda mais usada, é a inserção de palavras ou formas
corporais (enxertos), através do uso de sombras ou sombreamentos, ou a
substituição de formas geralmente associadas ao corpo humano.
Embora as técnicas subliminares ou similares sejam proibidas pela
FTC e pelos códigos voluntários da propaganda e dos meios de comuni
cação, a ATF tem jurisdição sobre as propagandas de bebidas alcoólicas.
As propagandas subliminares são inerentemente enganosas, porque o
consumidor não as percebe no nível normal de consciência, não lhe sen
do portanto dada a escolha de aceitar ou rejeitar a mensagem, como é o
caso com a propaganda normal. A ATF sustenta que este tipo de propa
ganda é falso e enganador, e é proibido por lei. Assim sendo, a ATF está
publicando as regulamentações proibindo o uso de técnicas sublimina
res ou similares.
A ERA DA MANIPULAÇÃO DETONA OS MITOS DA
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