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A ERA DA MAMPÜLAÇÃO

I!l!
WILSON BRYAN KEY
i------------------------------------------- 1
A Era da Manipulação

Tradução de
Iara Biderman
Título original em inglês:
The Age of Manipulation
1990 © Wilson Bryan Key

Ia edição: junho de 1993


© Editora Página Aberta Ltda.
Publicado mediante contrato
firmado com Henry Holt and Company Inc.

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Indice

Prefácio..............................................................................................................................13

Advertência do autor.........................................................................21

Capítulo um
Para aqueles que acreditam pensar por si mesmos............................. 25

Capítulo dois
Como entrar na mente (desapercebidamente)..................................... 61

Capítulo três
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA.................................................................. 95

Capítulo quatro
Mídia: a máquina de lavagem cerebral..................................................... 127

Capítulo cinco
Como sabemos que sabemos que sabemos............................................... 153

Capítulo seis
A COISA VERDADEIRA — REALIDADES SIMBÓLICAS....................................... 191

Capítulo sete
Causa e efeito: a maior de todas as ilusões..........................................211

Capítulo oito
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS............................................................... 229
Capítulo nove
Profecias que se auto-realizam.................................................................. 259

Capítulo dez
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE................................................ 285

Capítulo onze
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA.......................................................... 311

Epílogo........................................................................................................................... 331

Apêndice......................................................................................................................... 333
Para minha querida esposa, Jan, e nossa ga­
tinha, Cristina — duas damas adoráveis que
enriquecem e dividem a vida comigo. Elas
nunca duvidaram que coisas impossíveis
sempre são possíveis quando fazem parte de
uma causa justa.
“Não faz sentido continuar tentando”, disse Alice.
“Não se pode acreditar em coisas impossíveis.”
“Eu ousaria dizer que você não tem muita prática”,
disse a Rainha. “Quando eu tinha sua idade, treinava
meia hora por dia. As vezes eu conseguia acreditar em
até seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã”.

Lewis Carroll,
Alice no País das Maravilhas
Prefácio

1984 de George Orwell ocorreu realmente por volta de 1934. Só que estáva­
mos muito ocupados para perceber.
Marshall McLuhan

Gênio é a pessoa capaz de ver dez coisas onde a pessoa comum vê apenas uma
e a pessoa talentosa vê duas ou três.
Ezra Pound

Mais de quinze anos se passaram desde que Wilson Key nos avisou pela
primeira vez: “Cuidado!”, de forma bastante parecida com a que Zeus, o
deus grego, chamou a atenção de Narciso. Narciso entorpeceu-se por fi­
car olhando, indefinidamente, sua imagem espelhada num lago. Ele não
percebeu a identidade da imagem idealizada e apaixonou-se perdida-
mente por ela. Como no espelho dos anúncios publicitários norte-ameri­
canos, a imagem refletida era sempre amável, nobre, corajosa, sábia, jus­
ta, boa, generosa, bela e confiável. Narciso acabou padecendo por não
poder distinguir a realidade da fantasia.
Desde a primeira edição de Subliminal Seduction em 1973, e dos dois
livros seguintes de Key sobre a persuasão subliminar, poucos outros te­
mas tiveram impacto tão grande sobre o público leitor. E difícil encontrar
um estudante universitário que, depois de 1973, não tenha lido ou ao me­
nos ouvido falar destes livros. Eles ainda são leitura obrigatória em mui­
tas faculdades e universidades. Sua mensagem estendeu-se para muito
além das salas de aula, chegando ao comitê de audiência do Senado, às
entidades reguladoras da publicidade, repercutindo até na discussão in­
ternacional sobre a ética dos meios de comunicação.
Como o Ouroborus (a cobra que morde o próprio rabo) da mitologia
grega, o livro tornou-se um paradoxo. Key chamou a atenção do mundo
para a violentação das mentes causada pelos anúncios publicitários. Mas
seus avisos também tornaram-se cartilhas de técnicas para controlar o
1 4 • A ERA DA MANIPULAÇAO

comportamento humano. Apesar da indústria de publicidade ter denun­


ciado o livro e tentado desacreditar o autor, seus livros foram largamente
utilizados pelas agências publicitárias, pelos psicólogos que estudam os
meios de comunicação e por outros que trabalham no maquiavélico cam­
po da fraude e da exploração humana.
A maioria de nós é constantemente pressionada a mudanças de
comportamento. Como consumidores, somos incessantemente tenta­
dos pelos anunciantes a comprar produtos, marcas e serviços, na sua im­
placável perseguição aos nossos salários. Como eleitores, somos persua­
didos e açulados em direção a determinado ponto de vista por políticos
que lutam para obter poder sobre nossas vidas e lucros para os seus pa­
trocinadores. Como seres sociais e éticos, somos bombardeados por in­
contáveis formas de persuasão pelos fanáticos religiosos e ideológicos,
para que nos tornemos seus verdadeiros fiéis e seus generosos e obe­
dientes escravos. Algumas destas tentativas são abertas, perceptíveis,
postas na mesa, por assim dizer. Outras são bem mais sutis, e mesmo in­
visíveis para a mente consciente. Virtualmente, todas estas tentativas de
conseguir o nosso apoio e a mudança de nosso comportamento são efi­
cazes em alguma medida. Mesmo aqueles que resistem são modificados
pela própria resistência. Coletivamente, estas tentativas tornaram os Es­
tados Unidos uma terra de ninguém ideológica, com um número cres­
cente de pessoas desesperadas para encontrar algo — freqüentemente
qualquer coisa em que possam acreditar. Este desespero as torna incom­
paravelmente vulneráveis às indústrias que manufaturam e administram
seus sistemas de crenças.
A maioria das pessoas — especialmente em nossa cultura contro­
lada pela mídia — está inconsciente das hábeis estratégias utilizadas
para dirigir nossos destinos. A maioria é educada para ignorar sua par­
ticipação na consciência cultural coletiva, o que a torna suscetível a
doutrinações. A vulnerabilidade à manipulação foi cedo imposta às
culturas ocidentais por séculos de condicionamento à lógica e à lin­
guagem descritas pelos filósofos da Grécia antiga. Popularmente, ain­
da é nutrida a ilusão de que individualmente os seres humanos — cada
um por si próprio — têm total controle de seus pensamentos, valores e
comportamentos. Acreditamos pensar inteiramente por e para nós
mesmos. Esta fantasia alimenta uma autopercepção que é geralmente
PREFÁCIO • 1 5

perigosa para a sobrevivência e o ajustamento do ser humano — é um


calcanhar de Aquiles intelectual.
E fácil distrair-se com as devassas ilustrações que aparecem no livros
de Key. Elas são simultaneamente hilariantes e estranhamente dolorosas.
Os leitores freqüentemente ficam em dúvida entre rir ou chorar. As foto­
grafias desmascaram a incrível vulnerabilidade das pessoas às tecnologias
de persuasão, as pomposas pretensões de moralidade, piedade, convic­
ções e ideologias que permitem que sejamos manipulados para qualquer
direção que valha um investimento de tempo, dinheiro e poder. Elas re­
velam que o slogan “a verdade na propaganda” foi apenas mais uma mal­
dita mentira imaginada por um diligente publicitário. Elas também reve­
lam a camuflagem que a liderança da sociedade desenvolveu para velar
sua incalculável mesquinharia, seu cruel abuso dos desejos humanos de
decência, honestidade e probidade. As indústrias de mídia publicitária
proclamam continuamente, em alto e bom tom, o que elas altruistica-
mente têm feito por nós. Nós deveríamos já há muito tempo ter pergun­
tado o que elas fazem em nós. As ilustrações provavelmente mascaram a
natureza subjacente mais significativa do sistema linguístico cultural que
permite e torna aceitável a violentação causada pelos meios de comuni­
cação. Os críticos da mídia freqüentemente concentram-se nas árvores e
esquecem-se da floresta.
Além do espetáculo proporcionado por esta exposição de obsceni­
dade mascarada de respeitabilidade, de credulidade ingênua mascarada
de sofisticação, de fraudes e mentiras mascaradas de verdade, talvez as
partes mais significativas do texto sejam as de aprofundamento nas es­
truturas arquetípicas tanto da linguagem quanto da cultura. O uso e
abuso das leis da lógica de Aristóteles (que não são leis propriamente di­
tas) é algo raramente criticado pela sociedade atual, uma sociedade per­
suadida de ter chegado às verdades últimas. Só estas partes já valem o
preço do livro.
Um dos maiores enigmas que atravessa a história é, ainda, a nature­
za da mente humana. As provas de como o cérebro recebe, processa, ar­
mazena, recupera e comunica-se com outros cérebros são incompletas,
hipotéticas e inconclusivas. Um calhamaço de pesquisas realizadas por
inúmeros cientistas e filósofos tenta construir ordem a partir da comple­
xidade e caos aparente dos processos de intelecção e linguagem. A des­
1 6 «A ERA DA MANIPULAÇAO

peito de tudo, o caos, a dúvida e a incerteza ainda prevalecem. As opera­


ções da mente humana não têm, nem remotamente, algo aver com as de
um computador, embora isto tenha sido, por muito tempo, um blefe lu­
crativo utilizado pela indústria de computadores. Existem infmitamente
mais questões do que respostas sobre o cérebro e como ele funciona. Pa­
rece que este desequilíbrio vai persistir indefinidamente.
Na maior parte das áreas de pesquisa metódica, os pesquisadores não
trabalham nem teorizam no vazio. O assim chamado método científico es­
tá totalrnente envolvido com a linguagem, a cultura e com as motivações
humanas, conscientes e inconscientes. Os modos pelos quais um proble­
ma é percebido; como as hipóteses, sínteses e métodos são estabelecidos;
quais procedimentos de avaliação são aplicados; e os princípios e concei­
tos utilizados para a teorização, tudo isto leva a avaliações e conclusões to­
madas tanto consciente quanto inconscientemente. A noção de objetivi­
dade é tão mitológica quanto o eram os deuses no topo do Monte Olimpo.
As conclusões, sejam elas científicas ou não, têm de ser expressas em frag­
mentadas abstrações matemáticas ou verbais, simplistas e lineares.
A realidade é infinitamente complexa, múltipla, integrada, em
constante mudança e sujeita aos caprichos da percepção humana. A lin­
guagem verbal, e mesmo a matemática, é simplista, limitada em suas de­
finições, regrada, seqüencial, rígida e imutável. As linguagens em si não
têm nada a ver diretamente com as realidades que tentam descrever, ex­
ceto, talvez, nas remotas fantasias da abstração perceptiva do homem. Pa­
lavras, objetos, e as incertezas da percepção humana envolvidas em cada
abstração garantem que a verdade, se tal abstração pudesse ter sentido,
continuará sempre acima da compreensão do intelecto humano. Uma
generalização funcional, pragmática, experimental, verbal ou matemáti­
ca parece ser o mais próximo que os homens podem chegar de uma ver­
dade última e definitiva — embora sempre experimental — sobre qual­
quer coisa.
Se o problema descrito acima fosse amplamente reconhecido, have­
ria uma probabilidade muito menor de os homens anularem-se a si mes­
mos em tentativas orgulhosas e patrióticas de salvar o mundo do que quer
que queira a neurose de massa em voga. Se Leakey está certo, a espécie
humana apareceu há cerca de quatro milhões e meio de anos. Portanto,
qualquer evento isolado percebido pelos homens é uma mera gota num
PREFÁCIO • 17

enorme oceano. A simples sobrevivência e ajustamento com seres dig­


nos, tolerantes, afetuosos e altruístas seria passível de desenvolver-se em
uma doutrina fundamental da existência humana. A doutrina deveria re­
cordar-nos, a cada manhã, quando nos olhamos no espelho, que apesar
dos milhares de deuses, filosofias, ciências e “verdades” inquestionáveis
que os homens criaram com sua linguagem através da história, ninguém
descobriu até agora como fazer um simples verme.
Marshall McLuhan chamou aqueles elementos com os quais o indi­
víduo interage, consciente ou inconscientemente, como o “meio am­
biente”. Existem sempre tantas partículas perceptivas dentro deste meio
que é inconcebível que algum indivíduo pudesse concentrar-se conscien­
temente sobre todas as coisas ao mesmo tempo. A percepção consciente
é, portanto, sempre fragmentária. Como as percepções visual, auditiva,
tátil, olfativa e gustativa são inumeráveis, contínuas, e sobrepostas, a men­
te humana não pode lidar simultaneamente com todas elas. A habilidade
de isolar, concentrar-se sobre ou abstrair de uma pequena parte das per­
cepções disponíveis em determinado momento, um processo linguístico
linear, lógico e voltado para definições, é considerada a base para avalia­
ções da inteligência — o que quer que isso signifique de pessoa para pes­
soa e de um dia para o outro.
O processo parece ser uma concentração sobre uma pequena por­
ção de percepções, pela exclusão das outras percepções que competem
com esta. A realidade percebida conscientemente é geralmente uma
enorme simplificação e abstração da realidade verdadeiramente per­
ceptível. A miríade de percepções que o conhecimento consciente não
enfatiza, põe de lado, torna desfocada, relega ao segundo plano e/ou re­
prime, permanece no arquivo inconsciente da mente por períodos va­
riados de tempo. Talvez algumas das percepções fiquem armazenadas
permanentemente.
Você pode experimentar este processo ao deixar de tomar consciên­
cia dos estímulos perceptivos que estão ocorrendo enquanto você lê estas
páginas. Se sua concentração no que está escrito é suficientemente inten­
sa, a maioria das percepções periféricas serão registradas apenas ao nível
inconsciente, até que sua atenção seja desviada da figura (as palavras) pa­
ra alguma parte do campo (as percepções periféricas). As percepções, é
claro, podem ser tanto geradas internamente quanto estimuladas exter­
1 8 »A ERA DA MANIPULAÇAO

namente, como, por exemplo, quando sua concentração vagueia destas


palavras para pensar momentaneamente no belo par de pernas que você
percebeu enquanto chegava na faculdade esta manhã. Ou então sua
atenção nas palavras pode diminuir na medida em que elas induzem a as­
sociação com outros assuntos, autores e argumentos.
Estas percepções periféricas inconscientes geralmente podem ser
trazidas para o nível consciente por meio de técnicas tais como a hipnose
e a narcosíntese. Sob hipnose, o sujeito freqüentemente recorda-se de
detalhes de chapas de carros e outras minúcias que seriam inalcançáveis
conscientemente. Em numerosos experimentos, puderam ser recupera­
das até mesmo as conversas ouvidas durante cirurgias sob anestesia. O
fornecimento da dados sensoriais parece ocorrer contínuamente, com
uma prodigiosa quantidade de informação sendo despejada na mente,
mas apenas pequenos pedaços emergindo para a mente consciente. A
percepção é total e instantânea no nível inconsciente, mas extremamen­
te limitada no nível consciente.
Durante dois mil anos, o meio circundante das culturas ocidentais
foi focalizado conscientemente naquilo que parecia lógico, linear, racio­
nal, conectado, verbal, aritmético e simétrico. O sistemalógico-linguístico
tradicional foi definido pela primeira vez por Aristóteles, embora estas
idéias remontem de três mil anos antes de Cristo, ao Código de Hammu­
rabi. A descrição verbal-aritmética do mundo físico feita por Newton, a vi­
são simétrica das relações espaciais na geometria de Euclides, as visões ní­
tidas, sistemáticas, razoáveis e lógicas da realidade começaram a explodir
no início do século XX. Estas certezas c rganizadas linguisticamente come­
çaram aos poucos a parecer meras fantasias. Muito pouco da percepção
humana continuou a parecer certo, permanente e incontestável. As visões
organizadas da linguagem e da cultura começaram a se transformar em fé
naquilo que as pessoas desejam que seja verdade, em projeção e constru­
ção. As contribuições poderosas de escritores como Marx, Darwin e Freud
tomaram de assalto a sabedoria convencional. A linguagem, a lógica e a or­
dem tradicionais foram transformadas em ruínas. Visões novas e muito su­
tis do animal humano foram corroendo aos poucos as certezas dos modos
de pensar mais antigos e simplistas.
A lógica não-aristotélica invadiu a ciência, a arte e a filosofia. A geo­
metria não-euclidiana devastou os meios tradicionais de observar as rela­
PREFÁCIO • 19

ções espaciais. A física não-newtoniana tornou-se a base da mecânica


quântica e da relatividade, a nova ciência das partículas nucleares e de
electrons. Considerações sobre o inconsciente humano tornaram obso­
letas as antigas platitudes sobre os motivos e percepções humanas. O
mundo reagiu aos novos modos de pensamento, e sua ameaça aos inte­
resses pessoais, à sabedoria convencional e ao status quo, colocando-se
em uma confusa defensiva.
As velhas formas nunca renunciam ao seu domínio de modo fácil e
indolor. Elas desenvolveram-se para representar os interesses adquiridos
da civilização ocidental. As novas formas de pensar e raciocinar surgiram
como ameaçadoras e até violentas. As instituições religiosas, sociais, polí­
ticas, econômicas, científicas e filosóficas lutaram tenazmente para supri­
mir as mudanças e inovações. Mesmo assim, o melhor e mais lógico dos
mundos começou lenta e inexoravelmente a ser percebido como o pior e
mais ilógico.
Hoje em dia, qualquer pessoa terá de passar sua experiência de vi­
da em meio a esta quase invisível revolução de idéias, conceitos, valo­
res, tradições, ideologias e relações humanas. As fantasias de certeza,
permanência e simplicidade tornaram-se, de forma quase sempre trá­
gica, obsoletas. A compreensão dos conceitos de processo e mudança
tornou-se um imperativo para a sobrevivência. Este imperativo tam­
bém é levado pelas contínuas crises atribuíveis ao crescimento expo-
nencial da população mundial, ao esgotamento dos recursos naturais,
à distribuição de poder e renda injusta e inaceitável, à devastação do
meio ambiente causada pela poluição e pela ambição, e pelo mais ater-
rorizante de todos os espectros, pairando como uma nuvem negra so­
bre as populações da terra que lutam entre si: a devastação pela guerra
ou acidente nuclear.
Desta forma, parece vital para a sobrevivência que os seres humanos
aprendam a superar — ao menos em certa medida — sua vulnerabilida­
de à manipulação. Para que a democracia e a liberdade possam desenvol­
ver-se em abstrações que tenham sentido além da retórica desonesta, in-
teresseira e vulgar dos discursos de campanhas políticas, os homens pre­
cisam romper com os tradicionais modos de pensamento. Isto será dolo­
roso, muito doloroso. O simplista senso comum deve constituir a mais pe­
rigosa ilusão perceptiva do mundo. O senso comum é freqüentemente
20 »A ERA DA MANIPULAÇAO

muito enganoso e deveria ser sempre considerado junto com uma severa
admoestação de cuidado!
Aqueles que ainda rejeitam inflexivelmente o predomínio da tecno­
logia de manipulação subliminar caem em duas categorias gerais: aque­
les cujos interesses velados são os de continuar a explorar e manipular os
seres humanos, incluindo muitos que exploram o fanatismo político, re­
ligioso e comercial; e aqueles que rejeitam a noção de persuasão sublimi­
nar porque odeiam, não confiam e não gostam de nada que seja novo. O
novo é usualmente percebido como ameaçador, subversivo e herético.
Key realizou uma obra de mestre ao explorar a contínua busca da
verdade através da qual os homens podem sobreviver às suas loucuras,
fraquezas e tecnologias. Sua compreensão da batalha de crenças da pro­
paganda mundial pode dar uma contribuição significativa à luta pelo en­
tendimento e pela paz mundial. A busca da verdade é, com certeza, algo
muito diferente do que a descoberta de uma verdade eterna. Uma vez
que uma verdade eterna é descoberta, o aprendizado, o progresso, o cres­
cimento e a liberdade tornam-se restritos, preconceituosos e desfocados.
As opções humanas diminuem inevitavelmente. Afinal, se uma verdade
fosse válida por todo o tempo, em todos os lugares e para todas as pessoas,
haveria muito pouca necessidade de acreditar-se nela, fazer propaganda
desta verdade, lutar por causa dela e matar em seu nome.
Cuidem-se!

Bruce R. Ledford
Professor de Mídia na Auburn University (Auburn, Alabama)
Advertência do autor

Os leitores podem fazer uso prático deste livro de duas maneiras. As


idéias e informações podem ser usadas por qualquer pessoa que viva num
meio dominado pela mídia para proteger-se contra a exploração causada
pelos símbolos em forma de palavras ou imagens. Os leitores devem tor-
nar-se capazes de adquirir uma maior autonomia — liberdade de crença
e ação. Com certeza os leitores poderão libertar-se em certa medida dos
efeitos desumanizadores do merchandising dos meios de comunicação,
que influenciam suas personalidades e relacionamentos.
A segunda maneira de usar este livro é para os leitores preocupa­
dos apenas com a auto-indulgência propagada pela mídia. O livro po­
derá prepará-los para lucrativas carreiras em publicidade e relações
públicas. De fato, desde que Subliminal Seduction foi lançado, em 1973,
as técnicas subliminares tornaram-se bem mais persuasivas, sofistica­
das, mais avançadas tecnologicamente e aplicadas mais eficazmente
para anestesiar a população norte-americana contra a intromissão da
realidade no seu dia-a-dia. Poucos profissionais de mídia e propagan­
da não estão familiarizados com meus três livros anteriores. Alguns es­
tão tão bem informados que poderiam passar por rigorosos exames so­
bre o assunto. Em público, no entanto, eles sustentaram uma imper­
turbável inocência, repetindo ad nauseam que a percepção subliminar
não existe. A defesa chavão da indústria de propaganda é que a minha
“mente suja” é responsável por toda a controvérsia. Executivos de pu­
blicidade, professores e apologistas da mídia em geral recusam-se a dis­
cutir as mais de quinhentos pesquisas publicadas que confirmam os
efeitos de estímulos subliminares em dez áreas mensuráveis do com­
portamento humano.
22*k ERA DA MANIPULAÇAO

A intenção dos livros foi expor, criticar e revelar a mais perigosa


afronta à sanidade, à liberdade e à sobrevivência que ameaça atualmente
a população da Terra. A doutrinação subliminar pode mostrar-se mais pe­
rigosa que as armas nucleares. A substituição de fantasias culturais no lu­
gar de realidades, numa escala massiva e mundial, ameaça a todos neste
precário estágio da evolução humana. As chances atuais parecem favore­
cer a devastação total.
O paradoxo de um livro que serve na verdade àquilo que ataca não
é incomum na história das idéias. Qualquer empreendedor capitalista es­
tudará com cuidado os novos desenvolvimentos intelectuais no mundo
socialista para descobrir as fraquezas tanto da economia socialista quan­
to da capitalista, assim como os executivos, dirigentes e líderes dos países
socialistas estudarão cuidadosamente o capitalismo ocidental.

O estudo das críticas e da concorrência é a primeira regra para a so­


brevivência. Ao mesmo tempo, é necessário atacar, ou fingir atacar, a con­
corrência a todo momento.
Na percepção humana — o que inclui tudo o que os seres humano
sabem ou pensam saber, consciente ou inconscientemente — nada é
que parece ser. A primeira parte deste livro trata de imagens, a maioria d*
anúncios, colocando em dia o que foi apresentado nos três primeiros li
vros. A segunda parte ocupa-se da linguagem e da cultura, e a eficaz lava­
gem cerebral que elas realizam para que as populações prefiram fantasias
ao invés de realidades.
Há muito proveito em molecularizar — separar em pequenos e reve­
ladores pedaços — a indústria da mídia. Sua anatomia dissecada embara­
ça os manipuladores e assusta suas vítimas. Há muito o que aprender com
ela sobre como os homens pensam ou deixam de pensar. A mídia de pu­
blicidade demonstra o pior da venalidade e credulidade humanas e reve­
la como as linguagens, imagens e culturas servem mais para escravizar do
que para esclarecer, a menos que o público seja educado para discernir
entre fantasia (como gostaríamos que o mundo fosse) e realidade (a limi­
tada fração de realidade acessível à percepção consciente).
A publicidade é movida por um motivo humano simplista e quase
universal: vender, vender, vender. Por comparação, tanto as belas-artes
quanto a literatura são criadas por uma complexidade de motivos — di­
ADVERTÊNCIA DO AUTOR • 23

fusos, contraditórios e paradoxais. As inspirações artísticas mais profun­


das envolvem as percepções singulares do mundo realizadas pelo artista.
Deve ser por isto que a produção artística criativa geralmente sobrevive
através dos séculos como uma significativa experiência humana.
As intenções manipuladoras da propaganda e das relações públicas
produzem imagens para uma percepção consciente momentânea, se­
guida de repressão e armazenamento na memória inconsciente. Elas
são criadas para não serem reconhecidas, para serem experiências insig­
nificantes a nível consciente. Esta, de fato, pode ser denominada a Era
da Manipulação.
Os homens parecem não ter aprendido muito da experiência mile­
nar desde que existimos na Terra. Nos Estados Unidos, enxerga-se a his­
tória como tendo começado com John Wayne no Alamo ou, para os mais
jovens, com os Beatles. Nossa cultura, organizada para otimizar o retor­
no dos investimentos em mídia, raramente permite que aprendamos
com a experiência. Isto pode constituir o calcanhar de Aquiles do ho­
mem moderno.
Este livro pretende mudar o modo pelo qual os indivíduos perce­
bem o mundo em que vivem. Se conseguir isto, nada será como antes.
Capítulo um

Para aqueles que acreditam


PENSAR POR SI MESMOS
Estamos à mercê de influências sobre as quais não temos conhecimento
consciente e, virtualmente, não temos nenhum controle consciente.
Robert Rosenthal, Pygmalion in the Classroom

As pessoas querem ser enganadas, deixe-as serem enganadas.


Populus vult decepi, dedpiatus
Cardeal Cario Caraffe ao Papa Paulo IV

De várias maneiras, a criatividade e a doença mental são os lados opostos da


mesma moeda.
Aston Ehrenzweig, The Hidden Order ofArt

Este livro é sobre o abuso do homem pelo próprio homem. A tecnologia


de ponta de persuasão de massas atingiu níveis de sofisticação muito
maiores do que a maioria dos indivíduos imagina. Muitos ainda agarram-
se desesperadamente à ilusão de que pensam por si mesmos, determi­
nam seus próprios destinos e exercem, tanto individual quanto coletiva­
mente, seu livre-arbítrio (o grande mito subjacente à ideologia democrá­
tica) ; agarram-se à ilusão de que a propaganda age em interesse do con­
sumidor; e, talvez a maior auto-ilusão de todas, de que podem facilmen­
te discernir entre fantasia e realidade. Este livro tenta romper com estes
antigos e insensatos lugares-comuns.
As considerações que se seguem podem ser utilizadas para repelir­
mos o ataque diário de falsas informações, tão devastador para a liberda­
de e a autonomia. Tomando consciência de como o vilão entra em sua
mente, você ao menos tem a opção de rechaçá-lo. As tecnologias de explo­
ração parecem estar bem mais desenvolvidas nos países capitalistas do
que nos socialistas, mas esta é uma questão acadêmica. A tecnologia nun­
ca é um segredo que pode ser mantido. Ela é sempre acessível a todo
aquele que dispõe de tempo, dinheiro e motivações. A engenharia do
consentimento invade a percepção humana tanto no nível consciente
quanto no inconsciente, especialmente no último. Uma vez que o incons­
ciente grupai ou coletivo foi programado com o que é chamado de cultu­
ra, qualquer mercadoria pode ser vendida para os níveis conscientes.
2 8 • A ERA DA MANIPULAÇAO

A doutrinação psicológica também ocorre através das estruturas lin-


güísticas, pressupostos culturais e das perspectivas, bastante maleáveis,
que o homem tem em relação a si mesmo, ao mundo e às relações percep-
tivas com o que displicentemente é aceito como realidade. Em termos de
sobrevivência e ajustamento, isto deve ser bem mais significativo do que
as imagens obscenas embutidas nas propagandas.
Este livro examina os esforços para fazer os finsjustificarem os meios
— uma perversão que não desapareceu durante a evolução humana. Não
faz muito tempo, os Estados Unidos pareciam querer exterminar as po­
pulações do Vietnã, Camboja e Laos, para salvá-las do comunismo. O co­
munismo, é óbvio, é uma idéia, e como a maioria das idéias é interpreta­
do de forma diferente ao redor do mundo. A loucura de sacrificar mi­
lhões de vidas por causa da percepção de uma idéia devia ser algo aparen­
te, mas não é. Os homens são singularmente perigosos porque sua ce­
gueira perceptiva não lhes permite ver que são perigosos. Há fanáticos
nos governos de todo o mundo que querem justificar assassinatos em
massa em nome de suas fantasias ideológicas. Este desejo de trair o espí­
rito humano pela arrogância, ignorância, pelo conhecimento “absolu­
to”, pela desumanização e pela irresponsável busca de lucro e poder de­
veria assustar-nos — mas raramente o faz.
Os homens dificilmente assustam-se; eles esquecem-se muito facil­
mente. A busca mais enobrecedora do gênero humano através da histó­
ria é a busca da verdade. No entanto, cada vez que acredita-se ter desco­
berto a verdade, tudo resulta em trágicos danos. Os convertidos à última
versão da verdade geralmente terminam como vítimas, junto com os des­
crentes que haviam vitimizado. A verdade é um produto da percepção
humana.
A herança dos meios comerciais de comunicação de massa dos EUA
remonta no mínimo ao filósofo grego Protágoras (485-410 a.C.) Protágo-
ras foi o mais famoso dos sofistas, conhecido pela máxima: “o homem é a
medida de todas as coisas”. Tendo deliberado sobre a relatividade das
percepções e dosjulgamentos humanos, Protágoras acabou sendo acusa­
do de heresia, seus livros foram queimados e ele morreu no exílio.
Os primeiros sofistas gregos eram professores de retórica, então
considerada, nas palavras de Aristóteles, como “todos os meios de persua­
são disponíveis”. Sofista significava originalmente uma pessoa “esperta” e
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 29

“hábil”. Os sofistas foram acusados por Platão e Aristóteles de não procu­


rar verdades objetivas. A única preocupação dos sofistas, segundo os seus
críticos, era vencer um debate — e alegava-se que para obter esta vitória
eles estavam preparados para usar meios desonestos. Pelo interesse de
seus clientes, que pagavam altas taxas, os sofistas supostamente atacavam
valores tradicionais da sociedade grega. Este foi o seu erro fatal. Eles são
lembrados hoje quase que somente através de seus críticos, que nos con­
tam que os sofistas preocupavam-se apenas com o poder e o sucesso, e
não com a verdade. Os sofistas buscavam entender a estrutura das socie­
dades humanas, as relações entre palavras e coisas, entre observadores e
suas observações e entre a realidade e as percepções da realidade. Protá-
goras era bastante conhecido por suas preocupações morais e éticas. Os
críticos, no entanto, afirmam que as doutrinas dos sofistas eram desones­
tas e os acusam de enfraquecer a fibra moral dos gregos. Os sofistas não
concebiam nenhuma verdade permanente e duradoura, nenhuma lei di­
vinamente sancionada e nenhum código de valores eterno e transcen­
dente. O movimento sofista desapareceu da filosofia grega por volta do
século III a.C., mas teve um poderoso efeito na filosofia, ciência e no co­
nhecimento dos séculos seguintes como uma antítese (algo para opor-
se) . Sofisma é, hoje em dia, um termo usado para designar argumentos
ou raciocínios falaciosos.
Platão, embora antagonista dos sofistas, aceitava sua visão de que
todas as percepções são relativas ao tempo, espaço e à situação do sujei­
to que percebe. Aristóteles, ao contrário, buscava comprovar verdades
objetivas. A lógica aristotélica serviu às elites dominantes da sociedade
ocidental por mais de dois mil anos. Aristóteles demonstrou, através da
lógica verbal e silogística, a existência da verdade. Durante a Idade Mé­
dia, os filósofos escolásticos católicos adaptaram a lógica aristotélica pa­
ra justificar e ratificar a autoridade papal, a hierarquia social, a escravi­
dão, a lei canônica, a doutrina teológica e, o mais importante, para pro­
var a existência de Deus. A lógica aristotélica tornou-se a base do raciocí­
nio filosófico, religioso, social, econômico e legal do Ocidente. Protágo-
ras foi esquecido e suas perspectivas sofistas foram ignoradas ou conside­
radas falsas e prejudiciais. Se as visões de Protágoras tivessem sido tão
úteis às elites que estiveram no poder nestes dois milênios como foram
as idéias de Aristóteles, a civilização teria tomado um caminho bem dife-
30 «A ERA DA MANIPULAÇAO

rente — talvez um caminho onde houvesse bem menos derramamento


de sangue.
Os sofistas foram os primeiros expositores que se tem conheci­
mento do relativismo perceptive, cultural e epistemológico. A medida
das coisas, em sua visão, não era Deus ou uma verdade filosófica, cientí­
fica, abstrata, mas sim os seres humanos com suas necessidades e sua
busca pela felicidade. O relativismo dos sofistas melindrou muitas pes­
soas por apresentar-se como uma receita para a anarquia moral, uma
negação das verdades duradouras e uma ameaça perceptível às elites
então no poder.
A sofistica floresceu no século XX sob outros rótulos, definições e
racionalizações sócio-econômicas. Ela tornou-se bem mais sofisticada e
os sofistas aprenderam a não declarar o fato de serem sofistas. Eles apren­
deram fingir aceitar, em público, a “realidade objetiva”. Para que a sofis­
tica fosse aceita num mundo aristotélico, era preciso que ela não fosse
percebida como sofistica. Assim, os modernos técnicos de mídia devem
disfarçar sua tecnologia sob um manto de verdades dignas de crédito. A
mídia deve atingir as características demográficas e psicográficas mais de­
sejáveis do público no interesse de seus clientes. O que parece crível para
um extrato do público pode parecer ilusório para outro. Os apelos de­
vem vender produtos, idéias e indivíduos independentemente do real
mérito ou natureza do produto.
A indústria de comunicação opera sobre a base sofista de que todas
as coisas são relativas, de que as vendas e a credibilidade são os critérios
de eficiência, que a verdade é uma mercadoria adaptável, maleável e, até
mesmo, passível de ser sacrificada. A verdade, como qualquer profissio­
nal de mídia sabe, pode ser criada, ignorada, adaptada a qualquer propó­
sito, modificada ou virada pelo avesso. A verdade ganha credibilidade e
torna-se válida aos olhos do espectador e não mediante uma rigorosa es­
trutura de fatos confirmáveis. Esta perspectiva relativista não pode, no
entanto, ser percebida conscientemente pelo público.
No treinamento dos profissionais de comunicação, tenta-se fazer
com que os técnicos coloquem de lado suas convicções pessoais, seu com­
promisso com uma causa, perspectiva ou ideal e mesmo que abandonem
suas preferências individuais. A “objetividade profissional” é apresentada
como um ideal que elimina, ao menos na imaginação, os preconceitos
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... <31

humanos. Os técnicos de mídia trabalham para qualquer produto, mar­


ca, político ou indivíduo que possam contratá-los.
Os executivos de mídia norte-americanos trabalham num meio de
relativismo sofista, medindo constantemente a relação custo/benefício
com as vendas, votos ou mudanças de atitude e opinião. As verdades são
manufaturadas para pôr as coisas em ordem; as realidades percebidas pe­
lo público são manipuladas para parecerem realidades objetivas. No en­
tanto, os profissionais de mídia não podem criar ilusões e fantasias críveis
por acidente. Eles precisam saber o que estão fazendo. E devem também
ocultar do público o que estão fazendo ou o fato de estarem fazendo algo
além do que é superficialmente óbvio. O público nunca pode ter acesso
aos bastidores. As ilusões são destruídas facilmente, e as ilusões da mídia
valem um bom dinheiro.
Este livro usa uma perspectiva sofista quase clássica para desmasca­
rar a cínica sofistica dos meios de comunicação de massa. Ele não ocupa-
se do óbvio, do mundo percebido conscientemente, em que os homens
imaginam viver. O que aparece à consciência como lógico e razoável tem
pouco significado persuasivo. O livro investiga as influências que os ho­
mens não percebem conscientemente — o subliminar. O objetivo é tor­
nar uma maior parte do subliminar conscientemente aparente.

AS ESTRATÉGIAS SUBLIMINARES

Há seis técnicas audiovisuais por meio das quais a informação subliminar


pode ser transmitida, sem ser conscientemente percebida, que aparecem
freqüentemente na mídia de publicidade. As categorias invariavelmente so­
brepõem-se umas às outras. Qualquer exemplo visual ou auditivo deve in­
cluir uma coleção destas categorias. Inovações criativas não previstas podem
exigir uma revisão da categorização, mas as categorias básicas são:
1. Inversão de Figura/Fundo (ilusões sincréticas)
2. Embutir (imagens)
3. Duplo Sentido
4. Exposição Taquistoscópica
5. Luz em Baixa Intensidade e Som em Baixo Volume
6. Iluminação e Som de Fundo
32 «A ERA DA MANIPULAÇAO

Inversão de figura/fundo

As percepções visuais e auditivas podem ser divididas em figura — con­


teúdo, primeiro plano, objeto — e fundo, o segundo plano que serve de
apoio à figura, o espaço em que a figura ocorre. As áreas periféricas à fi­
gura normalmente passam desapercebidas e são consideradas irrelevan­
tes. Os homens, inconscientemente, sempre distinguem a figura do fun­
do, separando os dois. A atenção consciente focaliza a figura, enquanto o
fundo fica subordinado e é percebido inconscientemente. Para indiví­
duos alertas, de percepção sensível, que experimentam todas as dimen­
sões possíveis do objeto da percepção para obterem novas e significativas
informações, afigura e o fundo aparecem num estado de fluxo contínuo.
Num nível baixo de sensibilidade, a figura e o fundo permanecem rigida­
mente fixos, estáticos, fechados em si mesmos.
A famosa imagem do “cálice ou faces” explica a idéia das gerações
nos livros de introdução à psicologia. Outro exemplo bastante conhecido
de ilusões de figura/fundo (ou sincréticas) incluem a mulher velha e ajo-
vem, o pato ou coelho, vaidade (uma bela mulher olhando-se ao espe­
lho) ou morte (uma caveira) e os famosos esboços de Rubens — uma sé­
rie de desenhos onde uma ilusão é percebida de um lado de uma linha e
a outra é percebida do outro lado. Menos de 1 % da população adulta dos
EUA tem visão sincrética — a habilidade de perceber ambos os lados des­
sas ilusões (figura e fundo) simultaneamente. No entanto, as experiên­
cias sugerem que a relação figura/fundo é facilmente perceptível duran­
te um transe hipnótico. A maioria das pessoas parece ter um potencial la­
tente e inconsciente para a visão sincrética.
Mas os artistas já sabem há séculos que o fundo é tão importante pa­
ra a experiência visual e cognitiva quanto a figura. Em várias pinturas fa­
mosas, o fundo geralmente contém as informações mais significativas, os
dados necessários para chegar-se ao sentido da obra. Os artistas da publi­
cidade acabaram aprendendo que a figura poderia ser reduzida à banali­
dade — uma apresentação da informação segura, que não causa contro­
vérsia nem desafia. O fundo, por outro lado, poderia conter as proposi­
ções realmente excitantes, os dados vitais percebidos inconscientemen­
te. Um exemplo simples da inversão figura/fundo é o desenho das qua­
tro plantas (figura 1: ver caderno de fotos).
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 33

AS FLORES NO JARDIM

Esta pintura foi criada por um procurador de São Francisco, August


Bullock. Ela foi impressa nas camisetas da marca Subliminal Sex, que
foram vendidas nas lojas Macyos da Califórnia e da Geórgia e na loja
Bambergeris em Nova jersey. As duas flores da esquerda aparecem em
íntima proximidade. A planta da esquerda enroscou gentilmente uma
gavinha ao redor da planta a sua direita. Se as plantas fossem pessoas,
elas pareceriam estar envolvidas afetivamente.
Com um pouco de imaginação as duas plantas da esquerda parecem
ter gênero sexual — um rapaz e uma moça. As flores têm uma importância
simbólica tão grande quanto a biológica—mas mesmo assim o simbolismo
raramente é estudado nos Estados Unidos. Existem boas razões para que
os seres humanos, especialmente as mulheres, gostem de flores — mesmo
de pinturas de flores. As flores são os órgãos reprodutivos das plantas.
Em contraste, a terceira planta com a grande coroa está separada
das duas flores amorosas da esquerda — sozinha, alienada, tentando es­
tabelecer contato com a planta mais a direita, que perdeu a sua flor. Isso
descreve a figura do desenho — que trata, óbviamente, daquela estória
de que “o papai plantou a sementinha na mamãe”. Há ainda um pássaro
pousado numa folha da planta da esquerda e uma abelha próxima ao
chão, à direita. O fundo, por outro lado, envolve o segundo plano em
branco. Procure as áreas em branco para obter mais informações. Estu­
de cuidadosamente a área entre cada flor antes de ler o que se segue.
Logo acima da grama entre as duas plantas da esquerda, a área em
branco se curva para cima e para a direita, formando a letra S. Uma vez
percebido, conscientemente, o S, as outras duas letras costumam apare­
cer. O E é formado pela área branca entre a segunda e a terceira planta.
E o X aparece entre a terceira e a quarta planta.
Inversões simples de figura/fundo similares a esta são utilizadas re­
gularmente na arte de propaganda. A informação emocional, dramática,
está no fundo, acessível ao nível inconsciente da percepção. A informa­
ção contida na figura, sobre o que a imagem trata superficialmente é ba­
nal, não apresenta risco nem ameaça.
A palavra SEX (sexo) é imediatamente percebida pela parte in­
consciente do cérebro. A percepção ocorre em micro-segundos. Os as-
34 «A ERA DA MANIPULAÇAO

pectos da percepção que emergem à consciência são processados mui­


to mais lentamente. A percepção consciente, no caso descrito, é focali­
zada sobre as flores. A percepção inconsciente lê a palavra guiada pelo
mais poderoso sistema da psique humana.
A percepção envolve estímulos conscientes e inconscientes ao cére­
bro. Os sistemas estão aparentemente interconectados, mas podem fun­
cionar separadamente. Acredita-se que o inconsciente é o responsável
pelas poderosas atitudes básicas e pelos sistemas de crenças. Com um
pouco de ingenuidade — e há ingenuidade de sobra na luta por poder e
lucro — a técnica simples de inversão figura/fundo é aplicada para se-
xualizar de tudo na sociedade, de presidentes a esmaltes de unha. Nem
5% dos indivíduos testados conseguiu ler a palavra SEX escondida.
Outro exemplo de inversão figura/fundo aparece no comercial pa­
ra a TV da goma de mascar Wrigley’s. Pelo fotograma é fácil perceber que
o rapaz não está com boas intenções (fig. 2). Na cena seguinte (fig. 3), a
moça quase derruba a cesta de piquenique. Depois de brincar com a ces­
ta por um momento, o rapaz ajuda a moça a evitar que a cesta caia. Nesta
breve cena, o ponto focal do público concentra-se sobre a cesta — a figu­
ra, a ação primária. Mas, em segundo plano, aparece a informação emo­
cionalmente significante: a mão do rapaz passa por debaixo da cesta pa­
ra roçar a genitália feminina. No fotograma final de identificação da mar­
ca, Wrygley’s sugere: “Fique numa boa!”. De fato!

Inversões auditivas de figura/fundo

As relações figura/fundo também aparecem no som. Nos últimos cinco


séculos, os compositores desenvolveram técnicas de orquestração que po­
dem ser descritas como subliminares. Quando uma orquestra executa um
acorde, com cada músico tocando um só componente deste acorde, ape­
nas o conjunto é percebido pelo público. Cada instrumento e as notas que
executam no acorde não são diferenciados conscientemente. No entanto,
a variação de uma nota no acorde pode ser detectada.
A composição polifônica tradicional emprega quatro vozes para
uma harmonia completa, embora possam ser utilizadas mais ou menos
do que quatro vozes. Neste caso, a relação figura/fundo deve compor-se
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... «35

de quatro níveis, e apenas um destes níveis pode ser percebido conscien­


temente em qualquer momento como a figura. Quem não é músico ge­
ralmente percebe apenas uma voz, melodia ou harmonia melódica. Os
músicos em geral podem ouvir conscientemente duas vozes. Alguns indi­
víduos podem perceber três. Muito poucos percebem todas as quatro vo­
zes. A complexidade de perceber conscientemente todas as vozes, muitas
vezes com andamentos contrários, é tremenda.
Numa orquestração, no entanto, todas as vozes podem ser lidas na
partitura, vertical e horizontalmente. Na vertical, as notas, uma sobre a
outra, são percebidas simultâneamente, em um único intervalo de tem­
po. Horizontalmente pode perceber-se, no decorrer da partitura, como
cada voz segue uma direção melódica diferente. Mas o ouvido humano
agrega as vozes num contínuo unificado de tempo. Inconscientemente,
a mente parece perceber cada voz independentemente, e é capaz de dis­
cernir uma da outra. Conscientemente, a continuidade das quatro vozes
é percebida coletivamente.

Percepções de gênios

O jovem Mozart ouviu certa vez uma composição polifônica executada


pelo coral da Capela Sistina do Vaticano. A complexa partitura era um se­
gredo guardado pela Igreja por várias décadas. Depois de ouví-la uma só
vez, Mozart transcreveu a composição de memória. Ele era capaz de per­
ceber cada uma das quatro vozes separada e coletivamente, vertical e ho­
rizontalmente.
A Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven pode ser considerada
a mais magnífica composição da música ocidental, e Beethoven a com­
pôs depois de ter ficado completamente surdo. Ele nunca ouviu sua
obra sendo executada. Sinestesia, algo que a maioria dos indivíduos
executa inconscientemente, acontece quando determinada percepção
realizada por um dos sentidos estimula outro sentido. Neste caso, o sen­
tido auditivo de Beethoven foi estimulado pela percepção visual da par­
titura. De fato, ele viu como soaria a obra. Muitos indivíduos podem de­
monstrar sinestesia durante um transe hipnótico, mas Beethoven o fez
conscientemente.
36 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

A sensibilidade perceptiva é encontrada com mais freqüência em in­


divíduos criativos, em músicos, poetas, pintores, escultores ou escritores.
Ao que parece, a sensibilidade perceptiva só pode ser ensinada até um
certo ponto. Mas tal ensinamento de uma percepção libetadora é fre­
qüentemente considerado subversivo ou contracultural. A flexibilidade
perceptiva usualmente fornece uma ampla gama de opções.
A maioria dos sistemas educacionais ensina as pessoas a concentra­
rem o foco de consciência em apenas um nível da experiência percep­
tiva — uma perspectiva unidimensional. Isto deve-se aos poderosos mo­
tivos ideológicos, econômicos, políticos e mesmo religiosos que estão
envolvidos. A partir do momento que as pessoas ultrapassam a percep­
ção simplista e unidimensional, elas tornam-se difíceis de ser controla­
das e encaixadas em normas grupais pré-concebidas.
O psicanalista inglês Anton Ehrenzweig tem uma teoria de que a
percepção flexível e multidimensional, que aparece com freqüência em
crianças com menos de oito anos, pode ser mantida pela vida toda através
de uma introdução precoce às formas de arte abstrata e não linear na pin­
tura, música, escultura e literatura. Ele acredita ser possível estender a de­
liciosa flexibilidade perceptiva das crianças antes de serem socializadas
até a entrada na maturidade e talvez pela vida toda.
Mas a flexibilidade perceptiva apresenta enormes problemas de
conflitos em grupos hegemônicos nas culturas conformistas da era tec­
nológica, como as dos Estados Unidos, do Japão, da maior parte da Euro­
pa e da União Soviética. Os jovens são dirigidos comercialmente para
adotarem valores, comportamentos e identificarem-se com determina­
dos grupos sob a aparência de preferências individuais. Muito deste con­
dicionamento de consumidores é construído através das artes e cultura
de massas, que derivam da publicidade e dos anúncios. Rádio, televisão,
jornais, revistas, música popular, roupas, acessórios e as infinitas formas
de lazer — tudo isto é percebido pelo público no nível mais simplista pos­
sível. Eles parecem honestos, francos, diretos: “O que você vê é o que vo­
cê terá”. Nada no mundo é assim tão simples.
A percepção monolítica é, obviamente, uma ilusão criada para os
consumidores. A realidade, conhecida, estudada e manipulada pelo sis­
tema mercadológico, é perceptivamente complexa. Modos simplistas de
ver e de adquirir são formas perceptivas feitas sob encomenda para crian­
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 37

ças superprotegidas, educadas para não crescerem, altamente vulnerá­


veis à manipulação, que acabam se transformando em adultos vítimas nu­
ma sociedade dominada pela mídia.
As vítimas podem ser observadas cantando e berrando histerica­
mente nos concertos de rock e, quando mais velhas, nos encontros de re­
novação religiosa. Elas absorvem sem pensar os anúncios na televisão,
jornais e revistas. Compram sem parar as novidades nas lojas e supermer­
cados. Defendem orgulhosamente o consumo de comida enlatada, taba­
co, álcool, drogas e outros aditivos oferecidos pela mídia. Elas recebem
com freqüência o rótulo de “massa”, dado pela mídia. Sua realidade é a
dos perdedores, dos manipulados, dos persuadidos, dos alvos de piadas,
dos apossados.

O MÉTODO DE EMBUTIR IMAGENS

A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazen­


da dos EUA (que supostamente regula a publicidade destes setores),
incluiu em sua publicação Novas Leis e Regulamentações, de 6 de
agosto de 1984 (veja Apêndice), uma definição de enxertos sublimina­
res. “Uma das formas dominantes das técnicas subliminares foi descri­
ta como a inserção de palavras ou partes do corpo (enxertos) pelo uso
de luz e sombra ou pela substituição de formas ou contornos geral­
mente associados com o corpo humano... O consumidor não percebe
estas inserções em um nível normal de consciência, portanto não lhe é
dada a opção de aceitar ou rejeitar a mensagem, como ocorre com a
propaganda normal. A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo sus­
tenta que este tipo de propaganda é falsa e enganosa, sendo proibida
pela lei”. As leis aplicam-se apenas aos anúncios de bebidas alcóolicas,
incluindo as cervejas.
A Comissão Federal de Comunicações já havia declarado que as téc­
nicas subliminares eram “contrárias ao interesse público, porque têm a
clara intenção de serem enganosas”. A Comissão Federal de Comércio
também proibiu o uso de técnicas subliminares (veja Key, The Clam-Plate
Orgy, pp. 132-149), como o fez voluntariamente o código de ética das in­
dústrias de propaganda e rádio e tele-difusão. Por todo tempo, dinheiro
38 «A ERA DA MANIPULAÇAO

e esforço que foram gastos pelos órgãos reguladores no controle da per­


suasão subliminar, poderia parecer que a nação está livre de tão nefasta
manipulação. No entanto, as leis que proibem conteúdo oculto na mídia
têm sido ignoradas. Nenhuma das leis foi alguma vez aplicada.
Os enxertos aparecem, a princípio, como se um artista tivesse escon­
dido engenhosamente imagens obscenas ou consideradas tabus dentro
de um quadro. A percepção humana pode ser considerada como total
(tudo o que é sentido é transmitido para o cérebro) e instantânea (a ve­
locidade do fluxo de eléctrons pelos neurônios). Numa percepção visual,
apenas 1/1000 do total da percepção registrada pela mente emerge para
a consciência. O restante permanece adormecido na memória. Os enxer­
tos realçam a experiência perceptiva de uma imagem, intensificando rea­
ções como os batimentos cardíacos, operações cerebrais e reações galvâ-
nicas da epiderme. A informação emocional reprimida permanece na
memória por um longo período, senão pela vida toda. Nas imagens en-
xertadas, nada está realmente oculto — pelo menos, não para o artista.
Uma vez que os espectadores adquirem flexibilidade perceptiva, os en­
xertos tornam-se imediatamente acessíveis para a consciência. A única
coisa escondida na mídia enxertada é aquilo que o público esconde de si
mesmo. A repressão parece ser um processo compulsivo, provavelmente
desencadeado para a pessoa se proteger de informações perturbadoras
que provocariam ansiedade.

A ESMERALDA ERETA

O anúncio da esmeralda do gim Tanqueray (fig. 5) apareceu em inúme­


ros periódicos de circulação nacional, incluindo a revista Time. Estima-se
que a Somerset Importers de Nova Iorque gastou entre três e quatro mi­
lhões de dólares para publicar o anúncio. Como na maioria dos anún­
cios, o layout foi criado para ser lido em frações de segundos. Não se es­
pera que os anúncios sejam estudados pelos leitores. O texto raramente
é lido. O texto do anúncio do Tanqueray é similar àqueles publicados em
jornais médicos. Impresso em tipo pequeno, ele é cheio de palavras, difí­
cil de ler e compreender. Os criadores d< oublicidade sabem que poucos
leitores vão realm mte ler o texto — neste caso, muito poucos mesmo,
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 39

porque para isto seria necessário um enorme investimento de tempo,


concentração e fadiga ocular.
O texto, uma complexa explicação do concurso do Tanqueray, foi
criado como um artifício para dar credibilidade ao anúncio. O texto não
lido fornece a razão de ser, a desculpa lógica para o caro anúncio de pági­
na inteira impresso em quatro cores. O prêmio, uma esmeralda no valor
de 25 mil dólares, faz com que tudo pareça lógico. A lógica esconde da
consciência o que realmente está acontecendo.
O gim sendo despejado, a esmeralda e o copo são, obviamente, pin­
tados, e não uma fotografia dos objetos reais. Os artistas devem oferecer
hipóteses viáveis para o público. Ele deve acreditar que o gim jorra sobre
a esmeralda e é derramado no copo, do contrário a pintura não faria sen­
tido, e o nonsense seria rejeitado pelo público.
Mas vamos suspender a lei da gravidade; ela não se aplica a ilusões
pintadas. Uma vez que você determina o que o artista quer que você per­
ceba, pode-se reverter ou inverter as expectativas do artista. No lugar do
gim sendo despejado do alto, imagine o jato do líquido fluindo para ci­
ma, até logo abaixo da letra p (uma letra significativa) da palavra pour.
Um formidável e ereto órgão genital masculino foi enxertado no ja­
to de gim (fig. 31). E óbvio que os anúncios de bebidas alcóolicas nunca
informam os crédulos consumidores de que as pessoas que tomarem gim
demais podem se tornar incapazes de tal ereção. Deixando as fantasias
publicitárias de lado, o álcool é provavelmente o mais poderoso inimigo
do sexo que os homensjá inventaram. Bebidas alcóolicas são consumidas
em larga escala para evitar a intimidade sexual. As fantasias alcóolicas es­
condem realidades absurdas, patéticas e principalmente destrutivas.
Além do pênis ereto, uma das faces distorcidas que são freqüente­
mente enxertadas nos anúncios de bebidas alcóolicas pode ser percebida
no triângulo da esmeralda, logo abaixo do jato de gim (fíg. 30). A face,
presume-se, retrata o estado emocional de outro satisfeito consumidor
de Tanqueray. Abaixo do triângulo surge uma cabeça de leão, o rei dos
animais que por séculos tem simbolizado o poder e a resistência sexual.
Este anúncio foi criado para pessoas convencidas de que pensam por si
mesmas, mas que não podem distinguir entre fantasia e realidade.
Se alguém ainda acredita que existem coisas que a mídia publicitá­
ria não faria para estimular o consumo de álcool — uma droga perigosa
4 O • A ERA DA MANIPULAÇAO

e viciante, responsável por inúmeras doenças e mortes — o anúncio de


Tanqueray demonstra o que há de pior entre os mesquinhos artifícios da
publicidade.

Betty crocker é super úmido


As misturas para bolo Super Moist são produtos da marca Bety Crocker,
pertencente à General Mills Corporation de Minneapolis. O
“MMMMMMMMMMoister” anunciado em página dupla (fig. 6) foi pu­
blicado em periódicos de circulação nacional, incluindo o Reader’s Digest,
o TV Guide e várias outras revistas femininas. Este anúncio em quatro co­
res envolveu um investimento de pelo menos cinco milhões de dólares
em espaço publicitário. O tempo de leitura deve ser de um ou dois segun­
dos. Nos testes, apenas um em oito leitores parou para refletir sobre o tex­
to. As pessoas que lêem os anúncios são como dinheiro na conta dos
anunciantes, mas elas não são realmente necessárias. Estes poucos leito­
res podem refletir conscientemente sobre o subtítulo: “Já existiam bolos
em camadas úmidas antes. Mas agora há o Super Moist! ” O texto adverte,
bem concretamente como será verificado, que o preparado “tem um pu­
dim especial na mistura para torná-la incrivelmente úmida”. Incrivel­
mente? Sim! Mas isto vem depois.
Há algo de dissonante no pedaço de bolo que está no garfo. Algo de
ilógico e dissonante aparece em vários anúncios. Isto parece agir como
uma estratégia preparatória para o conteúdo subliminar, preparando o
sistema de percepção inconsciente p .ra uma mensagem mais profunda
— bastante invisível para a percepção consciente. Observe a fatia de bo­
lo. Ou a fatia é do tamanho de um selo postal ou o garfo é do tamanho de
um ancinho.
O anúncio da Betty Crocker é uma pintura que provavelmente re­
presenta um investimento de mais de 30 mil dólares na produção de ar­
te. Lógicamente, o artista deveria ter feito o garfo e o bolo numa propor­
ção razoável. A dissonância foi intencional. Qualquer outra conclusão su­
geriría total incompetência dos executivos que investiram todo este di­
nheiro num anúncio defeituoso.
A esta altura, o leitor deve ter se concentrado penosamente no
anúncio da mistura para bolo, tentando descobrir o que está escondido
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 4 1

na pintura. A maioria não vai descobrir nada de excitante, apenas o ób­


vio. Não fique tenso! Relaxe! Deixe seus olhos brincarem sobre a figura.
Lembre-se, nada foi realmente escondido pelo artista. São os leitores que
escondem (reprimem) a informação tabu de si próprios. Em algum nível
do conhecimento, você já sabe o que se encontra reprimido perceptiva-
mente no anúncio.
Bastante habilidade esteve envolvida na pintura do bolo, mas a expec­
tativa do artista era de que nenhum dos dez milhões de consumidores que
viram o anúncio lidassem conscientemente com a realidade. Esta é mais
uma arte de dissimulação, em que os observadores previsivelmente escon­
dem coisas da percepção consciente, do que uma arte de exposição. Os con­
teúdos do ângulo são banais — há muito pouco desafio intelectual a nível
consciente. Pelo que permanece na superfície da percepção é impossível
justificar os milhões de dólares investidos no anúncio.
Observe despreocupadamente, sem tensão, o que foi esculpido na
cobertura do bolo (fig. 32). Qualquer livro padrão de anatomia confirma­
rá que a forma açucaradamente pintada na cobertura é um genital femi­
nino tumescente. “Super Moist”, no estado de excitação retratado, consti­
tui um evento fisiológico normal.
Curiosamente, os órgãos genitais masculinos que aparecem nos
anúncios são geralmente dirigidos ao público masculino. Os genitais fe­
mininos são dirigidos às mulheres. Pela lógica convencional, deveria
ocorrer justamente o contrário. Mas os enxertos de órgãos genitais pare­
cem dar melhor resultado quando despertam, inconscientemente, pode­
rosas associações tabus. O modus operandi é a apelação para o homosse-
xualismo latente, a culpa e o medo de violar um tabu. A cobertura de cho­
colate do bolo faz o velho estereótipo étnico de Tiajemima parecer uma
tempestade num copo d’água. A promessa de Betty Crocker é realmente
a cobertura do bolo.

Duplo sentido

O duplo sentido é freqüentemente usado na fina arte da persuasão. “O


Scotch mais cuidadosamente despejado no mundo”, do anúncio de Chi­
vas Regal (fig. 7) é um exemplo típico. Mãos masculinas despejam cari­
42 *A ERA DA MANIPULAÇAO

nhosamente o Chivas num copo — uma imagem que dificilmente excita­


rá a percepção crítica dos leitores bem-educados e influentes. O anúncio
é uma montagem complexa, cara, trabalhosa e demorada de fazer. O co­
po, os cubos de gelo, a garrafa, o uísque sendo despejado e as mãos foram
pintados separadamente e depois reunidos. Note a discrepância do tama­
nho das mãos com o da garrafa. Pense um pouco sobre o ato de despejar
uísque de uma garrafa. Você alguma vez já viu alguém servir a bebida com
as mãos nesta posição?
A única coisa que segura-se nesta posição é o pênis no ato de urinar.
De fato, é o scotch mais carinhosamente despejado. Este anúncio do Chi­
vas foi publicado em revistas como a Playboy, Time, U.S. News & World Re­
port, Newsweek, etc — um investimento milionário no marketing de bebi­
das alcoólicas.
Um outro exemplo de duplo sentido, onde a ambigüidade entrela­
ça-se com outra, é o folheto em branco e preto que a Associação America­
na de Agências de Publicidade, publicou na primavera de 1986 (fig. 8).
Há muito tempo que a AAAA, um lobby nacional de agências de publici­
dade, preocupa-se com a crescente conscientização do público sobre a
propaganda subliminar, e este anúncio foi criado para esvaziar esta dis­
cussão. O folheto também implicava um apoio à propaganda de bebidas
alcoólicas, que na época estava sendo atacada pelos legisladores federais
e estaduais norte-americanos, pela American Medical Association, pelo
National Institute of Alcohol Abuse and Addiction, pelos National Insti­
tutes of Health e por numerosos outros grupos. O texto do anúncio da
AAAA alegava que “desde 1957 as pessoas tentam encontrar seios nos cu­
bos de gelo”. O texto continua: “Se você realmente procurar, provavel­
mente vai ver os seios. No que diz respeito ao assunto, você poderia ver
também Millard Fillmore, um lombo de porco assado e um Dodge 1946.
A chamada propaganda subliminar”, conclui o anúncio, “simplesmente
não existe. Mas imaginações superativas com certeza existem. Se alguém
afirma ver os seios, é porque eles estão nos olhos do observador.” O sub­
título é particularmente interessante: “PROPAGANDA; OUTRO NOME
PARA LIBERDADE DE ESCOLHA.”
A American Adversiment Agencies Association (AAAA) mandou mi­
lhares destes folhetos para as universidades norte-americanas, numa ten­
tativa de acabar com a inquietação sobre a propaganda subliminar. A per­
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... * 43

cepção subliminar é comprovada por mais de quinhentos ensaios científi­


cos já publicados (ver Dixon, Subliminal Perception). Os pesquisadores con­
firmaram os efeitos de estímulos subliminares sobre dez áreas mensurá­
veis do comportamento humano. Uma destas áreas é a atitude de comprar
ou adquirir, um assunto bastante estudado pela indústria de publicidade.
Como foi prometido pela AAAA, as cuidadosas análises não conse­
guiram encontrar os seios femininos, Millard Fillmore, o lombo de porco
e o Dodge 1946 retratados na cara pintura. Não obstante, foram encon­
trados uma coleção de faces grotescas, animais, um tubarão e outras ima­
gens bizarras, algumas delas anamórficas (figs. 33-37), além de um pênis
ereto (fig. 38). O coquetel pintado foi enxertado de imagens à exaustão
— poderia facilmente ser enquadrado nas novas normas da Divisão do Ál­
cool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazenda dos EUA (ver
Apêndice), que proíbem imagens subliminares nas propagandas de bebi­
das alcoólicas. A pintura original foi aparentemente revertida de cor pa­
ra preto-e-branco, e alguns dos detalhes mais sutis foram obscurecidos.
Mesmo assim, a lógica é um clássico da Madison Avenue. Confie em nós,
não iríamos mentir para você!, mesmo que isso seja precisamente o que
eles fazem para ganhar a vida.
Uma simples fotografia de cubos de gelo, incluindo a cereja, poderia
ser feita por algumas centenas de dólares. Uma pintura sofisticada como a
do anúncio da AAAA é muito cara, e o consumidor absorve os custos — de
várias formas. Os publicitários não teriam como justificar o investimento
inicial se as técnicas subliminares utilizadas não aumentassem as vendas,
aumentando o consumo do produto. E o aumento do consumo de álcool
está diretamente relacionado com o aumento de patologias ligadas ao ál­
cool, de acordo com as correlações descobertas pela Organização Mun­
dial de Saúde em pesquisas realizadas em doze países.
O duplo sentido sonoro também está bastante difundido. Como nos
exemplos visuais, o uso do duplo sentido parece enriquecer o significado
de virtualmente qualquer estímulo simbólico. Foi divulgado que Thriller,
a fantasia musical de Michael Jackson, vendeu 22 milhões de cópias. O ál­
bum gerou outros milhões de vídeos, que promoviam o disco.
O cenário de “Beat It!” é desconcertantemente simples. Um gru­
po de rapazes (as mulheres estão totalrnente ausentes) entra numa am­
pla sala. Eles estão agressivos, tensos, nervosos, procurando briga. Dois
44 »A E R A DA MAN IP U L A Ç Ã O

deles começam uma luta de canivetes, e seu combate é grosseiramente


coreografado como um balé. Michael Jackson corajosamente interce­
de. Finalmente, eles largam os canivetes e então todos participam de
uma série precisa de passos de dança, com Michael Jackson liderando
o coro. A estrofe “Beat It”é repetida incessantemente. Só aparece uma
outra estrofe reconhecível na música, “No one wants to beat it!”Ns vozes
são altas, histéricas, gritadas, lideradas pela voz efeminada de Michael
Jackson.
Perguntou-se a cerca de trezentos estudantes universitários quantas
vezes haviam escutado “Beat It! ” Dos 97% que haviam escutado a música,
28% tinham ouvido de uma a 25 vezes; 21% de 26 a 50 vezes; 26%, de 51
a 100 vezes; e 25%, mais de 100 vezes. Os 51% dos estudantes que ouviram
“Beat It! ” mais de 50 vezes foram considerados aficionados e fizeram par­
te do restante da pesquisa. Se havia algo significativo sobre “Beat It!”, eles
pareciam os mais aptos a saber. Em questionários anônimos, metade dos
aficionados confessou não ter idéia do significado do título “Beat It!”O
restante tentou racionalizar o título como “a batida, ou ritmo da música,”
“bater ou brigar com alguém”, “sair-se bem em algo”, “acusando algo ou
alguém (criticando) ”, ou “derrube o sistema.”

Segredos mal-disearçados

Há cinquenta anos, “beat z7”tem sido um eufemismo para a masturba-


ção masculina. Nenhum dos aficionados entrevistados (cerca de 1/3 de
mulheres e 2/3 de homens), mencionou as implicações sexuais de
“Beat It!”A pesquisa foi feita inúmeras outras vezes, com resultados simi­
lares. Os estudantes reprimiram ou esconderam da percepção cons­
ciente a realidade de “Beat It!”. O megabit de Michael Jackson retrata
um grupo de rapazes numa sessão homossexual de masturbação. O gru­
po estava masturbando-se, aliviando as tensões: quando a coreografia é
vista em câmara lenta, cada vez que os bailarinos cruzam a mão direita
na frente da área genital, o movimento de masturbar-se é realizado em
perfeito acofde.
Quando alguém não percebe conscientemente algo que espera-se
que seja razoavelmente percebido, o fato é geralmente significativo. Os
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 45

jovens tendem a ser reticentes sobre a masturbação. No entanto, o segre­


do cuidadosamente guardado é conhecido por todos.
O escritor, o diretor, o coreógrafo, o compositor, os fotógrafos, mú­
sicos e bailarinos de “Beat It!” tinham que saber conscientemente o que
estavam fazendo, nesta caríssima produção. Eles também tinham de pre­
ver (acuradamente) que o público não faria uma relação consciente com
a masturbação grupai, que a realidade seria reprimida. Uma informação
tabu de tal natureza, percebida inconscientemente, garante uma respos­
ta emocional profunda e significativa, além de uma memória duradoura.
Durante a pesquisa, uma vez que o aspecto de masturbação homossexual
em grupo tornou-se consciente, os estudantes pareceram quase que una­
nimemente afastados do disco. Muitos comentaram sentir náuseas quan­
do pensavam nisto.

Projeção taquistoscópica

Patenteado em 1962 pelo dr. Hal Becker, um professor da Tulane Univer­


sity Medical School, o taquistoscópio de alta velocidade é um projetor de
flashes usado em uma tela de cinema ou mesa de luz para projetar ima­
gens e palavras em alta velocidade. Várias pesquisas demonstraram que a
projeção por 1 segundo/3000 é a que produz mais efeito no público. Em­
bora um pequeno número de pessoas possa perceber conscientemente
os flashes taquistoscópicos nessa velocidade, a maioria só consegue vê-los
subliminarmente.
A projeção taquistoscópica raramente é usada comercialmente. Os
flashes de alta velocidade não podem ser editados em filme ou vídeo. Es­
te tipo de projeção foi útil nas primeiras experiências com estímulos su­
bliminares (ver Key, Subliminal Seduction, pp. 22-23), e ainda são ocasio­
nalmente usados em experiências psiquiátricas (ver Key, The Clam-Plate
Orgy, pp. 101-102), e para testes de modelos de anúncio. O reconheci­
mento visual varia de velocidade de acordo com o conteúdo visto. O re­
conhecimento consciente parece ser mais lento em alguns casos. Pala­
vras de conteúdo emocional, por exemplo, seriam mais difíceis de tor­
nar-se conscientes do que palavras neutras (ver Dixon, Subliminal Percep­
tion, pp. 167-169). Os criadores de publicidade usam muitas vezes proje­
46 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

ções taquistoscópicas para determinar até onde podem ir com temas ta­
bus subliminares.
Projeções taquistoscópicas mais lentas foram bastante usadas por
vários anos. Elas funcionam de maneira bastante semelhante ao obtura­
dor de uma câmera — com velocidades de 1/10 a 1/150 de segundo, e
flashes projetados mais lentamente, que são aparentes à consciência.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as projeções taquistoscópicas fo­
ram usadas em treinamentos militares para a identificação de aviões,
barcos, tanques e armas. Este artifício também é bastante usado em cur­
sos de línguas estrangeiras, para promover o aumento do vocabulário
do aluno.
Cortes taquistoscópicos mais lentos podem ser utilizados em fil­
me ou vídeo, e são amplamente utilizados nas produções de comer­
ciais e filmes para TV. São realizados cortes rápidos, também chama­
dos de metaconstraste ou “máscara de fundo” {backward masking). Os
cortes rápidos são visíveis conscientemente, mas são mascarados pelo
corte rápido seguinte ou pela continuidade do filme, programada pa­
ra desviar a atenção. Os cortes mascarados são subliminares porque
não podem ser recordados, mas suas informações têm um efeito retar­
dado sobre a percepção do público, não muito diferente da sugestão
pós-hipnótica.
Visualmente, por exemplo, o metacontraste pode ser usado para in­
tensificar as reações de tensão, medo, pressentimnento ou mesmo de hu­
mor e riso. O corte rápido, seguido por uma distração, gera uma predis­
posição emocional ou um sentimento sem que o público saiba exatamen­
te por quê está sentindo aquela determinada emoção. O metacontraste é
utilizado com freqüência em filmes para cinema e TV e nos comerciais.
Observe particularmente os comerciais de produtos farmacêuticos e be­
bidas não-alcoólicas. Os vídeo-clipes transformaram a utilização do meta­
contraste numa forma de arte.
As tomadas mostrando reações dos atores à fala ou à ação de outros
personagens oferecem um leque de possibilidades para manipulaçcão
do público. Estas cenas de reações raramente são rememoradas, mesmo
tendo sido percebidas conscientemente. O público identifica-se incons­
cientemente com as cenas de reação de modo muito mais forte do que
com as falas ou ações principais.
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 47

LUZ DE BAIXA INTENSIDADE E SOM DE BAIXO VOLUME

Mais eficaz do que as projeções taquistoscópicas é a luz de baixa in­


tensidade e sua contrapartida auditiva, o som de baixo volume. Vários
anos atrás, um executivo da área de pesquisas da Coca-Cola explicou co­
mo criar um artifício de indução subliminar que fosse muito mais eficaz,
barato e mais difícil de ser detectado do que a projeção taquistoscópica
(ver Key, Subliminal Seduction, p. 23). Ele ligou um reostato na luz de um
projetor de slides. Quando o slide era projetado sobre um filme, a luz era
reduzida a um nível imediatamente abaixo do nível em que a imagem po­
dia ser conscientemente percebida. Também foram feitas várias expe­
riências em níveis de projeção subliminar com a intensidade de uma vela
acima da luz ambiente (ver Key, The Clam-Plate Orgy, pp. 100-102). Estas
experiências são primitivas em comparação com o que foi desenvolvido
mais tarde.
Poucas fotografias são publicadas sem serem retocadas. Relaxe e fo­
calize sua visão sobre uma determinada área de uma face, sobre irregula­
ridades no tom de uma pele ou sobre o segundo plano de uma fotografia.
Depois de observar relaxadamente por uns dez segundos, permitindo
que os olhos vagueiem livremente sobre a imagem, uma das três letras, S,
E, ou X aparecerá. Quando uma destas letras aparecer, procure na se-
qüência pelas outras duas.
Com um pouco de treino para a investigação perceptiva relaxada,
qualquer pessoa pode perceber conscientemente dúzias de palavras SEX
enxertadas nas ilustrações. Estes são enxertos com luz de baixa intensida­
de, a mesma técnica usada em filmes ou vídeos. Os estímulos sublimina­
res podem ser enxertados em ilustrações através de várias técnicas — es­
tampas, retoques com aerógrafos ou emulsões para filme adulteradas. As
palavras SEX podem ser enxertadas individualmente ou num mosaico
feito com faixas reticuladas em uma ou mais das separações de cores do
líquido para revelação do filme ou do fotolito.
Muitas combinações de letras transmitem a idéia de SEX. Freqüen-
temente, a palavra SEX pode estar presente sem incluir as três letras.
Abreviações como SE, ZX, XE, EX, ou nomes como NEXSON ou EX­
XON são utilizados. O SEX subliminar, no entanto, não tem nada a ver
com o estereótipo da garota de biquini. Os anunciantes sexualizaram vir-
48 «A ERA DA MANIPULAÇAO

tualmente tudo aquilo que anunciam com palavras SEX subliminares.


No anúncio “MMMMMM Moister”, da mistura para bolo Betty Crocker
(fig. 6), várias palavras SEX foram pintadas levemente na textura do bo­
lo, e vários SEX aparecem no fundo pintado no anúncio do uísque Crown
Royal da Seagram (fig. 15).
Por terem seus sistemas perceptivos sob constante bombardeio, as
pessoas têm dificuldade em adquirir um modo de percepção relaxado.
As experiências podem ser frustrantes, o que torna as coisas ainda mais
difíceis. A percepção humana torna-se mais inibida quando a tensão psi­
cológica aumenta. E a tensão cresce quando as pessoas tornam-se mais
suscetíveis à persuasão subliminar. Os limites da consciência — uma li­
nha imaginária que divide a percepção consciente da inconsciente — são
menores quando há tensão e ansiedade; quando a tensão diminui e o in­
divíduo torna-se mais relaxado, estes limites são ampliados e as informa­
ções tornam-se mais acessíveis à consciência.

Se um olhar matasse

Um exemplo impressionante de enxertos subliminares é a capa da revis­


ta Time de 21 de abril de 1986, com o título de “Target Gaddafi” (fig. 9).
Assinada por um artista chamado Hirsch, a pintura em acrílico retrata
um Muammar Gaddafi de feições ríspidas, descrito na matéria de capa
como um “obcecado por uma cruel visão messiânica”. Uma grande parte
da matéria de capa foi pesquisada e escrita em antecipação ao ataque nor­
te-americano à Líbia, mas o exemplar chegou às bancas uma semana
após os ataques aéreos a Tripoli e Benghazi, ocorridos no dia 14 de abril.
A capa de uma revista é uma propaganda da própria. Ela tem uma
função: vender. As capas da Time, assim como as de outras revistas, são en-
xertadas com informação subliminar, que podem ser facilmente percebi­
das por qualquer um que esteja familiarizado com estas técnicas. No en­
tanto, com muita freqüência a preocupação mercadológica ultrapassa os
limites da discrição.
Logo acima do olho esquerdo de Gaddafi (fig. 39), surge um óbvio
e bem definido X. Partindo da sombrancelha direita, próximo ao nariz,
um S estende-se até a testa, chegando quase a linha dos cabelos. O S é in-
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... «49

terrompido pela letra I de Gaddafi, pintada de branco e realçada na im­


pressão. A letra E é obscura à princípio, mas pode ser percebida depois de
alguns segundos de observação relaxada. O traço horizontal inferior do
E mescla-se com a sombrancelha esquerda. Somando-se a esta SEX des­
crito, numerosas palavras SEX em letras menores estão enxertadas por
toda a ilustração.

O SEX(o) DE QUEM É MAIOR?

A capa da Lwcom o retrato do Aiatolá Khomeini, na edição de 26 de no­


vembro de 1979, durante a crise dos reféns iranianos, recebeu enxertos
similares. Um grande SEX foi levemente aerografado na testa do líder
iraniano. A capa incluia a inserção de uma pequena fotografia do então
presidente Jimmy Carter. Várias palavras SEX, em letras pequenas, foram
enxertadas no rosto de Carter. A pintura em acrílico retratou Khomeini
como uma figura sombria, poderosa e ameaçadora. Em comparação, a
expressão de Carter é austera, os lábios estão cerrados e ele parece na de­
fensiva. A luz forte da foto faz Carter parecer pálido, até mesmo doente.
E fácil prever que a Time com Khomeini vendeu bem, especialmente pa­
ra aqueles leitores convencidos de que Carter estava agindo de maneira
errada e passiva. O SEX do aiatolá Khomeini era muito maior, muito mais
formidável do que os pequenos e tímidos SEX do presidente.
A capa com Gaddafi foi além da simplista comparação subliminar
do SEX de um líder contra o de outro. A palavra KILL em grandes letras
maiúsculas foi enxertada na maçã do rosto direito de Gaddafi. Quando é
percebida conscientemente, a palavra de quatro letras salta à vista.
Os enxertos subliminares geram efeitos extremamente sutis e po­
derosos. O psicólogo inglês Norman Dixon comentou que “pode ser im­
possível resistir a instruções que não foram percebidas conscientemen­
te”. Vários estudantes que não haviam lido a edição com a capa do Gad­
dafi foram hipnotizados pelo dr. Dixon. A capa da revista foi mostrada a
cada um, com o pedido de que os detalhes do retrato fossem examina­
dos cuidadosamente. Sob hipnose, os indivíduos adquirem uma grande
sensibilidade perceptiva. Durante o transe, foi-lhes ordenado que abris­
sem os olhos e estudassem novamente a capa. Após acordarem, os estu­
50 »A ERA DA MANIPULAÇAO

dantes foram inqueridos: “O que Gaddafi está pensando?” Eles respon­


deram sem hesitação, “Kill! ” Uma das estudantes disse primeiro “Reven-
gé!” (vingança); sua segunda opção foi “Kill!” Ela relatou que “Kill” ha­
via sido sua primeira opção, mas ela foi rejeitada por parecer-lhe muito
dramática e artificial.
Em outubro de 1986, seis meses após o ataque de abril à Libia, o jor­
nalista Bob Woodward, do Washington Post, obteve uma cópia do memo­
rando de sete páginas expedido pelo Serviço de Informação do Departa­
mento de Estado dos EUA (U.S. Department of Stat’s Office of Intelligen­
ce and Research). O documento confidencial sugeria que “uma seqüên-
cia de eventos reais e ilusórios poderia criar uma pressão suficiente para
que Gaddafi acreditasse que seus aliados eram desleais, que havia uma
forte oposição interna a ele e que as forças norte-americanas estavam
prestes a iniciar outro ataque a Libia.” (ver Woodward, Veil, pp. 471-477).
O plano era provocar Gaddafi a realizar ações que pudessem causar seu
assassinato.
A campanha de desinformação contra Gaddafi foi apoiada pelo di­
retor da CIA, William J. Casey, pelo diretor de inteligência do NSC e vete­
rano da CIA, Vincent M. Cannistraro, pelo diretor da Secretaria de Negó­
cios Políticos-Militares do NSC, Howard R. Teicher e pelo assessor de Se­
gurança Nacional da Casa Branca, John M. Poindexter, que posterior­
mente foi demitido pelo presidente Reagan por mentiras e má-conduta
no caso Irã-Contras. Representantes das cúpulas da CIA, do Departamen­
to de Estado e da Casa Branca endossaram o plano às 4h30 da tarde do dia
7 de agosto, numa reunião na Situation Room da Casa Branca.
O Secretário de Estado George P. Shultz a princípio admitiu e mais
tarde negou que havia aprovado que informações enganosas fossem
plantadas para confundir Gaddafi e o público norte-americano. Outros
funcionários da administração Reagan declararam que o objetivo da
campanha de contra-informação foi enganar os jornalistas estrangeiros,
e não os americanos. Não obstante, por dois meses a imprensa norte-ame­
ricana divulgou inúmeras reportagens falsas, onde fontes anônimas do
governo afirmavam que a Líbia e os EUA estavam novamente em “rota de
colisão”, onde a instabilidade do regime de Gaddafi era analisada em de­
talhes e anunciado que os EUA planejavam uma ação conjunta com a
França para expulsar as forças líbias do Chade. Quando o memorando
______________________ PARA AQUELES QUE ACREDITAM... -- 5 1

do Departamento de Estado foi divulgado, no início de outubro, o presi­


dente Reagan negou enfaticamente que tal plano tenha sido aprovado.
“Não estamos mentindo”, ele disse, “ou fazendo alguma destas coisas de
contra-informação de que nos acusam.” A honestidade não-afetada do
presidente e seus olhos-nos-olhos com o público reiteravam: “Acredite
em mim, eu não mentiria para você!”
A questão, se a capa da Time de abril surgiu de um simples desejo de
aumentar a circulação e o retorno da publicidade ou da cooperação
com o governo, é irrelevante. O efeito da capa foi o de aumentar o apoio
emocional dos leitores da Time (cerca de 25 milhões) em relação ao ata­
que a Líbia. Reagan prometeu divulgar as justificativas factuais específi­
cas para esta ação militar, mas nunca o fêz. Como justificativa ao ataque,
um porta-voz da administração norte-americana apontou Gaddafi como
o instigador do ataque com bombas a uma discoteca de Berlim Ociden­
tal, ocorrido no dia 5 de abril, no qual um funcionário do governo ame­
ricano foi morto e vários outros ficaram feridos. Meses mais tarde, o ata­
que à discoteca foi creditado a um grupo terrorista sediado na Síria.
Uma vez criado um nível suficiente de histeria, qualquer ato militar pa­
rece justificado. Mas a população americana foi ensinada a acreditar que
pensa por si própria.
Nos Estados Unidos, a informação jornalística é vendida, mercanti-
lizada e manipulada para favorecer interesses comerciais e corporativos.
A validade de tal informação deveria ter sido questionada há muito tem­
po. O legislativo deveria intimar o artista e os editores que realizaram, su­
pervisionaram, e publicaram a capa com Gaddafi, se desejasse saber mais
sobre a manipulação da opinião pública pela mídia.
Hal Becker, que patenteou o taquistoscópio de alta velocidade; tam­
bém fabrica e vende processadores que inserem mensagens subliminares
em trilhas sonoras. Seu Audio Processador Subliminar Programável
Mark III monitora e retifica as mudanças de volume dos sinais conscien­
temente audíveis. Através de um multiplicador eletrônico análogo, os si­
nais audíveis retificados controlam o nível dos inputs subliminares de bai­
xo volume. Os sinais audíveis e subliminares são então mixados. Becker
explica que o input subliminar aproxima-se tanto das mudanças de volu­
me na música audível que seria impossível provar que a mensagem con­
tém informação subliminar.
52 «A ERA DA MANIPULAÇAO

De modo semelhante, o Processador Subliminar de Vídeo do dr. Bec­


ker insere imagens subliminares no sinal de microondas de um vídeo pa­
drão. O vídeo subliminar é ajustado para uma potência de luz ligeiramen­
te acima da potência de luz que é percebida pela consciência. O input su­
bliminar pode ser composto de palavras, frases, silhuetas, quadros em pre-
to-e-branco a meia-luz, quadros coloridos ou uma mistura de tudo isto. Es­
te autor observou o processador de vídeo no laboratório do dr. Becker.
Era engenhoso. O dr. Becker inseriu um videotape subliminar no vídeo
normal que estava passando em seu aparelho. Ele podia elevar o vídeo su­
bliminar, para que pudesse ser conscientemente percebido, e depois dis-
solvê-lo de novo nas luzes, sombras e cores do sinal transmissor padrão.
Durante a demonstração, fui perturbado pelo pensamento de que
os EUA poderiam muito facilmente inserir material subliminar via satéli­
te na rede de TV soviética. E, por seu turno, os soviéticos poderiam inter­
ferir na televisão americana, inserindo, talvez, pensamentos palpitantes
na banalidade das comédias para TV ou dos talk-shows.
Becker vendeu seu áudio-processador para doutrinação subliminar
anti-roubo em supermercados e lojas de departamentos. O dispositivo re­
duziu em cerca de 40% o roubo numa grande cadeia de supermercados,
que também pode perceber uma redução de 60% na rotatividade anual
de mão-de-obra. O dr. Becker conseguiu reduzir as reclamações dos fun­
cionários via doutrinação subliminar. Seu programa anti-roubo reduziu
significativamente as prisões dentro das lojas. Após oito meses, o gerente
de uma loja relatou uma completa reviravolta na defasagem nas caixas re­
gistradoras, na rotatividade de mão-de-obra e nas atitudes negativas dos
funcionários, além de ter conseguido reduzir em 50% o pessoal encarre­
gado do estoque, mantendo o mesmo nível de eficiência. A defasagem
nas caixas caiu de uma média de 125 dólares por semana para menos de
10 dólares. As reclamações de fregueses contra os caixas virtualmente de­
sapareceram. As mercadorias danificadas pelos encarregados de estoque
diminuiram um terço. Os furtos cairam de 50 mil dólares a cada seis me­
ses para menos de 13 mil dólares. Em outra cadeia de supermercados, a
rotatividade da mão-de-obra caiu pela metade em onze meses.
Becker também fez programas subliminares para salas-de-espera de
consultórios médicos e de hospitais. Eles reduziram o nervosismo dos pa­
cientes (60% em um estudo realizado), os desmaios causados por injeções
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... >53

(próximo a zero) e o ato de fumar (entre 50% e 70%). Por mais de uma dé­
cada, ele dirigiu com sucesso uma clínica de controle de peso em New Or­
leans, onde videotapes com enxertos subliminares reforçavam um rigoro­
so programa de dieta. Este programa, reconhecido pela Associação Médi­
ca de New Orleans, recebia a maioria de seus pacientes através de recomen­
dações médicas. Becker enfatizou que não usa a tecnologia subliminar em
propaganda, política ou religião. Seu equipamento só é acessível a profis­
sionais qualificados através de contratos para uso restrito. Ele acredita que
a doutrinação subliminar pode reduzir os acidentes no trânsito, o crime e
os maus-tratos, com enorme potencial nas terapias, para a educação e trei­
namentos. No entanto, nem todos estão convencidos disto.
Becker parece sinceramente preocupado com a ética da persuasão
subliminar. Mas há um paradoxo envolvido. Se a pessoa é avisada que
será submetida a informação subliminar, a eficácia é reduzida. Se ela
não é avisada, seus direitos constitucionais legais e éticos podem estar
sendo violados. Mas esta discussão sobre ética é acadêmica, já que a in­
dústria de propaganda vem doutrinando subliminarmente os consumi­
dores por mais de meio século. As violações das leis pela propaganda
têm sido sistematicamente ignoradas pelo governo federal; e pior ain­
da, a população tem permitido passivamente que a doutrinação subli­
minar continue. Como disse o Christian Science Monitor sobre as in­
venções de Becker, “a ameaça real para uma sociedade livre é que as ten­
tativas de controle da mente — ou mudança comportamental, como di­
zem seus promotores — sejam toleradas por todos... Esta técnica é uma
invasão ao pensamento. Ela pode facilmente ser usada para objetivos
políticos ou opressores.”

Segurança por meios subliminares

Outro empreendedor que desenvolveu dispositivos de modificação de


comportamento é o presidente da Proactive Systems ofPortland (Oregon),
David Tyler. As fitas subliminares de Tyler ajustam os níveis de som em
baixo volume às modificações no volume do som ambiente. A Proactive
Systems Inc. está envolvida principalmente com a prevenção a roubos.
Tyler considera-se um benfeitor da sociedade, evitando que os consumi-
54 «A ERA DA MANIPULAÇAO

dores sejam presos por roubo a lojas, que os empregados sejam pegos fur­
tando e então demitidos e que os donos de lojas percam para os ladrões
cinco cents de cada dólar vendido. Tyler chega a antever preços mais bai­
xos depois que a doutrinação subliminar tornar todas as pessoas honestas
— um objetivo válido, mas improvável. Como o slogan do McDonalds:
“Ele faz tudo isso por nós!”
A Proactive Systems Inc. também desenvolveu métodos de doutrina­
ção subliminar para aumento da auto-estima, controle da dor na recupera­
ção de cardíacos após operações do coração, controle do stress em firmas
corretoras de valores e na indústria química e um programa tranquilizante
para uma clínica que trata de crianças hiperativas. A Proactive afirma que
suas instalações, a maioria feita na costa oeste, resultam numa redução mé­
dia de 50% nos roubos em lojas de departamentos, mercearias e drogarias.
Em 1984, Becker estimou que houvesse cerca de trezentas instalações des­
se tipo nos EUA. Tyler afirma exigir que o público seja informado sobre as
instalações em todos os casos, exceto no de prevenção a roubos.
Outro esquema criado para explorar a tecnologia de persuasão su­
bliminar foi desenvolvido pela Stimutech Inc., de East Lansing (Michi­
gan) . Os executivos de marketing desta firma descobriram haver milhões
de computadores caseiros guardados nos sótãos ou garagens das casas.
Foi feita muita publicidade, possivelmente com técnicas subliminares, so­
bre os computadores, e milhões de famílias investiram nestes equipa­
mentos, convencidas de que eram indispensáveis para a organização de
uma casa moderna. Depois de alguns meses, seu uso começou a decair e
a maioria das famílias descobriu o que os fabricantes sabiam desde o iní­
cio: os computadores caseiros são caros e, exceto como brinquedos, não
têm nenhuma utilidade em casa. Passado o entusiasmo inicial provocado
pela mídia, os computadores foram para o fundo do armário (eles são
muito caros para serem jogados fora) E seus proprietários criaram um
dos melhores mercados concebíveis. Quando estavam com os computa­
dores guardados por um ano mais ou menos, eles sentiam-se estúpidos,
envergonhados e, como forma de defesa, receptivos a qualquer novo pro­
duto que justificasse seu investimento.
O Expande-Vision da Stimutech é um sistema para computador e ví­
deo que lança mensagens subliminares ao subconsciente. Com apenas um
pequeno investimento (89,95 dólares para um Dispositivo Interface Eletrô­
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 55

nico), o computador ocioso é conectado a um aparelho de TV; o computa­


dor controla a luz e a velocidade das imagens inseridas, mantendo-as num
nível subliminar. Os videotapes subliminares são inseridos no Dispositivo In­
terface. A Stimutech iniciou seu programa de vendas com oito vídeos: con­
trole de peso/exercícios, controle do fumo/calma, controle do stress/pen-
samento positivo, controle do álcool/responsabilidade, confiança atléti­
ca/golfe, hábitos de estudo/capacidade de memória, carreira/motivação
de sucesso e, a última palavra em vídeos para homens cercados pelas mani­
pulações masturbatórias das revistas masculinas, confiança sexual.
O Expande-Vision, como outras respostas simples a questões compli­
cadas, provavelmente funcionará para algumas pessoas, algumas vezes e
sob algumas condições. A variável algumas é claramente uma incógnita ex­
tremamente complexa. Aparentemente, o Expande-Vision funciona mui­
to bem para seus vendedores. Afora isto, há só incerteza. Algumas pessoas
param de fumar e, numa busca inconsciente por um vício compensatório,
acabam virando alcólatras ou comendo compulsivamente. Para conseguir-
se uma mudança significativa nos comportamentos compulsivos, médicos
ou psicólogos deveriam ser consultados, ou quem sabe aqueles com práti­
ca em hipnose clínica. O objetivo da maior parte das terapias é aumentar a
força de vontade, autonomia e responsabilidade do indivíduo e não forne­
cer uma muleta eletrônica que pode mascarar os sintomas mais críticos.
A anorexia nervosa e a bulimia são distúrbios do apetite graves e até
mesmo fatais. Elas envolvem distorções da realidade perceptiva. O indiví­
duo percebe-se como um obeso, mesmo quando está prestes a morrer de
fome. Este tipo de distúrbio está entre aqueles em que os estímulos da mí­
dia, a propaganda subliminar e as manifestações culturais para que as
pessoas desejem corpos magros, são poderosas causas da doença. Se um
paciente de anorexia nervosa adquirir um vídeo com enxertos sublimi­
nares para a redução de peso, o resultado pode ser terminal.

Algo para vender

Durante um interrogatório no Comitê de Ciência e Tecnologia do Con­


gresso, presidido pelo republicano Dan Glickman, Becker e Tyler teste­
munharam não acreditar que as técnicas subliminares pudessem ser efi-
56 «A ERA DA MANIPULAÇAO

cazes na propaganda — um testemunho diretamente contraditório à


ampla gama de aplicações por eles citadas para as suas engenhocas co­
merciais. Embora seus livros tivessem sido abundantemente referidos
em pareceres dirigidos ao comitê, o uso da tecnologia subliminar na
propaganda e na mídia comercial foi ignorado durante as sete horas do
interrogatório.
Tanto Becker quanto Tyler racionalizaram, diligentemente, o uso
que faziam dos estímulos subliminares. Becker alegou não haver nenhum
caso comprovado de que técnicas subliminares tenham causado um dano
significativo a pessoas. O dr. Charles Kamp, da Comissão Federal de Comu­
nicações, afirmou que há dúvidas entre os cientistas de que as técnicas su­
bliminares são realmente eficazes. Ele foi além, enfatizando que a Comis­
são Federal de Comunicações não recebeu uma única queixa sobre isto
por anos. Desde 1966, ele acrescentou, as queixas sobre propaganda subli­
minar não ultrapassaram a metade de 1 % de todas as reclamações. Mas
Becker curiosamente declarou que não estava autorizado a debater a pes­
quisa sobre persuasão subliminar realizada pelo Departamento de Defesa.
O dr. Howard Shevrin, um psicólogo da faculdade de medicina da
University of Michigan, mencionou o trabalho de pesquisadores soviéti­
cos que desenvolveram uma técnica segura de detecção de mentiras
através de reações subliminares EEG, com exposições de milésimos de
segundos aos estímulos (ver Kostandov e Arzumanov). O psicólogo
Lloyd Silverman, da New York University, deu um testemunho conside­
ravelmente detalhado sobre bem-sucedidos experimentos terapêuticos
com estímulos subliminares. Tanto Shevrin quanto Silverman são pes­
quisadores médicos bastante respeitados, que vêm trabalhando com os
fenômenos subliminares nos últimos 25 anos. Eles disseram ao comitê
que opunham-se às aplicações comerciais oferecidas por Becker e Tyler
como potencialmente perigosas. Mas nenhum dos dois médicos men­
cionou a aplicação de tecnologia subliminar na mídia de publicidade.
Shevrin, no entanto, comparou as consequências sociais da persuasão
subliminar com a descoberta das armas nucleares.
O congressista Glickman perguntou repetidas vezes sobre o uso de
técnicas subliminares na publicidade. A questão foi negada ou escamo­
teada por cada uma das testemunhas. Glickman finalmente concluiu que
“ela (a persusão subliminar) obviamente não tem sido amplamente utili­
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 57

zada pelos setores comerciais de nossa economia, segundo os testemu­


nhos que ouvimos (U.S. House of Representatives, p. 134)”.
O interrogatório foi um interessante exercício de como investigar e
não investigar um assunto simultaneamente. Seria intrigante saber se acor­
dos foram feitos em relação ao que poderia ou não ser debatido. A omissão
da propaganda foi muito completa para ser convincentemente acidental.

Luz E SOM DE FUNDO

A luz e o som de fundo são dois elementos essenciais nas produções de fil­
mes e vídeos que não são percebidos conscientemente pelo público. Am­
bos são cuidadosamente construídos para criar o clima às ações e diálo­
gos. Normalmente eles sustentam ou reforçam o que está sendo cons­
cientemente percebido numa determinada cena. Sempre que a luz ou o
som de fundo invadem nossa percepção consciente, eles tornam-se dis­
trações e prejudicam a percepção do todo.
Um filme ou vídeo sem som ambiente (ou de fundo) parece ser
emocionalmente insípido e terrivelmente arrastado. Mesmo nas loca­
ções, é difícil de se obter um fundo sonoro apropriado àquela cena par­
ticular. O som deve ser criado artesanalmente para tornar-se preciso. O
som de fundo é normalmente agregado em camadas. Um som de rua
genérico deve envolver um agregado de conversas periféricas indistin­
tas, os sons de crianças brincando, dos carros e ônibus, de pássaros, tal­
vez um trovão distante, o ruído de passos, do vento, e sons distantes tais
como o de navios, apitos ou sirenes. Estas camadas de som são, em ge­
ral, gravadas separadamente e depois mixadas. Uma grande variedade
de dimensões de som — intensidades, velocidades, inter-relações e va­
riações de tons — podem ser criadas artesanalmente para adequarem-
se a uma cena. As camadas são mixadas para criarem uma ilusão preci­
sa da realidade ou, mais corretamente, da expectativa que o público
tem da realidade. Se for bem construída, esta ilusão é mais satisfatória
emocionalmente do que o seria a realidade de fato, mas ela permanece
totalrnente subliminar.
Quando se cria um fundo sonoro para uma cena, a música pode ser
acrescentada para dar a ênfase dramática, criar suspense ou expectativa no
público para a ação seguinte. Os silêncios também são uma dimensão do
58 -A ERA DA MANIPULAÇAO

som. Há dúzias de silêncios eletrônicos diferentes, cada um deles produzin­


do uma reação definida no público. Sons e silêncios podem ser alternados,
criando um pelotão de efeitos para o público. Estes sons e silêncios, quan­
do bem meditados, não são percebidos conscientemente pelo público.
A luz nos filmes e vídeos é outro dos poderosos efeitos subliminares
utilizados pela mídia para criar a ilusão de realidade. Como acontece
com o som, o público não toma consciência de que a luz foi criada artifi-
cialmente. Marisjansos ganhou um Oscar por trabalho na parte de ilumi­
nação do filme Carruagens deFogo. Foi um trabalho difícil porque a maior
parte do filme foi rodada ao ar-livre. A luz natural raramente é consisten­
te e dificilmente é exatamente aquilo que a cena exige. Janson controlou
o humor do público, sua emoção, tensão, tranquilidade ou ansiedade
com técnicas de iluminação que ele descreveu como subliminares. Ele
explicou que o mais difícil problema que enfrentou foi evitar que a ilumi­
nação fosse percebida conscientemente pelo público, pois isso destruiría
seu efeito. Janson modificou o significado das mensagens e as reações
emocionais do público através de sutis mudanças de luz; por exemplo,
uma sombra cruzando a face de um ator sem ser percebida consciente­
mente, prepara para o público para um interlúdio dramático.
A extensão de uma sombra e mudanças sutis de luz e sombra contro­
lam inconscientemente as intensidades emocionais. Elas podem dar a no­
ção de tempo em uma cena ou criar sentimentos em relação a um persona­
gem que é apenas um pouco diferente dos outros. O segundo plano é ilu­
minado de forma irregular para criar-se ilusão de profundidade ou sequên­
cia para a ação. Cada minuto de cena filmada é estudado para receber a luz
apropriada. As iluminações do primeiro e segundo planos podem ser inte­
gradas através de mesas de luz que criam uma grande variedade de efeitos.
A luz, assim como o som, é criada para fornecer ao público ilusões
verossímeis. Quando bem feita, a fantasia da realidade parece mais real
do que a realidade de fato. A fantasia (a percepção fabricada) torna-se
mais atraente, desejável, mais cativante emocionalmente e mais significa­
tiva do que a realidade (a percepção não-manipulada).
Os anúncios em preto-e-branco, luz e sombra, “Body by Soloflex”
(figs. 10,11 e 12) foram recentemente publicados em série em vários pe­
riódicos nacionais como a Times, a Newsweek e a GOO. Uma pesquisa de
mercado descobriu que dentro da comunidade homossexual masculina
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 59

de Nova Iorque, os anúncios foram transformados em posters, tornando-


se verdadeiros ícones. Eles eram enquadrados e recebiam lugar de honra
nos apartamentos. Aparentemente, a campanha publicitária de Soloflex
foi dirigida a homens com forte tendência homossexual latente. Como a
comunidade de homossexuais masculinos assumidos é, acredita-se, me­
nos de 10% da população, a expensiva campanha publicitária não se jus­
tificaria se dirigida apenas à este público limitado.
No primeiro anúncio (fig. 10), um homem jovem está tirando sua
camiseta. Metade da face do modelo está coberta por sombras, sugerindo
que há algo oculto sobre ele. Uma sombra bem a esquerda do umbigo do
modelo emana do cós de seu jeans na forma de um grande e ereto órgão
genital masculino. A sombra foi feita com aerógrafo. Que homem resisti­
ría à promesa do Soloflex?
O segundo anúncio (fig.ll) mostra outro jovem modelo com o de-
dão esquerdo enfiado no bolso. O dedão é freqüentemente usado na ar­
te como um símbolo fálico, neste caso passivo e à espera. Seus olhos estão
escondidos do leitor por óculos escuros. Nas culturas ocidentais, olhos es­
condidos geralmente implicam em pensamentos ocultos. No abdômen
do modelo, surgindo de sua calça, logo acima da fivela do cinto, apare­
cem dois grandes órgãos genitais eretos, primorosamente aerografados
na fotografia. Aparentemente, depois de seis meses de uso do aparelho
para ginástica Soloflex, os homens têm a promessa de ganharem dois
prodigiosos pênis. A promessa de Soloflex parece ilimitada, especialmen­
te para os atormentados homens americanos que nunca conseguem cor­
responder às expectativas da mídia.
“No pain, no gain” (sem dor não consegue-se nada) é o título do ter­
ceiro anúncio de Soloflex (fig. 12). Um homem jovem está sentado numa
prancha de exercícios, com as pernas bem abertas para expor a área ge­
nital. O ombro esquerdo do modelo está estranhamente descolorido, co­
mo se estivesse queimado, desfigurado. Neste ombro, logo acima da axi­
la, foi aerografada uma fenda (fig.40). Observado fora do contexto, o
ombro parece-se mais com as nádegas e a abertura anal, acrescentado um
novo significado a “Nopain, no gain ”. A Soloflex utilizou ambiguidades se­
xuais do mesmo gênero em sua campanha na TV.
Capítulo dois

Como entrar na mente


(desapercebidamente )
Nada é eliminado no inconsciente, nada é superado ou esquecido.
Sigmundo Freud, A Interpretação dos Sonhos

Se você não especificar e confrontar suas finalidades reais, o que disser


certamente tomará estas finalidades obscuras. Se você não alertar
moralmente as pessoas, você mesmo estará moralmente adormecido. Se
você não incorporar a controvérsia, o que disser será a aceitação da
vinda do inferno humano.
C. Wright Mill, The Power Elite

A hipocrisia na forma de uma negação da hipocrisia é hipocrisia


ao quadrado.
Lionel Rubinoff, The Pornography ofPower

Os efeitos dos estímulos subliminares foram verificados em pelo menos


dez áreas mensuráveis do comportamento humano. O psicólogo inglês
Norman Dixon, ao avaliar mais de quinhentos estudos científicos, con­
cluiu que “o comportamento pode ser determinado por acontecimentos
externos sobre os quais não podemos almejar nenhum controle (cons­
ciente) ” (Dixon, Subliminal Perception, p. 322). As dez áreas do comporta­
mento são:
1. Sonhos
2. Memória
3. Percepção Consciente
4. Reação Emocional
5. Comportamento Instintivo
6. Limites da Percepção
7. Comportamento Verbal
8. Níveis de Adaptação ou Valores de Julgamento
9. Comportamento Aquisitivo
10. Psicopatologia
Os estudos publicados nos últimos sessenta anos sobre estas dez
áreas estão resumidos nos meus três livros anteriores. Para não repetir es-
64 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

tas informações básicas, tratarei apenas dos desenvolvimentos mais re­


centes nestes estudos.
Dominadas culturalmente pela mídia, as sociedades modernas an­
dam às cegas de uma crise (ou desastre) à outra, com a convicção ilusória
de que sabem o que estão fazendo, para onde estão indo, como sobrevi­
verão, quem está no controle e por que as coisas acontecem ou não como
deveriam. Estas fantasias, reforçadas inconscientemente, na verdade
ameaçam a sobrevivência.
A lista dos efeitos subliminares demonstra cabalmente que os seres
humanos podem ser programados por aqueles que controlam a mídia,
para terem determinadas perspectivas culturais (ou conceitos) ou traba­
lharem com determinados grupos de percepções. O comportamento de
grupo é mensurável e, acredita-se, previsível em termos de probabilida­
des estatísticas. A mídia fornece o sistema pelo qual os mercados econô­
micos são controlados. Nem todos, numa determinada cultura, são con­
troláveis. Os homens tornam-se mais vulneráveis quando a batalha das
crenças sustenta doutrinações culturais básicas. Os fatores restritivos no
momento atual são a motivação, o tempo e o dinheiro — não são fatores
tecnológicos. Técnicas bastante desenvolvidas para manejar seres huma­
nos através da propaganda e do controle da mente já estão disponíveis há
vários anos. Os refinamentos tecnológicos e inovações continuam a pro­
liferar.
Os segmentos das populações mais suscetíveis ao controle da mídia
geralmente acreditam que pensam de maneira independente, crítica,
clara e que podem facilmente discernir entre verdade e mentira, realida­
de e fantasia. A auto-percepção de autonomia é uma ferramenta básica
para a doutrinação. Quem acredita pensar por si mesmo geralmente não
o faz. Quanto mais a pessoa é marcada pelos valores culturais, mais vulne­
rável à manipulação ela é.

Lutando contra o sistema

Há os dissidentes, descrentes, desviados, hereges, subversivos e críticos


que vão contra a corrente dominante levados por diversas razões. Eles são
muito importantes para a sobrevivência e o desenvolvimento de qual­
COMO ENTRAR NA MENTE...* 65

quer sistema cultural. As minorias dissidentes tentam entender os meca­


nismos das construções perceptivas e podem tentar modificar o sistema.
Eles podem mesmo opor-se abertamente aos principais sistemas cultu­
rais. Como os sofistas, no entanto, eles acabarão sendo desacreditados pe­
la maioria e pela elite no poder.
A percepção, não os rótulos usados para descrever o processo per­
ceptive não-verbal, não pode ser dividida em categorias simplistas como
percepção consciente (cognitiva) e inconsciente (subliminar). A relação
consciente-inconsciente deve ser encarada antes como uma gradação de
mais-ou-menos do que como uma oposição de ou-uma-ou-outra. A per­
cepção, já que ela atinge o corpo e a mente, é totalrnente integrada. To­
das as partes da mente estão interconectadas com todas as partes do cor­
po. O corpo e a mente são inextrincáveis. Uma condição física influencia
a percepção e vice-versa. A percepção (a informação transmitida pelos
sentidos até o cérebro) pode ser descrita como instantânea e total. No en­
tanto, ninguém sabe como funciona a mente; talvez este conhecimento
seja mesmo impossível. Existem apenas teorias — centenas delas. Teorias
não são verdades. Elas devem ser úteis apenas em determinado contexto
para justificarem sua existência.
O pensamento lógico, o raciocínio, os sentimentos, as motivações
conscientes e inconscientes fluem continuamente tanto da memória
quanto dos estímulos sensoriais. A mente também cria ou condiciona as
percepções independentemente das realidades percebidas. A percep­
ção consciente parece ser um fragmento mínimo do que encontra-se na
memória. O eixo sensorial é deslocado conscientemente de uma expe­
riência para outra, de uma percepção para outra. Se não fosse possível
criar este foco de consciência ou percepção cognitiva, inúmeras distra­
ções perceptivas causariam confusão, fazendo com que a atenção fosse
subjugada.
O subliminar, o inconsciente, ou o nome que queiram dar, parece
funcionar como uma máquina para criar culturas. Ele é o repositório de
crenças e atitudes mais ou menos básicas e duradouras, de valores cultu­
rais, de predisposições, e pressupostos básicos. Em comparação, as opi­
niões são conscientes, transitórias e superficiais. Para pessoas programa­
das desde a infância com pressupostos básicos, as idéias amparadas in­
conscientemente tornam-se inquestionáveis. Quando os pressupostos
6 6 «A ERA DA MANIPULAÇAO

vêm a tona, deveriam ser questionados. Infelizmente, na maioria dos sis­


temas culturais a educação formal concentra-se na aceitação (adaptação
aos pressupostos básicos da maioria ao invés do questionamento). Pou­
cos conseguem seu PhD através do questionamento do próprio sistema
que concede os PhDs.
As predisposições instintivas ou herdadas para certos comporta­
mentos também parecem estar subjacentes nas relações humanas. Estas
predisposições integram-se de forma invisível nos sistemas linguísticos-
culturais. Os comportamentos humanos inatos geralmente podem ser
detectados nas reações inconscientes, nos pressupostos básicos e nos pre­
conceitos. O prêmio Nobel Konrad Lorenz {Civilized Men’s Eight Deadly
Sins, pp. 76-78) incluiu entre os comportamentos inatos o senso de justi­
ça (reações de fundo genético contra comportamentos anti-sociais), mo­
ralidade (mecanismos que inibem os comportamentos que não garan­
tem a sobrevivência das espécies) e altruísmo (disposição para o auto-sa-
crifício em favor da família ou da sociedade).
O sociobiólogo Eduard Wilson, de Harvard, inclui nesta lista os sis­
temas de dominação masculina, a escala de reações nas interações agres­
sivas, os cuidados maternos prolongados com a socialização das jovens, e
a organização familiar matrilinear. Várias características genéticas exclu­
sivas dos seres humanos incluem a linguagem complexa, culturas elabo­
radas, a atividade sexual contínua através dos ciclos menstruais, tabus for­
mais sobre o incesto, regras de matrimônio com reconhecimento das re­
lações de parentesco, e divisão cooperativa do trabalho entre homens e
mulheres. Wilson concluiu que características hereditárias tais como o
senso de justiça, a moralidade e o altruísmo podem desaparecer em ape­
nas dez gerações, em não mais do que dois ou três séculos.
O condicionamento do inconsciente humano através da tecnologia
disponível pode, num período de tempo relativamente curto, reorgani­
zar, modificar ou diminuir as predisposições hereditárias. Tais modifica­
ções puderam ser observadas no ambiente totalrnente dominado pela
propaganda da Alemanha nazista, que dispunha de uma tecnologia rela­
tivamente primitiva. E trágico o caso dos Iks, uma tribo das montanhas da
Uganda Central que em poucas gerações perdeu todos os seus valores hu­
manistas. Atualmente eles estão a beira da extinção por causa da auto-in-
dulgência, da ganância e da indiferença ao sofrimento humano. A evolu-
COMO ENTRAR NA MENTE...» 67

ção desta tribo parecia predispor-lhe ao desastre natural, que somou-se a


políticas governamentais ineptas e corruptas e o isolamento crescente da
tribo (ver Turnbull). As técnicas existentes podem transformar os povos
do mundo em qualquer coisa que se deseje — pode-se criar a proverbial
Utopia ou um lixo humano repleto dos refugos criados pela auto-indul-
gência, pela ganância insaciável e pela sede nunca satisfeita por aquisições
materiais. Deveria ser aparente o fato de que as sociedades modernas,
com sua inconseqüente exploração de seres humanos e dos recursos natu­
rais, garante na verdade sua própria extinção.

Sonhos

Pesquisas que se originaram com as descobertas, em 1917, do neurocirur-


gião vienense Otto Poetzle, mostram que a informação induzida sublimi­
narmente aparece nos sonhos. Os sonhos são há muito tempo considera­
dos produtos do inconsciente. Conteúdos subliminares transmitidos por
hipnose ou por taquistoscópios (projetores de alta velocidade) são mais
tarde recuperados pelos sonhos, geralmente de forma simbólica. Um pê­
nis pode aparece em sonhos como uma banana, um aspargo pode ser
transformado em um simbólico prendedor de gravatas verde. Deste mo­
do, os sonhos são um meio para compreender-se como a mente transfor­
ma em símbolos os dados percebidos inconscientemente, uma forma de
camuflar idéias-tabús.
Os pesquisadores estimam que cerca de 100 mil fixações sejam rea­
lizadas diariamente pelos olhos. Apenas um pequeno fragmento destas
fixações são experimentadas conscientemente, mas a maioria delas pare­
ce ser registrada pela mente e, presumivelmente, ficar retida em algum
nível da memória. O conteúdo dos sonhos, durante os períodos de sono
profundo e movimento-rápido dos olhos, parece ser constituído exclusi­
vamente de percepções subliminares. Poetzle chamou este processo de
Lei da Exclusão: os estímulos recebidos conscientemente são excluídos
dos sonhos.
O significado emocional parece ser o critério básico para que algo
seja excluído ou reprimido pela consciência. Indivíduos com perspecti­
vas religiosas muito rígidas e moralistas, por exemplo, parecem ser espe-
68 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

cialmente vulneráveis aos enxertos subliminares obscenos usados pelos


anunciantes (ver Dixon, Subliminal Perception, p. 168). Tais indivíduos
são, em geral, bastante reprimidos, e suas defesas perceptivas controlam
rigidamente as experiências diárias. Por exemplo, poucos grupos da po­
pulação norte-americana são tão preocupados com tabús sexuais e rela­
cionados à morte quanto os fundamentalistas religiosos — um fato regu­
larmente explorado pelos vídeo-evangelistas e mascates de todo o tipo.
Qualquer pessoa que possa relaxar através da auto-hipnose, da me­
ditação ou mesmo da respiração profunda pode aprender como tornar
conscientes conteúdos subliminares. Mas no uso comercial das técnicas
subliminares, a intenção é impedir que estas sejam descobertas. Não es-
pera-se dos leitores que eles descubram órgãos genitais nos cubos de ge­
lo que aparecem nos anúncios. Para isso, a tensão é induzida pela mídia
de várias formas — a sobrecarga de informações torna difícil focalizar
uma parte qualquer da experiência perceptiva, a tensão é intensificada
antes dos intervalos comerciais no rádio e na TV, e as más notícias (tumul­
tos, guerras, a fome, a violência ou escândalos) são colocados na frente
das boas notícias (propagandas), nos jornais e nas revistas. O rock é um
exemplo intrigante de como a repressão é engenhosamente construída,
com a tensão sendo induzida pelo alto volume, pelos gritos histéricos dos
cantores e pelos espetáculos visuais. Pouquíssimos fãs entendem a letra
das músicas, que é então percebida diretamente ao nível inconsciente.
As primeiras pesquisas de Poetzle sobre os sonhos, que utilizavam
sugestões pós-hipnóticas, também demonstraram haver um mecanismo
para retardar o tempo nos processos mentais. Curiosamente, é raro en­
contrar um psicólogo norte-americano familiarizado com as pesquisas de
Poetzle. Mas este mesmo autor é freqüentemente discutido pelos estu­
diosos da propaganda. As percepções subliminares parecem servir como
alavancas para determinadas atitudes, decorrido um certo espaço de
tempo, quando relacionadas com uma percepção consciente secundária.
Por exemplo, um dia, uma semana ou mês após a percepção momentária
do anúncio dos frios Oscar Mayer (fig. 13), a percepção consciente da
embalagem de Oscar Mayer no supermercado pode engatilhar o pensa­
mento consciente de que estes frios são saudáveis e fortes. A decisão de
comprar o produto seria feita sem tomar-se consciência do simbolismo-
tabú escondido no anúncio visto anteriormente.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 69

As teorias de Poetzle tentam descrever um complexo processo que


ocorre na mente. As preocupações dos anunciantes, é claro, concentram-
se simplesmente na eficácia das vendas. A capacidade que os estímulos
subliminares têm de provocar ações retardadas, semelhantes às das su­
gestões pós-hipnóticas, está bem documentada na literatura científica
(ver Higard; Kroger e Fezler; e Dixon, Subliminal Perception), e é verifica­
da nos estudos de propaganda e marketing sobre a eficácia comparada
dos anúncios. Todos os anúncios ilustrados neste livro custaram vários
milhões de dólares — pequenas amostras de investimentos de no míni­
mo um milhão de dólares, com freqüência muito mais. Estes anúncios fo­
ram bem sucedidos. Eles venderam o suficiente para justificar investi­
mentos de tal porte das firmas envolvidas.

Memória

Um dos mais dramáticos efeitos dos estímulos subliminares sobre o com­


portamento envolve a memória. Uma vez que os enxertos subliminares
são percebidos inconscientemente, parece impossível esquecê-los. Acre­
dita-se que a memória envolve pelo menos duas grandes áreas de armaze­
nagem: o consciente e o inconsciente. Várias teorias incluem uma tercei­
ra área, o pré-consciente. Outras teorias concebem sistemas de memória
separados para informações emocionais e não-emocionais, ou sistemas
de memória para curto e longo prazo. As pesquisas mais recentes concen-
tram-se sobre as funções específicas da memória dos hemisférios direito
e esquerdo do cérebro. A principal dificuldade para estudar-se a memó­
ria é a complexidade do cérebro e, é claro, o paradoxo inevitável de ten­
tar-se estudar um sistema sendo parte deste mesmo sistema. Há um limi­
te no grau de conhecimento que pode ser adquirido sobre o cérebro hu­
mano e os sistemas de linguagem.
Sob todos os pontos de vista, as pesquisas existentes sobre a memó­
ria mal tocaram a superfície. A memória envolve processos hormonais,
elétricos e químicos, que normalmente se inter-relacionam na velocida­
de de micro-segundos, através de bilhões de sistemas microscópicos de
neurônios. Os sentidos, cerca de quarenta segundo algumas classifica­
ções e definições, transmitem continuamente informações para o cére-
70 «A ERA DA MANIPU L A Ç Ã O

bro. Calor e frio, por exemplo, são transmitidos através de diferentes sis­
temas de neurônios. Enquanto o eixo da percepção consciente move-se
de um estímulo sensorial para outro, os indivíduos só podem tomar cons­
ciência, a cada dado momento, de um pequeno fragmento da totalidade
de informação disponível. Alguns destes inúmeros estímulos são elimina­
dos do sistema como irrelevantes, enquanto outros permanecem retidos
por períodos variáveis, possivelmente por toda uma vida.
A limitada porção da memória da qual os homens tomam cons­
ciência quando falam, pensam ou escrevem parece funcionar como
uma defasagem no tempo entre a armazenagem na memória pré-cons-
ciente e a comunicação consciente. As palavras, por exemplo, são pro­
nunciadas aparentemente depois que cinco a sete palavras a frente no
discurso são selecionadas pela mente. Antes do discurso, a memória pa­
rece classificar, selecionar, avaliar e comparar o significado, organizar a
sintaxe e a pronúncia — um complexo imperceptível de funções ocor­
rendo simultaneamente e em alta velocidade. Isto foi chamado de pro­
cesso de abstração.
Segundo o house-organ da indústria de publicidade norte-america­
na, Advertising Age, o americano médio percebe cerca de mil anúncios
por dia. A maioria deles contém estímulos subliminares de algum tipo.
A McCann-Erickson, uma das maiores agências de publicidade do mun­
do, estimou que em 1986 os investimentos em publicidade nos EUA fo­
ram de 101,9 bilhões de dólares, com um crescimento anual de 15%. Is­
to significa que em 1989 eles teriam atingido os 155 bilhões. Tudo isto
é acrescentado ao preço final dos produtos anunciados e, claro, é pago
pelo consumidor. Os efeitos residuais deste condicionamento mental
são imensos.
Na superfície, os anúncios parecem inocentes, inofensivos e até in­
sípidos. Eles são elaborados para serem assim percebidos. No entanto, os
anúncios não são inocentes. A memória inconsciente tem uma enorme
capacidade de armazenagem. Os estudantes que participaram de minhas
pesquisas sobre propaganda subliminar, nos últimos quinze anos, desco­
briram capacidades que a memória tem surpreendentes. Passada uma
década, eles podiam recordar-se com frequência não apenas dos anún­
cios específicos que haviam estudado (uma grande coisa, se forem consi­
derados os mil anúncios que atravessam nossa percepção diariamente),
COMO ENTRAR NA MENTE...* 7 1

mas também lembravam-se de como os anúncios foram estudados, os en­


xertos subliminares que foram descobertos, e uma rede de detalhes asso­
ciados tais como os nomes de outros indivíduos envolvidos, as roupas que
usavam, os almoços que foram servidos e outros eventos periféricos.

Percepção consciente

A percepção e a memória consciente parecem ser limitadas em grande


parte por aquilo do que os indivíduos ou grupos tentam evitar, reprimir,
negar e aquilo de que tentam defender-se — tudo isto é excluído da per­
cepção imediata consciente. Isto geralmente ocorre de forma oposta
àquela que a lógica nos levaria a crer. Muito pouco da experiência per­
ceptiva é o que parece ser. A censura declarada, real ou simbólica, como
a queima de livros, é a melhor publicidade que um livro ou um autor po­
dem ter. Uma posição proeminente no Index virtualmente garante o su­
cesso de vendas. A estratégia promocional básica no mercado da música
rock obscena e exaltadora do consumo de drogas é a tentativa de promo­
ver proibições ou censura por parte dos pais moralistas ultrajados ou dos
burocratas do governo. A indústria da música explora a oposição moral
de forma bastante lucrativa. De modo semelhante, quanto mais as auto­
ridades opõem-se ao uso de drogas, mais difunde-se o vício. O programa
anti-drogas do presidente Reagan foi concebido para atingir a parcela
da população que não usa drogas e não os indivíduos que realmente as
consomem ou com grande probabilidade de fazê-lo. Estudantes univer­
sitários ligados às drogas faziam piadas sobre o simplista e banal “Just say
no!”A campanha foi concebida por outras razões do que a compreensí­
vel tentativa de deter o consumo de drogas.
Este autor ficou intrigado ao descobrir seus primeiros três livros nas
listas de contrabando da União Soviética e da República Popular da Chi­
na. Os livros, é claro, são facilmente obtidos em ambos os países por vias
clandestinas. Personalidades do show-bussiness como Jim Baker, Pat Ro­
bertson, Jimmy Swaggart e Jerry Falwell promovem a si mesmos para suas
massivas audiências — que já concordam com eles — atacando o pecado
e os descrentes. Eles não diferem em nada, exceto em suas situações fi­
nanceiras. Realmente, eles garantem virtualmente sua popularidade a
"7 *2. * A ERA DA MANIPULAÇÃO

cada vez que atacam determinada coisa com suas tempestuosas invectivas
direitistas. As ameaças de danação eterna significam muito pouco para
aqueles que estão sendo atacados; talvez elas até os incentivem a conti­
nuarem o que estavam fazendo. E isto proporciona uma fonte inesgotá­
vel para os contínuos ataques contra o pecado. A crença afirmada em
Deus é virtualmente incompreensível sem as constantes ameaças do de­
mônio. A capacidade de angariar fundos entraria em colapso se os obje­
tivos declarados fossem cumpridos. O fracasso dos evangelistas em mu­
dar o mundo é na verdade a base para seu sucesso econômico. E útil sa­
ber o verdadeiro nome deste jogo.

Resposta emocional

Em outras palavras, o que não é dito freqüentemente é muito mais impor­


tante para a compreensão da realidade perceptível do que aquilo que é
dito. As posições totalrnente afirmativas mascaram as várias opções alter­
nativas subjacentes às posições fixas estabelecidas. Por exemplo, as decla­
rações públicas de fé religiosa, as revelações de pessoas que “renasceram”
e confissões de pecados, erros e arrependimentos não têm nada a ver
com Deus, cristianismo, com o comportamento diário em sociedade ou
com gestos altruístas. Tais declarações são poses tomadas em público de
retidão, virtude e elevação em relação aos demais que ainda não viam a
luz. De modo similar, as declarações públicas de anti-comunismo fanáti­
co não atacam o comunismo. Elas e io meras demonstrações daquilo que
certos públicos perceberão como patriotismo, virtude, honestidade e
bondade. Se a ameaça comunista repentinamente desaparecesse, muitos
políticos norte-americanos ficariam sem emprego. Eles teriam que inven­
tar uma nova ameaça rapidamente. Tais posturas modificam muito pou­
co a realidade. No entanto, a retórica moralista geralmente contribui pa­
ra o sucesso das estratégias na luta pelo poder e pelo lucro. Várias parce­
las da população norte-americana parecem ser peculiarmente vulnerá­
veis a tais encenações públicas.
Os enxertos subliminares podem tornar celebridades, modelos,
automóveis, produtos alimentícios ou qualquer outro objeto comercia-
lizável, mais atraentes, excitantes, desejáveis, saborosos e cativantes. A
COMO ENTRAR NA MENTE...» 7 3

mídia moderna evita, em geral, confrontar o público com a realidade


fatual ao nível da percepção consciente. As fantasias são muito mais en­
volventes do que as percepções não enfeitadas. A realidade freqüente-
mente é percebida como algo maçante, que deve ser evitado o mais pos­
sível. As banalidades superficiais e desinteressantes que aparecem nos
anúncios foram criadas propositalmente. As informações fatuais e espe­
cíficas chamam o público para uma resposta crítica — uma ameaça à
eficácia das vendas. A brandura, ou a aparência de brandura, é geral­
mente a melhor tática para produtos competitivos como a mistura para
bolos Betty Crocker (fig. 6).
As informações novas devem ser igualmente suspeitas. Nos Esta­
dos Unidos, o merchandising na mídia jornalística é aceito por seu va­
lor nominal. A capa da fzwcom o “Target Gaddafi” (fig. 9), com os en­
xertos das palavras SEX e KILL, tornaram aquela edição — e a fantasia
sobre Gaddafi — mais excitante e mais significativa emocionalmente.
Dito de maneira simples, o que é percebido conscientemente por indi­
víduos, grupos ou mesmo nações, frequentemente tem pouco ou nada
aver com as realidades físicas, biológicas e sociais que estas percepções
representam.
Não há nada oculto nas ilustrações deste livro. Os enxertos são per­
cebidos com facilidade por qualquer um que aprendeu a dominar suas
defesas perceptivas. O ocultamento (i.e., a defesa perceptiva) é realizado
por aqueles que escondem as informações obscenas de si mesmos. A fan­
tasia do livre-arbítrio é um mito básico da ideologia democrática. Muitos
psicólogos, especialmente os behavioristas, rejeitaram completamente a
noção de defesa perceptiva até ela ser evidenciada pela descoberta das in­
formações enxertadas.
De dentro das fantasias culturais construídas pelos meios de comu­
nicação de massa, líderes e liderados brincam perigosamente com a ilu­
são de que têm o controle e sabem precisamente o que estão fazendo.
Muito pouco dos negócios humanos está sob controle ou pode ser con­
trolado, exceto talvez a ilusão de ter-se o controle. Isto envolve fantasias
assassinas de poder nacional, superioridade militar, correção moral e a
onisciência étnica ou cultural. Estas noções tolas e inerentemente falsas
são geralmente propagadas pela ambição disfarçada de patriotismo ou
de convicções políticas ou religiosas. Estas fantasias comparam-se com as
7 4 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

fantasias de virilidade que camuflam as incertezas sexuais e o medo da


castração dos imaturos e problemáticos leitores da revista Playboy. O play­
boy então revela-se um garotinho assustado, solitário e patético brincan­
do consigo mesmo.
A persuasão subliminar parece ser mais eficaz nos indivíduos que
não apresentam nenhuma oposição firme e bem estruturada a priori,
onde o confronto com os hábitos adquiridos e as crenças ideológicas ar­
raigadas é evitado. No entanto, quando uma imagem é reforçada por
estímulos subliminares, uma perspectiva ideológica pode ser acrescen­
tada inconscientemente. Comportamentos e valores gerados por estí­
mulos subliminares têm efeitos semelhantes aos das sugestões pós-hip-
nóticas. Como na hipnose, pode ser impossível para alguns indivíduos
resistir a instruções que não são recebidas conscientemente, não im­
porta o quão absurdas elas possam parecer sob a análise crítica cons­
ciente e objetiva.
Comportamentos induzidos inconscientemente estão muito pró­
ximos das reações neuróticas-compulsivas. Indivíduos sob sugestão
pós-hipnótica executarão compulsivamente coisas bizarras, que tenta­
rão racionalizar, explicar e justificar como sendo normais. Aqueles que
acreditam ter o maior auto-controle quase que invariavelmente são os
mais sugestionáveis. Culturalmente, os cidadãos tanto dos Estados
Unidos quanto da União Soviética (especialmente os cerca de 50%
que são russos) parecem possuir uma necessidade de controle compul­
siva, e tradicional, que é explorada nos dois sistemas culturais. As fan­
tasias de controle tornam cada uma destas nações extremamente peri­
gosa para a outra.
Num dos vários experimentos realizados por este autor, um estu­
dante recebeu a sugestão pós-hipnótica para abrir uma janela e gritar
frases obscenas para as pessoas que passavam na rua, alguns minutos de­
pois que despertou do transe. Ele também foi orientado para não lem­
brar destas instruções. Ele fez precisamente o que lhe foi instruído, fe­
chou ajanela e voltou para o seu lugar na sala. Então foi-lhe perguntado
por que havia agido de maneira tão curiosa. Com bastante sinceridade
(pelo menos aparentemente), ele passou quinze minutos tentando con­
vencer a classe primeiro de que queria apenas alertar os transeuntes so­
bre o trânsito perigoso, depois de que estava desabafando sua raiva so-
COMO ENTRAR NA MENTE...» 75

bre alguém que odiava; e finalmente, ele apresentou uma elaborada ra­
cionalização sobre suas experiências sobre as reações a obscenidades pa­
ra um ensaio que planejava escrever.
Este estudante demonstrou um aspecto profundo do condiciona­
mento do comportamento humano. Ele não estava mentindo aberta­
mente, até onde os presentes podiam determinar. Com grande convic­
ção emocional, ele tentou justificar um comportamento que, por qual­
quer critério exterior, seria considerado bizarro. Ele parecia compelido a
convencer a audiência de que seu comportamento havia sido normal, de-
fendendo-o como se fosse uma posição ideológica, com alusões à liberda­
de, obrigações com a sociedade e altruísmo.
Assumindo haver uma ausência de posições emocionalizadas con­
trárias, os estímulos subliminares podem sugerir tanto uma ação quan­
to os componentes emocionais ou ideológicos para justificar esta ação.
Os anúncios de comidas são excelentes exemplos. Virtualmente todo
mundo conhece alguém com uma fidelidade obcessiva e ideológica a
certa marca — determinado refrigerante, bebida alcoólica, doce ou bis­
coito. Um compromisso ideológico pode ser criado com uma garrafa
de Coca-Cola da mesma forma que é criado para um candidato políti­
co. Este compromisso emocional raramente é produto de uma avalia­
ção crítica e consciente, derivando geralmente de condicionamentos
subliminares.

Comportamento impulsivo

Normalmente, os comportamentos considerados impulsivos incluem


necessidades fisiológicas tais como fome, sede, necessidades sexuais e
de conforto e desejo de maternidade. Estes impulsos foram ampliados
para incluir sistemas de necessidades sociais, como a demarcação de
territórios, a ambição, a necessidade de ser aceito socialmente, de se­
gurança ou o impulso de agressão, que derivam da necessidade de so­
brevivência, se não das necessidades fisiológicas imediatas. Os impul­
sos são percebidos como algo gerado interiormente, e não exterior­
mente. No entanto, é impossível criar uma linha entre interior e exte­
rior quando trata-se dos processos mentais-corporais. Há uma discus-
76 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

são que não acaba nunca sobre o que deve ser considerado como im­
pulso humano.
Os sistemas impulsivos parecem ser extremamente vulneráveis ao
controle dos estímulos subliminares. O estímulo subliminar pode ser a
alavanca de uma reação comportamental compreendida consciente­
mente como fome. Anúncios de comida como o “Moister” de Betty
Crocker (fig. 6) são especialmente eficazes para vender o produto a mu­
lheres famintas — seja esta fome gustativa, sexual ou relacionada a al­
gum outro impulso, já que todos eles estão interconectados no cérebro.
Embalagens e anúncios nos pontos de venda que utilizam-se de estímu­
los subliminares afetam mais profundamente o comprador faminto.
Como muitos já descobriram, é uma medida inteligente evitar-se lojas
de comida quando se está com fome. Do contrário, a sacola das com­
pras acaba cheia de comidas caras, ricas em calorias e sódio, e massiva-
mente propagandeadas.
O cupom promocional do Chicken McNugget do McDonald’s (fig.
14) não requer muitas explicações. O cupom anunciando “Pague um e
ganhe outro de graça!” apareceu em jornais de todo o país. O Village Voi­
ce reproduziu o cuponf sob o título “Pedido de Comilão”, com a pergun­
ta, “que parte da galinha é esta?”
Contradições desordenadas colocara-se entre uma percepção in­
dividual do que aparece nos anúncios (você acredita ter entendido o
que foi percebido) e a negação da validade de sua percepção por parte
de corporações de grande credibilidade. Em resposta à pergunta sobre
o anúncio do McNugget da McDonald’s, um porta-voz declarou que
“não há nenhuma relação direta ou implícita entre as promoções de
nossos produtos e a sexualidade”. Ele então entrou em detalhes sobre
os 29 anos da McDonald’s como uma companhia saudável e “pró-famí-
lia”. Os questionadores acabaram sentindo-se culpados de terem per­
guntado.
No comercial para a TV do bombom Milky Way, dois adolescentes
descansam após um longo e cansativo passeio de bicicleta. Ao fundo, ou­
ve-se uma música sedutora, que não é percebida conscientemente. As
duas crianças devoram seus bombons enquanto conversam de maneira
afável. O diálogo termina quando a garota pergunta, “Hey, hot shot, aren’t
you coming?”
Limite perceptivo

Os neurofisiologistas sabem há muito tempo que apenas uma pequena


fração de uma dada percepção é registrada conscientemente. Olhe pela
janela por trinta segundos. Feche os olhos. Tente recriar toda a informa­
ção que foi percebida. Uma quantidade enorme de dados foi percebida
visualmente, mas apenas pequenos fragmentos estão disponíveis cons­
cientemente. Com um treinamento, os indivíduos podem aprender a au­
mentar a parte consciente da percepção total. Este autor foi certa vez trei­
nado a ficar num quarto por 60 segundos e então relacionar cem itens
percebidos no quarto. Esta é uma técnica que pode ser ensinada a prati­
camente qualquer pessoa; infelizmente, perde-se esta habilidade rapida­
mente quando o treinamento é interrompido.
A percepção consciente nunca se aproximará, nem remotamente,
do total de informações disponíveis na mais simples percepção. Esta li­
nha entre a informação consciente e o que ficou registrado inconsciente­
mente (subliminarmente, subconscientemente, não-conscientemente
etc.) foi denominado de limiarperceptivo. Vários autores têm chegado à
conclusão de que apenas 1/1000 da percepção total registrada na mente
torna-se disponível à consciência (ver Dixon, Subliminal Perception, p. 1-
10). Mas não é assim tão simples. O limiar muda constantemente, em res­
posta a tensão fisiológica, condicionamentos culturais anteriores, estí­
mulos, posturas e uma variedade de outros fatores. Para tornar o proble­
ma ainda mais complicado, esta linha imaginária entre o consciente e o
inconsciente varia de indivíduo para indivíduo. O limiar também é afeta­
do pela doutrinação cultural. Algumas culturas nacionais parecem ser
muito mais repressoras, com limiares mais rígidos, do que outras. O con­
teúdo das repressões pode variar de cultura para cultura.
Os engenheiros da percepção — artistas, escritores, poetas, músi­
cos, compositores e técnicos audiovisuais — estão constantemente explo­
rando novos meios de manipular o limiar perceptivo de seu público. Se o
público perceber facilmente o pênis ereto no anúncio de gim Tanqueray
(fig. 5), este anúncio terá sido um gasto inútil de dinheiro, algo que mais
provavelmente provocará reações hostis dos leitores. O genital enxerta-
do só vende o gim se não for percebido conscientemente. O artista tem
que prever corretamente o nível de repressão cultural entre os leitores
78 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

potenciais para criar o enxerto. Pode parecer surpreendente que nos


EUA, país supostamente liberado do ponto de vista sexual, o enxerto de
um genital esbarre com a repressão. Mais uma vez, a mídia demonstra
que muito pouca coisa neste mundo é o que parece ser, especialmente os
valores culturais que envolvem fantasias sexuais.
Um leitor que possa relaxar e vasculhar os detalhes — habilidades
que não são encorajadas na cultura norte-americana — poderá encon­
trar facilmente o genital enxertado do anúncio de Tanqueray. Anúncios
semelhantes foram mostrados por este autor aos membros da remota tri­
bo de Inuit, na região ártica do Canadá. Em contraste com seus vizinhos
ocidentais civilizados e educados (adotados culturalmente pela propa­
ganda) , imediatamente eles perceberam o genital de forma consciente.
Eles consideraram o anúncio extremamente cômico e acharam especial­
mente engraçado o fato de alguém querer publicar desenhos genitais.
Vários brincaram dizendo que o pênis enxertado fazia parte de algum es­
tranho ritual de fertilidade dos anglo-americanos. Os enxertos sublimi­
nares parecem dependentes da cultura. Eles evocam risos incontidos em
uma cultura e são invisivelmente reprimidos em outra.
Uma das descobertas mais importantes sobre o fenômeno sublimi­
nar foi a de que quanto mais subliminar algo for, mais estreito será o li­
miar e maiores serão os efeitos sobre a percepção e o comportamento
(ver Dixon, Subliminal Perception, p. 283-284). E difícil para os norte-ame­
ricanos compreenderem como algo invisível, incogniscível empirica­
mente, pode afetar o comportamento. Não ajuda muito aludir às partícu­
las de DNA, aos vírus, íons ou partículas atômicas.
Nesta página impressa, a tinta preta oferece contraste visual ao fun­
do branco. Se você for diminuindo o pigmento preto, em certo ponto
não haverá nada visível no papel — nos níveis consciente e inconsciente.
Quanto mais próximo a tinta puder chegar ao branco do papel, sem que
as letras desapareçam completamente, mais eficaz isto se torna como um
estímulo perceptivo subliminar. O papel pode então ser impresso mais
uma vez com imagens ou palavras claramente visíveis. O fundo branco
parecerá vazio, mas as palavras estarão lá, impressas muito sutilmente. De
modo similar, dados os níveis de volume audíveis, o som mais baixo e me­
nos detectável é o que influencia subliminarmente o comportamento de
forma mais eficaz.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 79

Papéis com enxertos subliminares são disponíveis já há vários anos.


Os fabricantes de papel aprenderam faz tempo como gravar ou criar de­
licadas texturas de palavras como sex em seus papéis. Estes sexes enxerta-
dos não fazem parte da marca d’água. Estes caros papéis geralmente são
usados para cartões de visitas ou para os folhetos promocionais e catálo­
gos de vendas. Virtualmente qualquer cartão de apresentação de alta
qualidade e catálogo de vendas relaxadamente observado contra a luz
por dez segundos revelará um mosaico de palavras sex.

O PAPEL É A MASSAGEM, NÃO A MENSAGEM

Em 1983, a Osman-Kord Ltda., uma companhia de papel do sul da Cali­


fórnia, desenvolveu um processo através do qual comandos subliminares
para estimular os pedidos, mensagens de reforço de estratégias e outras
imagens persuasivas podiam ser impressas muito sutilmente nos papéis.
Os enxertos são absolutamente inacessíveis à percepção consciente, não
importa a técnica de averiguação usada. Os indivíduos que conhecem a
mensagem enxertada podem às vezes pescar uma ou outra parte dela
com a percepção normal. Mas sem tal conhecimento não há meio de de­
tectar o conteúdo subliminar. Esta técnica é superior aos enxertos mais
simples da palavra sex, muito mais barata e extremamente flexível. Muitas
pessoas aprenderam a detectar os enxertos de sex. Mas agora a mensagem
permanece inacessível à percepção consciente, evitando qualquer amea­
ça à credibilidade e à integridade da mídia.
Este processo de transmissão subvisual de mensagens foi testado pe­
lo Laboratório de Pesquisas em Neuro-Comunicação Sidney Weinstein,
em Danbury, Connecticut. Utilizando três critérios — avaliação das on­
das mentais EEG, classificação dos testes e impulso consumista fatual —
cerca de cem sujeitos foram estudados. Os papéis foram enxertados res­
pectivamente com as palavras sex e no. Anúncios de doces e livros foram
impressos nos papéis enxertados, assim como em papel sem enxertos pa­
ra checagem.
A experiência de Weinstein indicou que as mensagens enxertadas
eram “significantemente influenciadoras,” ao estimular o impulso de
consumo, modificar as medidas das reações cerebrais de interesse e ex­
80 «A ERA DA MANIPULAÇAO

citação, e ao influenciar o modo com que os sujeitos avaliavam os produ­


tos anunciados. E não havia modo de provar que algo estava enxertado
nos papéis. O Wall Street Journal contratou os serviços do Georgia State
Crime Laboratory e de The Georgia Institute of Technology para que
testassem e examinassem o papel com enxertos subvisuais. Eles não en­
contraram nada e, mesmo assim, parecia que o papel afetava o compor­
tamento. Os Advanced Optics and Lunar Laboratories, da Universidade
Estadual do Arizona, também examinaram o papel enxertado com téc­
nicas de realçar imagens por computador. Não encontraram nada. Cer­
ca de 15 mil pessoas, durante várias experiências, foram incapazes de
perceber conscientemente as palavras e imagens enxertadas no papel.
No entanto, os usuários potenciais do papel estavam cautelosos. Temiam
parecer tolos se no final fosse descoberto que não havia nada enxertado
no papel. Ver para creré um mito cultural profundamente integrado na
civilização ocidental.
Em outro estudo, Bruce Ledford, da Auburn University, do Alaba­
ma, usou o papel com enxertos subvisuais numa pesquisa sobre a auto­
estima, um importante fator por detrás do desempenho acadêmico
(ver Ledford, Effects of preconscious cues'). A Escala de Auto-Estima de
Rosemberg, um teste de medição padrão, foi impressa em duas versões
— uma sobre o papel liso, a outra sobre o papel com enxertos subvi­
suais com a frase “I love you!” e grandes corações. Os pontos atingidos
nos testes de auto-estima feitos com o papel enxertado aumentaram
em média 34,7% em um grupo de estudantes com baixo desempenho.
Os estudantes com desempenho normal aumentaram em 13,1% os
seus pontos.
A pesquisa de Ledford demonstrou que a percepção humana, es­
pecialmente no sutil nível inconsciente, está muito mais envolvida nas
tomadas de decisões e julgamentos de valores do que qualquer pessoa
pode suspeitar. Esta sensibilidade perceptiva torna-se extremamente
importante quando as pessoas comunicam não-verbalmente suas ex­
pectativas mútuas durante as relações interpessoais.
Outra técnica de enxertos subliminares em papel utiliza gravações
por retícuias, nas quais grãos microscópicos de 0,125 mm de diâmetro,
que formam 130 linhas por polegada quadrada com 8 grãos por milíme­
tro, são produzidas por computador em folhas transparentes. Imagens
COMO ENTRAR NA MENTE...» 8 1

positivas (palavras ou imagens) são pintadas ou impressas na reticula


transparente e depois são destacadas. As imagens positivas tornam-se ne­
gativas, compostas pelas áreas onde os grãos foram removidos. A reticula
é então transferida para uma lâmina gravada. A página impressa parece
branca mas não é. Os grãos podem ser percebidos com um microscópio
com capacidade de aumentar noventa vezes. Esta técnica poderia ter sido
usada na página que você está lendo agora.
Retículas com grãos maiores são bastante utilizadas na arte de pro­
paganda para a diferenciação figura-fundo, e são encontradas na maioria
das lojas de materiais gráficos. Nos anúncios convencionais, o método de
destacar uma certa quantidade de grãos proporciona uma ilusão de pro­
fundidade nas reproduções bidimensionais. As camadas de grãos desta­
cados geralmente aparecem em uma ou mais das separações de cores. Es­
tes grãos maiores podem ser vistos com uma boa lupa. A ilusão de profun­
didade é percebida inconscientemente; conscientemente, a imagem
continua sendo bidimensional. Acrescentar ou retirar grãos também é
uma técnica bastante utilizada para enxertar-se a palavra sex. A técnica fa­
brica ilusões da realidade que são perceptivamente mais reais do que a
realidade mesma. As caras reproduções a cores dos anúncios só são utili­
zadas porque elas controlam impulsos consumistas com maior eficácia
dos que as simples impressões em preto e branco.
William Nickloff, um técnico de gravações audiovisuais de Sacra­
mento, na Califórnia, desenvolveu uma técnica engenhosa e não-detectá-
vel de enxertos subliminares. Ele utiliza argon-ion laser scanners nas separa­
ções de cores através de sistema Chromacom de processamento eletrôni­
co de imagens. Nickloff criou padrões de granulação singulares para ilus­
trações comerciais, que modificavam a percepção consciente. Uma vez
compreendida a teoria da comunicação subliminar, as inovações técnicas
parecem ilimitadas.

Comportamento verbal

As palavras que ouvimos, falamos e lemos são estímulos tanto para os pen­
samentos quanto para as ações. Elas também proporcionam racionaliza­
ções, explicações, definições e/oujustificativas para as percepções. Os in-
8 2 • A ERA DA MANIPULAÇAO

divíduos parecem desfrutar a fantasia de que falam exatamente o que


tencionam dizer e de que têm o controle de sua linguagem e de suas ati­
tudes. “Fale das coisas como elas são!”, insistimos. Mas a linguagem dos
meios de comunicação de massa é uma ferramenta bastante desenvolvi­
da para a persuasão exploradora.
Se quisermos, nós poderemos nos tornar consumidores exigentes,
críticos e intransigentes. Vários métodos analíticos estão à disposição de
qualquer pessoa que saiba ler e escrever, e os aspectos sutis, sinuosos e ex­
ploradores da linguagem não são difíceis de serem expostos. Mas o siste­
ma educacional nos EUA faz exatamente o oposto; ele inculca uma
aquiescência passiva ao status quo e àqueles que o controlam e mantêm.
As verdades da mídia tornam-se «verdade: “Confie em nós, não mentiria­
mos para você!”
Talvez o problema mais desconcertante da linguagem seja a ques­
tão do significado— não o que alguém disse, mas o que quis dizer. A ques­
tão do significado apresenta um dilema fundamental na percepção hu­
mana. Nunca dois indivíduos atribuem precisamente os mesmos signifi­
cados contextuais às mesmas palavras. As variações de significado apare­
cem mais em termos de mais ou menos ou semelhanças e diferenças do que
em termos de ou um/ou outro. Os significados exprimidos por quem fala
ou escreve também podem ser inconsistentes com os que são interpreta­
dos pelo público. E, é claro, ainda existem os significados inconscientes
das palavras, que podem ou não ser similares aos significados dela no ní­
vel consciente.
Este autor participou certa vez, cc m outros dois escritores, da prepa­
ração de um discurso do então presidente Dwight Eisenhower. Embora
fosse um administrador de valor, Eisenhower era incapaz de construir
adequadamente as mais simples frases na língua inglesa. Seus discursos
públicos eram escritos por vários ghost-writers, entre eles o perito artesão
verbal EmmetJohn Hughes. Até mesmo a famosa frase de Eisenhower, o
“complexo industrial-militar”, é creditada a Malcolm Moos, na época
presidente da Universidade de Minnesota, e ao assessor presidencial
Bryce N. Harlow.
Voltando ao discurso em questão, ele foi apresentado durante uma
rápida visita de Eisenhower à Califórnia, em apoio a um senador republi­
cano local. Por 36 horas, sem ao menos dormir, os três escritores fizeram
COMO ENTRAR NA MENTE...» 83

rascunhos e mais rascunhos, revistos pelo secretário de imprensa da Casa


Branca, que tecia secos comentários tais como: “Específico demais!” “Di­
minuam as referências fatuais!” e “Levem de volta e tornem o texto mais
vago!” “Tornar o texto mais vago”, como acabamos descobrindo, signifi­
cava evitar qualquer afirmação clara e fatual sobre qualquer coisa que fos­
se mais específica do que a hora — e com cuidado ao referir-se às horas
por causa dos quatro fuso-horários dos EUA. O discurso foi exaustiva­
mente analisado para prever as reações do público, esforçar suas posturas
e cercar os significados e crenças implícitos.
O texto final era uma obra-prima. A verborréia era elaborada, elo-
qüente, elegante e inspirada. Havia só um problema. Será que alguém le­
varia aquela retórica vazia a sério? O discurso era fluente, mas não dizia
absolutamente nada sobre coisa alguma. E era essa precisamente a sua in­
tenção. Em entrevistas com o público após o discurso, a maioria demons­
trou satisfação com as palavras do grande homem. “Ike mostrou a que
veio!”, “Ele tem o meu voto!”, “Gosto do jeito como ele pensa!”, “Grande
discurso!”
Foi dada à audiência uma mancha de Rorschach verbal — na qual
eles podiam projetar qualquer coisa que quisessem ouvir ou interpretar.
Cada pessoa percebeu o discurso nos termos de suas expectativas, valo­
res, ansiedades e fidelidades particulares.

O INCERTO JOGO DE DADOS CULTURAL

Não há, em nenhuma língua, definições fixas, imutáveis e universais pa­


ra qualquer palavra que seja. Os glossários e dicionários são constante­
mente revisados, já que os significados, as definições e os usos conscien­
tes e inconscientes das palavras mudam a cada dia. Surpreendentemen­
te, este fato reconhecido — que a linguagem está sempre mudando e evo­
luindo —, raramente é enfatizado nas escolas ou pesquisado nas univer­
sidades. As línguas são aprendidas como sistemas permanentes de sinta­
xe lógica, com definições e significados duráveis.
No melhor dos casos, a linguagem é um incerto jogo de dados cultu­
ral, cheio de ambigüidades, contradições, paradoxos e incertezas, gros­
seiramente organizados ao redor das percepções conscientes e incons­
8 4 » A ERA DA MANIPULAÇAO

cientes dos significados. Os significados variam entre quem fala ou escre­


ve e quem ouve ou lê. A frase, “sei exatamente o que você quer dizer!” é
altamente questionável. Em geral, a frase significa exatamente o oposto.
Superficialmente, acreditava-se que a matemática era a única linguagem
objetiva, até que o desenvolvimento da mecânica quântica tornou até
mesmo esta objetividade questionável (ver Russell). Para que qualquer
sistema de linguagem seja um instrumento de comunicação humana
confiável, objetivo e preciso, seriam necessários acordos específicos e du­
radouros sobre as definições. Estas são as razões básicas para o fracasso
das pesquisas que têm tentado criar nos EUA e na URSS, no últimos 35
anos, programas de tradução por computador. As variações contextuais
dos significados são infinitas, e estão constantemente mudando.
Não obstante, as fantasias da objetividade verbal e da uniformidade
de significado são construídas para manter as ilusões de credibilidade, in­
tegridade e autoridade. Tais fantasias são aceitas porque, ao que parece,
os homens precisam desesperadamente acreditar na permanência, pre­
visibilidade e consistência da linguagem. Esta necessidade psicológica pa­
rece comum, e é imposta sobre todos os sistemas de linguagem conheci­
dos. A verdade absoluta do significado verbal é de longe o mito mais pe­
rigoso que os homens já criaram. As verdades lingüísticas deveriam per­
manecer como pressupostos hipotéticos, independentes dos anseios hu­
manos por uma validade eterna.
As suposições, ou as conclusões intuitivas, podem ser fortemente in­
fluenciadas pelos estímulos subliminares. Estas suposições fabricadas pa­
recem agir por fora da percepção consciente, embora os homens tentem
racionalizar conscientemente suas suposições.
Quando alguém supõe verbalmente que um produto, uma pessoa
ou uma idéia é superior ou inferior às outras opções — totalrnente fora
de qualquer referência ou estrutura fatual — é provável que esta suposi­
ção seja produto de uma doutrinação subliminar. As suposições geral­
mente envolvem uma preferência. Uma vez afirmada a preferência, acu-
mulam-se verificações e sustentação fatual parajustificá-la ou ampará-la,
muito embora os indivíduos freqüentemente invertam sua percepção
da seqüência envolvida. Eles convencem a si mesmos que uma seqüên-
cia lógica e uma causa resultaram num claro, específico e defensável efei­
to ou conclusão.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 85

As suposições verbalizadas são freqüentemente o resultado de um


conjunto de estímulos subliminares percebidos tanto da mídia quanto
do meio cultural. Pouco mais do que projeções fantasiosas, estas suposi­
ções ficam retidas na memória por longos períodos. Quando assumidas
coletivamente, as suposições proporcionam uma orientação cultural du­
radoura. Uma predisposição para acreditar só pode ser revertida por
uma doutrinação extensiva, por uma poderosa barreira de dados fatuais
inquestionáveis, ou por algum trauma relacionado à predisposição.
O efeito cumulativo destas suposições, na medida em que se refle­
tem no comportamento, pode ser descrito como cultura. Cultura, neste
sentido, tem pouco a ver com as definições populares. Derivadas da mí­
dia, das influências do meio em que se vive, da educação, da linguagem e
das relações interpessoais, estas suposições englobam desde preferências
por uma comida ou bebida até julgamentos sobre indivíduos, grupos e
mesmo nações. Você pode realmente confiar nos EUA, na URSS ou no
Burger King? Tal questão é um nonsense, é claro, assim como o são todas
as designações estereotipadas.
A suscetibilidade aos estímulos subliminares geralmente depende
da tensão, ansiedade ou preocupação intensa de um indivíduo ou grupo.
Isto provavelmente surgiu da evolução bastante normal de um mecanis­
mo de sobrevivência, e não deve haver uma defesa total contra o fenôme­
no, e nem seria desejável. Talvez o melhor que possamos esperar seja um
certo nível de capacidade defensiva para mantermos algum grau de auto­
nomia contra a força de persuasão da mídia. A arte, a ciência e a engenha­
ria da manipulação certamente serão mais intensas, hábeis e sofisticadas
no futuro.
A vulnerabilidade pode ser reduzida pela diminuição do stress, es­
pecialmente o stress fabricado pela mídia para vender produtos, pessoas
e idéias. Você pode desativar a capacidade de provocar ansiedade da mí­
dia, mas tem de aprender como fazer isto. Uma pessoa com uma visão
relaxada e contemplativa do mundo perceberá as coisas de uma pers­
pectiva mais analítica, reflexiva e distanciada. Uma preocupação cons­
ciente com os dados fatuais, com o julgamento crítico das suposições in­
tuitivas e um alerta constante para com as motivações humanas que es­
tão por detrás da comunicação poderiam reduzir o nível de vulnerabili­
dade.
86 «A ERA DA MANIPULAÇAO

Talvez a defesa mais eficaz contra a manipulação da mídia venha


do conhecimento sobre a cultura, a linguagem, a tecnologia dos meios
de comunicação e a percepção. Mas nas culturas de alta tecnologia as
pessoas têm sido treinadas justamente na direção oposta — para o anal­
fabetismo visual, a ignorância sobre a linguagem e a preferência dócil
pela superficialidade no lugar da essência. A maioria dos indivíduos
não pode distinguir entre uma fotografia, uma fotografia manipulada e
uma pintura; entre as percepções voltadas para a realidade e as fanta­
sias. Eles não podem nem distinguir, num anúncio, cubos de gelo reais
dos de mentira.

Níveis de adaptação ou valores de julgamento

As experiências com o nível da adaptação, ou a manipulação dos valores


de julgamento, tiveram início há um século, nas áreas de psicologia e so­
ciologia (ver Peirce e Jastrow). Os estudos sobre o nível de adaptação re­
gistravam julgamentos e avaliações em escalas que iam, por exemplo, de
bom a ruim, fraco a forte, belo a. feio etc. As primeiras experiências com o ní­
vel de adaptação contribuíram para o desenvolvimento das pesquisas de
opinião pública e de comportamento, que são hoje amplamente usadas
pela mídia para construir a aprovação do público. As pesquisas de opi­
nião pública são utilizadas regularmente antes, durante e depois das cam­
panhas publicitárias e de relações-públicas, das tomadas de decisões pú­
blicas, das eleições e das campanhas de vendas. Várias experiências com
as escalas de nível de adaptação (ver Dixon, Subliminal Perception, p.31-38)
envolveram testes com estímulos subliminares. Por exemplo, os julga­
mentos das percepções de quente e frio, da intensidade de choques elé­
tricos, do volume de barulho e de pesos e tamanhos relativos eram facil­
mente modificados com os estímulos subliminares.
Indivíduos e grupos foram orientados para fazer julgamentos de
suas percepções em escalas numéricas. Em seguida, eles foram expostos
a estímulos subliminares que retratavam valores como mais ou menos, fra­
co ou forte, leve ou pesado, no sentido oposto ao do primeiro julgamento.
Mudanças significativas dos julgamentos iniciais ocorreram em virtual­
mente todas as experiências.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 87

As implicações destas obscuras experiências acadêmicas são apavo­


rantes. Eles foram talvez a primeira demonstração cientificamente men­
surável de que os homens e seus sistemas de valores poderiam ser facil­
mente manipulados. Os homens podem ser manipulados pela mídia pa­
ra tornarem-se virtualmente qualquer coisa que alguém deseje, se forem
gastos o dinheiro e o tempo necessários para isto. Se os valores de julga­
mento mais simples podiam ser alterados pelos estímulos subliminares,
certamente os julgamentos mais complexos também eram vulneráveis. E
apenas um pequeno passo entre osjulgamentos de tamanho, peso ou ruí­
do e aqueles de verdade, moralidade, validade e significação. As investi­
gações sobre o nível de adaptação poderiam ter propiciado um campo
fértil para a pesquisa. Não o fizeram. As pesquisas da área nunca foram
publicamente ampliadas para áreas significativas da experiência humana
— uma característica típica de grande parte das pesquisas das ciências de
comportamento. As experiências com o nível de adaptação virtualmente
desapareceram das universidades e das publicações científicas. No entan­
to, a aplicação comercial da teoria do nível de adaptação continuou a ser
feita pela mídia.
A propaganda é o pano-de-fundo onipresente na cultura norte-ame­
ricana. Os anúncios penetram inconscientemente na percepção, e uma
vez dentro do sistema de memória lutam para transformar-se em arquivos
permanentes. O custo para vender algo é uma parte escondida de todo
item adquirido pelo consumidor final, é uma taxa oculta. Segundo um
recente texto básico sobre marketing (Kurtz and Brone), o custo de ven­
da (i.e. marketing) nos EUA varia de 40% a 60% de cada dólar gasto pe­
lo consumidor. O custo de venda ultrapassa o custo de produção — traba­
lho, matéria-prima, manufatura.
A cultura norte-americana institucionaliza e legitima a manipulação
das vendas, mas oculta os mecanismos do que está realmente ocorrendo.
Os consumidores são incessantemente lembrados de que são eles quem
toma as decisões, são convencidos ad nauseam pela propaganda de que
pensam por si mesmos. Um crítico poderia muito razoavelmente pergun­
tar por que é necessário gastar tanto dinheiro, talento, tempo e esforço
no controle do impulso de consumo se os consumidores realmente pen­
sam por si mesmos. Mas qualquer um que questionar o paradoxo será ex­
comungado como um subversivo radical.
88 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

Poucos estudos sérios já foram produzidos sobre os efeitos sociais de


submersão perceptiva na publicidade. O assunto é ignorado em favor de
um enorme elogio da indústria de comunicação, financiada pela indús­
tria de publicidade.
No estudo sobre o comportamento humano, qualquer pessoa que
procure algo novo, não tocado e ainda não descoberto, provavelmente es­
tará perdendo seu tempo. As preocupações humanas têm sido exaustiva­
mente descritas, medidas, avaliadas e testadas em todas as direções conce­
bíveis. Uma técnica produtiva para descobrir algo de novo, não óbvio e bas­
tante significativo à sobrevivência éjustamente não procurar nada de novo.
Ao contrário, procure algo que está por aí faz tempo, que é tido como cer­
to, que é tão óbvio que permanece sem ser visto ou descoberto, reprimido
ou escondido do público, intencionalmente ou não. Todas as sociedades
têm tais tesouros intelectuais escondidos e tacitamente proibidos, à espera
de serem descobertos e esclarecidos. Descubra o que não é discutido, estu­
dado e examinado criticamente. Ignore o que está na superfície, que todos
percebem, discutem e acham ameaçador. As sociedades ocultam seus ner­
vos expostos que, quando examinados, tornam-se dolorosos e causam me­
do. Mas, como já foi mencionado anteriormente, “No pain, no gain!”

Impulso de consumo
Os cientistas evitam os assuntos que não lhes compensarão o tempo e esfor­
ço gastos, ou que poderão acarretar punições. Os cientistas, como todo
mundo, buscam as recompensas da sociedade. O impulso de consumo é a
área de maior concentração de pesquisas neste país, e dispende centenas
de milhões de dólares anualmente. Sofisticados sistemas de computadores
correlacionam estes dados de centenas de modos, para tentar fornecer lu­
zes sobre por que, como e quais pessoas compram e consomem os diferen­
tes produtos e marcas. O consumismo é a área de comportamento mais
exaustivamente pesquisada no mundo ocidental.
As prioridades nos EUA parecem grotescamente invertidas. O Insti­
tuto Nacional da Saúde Mental relatou que, durante o ano de 1984, “por
um período de seis meses, 18,7% dos adultos nos EUA (29,4 milhões de
pessoas, quase duas em cada dez) sofreram de pelo menos um distúrbio
psiquiátrico. Apenas um quinto dessas pessoas procuraram tratamento.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 89

A maioria consultou clínicos gerais no lugar dos especialistas em saúde


mental.” Os EUA desenvolveram uma cultura que torna um grande nú­
mero de indivíduos doentes mentais. As estatísticas sobre a dependência
ao álcool e às drogas estão aqui incluídas, é claro.
Para apreciarmos a magnitude econômica e social dessa dimensão
oculta da cultura norte-americana, em 1983 os doze maiores anuncian­
tes de produtos alimentícios dos EUA investiram três bilhões e meio de
dólares na publicidade de seus produtos — de 3% a 11% da receita to­
tal de vendas. Cerca de 10% do investimento global em publicidade foi
usado nas pesquisas sobre o impulso de consumo.
A publicidade tem dois objetivos simples e mensuráveis — aumen­
tar o número de consumidores e a quantidade que eles consomem. O su­
cesso ou o fracasso geralmente são medidos em relação a estes dois crité­
rios. Substâncias que causam dependência, como o álcool, o fumo e as
drogas, são manipuladas para tornarem-se objetos de impulso de consu­
mo. Mas estes produtos levam a várias patologias médicas e psiquiátricas.
A soma de mais de um bilhão de dólares investida nos anúncios de bebi­
das alcoólicas em 1986 (cerca da metade nos anúncios de cervejas) rela-
ciona-se diretamente com as patologias ligadas ao álcool. O investimento
de meio bilhão de dólares, feito em 1986 nos anúncios de cigarros, corre­
laciona-se com as patologias ligadas ao fumo, incluindo câncer, enfise-
mas e doenças coronárias e circulatórias.

PSICOPATOLOGIA

Um conjunto substancial de pesquisas médicas concluiu que os estímulos


subliminares são responsáveis pela maioria — senão todas — das doenças
psicossomáticas. Estas doenças originam-se na mente ou nos conflitos
mentais ou emocionais (ver Dixon, Preconscious Processing, pp. 177-178). As
doenças psicossomáticas incluem paranóia, fobias e outras síndromes liga­
das ao stress, muitas das quais acabam resultante em colapsos fisiológicos.
Os estímulos conscientes e inconscientes iniciam interações entre os pro­
cessos mentais e corporais. A informação reprimida ou inconsciente
transmitida pelos anúncios geralmente envolve tabus sexuais e relaciona­
dos à morte — idéias inaceitáveis socialmente. Tais idéias, percebidas sub­
liminarmente, podem vender marcas ou produtos, mas elas também en-
90 »A ERA DA MANIPULAÇAO

tram em conflito com os sistemas de valores vigentes. Seus conteúdos fre-


qüentemente incluem apelos à homossexualidade latente, dilemas éticos,
fantasias bizarras e sugestões de auto-castração e autodestruição.
Tais conteúdos podem ser desestabilizadores ou coisa pior para al­
guns indivíduos, evocando ansiedade, raiva, medo, ressentimento, repul­
sa, ou mesmo lascívia em algum nível do continuum consciente-incons-
ciente. Reações emocionais poderosas podem ser induzidas ao grande
público sem que ele tome consciência disto.
Os efeitos fisiológicos dos estímulos subliminares são menos inten­
sos quando transmitidos através da mídia do que quando são, digamos,
transmitidos pelas relações interpessoais e pelo meio ambiente. No en­
tanto, pelo seu uso bastante difundido na publicidade, eles ocorrem com
freqüência. Não percebidos ao nível consciente, os efeitos parecem ser
cumulativos — acabando por serem integrados ao sistema cultural glo­
bal. Reações histéricas de medo foram geradas por filmes como O Exorcis­
ta e The Texas Chainsaw Massacre. Os produtores destes dois filmes admiti­
ram publicamente que eles continham estímulos subliminares violentos
e assustadores (ver Key, Media Sexploitation, pp. 98-116). Tais experiên­
cias, repetidas com freqüência, ano após ano, década após década, aca­
bam provocando mudanças fisiológicas nos espectadores.
A maioria dos indivíduos sob estimulação subliminar só sente um li­
geiro desconforto em nível consciente, se é que sente algo. Poucos têm
ciência de que algo ameaça ou atrapalha seu bem-estar. No entanto, num
período prolongado de tempo, o constante bombardeamento de estímu­
los subliminares pode levar a mudanças permanentes nos sistemas orgâ­
nicos e em seus complexos funcionamentos. A superestimulação cons­
tante dos mecanismos fisiológicos de defesa pode acabar modificando ou
exaurindo estes sistemas. Tais mudanças podem dar início a uma séria
reestruturação no inter-relacionamento fisiológico entre mente e corpo,
que varia de intensidade e significação conforme o indivíduo.
Mais ainda, demonstrou-se que os estímulos subliminares afetam as
funções fisiológicas e o comportamento, mesmo após uma!única e isola­
da exposição. O sistema de memória inconsciente parece reter a infor­
mação emocionalizada indefinidamente. As recordações induzidas su­
bliminarmente realimentam os comportamentos de várias formas que
são, até o presente momento, muito pouco entendidas. A manipulação
COMO ENTRAR NA MENTE...» 9 1

do impulso de consumir é apenas um destes comportamentos, é claro.


As reações imediatas ou retardadas aos estímulos subliminares po­
dem ativar vários sistemas fisiológicos autônomos do corpo humano. Foi
demonstrado experimentalmente que os sistemas supra-renal-neural-
cortical reagem aos estímulos subliminares. Estes inter-relacionados sis­
temas orgânicos geram as defesas mentais-corporais contra as ameaças de
agressão. As duas glândulas supra-renais, por exemplo, localizadas perto
dos rins, produzem vários hormônios importantes, especialmente a epi-
nefrina e a norepinefrina. O sistema nervoso conecta todas as glândulas
e sistemas corporais ao cérebro.
Quando um indivíduo confronta-se com o perigo, as secreções de
epinefrina estimulam a reação de medo do indivíduo e aumentam o aler­
ta mental para o perigo (reações de fuga). As secreções de neropinefrina
preparam o indivíduo para a ação, especialmente para a ação agressiva
(reações de luta). Tanto as reações de fuga como as de luta podem ser
acionadas pelos estímulos subliminares (ver Dixon, Subliminal Perception,
pp. 205-228 e Preconscious Processing, pp. 124-126; ver também Brown,
“Conceptions ofPerceptual Defense”).
Os efeitos dos estímulos subliminares nos sistemas supra-renal-neu-
ral-cortical — que interconectam os órgãos, o cérebro e o sistema nervo­
so — também podem modificar as funções homeostáticas, o modo do
corpo controlar e regular os sistemas autônomos. Isto inclui a regulagem
dos batimentos cardíacos, da pressão e da circulação sangüínea, do suor
ou da temperatura corporal e da respiração ou inspiração, que aumenta
o nível do oxigênio no sangue. Embora a reação genérica destes sistemas
autônomos aos estímulos subliminares possa ser medida, estes sistemas
são extraordinariamente complexos, inter-relacionados, sutis e apenas
parcialmente compreendidos.

O INVISÍVEL E CUMULATIVO ESTRAGO CAUSADO PELA MÍDIA


Os estímulos subliminares podem tornar um indíviduo instantaneamen­
te mais alerta e mais sensível à estimulação adicional devido às mudanças
nos sistemas de ativação do cérebro.
1. O fluxo sangüíneo pode ser desviado dos vasos periféricos e dos
órgãos digestivos para os músculos e para o cérebro.
9 2 «A ERA DA MANIPULAÇAQ

2. Os batimentos cardíacos podem se tornar mais rápidos para for­


necer mais oxigênio aos músculos e ao cérebro e para aliviar os
gastos corporais.
3. A coagulabilidade do sangue pode aumentar em resposta à amea­
ça de sangramento.
4. Os vasos sangüíneos periférios podem constringir-se para des­
viar sangue dos músculos e diminuir a perda de sangue no caso
de ferimentos.
5. O suor pode dissipar o calor gerado pela atividade dos músculos e
tornar o corpo escorregadio.
6. As pupilas podem dilatar para aumentar a capacidade de visão no
escuro ou tornar a aparência do indivíduo assustadora ou sexual­
mente estimulante.
7.0 aumento do açúcar no sangue pode diminuir o volume do sangue.
8. A respiração acelerada pode alterar as trocas de oxigênio-dióxi-
do de carbono.
9. As mudanças estomacais e intestinais podem precipitar a evacua­
ção ou a eliminação de urina.
10. Finalmente, a estimulação subliminar das secreções supra-renais
medulares (produções glandulares corporais e mentais) podem
acionar a produção de hormônios supra-renais-corticotrópicos-
pituitários, que estimulam outros importantes sistemas de defesa.
Cada parte do cérebro humano está conectada às outras partes do
cérebro e do corpo através de bilhões de redes microscópicas de neurô­
nios. Nada no inter-relacionamento mente-corpo existe isoladamente.
Os sistemas endocrinológicos, neuro-anatômicos e neurofisiológicos es­
tão todos interconectados. Os estímulos emocionalizados podem in­
fluenciar a resistência de um indivíduo às doenças, afetando o sistema
imunológico e aumentando a suscetibilidade à infecção. Os estímulos
subliminares podem excitar os processos cerebrais que estão sob sistemas
inteiros de idéias com carga emocional. Estas inter-reações entre a men­
te e o corpo também podem ser geradas pela hipnose, sugerindo haver
uma similaridade entre os efeitos da hipnose e dos fenômenos sublimina­
res sobre a fisiologia e o comportamento.
Patologias específicas têm sido relacionadas às técnicas subliminares
na mídia de publicidade. As desordens nutricionais — tais como bulimia,
COMO ENTRAR NA MENTE...» 93

pica, anorexia nervosa e obesidade — afligem cerca de 15 milhões de pes­


soas nos EUA. Uma grande proporção da propaganda de produtos ali­
mentícios utiliza técnicas subliminares, tais como as que foram demons­
tradas nas ilustrações. Mesmo assim, nunca houve uma tentativa séria de
estudar-se a relação entre a propaganda de comidas e as patologias relacio­
nadas a comida — um testemunho de influência política dos anunciantes.
A Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, realizada em 1986, indi­
cou que o homem adulto pesa entre 9 e 14 quilos a mais do que deveria, e
que a mulher adulta média pesa entre 7 e 12 quilos e mais. A população dos
EUA tornou-se substancialmente mais gorda, ao mesmo tempo em que a
mídia falava cada vez mais sobre comida saudável, exercícios e dietas. Entre
25 e 30% da população norte-americana tem excesso de peso — o maior
problema de saúde da nação. Segundo as tabelas da Metropolitan Life In­
surance, 11 milhões de pessoas nos EUA são gravemente obesas, exceden­
do o peso ideal em 40% ou mais. Entre os indivíduos obesos há três vezes
mais incidência de problemas de pressão alta e diabetes do que nos indiví­
duos normais, maior incidência de doenças cardíacas, menor expectativa
de vida e riscos bastante altos de problemas respiratórios, artritres e certos
tipos de câncer. As mulheres obesas têm cinco vezes mais chances de terem
câncer no útero do que as mulheres normais, e um maior risco de terem
câncer no cólo, reto e nos seios. As pessoas obesas sofrem mais de osteoa-
rtrites porque o peso sobrecarrega as juntas, sofrem mais acidentes e feri­
mentos porque são menos capazes de proteger-se, têm maiores dificulda­
des respiratórias e digestivas e até mais dificuldade para dormir.
Perigos similares advindos da mídia aplicam-se a outras patologias
relacionadas ao consumo, tais como o abuso e dependência do álcool, do
fumo e das drogas farmacêuticas. Substâncias ilegais que causam depen­
dência— maconha, cocaína, heroína e as chamadas designer drugs— tam­
bém são estimuladas e romantizadas pelos estímulos subliminares nos
jornais, na tevê e na música popular. O uso de drogas é amplamente cele­
brado pela mídia nos EUA. O ataque indiscriminado ao uso de drogas nu­
ma sociedade onde elas são amplamente legitimadas garante a populari­
dade destas drogas entre as pessoas emocionalmente imaturas de todas as
idades. Considerando-se as enormes quantias investidas anualmente nas
pesquisas sobre a mídia, é notável que os efeitos da mídia na saúde públi­
ca continuem sendo um assunto completamente inexplorado.
Capítulo três

O LADO DE DENTRO
DA CONSCIÊNCIA
A mais perigosa de todas as ilusões é a de que há apenas uma realidade.
Paul Watzlawick, How Real is Real?

Não há pensamentos perigosos. O pensar em si é perigoso!


Hannah Arendt, The Life of the Mind

O que vem a seguir é uma tentativa de sintetizar as visões correntes sobre


a mente humana, os sistemas perceptivos e suas fisiologias. Estas visões,
no entanto, mudam constantemente ao sabor das novas descobertas, tec­
nologias, e influências culturais. O como e o por que a percepção opera
do modo que parece operar devem ser encarados da perspectiva deste
momento particular da história. Esta análise tenta evitar prender-se a
qualquer corrente teórica específica, tais como freudiana, behaviorista,
gestalt etc. A evolução das psicologias tem se envolvido mais com a cultu­
ra do que com a ciência, adaptando-se ao que as sociedades desejam acre­
ditar ou não sobre si mesmas em cada época específica. A sabedoria con­
vencional de hoje era a visão radical de ontem que vai se tornar o nonsen­
se antiquado, obsoleto, vulgar de amanhã.
As teorias psicológicas demonstram uma peculiar adaptabilidade
aos dogmas sócio-econômicos-políticos-religiosos-culturais dominantes.
A cultura política da URSS propagou as teorias de Trofim Lysenko, um
agrônomo cujas noções sobre a influência do meio-ambiente na heredi­
tariedade foram estendidas a teorias sobre o comportamento humano.
De modo semelhante a cultura tecno-empreendedora dos EUA já fez
quase uma religião do behaviorismo de B.F.Skinner, que simplificou a
psicologia num sistema lógico-verbal sobre um homem mecanizado, com
inputs e outputs como um pequeno computador. Tanto Lysenko quanto
Skinner já passaram para a história. Cada um deles disse à sociedade de
98 • A ERA DA MANIPULAÇAO

seu tempo o que ela queria ouvir. Essa conformidade à cultura dominan­
te gerou acusações de que os cientistas sociais são tanto anti-sociais como
anti-científicos, propagandistas de uma cultura geralmente definida co­
mo o melhor dos mundos possíveis.
Como e por que o cérebro humano funciona como parece funcio­
nar ainda é um mistério. Vários cientistas descreveram exaustivamente e
detalhadamente as estruturas anatômicas do cérebro, pelo menos aque­
las que podem ser percebidas. Os processos neurológicos, circulatórios,
elétricos, hormonais, químicos, intracelulares e suas estruturas de apoio
foram medidas microscopicamente, modificados cirurgicamente, ma­
peados e manipulados experimentalmente. Mesmo assim um conheci­
mento claro e preciso sobre o funcionamento do cérebro ainda é um de­
safio à tecnologia. A afirmação mais acurada que se pode fazer sobre o cé­
rebro humano é simplesmente que ninguém sabe como e por que este
órgão funciona como parece funcionar. Os neurologistas devem ser os
que estão mais próximos de descobrir isso. No entanto, eles relatam que
não sabem virtualmente nada sobre como o cérebro armazena, sintetiza
e correlaciona as informações percebidas. Há apenas teorias — literal­
mente, centenas delas.
O estudo do cérebro humano envolve um paradoxo — estudar um
sistema usando-se o próprio sistema que está sob estudo. O dilema é fun­
damentalmente um dilema de linguagem — a singular ferramenta hu­
mana que nos permite estudar, explicar e racionalizar o mundo. E fácil
explicar o mundo com palavras e muito difícil relacionar as palavras com
as realidades. As descrições da fisiologia do cérebro (como ele trabalha)
devem ser feitas numa linguagem verbal ou matemática linear, percebida
seqüencialmente, e voltada para definições — um item de cada vez, um
sistema de cada vez, um processo e uma ação de cada vez. A linguagem é
simbólica — uma referência remota e simplista para realidades incrivel­
mente complexas, inter-relacionadas e de múltiplos processos, todos
operando ao mesmo tempo através de bilhões de redes microscópicas de
neurônios. Por mais que alguém tente descrever lingüisticamente o mo­
do de operar do cérebro, sua descrição verbal nunca poderá retratar ade­
quadamente a complexa realidade. Mesmo que a complexidade fosse
compreendida, esta compreensão teria de ser descrita em uma lingua­
gem bastante distante da realidade em questão. As palavras e os números
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 99

não são as coisas que representam, são apenas representações distantes e


simbólicas. A falibilidade da linguagem destruiu aos poucos a chamada
psicologia behaviorista, tornando-a pouco mais que uma pseudociência.
O behaviorismo tenta excluir os processos inconscientes, e tem domina­
do muito da psicologia nos EUA. O escritor Arthur Koestler descreveu o
behaviorismo como “uma monumental trivialidade marcada por uma in­
genuidade inata e uma falência intelectual”.
O mais avançado computador teoricamente possível permanece
sendo, em comparação com o cérebro humano, um brinquedo de crian­
ça. As complexidades do cérebro humano prometem continuar sendo,
num futuro previsível, o mais impenetrável enigma. Não obstante, novas
teorias psicológicas continuam sendo formuladas e publicadas a cada
ano que passa. E importante ter sempre em mente que teorias não são verdades.
Nunca apareceu uma teoria completamente válida sobre o pensamento
humano. As teorias são, no melhor dos casos, conjeturais, especulativas,
circunstanciais, projetivas e, com freqüência, pouco mais do que pensa­
mento positivo.
No pragmático mundo da tecnologia, com freqüência representa­
da distorcidamente como ciência, poucos conseguem enfatizar aquilo
que não sabem. As teorias misturam-se facilmente com as verdades per-
ceptivas. Muitos psicólogos, notavelmente a estirpe de escritores simplis­
tas como B. F. Skinner, Wilheim Wundt, Edward Thorndyke, James Cat-
tell, Abraham Flexner eJohn Dewey, sustentam que não utilizam teorias,
apenas fatos empíricos derivados de experiências com pessoas e ani­
mais. Estes behavioristas desenvolveram elaborados estratagemas se­
mânticos para evitar as teorias. Eles literalmente criaram teorias sobre
não usar teorias.
Quando reconhecidas como tais, as teorias são simplesmente meios
hipotéticos para entender-se algo, e elas podem ser úteis, especialmente
quando são a única coisa disponível. Albert Einstein comentou certa vez
que “é a teoria que decide o que podemos observar”.
Uma teoria só pode ser útil num tempo, lugar e situação específicos.
Algumas teorias têm sido mais úteis que outras. Uma coisa parece certa:
o cérebro humano não tem, nem remotamente, nada a ver com os com­
putadores — mecanismos cujas operações simplistas e repetitivas devem
ser dirigidas e controladas pelos homens. As teorias cognitivas atuais mo­
1OO«A ERA DA MANIPULAÇAO

delam o cérebro de acordo com as formas de um computador de última


linha (ver Kihstrom, The Cognitive Unconscious). Curiosamente, o livro
pioneiro de Norbert Weiner, The Human Use of Human Beings: Cybernetics
and Society (1954), conceitualizou os computadores modernos a partir de
uma comparação com o cérebro humano. Hoje em dia, os teóricos con-
ceitualizam o cérebro em comparação com o computador. Nos útlimos
35 anos, as teorias mecanicistas do funcionamento do cérebro deram
uma volta completa, modificando-se de acordo com o que as sociedades
queriam acreditar.

A INTELIGÊNCIA NÃO-INTELIGENTE

E fascinante observar a última fantasia comercial sobre os computadores


promovida pelas indústrias a favor do lucro. As fantasias recentes sobre a
inteligência e a linguagem artificiais fornecem um exemplo. O que fica
retido mais ou menos permanentemente no cérebro humano poderia
ser designado como inteligência. E claro que, se o conteúdo da memória
ficar reprimido, inacessível à consciência, esta memória não seria de
grande valia num teste de inteligência. Uma vasta literatura discute inter­
minávelmente sobre como a inteligência deveria ser definida. No en­
tanto, o que acontece com o mais sofisticado computador dificilmente é
comparável à inteligência humana. Jogos intelectuais sobre as noções de
inteligência artificial — tais como os do delicioso livro Godel, Escher, Bach,
de Douglas Hofstadter — são distrações para as horas de lazer. Mas a cons­
trução de uma linguagem artificial para comunicar-se com alienígenas
no espaço sideral já beira o absurdo. A linguagem humana, utilizada co­
mo uma ferramenta de manipulação, freqüentemente já torna difícil a
comunicação com o vizinho de porto, para não falarmos de antagonistas
como os EUA e a URSS. A inteligência dificilmente é uma qualidade que
pode ser atribuída a máquinas. Uma máquina imbecil simplesmente faz
o que lhe mandam fazer e não pode, mesmo na mais otimista das raciona­
lizações, pensar por si própria. E como este livro pretende mostrar, esta
qualidade pode ser rara até mesmo entre os homens.
Os estudos sobre o pensamento humano têm sido focalizados sobre a
percepção— como a os múltiplos artifícios sensoriais levam a informação pa­
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 1 O 1

ra dentro do cérebro — e abstração— como a informação acaba emergin­


do como comportamento e linguagem. Os processos do pensamento em si
podem ser considerados comportamentos, com os sentidos fornecendo
dados ao cérebro na velocidade de micro-segundos. Processos químicos e
hormonais também parecem estar envolvidos. As bilhões de células do cé­
rebro comunicam-se com os bilhões de neurônios sensitivos por todo o cor­
po. A percepção geralmente pode ser considerada como instantâneas total.
No entanto, a minúscula porção da percepção que torna-se aparente cons­
cientemente opera de modo bastante seletivo e muito mais lento.
Enquanto o leitor está confortavelmente sentado numa sala acon­
chegante, bem iluminada, ao lado de uma lareira onde a lenha queima
devagar, seus olhos acompanham estas linhas de símbolos verbais impres­
sas seqüencialmente. Ele concentra-se nos significados e sensações que
lhe dão as palavras, frases e parágrafos. Conscientemente, o leitor só per­
cebe as palavras impressas em cada página, percebidas pelo mecanismo
do olhar e transmitidas ao cérebro, onde as associações e idéias são gera­
das tanto no nível consciente quanto no inconsciente. Mas há muito mais
coisas ocorrendo dentro do cérebro do que aquilo de que o leitor tem
consciência. Os sons distantes do trânsito, de aparelhos de rádio ou TV, o
vento ou o clima lá fora, a temperatura, a umidade, a ionização etc., tudo
é registrado no cérebro. Há a pressão do corpo do leitor contra a cadeira,
a textura da roupa, ruídos gástricos e a sensação de fome, o sabor e a pres­
são da goma de mascar na boca, uma coceira no tornozelo, o latejar de
um antigo machucado no joelho, uma secura nos lábios e o odor e o cre-
pitar da lenha ardendo na lareira.
Estas informações, todas ao mesmo tempo, fluem continuamente
dos sentidos para o cérebro. Conscientemente, você só percebe a página
impressa. Inconscientemente, todos os dados são percebidos e processa­
dos, e alguns são armazenados para futura referência. Todo mundo tem
uma grande quantidade de informação no cérebro que nunca se tornará
conscientemente disponível.

AS DEFINIÇÕES INCLUEM E EXCLUEM

Somando-se às percepções periféricas, o cérebro interpreta e define cada


palavra da página. As definições incluem informações no nível percepti-
102 • A ERA DA MANIPULAÇAO

vo consciente e excluem material no nível inconsciente. A mente, a cul­


tura e a linguagem são intimamente inter-relacionadas e interdependen­
tes. A maioria dos indivíduos têm a ilusão de que controlam a percepção.
No melhor dos casos, este controle envolve apenas uma pequena parte
do processo. Cada cultura e cada linguagem categoriza e define a expe­
riência perceptiva de maneira diferente — controlando o que será perce­
bido conscientemente como significativo, o que será armazenado no in­
consciente ou deixado de lado como irrelevante. O processo também en­
volve as experiências passadas e necessidades emocionais do indivíduo.
Em algum momento durante o início do processo de amadurecimento,
os homens aprendem o que não devem perceber conscientemente,
aprendem a alterar e restringir suas percepções, a defenderem-se percep-
tivamente contra sentimentos ou tabus indesejáveis, contra os impulsos e
recordações que provoquem ansiedade.
Os tabus culturais e os sistemas perceptivos inconscientes tornam-
se, desse modo, fundamentais ao processo perceptive total. O que os ho­
mens pensam pensar sobre o que pensam — se fossem pessoas capazes
deste tipo de avaliação abstrata — é apenas uma fração do que está acon­
tecendo globalmente. As defesas perceptivas parecem ser um dos meios
do cérebro focalizar, canalizar, concentrar a atenção sobre uma porção
bastante limitada do enorme conjunto de informações que fluem a cada
instante para dentro, para fora e através do cérebro.
As defesas perceptivas podem ser descritas como mecanismos que su­
bordinam informações ao inconsciente. Os indivíduos não têm controle
consciente sobre as defesas perceptivas, que funcionam automaticamen­
te. A informação significativa que é anulada da percepção consciente
aparentemente fica armazenada no cérebro por tempo indefinido, ser­
vindo de feed-back para os comportamentos. O mais importante destes
comportamentos, no contexto deste livro, é o impulso consumista. No
entanto, o impulso de consumir é inconscientemente uma parte de com­
portamentos ideológicos, políticos e sociais. Muito pouco no mundo da
percepção está isolado de tudo o mais que está acontecendo na vida.
As defesa^perceptivas funcionam continuamente para limitar a per­
cepção consciente e nos permitir que nos concentremos no que estamos
fazendo em determinado momento particular. O processo de defesa per­
ceptiva garante aos homens uma ilusão da realidade simplificada, linear,
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 103

voltada para as definições verbais, e culturalmente preconceituosa —


uma abstração fantasiada do mundo, reducionista e desprovida de deta­
lhes, percebida conscientemente como a realidade daquele momento.
Os indivíduos percebem conscientemente que os olhos, os ouvidos
ou outros órgãos dos sentidos captam alguns dados e ignoram outros. Es­
ta percepção é ilusória. Os órgãos dos sentidos funcionam meramente
como mecanismos servis — transmitindo indiscriminadamente quanti­
dades prodigiosas de dados ao cérebro. O processo de edição ocorre no
córtex cerebral, a camada mais exterior do cérebro. Como isto acontece
de fato é algo que não sabemos e que talvez nunca saberemos.
Oito defesas perceptivas foram descritas, modos pelos quais escon­
demos informações de nós mesmos para evitar a ansiedade, a depressão,
a confusão e a sobrecarga perceptiva. Elas incluem a repressão, o isolamen­
to, a regressão, a formação defantasias, a sublimação, a negação, a projeção e a in-
trojeção (ver Lidz, pp.256-261). Elas podem ser de diferentes aspectos do
mesmo processo perceptivo. De qualquer forma, elas controlam signifi­
cativamente nosso dia-a-dia, nossos pensamentos, nossas ações e nossos
destinos. Aquilo que é deixado de fora (excluído da percepção conscien­
te) pode ser bem mais significativo para a sobrevivência do que aquilo
que é percebido conscientemente.
As diferenças entre as culturas humanas, no que diz respeito às per­
cepções, parecem ser uma questão de grau e perspectiva, não uma dife­
rença de gênero. As defesas perceptivas parecem ser universais, e são res­
ponsáveis por grande parte da vulnerabilidade humana à manipulação.
Todo sistema cultural é tanto um meio de conhecer quanto um meio de
não conhecer.
As defesas perceptivas inibem e distorcem a realidade, e ninguém
está completamente livre delas. Estas defesas modificam nossas visões de
nós mesmos, de nossas motivações e os relacionamentos humanos. A ma­
nipulação das defesas perceptivas pode criar sérios problemas de ajusta­
mento e sobrevivência. Por exemplo, se um líder afirma que tudo o que
diz é verdade e tudo o que seu oponente diz é propaganda, tal nonsense—
se levado à sério — prepara o palco para perigosos confrontos. A nature­
za questionável de tal afirmação desaparece quando a audiência defen­
de-se contra qualquer dúvida sobre a credibilidade do líder que acredi­
tam estar servindo lealmente a sua nação. Um certo grau de auto-ilusão,
1 04 «A ERA DA MANIPULAÇAO

no entanto, parece ser socialmente necessário. Voltaire comentou que


qualquer pessoa que fosse obrigada a se olhar no espelho da verdade fica­
ria imediatamente louca. Não obstante, a auto-ilusão, via defesas percep-
tivas, é um negócio arriscado num mundo onde a vida e a morte — e a fi­
na linha entre elas — tornaram-se algo frágil, momentâneo e hipotético.
A auto-ilusão evolui como o ingrediente básico dos sistemas culturais do
mundo — um ingrediente perigoso, capaz de iniciar o derradeiro erro
de cálculo.
Num anúncio para TV do amaciante de roupas Downy, a peça de
trinta segundos começa num quarto de crianças. A atriz diz em tom jo­
vial, “Ei! Tenho uma coisa para te mostrar!” Corte para a área genital da
atriz, onde ela segura uma garrafa de Downy com a alça apontada para
seu órgão genital. Não há nenhum quadro de seu rosto, apenas da área
genital e da garrafa de Downy. Os espectadores inocentes, se fizeram
conscientemente a associação óbvia (o que não é provável na cultura nor­
te-americana) , poderiam concluir que a associação foi acidental ou que
existe apenas na mente suja dos críticos. As defesas perceptivas protegem
os indivíduos das associações ameaçadoras.

AS DIMENSÕES OCULTAS

A repressão, geralmente considerada como o mecanismo central da de­


fesa perceptiva, envolve a expulsãc de recordações, percepções ou sen­
timentos considerados ameaçadores, traumáticos ou tabus para a per­
cepção consciente. Os acontecimentos ou as informações tornam-se
ocultos à consciência dos indivíduos. No entanto, a informação per­
manece na memória e continua sendo um ingrediente potencial de
motivações e comportamentos. Os indivíduos reprimem, assim como
os grupos ou culturas nacionais. A repressão é totalrnente automática,
não detectável conscientemente e incontrolável. A informação repri­
mida vem à tona como comportamentos. O complexo processo é mui­
to mal compreendido. A repressão pode. ser comparada à amnésia indu­
zida hipnoticamente, onde os sujeitos são orientados para esquecerem
informações específicas e então são instruídos para esquecerem que ti­
nham esquecido.
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA -105

A repressão não pode ser encarada como um fenômeno de duas al­


ternativas excludentes. Certos tipos de informação parecem ficar mais ou
menos ocultos permanentemente: as recordações dos primeiros quatro
ou cinco anos de vida ilustram isso. A informação reprimida vem à super­
fície na forma de sonhos simbólicos, racionalizações, falsas motivações e
comportamentos projetivos onde, por exemplo, projetamos o comporta­
mento de um herói de mentira em nós mesmos. As duas maiores áreas de
repressão estão ao redor da reprodução (sexo) e da morte — amore mor­
te, o começo e o fim da vida. As experiências perceptivas parecem ser mais
poderosas quando envolvem estas duas polaridades sensíveis e carrega­
das de tabus da existência humana. As sugestões subliminares de sexo e
morte são cruelmente exploradas pela indústria de comunicação de mas­
sa norte-americana.
Um aspecto freqüente da repressão, a formação reativa, geralmente
descreve a tendência de reprimir impulsos ou desejos inaceitáveis e ma­
nifestar conscientemente os seus opostos. O puritanismo austero, por
exemplo, pode ser uma formação reativa contra sentimentos hedonistas
proibidos — mas atraentes. AnwZízrou corrigirs^o atos que em geral envol­
vem comportamentos rituais como a oração, a penitência ou cerimônia
que são fantasiadas para anularem magicamente um pensamento, dese­
jo, sentimento ou atos proibidos. A anulação pode tanto ser experimen­
tada conscientemente como, com mais freqüência, ser reprimida de mo­
do que os indivíduos não percebam o jogo que estão fazendo consigo
mesmos.
Digamos que alguém cometa um ato percebido por ele ou pelas pes­
soas que lhe são significativas como algo vicioso, proibido, imperdoável­
mente cruel. Nesta altura, o indivíduo constrói justificativas para o ato,
meios com que a responsabilidade possa ser redirecionada para outra
pessoa ou outro grupo. Os homens têm uma capacidade extraordinária
de projetar a culpa de seus atos — reais ou imaginários — para outras pes­
soas. As racionalizações atuais dos alemães para as atrocidades da Segun­
da Guerra Mundial são tão engenhosas quanto as justificativas norte-
americanas para os ataques nucleares ao Japão. Tais construções percep­
tivas sociais podem ser consideradas como formações reativas. Com o
passar do tempo, as circunstâncias reais serão conscientemente modifica­
das, reprimidas ou mesmo negadas, numa forma de evitar a auto-conde-
106 • A ERA DA MANIPULAÇAO

nação. Por outro lado, alguns indivíduos ou grupos podem passar a vida
tentando expiar feitos reais ou imaginários que provoquem culpa.
A construção perceptiva desenvolvida tem muito pouco ou nada a
ver com o acontecimento original que causou todo o processo. Quanto
maior for a culpa percebida, tanto em nível consciente quanto incons­
ciente, mais dogmáticas, elaboradas e auto-exaltadoras serão as raciona­
lizações. O mecanismo parece comum a todo ser humano e a toda socie­
dade. Ele pode ser uma técnica indispensável à sobrevivência. As histórias
nacionais são freqüentemente construídas ao redor da anulação de uma
reação formativa a uma desavença reprimida que provocaria ansiedade
se fosse conscientemente deliberada.
As técnicas de repressão são utilizadas pelos meios de comunicação
de massa, tanto na publicidade quanto na venda da chamada informação
jornalística que sustenta a publicidade. A capa da Time com. Khadafi (fig.
9) é um exemplo. Se a informação conscientemente disponível é repri­
mida, ela funciona como um estímulo subliminar. A melhor estratégia é
não tomar nada como certo! Não considere nada irrelevante! O conteú­
do da mídia comercial geralmente é arrumado de forma a aumentar a
tensão e o envolvimento. Um exemplo de sobrecarga perceptiva é o con­
certo de rock onde as demandas multisensoriais assaltam o público. A so­
brecarga perceptiva também é aparente na decoração dos cassinos. As
distrações perceptivas — barulhos, luzes piscando, pessoas e garçonetes
em roupas provocativas — sonambulizam instantaneamente os jogado­
res, provocando uma conformidade comportamental e um alto grau de
sugestibilidade. O cassino moderno foi arquitetado e decorado como um
máquina comportamental de fazer dinheiro. Como no concerto de rock,
nada no design do cassino existe por acidente ou descuido. Como na mí­
dia de publicidade, cada detalhe foi exaustivamente estudado e construí­
do para dar o máximo de retorno ao investimento.
Os cassinos são vendidos pela mídia como locais de lazer e diversão.
Os cassinos de Las Vegas anunciam o jogo como “O melhor relax da Améri­
ca! ”No entanto, um passeio por um cassino revela pessoas sacudindo-se
mecanicamente nos caça-níqueis e tensamente debruçadas sobre as me­
sas de apostas. Faces sombrias e inexpressivas, parecem a robôs em sua
uniformidade. A recreação, o relaxamento ou a diversão não são aparen­
tes. Osjogadores parecem estar hipnoticamente voltados para si mesmos,
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 107

para suas fantasias privadas de ficarem ricos de repente, de viverem mo­


mentaneamente como os ricos e famosos de suas fantasias. A maior iro­
nia, é claro, é que não há nenhum Jogo de verdade ocorrendo nos cassi­
nos. O resultado de um jogo é indeterminado; nos cassinos, o resultado
sempre é certo. Os cassinos ganham. Sempre! Os jogadores autocriados
jogam apenas para perder.

Precavidamente isolado

O isolamento é uma defesa perceptiva por meio da qual os homens podem


saber de algo conscientemente mas evitar as associações que provoquem
ansiedade, culpa, depressão ou outros sentimentos ameaçadores. O iso­
lamento das associações ocorre com os indivíduos e com os grupos, e po­
de ser um produto cultural criado pelos jornalistas, pela publicidade ou
pelas estratégias de relações públicas. O isolamento não é um processo
consciente, onde o indivíduo ou o grupo decide que não vai associar uma
idéia com outra. Ele é muito mais sutil e insidioso. O isolamento pode de-
senvolver-se a partir dos interesses ocultos de um sistema cultural em evi­
tar certas conexões conscientes. O isolamento também pode ser condi­
cionado aos indivíduos através de programas de treinamento. O isola­
mento bloqueia ou redireciona o que deveria ser considerado uma asso­
ciação de idéias razoável, lógica e consciente.
A rigidez perceptiva e a conformidade são as condições para a doutrina­
ção subliminar. Os conformistas rígidos e os fanáticos parecem ser os
mais vulneráveis, porque já se apresentam querendo aceitar a comparti-
mentalização de idéias e relações. O que foi deixado de fora das defini­
ções verbais fixas freqüentemente se torna a parte mais significativa da
definição. Os terroristas são facilmente transformados em combatentes
da liberdade através de simples jogos de definição por aqueles cujas vi­
sões de mundo exijam categorizações simplistas e rígidas.
O isolamento culturalmente induzido em geral surge para legitimar
atos ou idéias que poderiam ser ofensivos ou questionáveis se percebidos
pelas associações normais. Os anúncios dão exemplos extraordinários.
Poucas pessoas percebem conscientemente o dilúvio de mídia publicitá­
ria na qual a sociedade está submersa. Os anúncios são simplesmente
1 08 «A ERA DA MANIPULAÇAO

aceitos, tomados como um aspecto normal do meio ambiente. Os médi­


cos e os representantes da saúde pública raramente declaram ver nos
anúncios alguma ameaça ao bem-estar público. Na verdade, é comum fa­
zer-se piadas sobre os anúncios e considerá-los ineficazes, algo que é sem­
pre ressaltado pelos apologistas da mídia. Mesmo assim, os empresários e
o governo sabem bem da capacidade da mídia em promover produtos,
idéias e pessoas.
O público norte-americano é freqüentemente entrevistado sobre as
causas percebidas da dependência ao álcool e às drogas. A longa lista das
causas presumidas inclui separação familiar, pressão do companheiro,
hereditariedade, falhas dos pais e tédio. A propaganda raramente é men­
cionada. A legitimação dos anúncios não é por acaso. Centenas de bi­
lhões de dólares foram investidos por anos na propaganda da propagan­
da. Uma das forças mais poderosas da sociedade, os anúncios, parecem
na superfície inócuos, insignificantes e benignos.
Desde a mais tenra infância a população é doutrinada cultural­
mente para aceitar o álcool, o fumo e os produtos farmacêuticos como
soluções aos problemas de ajustamento emocional. O campo cultural
onde isso é semeado é preparado pelos anúncios. Mais tarde, o condi­
cionamento precoce explode freqüentemente em comportamentos
auto-destrutivos e de dependência, fato que vem ocorrendo com par­
celas cada vez maiores da população. O número de fumantes adultos
caiu em cerca de um terço nos últimos trinta anos, especialmente en­
tre os grupos cujos níveis econômicos, educacionais e ocupacionais os
tornem mais capazes de defenderem-se contra a persuasão da mídia. A
proibição de anúncios de cigarros na TV ajudou, mas as verbas de pu­
blicidade foram desviadas para os anúncios impressos, para os cartazes
e filmes para o cinema.
O consumo de cigarros decaiu apenas após três décadas de crescen­
te publicidade sobre os prejuízos causados à saúde pelo fumo. Cada vez
que uma nova revelação sobre a saúde pública aparecia, os fabricantes de
cigarro aumentavam as verbas de publicidade. Mas agora a pressão sobre
os fumantes diminui bastante. Como foi ilustrado em meus quatro livros
anteriores sobre a propaganda subliminar, a indústria de cigarros utili-
zou-se amplamente das técnicas subliminares para vendê-los e justificar o
seu consumo. Qualquer pessoa que tenta parar de fumar torna-se bastan­
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 109

te perspicaz ao poder da publicidade durante o período em que está lar­


gando o vício. Os anúncios mantém milhões de fumantes em seus com­
portamentos autodestrutivos. No entanto, o hábito de fumar está se res­
tringindo cada vez mais aos grupos sócio-econômicos inferiores. No pas­
sado, a maioria dos heróis dos filmes fumava —John Wayne, Humphrey
Bogart, Robert Taylor, Gary Cooper etc. — e o mesmo faziam os persona­
gens que eles interpretavam. O cigarro era símbolo de sofisticação, hom­
bridade, coragem, sucesso, riqueza e mesmo honestidade. Hoje em dia,
por outro lado, quando o escritor apresenta alguém que fuma, o persona­
gem é invariavelmente um perdedor. No filme Atração Fatal, o hábito de
fumar simbolizava a instabilidade emocional do personagem interpreta­
do por Glenn Close.
Outro desconcertante exemplo de isolamento diz respeito à seleção e
ao treinamento das equipes de lançamento de mísseis nucleares. Essesjo-
vens oficiais são cuidadosamente selecionados, treinados e rigorosamen­
te disciplinados para evitar as associações conscientes entre as suas tare­
fas e os destinos de milhões de seres humanos das populações que são al­
vejadas. A seleção inicial dos candidatos baseia-se em testes psicológicos
com critérios estritos. O típico oficial veterano de combates geralmente
não é qualificado para o treinamento em mísseis. No combate pessoal, a
capacidade de fazer rápidas associações conscientes é vital à sobrevivên­
cia. O membro da equipe de lançamentos de mísseis deve ter o potencial
de ser disciplinado para tornar-se um profissional desumanizado, de vi­
são estreita, voltado apenas para o cumprimento de suas tarefas. Os can­
didatos recebem um rigoroso condicionamento para nunca refletirem
sobre as conseqüências humanas de seu trabalho. Doutrinados tecnolo-
gicamente, eles são ensinados a considerarem-se meros mecânicos, enge­
nheiros e administradores. Eles devem ser capazes de pôr de lado as con­
siderações pessoais. O ato derradeiro desses oficiais incinerará milhões
de homens e condenará outros milhões a mortes lentas e dolorosas. De
fato, o que resulta deste ato transformará em vapor o passado, o presente
e o futuro da civilização. A grande maioria de suas vítimas serão aqueles
que ainda não vieram à vida e que nunca virão. As monstruosas conse­
qüências talvez estejam acima da compreensão humana. Isso facilita o
isolamento e a repressão. Apenas algumas pessoas podem fazer esse tipo
de trabalho.
11O«A ERA DA MANIPULAÇAO

Através de um condicionamento psicológico implacável e rigoroso,


a Força Aérea treina a equipe de mísseis a ter obsessões tecnológicas fan­
tasiosas, totalrnente distantes das realidades humanas. Nunca é permiti­
do aos treinandos perguntarem os porquês. A confiança cega é o esmaga­
dor objetivo central. As equipes de mísseis vivem sob vigilância, sendo
constantemente testadas e avaliadas sobre “fraquezas” psicológicas. A al­
ta incidência de distúrbios mentais é comum entre os membros destas
equipes, motivo pelo qual eles são geralmente transferidos para missões
com menor nível de pressão. As definições de distúrbio mental do Co­
mando Aéreo Estratégico são curiosas. No mundo real, apenas um psico­
pata grave poderia lançar um missel nuclear. A insanidade deve ser refor­
mada para parecer sanidade e vice-versa. A mínima indicação de que um
membro da equipe de lançamentos de mísseis poderá não cumprir sua
missão quando for ordenado a fazê-lo resulta no fim de sua carreira. No
entanto, em algum lugar de suas mentes, estes oficiais continuam saben­
do exatamente o que estão fazendo. A loucura, para alguns, é uma saída
razoável deste paradoxo.
O testemunho do julgamento de Nuremberg e do julgamento de
Adolf Eichmann em Tel Aviv confirma que os nazistas encaravam um
problema similar na seleção e treinamento dos oficiais e funcionários
dos campos de extermínio da SS. A dedicação rigorosa e disciplinada à
tecnologia, o patriotismo fanático, o zelo religioso e outras preocupa­
ções obsessivas, tudo isto era utilizado nos cuidadosamente planejados
programas de seleção e treinamento. As percepções da realidade eram
reconstruídas. Isolava-se o trabalho nos campos de quaisquer considera­
ções humanas, éticas e legais. Não era qualquer um que podia ser quali­
ficado como um executor de massas. Os veteranos de combate geral­
mente eram excluídos. Os membros da SS eram encarados como uma
elite seleta, patriotas dedicados, homens e mulheres capazes de sacrifí­
cios heróicos por sua nação.
Após a vitória, poucos dos investigadores aliados comprenderam o
que havia ocorrido a partir da perspectiva nazista. Os homens e as mu­
lheres da SS eram encarados com horror pelas nações aliadas, conside­
rados como um grupo escolhido entre monstros sádicos e psicóticos.
Eles foram bodes expiatórios convenientes, poucos culpados pelos peca­
dos de muitos. Os SS não eram percebidos como psicopatas na Alemanha
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «111

nazista. Eles refletiam os mais altos ideais do 39 Reich. A maioria das so­
ciedades define o psicopata como um indivíduo instável, não confiável,
irresponsável e doente mental, preocupado com suas próprias fantasias.
Os voluntários da SS eram considerados o que havia de mais desejável na
cidadania alemã. Soberbamente treinados, eles isolavam os atos diários
de qualquer consideração humana. Eles serviam e obedeciam, eram téc­
nicos extraordinários que agiam nobremente para o bem maior, para a
sobrevivência de seu modo de vida, de sua liberdade e de sua fé na lide­
rança nazista.
O isolamento como defesa perceptiva representa um importante
papel no mundo atual. Não é sempre fácil determinar se uma informa­
ção foi isolada, reprimida ou ambas. O isolamento separa a emoção dos
pensamentos ou idéias ao suprimir as associações ou o reconhecimento
consciente das conseqüências. Quando a formação reativa, a anulação e
o isolamento se combinam, as preces públicas pela paz e boa vontade po­
dem estar escondendo desejos inconscientes de guerra como uma válvu­
la de escape da agressão, da auto-indulgência, da aquisição de poder e lu­
cro ou uma combinação de tudo isto.
Hoje, as lideranças militares dos EUA e da URSS destruíram crimi­
nosamente aviões civis, coreanos e iranianos, assassinando centenas de
homens, mulheres e crianças inocentes. As duas nações deram justificati­
vas idênticas e rídiculas — a culpa pelas tragédias foi das companhias aé­
reas civis. Que tais racionalizações fossem consideradas aceitáveis de­
monstra a falta de consciência e o poder do isolamento repressivo que do­
minam o que se faz passar por moralidade mundial. Os moralistas profis­
sionais de ambas as nações não fizeram muita coisa além de explorar as
vantagens da publicidade. Cada qual ignorou seu próprio terrorismo en­
quanto condenava aquele praticado pelo outro lado.

ESCONDENDO-SE POR TRÁS DE NÚMEROS

A quantificação é outra técnica de isolamento. Os números inibem o uso


consciente das informações e são geralmente percebidos como um fato
incontestável. A quantificação (pelo menos entre os não-matemáticos)
também implica em objetividade— outra estrutura de crença mitológica.
1 1 2 «A ERA DA MANIPULAÇAO

A quantificação, estatística ou matemática, pode ser utilizada para isolar


informações das percepções voltadas para a realidade, das descrições ver­
bais e das referências contrárias. Os números oferecem uma técnica ex­
traordinária de despersonalizar e desumanizar as pessoas. Nos campos de
extermínio nazistas, registros numéricos detalhados mascaravam e legiti­
mavam os horrores infligidos a seres humanos. A contagem diária de cor­
pos — corpos inimigos, é claro; os nossos eram “casualidades” — realiza­
da pelos militares dos EUA no Vietnã mascarava a chacina para muitos
americanos.
A objetividade numérica é uma mentira. Como a linguagem verbal,
as designações numéricas devem ser abstraídas pelos homens. Elas estão
sujeitas a diferentes interpretações tanto do emissor quanto do receptor.
Os números constituem apenas uma outra linguagem, com seus parado­
xos embutidos, suas confusões, contradições e ordens ocultas.
Os assim chamados fatos científicos — como muito da realidade
percebida — raramente são o que parecem ser. No momento em que um
fato científico é mencionado em apoio a algum argumento, ele não tem
mais nada de científico ou de fato. Ao mesmo tempo em que os métodos
científicos de pesquisa, examinação e descoberta produziram meios efi­
cazes de explorar-se o desconhecido, a ciência torna-se um tolo troféu
psicológico quando usada para exaltar uma indústria, uma causa, uma
ideologia, um produto, uma pessoa, um grupo ou uma nação. Fatos cien­
tíficos inquestionáveis atribuíveis a fontes de grande credibilidade impõem um
fim ao pensamento crítico. Especialmente nas culturas de alta tecnolo­
gia, a ciência é aceita como uma criação mitológica feita à imagem de
Deus, presumidamente onisciente, onipresente e onipotente.
Os avanços científicos reais geralmente surgem da descoberta de er­
ros nos julgamentos perceptivos humanos, julgamentos que já foram eles
mesmos considerados científicos. Os avanços científicos são novas for­
mulações perceptivas que corrigem erros ou omissões anteriores. O pro­
cesso continua infinitamente, sempre com um grau de incerteza conside­
rável. As pessoas que têm algo para vender geralmente colocam a tecno­
logia e a ciência no mesmo saco. A tecnologia é uma máquina, um brin­
quedo eletrônico, uma invenção lucrativa ou processo que pode ser facil­
mente percebido, lucrativamente produzido e utilmente aplicado. Tudo
isso não tem nem remotamente algo a ver com a exploração científica. A
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «113

ilusão de verdade científica dá a palavra final, tomando o lugar das con­


firmações juramentadas de validade. A verdade científica, aceita sem re­
servas ou questionamento, isola o indivíduo das percepções da realidade
que estão em constante mudança. A ciência deve ser sempre encarada co­
mo hipotética. A descoberta da “verdade” acaba com o processo científi­
co e intelectual.

Regressão: marchando em direção ao passado

A regressão é talvez a mais facilmente observável das defesas perceptivas.


Ela ocorre durante toda a vida como uma parte recorrente do desenvol­
vimento. No entanto, quando as pessoas tornam-se obsessivas em suas re­
gressões, elas abstêm-se das percepções voltadas para a realidade. Isto
ocorre, por exemplo, quando indivíduos ou grupos lutam excessivamen­
te por independência e então voltam a um ponto onde se sentem segu­
ros, protegidos, onde outros assumem a responsabilidade por suas vidas.
A regressão ocorre coletivamente nas nações que buscam no passado so­
luções fantasiosas para os ameaçadores dilemas do presente.
O Velho Oeste, a comemoração das vitórias militares e os prover­
biais “bons velhos tempos” são exemplos dos EUA. Os “bons velhos tem­
pos” de Norman Rockwell e Garrison Keillor são fantasias nostálgicas de
um mundo que nunca existiu a não ser na imaginação atual. Tais fanta­
sias idealizadas proporcionam um véu para as desagradáveis realidades
do momento. Muitos precisam desesperadamente acreditar que tal mun­
do existiu, onde a segurança se fazia em simplistas chavões morais, onde
o medo e a ansiedade estavam ausentes, onde a família e os amigos eram
confiáveis. Quanto menos as realidades contemporâneas forem percebi­
das, mais intensa será a busca regressiva por segurança.
A regressão começa cedo na vida e pode ser considerada uma das
principais técnicas de adaptação às instabilidades sempre presentes nas
realidades percebidas. A regressão pode ser estabelecida tão firmemente
na infância que tais tendências dependentes parecem normais e natu­
rais. A regressão também pode tomar a direção oposta. A dependência
pode ser rejeitada por um culto fantasioso à independência, à autonomia
e à ausência de regras e responsabilidades sociais. Para onde quer que vá
114 • A ERA DA MANIPULAÇAO

a regressão, ela depende de uma rejeição da realidade percebida em fa­


vor de uma fantasia simplificada sobre “como nós éramos”.
O fracasso individual ou grupai em superar a regressão e lidar com
a conformação à realidade pode evoluir em uma psicopatologia mais gra­
ve. A indústria de comunicação de massa desenvolveu o mecanismo de
regressão numa bonanza de bilhões de dólares anuais. Anos após a série
de TV Bonanza ter terminado, os turistas continuavam indo a Nevada pa­
ra procurar o local onde ficava o riacho Ponderosa original. O rancho, ou
qualquer coisa que parecesse com ele, nunca existiu fora de Hollywood.
O Velho Oeste real foi um pesadelo de corrupção, doenças, desconforto,
privações, ambição, injustiça e criminalidade, lado a lado com as ameaças
iminentes de uma morte violenta.
A fantasia domina como um substituto para uma realidade que di­
ficilmente seria vendável, seja para o público seja para o anunciante. As
fantasias construídas pela mídia sobre as várias guerras — Vietnã, Co­
réia, as duas guerras mundiais, a guerra do México, a guerra civil, a
guerra da independência etc. — tornaram-se versões glorificadas de
uma realidade sombria, complexa, brutal e moralmente indefensável.
As populações constantemente doutrinadas por tais fantasias perdem a
habilidade de distinguir entre ilusão e realidade. As fantasias regressi­
vas podem ser uma ameaça ao ajustamento e à sobrevivência. Uma pes­
soa que tente resolver algum problema complexo de vida cotidiana
com as técnicas utilizadas nas fantasias de violência por atores como
Sylvester Stallone, Clint Eastwood, Charles Bronson e John Wayne, po­
de encontrar-se, muito rapidamente, na prisão ou num hospital psi­
quiátrico.
Os assim chamados valores tradicionais existem em todos os siste­
mas culturais conhecidos. No entanto, olhar para trás na história enquan­
to a nação ou o indivíduo caminha para frente em direção a um futuro
perigoso e desconhecido, é uma forma de evitar a realidade. Mesmo
quando pesquisado por um historiador profissional, o passado é uma
construção de fantasia. Os bons velhos tempos adaptam percepções ideali­
zadas do passado às necessidades percebidas do presente — uma fantasia
adaptada a uma fantasia. O velho oeste, é claro, olhava para trás em dire­
ção ao velho leste, em busca de sistemas de valores básicos. O velho leste,
por sua vez, olhava para trás em direção à Europa Ocidental. Cada época
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA *115

cria uma mitologia sobre seus predecessores, com valores que parecem
inalcançáveis no período contemporâneo.
E claro que o principal problema com a história é que apenas uma
pequena parte do que realmente aconteceu pode ser conhecida. O co­
nhecimento é sempre enviesado, subjetivo. O que é conhecido, em sua
maior parte, é o que certos indivíduos ou grupos queriam saber. As histó­
rias são altamente seletivas, assim como são os preconceitos que jazem
consciente e inconscientemente por detrás da percepção humana. Os
preconceitos por detrás da história podem ser muito mais intrigantes e
esclarecedores do que os fatos históricos. Parece ser uma necessidade hu­
mana básica perceber o passado como uma justificativa para o futuro. As
histórias são vitais para as identidades individuais e grupais, são os tijolos
fundamentais da cultura. Geralmente elas são transmitidas verbalmente
de geração em geração. As histórias escritas ainda são uma invenção no­
va, representando apenas os últimos dois mil anos. Se as histórias não ti­
vessem existido, elas teriam sido inventadas.
A necessidade psicológica de projetar as incertezas do presente so­
bre a fantasia de um passado estável deve constituir a vulnerabilidade per­
ceptiva mais significante na herança humana. Nos EUA, é claro, o passa­
do é criado pela indústria de comunicação de massa em busca do lucro,
do poder ou dos dois. A história dos Estados Unidos, como a maioria das
histórias nacionais, conta para as pessoas aquilo que elas querem ouvir so­
bre si mesmas. A “história objetiva” é uma criação tão mitológica como
qualquer outra coisa “objetiva”. Os preconceitos inerentes à percepção
humana nunca desaparecerão. Uma ciência matemática da história é tão
inconcebível quanto uma história internacional do mundo, uma história
aceitável a todas as culturas.
A técnica da regressão é cada vez mais utilizada na propaganda de
bebidas alcoólicas. Retratado por um ator com quem o público-alvo pos­
sa se identificar, o bebedor é cercado por amigos e familiares que lhe acei­
tam, perdoam e não exigem nada. Eles aceitam o bebedor do modo com
que ele percebe a si mesmo — amável, dependente, amigo, bem-humo­
rado, uma companhia agradável. O uísque 7 Crown, da Seagran, promo­
veu uma série de anúncios em revistas que retratavam um monte de gen­
te em festas. Havia sempre uma pessoa na multidão que se sobressaía, cer­
cada por amigos calorosos e tolerantes, uma pessoa que se encaixava no
1 1 6 »A ERA DA MANIPULAÇAO

grupo de forma jovial e sincera, uma pessoa que poderia aceitar ou recu­
sar um drinque. Este indivíduo especial chegava a ser mostrado como al­
guém que não bebia mas apoiava feliz os outros que bebiam. A vida real
nunca é assim para os alcoólatras incipientes, é claro. Em geral eles são
dolorosamente embaraçantes para seus amigos, familiares e patrões,
bem o oposto de suas fantasias de si mesmos.

Formação de fantasia: mitologia versus realidade

A mitologia geralmente é associada com a história antiga, e os povos mo­


dernos enxergam a si mesmos como libertos de tais noções primitivas.
Percebemos a nós mesmos como realistas pragmáticos a toda prova, bem
distantes das superstições de ontem — do mesmo modo que os gregos an­
tigos se percebiam e todas as sociedades que existiram entre nós e eles.
Não obstante, estamos todos envolvidos pela formação de fantasias,
uma subordinação da realidade a um mundo de fantasias, habitado por
pessoas de fantasia, em relações e situações de fantasia. Este processo in­
consciente proporciona uma estrutura de apoio para escapes da aceita­
ção madura da realidade. Quando combinada com elementos de regres­
são a um passado de glórias, segurança, justiça, e honestidade imaginá­
rias, a formação de fantasias pode tornar-se obsessiva.
Quando firmemente enraizada na realidade, a fantasia criativa po­
de ser um trunfo. Mas fechar-se em pensamentos positivos e mágicos —
ao lado da busca por uma gratificação sensual fantasiosa — pode arrastar
indivíduos e grupos a sérias psico ou sociopatologias. Constantemente
reforçadas pela mídia de alta credibilidade, as fantasias podem tornar-se
a realidade percebida de uma sociedade. O absurdo medo do capitalis­
mo, deliberadamente gerado na URSS, só é igualado pelo medo do co­
munismo nos EUA. Tais medos resultam da manipulação das tendências
paranóicas latentes na maioria das populações. Freqüentemente, quan­
do a fantasia domina a realidade, qualquer pessoa que questione a fanta­
sia será, como forma de defesa, considerada subversiva, insana ou mesmo
criminosa. A roman tização da justiça pode impedir a busca de justiça. A
substituição da realidade pela fantasia em qualquer área da vida pode se
tornar trágica e até mesmo íetal.
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA -117

Lucrativamente manipulados pelas indústrias de comunicação, os


mecanismos da formação de fantasias tornaram-se instrumentos de po­
der, status e privilégio. As formações de fantasias via estereótipos de ju­
deus, mulheres, comunistas, negros, homossexuais e hereges (virtual­
mente qualquer um que não seja como “nós”), fizeram as vítimas funda­
mentais da Santa Inquisição, do 32 Reich, e de muitas outras ditaduras.
Os prisioneiros políticos ou ideológicos estão sujeitos a punições e tortu­
ras muito mais bárbaras do que aquelas infligidas aos assassinos, ladrões,
estupradores e outros criminosos.
As fantasias sobre fantasmas, duendes, feiticeiras e hereges estão tão
distantes da realidade quanto as fantasias sobre os estereótipos étnicos,
políticos, culturais, psicológicos ou sociais. As decisões baseadas nas fan­
tasias de uma nação sobre as fantasias de outra nação, representadas co­
mo se fossem realidades, dão-nos poucas esperanças de sobrevivência.

SUBLIMAÇÀO: ABDOMINAIS, CORRIDAS E DUCHAS FRIAS

A sublimação não é, estritamente falando, uma defesa perceptiva incons­


ciente, embora ela possa tornar-se compulsiva, obsessiva e envolver moti­
vações inconscientes. A sublimação é um aspecto normal e essencial do
crescimento, do desenvolvimento e da socialização humanas. Impulsos e
desejos tabus ou conscientemente inaceitáveis são sublimados, canaliza­
dos em atividades mais construtivas ou socialmente aceitáveis. Nos com­
portamentos auto-destrutivos, como no viciado em trabalho compulsivo
ou em outras estratégias de abstenção obsessivas, a sublimação pode evo­
luir para um pesadelo.
A sublimação envolve trocar o lugar da energia libidinal, agressiva
ou de alguma forma inaceitável, por contra-energias ou impulsos. As
competições atléticas e acadêmicas ou o trabalho compulsivo podem ser
substitutos para a raiva, a preocupação sexual ou as sensibilidades do ego.
A sublimação pode ocorrer em resposta a motivações inconscientes, mas
é em si mesma um comportamento conscientemente determinado. No
entanto, quase nunca fica claro onde a repressão e a sublimação come­
çam ou terminam. O limiar entre a percepção consciente e inconsciente
é uma fronteira delicada e em constante movimento.
1 1 8 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

Os esforços excessivos para a obtenção de conquistas, poder, dinhei­


ro ou controle sobre os outros envolve sublimação. O idealismo ou fana­
tismo religiosos freqüentemente derivam das tentativas individuais ou
grupais de lidar com emoções, desejos, projeções de fantasias e sentimen­
tos poderosos, mas inaceitáveis.

Negação: isto não ocorreu

A negação é usada por indivíduos, grupos ou mesmo nações para se de­


fenderem contra sentimentos, contradições, pensamentos ou aconteci­
mentos pertubadores. Uma situação desagradável simplesmente torna-
se inexistente. A responsabilidade ou culpa simplesmente é projetada
para alguma outra pessoa. A repressão e a negação freqüentemente são
inter-relacionadas e indistinguíveis. A negação é muito mais sutil do que
simples mentiras ou distorções. As mentiras geralmente são descobertas
e expostas. A negação é um mecanismo inconsciente que permite a qual­
quer um fugir da tomada de consciência. A negação pode até evoluir pa­
ra uma poderosa convicção. Ela está freqüentemente envolvida no fer­
vor religioso, nos conflitos matrimonais irreconciliáveis, no nacionalis­
mo chauvinista, no idealismo político ou nacional e é um aspecto fre-
qüente da fé cega.
A negação nos salva da forca quando somos confrontados com fatos
desagradáveis que podem ser verificados ou com informações contraditó­
rias. Por exemplo, não há virtualmente nada de construtivo ou elogioso que
alguém possa dizer publicamente nos EUA sobre o governo comunista da
URSS e vice-versa. Depois de cerca de setenta anos de confronto antagôni­
co, as duas populações foram exaustivamente condicionadas a desumanizar
uma a outra. Consciente e inconscientemente, cada uma das sociedades é
doutrinada para negar qualquer outra visão que não a mais negativa que
tem sobre a outra. Qualquer pessoa com autonomia de pensamento suspei­
taria da consistência da visão negativa que cada lado tem do outro. (A con­
sistência é outra ilusão construída sobre os assuntos humanos.) A única coi­
sa consistente sobre os seres humanos é sua inconsistência.
A negação culturalmente reforçada torna-se o que cada lado perce­
be como sendo suposições normais e razóaveis sobre o outro lado. Cada
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA *119

um nega a validade, as justificativas, o idealismo, as convicções, a legitimi­


dade, as motivações humanas e a integridade do outro. Se uma criança
agisse dessa forma, ela poderia ser punida e ir para cama sem jantar. Para
sustentar-se por um longo período de tempo, a negação deve ter alguma
justificativa fatual perceptível, que pode ser criada ou simplesmente esco­
lhida e tirada de seu contexto. Se você quer desagradar alguém, sempre
pode descobrir uma razão para isso. As fontes de alta credibilidade sem­
pre podem reforçar a negação. Este mecanismo de defesa raramente é
poderoso o suficiente para autoperpetuar-se quando oposto por uma res­
peitável maioria.
A formação reativa pode acompanhar a negação, tornando um sen­
timento inaceitável em seu oposto. Sentimentos de ciúme ou raiva, por
exemplo, podem ser negados, anulados e transformados em confiança e
amor aparentes. O processo de transformação é completamente incons­
ciente e serve como uma capa para os sentimentos inaceitáveis, que per­
sistem no inconsciente embora seja provável que venham à tona mais ce­
do ou mais tarde.
Os conselheiros matrimonais comentam com freqüência sobre a
união de casais incompatíveis, um fenômeno culturalmente integrado
em muitas culturas ocidentais. Pessoas incompatíveis atraem-se como
imãs — “no meio da multidão”, “amor à primeira vista”, ”o amor chegou”,
“desde o primeiro momento..” A atração mútua entre pessoas incompa­
tíveis é poderosa e freqüentemente irresistível. Cada indivíduo transfor­
ma a hostilidade e a desconfiança subjacentes em amor ou atração física
consciente e emocionalmente arrebatadora.
O amor da mídia, tal como é refletido pelas novelas, sempre retrata
este tipo de relacionamento como ideal. Eles raramente seguem o “ver­
dadeiro amor” dois, cinco, dez ou vinte anos depois, de infelicidade, di­
vórcio e tragédia. Um padre que trabalhava como conselheiro matrimo­
nial comentou: “Os indivíduos são criaturas de Deus, feitos à sua imagem.
O processo do casamento, no entanto, parece ser operado pelo diabo. Os
modelos da mídia persuadem dois indivíduos totalrnente incompatíveis
a compartilharem suas experiências de vida. Baseando suas vidas sobre as
fantasias da mídia, especialmente aquelas que enfatizam a indulgência
sensual, com certeza os membros deste casal sujeitarão um ao outro às
torturas dos danados. A felicidade celeste transforma-se incontrolavel-
1 20 *A ERA DA MANIPULAÇAO

mente no Inferno de Dante.” Novelas de sucesso, talvez, mas relações hu­


manas viciosas e mutuamente destrutivas.

Projeção e introjeção: a quem culpar?

A projeção e a introjeção são defesas perceptivas extremamente importan­


tes, tanto para os indivíduos quanto para a indústria de comunicação de
massa. Estas defesas são transformadas, via mídia, em comportamentos
públicos de larga escala. Ambas são completamente inconscientes aos in­
divíduos afetados. Elas parecem, como as outras defesas perceptivas, na­
turais, lógicas, razoáveis e sustentadas por fatos percebidos, por consenso
e por fontes respeitadas. As imagens projetivas são universalmente falsas.
Elas projetam generalizações estereotipadas que podem ser boas ou más,
raramente ambas as coisas (o que seria mais consistente com a realida­
de) . O público, com o reforço da mídia, constrói perceptivamente uma
imagem fantasiada dos líbios, dos coreanos do norte, dos nicaragüenses,
dos palestinos, iranianos, russos ou qualquer um que apareça como o an­
tagonista do momento. Construções de imagens similares são feitas entre
as pessoas que são os alvos da projeção estereotipada. Estereótipos que se
reforçam mutuamente envolvem invariavelmente fantasias generaliza­
das de bandido e mocinho — e nenhum dos dois tem nada a ver com a
realidade. As projeções inconscientemente envolvem repressão, negação
e formação de fantasia.
Os estereótipos projetivos inconscientemente projetam abstrações
poderosas, simplificadas e que se confirmam mutuamente. Estas fanta­
sias podem justificar uma ampla gama de comportamentos perigosos e
até mesmo homicídios. As projeções mascaram a diversidade humana, as
motivações complexas e a informação fatual, por trás das barreiras da in­
tolerância cega e dos rótulos simplistas. Os indivíduos são reduzidos a ob­
jetos. Este processo devastador é vergonhosamente manipulado pelos lí­
deres mundiais, que com freqüência projetam suas motivações ocultas
em seus adversários. Nós simplesmente acusamos os outros por aquilo
que nós mesmos estamos tentando realizar na busca pelo poder e pelo lu­
cro. As projeções aparecem em afirmativas como “você não pode confiar”
nos soviéticos, nos cubanos, nos árabes, nos japoneses, nos alemães, nos
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «12 1

chineses, nos índios, em pessoas com mais ou com menos de trinta anos
etc. O processo, uma vez posto em movimento, é inconsciente aos indiví­
duos e aos grupos. E quando a mídia dá o seu impulso, cada vez menos in­
divíduos questionam ou opõem-se a estas fantasias.
Enquanto as ginásticas projetivas são um aspecto consciente de uma
estratégia com efeito calculado, elas simplesmente deturpam a realidade
para influenciar opiniões. Isto pressupõe que o outro lado está informa­
do sobre a projeção e conscientemente considera seu nonsense retórico
como uma forma de atrair votos, vender produtos e pessoas ou agradar
ao público. Os sérios dilemas ocorrem quando as pessoas facilmente in­
fluenciáveis acreditam nas estratégias projetivas. Adolf Hitler contou ao
mundo, em sua autobiografia Mein Kampf escrita em 1926, exatamente o
que planejava para a Alemanha, Europa, Rússia, para os comunistas, ju­
deus e para o mundo. Os líderes da época recusaram-se a acreditar em
suas insanas fantasias projetivas, que pareciam mera retórica cinicamen­
te criada para ganhar eleições e poder. Tal retórica foi usada em todo o
mundo, e ainda o é, como um meio de induzir e agitar as multidões, com
respostas simplistas para questões complexas.
Por outro lado, se as mentiras projetivas, os exageros e as manipu­
lações são percebidos como verdadeiros, esta percepção pode ser ter­
minal para todos os envolvidos. Quando os agitadores norte-america­
nos em Moscou, ou suas contrapartes em Washington, disparam sua re­
tórica projetiva e violenta, o mundo pode apenas prender a respiração
na esperança de que eles estão blefando para alcançarem algum objeti­
vo momentâneo; e, é claro, na esperança que o outro lado vai conside­
rar os insultos como um simples jogo teatral criado apenas para efeito
de propaganda.
A projeção é aceita inconscientemente como verdade por aqueles
que não entendem a estratégia. Isto pode constituir a prática manipula-
dora mais perigosa do mundo. Sobreviver a tais conflitos, como na crise
cubana dos mísseis em 1962, depende da capacidade de cada lado em
avaliar corretamente as mentiras projetivas, os exageros e as manipula­
ções do outro lado. Se alguémjá tivesse realmente considerado a retórica
projetiva como válida — e se os soviéticos forem capazes de uma reação
nuclear estratégica — o planeta Terra já poderia muito bem ter deixado
de existir.
1 22 • A ERA DA MANIPULAÇAO

Mudando do dramático para o banal, toda marca de produto exces­


sivamente propagandeada passa por pesquisas de mercado exaustivas so­
bre suas vantagens e fraquezas em relação a seus concorrentes. Geral­
mente, os anúncios enfatizam como vantagens de determinada marca
aquelas qualidades percebidas como deficientes em seus concorrentes.
Como a maioria das marcas no mercado são fabricadas com maquinário,
matéria-prima, tecnologia e força de trabalho similares, estas marcas são
bastante semelhantes entre si. As realidades são similares. No entanto, as
realidades percebidas, manipuladas pelos anúncios, parecem bastante
diferentes entre si. As diferenças são mais cosméticas do que substanciais.
As diferenças percebidas são manipuladas projetivamente através da in­
dução de projeções inconscientes entre os consumidores. Assim o Suba­
ru é “o tipo de carro que a Mercedes teria construído se fosse um pouco
mais econômica e muito mais inventiva.” (Acredite em nós. Não menti­
riamos para você.)
E, um anúncio do cigarro Merit proclama, “Quase todo cigarro com
baixo teor de alcatrão afirma que tem mais sabor e menos alcatrão. Mas
experimente alguns deles e estas afirmações viram fumaça. Com Merit há
a verdadeira diferença. Chama-se Sabor Enriquecido. Só Merit tem isto.”
(Na verdade, os fumantes são anestesiados e acabam com o aroma e o sa­
bor enriquecidos.) A goma de mascar Stay Trim anuncia: “Na hora que
seu remédio para emagrecer começar a funcionar pode ser tarde demais.”
(Se você acreditar nisso, assim será.) O gim Gorden vem da “Inglaterra —
conhecida por seus playboys. E por seu gim.” (O gim ajuda os playboys em
suas “diversões solitárias”.) E Noxzema promete, “finalmente, uma loção
de limpeza que não agride a sua pele.” (Incrível, o presidente sabe disso?)
O ciúme nas relações matrimoniais geralmente também é a mani­
festação de uma projeção. Um dos membros do casal projeta suas infide­
lidades, reais ou fantasiosas, no outro. A projeção é uma defesa percepti­
va complexa que cumpre sua parte numa ampla gama de psicopatolo-
gias, assim como nas relações cotidianas. O processo pode ser compara­
do aos esforços para livrar o corpo de alguma irritação, desconforto, ten­
são ou frustração. A projeção também pode envolver desejos inconscien­
tes de livrar-se de algum desejo ou sentimento inaceitável.
Na mídia, seja na área de entretenimento seja na estruturação de
notícias e informações, os escritores tecem caracterizações projetivas em
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «123

suas estórias. São personagens com os quais o público se identificará ou


fará uma projeção. As caracterizações projetivas podem ser negativas ou
positivas, mas geralmente refletem valores arquetípicos.
Por exemplo, o personagem J.R. Ewing, da série Dallas, foi criado
pelo autor, pelo diretor e pelo ator a partir das identificações projetivas
de homens mais velhos de baixa e média renda, que poderiam odiar J.R.
pela malícia, ambição e concupiscência que negam em si mesmos, ou
gostar dele por agir da forma que gostariam de agir mas não ousariam fa­
zer. O Archie Bunker de All in the Family proporciona ao público uma
identificação projetiva com o fanático como sendo um bom sujeito. In­
divíduos preconceituosos, constantemente sob pressão numa sociedade
onde a discriminação declarada tornou-se impopular, podem projetar
em Archie suas próprias frustrações e seus dilemas. Este programa de TV
foi bastante aclamado por opor-se aos preconceitos, o que fez para os
segmentos do público que se divertiam gozando de um fanático não
muito inteligente. No entanto, o grande público nacional, que susten­
tou a série por vários anos, comportava grandes segmentos de público
com forte atração à intolerância projetiva. De fato, Archie Bunker falava
a cada segmento aquilo que ele queria ouvir. Mais uma vez, muito pouca
coisa nos meios de comunicação de massa é aquilo que superficialmen­
te parece ser.
Marshall McLuhan descreveu as projeções como o “Entorpecimen­
to de Narciso”. Quando passamos horas e mais horas envolvidos pela mí­
dia, inconscientemente projetamos e nos identificamos com os heróis e
contra os vilões. O público identifica-se com os personagens de anúncios,
das novelas e das notícias em um contexto simplista e estereotipado de
bandido-mocinho. Indiretamente, o público transforma-se nos persona­
gens, projetando-se em seus papéis de uma forma que entorpece, aneste­
sia e insensibiliza contra as intrusões da realidade. Rambo transforma-se
de herói de estórias em quadrinhos na solução potencial para as comple­
xidades do mundo real. Da perspectiva do investidor, o único persona­
gem intolerável nas novelas, nos anúncios ou nas notícias é aquele que
passa desapercebido. Ele pode ser amado ou odiado, mas perderá o em­
prego se o público ignorá-lo.
O visual e a atuação dos grupos de rock são outro exemplo de iden­
tificação projetiva. As imagens, criadas por sofisticadas companhias que
1 24 -A ERA DA MANIPULAÇAO

investem em música, são construídas para revoltarem instantaneamente


os pais e provocarem pânico sobre o bem-estar de seus filhos. Para o pú­
blico imaturo, o grupo deve projetar seu desafio à supervisão paterna e às
restrições morais, ser uma afronta a todo tipo de figura de autoridade. A
construção da música e dos grupos de rock é baseada nas instabilidades
inerentes à idade de seus fãs. Os grupos de Heavy Metal, por exemplo,
são criados para projetarem uma fantasia de Satã como o salvador nas
mentes sensíveis e nas neuroses dos adolescentes das classes mais baixas.
O Heavy Metal tem dado um lucro enorme às gravadoras, mas tem pro­
movido o suicídio e a violência anti-social como uma resposta aos proble­
mas dos adolescentes.

A CULPA É MINHA

A introjeção é paralela à projeção; ela é tomar para si mesmo, de maneira


inconsciente, a responsabilidade pelos maus pensamentos, sentimentos
inaceitáveis, desconfianças e desacatos cometidos por outros. O processo
introjetivo é tipificado pelos pensamentos. “Não é culpa dele, ele não é
mau. Eu sou! ” Ou então, “Eles não são hostis a mim. Eles não gostam de
mim porque eu sou hostil a eles. Sou eu que não presto!” As pessoas po­
dem culpar a si mesmas ou projetar em si mesmas aspectos negativos de
outra pessoas. A auto-condenação pode ser percebida como um modo de
preservar um amor necessário ou uma figura de identificação.
Por exemplo, quando a projeção construída pelo rock é bem suce­
dida e os fãs afastaram-se das amadas figuras de autoridade, a introjeção
pode desenvolver-se como um comportamento compensatório. Os rebel­
des imaturos e manipulados acabam culpando a si mesmos por sua revol­
ta. Mesmo entre os indivíduos que foram empurrados para o alcoolismo
e para as drogas, os músicos, as músicas e seus promotores raramente são
culpados. Os fãs prejudicados invariavelmente culpam a si mesmos. O re­
sultado é uma trágica perda de auto-estima.
Muito da indústria de comunicação de massa depende da explora­
ção e manipulação das fraquezas humanas. O único tema consistente per­
meando todas as propagandas é a inferioridade do consumidor. Por uma
comparação inconsciente, o consumidor tem de ser um perdedor, um ser
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA *125

cheio de defeitos e medíocre. Os modelos de publicidade são sempre gla-


mourosos e desejáveis. A idealização funciona como a cenoura inatingível
que é balançada em frente ao asno. A cenoura pode ser balançada a ape­
nas um passo de ser alcançada por toda uma vida de consumidor.
Quando os indivíduos são persuadidos a olharem a si mesmos como
inferiores, eles podem ser levados a consumir qualquer produto ou mar­
ca que prometa realização e completude humana. O consumo suposta­
mente trará a sempre impalpável perfeição. As promessas dos anuncian­
tes, é claro, permanecem nunca sendo cumpridas, e o indivíduo submer­
ge gradualmente na fantasia do consumo como um fim em si mesmo. Os
consumidores dependentes dos anúncios tornam-se cada vez mais insa­
tisfeitos. O fracasso sem alcançar o ideal proposto pelos anúncios é devas­
tador ao amor-próprio. No entanto, este mecanismo se autoperpetua. Os
consumidores são empurrados de um novo produto para outro, e para
outro, para outro, outro e outro, enquanto a vida continua na rotina do
consumismo. Eles consomem, portanto existem.
Capítulo quatro

Mídia: a máquina de
LAVAGEM CEREBRAL
Aquele que tenta colocar-se a si mesmo como juiz da verdade e do
conhecimento é destruído pela gargalhada dos deuses.
Albert Einstein, The Evolution ofPhysics

A visão que um homem tem do mundo é e sempre será uma construção de


sua mente, e nada pode provar que tenha outra existência.
Irwin Schrodinger, Mind and Matter

Nós construímos este mundo, em sua maior parte, deforma inconsciente —


simplesmente porque não sabemos como fazemos isso.
Ernst von Glasersfeld, Introduction to Radical Constructivism

Num pequeno mas muito importante volume publicado em 1973, o


Prêmio Nobel Konrad Lorenz fez um esboço dos Oito Pecados Capitais do
Homem Civilizado', aquelas áreas sujeitas a um desastre iminente que fo­
ram criadas e sustentadas pelas chamadas civilizações modernas. Cada
uma dessas oito áreas tem potencial para pôr um fim em nossa herança
biológica e social dentro de um século ou menos — possivelmente mui­
to menos. A lista de pecados de Lorenz é sinistra e familiar: energia e ar­
mas, superpopulação, destruição ambiental de sentimentos, abuso de
energias inventadas e inovadoras, degenerescência genética, destrui­
ção das tradições e a possibilidade dos homens serem doutrinados.
E a última delas que torna todas as outras possíveis. Se os homens
podem ser doutrinados para irracionalmente empreenderem sua pró­
pria autodestruição — como tem sido feito particularmente nas culturas
de alta tecnologia — o processo deve ser reversível. Devemos ao menos
ter esperança de que uma auto-aniquilação não é algo inevitável. Mas é
claro que as tecnologias de doutrinação são bem conhecidas por todo o
mundo. Nos EUA, a mídia comercial, isto é, a máquina de propaganda e
de relações-públicas, doutrina e controla a cultura e, através da cultura,
as construções perceptivas da população em geral.
A propaganda político-econômico-cultural está presente no mais
simples anúncio — muito mais poderosa como implicação do que como
afirmação declarada. Na URSS e nas outras nações do bloco comunista, a
130 • A ERA DA MANIPULAÇAO

ideologia política é propagandeada abertamente, o que na prática pode


tornar a mídia muito menos eficaz. Propaganda que parece propaganda
e soa como propaganda tem de dar errado. Os especialistas em informa­
ção soviéticos dificilmente vendem seu sistema político e ideológico com
o fervor que seus equivalentes da Madison Avenue dedicam à propagan­
da de desodorantes.
A possibilidade da doutrinação, contudo, não é nunca aparente pa­
ra os doutrinados.
Os doutrinados são todos eles, é lógico, e o que é muito mais difícil de
admitir, todos nós. Com suas pretensões lingüísticas à superioridade, a es­
pécie humana é de longe a mais vulnerável a persuasão, doutrinação,
propaganda, lavagem cerebral, programação, condicionamento ou qual­
quer outro rótulo que queiram usar. Em experimentos de laboratório, os
macacos são recompensados pela obediência, normalmente com uma
bolacha. Os homens têm sido ensinados a obedecer quando recompen­
sados apenas com uma figura de bolacha, carregada com palavras sex su­
bliminares. As pessoas mais vulneráveis à doutrinação são as que vivem
em sociedades tecnológicas manipuladas pela mídia. A população dos
EUA, submetida a cerca de 150 bilhões de dólares de investimentos em
anúncios em 1989, é a sociedade mais exaustivamente bombardeada pe­
la propaganda que jamais existiu.
E digno de nota que virtualmente todos, nos países desenvolvidos,
tentam acreditar que são imunes à doutrinação. Eles pensam que pen­
sam por si mesmos e que sabem prontamente diferenciar entre a verdade
e o erro, a fantasia e a realidade, a superstição e a ciência, o fato e a ficção.
Culturas tecnologicamente sofisticadas estão condicionadas a aceitar sis­
temas de crenças, comportamentos e valores que teriam sido rejeitados
imediatamente por seus antepassados da Idade da Pedra. Os homens pri­
mitivos sentiríam instantaneamente as ameaças óbvias para a sobrevivên­
cia e a adaptação, ou o simples absurdo, inerentes a muitas das tão estima­
das crenças da sociedade moderna. Muitos leitores deste livro não conse­
guem distinguir uma garrafa quebrada de verdade de uma imitação, ou
um cubo de gelo de verdade de um de brincadeira. Será que eles podem
ser levados a sério em suas pretensões de saber o que está acontecendo
em Washington, Moscou ou em suas próprias salas-de-estar?
As populações do mundo consideradas “livres, cultas, inteligentes e
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL *13 1

civilizadas” constituem hoje o maior perigo para a sobrevivência mun­


dial. Elas são, em geral, inconscientes da extensão em que são manipula­
das, manobradas e condicionadas pela mídia, pelos governos, pelos líde­
res e pelas instituições que servem aos interesses financeiros de seus siste­
mas políticos, sociais e econômicos. O capital e as elites dominantes se
mostram uma constante através da evolução das sociedades humanas —
talvez a única constante nas organizações sociais.
A questão de como os homens pensam que pensam é central para a conti­
nuidade da civilização como nós a conhecemos. Infelizmente, essa ques­
tão normalmente provoca um sentimento de ultraje, raiva, irritação, au­
todefesa ou aborrecimento. As pessoas mais vulneráveis e mais vitimiza­
das pelos sistemas de doutrinação serão as mais resistentes a discutir sua
própria doutrinação.
A questão da “realidade objetiva” parece fundamental para a sobre­
vivência do homem neste século e no próximo. Parece impossível saber
com certeza o que acontece à nossa volta, a qualquer momento que seja.
Nós somos uma parte integrante da realidade que percebemos. Jamais se
descobriu um modo por meio do qual as pessoas possam se separar de
suas percepções e sua miríade de perspectivas inatas. Auto-ajudar-se com
percepções inconscientes é absurdo, impossível. As percepções que se
tem da realidade são produtos de um condicionamento sócio-político-
econômico inconsciente. Ao longo do tempo, essas percepções se juntam
para formar perspectivas culturais.
Por cerca de 2 mil anos, cientistas e estudiosos têm questionado se
existe uma realidade exterior, independente da mente. Tem sido difícil,
especialmente para os homens e mulheres ditos civilizados, aceitar que a
percepção e a experiência humana existem somente no cérebro. Isto in­
clui religiões, ideologias, conhecimento e tudo o que é percebido duran­
te toda a vida.
A ambiência, tal como é percebida, mostra-se em grande parte uma
invenção, em geral manipulada de acordo com os interesses daqueles
que tiram proveito do condicionamento perceptivo humano. Entre as es­
pécies da Terra, somente os homens parecem fabricar seu próprio pensa­
mento, conhecimento, percepções cognitivas e, conseqüentemente, suas
ações. Poucos, contudo, reconhecem conscientemente que fazem isso
por si mesmos ou que alguém o faz por eles, ou ambas as coisas. Os ho-
1 32 "A ERA DA MANIPULAÇAO

mens têm comumente projetadojustificações de comportamentos sobre


alguma “realidade objetiva” fantasiosa.
A natureza questionável daquilo que aceitamos como a realidade obje­
tiva ou verdade permanece reprimida, escondida da consciência, e no en­
tanto sempre presente sob a superfície do plano consciente. Essa ameaça
subterrânea à validade perceptiva leva-nos a defesas constituídas por ilu­
sões e racionalizações mais fortes e cada vez mais violentas. A repressão
não ocorre acidentalmente ou casualmente. Os homens reprimem in­
conscientemente para evitar ansiedade ou confrontos inesperados com a
realidade. Os ideólogos, os mais reprimidos de todos, vêem seu mundo co­
mo um lugar simples, simétrico e lógico que evita a complexidade, a con­
tradição, a inconsistência ou o paradoxo, e têm um temor permanente de
serem incapazes de suportar uma realidade indefinida ou incerta.
A ignorância dos ideólogos acontece não porque eles não sabem.
Muitos não querem saber como fabricam sua realidade, quem controla o pro­
cesso de fabricação e quais os objetivos, programas e mecanismos ocultos
ou invisíveis do jogo. A maior parte de nós dá o mundo por certo em de­
masia. Ele estava aqui muito antes que os homens evoluíssem. E assume-
se tacitamente que ele estará aqui muito depois de terem desaparecido.
As aflições diárias da vida são, em sua maior parte, uma preocupação ex­
clusiva com o consumir.
Desde Platão, muitojá se discutiu sobre como os homens chegaram ao
seu conhecimento da realidade, e sobre o quão confiável e acurado esse co­
nhecimento pode ser. Uma ameaça comum através do que há registrado
por cerca de 2 mil anos de ciência e filosofia é que a verdade deve estar rela­
cionada a alguma idéia de realidade objetiva. A fim de ser considerada ver­
dade, uma proposição deve ser verificável e estar relacionada a alguma reali­
dade objetiva e definível verbalmente presente no mundo à nossa volta. A
mais nobre preocupação da humanidade tem sido a busca da verdade. Con­
tudo, cada vez que a wn&zdefoi descoberta, o resultado foi um dano trágico.

A REALIDADE OBJETIVA É REAL?

Na Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant argumenta, em 1783, que a


mente humana não desenvolve leis a partir de uma realidade objetiva.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «133

mas impõe essas leis à realidade, conformando-a a idéias pré-concebidas,


motivos, interesses pessoais, perspectivas e condicionamentos culturais.
Embora a Crítica ainda seja lida, o seu questionamento da realidade per­
cebida é geralmente deixado de lado. A idéia é subversiva, ameaçadora,
certamente incompatível com as sabedorias convencionais de uma socie­
dade de alta tecnologia.
Os homens e as mulheres ditos modernos são bem doutrinados —
especialmente muitos daqueles considerados cientistas, acadêmicos, es­
pecialistas e figuras de autoridade — e altamente disciplinados em ter­
mos de conformidade cultural. Eles raramente questionam a idéia de
que a verdade verbal sempre deve estar a par com a realidade percebida
— uma impossibilidade. Qualquer sugestão de que as realidades são um
produto variável, fabricado pelas perspectivas da percepção, imediata­
mente ameaça a maneira segundo a qual as pessoas têm sido condiciona­
das a interpretar seu mundo.
Estas questões parecem à primeira vista complicadas, distantes de
preocupações imediatas e nem um pouco práticas. Elas são facilmente ig­
noradas, muito embora a natureza das realidades percebidas seja um as­
pecto fundamental do processo decisório diariamente presente nos ne­
gócios, no governo, nos relacionamentos familiares, na estratégia militar
e em quase todas as outras áreas da atividade humana. Muitos se conven­
cem de que não têm condições de entender as questões e não têm nenhu­
ma razão para se preocupar com as respostas.
E fascinante, e geralmente divertido, observar as pessoas tentando
lidar com a revelação do que está por trás de alguma propaganda sublimi­
nar. O problema não é nunca o fato delas não conseguirem perceber as
obscenidades embutidas; quase todos as percebem com bastante facilida­
de. Mas eles não querem lidar conscientemente com as mensagens em­
butidas, e em geral procurarão de alguma forma escapar da situação. A
idéia de doutrinação subliminar evoca temor em muitas pessoas. Este au­
tor já foi acusado de hipnotizar platéias e leitores, colocando idéias sujas
em suas cabeças, brincando de jogos projetivos com pranchas de Rors­
chach, forçando as pessoas a verem imagens pornográficas que na verda­
de não existiam. Qualquer um que duvide do poder da repressão pode
simplesmente tentar explicar as ilustrações deste livro para seus amigos,
vizinhos e familiares.
1 34 «A ERA DA MANIPULAÇAO

Fortalecidos contra qualquer ataque ao mundo tal como eles foram


doutrinados para percebê-lo, os homens geralmente canalizam tais ame-
ças para o cesto de lixo da repressão. O poder da repressão individual ou
grupai não deveria nunca ser desprezado. Ao longo de muitos séculos trá­
gicos, as pessoas têm se defendido, inclusive com violência, contra intui-
ções perturbadoras sobre como eles sabem que sabem.
Para uma pessoa comum, prática, intransigente, isto provavelmente
parece à primeira vista um nonsense filosófico — uma conjetura, uma es­
peculação desprovida de sentido, uma afetação maçante, apenas mais um
exercício vão de como muitos anjos podem dançar numa cabeça de alfine­
te. Nada poderia estar mais longe da verdade! A continuidade da vida hu­
mana e daquilo que passa por civilização se baseará na capacidade de des­
fazer o dilema colocado acima. Nossa crença sobre como nós pensamos que
pensamos é a base para boa parte das suposições que o mundo faz a seu pró­
prio respeito. Muitas dessas suposições apontam para a autodestruição.
O cérebro humano cria, ou constrói, sua própria percepção da reali­
dade em relação a suas pressuposições doutrinadas, seus motivos fabrica­
dos, seus interesses pessoais e seu background cultural. Nós fabricamos de
fato idéias, conceitos e percepções — ou então a mídia faz este trabalho
para nós. Por exemplo, as pessoas inventam seus amigos e seus inimigos,
seus amores e seus ódios, o sucesso e o fracasso, as verdades e as falácias.
Idéias tais como liberdade, democracia, justiça, segurança, junto com um
dicionário de conceitos verbais similares, continuam a guiar nossas deci­
sões — ao menos conscientemente; tais conceitos verbais, contudo, signi­
ficam coisas diferentes para diferentes pessoas. Contradições geralmente
tornam os conceitos sem sentido. As nações socialistas, por exemplo, defi­
nem essas generalizações de modo muito diferente do mundo capitalista,
o mundo latino de forma diferente do mundo inglês, o cristão do muçul­
mano, o católico do protestante. Os terroristas de uma nação são os defen­
sores da liberdade da outra.
O economista Thorstein Veblen considerou como “psicose ocupa­
cional” o fato de a visão que determinada sociedade tem dos meios de
subsistência ser a fonte condicionadora básica do comportamento e dos
juízos de valor. Uma simples ponte sobre um precipício poderá ser vista
de maneira muito diferente por motoristas de caminhão, pedestres, pla­
nejadores urbanos, banqueiros, engenheiros, ciclistas ou donas-de-casa.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL *135

O viés econômico é um aspecto extremamente importante da percepção,


embora o fenômeno seja certamente muito mais complexo — operando
tanto em níveis conscientes como inconscientes.
Nos EUA, na URSS e em outras sociedades tecnologicamente avan­
çadas, o principal instrumento para a fabricação das percepções da reali­
dade são os meios de comunicação de massa. Nos EUA essa mídia é con­
trolada para refletir as percepções da realidade dos executivos de gran­
des empresas, instituições ideologicamente compatíveis. Seus interesses
próprios coletivos tornam-se culturalmente integrados, cegamente ou in­
conscientemente aceitos pelas populações-alvo como percepções da rea­
lidade de fato, como verdades.
Isto não inclui os eventos, as polêmicas, os altos e baixos, os conflitos,
os sucessos ou fracassos superficiais do dia-a-dia dentro do sistema; trata-
se antes das estruturas de crenças básicas e subjacentes, coisas considera­
das verdadeiras em níveis conscientes, se não inconscientes, da percepção.
Estruturas de crenças normalmente passam despercebidas para as pessoas
que as sustentam. Pressupostos ou expectativas são tidos como certos,
aceitos sem questionamento, considerados como fatos imutáveis da vida.
Atacar ou questionar essas suposições, cuja ancoragem mais firme numa
pessoa se dá em níveis inconscientes, é considerado normalmente como
um ato subversivo, ou pior, se o ataque é levado a sério pelos outros. O psi­
cólogo infantil francês Jean Piaget observou uma vez que “a inteligência
ou conhecimento organiza o mundo organizando a si mesma.”
Uma analogia útil poderia ser extraída do jornalismo informativo nor­
te-americano, organizado para vender anúncios, que benevolentemente fa­
la mais aos leitores sobre eles mesmos do que sobre acontecimentos de re­
percussão internacional. Essas “notícias” realçam a infinita sabedoria, no­
breza, bondade, prazer, bom gosto — todos os valores de uma auto-imagem
positiva. Neste nível perceptivo, uma informação negativa engendraria uma
rejeição consciente por parte do público.
A pseudo-informação embelezada e romantizada a respeito das
celebridades, por exemplo, confirma interminavelmente os objetivos
estereotipados unidimensionais com os quais as platéias se identifi­
cam. Numa abordagem realística, as pessoas nunca farão sucesso na re­
vista People. A People cria e sustenta celebridades fictícias projetadas pa­
ra vender a revista e seus anúncios. Das revistas feitas para os fãs adoles-
1 3 6 • A ERA DA MANIFULÀÇAO

centes às entrevistas com ricos e famosos veiculados pelas redes de te­


levisão, a indústria de exploração das celebridades funciona como
anúncio para anúncios.
A propaganda e o jornalismo informativo trabalham de modo simi­
lar. O público é o assunto básico disfarçadamente embutido em cada sen­
tença, cada imagem, cada cenário. A credibilidade se baseia não em per­
cepções factuais verificáveis, mas nas identificações e projeções do públi­
co. As fantasias de realidade da mídia, fabricadas de acordo com o inte­
resse dos anunciantes, refletem as necessidades emocionais do público
— o que eles querem ouvir sobre si mesmos é incluído', aquilo que pode­
ria ofender suas projeções fantasiosas é excluído.
O público alvo da mídia, condicionado por décadas de constante re­
forço de pensamento positivo a respeito de si mesmo, perde sua capacidade
de discriminar entre fantasias perceptivas e realidades. Periodicamente,
acontecem fatos que não podem ser varridos para debaixo do tapete per-
ceptivo e se impõem sobre a atenção do público. Informações desagradá­
veis, em conflito com as percepções que o povo tem da realidade, podem ser
consideradas por um curto período de tempo. Mas notícias realmente más
serão no fim das contas reprimidas e desaparecerão da atenção do público.
O jornalista I. F. Stone construiu uma sólida e bem-sucedida carrei­
ra expondo trapaças, fraudes e mentiras feitas por políticos. Stone simpli­
ficou o problema: “Todo governo é dirigido por mentirosos, e a nada do
que eles dizem deve ser dado crédito.” O problema é que ele deixou de
lado metade da equação. Nenhuma mentira funciona a menos que al­
guém esteja querendo acreditar nek. As pessoas geralmente preferem
mentiras a verdades, se elas mantiveram suas tão valorizadas auto-ima-
gens. Esta condição é, ao menos parcialmente, produto de uma imersão
prolongada na massagem da mídia.
Ninguém consegue impor uma mentira ou deturpação explícita
impunemente se o público quer realmente saber o que de fato aconte­
ceu. As vítimas participam nos crimes de seus algozes. Para que uma tra­
paça dê certo, os que estão sendo trapaceados devem participar do jogo.
Platéias alertas, críticas e questionadoras não serão nunca enganadas.
Antes elas terão de ser persuadidas a confiar, acreditar, ter fé e aceitar as
“verdades objetivas” de seus manipuladores.
O viés perceptivo também exerce um importante papel na manipu­
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL * 1 37

lação. A seleção de um único estímulo sensorial relega os outros sentidos


ao status de canais inconscientes e subliminares de acesso ao cérebro. A
visão, por exemplo, é uma experiência subjugadora. Se alguma coisa pas­
sa uma boa imagem, a sensibilidade dos muitos outros canais de entrada
de informação no cérebro é desligada no plano consciente, embora eles
permaneçam ativos a nível subliminar.
Em uma experiência, 24 estudantes passaram um fim-de-semana em
um monastério canadense. Durante os três dias, o grupo esteve continua­
mente com os olhos vendados. As vendas tinham um enchimento que im­
pedia a percepção do menor sinal luminoso. A maior parte dos estudan­
tes aprendeu a cozinhar, vestir-se e cuidar de si mesmo sem depender da
visão. A experiência foi marcante e reveladora. Pela primeira vez em suas
vidas, eles perceberam o potencial sensório não-utilizado que há em cada
ser humano. Dois estudantes, cegos de nascença, foram incluídos no gru­
po para servirem de guias para outros.
No segundo dia, os estudantes sabiam — eles não estavam certos de
como podiam saber — quando um animal entrava na sala. Muitos distin-
guiam com precisão se o animal era um gato ou um cão. A maior parte po­
dia caminhar rapidamente por um pomar de macieiras sem esbarrar nas
árvores ou nos companheiros. Uns poucos podiam mesmo correr por en­
tre as árvores. Os estudantes também registraram posteriormente que
eles de alguma maneira entendiam os sentimentos profundos dos outros
muito mais claramente do que antes. Muitos acharam mais fácil confiarow
— em várias circunstâncias — desconfiar dos motivos, da sinceridade ou
da honestidade dos outros. Vários deles desistiram no segundo dia. A des­
coberta de toda uma gama de potenciais sensórios — a maior parte dos
quais disponível através de uma modalidade não-verbal, afetiva e intuiti­
va de consciência — foi emocionalmente insuportável.
Em sua autobiografia, Jacques Lusseyran registrou suas experiên­
cias durante a Segunda Guerra Mundial como líder de um grupo francês,
Défense de la France, que combateu com sucesso as forças de ocupação na­
zistas. Lusseyran perdeu a visão quando tinha oito anos de idade. Ainda
um jovem acadêmico, ele organizou uma célula da Resistência que de­
pois se juntou à organização maior. O único papel de Lusseyran era o de
interrogar novos candidatos. Cego, ele podia conhecer a pessoa através
da voz, do cheiro e de movimentos audíveis, e assim eliminou traidores,
1 38 «A ERA DA MANIPULAÇAO

covardes e emocionalmente inaptos com uma estranha precisão. Lussey-


ran usou o termo “cheiro moral” para descrever suas percepções cegas de
pessoas que enxergavam. “Eles não eram de nenhum modo”, explicou,
“como diziam ser. Eles nunca suspeitaram que eu podia ler suas vozes co­
mo um livro.” Posteriormente capturado, passou quinze meses como pri­
sioneiro em Buchenwald. Ele estava entre os trinta que, dos 2 mil que
com ele foram levados, sobreviveram. No fim Lusseyran tornou-se profes­
sor na Cleveland’s Western Reserve University. E extremamente difícil, se
não impossível, mentir de forma bem-sucedida para uma pessoa cega. Es­
ta é uma das razões por que os que vêem geralmente se sentem descon­
fortáveis pertos de cegos, sem saber o porquê.
Enquanto a verdade permanece um produto evasivo e efêmero da
percepção, uma aproximação remota ou, no melhor dos casos, uma ava­
liação bem-intencionada da realidade de múltiplos níveis, as mentiras
calculadas são comparativamente fáceis de descobrir, a menos que inte­
resses pessoais anestesiem a agilidade perceptiva. Num artigo fartamente
documentado publicado pelo respeitado ColumbiaJournalism Review, An­
thony Marro, editor-diretor da Newsday, fez uma lista destruidora de men­
tiras patentes de recentes presidentes e suas administrações. Algumas das
mentiras poderiam serjustificadas vagamente por considerações de defe­
sa nacional. Marro demonstrou que a Casa Branca de Reagan transfor­
mou mentiras em instrumentos institucionalizados de administração pú­
blica. A aparência de Reagan e sua habilidade profissional de ator com a
comunicação não-verbal escondiam poderosamente a substância e o con­
teúdo freqüentemente insípidos de sua retórica. A manipulação de infor­
mações tornou-se uma estratégia principal. Pior, as mentiras de Reagan
eram motivadas por interesses políticos — não pela segurança nacional.
O presidente Reagan mentiu para o mundo em um nível sem preceden­
tes na história recente, o que é uma realização significativa, se considera­
mos as impressionantes políticas de manipulação de informações dos
presidentes Lyndon Johnson e Richard Nixon.
Abertamente, de forma calculista, olhando nos olhos de sua platéia,
Reagan mentiu em grande escala a respeito de um orçamento equilibra­
do, da invasão de Granada, dos selos em produtos alimentícios e dos be­
neficiários da previdência, de El Salvador, Nicarágua, América Central,
Griente Médio, dos direitos civis, dos compromissos com os deficientes e
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL >139

os aposentados, da proteção do meio ambiente, das leis da previdência


social para casos de invalidez, do ataque à Líbia, dos gastos militares, do
déficit federal, da Iniciativa de Defesa Estratégica {Star Wars). Uma consi­
derável pirâmide de mentiras e imposturas cercou os carregamentos se­
cretos de armas para os iranianos e o financiamento ilegal dos “contras”
na Nicarágua, uma questão que se tornou um constrangimento prejudi­
cial para os EUA e seus aliados. Qualquer pessoa com um mínimo conta­
to com a realidade poderia ter antecipado esta conseqüência lógica do
embuste propagandístico operando no mais alto nível de crédito e con­
fiança. Infelizmente, este não é o único exemplo recente de manipulação
e fraude em políticas governamentais de informação. Considerando a
natureza culturalmente institucionalizada da manipulação pública, pro­
vavelmente não será o último.
Estas mentiras não incluem afirmações que refletem uma diferença
honesta de opinião, de interpretação ou de ênfase. Estas mentiras foram
deturpações específicas e sabidas de dados registrados, verificados e fa-
tuais. O mecanismo de deturpação é bem conhecido pelos políticos. O
presidente pode mentir como um vendedor de carros usados diante de
oitenta milhões de pessoas assistindo à televisão; a divulgação subseqüen-
te de dados errôneos surge de forma fragmentada, gradativa e descoor-
denada ao longo de dias, semanas ou meses. As histórias de acompanha­
mento desses processos aparecem de forma obscura no Washington Post,
New York Times, Wall StreetJournal, Atlantic Monthly e outras publicações. O
jornalista James Nathan Miller conta no Atlantic sobre as doze horas de
pesquisa necessárias para demostrar a falsidade de apenas uma sentença
de um discurso de Reagan. Somando ao problema do tempo o da neces­
sária perícia para fazer tal trabalho, os editores de todo o país relutam em
atacar as fantasias de seus leitores, a menos que as histórias se tornem
realmente importantes.
Marro citou o pedido de desculpas do presidente Reagan pelas
mentiras, anunciado por sua equipe de relações-públicas, que disse que
“não importa se algumas de suas (do presidente) histórias são ou não li­
teralmente verdadeiras — suas inúmeras afirmações errôneas a respeito
de fatos, sua confusão de detalhes e suas repetidas histórias sobre supos­
tas fraudes na previdência que ninguém conseguiu confirmar, por exem­
plo — porque elas contêm uma verdade maior”. De acordo com Bill Kova-
140 «A ERA DA MANIPULAÇAO

ch, editor no New York Times, “estamos lidando com uma administração
que afirma sem constrangimento — e já afirmou anteriormente — que a
verdade literal não tem sido uma de suas preocupações.” David Wise es­
creveu em seu perturbador The Politics of Lying que “o principal critério
no governo não é a verdade, mas o oposto, a criação de mentiras que se­
rão suficientemente plausíveis para serem aceitas como verdade, menti­
ras nas quais as pessoas acreditarão.”
A importância de tudo isso não é apenas a existência de mentirosos
ocupando posições elevadas. A maior parte das pessoasjá conhecia esse fa­
to em algum nível de conhecimento. O que é importante, especialmente
no mundo perigoso de hoje em dia, é que as populações aceitam a menti­
ra como um aspecto normal de política governamental. Os mentirosos,
como dissemos há pouco, não podem ter sucesso a menos que encontrem
pessoas dispostas a cooperar — vítimas entusiasmadas iludidas para acre­
ditarem que também se beneficiarão das mentiras.

Auto-adulação: a pedra fundamental

A auto-adulação da audiência, seja de forma aberta ou, o que é mais fre-


qüente, dissimulada, é a pedra fundamental da comunicação comercial
eficaz. Acima de tudo, deve-se falar às audiências aquilo que elas querem
ouvir sobre si mesmas. O fenômeno não é exclusivo de nenhuma cultura
específica. Informações negativas serão em geral ignoradas, reprimidas
ou barradas por alguma outra defesa perceptiva.
A média dos jornais norte-americanos é composta hoje em dia por
95% de anúncios. A percepção inconsciente não discrimina entre a cha­
mada notícia e a informação popagandística. A maior parte dos leitores
não traça uma distinção clara entre as duas, e nem poderia. Aos níveis
perceptivos inconscientes, informação é simplesmente informação ar­
mazenada num vasto sistema de memória de nenhum modo comparti-
mentalizado com bom ou mau, verdadeiro ou falso, fantasia ou realida­
de. Juízos de valor parecem ser uma função da deliberação consciente. O
público não é condicionado conscientemente a aceitar notícias como
verdades e anúncios como mentiras. Poderia ser, contudo, válido explo­
rar a idéia, visto que ela poderia resolver várias questões importantes de
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL *141

saúde pública e sanidade. Infelizmente, o mundo das realidades tais co­


mo são percebidas não é tão simples.
O resíduo de informação acumulado no nível inconsciente provê o
programa ou a distorção cultural básica sobre o qual outros sistemas ou
estruturas perceptivas conscientes são organizados. Através deste resíduo
de informação, pessoas e grupos definem quem eles são e aonde estão in­
do, e criam hierarquias de valores básicos. Esta analogia deve, é claro, ser
multiplicada por todas as outras exposições perceptivas à mídia que acon­
tecem a cada dia, semana, mês, ano e década. Cada veículo de comunica­
ção manufatura ou produz uma orientação residual, totalrnente invisível
para indivíduos, grupos e nações envolvidos. A orientação é onipresente
e provê uma tela cultural através da qual são filtrados eventos locais, en­
tretenimentos, diversões e distrações momentâneas.
Em um seminário sobre cultura e tecnologia, levantou-se a questão
do que um alienígena do espaço percebería da cultura dos EUA depois
de uma breve visita. O grupo fez uma lista das coisas óbvias: abuso maci­
ço do álcool e de drogas, indiferença para com os problemas dos outros,
entrega aos prazeres dos sentidos sem inteligência, desintegração fami­
liar, criminalidade e violência desnecessária — a lista de horrores enche
várias páginas. Esses eram assuntos dos quais a maior parte das pessoas
sensíveis, socialmente preocupadas e informadas seriam conscientes, vis­
to que eles aparecem regularmente na mídia informativa e são ampla­
mente discutidos e debatidos. O seminário, no fim, conclui que o aliení­
gena provavelmente teria uma visão assustadora dos EUA, talvez con­
cluindo que o lugar era um caso perdido.
Essas observações, contudo, foram feitas por pessoas que passaram
suas vidas na cultura norte-americana. O alienígena, ao menos por certo
tempo, conseguiría uma maior objetividade. Será que ele percebería o mes­
mo mundo visto pelos membros do seminário? O que foi deixado fora do ce­
nário são aquelas coisas que os norte-americanos raramente questionam. A
coisa mais óbvia para o alienígena seria nossa incapacidade para perceber
conscientemente nossa própria cumplicidade e envolvimento com a longa
lista de doenças sociais e os lucros que delas tiramos. Existe, por exemplo,
um prodigioso investimento legal no crime, na doença, na pobreza e na to­
xicomania, do qual muitas pessoas e instituições se beneficiam.
Outra coisa óbvia para um observador alienígena seriam as contra­
142 «A ERA DA MANIPULAÇAO

dições, que poderiam incluir as continuamente reiteradas crenças na li­


berdade, na democracia e na igualdade contrastadas com a pronta dispo­
sição para controlar e explorar outros povos; ou crenças declaradas na
paz e na boa vontade contrastadas com a manutenção de excessivo poder
militar. A crença na igualdade de oportunidades contrasta com a realida­
de da supressão das minorias ou grupos divergentes. A dedicação decla­
rada ao bem comum contrasta com a ganância e a disposição para sacrifi­
car quase tudo ou todos em prol da preservação de um status privilegiado
e da propriedade privada.
As contradições são normalmente invisíveis e reprimidas por aque­
les que estão no veio principal da cultura — os beneficiários do sistema —
mas estão ao alcance do forasteiro cultural — o alienígena do espaço ou
o de um gueto de pobres, de negros, de hispânicos ou índios — para
quem são óbvias. A conclusão do alienígena bem poderia ser que, na ver­
dade, a Terra é um caso perdido. Por outro lado, o alienígena poderia
concluir que se os humanos pudessem aprender a perceber à sua volta
suas repressões culturais, nacionalismos, preconceitos e interesses finan­
ceiros — e especialmente suas fantasias a respeito de uma verdade objeti­
va — eles poderiam no final resolver seus dilemas.
A tarefa de conhecer ou perceber o que parece estar acontecendo no
mundo não pode nunca produzir um quadro verdadeiro distorcido. Verda­
de não distorcida é uma concepção que pertence à ficção. Na ciência mo­
derna, mesmo teóricos matemáticos e físicos questionam freqüentemente
se eles de fato descobriram uma lei da natureza ou se sua formação, suas teo­
rias, e suas técnicas experimentais têm moldado a aparência da natureza nu­
ma estrutura que parece justificar uma lei.
A questão é clara na pesquisa experimental com o comportamento
dos ratos. São os psicólogos que treinam os ratos ou são os ratos — com
uma sagacidade natural — treinando os psicólogos para recompensá-los?
Poucos psicólogos que lidam com ratos acham essa possibilidade humo­
rística, demonstrando mais uma vez o poder da repressão e do condicio­
namento cultural para invalidar questões que ameaçam pontos de vista
estimados.
Marshall McLuhan advertia os estudantes para questionarem cons­
tantemente toda afirmação que eles pudessem resgatar de suas memó­
rias. A partir do momento em que algo parecia lógico, sensato, sólido, cia-
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 143

ro e óbvio, McLuhan pedia um novo e muito cuidadoso exame. A percep­


ção em geral adula o ego. Esse é o momento de maior perigo, no qual a
vulnerabilidade humana atinge seu ponto mais alto.

A PERCEPÇÃO DAS ABSTRAÇÕES DA LINGUAGEM

As realidades são descritas por palavras, imagens ou números. Todos es­


tes símbolos abstratos estão ainda mais distantes da realidade do que a
percepção sensorial. Um indivíduo primeiro percebe, depois evoca
símbolos para descrever a percepção. Tudo o que se pode dizer ou es­
crever sobre a realidade é apenas uma representação simbólica. Os sím­
bolos nunca se tornam a verdadeira realidade percebida que eles ten­
tam descrever.
O que a percepção humana tem sido capaz de entender sobre a rea­
lidade se divide em ao menos três níveis de percepção. Até aqui, cada ní­
vel mostra-se único nas limitações perceptivas que ele impõe aos observa­
dores. Diferentes técnicas perceptivas são exigidas em cada um. Os níveis
não se sobrepõem, nem podem ser percebidos simultaneamente. Os três
níveis são o macro, o micro e o submicro. O nível macro inclui o que pode ser
prontamente percebido através dos sentidos — paladar, olfato, tato, audi­
ção e visão, e as miríades de subdivisões de cada um. Para usar uma ima­
gem simples, uma fatia de um bolo de chocolate pode ser vista, pesada,
medida, cheirada, saboreada e tocada. Sem muita dificuldade ou confu­
são, podem-se coletar dados macro consideráveis sobre a fatia de bolo. Po­
de-se mesmo apontar um dedo para uma fatia específica para diferenciá-
la de outra. O nível macro mostra-se tranqüilizantemente simples, óbvio e
justo. Atenção! E da percepção macro que a realidade é abstraída para o
senso comum, a linguagem do dia-a-dia. Ela é também o nível de percep­
ção em que a maior parte das dtividas, erros da avaliação, erros de percep­
ção e desastres dos mais diferentes tipos ocorrem.
O nível micro, o primeiro passo em direção a uma compreensão mais
profunda da realidade, pode ser percebido com instrumentos que am­
pliem as capacidades sensoriais do homem, tais como microscópios, ter­
mômetros, micrômetros, espectrógrafos, técnicas de datação através do
carbono e um rico sortimento de instrumentos mecânicos e eletrônicos.
144 • A ERA DA MANIPULAÇAO

Esses aparelhos podem estender a percepção até o nível molecular de


realidade. No nível micro tornam-se possíveis observações precisas e men-
surações quantitativas da realidade que nunca poderiam ser atingidas no
nível macro.
Estes dois níveis de percepção da realidade tornam a fatia de bolo
um evento perceptivo de uma complexidade assombrosa, indo dos com­
ponentes moleculares e celulares até a textura lisa, macia e única da co­
bertura. Ainda há, contudo, muito mais para conhecer (perceber) sobre
nossa fatia de bolo de chocolate — o nível submicro. A realidade submi-
croscópica — os núcleos atômicos, elétrons, prótons, nêutrons, fótons,
ions, e as outras partículas mínimas, muitas ainda por serem descobertas
— não pode ser percebida diretamente pelos sentidos humanos. No ní­
vel micro, uma pessoa pode perceber visualmente estruturas celulares, ou
mesmo moléculas, com um microscópio eletrônico. Ninguém tem condi­
ções de perceber diretamente uma estrutura atômica. Os elétrons e as ou­
tras partículas que orbitam em torno do núcleo viajam à velocidade da
luz e teriam de ser detidas para serem observadas. O nível de percepção
só está ao alcance dos homens através das abstrações matemáticas — uma
linguagem incompreensível para a maior parte dos não-matemáticos.
Pode-se conceber que existam outros níveis de percepção ainda não
acessíveis à investigação, mas estas três dimensões básicas são úteis na ex­
ploração da realidade perceptível, o chamado mundo real. As dificulda­
des começam quando alguém casualmente observa a fatia de bolo, ou
uma fotografia da fatia, e então prontamente afirma: “Eu sei tudo sobre
aquela fatia de bolo de chocolate!” Na medida em que nos ocupamos
apenas com uma única fatia de bolo, numa situação única, não pode ha­
ver nenhum grande problema. Podemos usar o símbolo fatia e apontar
para afatia de bolo na expectativa de que nossa descrição verbal será en­
tendida. Se por outro lado, usamos o símbolo fatia de bolo para descrever
todas as milhões de diferentes fatias existentes no mundo, teremos dis­
tanciado em muito nosso símbolo de qualquer realidade simples.
Quando os símbolos verbais fatia de bolo de chocolate são substituídos
pelos símbolos russos, muçulmanos, negros, chineses, judeus, hispânicos, ou
qualquer outro símbolo abstrato, a percepção se move numa área de
complexidade perceptiva com um potencial letal.
Estes três níveis de realidade perceptível — macro, micro e submicro—
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL * 145

são inerentes a toda a realidade física e biológica conhecida pela expe­


riência humana. Qualquer um que pretenda saber tudo, ou mesmo mui­
to, sobre qualquer pessoa ou grupo comete um absurdo tão grande como
aquele que afirma que sabe tudo, ou mesmo muito, sobre os russos, os
muçulmanos, os norte-americanos ou os índios shoshone. Existem, é cla­
ro, categorias verbais arbitrárias, meramente convenientes enquanto
ilustração. A categorização verbal é sempre necessariamente arbitrária e
experimental. Podem haver seis, dezesseis ou sessenta níveis de realidade
perceptível verbalmente definíveis. As pessoas podem perceber o bastan­
te sobre qualquer assunto para alcançar determinado objetivo; mas elas
deveriam se tornar mais'humildes pela consciência de que, seja qual for
o assunto, haverá sempre mais coisas que elas não sabem do que as frívo­
las superficialidades que elas pensam que sabem.
Na prática, contudo, a maioria de nós vive — em geral precaria­
mente — somente no nível macro, uns poucos vivem nos níveis macro e mi­
cro e extremamente poucos vivem nos níveis macro, micro e submicro de
percepção. Estes três níveis, é importante lembrar, não podem ser expe­
rimentados pela percepção simultaneamente. A realidade, é lógico,
existe a um só tempo. Mas as pessoas devem perceber os níveis de reali­
dade de cada vez.
A sobrevivência e o ajustamento do homem seriam bem servidos se
as pessoas fossem instruídas em suas limitações perceptivas e lingüísticas.
Qualquer pretensão de atingir uma verdade ou conhecimento objetivo
somente no nível macro da percepção humana é no pior dos casos uma
mentira, no melhor uma ingenuidade. A simples afirmação de que não se
pode confiar no Panamá, nos comunistas, nos republicanos, nos rotaria-
nos, nos anarquistas ou nos membros do Lions Club, embora seja uma
afirmação geralmente levada bem a sério, pode ser objeto apenas de uma
lógica do absurdo. A relação entre a linguagem e os objetos ou as pessoas
que a linguagem tenta descrever é universalmente subjetiva. Apesar dis­
so, a maioria de nós tem sido cuidadosamente doutrinada para aceitar a
linguagem como ela se mostra no nível mais superficial, para confiar im­
plicitamente em superficiais percepções macro.
Os instrumentos, técnicas perceptivas e o raciocínio matemático
ajudam os observadores a realizar algum grau de distanciamento percep-
tivo. Mas o que em determinado momento passa por ciência continua a
1 46 • A ERA DA MANIPULAÇAO

descobrir, com muito pouca objetividade, aquilo cuja descoberta lhe foi
recompensadora.
Assim como a arte, a ciência é comumente aquilo que as pessoas po­
dem fazer impunemente em determinado momento da história. E as pes­
soas podem fazer impunemente inúmeras coisas, se elas entendem o jo­
go. Toda sociedade que deseja sobreviver deveria ser sábia para cuidado­
samente desafiar seus políticos, administradores públicos e particulares,
generais, cientistas, engenheiros e outros que se apresentam como espe­
cialistas, autoridades, videntes, gurus. O princípio perceptivo que valeu o
Prêmio Nobel para o físico Werner Heisenberg continua sendo uma ad­
vertência para os crédulos: “Nenhum julgamento perceptivo pode ser fei­
to com absoluta certeza.”
O nível macro de percepção é onde a realidade percebida se trans­
forma em palavras e imagens. E o nível no qual a maior parte das pessoas
vive suas vidas. São lutadas macro guerras, desenvolvidas macro políticas e
feitas macro definições que controlam, ameaçam ou destroem a vida hu­
mana. Mas qualquer tentativa de definir palavras-símbolos ou imagens-
símbolos termina necessariamente por incluir e excluir informações de
forma arbitrária. E não é raro que o que é excluído se torne mais significa­
tivo para o entendimento e para o significado do que o que foi incluído.

A OBJETIVIDADE NÃO ESTÁ MORTA: ELA NUNCA EXISTIU

Tentativas científicas de definir as co^as objetivamente com palavras de


línguas mortas, como o latim, nunca funcionaram. Embora as línguas es­
tivessem mortas, as pessoas que as usavam não estavam. Tais pseudo-lín-
guas servem mais para controlar e definir as descobertas e as pesquisas do
que tornar a linguagem objetiva. Elas são também meios eficazes de ocul­
tar informações do público leigo. O latim, é claro, desapareceu rapida­
mente como língua científica defensável. Ele foi substituído pelos vocabu­
lários dos vendedores da Madison Avenue e de outros grupos, vocabulá­
rios esses que são ainda mais afastados das realidades percebidas. O jogo
retórico de criar nomes de marcas farmacêuticas, eletrônicas e de produ­
tos biológicos com associações verbais simbólicas significativas em nível in­
consciente têm mais a ver com a magia e o mito do que com a ciência.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 147

Note-se as inteligentes marcas de fantasia dos remédios, sejam ven­


didos sob prescrição ou livremente. Rótulos mágicos como Cefalexina,
Zovirax, Enalapril, Luride e Theo-Dur evocam sentimentos de força e
saúde sem a menor indicação de quais doenças eles tratam. A ciência e o
que a ciência produz tornaram-se meras entidades comerciais designa­
das para serem promovidas no mercado.
Os elaborados jargões multi-silábicos desenvolvidos nas ciências so­
ciais e comportamentais foram tentativas similares de escapar da armadi­
lha do desvio perceptivo inerente à linguagem. Infelizmente, elas desem­
bocaram numa armadilha pior — a incompreensibilidade. Em áreas co­
mo a psicologia, a sociologia e a antropologia, tentativas pedantes de cu­
nhar palavras com significados científicos, palavras não sujeitas ao desvio
perceptivo humano, produziram uma tagarelice pseudocientífica des­
provida de sentido. A partir do momento em que definições específicas
foram aceitas elas começaram a se transformar e mudar através de novas
interpretações. Fazer definições de palavras é como plantar árvores em
areia movediça. Ojargão tornava-se confuso, fictício e obsoleto antes que
a tinta do último dicionário tivesse tempo de secar.
Variações contextuais no sentido — o que as palavras significam em
vários contextos ou disposições — têm um número infinito de possibilida­
des; há de longe muito mais variações do que o maior computador pode­
ria comportar. O dilema do significado aplica-se a todos os sistemas de lin­
guagem. Em primeiro lugar, há a intenção do escritor, aparentemente al­
go bastante simples. Depois, há a questão do que várias pessoas e vários pú­
blicos, em condições diversas de tempo e lugar, perceberam como sendo
a intenção do autor — algo não tão simples.
Além das variações contextuais no sentido, sentidos pessoais, ex­
pressões idiomáticas e expressões coloquiais surgem aos montes em to­
das as línguas a cada dia, e desaparecem aproximadamente na mesma
proporção. Os idealizadores de programas de computador para a tradu­
ção de textos concordaram que em áreas especializadas com vocabulá­
rios limitados todos se entendem, em maior medida, uns aos outros. Eles
conseguiram que o computador traduzisse artigos de especialidades
científicas, como a neurocirurgia, por exemplo, num estilo grosseiro.
Contudo, mudanças constantes e irregulares em todas as línguas e cultu­
ras impedem a produção de qualquer tradução inteligível sem uma revi­
148 «A ERA DA MANIPULAÇAO

são exaustiva por alguém que conheça tanto as duas línguas envolvidas
quanto o campo da especialidade em questão.
Mais uma vez, as variações nos sentidos foram os obstáculos. O dis­
pendioso esforço empreendido em várias nações não conseguiu pro­
duzir um sistema de tradução eficaz. A mais complexa entidade que os
homens desenvolveram é a linguagem. Não obstante isso, a maior par­
te das pessoas simplesmente dá a linguagem por certa, aceitando-a co­
mo parece ser na superfície — algo de que, em geral, elas no fim se ar­
rependem.
Outro fator deve ser incluído em qualquer tentativa de descrever
o processo de percepção da realidade — o tempo. A percepção tem de
envolver um continuum temporal. A fatia de bolo de chocolate — a fatia
real, não a versão retratada da figura 6 — sofreu uma mudança contí­
nua durante toda a sua existência. Não é hoje a mesma fatia que era on­
tem, há uma semana ou há um mês. Qualquer avaliação perceptiva váli­
da da fatia de bolo deveria incluir uma referência temporal válida. Em
outros termos, qualquer referência à fatia de bolo que tenha um signi­
ficado deve incluir tempo, espaço, perspectiva, associações em nível
tanto consciente como inconsciente e informações sobre as distorções
do observador. Pessoas viciadas em chocolate percebem um bolo de
chocolate diferentemente daquelas que não são viciadas. Pessoas fa­
mintas perceberão a fatia de bolo de uma maneira bastante diversa de
alguém que acabou de comer. Não obstante, independentemente de
quão detalhada se torna a descrição verbal ou pictórica, os símbolos ver­
bais não podem nunca traduzir a complexa e multinivelada realidade
perceptível.
Nossa percepção da fatia de bolo pode não envolver questão de vida
ou morte. Mas, e quanto a realidades perceptivas como o capitalismo, o
socialismo, o amor, o ódio, a liberdade, a escravidão, a lealdade, o meio
ambiente ou o povo? Conceitos verbais e pictóricos subjetivos como estes
— conceitos de um alto nível de abstração — só podem ser descritos por
outras palavras. A montanha cada vez maior de definições descritivas le-
va-nos cada vez mais longe da realidade verificável. As pessoas continuam
a dar passos em falso num denso nevoeiro verbal, e intelectual, tentando
confirmar fantasias perceptivas cada vez mais vagas ou efêmeras baseadas
em outras fantasias baseadas em fantasias etc.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 149

O INCOMUM SENSO COMUM

De Euclides a Descartes, de Newton a Einstein, os modos tradicionais de


pensamento eram baseados em percepções espaciais de três dimensões:
altura, largura e profundidade, aliadas aos movimentos do tempo. Esta
maneira simplista de pensar é freqüentemente chamada de “senso co­
mum”. Para a maior parte das sociedades de nosso tempo, o senso co­
mum provê as construções científicas e sociais básicas da realidade. O sen­
so comum normalmente parece constante, confiável, simples e não-con-
traditório — um modelo de relações lineares de causa e efeito. Contudo,
o mundo real — fora das limitações da percepção humana — não parece
ser de nenhum modo como nossas fantasias de uma percepção clara, or­
denada, lógica, predizível e descritível.
Novas palavras, frases, conceitos verbais e sentidos — coletivamente
utilizados para expressar o senso comum— são constantemente introduzi­
das na linguagem através do trabalho de hábeis mercadores de palavras. A
inovação na linguagem não é um produto da população em geral. H. L.
Mencken, em seu exaustivo The American Language, chamou esses inova­
dores de “os homens escritores” (writing men). Curiosamente, as mulheres
— embora isto possa estar mudando nas nações tecnologicamente avan­
çadas — tiveram até agora um papel secundário na criação de uma nova
linguagem. Os cunhadores da linguagem incluem romancistas, contistas,
dramaturgos, letristas de músicas, teatrólogos, jornalistas e, particular­
mente, redatores de anúncios. As frases dos mercadores de palavras nor­
malmente penetram na linguagem despercebidas. O escritor é anônimo
ou então é logo esquecido; as palavras permanecem indefmidamente.
Os 150 bilhões de dólares gastos com propaganda nos EUA em 1989
— investimento de apenas um ano — introduziram dezenas de novas pala­
vras, frases e sentidos na linguagem. Alguns destes rapidamente desapare­
ceram; outros persistirão indefmidamente. Qualquer um que patrocine
inovações em termos de linguagem, na verdade, está controlando as defi­
nições e os sentidos da linguagem. Ainda mais importante, o modo pelo
qual o significado é definido é controlável tanto no nível consciente de per­
cepções do público quanto no nível inconsciente. A maior parte dos talen­
tosos criadores de palavras e frases dos EUA trabalham, de uma ou de ou­
tra maneira, para a máquina da propaganda. A indústria do entretenimen-
1 50 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

to está intimamente ligada a interesses empresariais em propaganda e pro­


moções. A mídia da propaganda pode explorar o trabalho de um escritor,
ou pode ignorá-lo quando seus interesses financeiros estão ameaçados. A
indústria da propaganda faz um investimento poderoso na linguagem, em
como ela é utilizada, e em interpretações controladas de significados. A mí­
dia da propaganda dá à sociedade uma máquina de linguagem e cultura.
A fragilidade e vulnerabilidade da percepção e da linguagem hu­
mana tem sido amplamente reconhecida por filósofos, matemáticos e
cientistas no mínimo desde os sofistas gregos. Nos EUA de hoje, de mo­
do muito diferente de muitas outras nações ou culturas, o relaciona­
mento entre as palavras e as realidades percebidas que elas se propõem
a descrever é ignorado. As pessoas têm sido condicionadas a aceitar indi­
ferentemente os símbolos das palavras ou imagens como realidades —
mesmo quando eles carecem de qualquer relação concebível com a rea­
lidade perceptível. Os anúncios estabelecem o modelo para a lingua­
gem. O jargão dos anúncios não transmite nada de verificável ou especí­
fico. Tudo é mantido no reino da projeção da fantasia, da identificação
entre produtos vagamente erotizados, consumidos por pessoas apresen­
tadas como imagens estereotipadas. Questões sobre desvios perceptivos
e significado versus realidade raramente aparecem. Avaliações críticas do
significado nos níveis perceptivos macro-micro-submicro ou são atacadas co­
mo subversivas ou, o que é pior, ignoradas como pedantes.
Há cerca de 2 mil anos, Platão aconselhou os governantes de sua Re­
pública a procurar o controle do idioma do povo como primeira estratégia
de dominação política e econômica. As populações podem ser incons­
cientemente (subliminarmente) condicionadas segundo qualquer pa­
drão desejado. Com a tecnologia atualmente disponível, isto requer mera­
mente o gasto do tempo, do dinheiro e dos recursos humanos necessários.
A cada ano, pode-se ver nos EUA pessoas que literalmente compram—atra­
vés da mídia propagandística — eleições, apoio público, gastos dos consu­
midores e políticas públicas nacionais e internacionais. O maior investi­
mento em propaganda normalmente vence; não sempre, é claro, mas
com uma freqüência suficiente para tornar tal investimento uma técnica
garantida para a moldagem da aprovação pública. E então, o que é mais
atemorizador, todos pretendem que pensam e agem por si mesmos e que
não são comprados e vendidos por nenhum manipulador esperto.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL *15 1

A propaganda gera um sistema estímulo-resposta-recompensa


quase perfeito, apesar de as recompensas serem muito mais simbólicas
do que reais. O resultado final, contudo, parece muito mais próximo do
pesadelo do Inferno de Dante do que de uma utopia idílica. Em seu at­
ual estágio de desenvolvimento, a tecnologia da mídia poderia transfor­
mar o mundo e seus povos em virtualmente nada. Os EUA, contudo, en­
genhosamente persuadiram a si mesmos a usar esta tecnologia para
transformar sua cultura numa enorme máquina de vendas que existe
porque consome.
Aqueles que entendem as limitações da linguagem e das percepções
podem assumir a responsabilidade por suas próprias definições da reali­
dade. Eles podem evitar ou reduzir a vulnerabilidade à manipulação. Eles
podem alcançar a autonomia enquanto pessoas. E podem verdadeira­
mente perceber seu vasto potencial de crescimento, dignidade e realiza­
ção. O problema é que a maior parte das pessoas prefere seguir o reba­
nho, aceitar as percepções dos líderes e da mídia prontas para serem usa­
das, que buscam apenas satisfazer seus próprios interesses egoístas.
Capítulo cinco

Como sabemos que sabemos


QUE SABEMOS
Pensar é divergir!
Clarence Darrow, das transcrições do Scopes Trial

Uma civilização ou um indivíduo que não pode romper com suas abstrações
usuais está condenado à esterilidade após um período bastante limitado de
progresso. Praticamente qualquer idéia que jogue você para fora de suas
abstrações comuns é melhor do que nada.
Alfred North Whitehead, Process and. Realitvy

O senso comum deve ser confrontado com o senso incomum. Um dos


principais serviços que a matemática prestou à humanidade no último século
foi colocar o “senso comum ” no seu devido lugar, a mais alta, prateleira, ao
lado de uma garrafa empoeirada com o rótulo “DisparatesDescartados”.
Eric T. Bell, The Principle of General Relativitvy

A linguagem humana normalmente parece ser algo tão simples, lógico,


razoável e natural que a maioria de nós a considera inquestionável. Rara­
mente perguntamos como as percepções do mundo são processadas pela
linguagem e afetam o comportamento; ou os modos pelos quais a lingua­
gem determina como e o quê pensamos pensar. Nas sociedades dirigidas
pelos meios de comunicação de massa, os indivíduos são implacavelmen­
te fustigados pela linguagem das palavras e das imagens. Cada momento
em que passam acordadas — e, através dos sonhos, cada momento do so­
no —já foram alvejados pela mídia. A maioria dos norte-americanos pare­
ce ser inconsciente da intrusão da mídia em suas vidas.
Os turistas ocidentais na URSS têm um choque cultural ao percebe­
rem subitamente que algo está faltando. Os soviéticos não são submeti­
dos às demandas de uma mídia que penetra em todos os lugares. Você
imagina qual das duas sociedades recebe a lavagem cerebral mais impla­
cável? A questão é acadêmica. Ambas estão profundamete submersas pe­
la mídia manipuladora que fabrica a cultura contemporânea. A mídia so­
viética simplesmente é menos óbvia.
A educação nos EUA afastou-se dos ideais das artes liberais de 35
anos atrás, quando o objetivo era alcançar uma perspectiva autônoma, co­
rajosa, crítica e intelectual. A educação era considerada um caminho para
experiências de vida mais ricas, plenas e significativas. Esperava-se dos es­
tudantes que compreendessem os modos relativos de pensar e julgar, e a
156 «A ERA DA MANIPULAÇAO

ênfase era no ensinar como pensar criticamente ao invés de ensinar o que


pensar. Os estudantes hoje são exaustivamente propagandizados, ensina­
dos a adaptarem-se às realidades contemporâneas percebidas, a aceitar e
ajustarem-se às sabedorias convencionais do momento. E uma grande ên­
fase é dada às fantasias vocacionais sobre empregos de alta remuneração.
As escolas de comércio, onde são matriculados cerca de 25% dos
americanos não graduados, legitimam o comércio. Nestas escolas, a ambi­
ção e o lucro são racionalizados como fins em si mesmos, com uma fran­
queza que teria embaraçado Al Capone. Estranhamente, no entanto, elas
proporcionam muito pouco da educação intelectual básica que deveria
preparar um empreendedor ambicioso e criativo. Se uma personalidade
empreendedora entra numa escola de comércio, ela geralmente a aban­
dona por tédio. De modo similar, as escolas de comunicação legitimam e
romantizam a indústria de comunicação de massa. Com cursos infindáveis
sobre generalidades vagas e carentes de fatos, elas ensinam muito pouco
sobre linguagem, pensamento e comportamento — considerações funda­
mentais na comunicação humana. Os jovens são doutrinados para toma­
rem um lugar na cadeia que os tornará mais um número nas estatísticas de
marketing dos shopping-centers da vida. Consumo logo existo, ou vice-versa,
tornou-se a premissa filosófica sobre a qual baseia-se grande parte da vida.
As técnicas para uma análise crítica da linguagem estão disponíveis.
Elas podem proporcionar uma resistência intelectual para nos defender­
mos contra a manipulação verbal e distinguirmos entre a fantasia e a rea­
lidade. Mas o sistema lingüístico com o qual a maioria das pessoas é edu­
cada garante que elas se tornarão tanto vítimas quanto algozes, com mui­
to pouca consciência de que algo além do comum está acontecendo.

A LÓGICA DO ILÓGICO

O sistema de linguagem com o qual vivemos foi na verdade criado por um


acadêmico grego cerca de 350 a.C. Poucas pessoas atualmente conhecem
ou se preocupam com Aristóteles. Inconscientemente, no entanto, a po­
pulação norte-americana permanece vítima das regras de pensamento
que ele estabeleceu há mais de 2 mil anos. Suas regras ainda governam os
modos com os quais as percepções são descritas e as suposições são ex­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 15 7

pressas em palavras, desenhos ou simples matemática. As linguagens das


ciências baseadas na matemática descartaram, em geral, a lógica aristoté­
lica há um século. No entanto, para o cidadão comum, a velha lógica da
linguagem ainda proporciona uma estrutura integrada, em grande parte
inconsciente, pela qual os homens submetem-se ao controle e à manipu­
lação. Aparentemente, Aristóteles pensava estar meramente descreven­
do o sistema de linguagem de seu tempo. Mas, com o passar dos séculos,
seu sistema tornou-se útil aqueles que controlavam as sociedades e come­
çou a ser percebido como as regras mesmas do pensamento — o modo
como a mente pensa, o modo com que a linguagem cpera e até o modo
que Deus tencionou para os homens raciocinarem.
A estrutura da linguagem exerce uma influência subliminar pode­
rosa sobre a vida humana. No entanto, para o indivíduo, que é parte do
sistema lingüístico-cultural, a coisa toda parece natural e razoável. Pou­
cos questionam o sistema: e poucos ao menos sabem que o sistema existe.
De dentro do sistema, qualquer crítica faz muito pouco além de reafir­
mar a perfeição, a lógica, a razão e as verdades do sistema.
Aristóteles, um acadêmico prolífico, descreveu o modo como a lin­
guagem parece operar em três leis fundamentais do pensamento: a iden­
tidade, o meio excluído e a contradição. Seu gênio está na habilidade em ter
descrito um sistema lingüístico que parecia nítido, confiável, ordenado e
que podia ser definido verbalmente — um sistema que podia ser verifica­
do internamente. Mais tarde o sistema de Aristóteles foi integrado, a par­
tir da Grécia antiga, na maioria das culturas lingüísticas do mundo oci­
dental. Suas três leis têm sentido lógico. Elas estabeleceram e legitima­
ram — por mais de dois milênios — os meios pelos quais a linguagem, o
pensamento e a lógica seriam aceitos e aplicados. Qualquer pessoa que
questionasse, discordasse ou contradissesse o sistema era excluída da so­
ciedade, presa, executada como herege ou subversiva, ou tudo isto junto.
A lógica aristotélica ainda é defendida por aqueles cujos interesses vela­
dos possam ser ameaçados por um outro sistema lingüístico mais condi­
zente com o progresso nas ciências naturais e físicas que presenciamos no
último século.
O cientista, matemático e filósofo Alfred Korzybski foi um dos que
tentaram aplicar os princípios científicos na linguagem verbal. Seu traba­
lho principal, Science and Sanity (1933) ainda é uma das mais importantes
1 58 «A ERA DA MANIPULAÇAO

tentativas de examinar como as estruturas aristotélicas aprisionaram a ci­


vilização ocidental num sistema de linguagem lógico restritivo, primitivo
e destrutivo. Ele pesquisou os meios pelos quais as noções científicas con­
temporâneas poderiam ser ampliadas para incluir as ciências sociais e lin-
güísticas. Korzybski foi amargamente condenado na Soviet Encyclopedia of
Science. Embora a princípio tivesse recebido uma séria atenção nos EUA,
foi logo censurado por aqueles que tinham interesse em manter o status
quo lingüístico. Sua tentativa de desenvolver um sistema de linguagem
saudável e não-explorador ameaçava aqueles que dependiam do mito, da
mágica e da fraude.
S. I. Hayakawa, que mais tarde tornou-se senador, foi um dos primei­
ros estudantes da semântica korzybskiana. No entanto, numerosos exe­
cutivos da indústria de publicidade fizeram uma conspiração com a lógi­
ca não-aristotélica. Ela lhes oferecia uma perspectiva — uma chave, de fa­
to — pela qual as percepções do consumidor poderiam ser manipuladas
com maior eficácia. Pierre Martineau, diretor de publicidade do Chicago
Tribune, foi um dos primeiros a utilizar a nova lógica nas estratégias de
marketing. Korzybski esperava criar um sistema de linguagem que prote­
gesse os indivíduos contra a exploração da linguagem. Seu sistema tor­
nou-se mais útil para aqueles que praticavam a exploração.
As três leis aristotélicas básicas são simples. Elas oferecem uma estru­
tura psicolingüística para a lógica e a razão e impõem uma ilusão de or­
dem sobre a linguagem e suas aplicações. Isto pressupõe, é claro, que to­
dos saibam, entendam e aceitem estas leis. Mas o problema com as regras
é que, uma vez que elas são impostas ou aceitas, as pessoas talentosas pro­
curarão à exaustão os modos pelos quais as leis poderão ser manipuladas,
logradas e desrespeitadas.
Uma história das leis torna qualquer leitura enfadonha. Uma histó­
ria de como as civilizações violaram, lograram e adaptaram suas leis por
causas da ambição, do poder e do lucro, seria fascinante — embora pro­
vavelmente subversiva. Atualmente, as leis aristotélicas prevalecem nas
ciências orientadas para as definições verbais. Uma vez que as pessoas são
persuadidas ou coagidas a aceitarem as leis de um sistema, aqueles que as
entendem completamente podem manipular os que crêem nelas em
qualquer direção desejada.
As leis judiciárias em todo o mundo ocidental proporcionam exce­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *159

lentes exemplos da lógica aristotélica. A tentativa de determinar a culpa


ou a inocência por meio das palavras fornece empregos mais ou menos
lucrativos para batalhões de profissionais de Direito. Os EUA têm mais
leis que todo o resto do mundo junto. Poder-se-ia concluir que todos os
dilemas estivessem solucionados por esta montanha de proibições e defi­
nições verbais. No entanto, milhares de pessoas dedicam suas vidas às des­
cobertas de exclusões, contradições, buracos e erros. Esta proliferação de
leis com freqüência criou mais problemas do que resolveu. As tentativas
de reconciliar os dilemas humanos apenas com palavras estão condena­
das desde o princípio. Se os homens não desejam realmente soluções pa­
ra os problemas, uma montanha de palavras fará pouca diferença.
A contribuição de Aristóteles para os estudos da linguagem foi real­
mente extraordinária para o seu tempo. Por si só, sua lógica teria passado
por uma evolução natural, juntamente com a ciência, a tecnologia e a civi­
lização. Infelizmente, suas idéias serviam muito bem às estruturas de poder
e lucro. Elas foram assimiladas pela filosofia escolástica durante a Idade
Média e acabaram sendo impostas como a doutrina da Igreja pela Inquisi­
ção. As leis aristotélicas sobreviveram mesmo após a Reforma, e continua­
ram dominando o pensamento e a linguagem ocidentais.
A ciência e a tecnologia libertaram-se fmalmente de Aristóteles no
começo do século vinte, principalmente pela matemática. Um punhado
de sofisticados matemáticos e físicos formados nas novas áreas da relativi­
dade e da mecânica quântica afastaram rapidamente a ciência da idade
das trevas, onde uma visão criativa das percepções havia sido teologica­
mente suprimida. Uma vez que a lógica de Aristóteles, a geometria de Eu-
clides e a física de Newton foram postas de lado, o progresso científico
não pôde mais ser refreado. No entanto, as ciências de orientação verbal-
pictórica permaneceram enredadas pela lógica aristotélica.
A geometria de Euclides, por exemplo, tornou-se uma típica vítima
do progresso. As provas de Euclides, como as de Aristóteles, eram cons­
truídas a partir da linguagem humana — verbal, pictórica e algébrica — e
dependiam da linguagem verbal/pictórica, com suas armadilhas, falácias
e fraquezas estruturais ocultas.
Cada palavra ou imagem tem tanto um significado como uma defi­
nição, embora raramente os dois sejam congruentes. Quanto mais fre­
qüentemente usado, mais variado, complexo e contraditório se torna o
160 «A ERA DA MANIPULAÇAO

sentido. As definições estão constantemente mudando. O uso efetivo de


uma palavra ou símbolo pictórico também é dirigido mais pelas associa­
ções inconscientes do que pelas conscientes. As definições de Euclides,
como aparentemente ele as planejou a princípio (seus axiomas postula­
dos e suas definições de ponto, reta, círculo, triângulo etc), começaram a
ruir, modificar-se e desenvolver-se constantemente, no começo de modo
sutil, depois em larga escala. E 2.100 anos depois, em 1823, surgiu a geo­
metria não-euclidiana, que não parou de evoluir. A geometria euclidiana
tornou-se uma nota de rodapé histórica, lida rapidamente durante o pri­
mário da educação matemática. Do mesmo modo, a física newtoniana de­
sapareceu frente as teorias da relatividade e da mecânica quântica. Eucli­
des e Newton caíram, não sem dor, mas rapidamente.
Por outro lado, as leis de Aristóteles perseveraram com tenacidade e
continuaram a dominar grandes áreas do pensamento popular, da dou­
trina legal e das assim chamadas ciências sociais e comportamentais. Elas
persistem como uma mordaça intelectual ao redor das mentes de mi­
lhões de pessoas. Estas leis governam os modos com que os homens pen-
same não pensam— as informações reprimidas que não são definíveis ver­
balmente em qualquer relacionamento com a realidade.
O melhor modo de uso e mal uso de um sistema lingüístico é abor­
dá-lo desde fora, mediante um sistema contrário. Esta estratégia não foi
negligenciada pelas indústrias de mídia, especialmente por aquelas en­
volvidas com a comunicação de massa — propaganda e relações públicas.
Qualquer pessoa treinada no uso da lógica aristotélica e na sua “contra-
lógica” não-aristotélica, pode facilmente manipular sistemas de valores,
crenças, atitudes, opiniões e comportamentos. Sob esta luz, examinemos
as três leis de Aristóteles uma a uma.

A LÓGICA DA INDEFINIÇÃO

A lei da identidade é resumida pela frase, o que for que seja, é! Por mais de
2 mil anos este conceito tem sido o responsável por desastrosas confusões
e infinitas dúvidas humanas. As palavras nunca são as coisas que elas des­
crevem. Os mapas não são os territórios ou as realidades perceptivas que
eles representam. Uma pintura não é o que está descrito na pintura. In­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *16 1

terpretações e descrições verbais da realidade são apenas interpretações


e descrições, não a realidade. Aristóteles acreditava que as palavras ou os
símbolos podiam ser identificados com as pessoas e as coisas. Os não-aris-
totélicos demonstraram que palavras e símbolos são abstrações mera­
mente aproximativas, vagas — e têm pouco a ver com as realidades de fa­
to perceptíveis. Relembre as considerações anteriores sobre os níveis ma­
cro, micro e submicro da percepção.
A falácia da identificação pode ser demonstrada por qualquer uma das
ilustrações deste livro. A garrafa quebrada do Crown Royal da Seagram
(fig. 15) nos faria perceber e identificar a garrafa quebrada com o objeto
real. A maioria das pessoas faz isto! Estudos sobre este anúncio revelaram
que quase todos consideravam a pintura como uma verdadeira garrafa
quebrada. Não é! Pegue uma garrafa de uísque vazia e quebre-a. O padrão
que resultará das partes quebradas da garrafa e dos cacos de vidro não se
parecerá em wzdacom o que está retratado no anúncio. O anúncio da gar­
rafa é uma ilustração cara. Vários artistas que fazem trabalhos semelhan­
tes para publicidade estimaram que a pintura valeria entre 40 mil e 50 mil
dólares. A fotografia de uma garrafa quebrada poderia ter sido feita por
cerca de 100 dólares, mas não serviria para vender o produto. As fotogra­
fias e as pinturas são percebidas de um ponto específico, fixadas no espa­
ço e no tempo, interrompidas no tempo em um instante particular. A rea­
lidade e as nossas percepções da realidade estão sendo constantemente
processadas e modificadas.
Mesmo com essa extraordinária remuneração, o artista pode ter sido
mal pago, considerando-se a quantidade de whisky que o anúncio pode
ter vendido durante o ano que foi constantemente publicado. Ele apare­
ceu pela primeira vez em 1971 e ainda estava sendo usado em 1978. Inves­
tiu-se um capital de marketing estimado em 12 milhões de dólares para a
compra de espaços publicitários para a garrafa quebrada. O anúncio apa­
receu repetidas vezes em todas as revistas de circulação nacional dos EUA
e foi traduzido para outras línguas para ser publicado internacionalmen­
te. A pintura de 12 milhões de dólares de uma garrafa de whisky quebrada
foi capaz de vender centenas de milhões de dólares de bebidas alcoólicas.
Um segundo tipo de identificação proposto pelo anúncio envolve a
legenda ‘Você já viu um homem grande chorar?” {Have you ever seen a
grown man cry?). A identificação aristotélica lógica seria a de que o “ho-
16 2 «A ERA DA MANIPULAÇAO

mem grande” estaria chorando pela garrafa quebrada e pelo uísque per­
dido. Mas esta afirmação é ilógica. Apenas um alcoólatra patético chora­
ria por uma garrafa quebrada, pressupondo que cAorarrefira-se mais a lá­
grimas do que a um grito de dor. No entanto, praticamente todos os con­
sumidores que repararam no anúncio fizeram a identificação aristotélica
apropriada e prevista (como eles foram condicionados culturalmente a
fazer) entre as imagens, palavras e a realidade supostamente representa­
da. Eles perceberam o anúncio quase como robôs que não pensam e são
operados por programas de computador. Agiram e pensaram precisa­
mente como era esperado que agissem e pensassem de acordo com a sa­
bedoria convencional e a lei da identidade de Aristóteles.
Se alguém questiona o anúncio da garrafa quebrada de um ponto
de vista não-aristotélico, ele se revelará instantaneamente como uma
mentira cara, criada para fazer com que os consumidores caiam na arma­
dilha do consumo de álcool — uma fraude, um embuste, um logro, uma
manipulação da ingenuidade do consumidor. O anúncio foi criado para
ser absorvido sem cuidado pela percepção instantânea do consumidor.
Como a maioria dos anúncios, a garrafa quebrada não foi criada para a
percepção consciente, que não afeta o comportamento do consumidor.
Os fabricantes de bebidas alcoólicas investem cerca de 6% de suas
receitas brutas em publicidade, de acordo com o Departamento do Co­
mércio. Este é um nível de investimento em publicidade bastante alto.
Ao custo de 12 milhões de dólares, estes anúncio (para ter o retorno mí­
nimo) teria de vender mais de 200 milhões de dólares de Crown Royal
no atacado. Ninguém com retorno mínimo permanece muito tempo no
mercado, portanto esta estimativa de vendas é conservadora.
Vários anos atrás eu fui entrevistado num programa religioso de TV
apresentado por Pat Robertson. Nós examinamos o anúncio da garrafa
quebrada para descobrir o que fazia o anúncio funcionar.
Estude cuidadosamente o anúncio sob este ponto de vista. Procure
por qualquer coisa que sugira intenções ocultas. Lembre-se que a maio­
ria dos anúncios são criados para serem percebidos em um ou dois segun­
dos. Você percebe ou sente qualquer coisa de peculiar no anúncio? Ro­
bertson descobriu vários enxertos pintados na garrafa quebrada, embora
ele aparentemente percebesse a pintura como uma verdadeira garrafa
quebrada. Ele apontou a cabeça e o pescoço de um cisne (fig. 41), o pás-
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS >163

saro (fig. 42), o homem gritando (fig. 43) e a silhueta de um soldado ro­
mano (fig. 44).
Durante a entrevista, vários enxertos adicionais foram demonstra­
dos: o anjo no gargalo da garrafa (fig. 45), faces (figs. 46 e 47) e um ma­
chado ou instrumento cortante (fig. 48). Talvez o machado tenha que­
brado a garrafa para liberar o anjo. Os anúncios não têm de ser lógicos
ao nível perceptivo inconsciente. Eu virei o anúncio para a esquerda pa­
ra facilitar a percepção do perfil de um rosto de caricatura enxertado na
garrafa quebrada (fig. 49): o nariz preto redondo, a testa, um olho aci­
ma do nariz e a parte de trás da cabeça descendo até a altura do queixo.
O machado (fig. 48) forma uma alongada mandíbula inferior abaixo da
boca aberta.
Logo abaixo do lábio superior da figura, um toco é projetado sobre
o fundo. O toco parece ter sido mordido pela boca aberta da caricatura.
O resto parece estar caindo pela mandíbula, como se estivesse justamen­
te sendo castrado (fig. 50). “Você já viu um homem grande chorar?” De
fato! A legenda adquire uma dimensão inteiramente nova, mas que é in­
conscientemente invisível sob a lei da identidade de Aristóteles. A identi­
ficação prende o espectador em um módulo específico de expectativas
perceptivas. Quando você identifica, sem pensar nem criticar, palavras
com palavras, palavras com imagens, palavras e imagens com coisas ou
pessoas, você está sendo vitimizado. A lei da identidadevem. servindo à eli­
te no poder e suas instituições por mais de 2 mil anos. Se os técnicos de
publicidade não tivessem aprendido a repensar Aristóteles, não pode­
riam ter criado um embuste de sucesso.
‘Você já viu um homem grande chorar?” é uma metáfora poética. As
lágrimas não são pela garrafa quebrada, mas pelo que estava dentro da
garrafa quebrada—um pênis castrado. Os pesquisadores das agências de
publicidade sabem muito bem que quantidades substanciais de álcool
são consumidas como um meio de evitar o sexo ou a intimidade. O álcool
é um dos maiores inimigos do sexo que o homem já inventou — uns pou­
cos gramas no sangue já destroem a capacidade sexual, mesmo que en­
gendrem fantasias de virilidade. As temáticas de castração são encontra­
das com freqüência nos anúncios de bebidas alcoólicas, cigarros e remé­
dios (wrKey, Clam-Plate Orgy, figs. 5 a 19; Key, Media Sexploitation, figs. 35
a 37; e Key, Subliminal Seduction, figs. 16 e 17).
164»A ERA DA MANIPULAÇAO

Os anúncios de bebidas alcoólicas não são destinados a meros bebe­


dores. Eles são dirigidos a grandes e muitograndesdededoves. Os anúncios
são testados com estes consumidores especiais antes que se faça grandes
investimentos na mídia. Estes “grandes” consumidores consomem quan­
tias extraordinárias de álcool e também servem de líderes entre os bebe­
dores, instigando as preferências por determinadas marcas. Você quer
conhecer um bom scotch? Pergunte a alguém que beba litros dele.

A AUTO-DESTRUIÇÃO NOS ANÚNCIOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS

A morte ou imagens de auto-destruição são um aspecto freqüente do conteú­


do subliminar. Os anunciantes de bebidas alcoólicas, cigarros e drogas sa­
bem que as imagens subliminares de morte vendem suas marcas e seus pro­
dutos. A eficácia de um anúncio é uma qualidade empiricamente mensurá­
vel. Por quê a morte vende é algo impossível de se responder, exceto em teo­
ria; ninguém sabe, por enquanto, como a mente funciona. Os enxertos rela­
cionados à morte raramente são encontrados nos anúncios de comida, em­
bora certamente seja possível argumentar-se que comer compulsivamente é
uma Síndrome auto-destrutiva. Mas se o tema da morte vendesse comida em
nível subliminar, as agências de publicidade certamente o utilizariam.
O assim chamado desejo da morte, a compulsão inconsciente à au­
to-destruição, faz parte de toda psique humana. No anúncio da Seagram,
a morte é simbolizada pela auto-castração. A idéia do desejo da morte re­
monta pelo menos a Thomas Hobbes, um filósofo inglês da metade do sé­
culo dezesseis. A teoria foi mais tarde desenvolvida por Sigmund Freud
em torno de Thanatos, a personificação da morte na mitologia grega. O.
seres humanos exibem freqüentemente uma predisposição para destruí­
rem a si mesmos, seja real ou simbolicamente. Esta tendência é mais pro­
nunciada em alguns indivíduos em certos períodos de suas vidas, mas pa­
rece ser comum a todos. Os comportamentos auto-destrutivos — que in­
cluem o abuso e a dependência de drogas — são fenômenos que vêm
crescendo visivelmente, especialmente entre os jovens. O suicídio, está
claro, alcançou proporções epidêmicas nos EUA. Ele atualmente é a se­
gunda causa mais freqüente de morte entre adolescentes (sendo a pri­
meira causa os acidentes, muitos dos quais sugerem suicídio).
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 165

Milhões de dólares são gastos pelas grandes empresas para explorar


as compulsões auto-destrutivas dos consumidores. Poucas famílias hoje
em dia não foram afetadas pelo abuso e dependência do álcool. O álcool
mata pelo menos a metade das vítimas envolvidas em acidentes fatais de
automóveis e suicídios, e é diretamente responsável por imensuráveis so­
frimentos humanos. E um fator presente na maioria dos casos de maus-
tratos de esposas e crianças, crimes, desemprego e incapacidade de con­
seguir um trabalho e por uma extensa gama de patologias médicas. Ape­
sar de tudo isto, os anúncios de bebidas alcoólicas totalizaram bem mais
de um bilhão de dólares em 1987. Esta indústria bastante lucrativa tem ig­
norado o bem-estar público em favor do ganho financeiro. Os anúncios
de bebidas alcoólicas ilustrados são certamente imorais e parecem ser ile­
gais, segundo a legislação não compulsória do Ministério da Fazenda
(ATF) (ver Apêndice). Os legisladores ainda encontram desculpas para
ignorar o assunto.
As identificações conscientes e inconscientes desgastam a capacida­
de do indivíduo de discriminar entre fantasia e realidade. As fantasias tor-
nam-se mais reais, mais vividas, mais parecidas com a vida e mais desejá­
veis do que a realidade. A realidade do consumo de álcool está cuidado­
samente escondida atrás de fantasias — uma esmeralda, uma garrafa que­
brada, alegres atletas divertindo-se com suas cervejas light, a modelo sofis-
ticadamente sexualizada sorvendo licores, tudo parece bem mais real do
que a realidade que, pelo menos no que diz respeito aos alcoólatras, po­
de ser bem sombria. E claro, não existe nenhuma necessidade imediata
de se pensar nisto — até o bebedor encontrar-se fazendo um tratamento.
Um dos principais objetivos da propaganda é garantir que os consumido­
res nunca pensem no lado sombrio, ao menos conscientemente.
Quando as fantasias tomam completamente o lugar das realidades,
quando os indivíduos fazem identificações incontroláveis entre símbolos
e coisas ou pessoas, isto pode ser clinicamente diagnosticado como esqui­
zofrenia. A maioria da população identifica as ilustrações engenhosa­
mente planejadas dos anúncios com as coisas reais. Poucos consumidores
ao menos suspeitam que a garrafa quebrada de Seagram não é uma gar­
rafa real, que o bolo de chocolate da Betty Crocker não tem nada a ver
com bolo, que mãos despejando o Chivas Regal não são mãos de verdade.
Os consumidores parecem incapazes de discriminar entre fantasia e rea-
1 66 «A ERA DA MANIPULAÇAO

lidade. O problema da fantasia versus a realidade é muito mais significa­


tivo do que as imagens obscenas enxertadas nos anúncios. A exaltação da
publicidade e das vendas gera um sistema educacional. Nas culturas de al­
ta tecnologia, um indivíduo aprende muito mais coisas sobre o mundo
através da mídia de publicidade do que nas escolas. Muito da educação
formal nos EUA, por exemplo, degenerou em treinamentos de repressão
perceptiva e doutrinação para o modo com que gostaríamos que o mun­
do estivesse estruturado, ao invés de ser uma busca criativa de experiên­
cias perceptivas voltadas para a realidade.
Qualquer um que aceite, de forma não-crítica, os símbolos, as palavras
ou as imagens como sendo a “coisa real” não poderá evitar ser guiado pelas
trilhas da percepção. Do mesmo modo, qualquer pessoa que impensada­
mente modelar seus valores e identidade sobre símbolos verbais ou pictóri­
cos, estará sendo manipulada e explorada. A mídia opera a favor dos in teres-
ses comerciais estabelecendo estruturas perceptivas para levar o público a
estabelecer identificações não ameaçadoras entre os símbolos e as realida­
des. Real e natural normalmente revelam-se como falsificações — irreais e
anti-naturais, simplesmente uma.manipulação dos símbolos e daqueles que
os levam a sério. A coca-cola, uma substância totalrnente sintética, não é a coi­
sa real. Uma maquiagem para se criar um look natural geralmente exige mais
cosméticos do que uma maquiagem aparentemente mais pesada.
A identificação trabalha sobre a premissa de que as palavras, os sím­
bolos e os objetivos são diretamente comparáveis, de que existe uma pa­
lavra específica apropriada para cada realidade, de que as definições que
as outras pessoas dão às palavras são as mesmas dadas por nós. Cada um
destes três pressupostos sobre os símbolos é falso, tanto vulgarmente
quanto em relação à ciência.
Por meio da identificação, o indivíduo aceita inconscientemente
que afirmações verbais ou pictóricas são representações acuradas, con­
cretas e abrangentes da verdade. A palavra ou a pintura diz tudo! O físico
Eric Bell certa vez comentou que “o insignificante monossílabo all (tudo)
causou mais problemas aos matemáticos do que todo o resto do dicioná­
rio.” Nada que seja verbal, pictórico ou matemático pode incluir tudo.
Afirmações verbais ou pictóricas não podem ser mais do que símbolos
abstratos, remotos e simplistas, que tentam descrever uma realidade ape­
nas parcialmente percebida. Tanto os observadores quanto o que é ob­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 167

servado existem num estado de constante progresso e mudança que po­


dem ser imperceptíveis conscientemente. Incríveis comportamentos
destrutivos e psicopatas foram impostos à civilização pela aceitação dog­
mática, abrangente, absoluta e cegamente irracional da palavra. Uma his­
tória longa, cruel e sangrenta desenvolve-se a partir do verdadeiro signifi­
cado das palavras. A devastação promete, insanamente, continuar.
Os homens caem com freqüência na armadilha dos símbolos e dos
significados percebidos. Parece não haver escapatória — ao menos até
que as leis aristotélicas acabem por ser repelidas, quando os indivíduos
decidirem que já tiveram o bastante.

Onde se escondem as palavras sujas

Durante uma conferência, este autor introduziu a lei da identidade escre­


vendo no quadro-negro, com grandes letras maiúsculas, FODA-SE. Eu
então virei-me e sorri enigmaticamente, enquanto o auditório ia se tor­
nando cada vez mais incomodado. Alguns deram risadinhas e risos histé­
ricos. Alguns coraram, seus rostos bem barbeados tornaram-se verme­
lhos pelo rubor de embaraço. Outros empalideceram, cerraram os den­
tes com as bocas tensas. Vários arrumaram os livros como que antecipan­
do uma saída.
“Qual é o problema?”, perguntei gentilmente.
“A palavra suja que você escreveu no quadro-negro ”, alguém por fim
respondeu.
“Palavra suja?” Eu toquei uma das letras no quadro e examinei a
poeira de giz em meus dedos. “Você está exagerando”, eu disse. “São ape­
nas partículas de giz na superfície grafite do quadro-negro. Há bastante
pó, talvez, mas não há nada aqui que pareça sujo. Por que a maioria de vo­
cês, pessoas brilhantes e letradas, está reagindo emocionalmente face a
um mero giz aplicado sobre uma superfície grafite?” perguntei.
E claro que não existia nada de errado com o símbolo no quadro-ne­
gro. A “sujeira” estava em suas mentes, não na frase. “Foda-se!” é apenas
um símbolo para uma realidade bem mais complexa. Há pelo menos
meia dúzia de interpretações possíveis de serem feitas com esta frase, e
apenas um par delas relaciona-se com o processo reprodutivo. De qual­
168 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

quer modo, o símbolo era apenas isto — um símbolo, ainda que um sím­
bolo complexo, uma abstração de nível elevado que só pode ser definida
através de outras abstrações.
Cada átomo, molécula, organismo, personalidade, linguagem e socie­
dade é uma novidade — uma novidade em constante mudança. As caracte­
rizações da linguagem, ou as percepções que resultam delas, são fantasias e
ilusões de primeira ordem. Elas podem ser úteis de tempos em tempos, mas
continuam sendo fantasias.
Por exemplo, as palavras amore Deus significarão para um indivíduo
algo ao mesmo tempo igual e diferente daquilo que significam para ou­
tra pessoa. E curioso quando as pessoas insistem que suas definições são
as “verdadeiras” e obrigam as outras a validarem suas fantasias. Os infini­
tos significados para tais palavras podem ser divertidos — uma experiên­
cia estética e estimulante, como descobriram os poetas. As incertezas ver­
bais inerentes podem propiciar um incentivo extraordinário para expan­
dir-se e aprofundar-se o conhecimento do mundo, dos povos e das lingua­
gem que os homens usam para se comunicar. Mas, como quase todos sa­
bem, não acontece deste modo.
Por exemplo, há uma distância remota e abstrata entre os rótulos
verbais amors Deuse qualquer realidade específica. Realidades represen­
tadas por palavras como estas só podem ser escritas mediante outros sím­
bolos verbais. O significado não pode ser demonstrado simplesmente
apontando-se a realidade representada, como na abstração bolo de chocola­
te. Amore Deus podem ser consideradas abstrações altamente elaboradas
em comparação com símbolos de ba xa elaboração como bolo, cadeira,
prato, livro etc. As abstrações altamente elaboradas levam a enganos devas­
tadores enquanto os homens tentam sem cessar defini-las verbalmente,
numa busca ilusória por permanência, segurança e alguma garantia na­
quilo que acreditam. As abstrações de alta elaboração só podem ser defi­
nidas ou explicadas por outras palavras — em geral abstrações de alta ela­
boração adicional — resultando em fantasias construídas sobre fantasias
construídas sobre fantasias etc.
Numa provocante tentativa de satirizar a lógica aristotélica, uma bri­
lhante freira mexicana do século dezessete, Irmã Juana Inéz de la Cruz,
escreveu um tratado filosófico que provava, acima de qualquer dúvida,
como vários anjos poderiam dançar na cabeça de um alfinete. As autori­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS * 169

dades da Igreja e a Inquisição suspeitaram estar sendo ridicularizadas,


mas acharam impossível refutá-la através das regras da linguagem. Quem
poderia atacar alguém que acreditava tão fervorosamente em anjos? Em­
bora o livro seja engraçado, a discussão, que ainda está entre nós, não o é.
Os jornais diários discutem quanto da segurança nacional pode dançar
na ponta de um missel MX ou dentro da fantasiada Iniciativa de Defesa
Estratégica. Tais discussões, que sustentam o lucro e o poder, são tolas
mas enormemente perigosas quando levadas a sério.
As abstrações de alta elaboração podem ser utilizadas produtivamen­
te, mas apenas quando podem ser confirmadas e validadas experimental­
mente por percepções orientadas para a realidade. Elas podem ser res­
ponsáveis pelas grandes inspirações filosóficas ou poéticas — vitais para o
enriquecimento da vida e do pensamento. Mas amplas áreas da vulnerabi­
lidade humana à exploração estão ao redor do uso, ou mau-uso, das abs­
trações altamente elaboradas. Considere quantas palavras foram escritas
sobre os variados significados de amore. Deus, e quantas pessoas foram as­
sassinadas por causa destas definições. O mundo poderia enriquecer-se
pela aceitação das mútiplas interpretações, se alguém pensasse nisso.
As descrições verbais ou pictóricas têm a mesma relação com a reali­
dade que um anúncio tem com o produto que ele invariavelmente repre­
senta de forma errada. Os motivos conscientes e inconscientes sempre
embaralham o carteado perceptivo com preconceitos visíveis e invisíveis.
O conceito de verdade, se existisse realmente, nunca poderia ser descrito
por palavras ou desenhos, nem mesmo mediante a matemática. A verdade
existe apenas na realidade, fora dos símbolos que tentam descrevê-la. A
verdade também deveria estar livre das intervenções e influências da per­
cepção humana — uma impossibilidade paradoxal.

Horas, lugares e situações

Embora as palavras nunca possam ser as coisas ou as pessoas, a precisão da


linguagem para descrever a realidade pode ser aprimorada. Os indivíduos
podem ser treinados para classificar os significados em relação a horas, lu­
gares e situações específicas, o que reduziría substancialmente sua vulne­
rabilidade à manipulação. Considere por exemplo o recente anúncio na
1 70 «A ERA DA MANIPULAÇAO

contracapa da revista Tme(fig. 51), “Saúde a mais gosto de gim!” A ilustração


retrata uma mão feminina saudando uma fálica garrafa do gim Gilbey.
“Saúde” é uma expressão idiomática que significa um brinde ou uma sau­
dação geralmente dirigida a outro ser humano. Os leitores têm o direito
de questionar se um comportamento razoável poderia incluir uma con­
versa com uma garrafa de gim, algo comparável a conversar-se com uma
porta, uma casa ou uma frigideira. Tal projeção antropomórfica, embora
largamente utilizada em caras campanhas publicitárias, neste caso faz se­
riamente um brinde a uma garrafa de gim. Tal fantasia levaria facilmente
um bebedor ao divã do psicanalista. Uma análise simples, tal como a suge­
rida acima, deve incluir as questões de quando alguém deve usar tal frase,
onde e em qual situação concebível. As únicas respostas razoáveis seriam
nunca, em lugar algum e apenas no caso dos resmungos incompreensíveis
de alguém completamente bêbado.
Do mesmo modo, “mais gosto de gim” é outra frase engenhosa que
não significa absolutamente nada em termos de realidade. Como o copo
no anúncio está cheio de cubos de gelo, a temperatura do líquido é pres-
sumivelmente baixa — cerca de 40 graus Fahrenheit. Temperaturas bai­
xas reduzem grandemente a capacidade de distinguir-se sabores — se
realmente é ao sabor que o “gosto” refere-se. As palavras gosto (taste) e pro­
var (tests) são associadas em nível inconsciente e têm uma similaridade fo­
nética que freqüentemente estimula a identificação. No entanto, mesmo
à temperatura ambiente, os testes de sabor demostram que a maioria es­
tatística das pessoas não pode determinar a marca do gim que está beben­
do. Mais ainda, como os bebedores não podem cheirar, a maioria não po­
de determinar se o que estão bebendo é gim, vodca ou uísque.
Novamente: quando, em qual lugar e em que situação? Resposta: nun­
ca! Em lugar nenhum! E somente numa conversa com um louco ou com
alguém totalrnente bêbado! E claro que o texto do anúncio é concebido
para ser lido no nível inconsciente e não-discriminatório da percepção e,
por isso, ser tomado como certo. Como a maioria dos anúncios de bebi­
das alcoólicas, este também é dirigido especialmente aos grandes bebe­
dores que dependem do álcool para escapar da realidade. Um bom nú­
mero de pessoas identifica-se com a insensatez verbal e antropomórfica
para que tais anúncios sejam lucrativos a todos os envolvidos com sua pu­
blicação. A mensagem atinge seu objetivo porque os consumidores não
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *17 1

prestam uma atenção crítica e consciente; eles viram os ombros ao absur­


do e continuam bebendo como se estivessem pensando por si mesmos.
O anúncio do brinde ao gim Gilbey é uma pintura. A mão feminina,
o martini, a azeitona, o gim, o copo e a garrafa são fantasias pintadas que
não têm nada a ver com a realidade. Na figura 51, várias das palavras sex
enxertadas foram sublinhadas, e muitas outras podem ser descobertas
por leitores perceptivos. Na superfície aparentemente turbulenta do
martini, pelo menos cinco monstros foram aerografados no líquido bor-
bulhante, faces grotescas flutuando, talvez afogando-se, na ilusão. Obser­
ve a ilustração do detalhe (fig. 52) sob diferentes persf ectivas — à esquer­
da, à direita, de cabeça para baixo — para um trailer do que pode estar
por detrás das vidas dos grandes bebedores. O uso repetitivo e sem signi­
ficado da palavra gosto (tastê) na parte debaixo do anúncio promete levan­
tar todos os delírios alcoólicos.
Outro grande problema derivado da lei da identidade ocorre quan­
do o sujeito de uma frase é, consciente ou inconscientemente, identifi­
cado com o predicado, geralmente através do verbo ser. Na frase “Ron­
nie é um comunista! ”, é implica uma entidade fixa, imutável e inflexível.
Uma avaliação da realidade faz-se necessária para explorar Ronnie em re­
lação ao tempo, espaço e situação. Ronnie, como todos os humanos, mu­
dou no decorrer de sua vida. Mudanças biológicas e psicológicas a cada
momento do tempo. O Ronnie de sessenta anos é uma pessoa diferente
da que era ontem, no ano passado, quando tinha 25 anos, quarenta anos
ou da que será aos 65. Para ter qualquer validade, a sentença tem de es­
pecificar qual a idade particular, onde ele vivia naquele tempo e em que
condições vivia.
Presumam hipoteticamente que Ronnie, quem quer que seja, viveu
desde que nasceu em diferentes culturas, linguagens e sistemas político-
econômicos. Esteve envolvido em várias disputas sócio-políticas. Qual dos
infinitos Ronnies possíveis estamos tentando descrever?
Outra dimensão em grande parte inconsciente de Ronnie está nas
identificações feitas com Ronnies, conhecidos ou imaginados. Muito em­
bora Ronnie seja apenas uma pessoa hipotética, um mero arranjo de síla­
bas, a maioria dos indivíduos poderia descrever um Ronnie que está den­
tro de suas cabeças — um Ronnie bastante diferente de Algernon, Prince,
John ou Buboobla. Cada nome, mesmo um nome sem sentido, tem signifi-
1 7 2 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

cado tanto em nível consciente quanto inconsciente — como qualquer


redator de publicidade sabe muito bem.
Do mesmo modo, comunista é outro termo sem sentido — embora
extremamente útil como arma de propaganda entre indivíduos treina­
dos para não pensar além dos rótulos estereotipados. Os comunistas po­
dem ser desdobrados em uma variedade incrível, e sempre foi assim,
mesmo que você tenha ouvido falar sobre isso — os mais à esquerda, os
mais à direita, os de centro, e inúmeros graus intermediários. Existem
atualmente mais de quarenta variedades de grupos comunistas-socialis-
tas visíveis no mundo e certamente muitos outros grupos invisíveis espa­
lhados por aí. Algumas destas variedades — a iugoslava e a chinesa, no
momento — são socialmente aceitáveis ao mundo capitalista. Os comu­
nistas sempre diferem nas diferentes culturas, em diferentes épocas e
sob diferentes situações.
Estereotipar os comunistas é uma preocupação tão sem sentido
quanto estereotipar os capitalistas, republicanos, judeus, católicos ou os
visitantes da Disneylândia. Tais estereótipos podem ser sem sentido, mas
com freqüência são úteis. Poucos políticos sobreviveríam se suas mães
não tivessem deixado que brincassem, quando crianças, com estereóti­
pos, e se seus irracionais seguidores pudessem dizer a diferença entre ró­
tulos sem sentido e as complexas realidades perceptivas envolvidas. Tan­
to o sujeito quanto o predicado de nossa frase — “Ronnie é um comunis­
ta! ” — provaram ser ficções verbais. As interpretações mais devastadoras
na linguagem surgiram do uso não crítico do verbo ser. Eu sou, ele é, nós so­
mos, você ée eles são implicam em permanência, numa conexão fixa e rígi­
da entre sujeito e predicado. Ronnie (o sujeito) foi conectado a comunis­
ta (o predicado) — uma ficção verbal unindo dois conceitos verbais fic­
cionais e estereotipados — uma ficção de uma ficção de uma ficção etc.
A palavrinha é (uma conjugação do verbo ser) tem suas tragédias. E
casa e identifica coisas e pessoas que não são realmente relacionadas. O
casamento é uma ilusão criada pela estrutura da linguagem e pelo invisí­
vel e inconsciente processo perceptivo humano. Embora os problemas
com a identidade pareçam comuns à maioria dos sistemas de linguagem,
aqueles relacionados ao verbo s^rpodem ser de menor magnitude em al­
guns destes sistemas. As línguas latinas têm duas formas verbais para ser—
uma denotando permanência, a outra um verbo de transição para uma
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS * 1 73

condição, tempo ou status temporário. Em espanhol, por exemplo, es


muerto descreve uma condição permanente (mesmo num país católico),
enquanto está enfermo denota uma condição temporária. Em inglês, no
entanto, quase nunca há um reconhecimento, consciente ou inconscien­
te, das condições transitórias.
Quando algo ou alguém é ele o é presumivelmente para sempre,
fundindo o sujeito e o predicado. Quando o anúncio do Chevrolet Nova
nos diz “ele é o melhor dos dois mundos”, a afirmação é uma insensatez em
relação a qualquer realidade perceptível. Mas é uma insensatez cuidado­
samente concebida, criada para persuadir indivíduos ingênuos e sem
senso crítico de que algo significativo lhes foi comunicado. O sujeito
“Ele” refere-se a todos os Novas que já foram fabricados, mesmo aqueles
considerados como carroças por seus proprietários. Ele é também um
freqüente eufemismo publicitário para o sexo. No anúncio, o Nova foi
manipulado para parecer com um longo, fálico e poderoso símbolo de
autoridade.
A palavra “o melhor” é — no máximo — uma descrição adjetiva sem
sentido. O melhor para quê, em que tempo, sob que condições, em com­
paração com o quê e com quem? A frase “dos dois mundos”alude, neste ca­
so, aos EUA e ao Japão; o carro é aparentemente uma joint venture entre a
General Motors e a Toyota. E claro que “dois mundos” pode implicar, por
projeção, que um dos mundos está no espaço sideral — e a ilustração pin­
tada do Nova realmente sugere o design de uma nave espacial. E uma no­
va é uma estrela que brilha subitamente e em pouco tempo apaga-se. Se
você pensar sobre isto, como muito poucos consumidores aprendem a fa­
zer, os Novas não devem durar muito tempo. Os anúncios dependem da
ingenuidade e da ignorância humanas.
A estratégia publicitária do Nova foi criada para opor-se ao crescen­
te ressentimento contra os carros importados. As importações custaram
os empregos de dezenas de milhares de trabalhadores norte-americanos,
mas o preconceito é ambivalente, já que os carros japoneses são geral­
mente consideramos mais baratos, de melhor qualidade e mais seguros
que os americanos. A imagem negativa dos carros norte-americanos é es­
pecialmente forte entre os consumidores das classes sócio-econômicas
mais baixas, que são o principal mercado do Nova.
Repetindo, o texto do anúncio do Nova — como a ilustração pinta-
1 74 *A ERA DA MANIPULAÇÃO

da — é uma insensatez não-adulterada, criada para levar leitores confian­


tes e não críticos a identificar entre o Nova e “o melhor”.
Qualquer pessoa que identifique a garrafa quebrada do Crown Ro­
yal (fig. 15) com uma garrafa quebrada real, está projetando uma fanta­
sia. A garrafa pintada claramente não tem nada a ver com uma garrafa
quebrada real. Do mesmo modo, o retrato de Gaddafi na capa da revista
Time (fig. 9) — assim como os outros conteúdos da ilustração — não têm
nada a ver com a realidade.
Resumindo, as identificações operam de dois modos: entre palavras e
palavras (símbolos combinados com símbolos) e entre palavras e coisas ou
pessoas (símbolos combinados com percepções da realidade). Ambos es­
tão bastante longe de qualquer realidade que pode ser descrita em algum
tempo, lugar ou situação específicos. Tais identificações ignoram o pro­
gresso e as mudanças tanto de quem percebe quanto de suas percepções.
Não importa que aleguemos que alguém é, a coisa ou a pessoa nunca são as
palavras ou imagens que usamos para descrever nossas percepções.

Coisas e animais não são humanos

A identificação antropomórfica entre qualidades humanas e objetivos ou


animais é uma técnica antiga de controle da mente à qual milhares de pes­
soas são bastante vulneráveis, especialmente nas culturas governadas pela
mídia. O antropomorfismo é bastante utilizado para vender automóveis, por
exemplo, sugerindo através dos designs e dos anúncios que os carros pos­
suem atributos humanos e mesmo super-humanos. Vários modelos de Cadil­
lac, por exemplo, têm esferas de formato de mamas nos pára-choques dian­
teiros e traseiros. Nenhuma fêmea humana é tão abundantemente equipa­
da. O design masculino do Mustang competiu com o design feminino do Ca-
maro nos primeiros anos dos dois carros. No entanto, com o passar do tem­
po o gênero tornou-se menos distingüível. Tais manipulações têm muito me­
nos sucesso nas culturas européias e asiáticas, onde as pessoas tendem a per­
ceber corretamente que os automóveis são apenas máquinas inanimadas.
Não é por acaso que a maioria dos presidentes dos EUA tem cães de
estimação na Casa Branca, com considerável despesa em seguros contra
estragos nos móveis, tapetes e cortinas. Consciente e inconscientemente,
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 175

a presença de um fiel, obediente e amoroso cachorro produz uma ima­


gem positiva de seu dono. O presidente tem que ter um cachorro. Os elei­
tores rejeitariam um candidato que preferisse gatos, porcos, jibóias ou
chimpanzés.
Os vendedores de carros usados, os comediantes e outros que solici­
tam a confiança do público integraram há tempos os animais em suas per­
formances. Quem poderia desconfiar de um homem que ama os ani­
mais? Na verdade, qualquer um que utilize animais para acentuar preten­
sões de honestidade, bondade e confiabilidade só pode ser um charlatão
explorando a fraude da confiança. Os asiáticos fazem inúmeras piadas so­
bre os norte-americanos com seus cachorros e gatos. No mundo real, on­
de a maioria dos seres humanos sobrevive no limite da fome, a comida e
os cuidados dispensados aos mascotes nos EUA poderia alimentar mi­
lhões! Talvez as pessoas devessem ser freqüentemente lembradas que
tanto Genghis Khan quanto Ivan o Terrível amavam os animais.

A LÓGICA EXCLUI O MEIO-TERMO

A lei da exclusão do meio-termo foi uma das idéias mais imaginosas de Aristó­
teles. Ela pode ser explicada resumidamente como “Todas as coisas de­
vem ser ou não ser”. O pensamento de ser verbal: as pessoas podem sentir,
mas não pensar sem as palavras. Se o pensamento verbal pode ser restrito
a apenas uma idéia, coisa, proposição ou outra idéia, coisa, proposição, o
mundo torna-se um lugar asséptico, definível e coordenado para se viver.
O mundo real, onde várias coisas acontecem caoticamente ao mesmo
tempo, não é assim. Aqueles que conhecem e obedecem a esta lei podem
ter a fantasia de que sabem precisamente, a qualquer momento, onde ca­
da coisa está ou não está. A fantasia de que há apenas dois lados em cada
questão torna a verdade facilmente alcançável. O mundo nunca será um
lugar tão simples. Quando os objetos ou as pessoas são percebidos como
ou este ou aquele, ou uemeste nem aquele, eles estão sendo projetados em
ilusões da realidade simplistas e maniqueístas.
Esta ilusão, estruturada consciente e inconscientemente por mi­
lhões de pessoas ao redor do mundo, representa uma das maiores frau­
des políticas, sociais, júdiciais e econômicas de todos os tempos. Nenhu-
1 76 «A ERA DA MANIPULAÇAO

ma realidade percebida pelos homens é tão simples a ponto de possuir


apenas dois lados. Os dois lados são construídos, imaginados, fabricados
perceptivamente. Na verdade, podem haver tantos lados quanto há pes­
soas envolvidas — ou muitos mais.
Se fôssemos educados num sistema mais razoável e mais voltado para
a realidade, os valores percebidos deveriam ser estimados mais acurada­
mente em uma escala ampla e flexível entre as duas polaridades — bom-
ruim, fraco-forte, feio-bonito, moral-imoral etc. A avaliação deveria envol­
ver as qualidades de mais ou menos, ao invés de ou um ou outro. Sempre que
as pessoas são levadas a aceitar um sistema maniqueísta elas ficam progra­
madas para aceitar a insensatez estereotipada do “preto no branco”. Eles
perderanra autonomia e o controle de suas percepções. A percepção pode
então ser canalizada para virtualmente qualquer direção desejada; a verda­
de pode ser determinada logicamente, com freqüência eternamente.
A realidade percebida, como é expressa verbal, pictórica ou mate­
maticamente, tem uma gama infinita de valores, significados, orienta­
ções e potencialidades. Os “dois lados de toda questão” são uma ficção
que encoraja a necessidade humana de perceber o mundo ilusoriamen-
te equilibrado, simétrico, proporcional e simplista. Com a linguagem,
praticamente qualquer coisa é possível. Por que não três, vinte e sete ou
mesmo sessenta e nove lados?
As cisões verbais, divisões que não podem ser feitas no mundo da rea­
lidade, reforçam ainda mais a lei da exclusão do meio-termo. Os exem­
plos incluem mente e corpo, pensare sentir, emoção e intelecto e consciente e in­
consciente.
Há inúmeras justificativas econômicas para a fragmentação verbal.
Na medicina, por exemplo, há um dicionário completo de especialida­
des. A medicina tornou-se uma linha de montagem despersonalizada, co­
mo a de uma fábrica de automóveis onde os trabalhadores assumem uma
responsabilidade limitada. Tais sistemas foram desenvolvidos para otimi­
zar o retorno do capital investido. Na medicina, eles otimizam o retorno
dos investimentos dos médicos em educação e equipamentos para seus
consultórios. Também reduzem o trabalho a tarefas repetitivas e simplis­
tas. Os médicos sempre podem passar o problema para outro especialis­
ta. As vítimas, é claro, são os pacientes, seja em relação ao bem-estar físico
ou aos seus bolsos.
Win a ‘25,í MM)Tanqueray Emerald.
PEOPLE HAVE BEEN TRYING TO FIND THE
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BREASTS IN THESE ICE CUBES SINCE 1957.
10
“No pain, nogain.'
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FISH BO N E STILLS BY CLIFF ROTH


selediofKadeaux
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COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS *177

A mente e o corpo estão totalrnente integrados. Nenhuma função do


corpo opera independentemente. Pensamento e sentimento são do mesmo
modo inseparáveis, assim como emoção e intelecto. Ninguém sabe ao certo
onde a consciência começa e termina. O consciente e o inconsciente são pro­
cessos completamente integrados e interdependentes. Estas funções
operam todas ao mesmo tempo. Na realidade do corpo humano, estes
complexos processos são não-verbais.
Os conceitos verbais são descrições fictícias da realidade percebida
que podem não existir física ou biologicamente. As descrições verbais são
úteis de tempos em tempos, como conjecturas ou conceitos hipotéticos e
teóricos. Quando os indivíduos tornam-se mais aptos para entender os
processos de abstração, as percepções anteriores demonstram ter sido re­
primidas ou restringidas. As novas descobertas, tanto na ciência como no
dia-a-dia, baseiam-se na disponibilidade de novas percepções da realida­
de, percepções que não eram disponíveis anteriormente. Praticamente
nada no ambiente humano é genuinamente novo. Algo pode ser rotula­
do como “novo” por uma estratégia de marketing ou de propaganda, mas
se examinado de perto o pseudo novo geralmente revela-se como a mes­
ma e velha coisa, reformulada para a ilusão perceptiva.
A educação, a ciência e mesmo os negócios treinam os indivíduos
para seguir os passos daqueles que já chegaram lá. Os empreendedores
geralmente sabem que seguir os passos de alguém leva aos mesmos luga­
res onde outrosjá chegaram. Poucas descobertas, se há alguma, resultam
da conformidade. Não obstante, as sociedades tipicamente punem ou
restringem a não-conformidade. O não-conformista na ciência, educa­
ção, arte, negócio ou em qualquer outra forma de atividade humana,
ameaça a segurança dos conformistas — geralmente, a maioria. Como os
descobridores, as descobertas raramente são bem-vindas. Elas são uma
ameaça terrível a qualquer um com interesses escusos.

Profanidade sagrada

A obra-prima de Ticiano, O Amor Sagrado e Profano, retrata duas mulheres


sentadas à beira de um poço; a que está completa e apropriadamente ves­
tida sendo o “sagrado”, a voluptuosamente nua como o “profano”. Quanto
1 78 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

mais o observador considera a “sagrada”, mais profana ela se torna. Quan­


to mais reflete sobre a “profana”, mais sagrada ela se torna. Finalmente o
observador percebe que as duas mulheres são o mesmo indivíduo pintado
duas vezes. Tanto o sagrado quanto o profano aparecem como qualidades
inerentes a todas as mulheres, duas polaridades inextrincavelmente inter-
relacionadas. Um paradoxo verbal similar aparece em todos os pressupos­
tos verbais bi-polarizados. O comportamento “normal”, ou qualquer coisa
“normal”, torna-se perversamente anormal quanto submetido a um exa­
me minucioso. As verdades absolutas do mundo são inevitavelmente desmas­
caradas como mentiras de salafrários, loucos ou ambos. Sempre que as mo-
ralidades (“verdades”) triunfam, inúmeras coisas ruins acontecem. En­
quanto a percepção pode pilotar precariamente a realidade e simbolizá-la
verbal, pictórica ou mesmo matematicamente, em qualquer dado momen­
to, a única certeza permanece sendo a incerteza.
As incertezas podem ser engraçadas. Não é certo que haverá desas­
tre se as “verdades eternas” forem questionadas ou duvidadas. A atual co­
leção de verdades absolutas que domina as decisões, políticas e perspec­
tivas mundiais parece que acabará certamente destruindo o mundo. A
atual coleção de verdades absolutas foi ratificada durante 1986, o Ano
Internacional da Paz, pelo total de 900 bilhões de dólares em gastos mi­
litares. Este gasto maciço de recursos vitais, capital e pessoas está deta­
lhado no anuário de Ruth Leger Sivard, Despesas Militares e Sociais Mun­
diais. Nenhum desastre de maior magnitude pode ser imaginado num
mundo onde dois terços da população vai toda noite com fome para a ca­
ma enquanto estão sendo salvos da, ou pela verdade eterna de alguém.
Em um breve resumo da lei de exclusão do meio-termo de Aristóte­
les, o psiquiatra inglês R. D. Laing esboçou o máximo da loucura huma­
na por um mundo entorpecido de auto-indulgência, forte ambição e fla­
grante hipocrisia.

Enquanto não podemos elevar nosso “pensamento ’’acima de Nós eEles, os bons
e os maus, tudo continuará na mesma. O únicofim possível será quando todos
os bons tiverem matado todos os maus, e todos os maus matado todos os bons, o
que não parece tão difícil ou improvável, já que para Nós, somos os bons e eles
são os maus, enquanto que para Eles, somos os maus e eles são os bons.
Milhões de pessoas morreram neste século e mais milhões morrerão, incluin­
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «179

do, como temos várias razões para acreditar, muitos de nós e dos nossosfilhos,
já que não podemos desatar este nó.
Parece comparativamente um nó simples, mas está muito, muito apertado —
como sefosse ao redor do pescoço — de toda a es^^cie humana.
Mas não acredite em mim porque eu disse isso, olhe no espelho e veja por si
mesmo. (Laing, A Política da Família, p. 49).

A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO

A lei da contradição foi a contribuição mais metódica de Aristóteles para a


lógica e o pensamento. Anulando as contradições, ele desprezou, igno­
rou e camuflou os incômodos problemas inerentes aos sistemas de lin­
guagem verbal, pictórica ou matemática. A lei da contradição—freqüente­
mente resumida como “Nada pode ao mesmo tempo ser e não ser”— apagou
as dificuldades que surgem das contradições, inconsistências e parado­
xos ferozes do mundo. As futuras gerações poderiam ignorar as pontas
que não se encaixam num sistema de linguagem ordenado e consistente.
Com o passar dos séculos, as leis aristotélicas desenvolveram-se em
verdadeiros mandamentos do pensamento e da razão. Se o Hamlet de
Shakespeare soubesse que poderia sere não serão mesmo tempo, poderia
ter tido uma vida muito mais feliz e bem ajustada. Mas, como Shakespeare
sabia muito bem, as grandes obras literárias e teatrais raramente são escri­
tas sobre vidas bem ajustadas.
Depois de Aristóteles, os homens podiam inventariar e explicar ver­
balmente a totalidade do mundo em que viviam — o mundo que pensa­
vam, que percebiam, categorizavam, definiam e isolavam. A confiança dos
homens naquilo que acreditavam ter percebido permitiu a construção de
uma lógica pela qual a maioria dos mistérios, incertezas e contradições de­
sapareceu. Uma palavra ou frase sempre pode ser inventada, construída,
definida ou redefinida para criar-se uma ilusão de conhecimento. O ego
humano alcançou até o Céu. Deus foi definido verbalmente por dúzias de
religiões e centenas de seitas, cada qual em seu próprio interesse.
Nas relações familiares problemáticas, por exemplo, os terapeutas
acabam concordando que qualquer coisa que afete a um influencia a to­
dos. Embora os maridos e as esposas acusem uns aos outros individual­
1 80 «A ERA DA MANIPULAÇAO

mente, eles estão mutuamente envolvidos, cada um mantendo o dilema


do outro. A percepção de que os indivíduos são independentes e isolados
uns dos outros constitui uma das mais destrutivas ilusões da realidade.
Não obstante, esta ilusão tem potencial político, ideológico e comercial
para aqueles que lucram com tais ilusões.
O mundo da realidade percebida, ao contrário das leis aristotélicas,
está interconectado, cada coisa nele é influenciada por todas as outras coi­
sas deste mundo. Nada existe isoladamente. O isolamento ou a exclusividade
é apenas uma ilusão perceptiva—com freqüência, uma ilusão terrível. Pe-
diu-se certa vez ao poeta Carl Sandburg que identificasse a palavra mais
perigosa da língua inglesa. Ele respondeu sem hesitar, “Exclusivo!”
Dentro do corpo, por exemplo, todos os sistemas fisiológicos estão
interconectados através das redes circulatórias, neurológicas e cerebrais.
Todos estes sistemas conhecidos, desconhecidos e que não podem ser conhecidos
operam continuamente, inextrincavelmente coordenados uns aos outros.
O que parece estar acontecendo é freqüentemente uma especulação mera­
mente superficial e preconcebida.
As descrições verbais, que só são definíveis por outras descrições ver­
bais, permitem que os homens se convençam de que sabem tudo sobre al­
go do qual não sabem absolutamente nada. As pseudociências como a
economia, a psicologia, a sociologia e a antropologia — generalizadas co­
mo ciências sociais — estão entulhadas de insensatezes verbais. A verbali­
zação jurídica também flutua de modo similar nas densas nuvens da fan­
tasia humana. As ciências sociais raramente são científicas e muito fre­
qüentemente são anti-sociais.
Por exemplo, a Faculdade de Medicina da Universidade de Kansas
produziu um filme educativo sobre a tuberculose para um curso de atua­
lização para médicos que, em muitos casos, haviam trabalhado vários
anos em sanatórios para tuberculosos. Os pesquisadores colocaram
plugs transparentes nas orelhas dos coelhos e introduziram o bacilo da
tuberculose no tecido abaixo do plug. Através de fotografias, no decor­
rer do tempo, eles documentaram a bactéria no tecido da orelha — co­
mo o seu crescimento envolvia a célula, o neurônio e as interações circu­
latórias e químico-sangüíneas; como estas complexas interações eram
afetadas pelo medo, estimulação sexual, fome, sede e introdução de vá­
rias drogas no coelho.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «18 1

O filme incomodou e confundiu vários médicos mais velhos que ha­


viam passado suas vidas apenas com as definições verbais do tratamento e
cura da tuberculose. Seus aprendizados e práticas eram baseados em sim­
plistas descrições verbais, muito distantes da realidade inter-relacionada
perceptível desta doença. Até mesmo o nível submicroscópico da realida­
de médica perceptível é agora acessível aos médicos que dominaram a al­
ta matemática, que já é um fator a ser considerado no tratamento do cân­
cer e de outras patologias.
O papel enxertado subvisualmente discutido anteriormente pro­
porciona outra ilustração da lei da contradição numa situação comercial.
Depois de desenvolver o processo dos enxertos, a fábrica de papel desco­
briu que era praticamente impossível convencer os chefes da contabilida­
de das grandes firmas que as faturas mensais enxertadas subliminarmen­
te com as frases “Paguejá, muito importante! Não pode esperar! Vital! Dê
precedência! ” poderiam aumentar o fluxo de caixa. No entanto, o papel
deveria ser vendido aos chefes de contabilidade. Estes funcionários, espe­
cialmente nas grandes firmas, são provavelmente o tipo mais conserva­
dor de executivo. Seu trabalho é administrar o fluxo de caixa — o dinhei­
ro que entra, o dinheiro que sai. Eles são empregados para avaliar rigida­
mente — com critérios estritos, tradicionais, empíricos, aristotélicos,
conscientes e visíveis — os números que descrevem a situação financeira
diária de organizações complexas. A simples menção de subliminar o\i do
inconsciente poderá provocar o ódio e a incredulidade de tais funcioná­
rios. Eles são, em termos perceptivos, um tipo muito especial de pessoas
— o que provavelmente conta para o fato de terem se tornado chefes de
contabilidade. A maioria deles descarta a idéia do papel com enxertos
subvisuais como uma insensatez total. Os gerentes de venda, por outro la­
do, ficam imediatamente excitados com qualquer idéia que possa in­
fluenciar o impulso de consumo. Os chefes de contabilidade não podem
perceber além da lei da contradição de Aristóteles. Eles foram programa­
dos para acreditar que nada pode sere não serão mesmo tempo. Ou os enxer­
tos subliminares no papel estavam ali ou não estavam.
A fábrica de papel desenvolveu então uma versão do papel enxerta­
do que ocultava a mensagem subliminar quando o papel era visto de um
ângulo de 90 graus, mas que era visível colocando-se o papel a 15 graus. A
mensagem enxertada estava e não estava lá. Ser e não ser c uma questão
182 - A ERA DA MANIPULAÇAO

perceptiva. O verbo serê uma das formas verbais mais complexas em qual­
quer língua do mundo. Á^rsignifica literalmente “existir”, e a existência é
uma questão perceptiva. O papel em questão ilustrou como uma mensa­
gem pode ser e não ser ao mesmo tempo. A maioria dos chefes de conta­
bilidade pareceu finalmente estar convencida.
A consistência aparece como uma rachadura fatal em qualquer
sistema de regras rígidas, teorema ou lei de linguagem — seja ela lin­
guística, pictórica ou matemática. O filósofo espanhol Miguel de Una­
muno escreveu que “Se alguém se contradiz, com certeza é alguém que não sa­
be de nada”. A inconsistência é uma condição humana natural, certa­
mente para os sistemas de linguagem. No entanto, a ilusão de consis­
tência pode ser facilmente construída, seja nas relações entre pessoas
e pessoas, seja entre pessoas e objetos. Os profissionais de publicidade
e de relações-públicas constróem e sustentam ilusões de consistência
— ao menos até alguém fazer uma análise crítica e cuidadosa. A consis­
tência é um papel artificial que as pessoas representam em várias situa­
ções profissionais. Os políticos e os executivos freqüentemente tor-
nam-se adeptos deste papel. As reconciliações consistentes da inconsis­
tência são construções perceptivas. Elas podem parecer boas no papel,
mas são inerentemente enganosas.
Discordar ou desobedecer a estrutura da linguagem viola heretica-
mente as sabedorias convencionais. O paradoxo, a inconsistência e a con­
tradição são expectativas normais no raciocínio lógico e científico. Quan­
do eles não são encontrados, a regra é ser extremamente cauteloso. Pode
alguém realmente s^raquilo que consciente e inconscientemente moldou
para aparentemente ser? Na verdade, quanto mais consistentemente ho­
nesto alguém parecer, mais cuidado você deve ter com seu bolso. As ima­
gens são estereótipos, mentiras, dissimulações cosméticas, representações
erradas. As imagens geralmente dissimulam as características opostas.
Quando as contradições não aparecem, elas foram omitidas ou camufla­
das. Analistas inteligentes procuram descobrir a consistência criada para
satisfazer as expectativas normais, para então desacreditá-la completa­
mente. Os encarregados de pessoal geralmente questionam os relatórios
perfeitos demais.
As afirmações verbais, pictóricas ou matemáticas podem ao mesmo
tempo ser verdade e mentira. A verdade e a falsidade são conclusões e
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 183

construções perceptivas. Elas são produtos dos modos com que os ho­
mens sentem, vêem, ouvem, pensam, cheiram e acreditam (ou são mani­
pulados para acreditar) que sabem. Normalmente, os homens impõem
avaliações perceptivas sobre a realidade por razões práticas. Os motivos,
é claro, podem ser altruístas, interesseiros, ou ambos em diferentes
graus. A primeira questão na análise de um comportamento lingüístico
deveria ser “o que o emissor está realmente tentando fazer?”

A VERDADE NA PROPAGANDA

A lei da contradição desempenha um papel importante nos meios de co­


municação de massa. O público foi treinado para aceitar a informação
com o significado manifesto pelas fontes de alta credibilidade. As pessoas
raramente investigam o que está por debaixo da superfície. Elas deve­
riam! As fontes de alta credibilidade são facilmente compradas pelos pu­
blicitários ou relações-públicas. Os anônimos “altos funcionários do go­
verno”, “quatro entre cinco médicos”, “fontes fidedignas”, “informantes
confidenciais”, “pesquisas recentes” ou fantasmagóricos responsáveis do
mesmo tipo são freqüentemente armações para informações errôneas,
falsas e interesseiras.
A manipulação dos relações-públicas — muitas vezes apresentada
como informação jornalística — pode ser verdadeira num sentido sim­
plista e linear e pode até mesmo ser provada numa corte. Por outro lado,
tais afirmações podem ser falsas quando consideradas em seu contexto
ou em relação a outras informações omitidas. O texto dos anúncios geral­
mente é uma obra-prima da técnica de iludir, que pode ser verdade em
certo nível mas — sob um exame mais acurado — ser também mentira.
Um labirinto de órgãos federais supostamente regula a publicidade falsa
e enganosa. A Comissão Federal de Comércio é um dos órgãos mais im­
portantes, com uma enorme equipe de procuradores que agem apenas
contra as ofensas mais graves. Entre os redatores de publicidade, os regu­
lamentos da Comissão Federal de Comércio são considerados piada.
Qualquer redator experiente pode verbalizar sobre qualquer lei que pos­
sa ser escrita, simplesmente através do conhecimento da lógica aristotéli­
ca. Os redatores de publicidade também fazem os anjos dançarem na ca­
1 84 «A ERA DA MANIPULAÇAO

beça de um alfinete. Qualquer um que seja pego neste jogo é considera­


do inapto.
O Departamento de Alimentos e Drogas supostamente controla os
anúncios de alimentos, drogas, cosméticos, aparelhos médicos e produ­
tos perigosos. A Comissão Federal de Comunicação controla indireta­
mente a tele-radiodifusão dos anúncios por seu poder de concessão, mas
na prática ela serve à indústria, não ao consumidor. O Serviço Postal su­
postamente regulamenta os anúncios via mala direta. A Divisão do Ál­
cool, Tabaco e Armas de Fogo em amplos poderes, geralmente não exe­
cutados, para regulamentar propagandas enganosas de álcool e tabaco,
incluindo as recentes leis que proíbem os anúncios subliminares de be­
bidas alcoólicas (ver Apêndice). A Divisão de Grãos, supostamente regu­
lamenta a veracidade dos anúncios de sementes. A Comissão de Títulos,
Ações e Letras de Câmbio regulamenta, sem nenhuma eficácia, os anún­
cios de títulos e ações. Finalmente, o Comitê de Aeronáutica Civil finge
regulamentar os anúncios de aviões de carga.
Estes órgãos federais, e os departamentos estaduais similares, pre­
sumivelmente protegem o consumidor da propaganda enganosa. Mas,
de fato, servem e legitimizam a propaganda. Eles dão aos consumidores
a ilusão de que estão a salvo da manipulação, de que pensam por si mes­
mos, de que estão protegidos das informações falsas e enganosas. Os
consumidores norte-americanos foram treinados para acreditar que
qualquer coisa publicada ou propagada pelos meios de comunicação de­
ve ser verdadeira. Qualquer coisa que seja aprovada por todos estes ór­
gãos públicos deve ser legitimada. Os anúncios institucionais da Associa­
ção Nacional das Agências de Publicidade — a propaganda da propa­
ganda — divulgam a fantasia de que os anúncios são validados pelos ór­
gãos reguladores.
Os anúncios publicados a título de ilustração em meus quatro livros
— todos anúncios muito bem sucedidos — são falsos, enganadores e ilu­
sórios. Os anúncios subliminares, por exemplo, foram declarados como
“contrários ao interesse público”, com “clara intenção de serem engano­
sos”, pela FTC, FCC e ATE As técnicas subliminares também são proibi­
das nos códigos para a propaganda e divulgação voluntariamente criados
pelas indústrias. Nenhum órgão federal jamais moveu uma ação contra
um anunciante pelo uso de subliminares.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 185

Voltas e voltas ao redor do paradoxo

Num mundo há muito dominado e dirigido pelas leis aristotélicas, o pa­


radoxo é uma contradição difícil de ser demonstrada. O começo e o fim,
a causa e o efeito, são fundidos em uma só coisa no paradoxo. Eles se tor­
nam uma unidade circular, um sustentando o outro. Esta unidade tem si­
do simbolizada, no mínimo desde a Grécia Antiga, pelo Ouroborus— co­
bra que morde o próprio rabo. Um paradoxo revela a natureza frágil da
contradição e da consistência nas formulações verbais.
Há uma porção de paradoxos derivados da matemática que não se
encaixam e não têm lógica até o ponto onde se tornam ilógicos. Infeliz­
mente, os paradoxos matemáticos relacionam-se a um mundo inimaginá­
vel para os não-matemáticos. As duas distintas linguagens — a nossa e a
dos matemáticos — são tão diferentes que mesmo as melhores tentativas
de tradução fracassam. Kurt Gõdel, um matemático alemão, usou o racio­
cínio matemático para explorar o próprio raciocínio matemático. Esta
tentativa não é diferente de usar o sistema aristotélico para compreender
as inconsistências do sistema aristotélico. As tentativas de se analisar um
sistema por si mesmo não levam a lugar nenhum, a menos que descubra-
se uma perspectiva exterior ao sistema. Isto é como tentar provar que
anúncios são falsos quando, pela lógica convencional, eles podem ser
provados como verdadeiros.
Gõdel traduziu um antigo paradoxo — o paradoxo de Epimenides
ou o do mentiroso— em termos matemáticos. Epimenides foi um ere ten­
se que fez uma afirmação imortal. Expresso verbalmente de forma sim­
ples, o paradoxo diz que “Todos os cretenses são mentirosos/’’Traduzido em
termos matemáticos, o paradoxo de Gõdel diz que “todas as formulações
de teorias de números consistentemente axiomáticas incluem proposi­
ções insolúveis”. Os paradoxos demonstram que todo sistema de lingua­
gem inclui afirmações improváveis inerentes.
Outro paradoxo é “A frase seguinte éfalsa. A frase anterior é verdadeira ”.
Estes laços estranhos, como são chamados na matemática e na lógica, in­
cluem regras intercambiantes direta ou indiretamente. O paradoxo aci­
ma parece insolúvel sob as leis da lógica aristotélica. No entanto, uma vez
fora do sistema, num mundo não aristotélico, as definições verbais de fal­
so e verdadeiro podem ser ampliadas para incluir situações onde o falso às
1 86 -A ERA DA MANIPULAÇAO

vezes é verdadeiro e vice-versa. Ou, em resposta a uma inconsistência inso­


lúvel, a seqüência lógica pode ser invertida: “A frase anterior é verdadeira”.
Não há frase anterior, portanto a frase deve ser falsa. Assim, “a frase seguin­
te é falsa” é realmente verdade — ela adquire consistência verbal. Cada
uma das frases, é claro, pode ser tanto falsa quanto verdadeira.
As contradições, as inconsistências e os paradoxos podem ser produti­
vamente confrontados, eles podem ser apreciados, saboreados, e pode-se
brincar infinitamente com eles. São fonte de novas inspirações, inovações,
invenções e soluções criativas dos problemas. Eles estão na raiz da inteligên­
cia humana. A inovação geralmente incomoda ao status quo e especialmen­
te às pessoas cujos investimentos dependem do status quo. A lei da contradição
de Aristóteles nos compele a varrer todas estas adoráveis contradições para
debaixo do tapete intelectual que divide a formalidade da informalidade, a
flexibilidade da inflexibilidade, o jogo criativo da séria obsessão.
Freqüentemente, o paradoxo afeta inconscientemente nosso dia-a-
dia. Raramente suspeitamos que caímos na armadilha de alguma lei aris­
totélica de lógica ou pensamento. A linguagem cria paradoxos quando
fala de si mesma. Esta é uma das razões pela qual muitos autores que ten­
tam explicar a comunicação comunicam-se tão mal. Quando você discu­
te “o que ela disse, sobre o que você disse, sobre o que ela disse que você
disse” etc, você está num paradoxo. As brigas conjugais freqüentemente
evoluem para um paradoxo. O Ouroborus morde sua cauda em todo
conflito onde o efeito alimenta a própria causa. Por exemplo, quando ela
o acusa de impotente e ele a acusa de frígida, e ela o acusa de impotente
e ele a acusa de frígida, ad infinitum. N sombria peça de Edward Albee,
Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? demonstra cruamente o desastre do pa­
radoxo. Uma vez estabelecido, o paradoxo leva a um círculo sem começo
nem fim, além da causa e efeito, que se autoperpetua até o desastre ou a
morte via uma infelicidade imensurável.
As populares personagens de TV que se anunciam como profetas re­
ligiosos —Jimmy Swaggart, Oral Roberts, Jerry Falwell ou Pat Robertson
— todos aqueles que afirmam ter conversas regulares com Deus, deveriam
perguntar-lhe na próxima conversa se Ele pode criar uma pedra tão pesa­
da que não possa levantar.
Nenhum sistema pode explicar ou verificar sua validade, ou falta de
validade, a menos que utilize conceitos de fora do sistema. Estes conceitos
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 187

devem ser desenvolvidos a partir de sistemas mais amplos e flexíveis. Infe-


lizmente, este sistema mais amplo inevitavelmente torna-se sujeito à incom-
pletude. Ele também é um produto da percepção, como seu predecessor.
Então, um sistema ainda mais abrangente tem de ser desenvolvido, a infini­
tude. Isto é, ou deveria ser, o processo da educação, da ciência e do cresci­
mento humano — uma sucessão sem fim de sistemas de linguagem, cons­
truídos para que um verifique o outro. A busca da verdade nunca deve ces­
sar, especialmente quando alguém percebe que a encontrou.

Prediçóes impredizíveis

Quando as leis aristotélicas do pensamento reinam inquestionavelmen­


te, uma curiosa conceitualização de confiabilidade e previsibilidade aparece
por passe de mágica. Três axiomas não-aristotélicos deveriam ser consi­
derados como requisitos básicos da instrução.
Primeira. A ciência atual reconhece que todas as coisas no mundo fí­
sico e biológico perceptível (pessoas e coisas) existem num estado de pro­
gresso e mudança. Nada no mundo perceptível é estático e permanente.
Assim como as pessoas e coisas observadas, os observadores também es­
tão num estado de progresso e mudança.
Segundo: Cada coisa no mundo perceptível afeta todas as demais coi­
sas. Nada existe isoladamente.
Terceiro: A realidade percebida é, para melhor e para o pior, simples­
mente uma percepção. A percepção humana nunca pode ser considera­
da livre dos variados graus de subjetividade. Nada pode se considerada se­
riamente como uma percepção objetiva de uma realidade objetiva. Aque­
les que percebem nunca podem ser separados de suás percepções.
As percepções do mundo são construções tanto conscientes quan­
to inconscientes. As construções perceptivas são colocadas juntas para
serem percebidas e influenciarem as pessoas. Elas são construídas para
servir a interesses, objetivos ou às vezes apenas por diversão. Em relação
a certeza, veracidade e validade destas realidades percebidas, o físico
Werner Heisenberg concluiu que “toda a informação trocada entre os
homens só pode acontecer no campo da tolerância e da incerteza. Todo
julgamento, especialmente os julgamentos da ciência, estão sob a mar-
1 88 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

gem de erro”. As construções sobre a realidade percebida na área das re­


lações entre EUA e URSS são particularmente perigosas, especialmente
quando pergunta-se o quanto dos processos perceptivos é compreendi­
do por cada um dos lados. Estes processos não têm sua existência reco­
nhecida publicamente.
Mesmo quando a estrutura lógico-lingüística é entendida intelec­
tualmente, é algo completamente diferente utilizar este conhecimento
no dia-a-dia. A linguagem está profundamente enraizada na personalida­
de humana, na cultura, na memória consciente e inconsciente, no pensa­
mento e mesmo nos sonhos. Qualquer modificação do sistema requer
tempo, paciência, determinação e, para a maioria dos indivíduos, um no­
vo tipo de rigorosa auto-disciplina.
Todo o pressuposto sobre o passado, presente e futuro deve ser pos­
to em dúvida, questionado e testado repetidas vezes para ter uma relação
precisa com as realidades percebidas. Os sistemas de valores devem ser
apreciados criticamente para terem validade. As conclusões devem ser re­
vistas e questionadas repetidamente. As relações com objetos, indivíduos
e grupos devem ser reavaliadas em relação ao tempo e a estrutura percep­
tível dos fatos.
O psicólogo Prescott Lecky utilizou o conceito de auto-reflexão pa­
ra descrever o novo processo de aprendizagem. Com treino, os indiví­
duos podem desenvolver a capacidade de ver como vêem a si mesmos
vendo a si mesmos, etc. O objetivo é afastar a percepção do primeiro ní­
vel imediato para uma perspectiva mais abstrata. E uma maneira de tor­
nar-se mais consciente dos processos perceptivos e verificar ou contradi­
zer a validade das percepções imediatas. Esta técnica fornece uma tre­
menda vantagem em jogos como o xadrez, o pôquer, o serviço de inteli­
gência militar ou a competição nos negócios.
A distância perceptiva fornece uma plataforma da qual se pode ver
as ações de reações das reações. Os grandes jogadores de xadrez freqüen-
temente podem realizar auto-reflexões até três ou quatro níveis acima da
primeira percepção. Esta técnica pode tornar conscientes as reações per­
ceptivas que estavam inconscientes.
Infelizmente, os efeitos coletivos dos meios de comunicação de mas­
sa reforçam as reáções superficiais e unidimensionais da população aos
estímulos imediatos. As leis da identidade, da exclusão do meio-termo e da con-
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS • 189

tradição de Aristóteles são estruturas comercialmente úteis. Seus limites e


falácias permanecem ocultos. As populações doutrinadas continuam im­
potentemente vulneráveis a serem manipuladas, verbal ou pictoricamen­
te, para qualquer direção lucrativa para os manipuladores.
Capítulo seis

A COISA VERDADEIRA
REALIDADES SIMBÓLICAS
A Bíblia deveria ser reconhecida como mitológica, deveria ser mantida numa
forma simbólica e não substituída por dados científicos. Não há substituto
para o uso de símbolos e mitos. Eles são a linguagem da fé.
Paul Tillich, On the Boundary

Uma palavra ou imagem é simbólica quando ela implica algo mais do que
seu significado óbvio ou imediato. Nós usamos termos simbólicos
constantemente para representar conceitos que não podemos definir ou
compreender totalrnente.
Carl GustavJung, O Homem e seus Símbolos

Sempre que sua mente consciente dá algo por certo, diz-lhe que algo é trivial,
comum, insignificante, imerecedor de uma atenção cuidadosa, volte atrás e
observe novamente com muito cuidado. Questione constantemente suas
questões e — acima de tudo — suas respostas.
Marshall McLuhan,
Seminário na Universidade de Toronto

Arquétipo significa literalmente “forma original”. Há várias teorias que afir­


mam que os significados simbólicos arquetípicos são inatos, aspectos da he­
rança genética. Eles são encontrados na visão e no som, no olfato, no pala­
dar e no tato. Símbolos arquetípicos foram discutidos pela primeira vez nos
escritos de Santo Agostinho, no século III. Ele descobriu símbolos religiosos
com significados similares em culturas que não tinham tido nenhum conta­
to conhecido durante longos períodos de tempo. Santo Agostinho atribuiu
o simbolismo arquetípico à “mão de Deus”.
Símbolos arquetípicos de um tipo ou outro são comuns a todas as
culturas e povos. Significados simbólicos normalmente envolvem meca­
nismos perceptivos inconsciente e estão por trás de definições conscien­
tes. Os homens dão rótulos às coisas conscientemente, mas o significado
simbólico permanece num nível inconsciente. Símbolos arquetípicos
normalmente envolvem as duas polaridades da existência humana — o
começo (reprodução, nascimento, renascimento) e o fim (morte, de fa­
to ou simbólica). Estas duas polaridades da experiência humana têm sido
a principal preocupação da filosofia, da literatura, da arte e do pensa­
mento religioso durante milhares de anos.
A maior parte das mulheres nega terminantemente que o batom e o
ruge sejam algo mais que produtos funcionais com os quais elas embele-
1 94 «A ERA DA MANIPULAÇAO

zam suas faces. Os criadores dos anúncios de cosméticos sabem que há


um significado simbólico muito mais profundo e poderoso. As mulheres
colorem seus lábios e rostos, assim dizem elas, para ficar mais atraentes.
Mas o que isto significa? Homens heterossexuais não usam cosméticos.
Para as mulheres, atraente está ligado a atração sexual ou reprodutiva, a
fertilidade, e mesmo a disponibilidade.
Durante a excitação sexual, os genitais femininos tornam-se incha­
dos e de um vermelho brilhante ou púrpura, como as maçãs do rosto. A
coloração sexual é menos intensa e perceptível nos homens. O batom
cria uma vulva simbólica na face. Faces com ruge simbolizam o ardor se­
xual. A coloração púrpura ao redor dos olhos também simboliza a genitá-
lia feminina. E por isso que o púrpura e várias sombras são chamadas por
artistas e designers de cores genitais. Os cosméticos das mulheres criam
simbolismos genitais arquetípicos, poderosamente atraentes tanto para
os homens quanto para outras mulheres — inconscientemente, é lógico.
O simbolismo genital nos cosméticos remonta aos confins da história hu­
mana. O fluído seminal já chegou a ser usado como cosmético facial e
corporal.
Não foi preciso muita inteligência para se descobrir que os símbolos
arquetípicos poderiam gerar lucros enormes. Os fabricantes de cosméti­
cos e suas agências de publicidade trabalham exaustivamente sobre te­
mas arquetípicos básicos. Uma olhadela em qualquer periódico basta pa­
ra que se veja toda uma nova série de simbolismos genitais femininos em
olhos, lábios, cabelos, jóias, roupas, sapatos e comida. A exploração de te­
mas simbólicos arquetípicos está em virtualmente todo anúncio. Os sig­
nificados simbólicos, contudo, são reprimidos pelo público, que os es­
conde de si mesmo ao ser levado pela manipulação.
Símbolos sonoros arquetípicos incluem sons da natureza — 72 bati­
das cardíacas por minuto, o compasso 4/4 na música; ondas no mar e
quebrando-se numa praia; o vento nas árvores ou nas planícies; o trovão,
a chuva; sons de pássaros e outros animais; a respiração humana e animal;
e vários tipos de silêncios.
Sons orgásticos são arquetípicos. Um produtor de rock teve um dia a
idéia de usar uma gravação de sons orgásticos masculinos e femininos
num disco. Sendo um compositor, e tendo atuado como instrumentista
numa orquestra de renome, ele tinha feito uma carreira de sucesso como
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 195

criador de grupos de rock. Ele criava papéis e relacionamentos, as roupas


e a maquiagem dos artistas, idealizava a encenação e compunha, arranja­
va e orquestrava a música. Ele tinha criado grupos de rock cujos membros
nunca se encontraram pessoalmente. Cada um gravava separadamente, e
as performances individuais eram reunidas em estúdio. Mesmo as fotogra­
fias dos grupos eram montagens. Roqueiros emocionalmente instáveis er­
am mais fáceis de serem dirigidos individualmente, explicou ele.
Quando o trabalho de reunião do grupo estava pronto, ele era ven­
dido a uma gravadora de nome. Vários grupos como esses tinham se tor­
nado internacionalmente famosos e financeiramente bem-sucedidos. O
sucesso na indústria da música popular é definido de maneira simples.
Eles ganharam dinheiro, rios de dinheiro. O produtor era um sujeito inte­
ressante — intelectualmente curioso e sensível a uma série extraordinária
de significados sonoros conscientes e inconscientes envolvidos nos rela­
cionamentos humanos. Ele se divertia expressando desdém pelos músicos
em seus projetos de engenharia musical. Ele os chamava de “viciados”,
“nem um único músico competente quando doze estão reunidos”, “ima­
turos, psicopatas, delinqüentes”. O sucesso do produtor, contudo, era de­
monstrado por uma mansão em Beverly Hills e um Rolls Royce.
Ele decidiu inserir uma gravação de sons orgásticos num arranjo.
Sua primeira idéia foi contratar um ator e uma atriz que pudessem imitar
sons orgásticos. Pesquisando, contudo, ele percebeu que os ouvintes po­
deriam detectar falsidade e representação nesse nível de percepção. Du­
rante um mês, o produtor e sua esposa gravaram seus sons orgásticos. En­
genhosamente, ele usou um microfone na laringe, amplificando toda
uma gama de experiências sonoras mais sutis, ocultando as característi­
cas sonoras óbvias.
O resultado provavelmente não teria sido conscientemente reco­
nhecido sem uma explicação. Os sons eram estranhamente perturbado­
res e excitantes. Eles não eram conscientemente estimulantes para a per­
cepção consciente. Aqueles sons não tinham sido experimentados cons­
cientemente por muitas pessoas. Considerando a alteração perceptiva
presente durante o orgasmo — um evento que envolve uma sinfonia neu­
rológica de sentimentos — poucos algum dia se concentraram conscien­
temente neste tipo de sons. Inconscientemente, contudo, os sons orgás­
ticos existem na memória da maior parte das pessoas.
1 96 »A ERA DA MANIPULAÇAO

Quando a gravação orgástica foi mixada no disco de rock, o volume


variou — algumas vezes quase imperceptível, outras quase ensurdecedor.
Quando a gravação completa foi finalmente apresentada para uma gran­
de gravadora, o produtor ficou assustado com a resposta. Contratos esta­
vam sendo datilografados mesmo antes que a audição terminasse. O pro­
dutor afirmou que nunca tinha visto pessoas reagirem tão fortemente, tão
emocionalmente, a um show. O homem estava efusivo. Várias semanas de­
pois, contudo, ele começou a ver as coisas de outra forma. Ele passou a se
preocupar com o fato de que os contratos haviam sido assinados basica­
mente por causa dos sons orgásticos introduzidos subliminarmente. O
grupo de rock que ele havia inventado não era, pelo menos foi o que ele
disse, tão bom assim. Chegou mesmo a descrevê-lo como “horrível”. No
fim, ele revelou à gravadora o que havia feito. Eles ficaram furiosos e o con­
trato foi cancelado.
Dois anos depois, o mesmo disco foi lançado por outra grande grava­
dora. Foram vendidas cerca de 10 milhões de cópias e o trabalho prolife­
rou nos vídeos. Desta vez o produtor manteve segredo sobre a gravação or­
gástica. Quando uma audiência é informada sobre a existência de infor­
mações subliminares no som, essa consciência muda a maneira segundo a
qual eles percebem a música. Eles se tornam tensos, ansiosos, ouvindo cui­
dadosamente para detectar o material embutido. Algumas pessoas desen­
volvem uma reação emocional que poderia ser descrita como paranóia de­
fensiva, como resposta a estímulos subliminares possivelmente existentes.

Símbolos evocam sentimentos

Os símbolos enganam o pensamento consciente e a lógica. Eles evocam sen­


timentos vagos, inespecíficos. O simbolismo constitui uma técnica sublimi­
nar de comunicação. Uma comunicação simbólica sofisticada, cuidadosa­
mente pesquisada e poderosa é básica para a manipulação comercial. Os
símbolos afetam diretamente a percepção, os sentimentos e o comporta­
mento. Eles não dependem de definições ou explicações conscientes.
O ouro, por exemplo, é um metal precioso na medida em que real­
mente existe. Mas é muito mais significativo para os homens como um va­
lor simbólico. Vários metais têm um valor monetário maior e são mais ra­
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS «197

ros na natureza, mas nenhum deles tem um valor simbólico mais significa­
tivo do que o ouro. No nível consciente, o ouro é um metal macio e maleá­
vel encontrável na natureza numa forma relativamente pura. Uma onça
de ouro pode ser extraída de oito mil metros cúbicos. Em folhas finas, ele
transmite uma luz esverdeada. O ouro não se mancha nem se corrói. Em
função de sua condutividade elétrica, seu maior uso industrial é em circui­
tos elétricos e eletrônicos. O ouro natural é 100% isótopo ouro 197; núme­
ro atômico 79; peso atômico 196.967; ponto de fusão 1945QF; peso especí­
fico 19,3; valência 1,3; e a configuração eletrônica é (Xe) 4fl4 5dl0 6sl.
Tanta coisa para simples fatos, que têm pouco ou nada a ver com o valor
do ouro.
Qualquer coisa que tenha um valor simbólico, como o ouro, gera uma
mística com a qual as pessoas podem ser manipuladas. Os dicionários de
símbolos são úteis para explorar valores simbólicos (cf. Jobes, Cirlot, e Fra­
zer) . A mitologia, o folclore e a propaganda são os meios através dos quais
valores simbólicos têm sido transmitidos de geração em geração. Elas são
ainda as melhores fontes para quem procura sentido e significado simbóli­
co. As coisas que se conhece sobre o ouro, por exemplo, não podem expli­
car a preferência por este metal najoalheria. Como um símbolo arquetípi­
co, cujo significado se manteve mais ou menos consistente durante milha­
res de anos, o ouro sempre envolveu uma convicção religiosa.
O significado simbólico do ouro inclui uma identificação com a luz
solar, geralmente comparável ao sol, à inteligência divina, um fruto do es­
pírito, a suprema iluminação, constância, dignidade, um elixir da vida,
excelência, amor, perfeição, poder, pureza, riqueza e sabedoria. No fol­
clore de muitas culturas uma pessoa é freqüentemente puxada para o céu
por uma corrente de ouro que liga o céu à terra. Estes significados simbó­
licos ou arquetípicos do ouro — interpretados um pouco diferentemen­
te por homens e mulheres — remontam aos primórdios da história escri­
ta. A preciosidade do ouro tem sempre estado antes em seu valor simbó­
lico do que em seu uso funcional ou monetário.
Uma propaganda da Corporação Internacional do Ouro (fig. 16),
que apareceu em numerosos periódicos, é um exemplo típico da manipu­
lação contemporânea de valores simbólicos em busca de lucro. E um retra­
to desfocado de uma mulher usando um colar ou cinto de ouro. Os deta­
lhes são difusos, incertos. Se a jóia está em volta de seu pescoço ou de seus
1 98 • A ERA DA MANIPULAÇAO

ombros não fica claro — intencionalmente. A figura de fundo à direita es­


tá também embaçada, mas vê-se que beija o ombro nu da mulher que está
primeiro plano. Os lábios, o nariz e o cabelo da figura de fundo parecem fe­
mininos. O cabelo comprido das duas modelos tem diferentes texturas.
A palavra Gold foi impressa cinco vezes em letras douradas. A im­
pressão de primeira qualidade, lida por aproximadamente 5% dos lei­
tores da revista, define ajóia da fotografia desfocada como um colar es­
culpido em ouro 18 quilates, “uma nova maneira de se vestir, um jeito
eloqüente de declarar o seu amor. Nada se compara ao ouro de verda­
de”. Um colar, seja de ouro ou de qualquer outro material, é um sím­
bolo de servidão, um meio de capturar, controlar ou possuir um ani­
mal ou homem. A explicação lógica do anúncio, contudo, é sem senti­
do e irrevelante, não lida por 95% dos leitores. O objetivo do anúncio
deve ser realizado por apenas três elementos da figura — o ouro, ajóia
e as duas mulheres.
O anúncio mostra-se em qualquer nível de consideração consciente
como um investimento inexplicável e injustificável de milhões de dólares.
Publicado em inúmeras revistas norte-americanas, o anúncio custa à CIO
vários milhões de dólares, sem incluir os US$ 25 mil ou US$ 50 mil pagos
pela arte. O conceito simbólico de ouro é em nível consciente uma força
poderosa em qualquer cultura do mundo, mas é muito mais poderoso no
nível inconsciente. Dirigido às mulheres, o anúncio estimula fortes — em­
bora não-específicos — sentimentos conscientes.
O anúncio aparentemente ineficiente e desfocado só valerá o di­
nheiro investido se os consumidores correrem para ajoalheria mais pró­
xima para gastar seu dinheiro. Como a maioria dos anúncios, ele foi pla­
nejado para ser lido em poucos segundos, ou menos. Os detalhes podem
nunca emergir conscientemente na percepção de um leitor. Tente esque­
cer, por um momento, como você primeiro definiu o anúncio quando o
viu. A percepção de um anúncio é uma experiência perceptiva muito di­
ferente num livro sobre a manipulação subliminar de anúncios do que
no contexto de leitura da re,vista Time. Procure algo especial na figura. Es­
tude o anúncio cuidadosamente.
Vire o anúncio de cabeça para baixo. Tente manter sua mente calma
e clara. Note sua primeira rápida percepção do que aparece na figura in­
vertida. Se você tem dúvidas, tente o mesmo com vários amigos. A mensa­
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS -199

gem subliminar é bastante simples. Um colar de ouro 18 quilates é uma


maneira de ficar grávida. A gravidez simboliza arquetipicamente começo e
boas notícias. E impossível saber se o colar era uma recompensa pela gravi­
dez ou se a gravidez era o resultado do presente. De qualquer modo, a
gravidez pode ser o acontecimento singular mais importante na vida de
uma mulher — tão importante a ponto de poder corromper como um
truque de vendas.
Virtualmente tudo que é percebido pelas pessoas é simbólico, fun­
cional ou ambas as coisas — normalmente ambas. As culturas modernas
de alta tecnologia fantasiam que o simbolismo é um resquício arcaico da
superstição antiga e da alquimia medieval. Do ponto de vista estritamen­
te científico, tais relíquias do passado não têm efeito sobre os comporta­
mentos modernos. Isto representa o pensamento positivo em seu pior as­
pecto. Apesar disso, o simbolismo tem sido privado de uma consideração
séria na educação de nível superior, especialmente nas ciências ditas so­
ciais e comportamentais. Curiosamente, contudo, os produtos da ciência
e da tecnologia moderna são comunicados, promovidos e vendidos atra­
vés do simbolismo. O simbolismo da ciência geralmente reflete recursos
um tanto anticientíficos da lenda, da mitologia, do folclore e da magia.
Em anúncios para computadores, equipamentos eletrônicos, ampli­
ficadores e caixas de som de alta fidelidade, as unidades são geralmente
combinadas numa relação fálico/vaginal. Por exemplo, caixas redondas
ou elípticas servem de símbolos femininos. Amplificadores que contro­
lam as caixas são apresentados como símbolos fálicos, com seus comple­
xos. As designações de gênero podem ser invertidas conforme o design e
a disposição. Na alta tecnologia, símbolos femininos são usualmente con­
trolados e dominados por símbolos masculinos.

Líderes simbólicos

Líderes simbólicos são líderes especiais que funcionam através de um sig­


nificado ou imagem estereotipada e ficcional. Eles são distintos dos líde­
res organizacionais que trabalham dentro de estruturas societárias ou ins­
titucionais. Os líderes organizacionais podem não significar muito como
indivíduos fora de sua área imediata de conhecimento ou responsabilida-
200 » A ERA DA MANIPULAÇAO

de. Sua significância reside primariamente em suas funções. De vez em


quando, com o suporte da mídia, os dois tipos de liderança se fundem —
geralmente causando grande dano ao mundo.
Neste contexto, Ronald Reagan é um exemplo notável. Os muitos
papéis que ele representou no cinema — o xerife heróico, o corajoso pilo­
to da RAF, o atleta que se auto-sacrificava, o narrador especialista de nu­
merosos filmes de treinamento da Força Aérea durante a Segunda Guer­
ra Mundial — ainda estavam latentes nas memórias inconscientes de qual­
quer um que tivesse assistido aos filmes. Esses papéis não tinham nada a
ver com Reagan; ele foi apenas um ator que representou papéis fictícios.
Apesar disso, os papéis formaram um background perceptivo — embora
em nível inconsciente — para o seu ingresso na política. Durante seus oi­
to anos como presidente, sua única habilidade aparente era a manipula­
ção da aceitação de uma continuidade de seus papéis no cinema. A inca­
pacidade de Reagan como administrador executivo rapidamente tornou-
se um desastre nacional, culminando na descoberta de que ele acreditava
em astrologia. O sociólogo Orrin Klapp explorou o pouco conhecido
mundo do poder e da autoridade simbólica em seu importante trabalho
intitulado Líderes Simbólicos.
Os Estados Unidos não são o único país em que os líderes são cui­
dadosamente pesquisados, suas palavras compostas por habilidosos ar­
tesãos, suas roupas, maquiagem, acessórios e cenários projetados por
competentes especialistas. Nas nações desenvolvidas, a preocupação
perpétua com a audiência e em zlimentá-la com o simbolismo promo­
cional se estende ávida econômira, política, militar, social e mesmo re­
ligiosa.
Tomemos o conceito de rainha, por exemplo, uma entidade simbó­
lica complexa. Associações inconscientes incluem dignidade, fertilidade,
maternidade, nobreza, riqueza, liderança e tradição. A rainha simbólica
remonta a períodos pré-históricos. Em níveis conscientes, ela pode pare­
cer pouco mais do que uma mulher interessante e bem vestida.
O chefe do departamento de psicologia de uma universidade cana­
dense rejeitou combativamente a idéia de efeitos simbólicos sobre o
comportamento. Rigorosamente disciplinado no empiricismo behavio-
rista, ele religiosamente negou a validade da percepção inconsciente.
Suas longas análises matemático-estatísticas de psicologia experimental
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS «20 1

foram publicadas em muitas revistas acadêmicas por todo o mundo de


língua inglesa. Seus alunos brincavam dizendo que era um suicídio aca­
dêmico trazer à luz em seus seminários um sintoma psicológico que não
pudesse ser quantificado. “O que você vê e ouve é tudo de que você dis­
põe”, ele geralmente advertia. “Isso é tudo o que existe com relação a um
fenômeno! ” Ele considerava o simbolismo um assunto não apropriado à
investigação científica.
A Rainha Elizabeth II mantém uma posição simbólica como chefe
de Estado para o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Ape­
sar de seus títulos, palácios, guarda-roupa e herança, ela tem pouco po­
der. Ela existe, é apoiada e utilizada como um símbolo do Estado. O par­
lamento britânico e o primeiro-ministro são aqueles que de fato gover­
nam a Grã-Bretanha, que se considera uma monarquia constitucional. E
fascinante observar o significado simbólico da realeza para os povos bri­
tânicos ou a Comunidade Britânica. A rainha é profundamente amada,
reverenciada, adorada como uma celebridade e honrada de uma manei­
ra que as pessoas de culturas não-monárquicas acham difíól compreen­
der. Seu status de celebridade é comparável ao das estrelas da mídia e dos
heróis do esporte nos EUA, mas com o significativo peso adicional do
simbolismo arquetípico. Ela representa todas as coisas para todas as pes­
soas. E indelicado fazer uma crítica à rainha para anglo-canadenses. Sua
importância simbólica é um dos resquícios da grandeza, do poder e da
tradição imperial britânica.
A fim de se tornar cidadão canadense, é preciso jurar fidelidade à
rainha. As Forças Armadas da Comunidade Britânica servem à rainha. E
costume brindar à saúde da rainha no começo de jantares formais. Essa
devoção simbólica é motivo de diversão para os canadenses de origem
francesa, mas é levada extremamente a sério pelos de origem britânica.
Durante uma visita ao Canadá, a rainha viajou por Ontário de trem. O
professor de psicologia que tão apaixonadamente negou a importância
dos símbolos esperou seis horas sob uma forte tempestade de neve com
sua família para ver a rainha quando o trem passou pela cidade. Como
muitos observadores já apontaram, quanto mais ferozmenté as pessoas
rejeitam defensivamenté a idéia de que elas são influenciadas pela infor­
mação percebida inconscientemente, mais intensamente a influência su­
bliminar parece dirigir suas vidas.
202 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

Em sua Carta IV, Santo Agostinho explica que “o ensinamento leva­


do a cabo através de símbolos alimenta e instiga as chamas do amor que
ajudam os homens a exceder e superar a si mesmos”. Os símbolos ar­
quetípicos mostram-se tão ricos e variados como as situações da vida. A re­
petição de certos eventos da vida durante milhares de anos pode tê-los
gravado nas predisposições ou na memória humana. As experiências
mais importantes são, é claro, o nascimento, a reprodução e a morte. Es­
tes são os temas básicos em torno dos quais a maior parte das religiões, fi­
losofias, literaturas, artes e outras experiências profundamente significa­
tivas do mundo se concentram. Mesmo com as pretensões modernas à
objetividade científica, estas experiências fundamentais ainda são consi­
deradas mágicas, seus detalhes e implicações específicas são usualmente
reprimidas da atenção consciente. Estas três experiências humanas fun­
damentais ainda trazem consigo certa significação universal ritualística,
espiritual, religiosa e supersticiosa. Mesmo dentro da oficialmente ateís-
ta URSS, cerimônias rituais solenes comemoram nascimentos, casamen­
tos e mortes. A importância simbólica destes três eventos mostra-se vital
para a sobrevivência humana individual e social. Toda religião, Estado e
grupo social conhecido procurou ou tem procurado controlar e utilizar
estas três experiências humanas comuns para conseguir poder ou rique­
za. Valores simbólicos relacionados a estas experiências afetam poderosa­
mente o comportamento, enquanto que a percepção consciente desses
efeitos permanece reprimida.
Enquanto símbolo arquetípico, o nascimento tem pouco aver com
o sexo biológico ou a reprodução. Inconscientemente, o nascimento se
relaciona simbolicamente a enigmas tais como de onde eu vim, que é o come­
ço da existência, sentimento, conhecimento e por que eu existo ? O corpo huma­
no e suas funções torna-se cedo na vida a principal realidade percebida
inconscientemente. A separação da mãe e a independência simbólica
mostram-se também um dilema humano básico, universal.
A reprodução sexual simboliza inconscientemente, por um lado,
uma ameaça à independência e autonomia. Por outro lado, contudo, es­
tão as profundas implicações simbólicas do amor, da ligação, da intimida­
de, da busca de identidade, da criatividade, da vida eterna através da re­
produção, da transferência, da purificação. A importância inconsciente
do sexo na psique humana é algo muito mais profundo do que as tolas ba­
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS *203

nalidades das manipulações pornográficas e da mídia comercial.


O acontecimento mais temível e privativo é a morte, tanto real quan­
to simbolicamente. A morte simboliza a conclusão da existência humana,
a tragédia última, o fim do sentimento, a aspiração, a expectativa, a entra­
da no verdadeiramente e grande desconhecido, e — como aludido no
Gênesis — “a volta ao pó”.
Alguns teóricos têm tentado explicar os arquétipos como informa­
ção geneticamente herdada, “mitos raciais”, nas palavras do psicólogo
Erich Fromm. Outros, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss, explora­
ram a possibilidade de que a fisiologia do cérebro colete informação se­
gundo uma matriz que provê uma significação simbólica comum.
Seja qual for a teoria, e há muitas, a literatura do simbolismo, da mi­
tologia e do folclore provê uma exploração rica e fascinante de um aspec­
to vital da experiência humana. Como o cérebro processa e armazena sig­
nificados não-verbais, inconscientes, simbólicos, pode muito bem ser al­
go incognoscível num sentido definitivo. Os processos mentais envolvi­
dos podem não se abrir para um conhecimento fatual ou estatístico-ma-
temático. Muito da maneira como o cérebro humano funciona pode real­
mente ser incognoscível, exceto em teoria. Apesar disto, os homens são
altamente manipuláveis por quase qualquer um que tenha algum enten­
dimento de sistemas de valor simbólicos.
O videoclipe intitulado Valerie, do famoso músico Steve Winwood,
explora amplamente símbolos arquetípicos. No quadrante inferior es­
querdo da tela da TV, durante um minuto e quarenta e cinco segundos, é
mostrado um cigarro flutuando, balançando para frente e para trás, de-
senrolando-se até ser apenas um pedaço de papel, enrolando-se de novo
como cigarro; o cigarro se acende magicamente, se transforma num pa­
lito de fósforo, a ponta do palito se acende e ele se queima rapidamente
até o fim. Subliminarmente falando, os cigarros estão relacionados à
morte e à autodestruição; o palito se acende, queima completamente e a
chama é extinguida, como a vida do fumante.
Em outro trecho, durante um minuto e quinze segundos, as letras S-
E-X aparecem em seqüência, depois aparece um grande X, seguido por
várias figuras demoníacas encapuzadas, seguidas por um crânio com os
ossos cruzados de vários formatos diferentes, seguido de um coração de
namorado, por fim um círculo, símbolo de unificação — amore morte su-
2 0 4 - A ERA DA MANIPULAÇAO

bliminarmente invocados para vender um disco. Tudo o que os que assis­


tem ao vídeo percebem conscientemente, se é que eles percebem alguma
cosia conscientemente, são bruxuleios de luz no quadrante inferior es­
querdo da tela e Winwood cantando na metade direita.
Pouco tempo depois de o videoclipe ter sido lançado, o disco com ba­
se no qual ele foi feito, Chronicles, já era um dos três mais vendidos nos EUA.

Interpretar, não definir

O simbolismo arquetípico é também tirado da natureza, das lutas do ho­


mem contra a natureza e de processos biológicos comuns. Representa­
ções simbólicas similares aparecem geralmente em sonhos, devaneios,
fantasias, formas de arte, mitos, lendas e no folclore. O quarto secreto de
Barba Ruiva, no qual suas esposas eram proibidas de entrar, simbolizava
sua mente. O cisne, em função de seus comportamentos reprodutivos in-
comuns, é um símbolo de hermafroditismo, da bissexualidade, de ambi-
güidade de gênero. O leão é simbolicamente o rei dos animais por causa
de seu apetite sexual prodigioso. O simbolismo, contudo, é raramente
simplista. Os símbolos podem ser interpretados segundo uma variedade
de níveis, dependendo de quem os usa, quando, e em que contexto. Os
intérpretes de significados simbólicos deveriam desconfiar de definições
simples já prontas. Os símbolos devem ser interpretados, não definidos.
A mídia comercial utiliza propositadamente o simbolismo para ven­
der produtos, idéias e personalidades. A área mais intensamente explora­
da e mais visível de manipulação simbólica relaciona-se à reprodução hu­
mana. A sexualidade é claramente a área da experiência humana mais
vulnerável à manipulação, à exploração e ao subseqüente desenvolvi­
mento de comportamentos neuróticos e psicóticos. Isto mostra-se parti­
cularmente verdadeiro nos sistemas de valor aquisitivos das sociedades
ocidentais, mas provavelmente todos os homens compartilham uma vul­
nerabilidade similar.
O anúncio da carne fatiada de Oscar Mayer (fig. 13) é típico de um
simbolismo arquetípico aplicado no comércio e na manipulação do con­
sumidor. O anúncio foi amplamente, e às custas de muito dinheiro, pu­
blicado em revistas masculinas norte-americanas de alcance nacional co-
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS » 205

mo Esquiree Gentleman’s Quarterly (GQ). As fatias de carne em estilo italia­


no à esquerda estão dispostas de modo a formar um genital masculino, e
as de pernil preto com pimenta à direita formam um genital um pouco
menor, embora talvez, como explica o texto, “mais picante e apimenta­
do.” Lembre-se que estes símbolos foram dirigidos à percepção incons­
ciente masculina. O genital feminino é representado simbolicamente no
centro por fatias de peito de frango defumado. Uma área recessiva foi su­
tilmente pintada no frango assado, sugerindo genitais femininos em vol­
ta da abertura da cavidade visceral. Poucos homens poderiam resistir à
fantasia esperada de dois homens e uma mulher mesclando seus genitais.
O ménage à trois de Oscar Mayer reflete uma extravagância sexual, com
implicações homossexuais masculinas.
O trabalho simbólico com imagens evita o pensamento consciente,
crítico. Ele envolve não somente figuras como também palavras e núme­
ros. As três representações simbólicas em “Select Slices” transmitem de
forma não perceptível conscientemente a idéia de síntese espiritual, par­
to, resolução de conflitos, harmonia e unidade — todas associadas com o
Céu ou com a Trindade. Tivesse o artista utilizado um arranjo composto
de duas, quatro ou cinco partes, os significados inconscientes teriam mu­
dado. O consumidor “especial” que inconscientemente se identifica com
o anúncio de Oscar Mayer nunca considera conscientemente o caro e im­
portante trabalho de arte.
A simples disposição dos elementos do anúncio já torna favorável o
retorno do investimento de Oscar Mayer. O simbolismo genital, além dis­
so, é realçado pela legenda, que nos conta que cada tipo de carne é 95%
livre de gorduras. Seria muito mais importante, do ponto de vista da saú­
de, que os futuros consumidores fossem 95% livres de gorduras. Os leito­
res norte-americanos têm sido treinados a aceitar irrefletidamente, con­
fiar e conscientemente ignorar a mídia. Qualquer avaliação crítica redu­
ziría rapidamente a eficácia do anúncio.
Quase todo objeto ereto, comprido e rígido pode ser transformado
deliberadamente em um símbolo fálico adaptável aos meios de comuni­
cação de massa. O público raramente está consciente do que ocorre. A
consciência, é lógico, põe as pessoas na defesa, cancela ou ao menos di­
minui o potencial do anúncio de modificar o comportamento. Para que
os símbolos gerem vendas, eles devem ser percebidos conscientemente
206 «A ERA DA MANIPULAÇAO

como funcionais ou lógicos. Na mídia comercial, símbolos fálicos são re­


gularmente desenvolvidos com bengalas, cabos de vassoura, peixes, gra­
vatas, bananas, velas, mastros, arranha-céus, postes de iluminação, ba­
leias, árvores, obeliscos, torres, faróis, foguetes, armas, chaminés, ca­
nhões, trombas de elefantes, pássaros, espadas, lanças, arpões, garrafas
de champanhe jorrando, chaves, cigarros, charutos, carros, aviões, gui­
tarras, microfones, dedos — a lista é interminável.
Os símbolos vaginais são tão variados como os fálicos. A genitália fe­
minina pode ser insinuada por quase qualquer abertura elíptica — uma
dobra da pele sob um braço, joelho, cotovelo, ou a boca de um copo ou
xícara. No anúncio do Chivas Regal (fig. 7), a garrafa fálica penetra na
boca elíptica do copo de uísque. Similarmente, a abertura do copo no
anúncio do McDonald’s (fig. 14) é penetrado pelo fluído seminal simbó­
lico que goteja do Chicken McNugget. A mistura para bolo Super Moist
da Betty Crocker (fig. 6) chega mesmo afazer da vagina simbólica uma ré­
plica anatômica — e escapa impunemente, ou quase.
Um exame casual de anúncios revela um sortimento imaginativo de
símbolos genitais deliberadamente produzidos. Curiosamente, os anún­
cios com genitais masculinos são dirigidos para consumidores homens, e
os femininos para mulheres. Através da tentativa e do erro, os anuncian­
tes se convenceram de que os anúncios vendem muito melhor através
desta aparente contradição. As explicações psicológicas para este fato
não passam de tentativas. Já se argumentou que tais anúncios apelam pa­
ra a homossexualidade latente tanto nos homens como nas mulheres, e
que aumentando a natureza tabu dos estímulos os consumidores se tor­
nam mais envolvidos e, vulneráveis. Para o agente de publicidade, isto
não importa, contanto que o anúncio venda.

A MAGIA VIVA NA MÍDIA

Num anúncio televisivo de 30 segundos do molho de salada Wishbone,


técnicas subliminares se combinam numa poderosa massagem mental. A
marca “Wishbone” alude à magia, à crença na ressurreição e, na tradição
hebraica, a uma árvore indestrutível e seu coração interior, oculto, invio­
lável. Significados subliminares são em geral escondidos em superposi­
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS «207

ções de imagens — uma cena desaparece enquanto uma nova cena emer­
ge. Informações subliminares são facilmente escondidas nesta transição.
A menos que a transmissão seja gravada e examinada a cada quadro, o
embuste fica escondido da consciência. O anúncio de TV do Wishbone é
uma obra-prima tecnológica.
A transição começa com uma modelo voluptosa nadando numa la­
goa tropical (fig. 17). Na medida em que ela sai da água, braços e pernas
afastados, a cena se transfere para um pé de alface segurado por duas
mãos femininas. Os polegares que prendem a alface parecem apertar a
área genital da modelo (fig. 18). Conforme a imagem da modelo desapa­
rece, a alface se parte em duas metades, como se um nascimento simbóli­
co tivesse ocorrido (fig. 19). Surgindo do pé de alface fendido, aparece en­
tão a garrafa de Wishbone simbólica (fig. 20). O design da garrafa inclui
uma porção superior fálica e um fundo elíptico feminino — a unidade
simbólica do homem com a mulher num cenário tropical romântico. A ce­
na muda para um close da modelo, que parece estar lambendo a parte fe­
minina da garrafa (fig. 21). Enquanto a garrafa desaparece, a língua da
modelo se transforma num tomate em sua boca (fig. 22). As quatro transi­
ções ocorrem seqüencialmente em menos de dez simbolicamente pode­
rosos segundos. Cada detalhe é gravado perceptivamente em níveis in­
conscientes. O tomate (também chamado de maçã do amor) e a alface são
símbolos de nascimento, da primavera, de ressurreição, abundância, fer­
tilidade, fecundidade e regeneração da vida. Os tomates simbolizam o
amor; a alface simboliza a primavera e uma renovação da vida.
O nascimento, a reprodução e no fim a morte provêem temas ar-
quetípicos fortes e subjacentes em numerosos anúncios. A garrafa que­
brada de Crown Royal, da Seagram’s (fig. 15), é um exemplo de um ape­
lo subliminar de morte, convidando o consumidor a se auto-imolar e des­
truir. A castração é outro símbolo de morte arquetípico. O desejo da mor­
te é uma das mais bem articuladas teorias na literatura psicológica—uma
compulsão inata para procurar a morte, seja de fato ou simbolicamente.
Inúmeros anúncios de bebidas ou cigarros foram ilustrados em es­
tudos anteriores sobre a percepção subliminar. Um pênis castrado, cére­
bros, e caras monstruosas típicas de um pesadelo aparecem num anúncio
de Johnny Walker (cf. Key, The Clam-Plate Orgy, figs. 6-16). A palavra cân­
cer estava embutida num anúncio de duas páginas dos cigarros Benson
208 -A ERA DA MANIPULAÇAO

and Hedges (cf. Key, Midia Sexploitation, figs. 41-42). Todas essas imagens
de produção tão dispendiosa são símbolos arquetípicos, personificações
da morte e da autodestruição. Elas foram exaustivamente projetadas, tes­
tadas e aplicadas como técnicas de marketing. Elas vendem, ou os anun­
ciantes acreditam que elas vendem. Elas deram muito dinheiro aos anun­
ciantes. O que os anúncios fazem pelos consumidores indefesos pode ser
percebido nas estatísticas da saúde pública.
Alguém deveria conferir o desejo da morte ou as compulsões de au­
todestruição evidentes nas estratégias das Forças Armadas norte-america­
nas. Se o simbolismo arquetípico do desejo da morte vende com sucesso
cigarros, bebidas e discos de rock, por que não venderia mísseis MX, bom­
bas B-l e outros instrumentos pesados nojogo político de se armar com se­
gundas intenções? Existe nitidamente a possibilidade de que as duas su­
perpotências estejam apenas representando seu desejo de morte coletivo
numa conspiração inconsciente contra si mesmas.
A história humana tem sido um enredo sobre uma incrível habili­
dade de sobreviver em constante confrontação com comportamentos
suicidas. Nenhuma sociedade humana foi jamais contínua. Cedo ou tar­
de, todas chegaram à autodestruição. Apesar disso, elas continuam a
proliferar. Até muito recentemente, era impossível matar na escala ne­
cessária para destruir tudo. A ingenuidade humana finalmente triun­
fou. As potencialidades suicidas de hoje em dia dão ao homem sua pró­
pria solução final. A Destruição Mutuamente Garantida (Mutually Assured
Destruction - MAD) não é apenas uma teoria. Ela é uma realidade, a ape­
nas alguns minutos do apertar de um botão ou de uma chamada telefô­
nica. E, diante da MAD, os líderes mundiais, bem como seus bajuladores
científicos, ainda murmuram que não existe nada de parecido com o de­
sejo da morte.
Quando ocorrer a estupidez final — é uma questão de sensatez acei­
tar que ela virá — o ato parecerá lógico, racional, justificável e, para al­
guns, a realização do destino ou da profecia bíblica. Mais ainda, até que os
últimos poucos indivíduos vomitem dolorosamente até a morte por causa
do envenenamento por radiação, a discussão sobre de quem foi a culpa
continuará violentamente. Milhões de dólares são regularmente investi­
dos na pesquisa de meios de destruição maciça; até agora virtualmente na­
da se investiu no estudo da sobrevivência humana.
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS » 209

Ninguém até agora, fez a longo termo pesquisas sérias sobre as con-
seqüências do embuste da mídia comercial sobre a personalidade huma­
na, a saúde mental, o comportamento e a sobrevivência. Os EUA permi­
tem cegamente que o establishment comercial imponha seus interesses
pessoais gananciosos sobre a população. Praticamente ninguém parece
ouvir o tênue tique-taque de nosso tempo se esgotando.
Capítulo sete

Causa e efeito: a maior de


TODAS AS ILUSÕES
O que não podemos pensar, não podemos pensar; portanto nós não podemos
dizer o que não podemos pensar.
Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logicophilosophicus

Se eu não sei que eu sei, penso que não sei.


R.D. Laing, Laços

Só pessoas infantis imaginam que o mundo é o que pensamos que ele é.


C.GJung, Psicologia Analítica

As pessoas demonstram uma predisposição herdada para acreditar que


para todo efeito há uma causa conhecida ou cognoscível. O mito co­
mum sustenta que algum acontecimento simples ou múltiplo precede
um evento particular, e que sem ele o evento seria impossível. Com o
acontecimento, o evento torna-se inevitável. A expectativa de causa e
efeito funciona nas pessoas tanto em níveis conscientes como em níveis
inconscientes.
Quando as pessoas têm dificuldade em isolar uma causa, elas geral­
mente inventam uma com palavras, normalmente por meio de uma ge­
neralização verbal. Está chovendo {efeito), é o mau tempo de novo {causa). O
“mau tempo”, uma gigantesca e complexa abstração, é em grande parte
desconhecido, talvez mesmo incognoscível. Ao contrário das ficções popula­
res, o tempo é um fenômeno aleatório, impredizível. Uma predisposição
para considerar improvável que uma coincidência seja acidental é tam­
bém um aspecto deste padrão perceptivo inato, hereditário. Você acredita
que foi mera coincidência aquele advogado estar no hospital quando a ambulân­
cia chegou ?O que foi chamado de “conexão quando... então ”ê um ingredien­
te básico no que se chama de senso comum.
Tentativas de explicar ou justificar algo como “coincidência” pare­
cem fato comum a todos os povos, embora haja diferenças na maneira se­
gundo a qual eles tentam lidar com a questão. Os chineses, por exemplo,
desenvolveram uma abordagem diferente do raciocínio simplístico de
2 1 4 - A ERA DA MANIPULAÇAO

causa e efeito do Ocidente, geralmente atribuído a Aristóteles. Os lógicos


chineses perceberam que certos tipos de eventos parecem se agrupar em
certos momentos. As teorias chinesas da medicina, da filosofia e mesmo
da arquitetura se basearam em uma ciência da coincidência significativa.
As teorias chinesas não questionam o que causa o quê. Em vez disso, elas
perguntam o que “é provável de ocorrer”junto com o quê. Tanto os siste­
mas asiáticos quanto os ocidentais, contudo, procuram soluções verbais
para a questão da coincidência. Todos produziram ficções verbalizadas
que tentaram explicar os eventos em relação com a causação conhecida,
desconhecida e incognoscível.
O senso comum é baseado na proposição simples de que o efeito de
uma causa deve se seguir àquela causa. O efeito não pode preceder a causa.
A proposição pode ser formulada assim: depois disso, portanto por causa dissol
Infelizmente, a experiência geralmente contradiz o que é um presumido
senso comum. Os círculos viciosos de conflitos humanos, cuja seqüência de
eventos é não-linear, são o exemplo mais freqüente. O efeito, em um con­
flito não-linear, retroage e dá novamente início à própria causa. Conflitos
maritais em geral se concentram e voltam-se sobre si mesmos num círculo
vicioso. O ponto de partida é esquecido e, mesmo se recordado, não mais
importa. O conflito de setenta anos entre o comunismo soviético e a econo­
mia empresarial é outro conflito circular e autoperpetuador, como o emba­
te católico-protestante na Irlanda do Norte, a guerra islâmico-cristã no Lí­
bano, e o conflito árabe-israelense. Uma vez estabelecidas, seqüências cir­
culares e auto-sustentadoras continuaram indefinidamente, desdobrando-
se para além do começo e fim, de causa e efeito. Por toda a história huma­
na, o senso comum tem em geral se mostrado anormalmente insensato,
muitas vezes de uma maneira assassina. As estratégias defensivas do senso
comum racionalizam, disfarçam e tentam dispensar as contradições. As
pessoas persistem em raciocinar somente no nível do aparentemente ób­
vio. A repressão, o esquecimento de que esquecemos, toma conta dos ou­
tros extremos — paradoxos, contradições e exceções.
A anatomia da causa-e-efeito é raramente examinada com cuidado.
Se fazemos isto, então aquilo certamente ocorrerá. Se não investirmos 100
milhões de dólares na luta contra o comunismo na Nicarágua, os EUA se­
rão logo invadidos pelas forças soviéticas. Proposições tolas como esta são
a cada dia a base da ação de milhões de pessoas e, mais embaraçoso ainda,
CAUSA E EFEITO «215

de altas autoridades do governo. Tais simplismos são um contra-senso,


propaganda retórica, e usualmente reconhecidos como tais por aqueles
que os promovem. Considerando a credibilidade humana, especialmente
como tem sido condicionada e canalizada pela mídia comercial, este ra­
ciocínio de causa e efeito fornece estratégias eficazes de persuasão e mani­
pulação. Ele explora a fraqueza humana, o medo do desconhecido, a pa­
ranóia, as inseguranças, as dúvidas e todas as outras instabilidades emocio­
nais. O medo do desconhecido ou do incognoscível normalmente leva as
pessoas às mãos ambiciosas de videntes que fingem conhecer o futuro. Es­
tranhamente, as profecias e o conhecimento interior servem somente aos
intereses dos profetas.
Para todo efeito, fosse o mundo real tão lógico quanto as palavras dão
a impressão, deveria de fato haver uma causa. Poderia haver mesmo múlti­
plas causas. Mais ainda, há muito provavelmente causas incognoscíveis que
não podem ser definidas verbalmente. O pior cenário possível envolve si­
tuações com uma combinação de múltiplas causas desconhecidas e incog­
noscíveis e a situação mais comum que os homens encontram. Além disso,
percepções de casualidades podem ser inconscientemente motivadas.
Uma racionalização de causa e efeito simplística poderia construir o mais
perigoso mito da humanidade. Quando a causalidade é relacionada com
fantasias de realidade objetiva para criar uma finalidade — uma conclusão
suprema para não ser desfeita ou alterada —, a conexão pode ser letal.
A existência dessas estruturas mentais inatas e tidas por certas —
através das quais conclusões, avaliações e análises desastrosas são regular­
mente formadas — é algo geralmente desconhecido ou, pior ainda, re­
primido. A necessidade humana instintiva de tirar conclusões tipo causa-
e-efeito simplísticas permanece oculta, porque as pessoas não querem
conscientemente conhecer sua vulnerabilidade a erros e más interpreta­
ções. Nas palavras imortais do corajoso capitão do Titanic, “nem Deus po­
deria afundar este navio! ”

O EMBUSTE DO “PORQUE”

O filósofo escocês David Hume acreditava que o conceito verbal porque


era totalrnente inverificável e inexplicável como parte da linguagem e do
2 16 *A ERA DA MANIPULAÇÃO

pensamento. Não se pode, de acordo com o raciocínio de Hume, assumir


que um avião chocou-se porque os motores falharam, mesmo que tais aci­
dentes sejam relatados desta maneira todos os dias na mídia de todo o
mundo. Tais relatos somente confirmam quejornalistas e leitores têm ne­
cessidade de perceber o mundo segundo relações simplísticas de causa e
efeito. Esses relatos dizem muito mais a respeito dos repórteres e de seu
público do que sobre os eventos descritos. Tudo o que se poderia afirmar
confiavelmente sobre o choque do avião, sobre a base dos fatos conheci­
dos, desconhecidos e incognoscíveis, é que os motores falharam, o avião
se chocou. A causa real ou as causas reais — conhecidas, desconhecidas e
incognoscíveis — estão indisponíveis e podem continuar assim. Hume ar­
gumentava que o conceito verbal porque era, de fato, errôneo, ilógico, to­
lo, mitológico e em geral altamente perigoso. Uma medicina tipo causa-
e-efeito, por exemplo, é um contra-senso simplístico. Os organismos res­
pondem como entidades totais, integradas — a partir de causas conheci­
das, desconhecidas e incognoscíveis.
Assunções causa-e-efeito simplísticas são questionáveis, mesmo
quando empregadas com aparente sucesso num contexto prático e dc
senso comum. Qualquer um que acompanhe o desenvolvimento de suas
decisões com base em considerações conscientes tipo causa-e-efeito des­
cobrirá um alto índice de destroçamento do ego. As pessoas não levam
em conta esses índices, é lógico. Elas conscientemente notam uma pre­
ponderância de vitórias, reprimindo ou negando as derrotas. A causa e o
efeito são formados verbalmente após o fato, como uma racionalização,
não antes. Por exemplo, a aceitação popular de que a órbita da Lua causa
o movimento das marés é falsa. A relação complexa e apenas parcialmen­
te compreendida entre a Terra e a Lua sugere que as marés terrestres na
verdade fazem diminuir o ritmo da órbita da Lua. Outra idéia falsa, em­
bora lucrativa, nos EUA é que as indústrias têm sucesso porque os consu­
midores têm preferências. Contudo — como este livro mostra — os con­
sumidores são manipulados pelas indústrias, num sistema de mídia com­
plexo e culturalmente integrado que engendra nos consumidores a fan­
tasia de que eles é que decidem. Na psicologia experimental, acredita-se
que os ratos se comportam de determinada maneira por causa dos contro­
les espertos dos experimentadores, mas raramente se discute que as limi­
tações do comportamento dos ratos são uma fonte principal de determi­
CAUSA E EFEITO '217

nação dos procedimentos experimentais. As limitações inerentes às as­


sunções, comportamentos e observações humanas também não são vir­
tualmente nunca consideradas uma parte do método científico, enquan­
to a cada ano chovem assunções simplísticas, verbais, de causa-e-efeito,
em nome da ciência, do progresso e do lucro.
O dilema do porque parece ser um produto da aprendizagem evolu-
cionária realizada por muitas espécies na medida em que evoluíam. Re­
flexos condicionados são a única explicação plausível, mas tenha sempre
cuidado com explicações tipo causa-e-efeito sobre causa e efeito. Onde
quer que eventos ou coincidência se repitam com a freqüência suficien­
te, a pessoa tem a expectativa de que eles continuarão. Na verdade mes­
mo uma coincidência relativamente infreqüente pode bastar para que
uma relação preditiva seja estabelecida.
O fisiologista e prêmio Nobel Ivan Pavlov ensinou cães a salivarem na
expectativa de receber comida quando ouviam o som de uma campainha.
Para os animais, a campainha tornou-se uma representação simbólica da
comida. As pessoas podem do mesmo modo ser treinadas para salivar ao
ouvirem sinos, campainhas, ou trompas. Elas podem também ser condi­
cionadas para salivar diante de imagens dos comerciais do rádio e da tele­
visão. Elas inclusive salivarão, como um efeito retardado, dias ou semanas
depois de assistirem a um comercial na TV, quando encontrarem o produ­
to num supermercado (efeito Poetzle). Este treinamento desenvolve facil­
mente comportamentos rituais relacionados ao estímulo. Os cães de
Pavlov se comportavam de maneira semelhante a lobos. Uma vez que a co­
mida era dada ao animal dominante, os cães subordinados pediam uma
parte. Eles ganiam, balançavam a cauda, rastejavam bajuladoramente,
abaixavam a cabeça e expunham a garganta para o animal dominante, tu­
do isso como um ritual. O comportamento animal ritualizado depois de
certo estágio já ocorria apenas com o som da campainha. Os animais ti­
nham aprendido relações simples de causa e efeito estabelecendo uma re­
lação entre a campainha, os comportamentos rituais e a comida.
O psicólogo de Harvard, B. F. Skinner encerrou pombos num am­
biente fechado no qual a comida era dada em intervalos aleatórios. Os
pombos relacionaram seus próprios movimentos com o surgimento da
comida. A coincidência puramente aleatória com a chegada da comida
no fim das contas iniciou um processo de aprendizagem. Quando um
2 1 8 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

movimento particular era percebido como parte de um intervalo de ali­


mentação, os pombos de Skinner confirmavam sua expectativa de que
ganhassem os grãos por terem feito alguma coisa. Eles não podiam acei­
tar a realidade de que sua comida era controlada por forças externas so­
bre as quais eles não tinham influência ou controle. Eventos como o mo­
vimento de uma asa, do corpo, de um pé que fossem coincidentes com a
chegada do grão aos poucos se transformaram num comportamento
aprendido, uma relação de causa e efeito. A expectativa de uma conexão
entre seu movimento particular e a comida aumentava e se intensificava,
independentemente do que ocorria no ambiente.
Skinner descreveu o comportamento que parecia produzir comida
como o de “um grupo de pombos loucos — um girando constantemente
para a esquerda, outro abrindo e fechando sua asa direita, outro moven­
do sua cabeça de um lado para o outro”. Estes comportamentos repeti­
dos, é lógico, pareciam no fim das contas produzir a comida, que teria
vindo com ou sem o comportamento. O comportamento apenas dava aos
pombos a fantasia de que eles é que estavam controlando a situação. A
idéia de causa e efeito, para os pombos, tornou-se uma profecia que eles
mesmos cumpriram. Uma vez o comportamento ritual tendo-se estabele­
cido, é muito difícil mudá-lo, seja em animais ou em pessoas.
Qualquer um que duvide do poder de expectativas de causa e efeito
ritualizadas pode observá-lo em sua família ou entre os amigos. Pode-se
discernir os padrões quando eles bebem, comem ou mantêm comporta­
mentos reprodutivos. Nós somos ensinados a ver o consumo de vários
produtos — fumar, beber, comer, vestir-se e assistir à TV — como causas
com efeitos fantasiados.
Depois da Segunda Guerra Mundial, tribos das montanhas da Nova
Guiné desenvolveram um culto religioso que adorava aviões. Os aviões de
guerra que haviam em certo momento trazido a prosperidade tribal tinham
desaparecido. Grupos tribais construíram santuários a partir de peças de ve­
lhos aviões e ferragens abandonadas. Os trastes eram fabricados para pare­
cerem grosseiramente com um avião. Certo tempo depois alguns aviões so­
brevoaram ocasionalmente o local, mais freqüentemente em certos mo­
mentos do que em outros. Os santuários tornaram-se cada vez mais elabora­
dos, e a participação no culto aumentou na medida em que o poder e a vali­
dade do culto eram confirmados. Uma nova religião havia nascido.
CAUSA E EFEITO >219

Comportamentos rituais freqüentes e tidos por certos são facilmen­


te observáveis — recitar Ave-Marias, rosários, preces noturnas, bater na
madeira, ler o horóscopo diário, jejuar em certos dias especiais, colocar o
garfo do lado esquerdo do prato, palavras ou números mágicos, carregar
um amuleto da sorte, raramente perder certo programa de tevê, ler cui­
dadosamente os anúncios, as notícias, a página do tempo, etc. Seja na
campainha de Pavlov, num avião-santuário da Nova Guiné ou assistindo a
fantasias de anúncios criados por muito dinheiro, o simbolismo da causa-
e-efeito promete gratificação sexual, segurança, boa sorte, aceitação so­
cial, amor, felicidade, vida eterna. Os anúncios lhe prometem qualquer
coisa. Cânticos, encantamentos, maldições e bênçãos estão tão presentes
no dia-a-dia atual quanto estavam nas sociedades primitivas. “Winston
tem o sabor que um cigarro deve ter!”

Magia verbal

Ernest Cassirer escreveu em Linguagem e Mito que a identificação entre


rótulos ou nomes e pessoas ou coisas é o mecanismo fundamental da ela­
boração de mitos. Ali Babá abriu a porta mágica em uma montanha di­
zendo “Abre-te Sésamo!” Rumpelstiltskin foi derrotado em seu trabalho
pelo mal quando a princesa aprendeu a pronunciar o seu nome. Como
foi exaustivamente documentado por J. G. Frazer em seu livro The Golden
Bough, os povos primitivos se cercam por intermináveis palavras-tabu. Co­
mo contrapartidas modernas, eles manufaturam amuletos verbais ou
preces para protegê-los dos maus-espíritos, como, por exemplo, “Ban ta­
kes the worry out of being close! ” Os índios norte-americanos, cujo terror
da morte era intenso, nunca falavam os nomes dos mortos — muitos dos
quais derivavam de animais ou objetos naturais. Assim, eles tinham cons­
tantemente de inventar novas palavras para os objetos comuns, e seus vo­
cabulários se tornaram interminavelmente confusos, com diferentes no­
mes para as mesmas coisas, junto com cerca de cem dialetos e linguagens
tribais. J. P. Harrington, do Smithsonian Institute, escreveu: “Quanto
mais guerras, mais mortes, mais novos nomes, mais dialetos, mais foras­
teiros, mais guerras, mais mortos...”
Consciente e inconscientemente, as pessoas ainda são vitimadas pe-
220 «A ERA DA MANIPULAÇAO

la magia das palavras, pelos comportamentos rituais e pela imersão em


um oceano de ilusões fantasiosas de causa-e-efeito. Pessoas modernas e
instruídas pensam que estão livres da superstição e da ignorância. Contu­
do, elas aceitam sem refletir palavras ou frases intencionalmente inventa­
das para camuflar a realidade. A mídia comercial norte-americana evita
cuidadosamente descrições factuais e mensuráveis das qualidades de um
produto; eles enfatizam descrições bajuladoras do consumidor. Uma lis­
ta de palavras e frases mágicas pode facilmente ser acumulada a partir de
qualquer publicação comercial. Palavras mágicas vendem produtos, pes­
soas, ideologia política, fé religiosa e tudo o mais que é vendido nos EUA.

Squeezably soft Charmin (O apertadamente suave Charmim)


Be a Pepper (Seja um Pepper)
Almost home cookies (Biscoitos Quase Caseiros)
Brawny paper towels (Toalhas de papel Vigorosa)
Purina tender vittles (Refeição tenra Purina)
Chiquitapops (Refrigerante Chiquita)
Just my size pantyhose (Meia-calça Meu Tamanho)
Fantastik cleanor (Removedor Fantástico)
The spirit ofMarlboro (O espírito de Marlboro)
The taste ofMerit (O sabor de Merit)
An american revolution —Dodge (Dodge: uma revolução americana)
I Need to be accepted: in touch cards (Eu preciso ser aceito: cartões em
contato)
Dashingly suave cuervo tequila (Tequila Cuervo: arrojadamente suave)
Nocturnes de Caron Perfume (Perfume Nocturnes de Caron)
Thefriendly skies of United (Os Céus Amigáveis da United)

A publicidade e a manipulação dos anúncios geram um sistema filo­


sófico difuso que domina o pensamento e as emoções de milhões. O con­
sumo, como um fim em si mesmo, torna-se um substituto para o idealis­
mo democrático. A liberdade de escolher o que vestir, dirigir ou comer
substitui alternativas sociais, econômicas ou políticas que tenham um
sentido. A ilusão comercial oculta muito do que é corrupto, autoritário,
injusto, e cruelmente explorador. Essa ilusão também abafa e distorce
percepções claras do resto do mundo.
CAUSA E EFEITO -22 1

Liberdade é um Datsun!
China e Oriente, prazeres pessoais, tesouros nacionais, banquetes,
aventuras, com a Royal Vilking Line
Quando você parte pela mundo, você não está sozinho
com American Express
Descanse do mundo real (Real World) para explorar o mundo
do cinema/ (Real World) com a Moviebreak
Camel Filters, é um mundo novo!
O Espírito do Império, Cerveja Bass!
Liberdade é um Maxi-Pad!
Revolucionária, a meia-calça Perfeita!

Consciente ou inconscientemente, os homens e as mulheres con­


temporâneos são tão prudentes com relação a palavras por temor de re­
vides sobrenaturais quanto seus antepassados pré-históricos. Eles agem
como se as próprias palavras tivessem poder de controlar questões huma­
nas. Num sentido trágico, as palavras realmente têm um poder de iniciar
profecias que se auto-realizam. Durante inúmeros governos dos EUA, en­
contros com diplomatas soviéticos se constituíram em intermináveis dis­
putas sobre definições de desarmamento nuclear, numa fé infantil de
que formulações verbais corretas trariam magicamente a paz e a seguran­
ça eterna. Como qualquer diplomata sabe, as palavras são quase sempre
irrelevantes, a menos que haja entre os participantes uma vontade de fa­
zer os acordos funcionarem.
Durante muitos séculos, os números da sorte três e sete exerceram
uma fascinação supersticiosa sobre os homens. O sete é mencionado
muitas vezes na Bíblia; o três simboliza a Trindade. O mal é associado com
o 666. Deus fez supostamente o mundo em seis dias e descansou no séti­
mo. Durante muitos séculos, houve apenas sete planetas conhecidos.
Ainda se acredita que o sétimo filho tem talentos especiais. O treze é con­
siderado tão azarento que muitos hotéis não numeram o décimo-tercei-
ro andar. Virtualmente todos os números têm tido, num período ou ou­
tro, uma significação mágica. Os números ímpares eram considerados
masculinos, os pares femininos. Números da sorte são usados nos jogos
de azar, em placas, números de telefone ou bilhetes de loteria. Os consu­
midores em geral pagam mais por eles”.
22 2>.\ ERA DA MANIPULAÇÃO

Uma breve visita aos cassinos de Nevada ou Atlantic City confirma


como está difundida a crença em números mágicos. Os funcionários e os
proprietários dos cassinos sabem, é lógico, que qualquer um que acredi­
ta em tal absurdo é um perdedor. Um comentário freqüentemente ouvi­
do entre empregados de cassino é: “a sorte é para os perdedores! ” Publi­
camente, é claro, eles contam a história que são pagos para contar. Quan­
do trocam dinheiro, os jogadores recebem sempre os votos fervorosos:
“Boa sorte!” Se fosse para eles terem sorte, o cassino perderia dinheiro.
Por toda a evolução, as pessoas — de maneira não muito diferente
dos pombos de Skinner — insistiram em que nada acontece por si mes­
mo. Ameaças estão por todo lugar, escondendo-se no escuro, invisíveis
para as vítimas. A necessidade de apaziguar os deuses, de controlar o des­
tino, explicar o inexplicável ou o incognoscível, forneceu uma base sobre
a qual se edificaram culturas, línguas, religiões, leis e milhares de supers­
tições. Esta necessidade humana constante de ter explicações de causa e
efeitoíez fortunas para a mídia comercial. Como dizia um famoso comen­
tário de P. T. Barnum: “Há alguém nascendo a cada minuto! ” A mídia co­
mercial moderna continuou de onde Barnum parou, expandindo enor­
memente a população crédula.
As incertezas da ciência, da filosofia e das realidades percebidas no
cotidiano podem ser substituídas por uma fé inquestionável na predesti­
nação, num maior poder, na profecia, ou mesmo uma ideologia política
endossada pelo Céu. Muitos líderes nacionais trabalham diligentemente
para ter Deus ao seu lado. O processo é também um meio conveniente de
fazer bodes expiatórios ou responsabilizar o destino, a má sorte ou a pu­
nição divina por desgraças — expedientes para escapar da responsabili­
dade individual por falhas.
A exploração comum, pela mídia, do nacionalismo chauvinista, em
busca de poder e lucro — uma das principais atividades nos EUA—é ali­
mentada por palavras e símbolos mágicos. Cerimônias com a bandeira,
hinos nacionais e uma interminável retórica simplística de causa-e-efei-
to disfarçam o egoísmo, a exploração dos desamparos, a ganância e o
comportamento vicioso que viola todos os padrões humanos de condu­
ta decente. O patriotismo, à semelhança do fanatismo religioso, fre­
qüentemente obscurece, torna difusas e reprime as percepções orienta­
das para a realidade quanto ao que realmente está acontecendo. Atroci­
CAUSA E EFEITO • 223

dades desumanas têm sido justificadas pela afirmação de que “alguém ti­
nha de fazer isto”. A vulnerabilidade humana à manipulação da mídia
persiste, prolifera e aumenta a cada ano com um potencial sempre mais
devastador.

Predizendo o impredizível

Outro aspecto da mitologia da explicação tipo causa-e-efeito é a predição


do futuro. A profecia foi substituída pelas fantasias modernas relativas à
possibilidade de predição — que soam mais científicas. A necessidade de
predizer tem sido discutida como um sistema de motivação geneticamen­
te herdado. Nada no mundo é predizível! Nada\ Qualquer um que pudes­
se com precisão prever uma única coisa que fosse poderia com o tempo
obter ou realizar quaisquer riquezas ou poderes que desejasse. A possibi­
lidade de predizer o futuro é um mito, um mito construído a partir de
identificações verbais, matemáticas, ou estatísticas, excluídas as opções
intermediárias e ignoradas as contradições. O mito, é claro, despreza uni­
versalmente os níveis macro, micro e submicro de percepção e a dinâmica
perceptiva consciente-inconsciente.
A probabilidade estatística não tem nada a ver com predição. As es­
tatísticas tentam apenas descrever resultados prováveis. Elas não fazem
predições — absolutamente. Uma empresa de pesquisa de grande porte
sobrevive de deturpações lucrativas de interpretações da probabilidade.
Todo jogador profissionaljá apostou com uma vantagem de 99 a um a seu
favor — e perdeu. Durante muito tempo, bolas de cristal, borras de chá,
tabelas astrológicas e tábuas para mensagens mediúnicas serviram à ne­
cessidade de predição. Elas eram baratas e fáceis de conseguir. A predi-
• ção quase sempre reduz a tensão gerada pela incerteza. Infelizmente, es­
tas técnicas foram por fim percebidas como não-científicas. As borras de
chá e coisas do gênero foram substituídas por computadores, estatísticas
de probabilidade, videntes PhD ou tanques de pensamento. As predições
modernas são normalmente defendidas por evasivas ou ambigüidades. A
indústria da predição conseguiu o sucesso. Aqueles que levaram predi­
ções a sério em sua maioria não o conseguiram. Tanto o Salão Oval da Ca­
sa Branca quanto o Kremlin estão cheios de adivinhos que são chamados
224 «A ERA DA MANIPULAÇAO

economistas, assessores de segurança e política, cientistas militares, ana­


listas de população, etc.
O emprego da lógica silogística aristotélica é engenhosamente busca­
do. Se isto acontece, e isto acontece, e isto acontece, então isto acontecerá.
Afirmações deste tipo podem ser elaboradas em cenários complexos e apa­
rentemente lógicos. Infelizmente, elas invariavelmente não passam de
pensamento positivo. E normalmente impossível estabelecer uma ligação
consistente entre predições e especificidades fatuais. Um ponto é impor­
tante. As predições podem contribuir para resultados desejados como pro­
fecias auto-realizadas, se as pessoas puderem ser manipuladas a aceitá-las
como verdade. Como inúmeros autores já indicaram, a função suprema da
predição ou da profecia não é predizer o futuro, mas construí-lo.
Áreas como a economia, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a
história, e as ciências política, militar e da computação têm uma história
cômica de predições que deram errado e foram rapidamente esquecidas.
Mesmo os serviços de previsão do tempo não predizem confiavelmente
as condições climáticas. Eles só prevêem sob certas condições favoráveis,
altamente qualificadas e prováveis. O tempo é uma ocorrência aleatória
impredizível. Como os horóscopos de jornal, as reportagens do tempo
veiculadas pela mídia são muito bem patrocinadas e lucrativas, conferin­
do credibilidade àqueles que as publicam ou transmitem. Todas têm co­
mo base o mesmo serviço de meteorologia nacional, mas são interpreta­
das de acordo com diferentes públicos. Tais interpretações visam antes
dizer às audiências o que elas querem ouvir, em proveito dos patrocina­
dores, do que informar as condições do tempo reais.
Qualquer tentativa de predizer o futuro é uma busca do desastre. As
pessoas instruídas cercam as predições cuidadosamente. Se as predições
se mostrarem verdadeiras, ou puderem ser interpretatadas como verdadei­
ras, elas validam aquele que as fez. Se a predição era falsa ela é esquecida,
ignorada ou realizada verbalmente. Como sistemas preditivos são cons­
truções perceptivas humanas, o sistema é usualmente protegido quando
os resultados não funcionam.
Quando as pessoas entendem e aceitam a subjetividade da percep­
ção humana, elas adquirem um enorme poder sobre suas vidas. Elas po­
dem se proteger da manipulação ou — como muitos parecem fazer — en­
trar no ramo de administrar as percepções dos outros. O famoso editor
CAUSA E EFEITO • 225

Henry Luce deu ordens à sua equipe editorial para “desprezar o contra-
senso da objetividade”. Ele lhes disse que eles eram “pagos para tirar con­
clusões e conclusões, e que era melhor que eles o fizessem”. A afirmação
chocou um pouco o meio editorial da época, mas era provavelmente co­
rajosa. A maior parte da concorrência de Luce ainda enganava os leitores
ingênuos com a mitologia da verdade objetiva. Muitos ainda perpetuam
o mito. Qualquer um que esteja disposto a aceitar o simplismo da “verda­
de não-enviesada” está preparado para acreditar que “o McDonald’s faz
tudo isto por você! ”

OS CONTROLADORES DE CAUSAS E EFEITOS

Catástrofes ambientais lançam milhares de espécies animais no ferro ve­


lho da extinção. Nenhuma espécie conhecida, contudo, levou a si mesma
em direção a esse derradeiro desastre. A extinção das espécies, na medi­
da em que se pode determinar, foi sempre o resultado de forças externas
— clima, doenças ou desastres ambientais. Os seres humanos podem ser
a exceção. Por meio de percepções fabricadas pela linguagem e pela cul­
tura, instrumentos de educação e progresso considerados de forma ape­
nas superficial, as pessoas podem já ter-se condenado à extinção. Elas
mostram extrema vulnerabilidade à persuasão, à bajulação, às fantasias
de causa e efeito, a profecias auto-realizadoras. A manipulação destes ele­
mentos pode resultar em lucro e poder, mas eles constituem o calcanhar
de Aquiles da civilização.
Dia após dia, ano após ano, década após década, a população dos
EUA é doutrinada com idéias e expectativas de que para cada efeito deve ha­
ver uma causa. Cada anúncio transmite uma idéia de causa e efeito ineren­
te e simplística. Os anúncios nos ensinam muito sobre a lógica e os proces­
sos de pensamento, bem como sobre valores. A causalidade é também uma
das principais preocupações de fontes de notícias e informação, livros, no­
velas de TV e comédias de costumes, letras de rock, discursos políticos e
mesmo da formação universitária. E praticamente impossível encontrar
uma relação de causa e efeito qualificada como conhecida, desconhecida,
incognoscível, ou em-combinações destas três classificações.
Um trabalho literário voltado para a realidade pode fazer sucesso
226 «A ERA DA MANIPULAÇAO

numa peça encenada fora do circuito da Brodway ou numa novela publi­


cada para uma elite leitora, mas nunca o faria junto à corrente principal,
voltada para a fantasia. Uma apresentação cuidadosamente qualificada
destruiria as transmissões comerciais ou a mídia impressa. O público tem
sido treinado para esperar mensagens simples e diretas com o mínimo
possível de distrações por dados da realidade. Quando essa orientação
cultural se traduz na seleção da liderança política, na delineação da polí­
tica externa, nos gastos com armas, nas questões de segurança nacional,
nas políticas sociais e de saúde pública, na educação e no planejamento e
estratégias econômicas, a sociedade funciona no nível intelectual de um
filme de John Wayne, Clint Eastwood ou Sylvester Stallone. Respostas
simples e geralmente violentas para questões enormemente complexas
estão prontamente disponíveis, com respostas de múltipla escolha limita­
das a um punhado de alternativas verbais simplísticas.
O pensamento unidimensional, simplístico, de causa e efeito, é uma
das mais perigosas forças da Terra. Através da tecnologia da mídia hoje
disponível, os ideólogos podem manipular qualquer decisão ou política
para que apareça como vontade coletiva do povo. O prêmio Nobel, filó­
sofo e matemático Bertrand Russel concluiu: “A razão de a física ter dei­
xado de buscar causas é que, na verdade, essas coisas não existem”. A úni­
ca certeza real ao alcance da percepção humana é a incerteza.
A incerteza poderia se tornar a fonte de alegria, inovação, criativida­
de, excitação e múltiplas perspectivas humanas intermináveis, e o desafio
da aventura intelectual. A única certeza real na vida humana é a morte.
Contudo, na medida em que a incerteza for temida as pessoas continua­
rão sendo títeres submissos na luta por lucro e poder.

O MENOSPREZADO INCOGNOSCÍVEL

Numa tentativa de estudar o raciocínio simplístico de causa e efeito, fo­


ram dados a certo número de sujeitos vários dilemas simples e interpes­
soais. Menos de 10% conseguiu qualificar a causalidade como desconhe­
cida ou incognoscível. Sua auto-segurança era espantosa enquanto eles
definiam e delineavam a causa de cada efeito afirmado. A certeza sobre a
causalidade geralmente é arrogante. Os poucos que se mostraram preo-
CAUSA E EFEITO • 2 2 7

cupados com elementos desconhecidos de causalidade eram pessoas vol­


tadas para a ciência ou a matemática.
Curiosamente, contudo, somente 1% dos sujeitos lidou com a no­
ção do incognoscível. A cultura norte-americana parece ignorar a reali­
dade percentual de que muito, se não a maior parte, de tanto uma causa
quanto um efeito continuará incognoscível, ao menos verbalmente incog­
noscível. Pouco do que parece evidente sobre realidades biológicas, físi­
cas e psicológicas é conhecido e entendido ou mesmo pode sê-lo. O pro­
cesso perceptivo através do qual o conhecimento é possível é em si mes­
mo pobremente entendido. A maior parte deste grande desconhecido é
muito possivelmente incognoscível, ao menos em termos do conheci­
mento que prevalece neste momento.
Quando as pessoas pensam que elas sabem por que eventos, situa­
ções ou ações acontecem à sua volta, elas podem estar em grande perigo.
A estrutura simplística de causa e efeito está por toda parte nas ilustrações
deste livro. A premissa básica de um anúncio é sempre universal — com­
prar produtos, marcas, idéias e pessoas. O que você percebe sobre os be­
nefícios (efeito) daquela compra normalmente não tem nada a ver com
a marca ou o produto real (causa). O efeito principal de um anúncio é na
verdade a promessa de realização. Isto inclui intermináveis gozos sen­
suais e indulgências da carne, fantasias escapistas e auto-adulação — “Es­
pelho, espelho meu, há alguém mais bela do que eu?”
Uma conseqüência da fantasia da causa-e-efeito é que absolutamente
nada acontece realmente, a promessa não é nunca cumprida — a causa é
sem efeito. Nenhum efeito perceptível resulta da causa. Como predições não
realizadas, um efeito faltante pode ser camuflado continuando-se à procura
das causas, até que a pessoa descobre uma que se ajusta ao efeito desejado.
Como uma grande parte dos anúncios para as motivações mais bási­
cas, as verdadeiras conseqüências do efeito são freqüentemente o oposto
do efeito prometido — a Síndrome do perdedor. O dr. William Masters,
pioneiro na pesquisa sobre a sexualidade humana, uma vez comentou:
“Quando o motivo principal na vida de uma pessoa é ‘transar’ (screw),
ela normalmente termina mesmo é parafusada (screwed) ”. A promessa
de ter uma relação sexual é a premissa motivadora básica nos anúncios.
O anúncio do gim Tanqueray (fig.5) promete subliminarmente au­
mentar sua ereção. Infelizmente, o álcool é um agente de depressão que
228 «A ERA DA MANIPULAÇAO

realiza o oposto — uma castração quimicamente induzida. O anúncio da


mistura para bolo Betty Crocker Super Moist (fig.6) promete superume-
decer a vagina da dona-de-casa. Tristemente, contudo, qualquer um que
consome aquela massa com alto teor de gordura e sódio pode ganhar tan­
to peso que as experiências sexuais reais tornar-se-ão poucas e espaçadas.
O anúncio do Chivas Regal (fig.7) promete qúe o homem terá seu pênis
docemente afagado, mas ou por ele mesmo ou por outro homem. A pro­
messa dos anúncios de Soloflex (fig. 10-12) também parece ser uma adu­
lação de homens por outros homens. Compre a Time, promete-se na ca­
pa (causa), e salve-se de um Gaddafi (fig.9) sexualizado, que quer matar
(kill-efeito). O número da Time continha como apoio a essa mensagem
várias histórias sobre o crescimento militar dos EUA, seu apoio militar a
objetivos de política externa e a nobre cruzada contra o terrorismo — tu­
do isso financiado pelo dinheiro dos que pagam impostos fluindo maci­
çamente para os cofres de grandes companhias que anunciam.
Capítulo oito

AS EXPECTATIVAS DOS
ESTEREÓTIPOS
A minha expectativa quanto à sua expectativa quanto à minha expectativa
quanto à sua expectativa deveria nos fazer sair gritando em direções opostas.
Anônimo

Bem-aventurados os que nada esperam, pois eles nunca serão desapontados.


Alexander Pope, Letter to Gay

O remédio nos EUA não é menos liberdade, mas uma liberdade real — e um
fim à intolerância brutal das associações de desordeiros e de patriotas
demagógicos, e de todo o resto de pequenos mas sanguinários déspotas que
fizeram da palavra americanismo um sinônimo de coerção e crime
institucionalizado.
Archibald MacLeish, The Nation, 4 de dezembro de 1937

A expectativa básica comunicada pela mídia comercial é a de sexo. Os


anúncios nas revistas femininas se concentram quase que exclusivamen­
te em sexo, escapismo, comida e mais sexo. As revistas masculinas se con­
centram em sexo, escapismo, poder, domínio e status— coisas que, em
sua maior parte, como na mídia feminina, remetem ao sexo. A TV é a for­
ça educativa mais penetrante nos EUA. Um estudo de 1987 sobre as três
redes de TV, por Louis Harris, encontrou 65 mil referências sexuais trans­
mitidas em anúncios e programas durante o começo da tarde e as primei­
ras horas de noite. Referências sexuais atingem uma média de 27 por ho­
ra, incluindo nove beijos, cinco abraços, dez insinuações sexuais, e uma
ou duas referências diretas à relação sexual e a práticas sexuais perverti­
das. E claro que o sexo vende os anúncios que vendem os produtos dos
comerciais.
Por outro lado, Harris teve de usar frações para contar referências
por hora ao controle de natalidade (menos de 1/50 por hora), doenças
sexualmente transmissíveis (1/10 por hora) e educação sexual (1/17 por
hora). O estudo não encontrou nenhum anúncio ou comunicação de
produtos ou serviços anticoncepcionais, exceto pelas muito poucas pro­
pagandas sobre a Aids. As apresentações do sexo eram excessivamente ro­
mantizadas e irrealísticas. Poucas mensagens foram passadas sobre res­
ponsabilidade, conseqüências do comportamento sexual e prevenção da
gravidez. Cerca de oito de cada dez adultos entrevistados acreditavam
232 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

que a TV deveria transmitir alguma coisa sobre controle de natalidade.


Um telespectador típico teria visto cerca de 14 mil casos de material se­
xual por ano, mas somente 165 referências à educação sexual, doenças
sexuais, controle de natalidade e aborto — à razão de uma em cada 85. O
sexo vende comportamentos de compra, bem como comportamentos so­
ciais. Harris estudou somente o conteúdo sexual conscientemente óbvio.
Se ele tivesse investigado as dimensões subliminares, os números teriam
sido muito mais arrasadores. A mídia comercial controla claramente sis­
temas de valores e expectativas das pessoas com relação aos comporta­
mentos reprodutivos da nação.
A mídia impressa nos dá a oportunidade de estudar a tecnologia
mais sutil da manipulação sexual. Luzes e sombras, linhas curvas, textu­
ras de pele e cabelos, posição dos olhos, traços sutis e diminutos são me-
ticulosamente detalhados. A percepção humana é extremamente sensí­
vel ao menor detalhe de figuras — muito mais sensível do que qualquer
um suspeita. Um simples anúncio impresso pode custar US$ 50 mil em
produção de arte e levar meses para ser feito, e anúncios para a TV cus­
tam de ÜS$ 50 mil a US$ 250 mil — tudo, no fim das contas, pago pelos
consumidores. As fotografias raramente são publicadas sem um amplo
trabalho de retoque, mesmo fotos de notícias. A reprodução final da re­
produção da reprodução não tem nada a ver com a fotografia original.
Inúmeros detalhes afetam a expectativa com a qual os consumidores in­
conscientemente se identificam. A maior parte do aspecto de expectativa
da percepção é subliminar.
O anúncio de Kent (fig. 23) apareceu nas contracapa da Timee de vá­
rias outras publicações norte-americ' .nas. A Time cobra cerca de US$ 175
mil pela contracapa de sua edição nacional. O modelo representa um ho­
mem de negócios bem-sucedido em seu restrito clube de tênis. No fundo, à
esquerda, aparece uma pasta do executivo e uma raquete de tênis, à direita
úm armário de vestiário. Um elegante terno e gravata esperam por trás do
modelo. Ele se secou com uma toalha boa e felpuda, depois de jogar tênis e
tomar banho, e um cigarro aceso há pouco pende de sua boca. A parte infe­
rior de seu corpo, nua, está fora da figura mas é projetivamente preenchida
por quem olha. Este preencher é um processo perceptivo tanto consciente
quanto inconsciente, muito estudado pelos psicólogos da Gestalt, e os ob­
servadores são sempre uma parte da construção perceptiva de um anúncio.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 233

A postura do modelo é de ostentação. Seu olhar é fixo, aparente­


mente perdido no espaço, pensativo; seus olhos foram retocados, as pu­
pilas aumentadas, como ficam durante excitação emocional ou sexual.
O artista também acrescentou um toque de dissonância, o estratagema
principal da informação subliminar. Os olhos esquerdo e direito do mo­
delo estão dirigidos a diferentes pontos do espaço. O cigarro não pende
passivamente, nem aponta para cima numa posição ereta. O ângulo su­
gere os primeiros estágios de excitação, agora que o trabalho e o exercí­
cio estão feitos. O modelo é bronzeado, atlético, e seus cabelos ainda es­
tão molhados do banho, a face mostra leves rugas sugerindo maturida­
de, uma pessoa que conhece a vida. Os cabelos crespos se identificam
com pelos pubianos. A expectativa do modelo foi sutilmente trabalhada
na figura. Depois que ele tiver fumado seu Kent, relaxado e se vestido,
sua expectativa imediata é de um encontro sexual. A palavra SEX apare­
ce repetidamente embutida em seu cabelo, em seu corpo, na textura da
toalha. Retoques com aerógrafo são perceptíveis nos detalhes do rosto
— especialmente as sobrancelhas, as linhas sob os olhos e a linha do ma­
xilar direito.
Os detalhes descritos acima são sutis, extremamente importantes
para o artista que trabalhou a figura, para o fabricante dos cigarros, e pa­
ra o potencial de vendas do anúncio. Os consumidores lêem o anúncio
numa olhadela ou, no máximo, em alguns segundos. Estes detalhes —
que custam caro — não são nunca registrados conscientemente. Os leito­
res homens podem inconscientemente reagir em duas diferentes dire­
ções, ou talvez nas duas ao mesmo tempo. Eles podem se identificar com
a expectativa aparente do modelo: “Eu sou como ele, somos iguais. Gos­
to de sexo depois de fazer exercício. O Kent é uma maneira de relaxar. Va­
mos fazer isto juntos, antecipando o sexo.” Ou eles podem sentir uma
atração homossexual latente e inconsciente pelo modelo. Seu pescoço,
tórax e órgãos genitais estão expostos para o leitor homem. Como bem
sabem e muito estudaram os editores de revistas de cultura física, os ho­
mens são fortemente atraídos pelos corpos de outros homens. Esta atra­
ção pode ser consciente ou inconsciente. Uma estratégia similar foi utili­
zada nos anúncios de Soloflex (figs. 10-12). A atração poderosa visa ten­
dências homossexuais latentes ou reprimidas compartilhadas pela maio­
ria dos homens, se não por todos.
234 • A ERA DA MANIPULAÇAO

O anúncio foi somente uma experiência momentânea para a maior


parte dos cerca de 25 milhões de leitores da Time. A estratégia manipulado-
ra, contudo, atingiu poderosamente muitas pessoas — inclusive não-fuman-
tes. Para justificar o investimento de milhões de dólares, um número sufi­
ciente de Kents teve de ser vendido pelo anúncio para gerar lucro para a em­
presa. Se houvesse a menor dúvida sobre o potencial de vendas do anúncio,
ele poderia não ter sido nunca publicado.
Expectativas fantasiosas são também usadas em anúncios dirigidos a
mulheres. Assim como os homens, as mulheres são implacavelmente ma­
nipuladas para o uso de determinados produtos, para a preferência por
certas marcas, e para a identificação com o anúncio através do apelo pa­
ra expectativas de comportamento reprodutivo. Estas às vezes assumem
formas eu iosas. Muito pouco é o que parece ser. A constante manipula­
ção pode evocar grande confusão, insatisfação e mesmo desconforto físi­
co consciente.
O anúncio do mousse para modelar cabelos Alberto mostrado na fi­
gura 24 apareceu na Cosmopolitan e em outras publicações femininas. As
expectativas comunicadas pelas três modelos são libidinosas. O ménage à
trois inclui uma mulher com cabelo masculino e enfeites retangulares e
masculinos na orelha. Ela parece enamorada pelo homem, acariciando
amorosamente seu pescoço com sua mão direita; a mão esquerda está es­
condida à visão, mas sua posição é preenchida perceptivamente em nível
inconsciente. O modelo olha convidativamente para o leitor enquanto
afaga os cabelos da modelo em primeiro plano. Esta olha diretamente,
quase desafiadoramente, para o leitor. Sua expressão, cuidadosamente
trabalhada, é convidativa e desafiadora. “Venha! ”, é o que diz sua expres­
são. “Se você se atreve!” Os modelos estão vestidos formalmente para
uma noite cara na cidade. O ménage à trois, ou a quatro, se se inclui o leitor,
parece uma expectativa lógica para qualquer um que compre um frasco
fálico do mousse da moda, Alberto Mousse European. La mousse, em
francês, significa espuma — uma imagem seminal.
Aquele anúncio tão caramente produzido foi cuidadosamente reto­
cado. As expressões faciais foram construídas, os cabelos retocados, a
mão direita do homem foi pintada. Se tapamos a mão deixando de fora
apenas o polegar, este parece um pênis ereto, apontando para cima, não
para uma das duas modelos, mas narcisicamente para o próprio homem.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 235

O brinco cúbico da mulher masculinizada também foi pintado na figura.


Sua caixinha pende de sua orelha, aberta para todos. A questão de quem
faz o çiz^para quem no ménagepoderia fazer uma leitora da Cosmopolitan
fantasiar toda a noite se os detalhes fossem percebidos conscientemente.
Eles não o são. As horas gastas no caro processo de produção e planeja­
mento da arte tiveram como objetivo uma percepção instantânea, in­
consciente. Sem percepções inconscientes, os anúncios são um desperdí­
cio de tempo, de recursos e dinheiro. As expectativas das três modelos
cuidadosamente projetadas, venderam milhares de galões de mousse
sem que ninguém compreendesse ojogo. O que todo este ardil inflige so­
bre a personalidade, a saúde emocional e as expectativas de vida real da
leitora, é terrível.
As expectativas propostas pelos anúncios permanecem insatisfeitas,
exceto em fantasia. Muitos anúncios se dirigem especificamente a fanta­
sias masturbatórias, colocando continuamente expectativas novas e mais
bizarras diante de consumidores ingênuos. O comportamento reprodu­
tivo, para muitos consumidores, permanece em níveis imaturos de fanta­
sia por toda sua vida. A fantasia sexual põe em movimento as máquinas de
venda da mídia comercial. As realidades sexuais, por outro lado, crescem
em direção a uma sobremesa de expectativas não satisfeitas e não passí­
veis de serem satisfeitas.

A FORÇA DA EXPECTATIVA

O que dissemos acima é típico do meio milhão de anúncios percebidos


anualmente por todo no país. Seria tolo acreditar que esta imersão cons­
tante e profunda na sexualização da fantasia não tem nenhum efeito so­
bre quem as pessoas pensam que são, aonde elas se percebem indo, e o que
elas têm se tornado enquanto nação ou cultura. Os anúncios condicio­
nam as pessoas aver os outros como estereótipos, não como pessoas. A ar-
regimentação desumanizada de expectativas com relação a si mesmo e
aos outros faz dos relacionamentos da vida real a mercadoria mais pere­
cível da sociedade norte-americana. A realidade não pode nunca compe­
tir com a fantasia em um mundo no qual as fantasias controlam sistemas
de valores básicos.
236 *A ERA DA MANIPULAÇAO

Não existe nenhuma comunicação entre seres humanos que não te­
nha um objetivo. Tudo o que transparece perceptivamente — a maior
parte no nível inconsciente — afeta os relacionamentos humanos. Nós
interagimos sensivelmente e continuamente em níveis conscientes e in­
conscientes. Na cultura dominada pela mídia, as expectativas interpes­
soais são modeladas a partir de estereótipos.
A comunicação interpessoal envolve uma série enorme de táticas e
estratégias, representações de papéis, tentativas de manobrar outros em
papéis complementares ou subsidiários, e variações freqüentes na ma­
neira segundo a qual as pessoas se retratam. Todo comportamento hu­
mano, seja por motivos conscientes, está basicamente buscandoum objeti­
vo. O interesse pessoal está envolvido mesmo no comportamento mais
altruístico. A questão dos motivos é essencial para que se possa ver um
sentido na comunicação humana. O motivo dos anúncios é simples e sin­
gular — vender, vender, vender, ad infinitum, tanto em nível consciente
quanto em nível inconsciente. O que manipuladores comerciais tentam
fazer pode ser avaliado por este simples motivo. O sucesso ou o fracasso
é empírica, rigorosa e cientificamente avaliado pelo esforço, pelos gas­
tos e pelas vendas.
Na literatura e nas belas artes — por outro lado — a motivação não
é nunca simplística. Os motivos do artista são extremamente complexos.
Em certo sentido, os grandes artistas e escritores queriam também ven­
der — seu trabalho, suas habilidades, suas reputações. Mas outras forças
motivadoras fortes aparecem. DaVinci, de acordo com Sigmund Freud,
refletiu sua homossexualidade em seu trabalho criativo. Pablo Picasso
foi durante toda a vida comunista (embora multimilionário), e em seu
trabalho transparece um forte comentário social sobre a ganância, a
conformidade e a arregimentação da sociedade capitalista. Picasso tam­
bém teve enormes dificuldades com as mulheres; isto se refletiu em mui­
to de sua produção criativa. Os motivos por trás da pintura de Picasso são
difusos, complexos, geralmente contraditórios, e espelham a percepção
singular que o artista tinha do mundo e de seus povos. A maior parte do
que é considerado arte e literatura significativa é complexa. Talvez seja
por isto que a arte sobrevive durante os séculos como uma experiência
humana significativa.
Embora a tecnologia dos anúncios e das estratégias de relações-pú-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 237

blicas seja aterradora e as estratégias sejam brilhantes, complexas, sinuo­


sas, exaustivamente pesquisadas e custosamente executadas, os motivos
permanecem simplísticos. O motivo é sempre a manipulação com vistas
ao poder e ao lucro, não a uma iluminação ou a um insight mais profun­
do sobre a condição humana.
As expectativas na comunicação humana são em grande parte in­
fluências inconscientes recíprocas. Somos todos influenciados pela ex­
pectativa em níveis de percepção sobre os quais temos pouco controle
ou dos quais temos pouca consciência. Sempre que alguém é categoriza­
do, rotulado ou tem seu papel definido — estereotipado —, comporta­
mentos, características e ações são esperados. Dentro de todo sistema
cultural, espera-se que vários grupos se comportem de certa maneira
mais ou menos específica. Se eles falham em corresponder, uma varieda­
de de reações pode ser antecipada — surpresa, raiva, desapontamento,
temor ou mesmo desgosto. Se as expectativas forem respondidas de for­
ma inconsciente, a reação é imprevisível, mas provavelmente será agres­
sivamente negativa.
Em vez de se preocupar inutilmente em ser amadas ou respeitadas,
as pessoas deveriam se preocupar com o que os outros esperam delas. As
expectativas governam o futuro dos relacionamentos. Quando as expec­
tativas são conscientemente conhecidas, deliberadas e utilizadas, as pes­
soas conseguem maior controle sobre as situações.
Há normalmente sanções aplicadas àqueles que são percebidos co­
mo violadores de expectativas conscientes e inconscientes. Os que se des­
viam ou quebram as regras são punidos, algumas vezes severamente (as
penalidades são menores se os violadores têm um reconhecido status ele­
vado) . A maior parte das pessoas em qualquer cultura procura relaciona­
mentos previsíveis, nos quais as expectativas sejam confiavelmente atendi­
das. Os que se desviam das normas são evitados.
Nas competições, atléticas ou intelectuais, a manipulação das expec­
tativas do oponente é vital para o sucesso. Nos esportes populares, os jo­
gadores bem preparados opõem força bruta, perseverança e raciocínio
unidimensional uns aos outros até que fiquem exaustos, sejam sobrepu­
jados e vencidos. Uma brutalidade irrefletida e destruidora é representa­
da interminavelmente nos estádios norte-americanos.
E curioso que a cultura dos EUA, de modo quase exclusivo, conside-
2 3 8 - A ERA DA MANIPULAÇÃO

re as confrontações atléticas que testam força, brutalidade e dedicação


cega como um retrocesso cultural a experiências antigas próprias de re­
giões pouco civilizadas. Mais curiosamente ainda, nossas relações inter­
nacionais tradicionalmente se baseiam mais em ameaças, no emprego da
força, na política do porrete, do que nas habilidades mais sofisticadas de
arbitragem, persuasão e compromisso ou na aplicação jeitosa de estraté­
gias de manipulação de expectativas. Os EUA parecem anti-intelectuais
para a maior parte do mundo.
Por outro lado, as estratégias de manipulação de expectativas tor­
nam-se altamente sofisticadas entre mestres artesãos. Uma tentativa de
transcrever o que está acontecendo numa confrontação de expectati­
vas tornar-se-ia pedantemente complexa. Tais táticas competitivas são
não-verbais e não-conscientes, em sua maior parte. Quando as estraté­
gias funcionam eficazmente entre dois oponentes habilidosos, o con­
fronto torna-se uma obra de arte. As investidas e as defesas, os ataques
e os retrocessos, os movimentos e os contramovimentos operam intui­
tiva e rapidamente. Os jogadores parecem psicanalizar as expectativas
do outro num nível sutil, não observável, inconsciente. Cada um tenta
atrair o outro para as armadilhas da ação antecipada — uma expectati­
va fingida ou real é contraposta a uma expectativa fingida ou real. Ca­
da jogador tenta confundir os outros, a próxima ação e impedi-los de
saber se fingida ou real. Oponentes intelectualmente habilidosos po­
dem transformar um embate físico numa experiência intelectual e es­
tética intensa.
Um carateca faixa preta 52 dan descreveu a competição nas artes
marciais como as percepções sensíveis inconscientes de um oponente
confrontadas com as percepções inconscientes de outro. Neste nível, o
jogo é demasiado complexo, rápido e sutil para ser decidido consciente­
mente. As pessoas trocam continuamente informações das quais não es­
tão conscientes, e estas informações afetam poderosamente o comporta­
mento. Cada comunicação de dados limita o número de possíveis movi­
mentos subseqüentes. Os motivos e as estratégias para realizar os objeti­
vos se reduzem rapidamente do geral para o específico. As regras subja­
centes ao jogo não são nunca afirmadas explicitamente, e poderiam dei­
xar de ser impositivas ou significativas se expressas num contrato exausti­
vamente verbalizado.
O STRESS DA EXPECTATIVA

As expectativas influenciam nossa suscetibilidade às doenças. Pratica­


mente todas as doenças são afetadas pela percepção que o paciente tem
da situação de sua vida. A suscetibilidade aumenta quanto mais se desce
no nível sócio-econômico — especialmente no caso daqueles que têm
pouco acesso à medicina. As doenças freqüentemente se relacionam a
condições de vida em locais superpopulosos, a más condições de higie­
ne e nutrição deficiente, a empregos mais estressantes, à baixa perspec­
tiva de sucesso e à utilização crescente da mídia comercial. A doença não
é distribuída aleatoriamente pela população. Os mais suscetíveis pare­
cem ver suas vidas como difíceis, exigentes e insatisfatórias. Mudanças
drásticas — morte na família, divórcio, perda do emprego, aposentado­
ria etc. — também aumentam em muito a suscetibilidade à doença. A
consciência de ter opções e estar livre para escolhê-las reduz significati­
vamente o stress.
Nenhuma doença, é lógico, é causada exclusivamente por proble­
mas advindos de condições precárias de vida. As expectativas de uma
pessoa — de adaptação ou ajustamento social — são, contudo, um fa­
tor principal no desenvolvimento de muitas enfermidades, inclusive
de problemas do coração, do rim, de pressão alta, eclampsia, artrite
reumática e reumatoide, doenças inflamatórias da pele e olhos, infec­
ções, doenças alérgicas ou de hipersensibilidade, câncer e disfunções
metabólicas.
O stress, é claro, é um produto de expectativas — o que pensamos de
nós mesmos e o que sentimos que os outros pensam de nós. Estas expecta­
tivas normalmente determinam se teremos de suportar o stress ou escapa­
remos dele. Vários estudos sobre o stress descobriram mudanças bioquími­
cas — como respostas endócrinas — relacionadas a situações estressantes.
Em resposta ao stress, o corpo normalmente passa por três estágios:

1. Reações iniciais de alarme — o nível de anticorpos cai abaixo do


normal.
2. O corpo mobiliza seus recursos para resistir.
3. Se o stonão se reduz, ocorre a exaustão final e o nível de anticor­
pos cai muito abaixo do normal.
2 4 0 *A ERA DA MANIPULAÇAO

A maneira de perceber o stress varia muito de uma pessoa para outra.


O stress em si mesmo não pode nos fazer mal. Os problemas advêm da per­
cepção de estar numa situação estressante: a suspeita de não ser capaz de
vencê-lo aumenta a suscetibilidade à doença. As influências subliminares
podem iniciar ou manipular as percepções tanto das perspectivas quanto
do stress.
O efeito da expectativa sobre a saúde é demonstrado em experi­
mentos com placebos. O placebo é uma substância não medicamentosa
e inerte que o paciente acredita ser um remédio. Placebo significa “agra­
dar”. Até cerca de cem anos atrás, quase todas as medicações e terapias
eram placêbicas. Elas funcionavam, durante algum tempo. Os efeitos do
placebo envolvem as expectativas do paciente — fé, esperança e anteci­
pação da cessação do sofrimento. Muitos remédios modernos são ape­
nas placebos cuja propaganda faz aumentar as expectativas de eficácia.
Em numerosos estudos, placebos funcionaram entre 25% e 40% do
tempo como analgésicos pós-operação. Os placebos, ou as expectativas,
chegam por si mesmos a produzir mudanças fisiológicas. A eficácia dos
remédios verdadeiros é aumentada ou diminuída pelas expectativas do
paciente, e pelo grau de entusiasmo de uma equipe médica.
As expectativas têm sido relacionadas também à chegada e ao mo­
mento da morte. A maioria das pessoas de idade vê a aposentadoria como
fim da linha. A mortalidade, tanto para os homens como para as mulhe­
res, dobra depois de sua aceitação. Sabe-se que a desistência psicológica
nos campos de concentração nazistas era algo fatal. A desistência envolve
uma percepção de impotência, de incapacidade de lutar e vencer, uma
vontade de viver diminuída — geralmente uma sentença de morte auto­
imposta.
Estudos de mortes por meio do vudu também demonstram efeitos
psicogênicos fatais da expectativa de morte por maldição. Indivíduos
amaldiçoados normalmente olham para seu destino como algo que lhes
escapa ao controle — uma perda de volição. Não é infreqüente que mor­
tes preditas venham de fato a acontecer. Expectativas negativas são tam­
bém aspectos fundamentais de comportamento suicidas.
As expectativas de sucesso são extremamente importantes. Em tarefas
com as quais não se está familiarizado, a percepção de si mesmo como ca­
paz de ser bem-sucedido normalmente deriva de uma comparação com
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 24 1

outros. As percepções de si mesmo evocam profecias auto-cumpridoras.


Uma grande expectativa de provável sucesso melhora o desempenho; uma
expectativa reduzida — ou pior, o pessimismo — produz um desastre mo­
tivational. Uma avaliação negativa das possibilidades de sucesso pode pro­
vavelmente garantir o fracasso, destruindo a vontade da pessoa de respon­
der com esforço e vigor suficentes ao desafio da realização.
Em estudos sobre disfunções sexuais, Masters e Johnson descobri­
ram que o sucesso orgásmico é freqüentemente baseado na expectativa
quanto ao próprio desempenho e na percepção das expectativas do par­
ceiro. A capacidade das mães de amamentar suas crianças é fortemente in­
fluenciada por suas expectativas com relação a si mesmas e aos outros. Se
as mães acreditam que serão bem-sucedidas em amamentar seus filhos,
elas provavelmente o serão. Se uma pessoa pensa que os outros pensam
que ela vai falhar, este próprio fato contribui para o fracasso.
Quando as pessoas se envolvem em situações indefinidas ou buscam
metas não-familiares, elas tratam primeiro de aprender como os outros
no sistema se relacionam entre si e no tocante às suas respectivas metas. A
hierarquia social é extremamente importante para os recém-chegados
assumirem sua posição de entrada. A metacomunicação, uma sinalização
complexa sobre o significado de outros atos de comunicação (cf. Bate­
son, A Theory ofPlay) acontece como um esforço premeditado tanto cons­
ciente como inconsciente. Os recém-chegados querem garantir que ava­
liações impróprias de papéis dirigidos aos objetivos não ocorram aciden­
talmente, através de lapsos de linguagem ou como produto de métodos
impróprios. Informar o nome, a posição e a experiência é o método usa­
do para legitimizar tanto o papel quanto a credibilidade da informação.
No fundo, eles dizem indiretamente: “Acredite no que eu digo por causa
do que eu sou”. As pessoas se comportam dessa maneira diante das expec­
tativas que têm de si mesmas e dos outros em praticamente todos os siste­
mas culturais conhecidos.
O jogo parece ser universal. As estratégias são tanto verbais como
não-verbais. Negar que estas estratégias existem é em si mesmo uma estra­
tégia. As expectativas são comunicadas por posturas sutis, tonalidade e in­
flexão, mudanças mínimas nos músculos faciais, pela troca de olhares ou
pelo evitar fazê-lo, pela escolha de roupas e, em situações estressantes, pe­
los estímulos olfativos. O que parece transparecer em níveis conscientes
242 *A ERA DA MANIPULAÇAO

pode ser completamente contraditado em níveis inconscientes, ou am­


bos os níveis podem se reforçar mutuamente.
As pessoas trazem em suas cabeças descrições estereotipadas de gru­
pos que incluem russos, chineses, japoneses, latino-americanos, árabes,
judeus, cristãos, mulçumanos, budistas, católicos, republicanos, demo­
cratas, comunistas, socialistas, anarquistas, caubóis; a lista é interminável.
As descrições são fictícias, falsas; no que tange aos fatos são um puro con-
tra-senso sem sentido, em termos das realidades complexas descritas pe­
los rótulos. Muito da educação formal é dirigida para a destruição dos es­
tereótipos. Eles no entanto persistem. Os estereótipos são fabricados
mais intensamente em certas culturas do que em outras.
As culturas treinam e disciplinam seus membros para esperar que
certas características se reúnam tanto em pessoas como em grupos. A ex­
pectativa com relação aos outros normalmente inclui categorias amplas
usadas para descrever as habilidades, atitudes, interesses, traços físicos,
traços de personalidade e comportamentos conscientemente percebidos
— ou antecipados — nos outros. São crenças sobre quais características
se agrupam melhor na expectativa relativa a uma personalidade, e quais
não. Por exemplo, no momento em que uma personagem é introduzida
numa história jornalística, num anúncio ou numa novela, toda uma hie­
rarquia de expectativas estereotipadas surge no público. Alguns dados so­
bre uma pessoa ou um grupo evocam características do arquivo cultural
ou das expectativas estereotipadas do público. Percepções conscientes e
inconscientes projetam expectativas de comportamento e as característi­
cas que produzem esse comportamento.

A FANTASIA DA SINCERIDADE

Uma expectativa cultural básica transmitida pela mídia comercial é a de


sinceridade. Modelos, noticiaristas de TV, heróis e mesmo vilões estabele­
cem coletivamente um estereótipo nacional da sinceridade. A sincerida-
r
de fabricada pela mídia é um exemplo de como as palavras e as imagens,
além, de informar, escondem. A sinceridade é verbalizada como a supre­
ma realização no desenvolvimento da personalidade. Os líderes não têm
de ser realmente sinceros, mas eles devem parecer sinceros. Parecer con-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 243

vincentemente sincero requer uma sinceridade da mais alta magnitude.


Pessoas medianas destreinadas e despreparadas não poderiam atingir tal
aparência.
Pessoas, gravatas, roupas e incontáveis artefatos, bem como situa­
ções sociais cuidadosamente preparadas, reforçam nossas expectativas
de sinceridade. Expectativas estereotipadas de sinceridade erigem um
ideal perceptivo para relacionamentos interpessoais. A população é cons­
tantemente admoestada, verbalmente e não-verbalmente, para ser since­
ra. Esta é uma preocupação cultural tão grande que sugere um temor da
insinceridade profundamente arraigado. Qualquer suspeito de insince­
ridade é evitado. Se, no entanto, uma percepção voltada para a realidade
entrasse na avaliação, pessoas excessivamente sinceras seriam abordadas
com extremo cuidado.
A sinceridade é geralmente encarada como uma postura ou ima­
gem honesta, amigável, correta, pacífica e transparente. A sinceridade
perceptiva nos ajuda a sentir que tudo é aquilo que parece ser. Nada é
ocultado ou camuflado. A consistência é uma exigência indispensável da
sinceridade. Pessoas incoerentes não devem ser dignas de confiança,
mesmo se elas apesar disso parecem sinceras. E, contudo, uma das pou­
cas generalizações válidas que se pode fazer a respeito dos seres humanos
é sobre sua incoerência. Nós sofremos constantes mudanças em resposta
a condicionamentos, a eventos, a novas informações, a valores, a proces­
sos fisiológicos etc. Tenha cuidado ao lidar com qualquer um que tente
projetar a coerência como um aspecto da sinceridade!
A sinceridade não pode se tornar um valor social significativo sem
um ímpeto fornecido pela insinceridade. E inerente à verdade esconder
a mentira. Valores inversos podem ser percebidos só inconscientemente,
mas estão sempre lá — escondidos, esperando uma oportunidade para
emergir. Para que os profissionais de venda possam fingir convincente­
mente, para que os apresentadores do rádio e da TV possam mentir e ilu­
dir, para que os líderes políticos possam manipular, eles devem em pri­
meiro lugar aprender como as audiências percebem a sinceridade. Vá­
rias disciplinas em cursos superiores ensinam como falar e escrever com
aparente sinceridade, um esforço realizado com uma insinceridade cal­
culista. E possível ser bastante sincero sobre a insinceridade, especial­
mente quando dinheiro ou poder estão envolvidos.
2 4 4 *A ERA DA MANIPULAÇAO

A percepção estereotipada da sinceridade é um padrão cultural fá­


cil de descobrir. Qualquer comercial na TV ilustra o conceito. Vozes sua­
ves, articuladas, calorosas, amigáveis surgem de atores agradáveis, que
passam uma sensação de segurança e sorriem com a solene integridade e
o ar de sacerdotes e cirurgiões. Observe as roupas cuidadosamente sele­
cionadas, coordenadas com o produto e com a situação fictícia, a postura
de autoconfiança e de autoridade no assunto, e acima de tudo o constan­
te contato visual. Os atores são mentirosos muito bem treinados, prepara­
dos e remunerados. Quanto mais convincentemente eles mentem, me­
lhor é sua remuneração. Um ator habilidoso poderia mesmo terminar
como presidente.
Na cultura dos EUA, olhar nos olhos é essencial para a credibilidade.
Alguém que o olhar diretamente nos olhos é visto como dizendo a verda­
de. No Oriente Médio ou nas culturas latinas, por outro lado, um olho-no-
olho firme é considerado' geralmente como rudemente agressivo. Nos
EUA, as crianças aprendem primeiro a mentir com seus olhos — um com­
portamento que será reforçado pela mídia por toda a sua vida. Se as pes­
soas aprendem a olhar os outros no olhos longamente e sem hesitações,
elas podem contar impunemente mentiras colossais, que de outro modo
seriam rejeitadas de imediato. Os noticiaristas da TV parecem estar olhan­
do diretamente nos olhos de cada um dos telespectadores (é claro que o
que eles estão realmente fazendo é ler o script em frente à câmera).
O arremedo de sinceridade da mídia é raramente desafiado. Como
visitantes estrangeiros geralmente comentam, os norte-americanos são
extremamente desconfiados dos outros. Nós somos relutantes para con­
fiar mesmo em nossos vizinhos, e contudo raramente questionamos a va­
lidade das mensagens que jorram da mídia.
Uma companhia dos EUA realizou um demorado processo seleti­
vo para a vice-presidência de uma nova e importante divisão subsidiá­
ria. Cinco finalistas foram por fim selecionados por um executivo. To­
dos eram homens de cerca de cinqüenta anos, com importantes realiza­
ções e muitos diplomas, e gozavam de uma substancial confiança públi­
ca e privada em sua Integridade. Pelo currículo, todos pareciam igual­
mente especiais, realizadores e capazes. Escolher o melhor comparan­
do os dotes — ao menos como eles apareciam no papel — era difícil, se
não impossível. Cada um deles era também habilidoso para exercer o
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 245

papel de candidato com habilidade e sensibilidade, sempre agindo em


função das expectativas percebidas no comitê.
Um candidato, bem mais do que os outros, parecia mais apropria­
do para o cargo — alto, forte, elegante, grisalho —, o arquétipo visual
do executivo importante. Visualmente ele transmitia uma síntese do
que Gregory Peck, Charton Heston e Henry Fonda teriam parecido em
papéis de executivos de meia-idade. Em comparação, a aparência física
dos outros candidatos não impressionava nem um pouco. O comitê o
contratou.
O novo vice-presidente organizou com sucesso a divisão subsidiária.
No fim do segundo ano, contudo, ele pediu demissão e logo fundou uma
companhia rival da qual ele próprio era o presidente. Ele pirateou cerca
de uma centena de engenheiros e cientistas, recrutados para se juntarem
à empresa criada. Tentando descobrir o que acontecera, membros do co­
mitê executivo concluíram dolorosamente que eles tinham sido iludidos
pela esperta manipulação que o candidato havia feito de suas expectati­
vas. Eles não investigaram, é claro, o porquê de terem se deixado iludir
em vez de terem questionado suas próprias posições.

Trabalhando a expectativa

Esse tipo de desastre é comum em instituições sociais e econômicas de to­


do o mundo. Uma vez que situações ou pessoas são definidas perceptiva-
mente como reais (elas existem), para todos os fins elas são reais—até que
no fim provem o contrário, o que geralmente acontece. Uma estratégia
muito mais confiável adiaria avaliações definitivas até que o próprio com­
portamento confirmasse ou negasse impressões preliminares. Mesmo
depois, uma avaliação e uma testagem contínua das próprias impressões
deveria ser mantida.
As expectativas influenciam o comportamento tanto da pessoa que
tem a expectativa quanto da pessoa a respeito de quem se cria um expec­
tativa. Não importa muito se as expectativas são positivas ou negativas. Ex­
pectativas negativas na verdade encorajam ainda mais comportamentos
ilusórios. Expectativas positivas levam as pessoas a ignorar fatos, impres­
sões ou riscos negativos. Não importa quanto sejam planejadas, as expec-
2 4 6 «A ERA DA MANIPULAÇAO

tativas humanas são construções fictícias que podem levar ao desastre se


não forem constantemente postas à prova. Muitos gerentes de pessoal se
educam para desprezar as aparências, ao mesmo tempo em que sabem
que isto não é nunca totalrnente possível.
Para aumentar a probabilidade de suas expectativas serem satis­
feitas, as pessoas comunicam-nas através de olhares, evitando olhar
nos olhos, chamando o outro pelo nome e revelando o próprio nome,
cooperando, competindo e fazendo movimentos faciais e corporais
tão ínfimos quanto um quinto de milímetro. Comportamentos verbais
e não-verbais deixam os outros saberem como estão sendo percebidos
em relação a nós mesmos. A comunicação sutil de expectativas já fôra
documentada em experimentos que remontam no mínimo a 1904.
Clever Hans foi o “cavalo falante” alemão que ficou mundialmente fa­
moso. Ele parecia conversar dando respostas a questões batendo no
chão com a pata dianteira — uma batida para A, duas para B etc. Ele ti­
nha, segundo parecia, aprendido o alfabeto. Um grupo de treze cien­
tistas e especialistas — membros da Academia de Ciência da Prússia e
da Universidade de Berlim — relataram que seus estudos tinham ex­
cluído a possibilidade de fraude ou comunicação não-intencional do
proprietário. Conferiram-se honras a Clever Hans, que foi proclamado
uma respeitável e importante descoberta científica.
Vários meses depois o único cético do comitê descobriu que Clever
Hans não conseguiu responder às questões sem observar seus questiona-
dores. O cavalo lia — como de fato a maior parte deles é capaz de fazer —
sinais que as pessoas constantemente transmitem, sobre os quais elas nor­
malmente não têm nenhum controle e dos quais elas estão normalmen­
te inconscientes (esta é uma das razões de os cavalos serem tão amados
por seus donos).
A sensibilidade de Clever Hans às expectativas dos especialistas é que
era responsável pelos notáveis feitos de inteligência. O cavalo parava de
bater a pata quando sentia que era isso o esperado. Os especialistas esta­
vam totalrnente inconscientes de que estavam enviando sutis mensagens
de expectativa. O fenômeno Clever Hans já foi demonstrado experimen­
talmente com cavalos, porcos, cães e outros animais. Se os seres humanos
fossem tão sensíveis perceptivamente como os animais, eles poderiam evi­
tar desastres aos quais cegamente se submetem.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 247

Indivíduos estigmatizados, contudo, estão mais aptos para captar as


expectativas dos outros, às vezes apenas inconscientemente. Existem três
amplas áreas de estigma: afiliações étnicas ou religiosas; desvios de perso­
nalidade ou de comportamento; e deficiências físicas.
As pessoas geralmente se sentem desconfortáveis perto de indiví­
duos estigmatizados, e tentam esconder este fato demostrando uma deli­
cadeza benevolente ou condescendente. Este tipo de comportamento é
normalmente claro para os estigmatizados, mas qualquer resposta direta
à hipocrisia percebida seria interpretada como ingratidão. Eles termi­
nam por se sentir frustrados e entristecidos com um relacionamento
fraudulento. Praticamente qualquer negro, latino-americano, árabe,
asiático ou deficiente físico que viva nos EUA pode discutir este dilema
com considerável detalhamento.
Os estigmatizados normalmente desenvolvem uma auto-expectati-
va que se conforma às expectativas dos outros. Têm consciência de não
serem amados, ou serem considerados inferiores. As expectativas este­
reotipadas podem evocar comportamentos que refletem o estereótipo,
o que usualmente provoca e reforça ainda mais a rejeição e a discrimina­
ção, ou o tratamento insincero. O mecanismo é perpétuo, em grande
parte inconsciente e mortal em seu potencial de destruição.
E impossível esconder dos outros as nossas expectativas. Pessoas per­
cebidas por outros não podem evitar comunicar-se em muitos níveis.
Além disso, todos estão constantemente correndo o risco de expressar
lapsos e informações não esperadas. Não é nunca o que foi dito que con­
ta, mas o que foi percebido como tendo sido dito. Ninguém pode optar
por deixar o jogo, a menos que queira viver sozinho numa ilha deserta. E
mais sábio tentar entender as estratégias e aumentar a chance de ter su­
cesso. O jogo não pode ser encerrado, mas ele pode ser vencido por meio
de um conhecimento do que está acontecendo.
Há várias limitações, contudo, cercando a possibilidade de traba­
lhar conscientemente uma comunicação interpessoal complexa. Desem­
penhar um papel para alcançar um determinado objetivo é normalmen­
te algo detectável. Embora possam reprimir uma consciência de fraude,
é provável que mais cedo ou mais tarde as audiências respondam negati­
vamente. Vários comerciais de TV de âmbito nacional foram testados
com pessoas cegas de nascimento. Nas pessoas normais, a percepção vi-
248 »A ERA DA MANIPU L A Ç A O

suai domina e suprime a sensibilidade dos outros sentidos. Os cegos inva­


riavelmente descreviam os atores como “insinceros”, “indignos de con­
fiança”, “fingidos”, “hipócritas”, “falsos”, “desonestos”, “trapaceiros”. De­
pois de assistir e ouvir o mesmo comercial, pessoas não-cegas descreve­
ram os atores em termos positivos e elogiosos.
Tanto os cegos como os normais ouviram as mesmas vozes. Num
nível inconsciente, indivíduos normais devem ter percebido o que os
cegos perceberam conscientemente. Mas os normais reprimiram a
consciência de serem manipulados e permitiram a predominância de
uma projeção visual agradável e interessante, e de truques de identifica­
ção. A consciência de ter sido enganado normalmente emerge mais tar­
de em questões de confiança, honestidade e integridade.
As aulas dos cursos superiores nas áreas de propaganda, relações pú­
blicas, marketing e administração são muito piores do que apenas sem va­
lor. Elas oferecem ao estudante pouco mais do que uma manipulação
unidimensional das pessoas, como uma tecnologia consciente dirigida
para a realização de um objetivo (lucro). Esta formação produz pessoas
que não sabem se comunicar de forma eficaz. Sem o respeito pela integri­
dade, dignidade, compaixão, amor, pelos sentimentos, fraquezas e mes­
mo pela loucura, uma comunicação eficaz e significativa será sempre
questionável. Pode-se sempre subornar, seduzir, coagir, argumentar, ma­
nipular, iludir e persuadir até um determinado limite, mas sempre exis­
tiu o perigo da descoberta e do revide. A verdadeira habilidade de se co­
municar èficázmente é produto de honestidade, de experiência de vida,
e de preocupações humanistas amplas e genuínas, não simplesmente de
um desejo de dinheiro e poder.

A COMPETIÇÃO PELO ESQUECIMENTO

Em uma série de estudos, pessoas com fortes tendências competitivas fo­


ram comparadas com outras que se mostravam fortemente cooperativas.
As pessoas normalmente assumem de maneira cega que a competição é o
objetivo mais desejável que os seres humanos têm ao seu alcance. Os dois
grupos tinham impressões muito diferentes um do outro. Os cooperado-
res tinham consciência de que algumas pessoas são fortemente competiti­
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 249

vas e outras fortemente cooperativas. Os competidores, contudo, se mos­


traram inconscientes da diferença. Os competidores forçam a maior parte
das pessoas com quem se relacionam a competir. Além disso, aqueles que
devotam uma fidelidade irrefletida aos ideais da competição livre não con­
seguem reconhecer os efeitos sociais e humanos de sua obsessão.
As expectativas de uma pessoa com relação a si mesma — diferentes
das expectativas dos outros — envolvem percepções de força, fraqueza e
capacidade, ou o que é popularmente chamado nos EUA de self-image (au-
to-imagem). A auto-imagem tem muito aver com o sucesso. Uma bem-su­
cedida tomada de decisões, numa situação estruturada em função de ob­
jetivos, depende das expectativas que as pessoas têm com relação ao seu
sucesso. Se alguém acredita que será bem-sucedido, ou que a probabilida­
de de ter sucesso é boa, a probabilidade real é bastante intensificada.
Essa probabilidade é avaliada através da comparação com os outros.
A maior parte das pessoas acredita que é um pouco melhor do que a mé­
dia. As percepções de qual é a “média” são normalmente baseadas em
parceiros, amigos, vizinhos e parentes — pessoas com as quais se tem re­
lacionamentos pessoais regulares. Para a maioria, tais fontes de auto-ima­
gem são provavelmente saudáveis e baseadas em realidades percebidas
na experiência da vida cotidiana.
Quando, no entanto, a mídia comercial entra em cena, a auto-esti-
ma derivada da associação com pessoas semelhantes deteriora rapida­
mente. Os anúncios são projetados para evocar no público um sentimen­
to de inferioridade por comparação com as personagens da mídia — o
beautiful people. Mesmo os que não são bonitos, os perdedores, aparecem
geralmente na mídia como vencedores, quando o público os compara si
mesmo. As personagens fictícias da mídia parecem cultas, rodeadas por
pessoas interessantes, bonitas, talentosas, geralmente ricas e poderosas,
que podem a qualquer momento se entregar ao desfrute dos prazeres e
das riquezas do mundo. Estas vidas superiores tornam-se o objetivo fanta­
siado do público, tanto consciente como inconscientemente. O mecanis­
mo foi projetado para encorajar a compra dos produtos divulgados pelos
comerciais — a razão de ser essencial da mídia comercial. A promessa im­
plicada no consumo gerado pelos anúncios é a igualdade, a aceitação e a
participação na boa vida do beautifulpeople da mídia — uma promessa que
nunca será cumprida e uma expectativa que nunca será satisfeita.
2 5 0 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

A realidade, como percebida pela maioria das pessoas, é um deses­


pero silencioso — geralmente uma batalha penosa e calada pela sobrevi­
vência contra a doença, o tédio, a solidão, a ansiedade, o desespero e in­
contáveis ameaças reais ou imaginárias à segurança e ao bem-estar. As ce­
lebridades da mídia, e os papéis nos quais elas são promovidas, raramen­
te parecem cercadas por tais problemas. Através da identificação, as fan­
tasias da mídia fornecem ao público uma válvula de escape projetiva. Ba­
julado pelos anúncios, o público é ensinado a ver o mundo como um lu­
gar no qual todos os outros parecem estar conseguindo tudo aquilo —,
todos, menos eles mesmos. O consumo torna-se um mecanismo de liber­
tação, liberação, o caminho para a verdadeira vida, a nova religião.
Pessoas que estejam profundamente integradas nas identificações
da mídia geralmente abandonam seus próprios objetivos sem fazer ne­
nhum esforço de realizá-los. Seu pessimismo resultante dessa sujeição à
mídia é extremamente prejudicial. Alguns podem argumentar que as per­
sonagens da mídia foram sempre vistas pelo público como casos especiais,
ao menos desde os primórdios do drama grego. Talvez seja verdade, mas
as caracterizações literárias ou dramáticas tradicionais eram percebidas
como incorporando toda uma variedade de comportamentos, da vilania
ao heroísmo, em vez dos estereótipos simplistas que agora dominam a ce­
na. Hoje, a mídia comercial é nosso meio-ambiente, onipresente, uma
parte ativa de todas as horas. Se Karl Marx escrevesse hoje em dia, é de se
duvidar que ele atacasse a religião. A mídia comercial há muito tempo
substituiu a religião como o ópio das sociedades de alta tecnologia.
Por volta dos dezoito anos, o norte-americano médio já terá visto
cerca de 18 mil horas de televisão, muito mais do que as horas gastas com
preocupações escolares. Esses participantes passivos absorvem incons­
cientemente uma lavagem cerebral exaustiva que no fim se tornará seu
sistema cultural. Somente 15% da audiência da tevê nos EUA assistem a
documentários ou outros programas sérios. A televisão é vista como edu­
cacionalmente insignificante, como um mero entretenimento. Os efei­
tos cumulativos a longo prazo são esquecidos.
A mídia condiciona as audiências a toda uma série de comportamentos
desajustados. Psiquiatras e psicólogos clínicos e conselheiros têm seus con­
sultórios inundados por pacientes que chegaram a se ver como perdedores,
que perdem ou não chegaram a desenvolver a auto-estima, a confiança e a
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS >251

identidade individual. Osjovens seguem o exemplo de cantores de rock, atle­


tas ou atores ricos—qualquer um que tenha atingido a fama e a fortuna com
pouco esforço, sacrifício ou dedicação. “Divirta-se, fique rico e descanse o
mais que puder” tornou-se a filosofia da mídia comercial do século XX. Os
anúncios vendem! Eles manipulam! Eles também esmagam as pessoas trans­
formando-as em patéticas vítimas da obsessão pela fantasia.

Mitos de personalidade estereotipados

O conceito de personalidade — como definido por fatos individuais, cha­


mados de científicos, pela testagem, e por grupos e culturas — é uma fic­
ção monstruosa. As descrições de personalidade são construídas para
acomodar conscientes e inconsientes. Toda pessoa tem crenças (genera­
lizações) a respeito de como as pessoas são. As descrições de personalida­
de agrupam aquelas características humanas que são vistas como combi-
nando-se entre si e com o sujeito enquanto opostas às que não entram
nessas combinações.
As pessoas possuem aparentemente a predisposição inata para ava­
liar e julgar os outros baseados em impressões gerais de bondade ou malda­
de. Essas percepções não são geralmente passíveis de descrição como ar­
quétipos simbólicos e estereótipos. A avaliação da personalidade vem de
generalizações. A personalidade, por mais que possa ser explicada em
qualquer momento ou lugar, reside estritamente nos olhos dos que a per­
cebem, e depende dos valores correntemente aceitos ou rejeitados pelos
sistemas culturais.
As pessoas sustentam teorias de personalidade similares àquelas sus­
tentadas por outros em seu grupo ou sua cultura. Quando estilos visíveis
de vestimentas, modos e aparências se conformam ao que é considerado
como “média” ou “normal” (ficções perceptivas) em determinado tempo
e espaço, estas normas fantasiadas tornam-se uma base para a avaliação
da personalidade. Características que servem como critérios de avaliação
incluem roupas, carro, gosto musical, atividades, níveis cultural, rendi­
mentos, linguagem, postura, preferências de cores — tudo, na verdade,
que os sujeitos fazem ou não fazem. Mas qual das muitas possibilidades de
cada categoria é considerada “boa”? Parece que não existem padrões uni­
252>k ERA DA MANIPULAÇAO

versais de beleza e bondade. Elas têm sido tudo o que se pode conceber em
diferentes momentos e lugares. De fato, os conceitos de beleza e bondade
devem ser vendidos ou comunicados para atingir uma aceitação — o im­
portante papel cultural da mídia comercial.
As pessoas normalmente antipatizam com alguém — ou sentem
hostilidade para com esta pessoa — quando sentem terem-se exposto de­
mais. A hostilidade aparece por razões nunca especificadas, reações in­
conscientes a uma comunicação aparentemente casual. Ninguém pode
ser visto completamente sem preconceito. Quando as percepções são dis­
torcidas num sentido contrário à pessoa, esta pessoa é evitada. Sua compa­
nhia é considerada tacitamente como não valendo a pena. O evitá-la re­
força a antipatia, de modo que há menos oportunidades de descobrir-lhe
traços positivos. Por outro lado, quando se sente simpatia por alguém, é
recompensador estar com esta pessoa. Gasta-se mais tempo avaliando-a,
descobrindo-se no fim traços negativos. Aspectos negativos são normal­
mente compensados por uma reação inicial positiva. Ou podem provo­
car no fim das contas desilusões, rejeição e inimizade.
A avaliação da personalidade é uma das noções mais fracas e duvido­
sas num mundo de muitas noções fracas e duvidosas. As características de
personalidade podem ser acondicionadas para parecerem razoáveis, na­
turais ou mesmo científicas. Qualquer coisa, contudo, que seja tida por
certa como razoável, natural e científica deveria — no interesse de sobre­
vivência e da adaptação — disparar luzes de alerta. Cuidado! A maior par­
te das novas idéias significativas — durante a história da ciência, da erudi­
ção, da arte e da inovação intelectual — desenvolveu-se como forma de
resistência a idéias ou posições tidas por certas. Geralmente um insight,
uma descoberta, uma teoria ou uma posição muito estimada se encaixam
tão bem no que o senso comum e a experiência perceptiva cotidiana con­
firmam que é difícil acreditar que alguém algum dia pensou de outro mo­
do. Estas são em geral as posições mais perigosas de se assumir.
As imagens trabalhadas por relações públicas ou pela publicidade
são ás piores ficções estereotipadas. Elas causam dano se dirigidas para o
interior como parte da auto-imagem. Elas são auto-exploradoras quando
projetadas no exterior como imagens fictícias de líderes, celebridades,
amigos ou inimigos. Ao longo dos anos, a população tem sido cuidadosa­
mente doutrinada para aceitar imagens (estereótipos) como substitutos
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 253

para percepções orientadas para a realidade, A realidade ocasionalmen­


te se infiltra por entre as barreiras construídas pelos manipuladores per-
ceptivos para preservar as ficções de seus clientes. Imagens fantasiadas de
onipotência, contudo, são popularmente preferidas às complexas e nor­
malmente contraditórias qualidades humanas.
O ex-presidente Lyndon Johnson costumava brincar com seu círcu­
lo íntimo dizendo que seria uma experiência saudável e psicologicamen­
te desintoxicante para o público ver seu presidente ao menos uma vez
por ano sentado num vaso sanitário. Ele explicou que essa exposição po­
deria evitar que os presidentes se deixassem arrebatar por suas imagens
públicas, e o público poderia amadurecer se periodicamente relembras­
se que seu líder, que tem sempre à mão os livros com os códigos para um
ataque nuclear, é apenas ser humano. Nos EUA, contudo, dominados co­
mo o são pela mídia, tal esvaziamento da propaganda da mídia em favor
da realidade parece improvável.
Todas as pessoas são influenciadas por desvios perceptivos. Elas pre­
ferencialmente ignoram dados factuais, excluem coisas das definições, e
interpretam de perspectivas subjetivas. Quanto mais “objetivas” elas se
imaginam, maiores e mais ocultas são suas distorções. Ninguém é mais
perceptivamente distorcido do que aquele que se considera objetivo.
Sem uma consciência das limitações perceptivas — e dos desvios a elas
inerentes — as pessoas confundem inferência com fato, teoria com ver­
dade, fantasias com realidades, e se baseiam emjulgamentos deformados
por influências conscientes e inconscientes. Isto parece ser um aspecto
inato da condição humana. Seria preferível admitir a falibilidade e evitá-
la o máximo possível, em vez de ficar tropeçando em ilusões fraudulentas
e perigosas de “realidade objetiva”. Nossas verdades podem nos destruir!

A MORALIDADE REQUER INFRATORES

Qualquer comportamento visto como normal será percebido como


anormal em outro contexto ou padrão grupai. Os comportamentos se
tornam desviados mais na percepção do que em si mesmos. Quando de­
terminados atos são percebidos como desvios negativos das expectativas
usuais de um grupo, os que os perpetram serão punidos de alguma ma-
254 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

neira. As culturas de alta tecnologia, como os EUA, a União Soviética e o


Japão, parecem mais sensíveis aos desvios do que as outras, e portanto
mais punitivas. Grupos de classe média são geralmente mais intolerantes
para com os desvios do que as populações de classe alta ou baixa. Os po­
bres não têm nada a perder, e os ricos estão protegidos contra a perda.
Além disso, os devotos religiosos são mais intolerantes do que os que
são indiferentes em matéria de religião. As crenças religiosas são o prin­
cipal instrumento social para definir o comportamento desviado. Um
desvio percebido dá início a uma reação que isola, ameaça, corrige ou pu­
ne os desviados. O comportamento em si mesmo pode ter poucas conse-
qüências. Noções de normalidade e desvio percebidas permeiam todas as
culturas e subculturas conhecidas.
Muitos grupos demonstram padrões duplos quando lidam com es­
tranhos. Espera-se que recém-chegados se conformem rigidamente às
expectativas do grupo, enquanto que membros mais antigos normal­
mente têm maior liberdade. As normas de comportamento esperadas ra­
ramente se aplicam uniformemente a todos os membros de um grupo.
Muitos grupos ou culturas na verdade criam o desvio fazendo regras que
alguns indivíduos se sentirão compelidos a violar. Os desvios podem ter
sido a fonte original da coesão grupai. Tais estruturas de regras dão ao
grupo um sentimento de exclusividade, unicidade e validade. As regras a
respeito dos desvios da norma geralmente têm um patrocínio econômi­
co poderoso que reforça o status quo.
A elaboração das regras usualmente envolve um elenco de persona­
gens fictícias, perceptivamente projetadas, que incluem os elaboradores
das regras, os executantes e, é lógico, os próprios desviados. Não faz sen­
tido criar e impor regras que ninguém viola. Muitos grupos não pode­
riam sobreviver sem os transgressores. Se os transgressores não existem,
devem ser criados. Um método de criar transgressores é através da este-
reotipia projetiva.
Os sistemas de regras podem ser formais ou informais, conscientes ou
inconscientes. As regras de desvios quase sempre incluem características
morais — ingredientes vitais à coesão do grupo. Num mundo em que nin­
guém violasse expectativas morais, tais expectativas se desvaneceríam. A mo­
ralidade percebida depende inteiramente da imoralidade percebida. O
desvio fornece um dos principais mecanismos por meio dos quais as pessoas
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 255

podem inventar ou construir seus amigos e inimigos, deuses e diabos, leal­


dades e deslealdades, amores e ódios. A moralidade, utilizada para definir
os transgressores, é um produto perceptive, cuja elaboração é uma das ativi­
dades principais da mídia nas nações de alta tecnologia do mundo.
Isto traz ao jogo uma percepção baseada numa percepção baseada
numa percepção, ad infinitum— todas interligadas, um Ouroborus. A co­
bra morde novamente sua cauda. As percepções da transgressão operam
sem um propósito consciente por parte dos jogadores envolvidos.
Para que o jogo possa ser executado eficazmente, contudo, os líde­
res devem ter uma certa consciência de sua dinâmica. Sem esta consciên­
cia, é difícil manipular o mecanismo de transgressão durante um tempo
longo. O sistema pode, não obstante, ser operado intuitivamente, com o
risco de uma perda de controle abrupta. O sistema funciona somente na
medida em que a manipulação permanece reprimida pelos membros do
grupo. A manipulação habilidosa de ameaças de transgressão pode ser
observada na retórica dos evangelistas mais ricos da TV. As máquinas de
ordenhar dinheiro de sua mídia extasiam suas vítimas, que raramente
descobrem conscientemente sua vitimização.
Um grupo que seja maioria e não conheça a transgressão provavel­
mente desaparecerá em sua atual forma. Ele será absorvido ou sintetiza­
do por outro grupo mais agressivo. Mas se o grupo impõe regras de for­
ma rígida, sua posição é fortalecida. Teorias políticas democráticas de go­
verno são baseadas na manipulação cuidadosa do desvio. E surpreenden­
te que tantas pessoas nas sociedades democráticas continuem incons­
cientes quanto ao significado da transgressão. Na União Soviética, a peres­
troika (reestruturação) de Gorbachev demonstra uma tentativa de mani­
pular politicamente a transgressão, depois de setenta anos de supressão e
coibição. A perestroika, supondo que ela continue e sobreviva ao turbi­
lhão, é um dos mais importantes eventos políticos da história soviética.
A transgressão é difícil de compreender quando a pessoa cai na ar­
madilha da lógica aristotélica da realidade objetiva. Gorbachevjá desco­
briu que uma parte substancial de sua população é fortemente oposta à
perestroika. Numerosos políticos, tanto nos EUA como na União Soviética,
têm feito longas e lucrativas carreiras na briga entre o comunismo e o ca­
pitalismo. Os meios de comunicação de massa são também os principais
beneficiários da repressão à transgressão.
256 «A ERA DA MANIPULAÇAO

Nos EUA, já é esperado que certas categorias de pessoas sejam


transgressoras — músicos, atores, homossexuais, comunistas, socialis­
tas, ateus, intelectuais, delinqüentes juvenis, beneficiários da Previ­
dência Social, minorias étnicas e criminosos — não necessariamente
nesta ordem. No topo da lista estão os pretensamente doentes mentais.
A doença mental está normalmente implicada no comportamento
transgressor.
As vítimas quase nunca descobrem conscientemente os jogos feitos
com sua transgressão. As regras conscientes, ou em sua maior parte ins-
concientes, da transgressão estão profundamente enraizadas na história
e nas tradições dos grupos. Estas regras são tidas como certas pelos mem­
bros do grupo e geralmente atribuídas à palavra de Deus ou à ciência —
as mais elevadas fontes de informação de alta credibilidade disponíveis.
Estas tradições têm se tornado a tal ponto uma parte da realidade perce­
bida, especialmente em sociedades de alta tecnologia, que as violações
parecem bizarras ou perversas. Muitas das regras existem em atitudes re­
siduais, não-verbais e indefinidas.
Este livro e seu autor serão percebidos por muitos como transgresso­
res, por alguns mesmo como perigosamente transgressores — ameaçan­
do a vida, a verdade e a razão como são popularmente percebidas. Em en­
trevistas ou conferências, este autor tem sido freqüentemente atacado co­
mo insano, subversivo, ingrato, radical, controvertido, ameaçador e — a
suprema transgressão nos EUA — comunista. Uma das principais insti­
tuições sociais, a máquina cultural da mídia comercial, parece ser amea­
çada. A mídia provê legitimização e verificação cultural para muitos as­
pectos da sociedade.
Um ataque particularmente causticante contra os livros deste autor
foi publicado na AdvertisingAge (17/9/1984), publicação da máquina pu­
blicitária. Escrito por um intelectual da área publicitária, a matéria de ca­
pa, com 3.500 palavras de extensão, ignorou as mais de quinhentos pes­
quisas publicadas que confirmam os efeitos dos estímulos subliminares
sobre o comportamento, os muitos exemplos ilustrados nos livros, e o tes­
temunho autorizado sobre o assunto de respeitados cientistas, acadêmi­
cos e administradores públicos. A crítica negava a existência da percep­
ção subliminar, atacava a sanidade e a credibilidade deste autor e denun­
ciava esta “exploração lucrativa” da indefesa máquina publicitária.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 257

O ataque era uma tentativa de gerar uma pressão pública sobre a


transgressão perceptiva. O jornalista e o editor da matéria estavam presu­
mivelmente conscientes de que um mês antes dela ser publicada na Adver­
tisingAge, a Divisão do Álcool, Fumo e Armas de Fogo do Departamento do
Tesouro dos EUA havia divulgado uma nova regulamentação proibindo o
emprego de estímulos subliminares nos anúncios de bebidas alcoólicas
{verApêndice). A transgressão perceptiva causou e continua a causar con­
siderável desconforto e gastos à máquina publicitária comercial.

A MANIPULAÇÃO DA TRANSGRESSÃO

Muitas variáveis parecem definir conjuntamente se a transgressão de re­


gras será negada ou ignorada por um grupo. A maioria dos grupos con­
corda que a punição deve ser adequada ao crime. O poder, o status e a ri­
queza do transgressor são também variáveis importantes. Quanto mais al­
to o status dos transgressores, maior será a probabilidade de o grupo per­
mitir que eles saiam ilesos de sua transgressão. Basta considerar como Ri­
chard Nixon ou vários evangelistas da TV sobreviveram a enormes escân­
dalos.
A proporção da tolerância para com a transgressão normalmente
está relacionada ao nível de pressão que um grupo sente vinda do exte­
rior. Para diminuir a tolerância, os líderes geralmente fazem aumentar as
percepções do grupo relativas às ameaças exteriores. Este mecanismo po­
de ser observado nas justificativas governamentais para gastos militares e
intervenções no estrangeiro. Ameaças da União Soviética e de outros pa­
recem flutuar de acordo com a oposição por parte do Congresso ou da
opinião pública a políticas ou destinações de verbas.
As maiorias morais, como muitos notaram nos últimos anos, usual­
mente acabam por não ser nem uma coisa nem outra. Os ideais sociais
percebidos têm invariavelmente um lado oculto, o inverso, a realidade
escondida pelo ideal. Os defensores da lei e da ordem normalmente ter­
minam transformando-se em criminosos convictos. Aqueles políticos
que mais vilipendiam o desperdício da destinação de verbas têm esban­
jado o dinheiro público em níveis que excedem de longe o esbanjamen­
to dos maiores dissipadores de fortunas da história. Os mais sinceros fre-
2 5 8 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

qüentemente se transformam em totalrnente insinceros. Intenções san­


tas geralmente ocultam avareza, criminalidade e crueldade. Rótulos es­
tereotipados usualmente dizem muito mais a respeito do rotulador do
que a respeito do rotulado. Pessoas que não conseguem pensar por fora
e além de expectativas estereotipadas estão fadadas a repetir ritualmen­
te as tragédias do passado enquanto seguem seus líderes no caminho do
esquecimento.
Capítulo nove

Profecias que se
AUTO-REALIZAM
Por que e com que direito uma nação ou uma classe de pessoas prende,
tortura, exila, fustiga e destrói outras pessoas quando elas mesmas não são
melhores (oupiores) do que aquelas que torturam'?
Leon Tolstoy, Guerra e Paz

Nossos medos mais profundos estão logo atrás do cotidiano e da meiguice.


John Berger, The Sense of Sight

A principalfonte de desordem na sociedade é a hipocrisia daqueles quefingem


ser virtuosos, de um lado, enquanto agem o tempo todo de maneira contrária
às crenças que professam.
Platão, A República

O psiquiatra suiço Carl Jung relatou o caso de um paciente que, logo de­
pois de uma temporada de férias, sonhou estar caindo de uma montanha
até morrer. Uma semana depois, o paciente caiu realmente da montanha
e morreu. Coincidência? Pouco provável. As profecias que se auto-reali-
zam (SFP — Self-Fulfilling Prophecies) são pressuposições ou predições que
parecem fazer com que um evento ocorra, confirmando assim sua pró­
pria exatidão. O processo de efetuar um vaticínio pode ser consciente, in­
consciente, ou ambos.
Se as pessoas assumem que não são amadas, o próprio pressuposto
faz com que ajam de maneira hostil, defensiva, suspeita e agressiva. Estas
atitudes, por sua vez, provocam reações similares nas outras pessoas.
Deste modo, os pressupostos iniciais são confirmados. Os indivíduos
acabam não sendo amados. As pessoas raramente se dão conta do poder
que possuem para se autovitimarem mediante pressuposições, convic­
ções e predições.
A vida raramente é, para melhor e para pior, tão simples quanto pa­
rece. Boas causas freqüentemente têm efeitos ruins e vice-versa. As com­
plexas contradições das realidades verbais fazem com que nada seja o que
parece ser na superfície, especialmente para aqueles que têm uma fé ir­
racional nas definições simplistas. Os anunciantes incorporam sublimi­
narmente aos anúncios o lado oculto dos pressupostos de causa-efeito, de
uma maneira que os consumidores ficariam aterrorizados se suspeitas­
262 -A ERA DA MANIPULAÇAO

sem o que está acontecendo. As técnicas de propaganda dos EUA foram


exportadas para o mundo todo. O anúncio do Paris Match (fig. 25) pare­
ce uma simples proposição de causa-efeito. As cores brilhantes das cuecas
Eminence vão aumentar o seu sucesso sexual. O texto diz: “Vista-se cada
manhã com as cores que cantam”. Os modelos foram fotografados, o res­
to da página é pintado. O jovem atraente domina a ilustração. Sua expres­
são é de machão, auto-satisfeito, arrogante mesmo, olhando para o vazio
com um sorriso divertido mas vago. Ele é fisicamente atraente, mas en­
cantado com a própria beleza e autoconfiança. Um leitor poderia espe­
cular que ele gastou meia-hora penteando seu cabelo antes da foto. A
mensagem superficial é que as cuecas coloridas irão torná-lo ainda mais
irresistível às mulheres. Ele parece um homem apaixonado por si mes­
mo. Sua mão esquerda repousa condescendentemente no ombro da mo­
ça. Qualquer pessoa que ingenuamente acreditar na promessa da cueca
Eminence construiu para si mesma uma SFP de fracasso em sensíveis e
complexas relações humanas.
A modelo, no entanto, parece muito mais interessante. Ela está de joe­
lhos, o corpo escondido atrás do peitoril da janela. Esta posição estabelece
uma relação entre sua cabeça e a região pélvica do homem. Ele é claramen­
te dominador, ela é submissa. Agora, o que está por detrás: a modelo está
pedindo ao leitor que não conte o seu segredo, com o indicador sobre os
lábios, psssiu\ Qual é o seu segredo?
Do outro lado da página aparece um convencional anúncio em
branco e preto, de eletrodomésticos. São nove itens: uma torradeira, um
liquidificador, um aquecedor, um abridor etc. Não é nada de muito exci­
tante no mundo colorido dos anúncios sexualizados (fig. 26). Com nove
itens, o anúncio está abarrotado. A lógica de venda é questionável. E pou­
co provável que os leitores percam seu tempo com um grupo de produ­
tos tão familiares.
O Paris Match é impresso em papel fino. Ao virarmos as páginas, a luz
penetra de um lado para o outro. A Figura 59 mostra o anúncio da cueca
Eminence segurado contra a luz, fazendo com que o anúncio de eletrodo­
mésticos vaze através dele. Agora entendemos o segredo da mulher: a faca
elétrica suspensa sobre a área genital do homem. Os dois anúncios permeá­
veis, dirigidos principalmente aos homens, tornam-se profundamente emo-
cionalizados pelo enxerto subliminar. O medo da castração é um denomi-
PROFECIAS QUE SE AUTO-RE ALI ZAM * 263

nador comum unindo os consumidores masculinos. Uma lógica verbal po­


deria ser construída para justificar o simbolismo, mas ela acabaria num ra­
ciocínio simplista de causa-efeito. E provavelmente mais sábio reconhecer
simplesmente que os mecanismos simbólicos não-verbais funcionam o sufi­
ciente parajustificar sua ampla utilização, do mesmo modo que as tesouras
ocultas no logo da Playboy (ver Kay, Subliminal Seduction, pp. 123-25).
Do ponto de vista estatístico, existiam duas chances, no total de 120
páginas do Paris Match, para que os dois anúncios aparecessem por acaso
em páginas opostas e uma chance em nove de que a faca aparecesse sobre
a área genital masculina. E extremamente improvável que estas posições
tivessem sido um acidente do acaso. Mais improvável ainda quando a
agência e os artistas envolvidos têm conhecimento sobre enxertos subli­
minares.
As SFPs são bem conhecidas na área científica. O filósofo da ciência
Paul Feyerabend conclui que “não são as suposições conservadoras mas
as antecipatórias (aquilo que queremos que aconteça) que guiam a pes­
quisa científica”. As SFPs são muito discutidas na psiquiatria e psicologia,
mas raramente são consideradas como um aspecto normal do cotidiano
dos indivíduos, dos grupos ou mesmo das nações.
Muitas SFPs são atribuíveis a pressuposições derivadas da mídia de
publicidade. Geralmente as SFPs derivam de pressuposições de causa-
efeito nas quais acredita-se piamente. Nestes casos, a relação entre causa
e efeito torna-se circular e autoconsolidadora ao invés de linear e com
um fim claro — o Ouroborus mais uma vez. A SFP é um mecanismo in­
consciente através do qual os homens involuntariamente preparam-se
para uma conseqüência que as suas pressuposições tornaram possível
acontecer. Estas conseqüências podem ser boas ou más para o indivíduo
envolvido, às vezes ambas as coisas. Se forem boas, elas parecem ser o pro­
duto de uma sábia decisão, de um palpite feliz ou de uma intuição pro­
funda sobre os mecanismos da causalidade. A SFP aparentemente envol­
ve tomadas de decisões simples e diretas, nas quais avaliam-se os efeitos
futuros de um ato em vista das conseqüências mais vantajosas.
O processo parece natural, respeitável, lógico e defensável. As con­
clusões de causa-efeito raramente são questionadas. Todas estas decisões
consideram o futuro e acabam por provar que foram corretas, incorretas
ou ambas as coisas por variadas racionalizações construídas perceptiva-
264 »A ERA DA MANIPULAÇÃO

mente. A SFP pode, a princípio, não ser nem verdadeira nem falsa, mas
ela produz uma verdade ou uma falsidade por sua existência como parte
do processo de raciocínio.
SFPs curiosas ocorrem nas relações das pessoas com o Fisco. As leis
do imposto de renda são infames, contraditórias e arbitrárias, bastante
abertas às interpretações. Para compreender a miríade de leis em cons­
tante mudança é necessária uma equipe de profissionais especializados
trabalhando em período integral. Os funcionários da Receita Federal
(IRS) reconhecem que os contribuintes mentem e procuram evitar de­
clarar honestamente suas rendas. Qualquer pessoa que tenha passado
por uma auditoria do IRS sabe como suas idéias pré-concebidas in­
fluenciam a investigação. Os funcionários do IRS investigam o estilo e
vida, as propriedades e os divertimentos para estimar a renda. Ao con­
trário da doutrina legal para as ações civis ou criminais, os contribuin­
tes são obrigados a provar sua inocência frente à pressuposição do IRS
de que são culpados.
A pressuposição, ou predição, obriga o contribuinte a evitar as de­
clarações de renda simples e verídicas. A desonestidade, ou talvez a
fronteira da honestidade, torna-se um imperativo para escapar de im­
postos vistos como injustos. Os pressupostos do IRS criam de fato a si­
tuação prevista. E irrelevante saber se os pressupostos iniciais eram fal­
sos ou verdadeiros. O que se presumia ser o efeito acaba sendo a causa.
A causa produz o dilema. A profecia da situação causa a situação da
profecia.
Muitos encarregados de pessoLi de grandes firmas podem recordar
situações onde empregados tinham a impressão de que estavam prestes a
ser demitidos, reagindo com insegurança em procedimentos normais da
rotina de trabalho ou com culpa sobre alguma deficiência pessoal real ou
imaginária. Agindo de maneira errática ou prejudicando seu trabalho,
eles progressivamente preparavam-se para a demissão que, de fato, torna­
va-se realidade.
Loucura e Civilização, a brilhante história da insanidade de Michel
Foucault, documenta uma estarrecedora variedade de definições contra­
ditórias para a insanidade. Ele demonstra que a insanidade é um concei­
to socialmente criado, mudando através dos séculos conforme as socieda­
des vão procurando novos meios de lidar com seus desviados. A sanidade,
PROFECIAS QUE SE AUTO-RE ALI Z AM • 265

por outro lado, raramente foi definida. De fato, a sanidade deve ser inde­
finível. Assume-se tacitamente que a sanidade sejam aquelas práticas, po­
líticas e comportamentos comumente aceitos como normais por uma de­
terminada sociedade em um determinado tempo. A normalidade é um
belo conceito até você se lembrar que já foi considerado normal queimar
feiticeiras, hereges e outros desviados após submetê-los a torturas brutais.
Atualmente, é considerado normal viver a um passo da devastação nu­
clear. Do ponto de vista de um continuum histórico em constante muta­
ção, muito do que é hoje considerado são e normal seria algo insano e
anormal em outro tempo e lugar.
As civilizações forjaram e ratificaram inúmeras definições de insa­
nidade, e continuam elaborando esta idéia num ritmo cada vez mais rá­
pido. Um dos critérios da psiquiatria moderna para determinar a sani­
dade é a capacidade de adaptação à realidade, geralmente definida co­
mo ajustamento, ou a capacidade de discenir entre fantasia e realidade.
O senso comum, reforçado pelos estatutos judiciais, assume que a sani­
dade é uma realidade objetiva: real, apta a ser examinadz, medida e
compreendida. A comunidade psiquiátrica discute incessantemente so­
bre as definições verbais dentro do quadro geral da insanidade. O qua­
dro em si raramente é questionado. Deveria ser! Como as definições de
personalidades, os rótulos de insanidade evocam injustamente as profe­
cias autoconsumadas.
Os diagnósticos psiquiátricos, ao contrário do que acontece nas ou­
tras especialidades médicas, definem e, ao fazer isto, criam condições pa­
tológicas. O diagnóstico ou definição torna-se parte da doença, e cria
uma série de profecias que se auto-realizam. Uma vez feito um diagnósti­
co institucionalizado, inventa-se uma realidade na qual até o comporta­
mento normal parece desequilibrado. Depois do diagnóstico, percep­
ções que o tornam válido são fabricadas. O processo rapidamente ultra­
passa o controle dos pacientes, atingindo os médicos, a família, a admi­
nistração e a equipe dos hospitais. Todos participam da construção de
uma realidade que sustenta o diagnóstico. Um repórter foi internado
num hospital para doentes mentais para colher material para um artigo.
Os funcionários que o viram escrevendo num bloco, observaram auspi­
ciosamente em sua ficha: “Comprometido por um comportamento de fa­
zer anotações”.
266 -A ERA DA MANIPULAÇAO

O processo também ocorre regularmente nas relações humanas co­


tidianas onde, por qualquer motivo, os indivíduos são rotulados, catego­
rizados e estereotipados. Os hospitais estão superlotados de pessoas po­
bres, velhas e abandonadas, geralmente vindas das minorias, que foram
admitidas apenas porque embaraçavam, atrapalhavam, chocavam ou
aborreciam alguma pessoa ou algum grupo. Os rótulos estereotipados
dos diagnósticos confirmam e legitimam a sabedoria da sociedade.
A esquizofrenia, um dos diagnósticos mentais mais freqüentes, des-
creve supostamente uma psicose que inclui uma incapacidade de discer­
nir entre a fantasia e a realidade. Pelas ilustrações deste livro, deveria fi­
car claro que muitas pessoas supostamente normais não podem discernir
entre fantasia e realidade. Elas não podem nem mesmo diferenciar entre
cubos du gelo reais e de mentira. Os diagnósticos clínicos freqüentemen­
te resultam em profecias que se auto-realizam com dois ingredientes bá­
sicos. Os pacientes experimentam um grande desconforto e aceitam o
diagnóstico como uma explicação para este desconforto. O diagnóstico
clínico constitui uma verificação de muita credibilidade dos sintomas nu­
ma autorização para o tratamento destes.
O paciente rotulado é pego num labirinto de expectativas clínicas,
interações e padrões de desajustamento. Isto o isola ainda mais o paciente,
gerando novas fantasias. Estas fantasias, é óbvio, confirmam ainda mais o
diagnóstico, que evoca outras fantasias mais, que o confirmam mais ainda,
ad infinitum. De novo a cobra morde seu rabo, um outro Ouroborus.
Um estudo sobre esquizofrenia da Yale Medical School realizado
em dezembro de 1985 descobriu que mais de dois terços dos pacientes
diagnosticados como esquizofrênicos recuperaram-se completamente e,
a partir de então, tiveram vidas normais e produtivas. Não obstante, o
Diagnostic Criteria, DSM III, da American Pshychiatric Association — a re­
ferência básica das definições nas quais são baseadas as internações em
instituições psiquiátricas — define a esquizofrenia como uma deficiência
permanente da qual é impossível recuperar-se. De fato, a longa, abran­
gente e interconectada definição do DSM III para. a esquizofrenia encar­
ceraria qualquer pessoa numa carreira vitalícia de doente mental. A So­
cial Security Administration aceita o DSM IIIcomo base para as determi­
nações de deficiências.
A paranóia, outro diagnóstico popular, significa uma conduta social
PROFECIAS QUE SE AU T Q-RE AL I Z A M * 267

percebida como suspeita, agressiva, hostil, teimosa, ciumenta e ganancio­


sa — adjetivos que descrevem a maioria dos homens de negócios bem-su­
cedidos. Uma vez iniciado o processo de exclusão social e arregimenta-
ção, o paciente definido como paranóico tem uma razão para o seu com­
portamento. Ser simplesmente são num mundo insano pode, razoavel­
mente, evocar os sintomas paranóicos acima descritos.
Os pacientes rotulados afastam-se cada vez mais de suas famílias e
grupos sociais. As relações tensas evocam outras definições estereotipa­
das como esquisito, excêntrico, maluco, irremediável e finalmente o es­
tigma final, insano. A porta se fecha, com freqüência permanentementè.
A armadilha do “senso comum” pega a todos. Sejamos nós os jogadores,
ativos ou passivos, ou os espectadores desta farsa, a armadilha tem o po­
tencial de justificar o desastre final.
As SFPs são beró ilustradas no celebrado romance de Ken Kesey, Um
Estranho no Ninho, assim como em estudos concretos. Num estudo do psicó­
logo David Rosenham, oito pseudopacientes voluntários foram admitidos
em doze hospitais para doentes mentais em cinco estados do país. Cada um
dos pacientes declarou falsamente que ouvia “vozes” para conseguir admis­
são. Os pseudopacientes foram diagnosticados como esquizofrênicos, com
a exceção de um diagnóstico de maníaco-depressivo. Eles foram instruídos
a agir normalmente após a admissão, e a tentar sair do hospital convencen­
do os médicos de que eram sãos. O tempo das internações variou de sete a
cinqüenta e dois dias, com uma média de dezenove dias. Quando foram fi­
nalmente dispensados, foram designados não como curados, mas como es­
quizofrênicos ou maníaco-depressivos “em remissão”.
As assim chamadas doenças mentais eram apenas construções
perceptivas criadas pelas equipes institucionais, cujos interesses vela­
dos eram encontrar clientes. Os membros da equipe pareciam acredi­
tar que qualquer coisa que já foi alguma vez nomeada ou rotulada de­
ve existir na realidade. Eles obrigavam a realidade (o paciente) a con-
formar-se a suas expectativas perceptivas. De fato, eles percebiam o
mundo tanto quanto as definições (palavras) permitiam, conforman­
do suas percepções da realidade às definições, ao invés de ajustar as de­
finições às observações diárias de cada paciente.
Os pseudopacientes descobriram rapidamente que existiam rótulos
cuidadosamente definidos para os comportamentos patológicos, anor-
2 6 8 * A ERA DA MANIPULAÇAO

mais. Por outro lado, os comportamentos normais eram difíceis — se não


impossíveis — de serem definidos uma vez que os rótulos do diagnóstico
tornavam-se firmemente atrelados aos pacientes. Mesmo quando se per­
cebia que um paciente estava pronto para ser dispensado, ele não era
considerado são ou em alta, mas “em remissão”. Uma concordância com
o que foi construído era então imposta aos pacientes. Curiosamente,
uma experiência comum a todos os voluntários foi o reconhecimento co­
mo normais pelos outros pacientes.

Quem realmente está dentro, e fora?

Esta experiência, onde pessoas sãs foram designadas como insanas, po­
de ser revertida, especialmente quando as percepções de prestígio, inte­
gridade profissional e a habilidade de diagnosticar correm risco. Em ou­
tro hospital, cuja equipe estava ciente das embaraçantes revelações de
Rosenhan, os profissionais foram unânimes em duvidar que tais erros
pudessem ocorrer em seu hospital, demonstrando claramente a cega
confiança que depositam na ciência, nas autoridades e na integridade
institucional.
O hospital foi informado de que nos três meses seguintes um ou
mais pseudopacientes tentariam ser admitidos. Cada membro da equipe,
incluindo atendentes, enfermeiras, psiquiatras, médicos e psicólogos,
avaliou 193 pacientes. Quarenta e um foram considerados como clara­
mente pseudopacientes por pelo menos um membro da equipe. Vinte e
três foram considerados suspeitos por pelo menos um psiquiatra. Deze­
nove foram considerados suspeitos por um psiquiatra e um outro mem­
bro da equipe.
O grupo de pesquisa não mandou nenhum pseudopaciente para es­
te hospital durante os três meses.
No estudo de Rosenhan, comportamentos normais foram interpre­
tados erroneamente e desse modo conformaram-se ao rótulo de anor­
mais. Tais rótulos produzem suas próprias realidades, causas, efeitos e
profecias que se auto-realizam. E raro que os diagnósticos psiquiátricos
sejam, mais tarde, dados como errados, em contraste com outros diag­
nósticos médicos, onde os erros são lugar-comum e são constantemente
PROFECIAS QUE SE A U T O - RE A LI Z A M » 269

corrigidos, geralmente sem conseqüências estigmatizantes. Os rótulos


psiquiátricos são como uma tatuagem que afirma nitidamente: “Inade­
quado!” E quase impossível você provar que é são, mas é relativamente fá­
cil ser considerado insano.
Há várias SFPs na vida cotidiana. Considere os efeitos das SFPs de
um rótulo judicial — com o julgamento quase que divino de uma corte
considerando a pessoa culpada — por virtualmente qualquer crime. A
prisão sob o estereótipo de “criminoso” põe em movimento todo um
complexo de SFPs que sem dúvida serve aos interesses da sociedade.
A psicologia dos testes, uma grande indústria, continua absurda­
mente a acreditar que pessoas e animais podem ser testados com objetivi­
dade científica. Estereótipos estigmatizantes com potencial de SFP são
constantemente estabelecidos por meio de testes realizados pelos orien­
tadores de escolas, administradores de pessoal e — o mais devastador per-
petuador dos rótulos estereotipados — pelos meios de comunicação de
massa. Em um estudo, os professores foram comunicados de que certos
alunos (na verdade escolhidos ao acaso) haviam sido testados como
crianças bem-dotadas. Observou-se que os professores dedicavam uma
atenção especial para estes alunos, o que por sua vez provocava desempe­
nhos superiores. Por outro lado, rótulos de “dificuldades para aprender”
criaram e sustentaram na prática a condição que presumiram descrever.
As SFPs são algo desconfortável de se examinar. Elas podem amea­
çar as auto-imagens de sanidade, juntamente com a fé supersticiosa na
ciência, na razão, na autonomia individual, na verdade e em Deus. A des­
coberta de que os homens criam suas próprias realidades — ou que a mí­
dia o faz por eles — pode ser perturbadora para aqueles imersos em fan­
tasias, o que, em certas culturas, inclui quase todas as pessoas.
As SFPs não ocorrem apenas aos espectadores inocentes. Elas são
utilizadas deliberadamente, com uma intenção específica premeditada.
No entanto, para que o mecanismo funcione eficazmente, deve-se acre­
ditar nas SFPs, elas devem ser percebidas como factuais por uma fonte de
grande credibilidade, e devem ser apresentadas como um aspecto fun­
cional da realidade. Só assim uma SFP pode ter um efeito claro no pre­
sente e, desta forma, ter sucesso.
Os rótulos estereotipados vitimam tanto a pessoa na qual são aplicados
quanto a pessoa que os aplica. Sejam eles étnicos, imagens de celebridades,
270 -A ERA DA MANIPULAÇÃO

generalizações sobre produtos ou marcas, ou diagnósticos psiquiátricos, os


rótulos desumanizam todos que são tocados por eles. Eles evocam medo, in­
veja, desconfiança e fazem com que os indivíduos sejam tratados como ob­
jetos desumanizados. A desumanização é de fato o objetivo planejado de
muitas das publicidades de celebridades, nas quais uma pessoa é vendida co­
mo um objeto sexual, um modelo supermoral de virtude ou um profeta eco­
nômico ou religioso onisciente. Imagens manipuladoras com freqüência
são criadas para os líderes políticos, religiosos, militares ou empresariais.
Qualquer pessoa que for feitapara parecer honesta demais, ou “demais” em
qualquer aspecto, deveria ser objeto de desconfiança imediata.
A pioneira clínica psiquiátrica Menninger, em Topeka, Kansas, aca­
bou com os diagnósticos rotuladores dos pacientes. Em seu lugar, iniciou-
se um sistema com um conjunto de avaliações usadas para desenvolver os
diagnósticos e prognósticos operacionais: definições hipotéticas, que
mudavam continuamente durante os programas de tratamento em res­
posta às mudanças nas necessidades dos pacientes. Como era de se espe­
rar, Menninger foi criticada por sua recusa em cooperar com a psiquia­
tria institucional. O psiquiatra inglês. R. D. Laing fez uma tentativa simi­
lar para lograr os diagnósticos rotulatórios em sua London Tavistock Cli­
nic, durante os anos 1960.
A Diagnostic Criteria, DSM III, publicada pela American Psychiatric As­
sociation, é um catálogo de absurdos e insensatezes prejudiciais. E difícil
encontrar uma cópia do DSMIII, que com freqüência é mantido na lista de
livros com restrições nas bibliotecas das faculdades de Medicina, escondi­
do dos pacientes e do público em geral. O segredo, é claro, torna o livro ir­
resistível aos pacientes, que eventualmente o encontrarão. De fato, este di­
cionário de estereótipos projetivos e estigmáticos tem suas funções admi­
nistrativas e legais. O DSMIIItem muito pouco aver com as chamadas de­
sordens mentais e seus tratamentos. Se forem levadas a sério, suas defini­
ções prenderão tanto o médico quanto o paciente num sistema de expec­
tativas mútuas, do qual ambos podem achar impossível se livrar.
Como descendentes psicológicos do drama grego de Edipo, que
realizou a trágica profecia enquanto tentava evitá-la, continuamos reali­
zando profecias por meio das tentativas de escaparmos delas. As socieda­
des se armam para evitar a guerra, garantindo assim a inevitabilidade da
guerra. As lucrativas indústrias de guerra proporcionam empregos tem­
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM *27 1

porários e benefícios econômicos. Os armamentos, no entanto, signifi­


cam um desastroso esgotamento econômico num mundo de recursos fi­
nitos cada vez menores. Eles exaurem os recursos de qualquer sociedade
aumentando, dessa forma, a possibilidade do conflito. O investimento é
mais prejudicial do que o mero gasto de matéria-prima. Um caminhão te­
rá o retorno de seu investimento várias vezes durante sua existência. Um
tanque, um míssil ou um avião de guerra, depois de um curto período de
uso não-econômico, tornam-se obsoletos e devem ser descartados em fa­
vor de um novo modelo mais anti-econômico ainda.
A megatonelagem atual do estoque mundial de armas nucleares é
suficiente para matar 58 bilhões de pessoas — doze vezes todas as que ho­
je vivem. Num mundo que gasta 800 bilhões de dólares anuais em progra­
mas militares, um em cada três adultos não sabe ler nem escrever, e uma
pessoa em cada quatro passa fome. Nos quarenta anos seguintes à Segun­
da Guerra Mundial, as guerras causaram quatro vezes mais mortes do que
nos quarenta anos anteriores (ver Sivard, p. 5).
A armadilha da SFP é uma poderosa e mortal areia movediça — a
fonte de grande parte do medo paranóico propositadamente engen­
drado para abastecer a lucrativa indústria de armamentos. O mecanis­
mo incrivelmente simples ainda é invisível para a maioria das pessoas
porque o que elas percebem como interesses ocultos provém da repres­
são, e não do conhecimento. Na verdade, é bastante difícil não saber de
algo, mas sempre é possível fazê-lo se pagarmos o preço.

Pensamos, pensamos, pensamos...

A propaganda e as relações públicas são especialmente viciosas em seu


potencial de inventar realidades a serviço de produtos, idéias, do lucro
ou de indivíduos. Surpreendentemente, muito poucos sabem a que pon­
to têm sido sistematicamente levados a pensar que pensam por si mes­
mos. Em sua autobiografia, Mein Kampf Adolf Hitler resumiu o papel
ideal da propaganda: “Toda propaganda deve ser tão popular e ter tal ní­
vel intelectual que até mesmo o mais ignorante daqueles para qual ela é
dirigida irá entendê-la. Pode-se fazer com que as pessoas percebam o pa­
raíso como o inferno e, no sentido oposto, que considerem a forma mais
272 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

vil de vida como o paraíso”. Conversas similares podem ser ouvidas em


virtualmente qualquer agência de propaganda ou relações públicas. E is­
to o que elas fazem para viver.
Quando os homens acreditam inquestionavelmente que pensam
por si mesmos, suas posturas críticas e de proteção relaxam. Eles podem
ser condicionados em qualquer direção, para qualquer construção da
realidade. Enquanto as vítimas balbuciam entre si sobre a liberdade de es­
colha, o individualismo, a verdade, os fatos, a realidade e até sobre a von­
tade de Deus, conformam-se inconscientemente aos padrões de consu­
mo e profecias que se auto-realizam, criados pela mídia. Proteger-se a si
mesmo é na verdade bem simples. As percepções programadas da reali­
dade podem ser bastante perigosas à sua saúde, mas isso só ocorre quan­
do acredita-se nelas com uma fé e convicção cegas. Cuidado com a fé ce­
ga em qualquer coisa ou em qualquer pessoa, incluindo você.
Há sempre três alternativas no conhecimento: o que você conhece,
o que você não conhece mas poderia conhecer e — a maior e mais impor­
tante alternativa — o incognoscível. Os homens inventam compulsiva-
mente verbalismos ou rótulos que substituem o conhecimento, e man­
têm a farsa de que sabem mais do que na verdade sabem. As instituições
perpetuam o nonsense por conveniências legais, administrativas, ligadas
aos seguros ou às reservas monetárias. A mídia o faz para vender, persua­
dir e controlar a percepção dos mercados.
Além disso, há uma questão de adaptação do comportamento às cir­
cunstâncias ambientais. Os pacientes psiquiátricos freqüentemente pare­
cem sãos fora do hospital, mas insanos dentro dele — talvez em razão de
sua adaptação forçada a um ambiente estranho e despersonalizado. Nun­
ca é fácil parecer são num mundo insano, como sabe qualquer pessoa
que já se opôs às armas nucleares, à degradação do meio ambiente e à ex­
ploração das vítimas da pobreza, ambição, desonestidade e fanatismo
ideológico.
No entanto, um outro catch-22 aparece nesta tentativa de avaliar cri­
ticamente as construções perceptivas com potencial de SFP, de diferen­
ciar entre fantasia e realidade. A destruição de uma construção percepti­
va resulta apenas em outra construção. O melhor que se pode esperar são
construções aprimoradas, com maiores potenciais de bondade, tolerân­
cia, sobrevivência e ajustamento humanos. Qualquer construção percep-
PROFECIAS QUE SE AU T O - RE A LI Z A M * 273

tiva permanece sendo uma visão bastante hipotética da realidade em


constante mudança.
Os homens detestam a incerteza. As incertezas provocam ansieda­
des. Para reduzir a ansiedade, se não tiverem nenhuma estrutura factual
à mão, os homens simplesmente inventarão uma ou aceitarão uma es­
trutura de realidade já pronta pela mídia. As pessoas comparam-se cons­
tantemente com outras, as quais percebem como semelhantes a si mes­
mas. Estas percepções, é claro, são construções fictícias.
A convicção pessoal de que você poderá cumprir um objetivo au­
menta a possibilidade de que este objetivo seja atingido. A percepção de
uma vontade ou da liberdade para decidir entre várias opções constitui
uma poderosa influência motivadora, mesmo quando — ou particular­
mente quando — tal liberdade não existe de fato. Os homens lutam para
impor ordem, significado e estrutura sobre o mundo que percebem ao
seu redor. Tentam controlar os eventos e as relações em que estão imer­
sos, mas quanto mais se percebem no controle das opções, menos contro­
le têm de fato.
Para otimizar os resultados, mantenha o maior número possível de
opções abertas pelo maior tempo possível, em toda situação. O compor­
tamento pode ser visto como uma seqüência infinita de escolhas entre
ações, não ações, alternativas, pensamentos e futuros, focalizados na bus­
ca consciente de um objetivo. As potencialidades inconscientes tampou­
co devem ser ignoradas.

A CERTEZA INCERTA

As profecias que se auto-realizam aparecem regularmente nas relações en­


tre nações. Raramente são percebidas, obscurecidas por fantasias e ilusões
que emanam do chauvinismo nacionalista ou ideológico, das representa­
ções promovidas por interesses ocultos ou de estratégias conscientes para
manipular a realidade em busca de lucro e poder. Tomemos, por exem­
plo, a relação entre os EUA e a Nicarágua, onde a esquerda inicialmente
moderada dos sandinistas depôs a ditadura de quarenta anos da família
Somoza. Os sandinistas nacionalizaram muitas empresas norte-america­
nas, que apoiaram e financiaram a cruel ditadura. A lista incluía a infame
274 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

United Fruit Company, uma subsidiária da W. R. Grace Corporation, uma


das principais sustentadoras e beneficiárias do governo Reagan.
Desde o início do governo Reagan, em 1981, a política norte-ameri­
cana foi a de derrubar a Frente Sandinista com suas tendências socialis­
tas. Depois do modo com que o governo dos EUA apoiou Somoza, os ni-
caragüenses colocaram-se contra outras intervenções americanas. A opi­
nião pública anti-americana era previsível e, se tivesse sido manejada ade­
quadamente pelos esforços diplomáticos, poderia ter sido afinal amaina­
da. No entanto, nos seis anos seguintes, os EUA aumentaram as pressões
econômicas e militares sobre a Nicarágua, uma nação empobrecida de
cerca de três milhões de habitantes — mais ou menos igual à população
da cidade de Chicago. O ódio nicaragüense pelos EUA cresceu, assim co­
mo cresceu conseqüentemente o poder dos sandinistas.
O objetivo declarado era evitar que a Nicarágua formasse alianças
com o bloco comunista. Portos foram minados por terroristas financia­
dos pela CIA, a reputação financeira internacional do país foi demolida
e as fronteiras foram submetidas a constantes ataques de rebeldes finan­
ciados pelos EUA e liderados por remanescentes da odiada Guarda Na­
cional de Somoza. Cada ato de agressão e terrorismo uniu ainda mais a li­
derança sandinista e fortaleceu sua autoridade perante a população. Os
sandinistas também foram forçados a uma dependência cada vez maior
às alianças com o bloco comunista, e a uma alienação cada vez maior dos
EUA. Se os EUA tivessem realmente desejado salvar a Nicarágua do co­
munismo, o dinheiro gasto com o terrorismo, as sabotagens e as tentati­
vas de desestabilização poderia ter sido usado para reconstruir a econo­
mia nicaragüense e ainda sobraria o suficiente para que cada estudante
nicaragüense passasse um ano em Harvard.
As políticas norte-americanas — e sua intervenção declarada — na
verdade fizeram surgir as condições que supostamente deveriam preve­
nir. Uma a uma as opções disponíveis foram se reduzindo. Definições es­
tereotipadas rígidas sobre a “ideologia revolucionária marxista-comunis-
ta”, ao lado de fantasias simplistas sobre causa-e-efeito, fecharam as por­
tas em ambos os lados do conflito.
O governo Reagan bombardeou a opinião pública norte-americana
com a fantasia de que se os contra não fossem apoiados, a América Central
rapidamente se tornaria um satélite soviético. Esta é uma previsão de cau­
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM • 275

sa-e-efeito insustentável fatualmente. A SFP, é claro, tinha pouco a ver com


o comunismo, mas foi um estratagema útil para apoiar os crescentes gastos
com defesa e a dominação econômica das empresas na América Central.
Profecias que se auto-realizam similares ocorreram em períodos an­
teriores, na Guatemala de Arbenz, na Cuba de Castro e no Chile de Allen­
de. Vietnã, Cambodja e Laos foram talvez as mais trágicas profecias que
se auto-realizaram dos EUA. A predição de um domínio comunista foi vir­
tualmente garantida pela intervenção cruel e violenta dos EUA. Uma vez
cumprida a profecia, seus perpetradores confirmam a extraordinária
exatidão de seu julgamento por terem previsto a causa e o efeito. A afir­
mação final, “Nós lhes avisamos sobre isso”, sempre oculta a seqüência,
“porque nós fizemos com que isso ocorresse”.
Líderes que afirmam que iniciarão mudanças raramente mudam
grande coisa. Eles simplesmente re-rotulam o velho com novas palavras
ou frases. Qualquer tentativa de uma mudança sócio-econômica e políti­
ca abrupta aciona inevitavelmente uma contra-reação. Mudanças reais,
ou o que é perceptivamente medido como uma mudança, ocorreram
constantemente com indivíduos, grupos e nações. Mas as variáveis extre­
mamente complexas da mudança social tornam-na totalrnente imprevisí­
vel, completamente acima de nossa capacidade de controlá-la, entendê-
la ou mesmo reconhecê-la conscientemente.
Por exemplo, a crítica ao comunismo não é uma luta contra o comu­
nismo. As palavras não podem levar à mudança. As palavras na verdade
podem tornar a mudança mais improvável. A crítica produz uma defesa
que de fato serve para fortalecer a decisão dos dissidentes. Considere­
mos, por um momento, os efeitos da retórica presidencial numa época
de sérias tensões mundiais.
Ronald Reagan, durante toda a sua carreira política, difamou a
URSS a cada oportunidade que teve. Num discurso muito citado de 1983
ele chamou a URSS de “o Império do Mal, o foco do mal em nosso tempo
(aludindo à popular fantasia cinematográfica Guerra nas Estrelas). Estão
nos dizendo que podemos sentar e negociar com este nosso inimigo, que
ambos os lados estão um pouco certos e um pouco errados. Como fazer
um acordo entre o bem e o mal? Como dizer a este inimigo que podemos
conciliar nossa fé em Deus com seu determinismo dialético (jargão filo­
sófico para aquilo que os soviéticos chamam de método científico)? Co-
276 *A ERA DA MANIPULAÇÃO

mo podemos fazer um acordo com homens que dizem que não temos al­
ma, que não há vida depois da morte e que Deus não existe?”
Numa demonstração do poder dos estereótipos na vida política dos
EUA, o ex-presidente Richard Nixon freqüentemente exortava, “Os co­
munistas são ratos! Quando você tenta matar um rato, deve saber atirar
bem! ” Tais declarações de Nixon e Reagan não têm nada a ver com o co­
munismo, mas têm muito aver com a credulidade do público americano,
para o qual eles falam.
Este tipo de retórica tem servido a muitos interesses políticos inter­
nos, entre eles o aumento dos impostos, as apropriações militares e des­
viar a opinião pública dos assuntos reais e significativos. Não estão entre
os de menos importância. Quando os 280 milhões de soviéticos ficaram
sabendo do discurso de Reagan — e a liderança soviética não é nada bur­
ra — eles se uniram a seu governo. A decisão de opor-se aos EUA foi for­
talecida. Tal retórica, que tem continuado por mais de meio século, na
verdade fortalece o comunismo e o poder da liderança soviética, e susten­
ta o perigoso status quo entre as duas nações.
Esta e outras fantasias de “quando-então-porque” similares pode­
riam ser exemplos bastante engraçados de auto-ilusão, não fosse o fato de
que pessoas morrem inutilmente a cada ano em razão disso. Durante
uma conversa sobre as SFPs com um diplomata de carreira, eu perguntei:
“Se temos conhecimento das SFPs, como nos deixamos ser manipulados
em tais situações?” Ele respondeu: “Simplesmente porque nós geralmen­
te ganhamos. Nós inventamos e controlamos as SFPs, e somos suficiente­
mente poderosos para colocá-las em movimento. Mesmo quando parece­
mos estar perdendo, estamos ganhando. Quando por exemplo pareceu
que Castro ganhava, ele estava realmente perdendo. Sua presença a qua­
renta milhas da costa da Flórida justificou a contínua escalada de apro­
priações econômicas e militares realizadas pelos EUA. Tais recursos nun­
ca seriam liberados pelo Congresso se Fidel Castro não existisse”. Sempre
aparece mais uma camada na “cebola” perceptiva.
Não é muito consolador saber que qualquer estudante de política
soviética pode descobrir uma grande safra de SFPs nas políticas interna e
externa da URSS da última metade do século. O que é assustador de fato
é perceber que os líderes mundiais não são mais sofisticados ou mesmo
esclarecidos sobre as SFPs do que qualquer homem ou mulher comuns.
SFPS DA MÍDIA DE PUBLICIDADE

Como fabricante dos sistemas de valores culturais, a mídia comercial pro­


grama a sociedade para um pesadelo de expectativas não realizadas e ir­
realizáveis, trágicas profecias que se auto-realizam e para uma miríade de
premissas que se autoconfirmam. Uma estimulação constante pela mani­
pulação sensorial desvaloriza, desumaniza e sexualiza mecanicamente
tudo que é vendido ou comprado. As profecias que se auto-realizam da
mídia são, no entanto, o oposto do que parecem ser. O lado oposto, ou
negativo, da expectativa, é realizado. Os anúncios falam pouco sobre os
anúncios ou as marcas. O ataque baseia-se nas descrições aduladoras,
condescendentes e idealizadas dos consumidores e do que o produto fez
por eles. Os consumidores são continuamente estereotipados como feli­
zes, realizados, bem-sucedidos, disponíveis e desejáveis sexualmente, in­
dependentes, jovens, esclarecidos e seguros emocionalmente — uma
mensagem lisonjeira. “Espelho, espelho meu, existe alguém no mundo
mais belo do que eu?”
A “Narcose de Narciso” {Narcisus Narcosis) foi a descrição que Mars­
hall McLuhan deu para o estupor induzido pela mídia, que faz o público
sentar-se sem pensar em frente ao televisor, projetando a si mesmo na te­
la de TV. Narciso foi o deus grego que apaixonou-se por seu reflexo num
espelho d’água. Ele acabou sendo destruído pela criatura sábia, nobre,
gentil, boa, honesta e bela que sorria amavelmente para ele através do re­
flexo. Nunca descobriu que estava apaixonado por si mesmo.
Os lugares-comuns autolisonjeiros da publicidade são uma constan­
te anestesia contra a intrusão da realidade na vida diária. A recompensa
implícita na causa-e-efeito das compras é uma vida saudável, bela e boa,
com inexauríveis oportunidades sexuais e abundantes fontes de gratifica­
ção sensual, retratadas pelos bem-pagos e idealizados modelos de suces­
so — as mais belas das pessoas. Infelizmente, para os desafortunados con­
sumidores estas recompensas são ou inexistentes ou inalcançáveis. A vida
real, como qualquer um pode muito bem percebê-la, nunca é assim tão
simples ou consistente. A modelo de seios grandes não pode ser sexual­
mente desfrutada ou obtidajunto com a graxa de sapatos que ela foi con­
tratada para anunciar. Se os consumidores fossem realmente capazes de
pensar por si mesmos, como eles acreditam fazer, evitariam qualquer pro-
278 «A ERA DA MANIPULAÇAO

duto exaltado por grandes glândulas mamárias como algo mentiroso. A


única indulgência sensual disponível numa ilustração de anúncio só po­
de ser uma fantasia masturbatória.
Alegria, amizades e uma aceitação social como um homem ou mu­
lher forte e independente não ocorrem magicamente com a compra de
uma cerveja light. O oposto exato está mais perto da realidade. A maioria
dos bebedores de cerveja, especialmente aqueles que encontramos nos
bares, são indivíduos solitários, dependentes e inseguros. Os modelos de
publicidade são pagos para que pareça que uma bebida ou um cigarro es­
tejam realçando sua consumada popularidade social. Estas fantasias ge­
ralmente são o oposto da realidade do consumidor. E por esta razão que
elas funcionam. Os anúncios prometem que se você comprar o produto
ele vai compensar suas deficiências. Indivíduos indecisos que caem na ar­
madilha dos anúncios freqüentemente são conformistas que buscam
constantemente a adulação fantasiosa e a aprovação que a conformidade
supostamente traz. Na próxima vez que surgir uma oportunidade, obser­
ve alguém revelar suas apreensões sociais e dependência com um cigarro
usado como escora social. Durante o período de suspensão do vício as clí­
nicas anti-tabagismo utilizam como reforço videoteipes mostrando os pa­
cientes fumando. Os pacientes acham estas fitas bastante perturbadoras
emocionalmente. Uma vez que o fumante percebe o que as outras pes­
soas já perceberam — o comportamento ansioso, dependente, nervoso,
e de sucção infantil envolvido no ato de fumar — torna-se mais fácil lar­
gar o hábito.
O papel estereotipado dos modelos de anúncios, filmes de cinema e
tevê ou rock — talvez imagens desejáveis na superfície — desintegra-se
num pesadelo de expectativas humanas inatingíveis quando examinado
de perto. A imagem da mídia é uma mentira, mas se não for examinada
com muito cuidado ela promete fantasias erotizadas muito mais encanta­
doras e entorpecedoras do que qualquer coisa disponível na realidade.
Os consumidores acabam descobrindo que suas fantasias são meros
exageros, mas culpam a si mesmos por suas deficiências. A boa vida nun­
ca se materializa, mesmo após infinitas compras e lealdade a um produ­
to. A promessa não cumprida deve então ser interiorizada. Os consumi­
dores adquirem aos poucos a autopercepção de perdedores. Preso pela
armadilha das síndromes dos impulsos consumistas, o consumidor bem
PROFECIAS QUE SE AU T Q - RE A LI Z A M • 279

treinado vai comprar algo quando estiver deprimido, frustrado, nervoso,


rejeitado, solitário e aborrecido, pois foi justamente treinado à exaustão
para lidar com os problemas de ajustamento emocional mediante o con­
sumo. Mas as expectativas promovidas pelos anúncios nunca se realizam.
No melhor dos casos, causam um breve período de alívio. Os efeitos tor­
nam-se indistinguíveis das causas — novamente a cobra morde seu rabo.
O consumidor bem integrado percebe um mundo onde todas as pessoas
podem tirar o máximo. Isto é, todas as pessoas menos o leal, generoso,
confiante e obediente consumidor, que foi metamorfoseado numa má­
quina de comprar. Um outro produto ou marca são experimentados, um
outro amante é escolhido, um outro grupo social é descoberto, um novo
corte de cabelo experimentado, um novo emprego encontrado, uma ou­
tra casa é comprada, uma outra fantasia perseguida, e um outro, uma ou­
tra, um outro... As percepções da realidade desvanecem-se e se sobre-
põem-se uma às outras mais e mais nas fantasias da mídia.
As falsas expectativas garantem a frustração e o fracasso final — o
exato oposto daquilo que a mídia apresenta. Para o anunciante, consu­
midores realizados são indesejáveis. Os consumidores satisfeitos podem
afastar-se, desengajar-se do sistema, parar de comprar.

O SÍSIFO DO SÉCULO XX

O consumidor vai se transformando aos poucos num Sísifo moderno, trei­


nado a empurrar a pesada pedra da esperança em busca de uma identida­
de, um objetivo, aceitação, felicidade e realização, até o topo de uma ín­
greme colina. Então a pedra rola, mais uma vez, para baixo. O consumi­
dor a empurra novamente para o topo: de novo, de novo e de novo, até o
fim. O lema de uma sociedade de consumo é “Consumo, logo existo!” As
expectativas lançadas pela publicidade, que levam às profecias que se au-
to-realizam, enfatizam as fraquezas e defeitos que os indivíduos percebem
em si mesmos. Uma auto-avaliação negativa é constantemente reforçada.
O consumidor evolui de um perdedor para um superperdedor.
A dependência à droga e ao álcool tem suas raízes nos anúncios. Por
quase um século, a população norte-americana foi educada pelos anún­
cios a buscar soluções químicas para seus problemas de ajustamento
280 *A ERA DA MANIPULAÇAO

emocional. Bebidas, cigarros, remédios, entorpecentes — todos servem


ao mesmo objetivo. Não há razão, ensinam os anúncios, para sentirmos o
menor desconforto, depressão ou dor. Seja feliz, bem ajustado, sempre
otimista, tranqüilo, seguro, aceito socialmente e amado — no topo do
mundo. Se você não puder chegar lá com o álcool, tente o cigarro, ou es­
colha analgésicos, antidepressivos, tranqüilizantes ou pílulas da felicida­
de de inúmeros tipos. Há uma bebida ou um comprimido para cada pe­
queno ou grande sintoma. Uma vez integrado, você não precisa do sinto­
ma, apenas da expectativa do sintoma. Os anúncios introduzem, raciona­
lizam, aprovam e autorizam o consumo de drogas químicas em um nível
aterrorizador. E um negócio muito lucrativo, exceto para os usuários —
muito dos quais acabam se tornando viciados.
Durante o último século, todo governo americano tem tomado, ao
menos em palavras, uma posição firme contra o uso de drogas. E algo
comparável a ser contra o pecado, o abuso de crianças e fraudes contra o
bem-estar. As drogas legais, este lucrativo negócio, são ignoradas. A dis­
tinção entre legal e ilegal é outra das ficções perceptivas, mas é uma boa
fonte dè votos. Nos níveis perceptivos inconscientes, onde os anúncios
têm seu impacto mais poderoso, os consumidores são bombardeados pe­
la propaganda sobre a boa vida que podem obter através das drogas quí­
micas. Os benefícios percebidos no produto, e não as distinções legais,
são o que motiva e captura os consumidores. Enquanto os fabricantes e os
políticos fazem jogos sobre a legalidade, os anúncios tornam os consumi­
dores dóceis para que aceitem e integrem o consumo de drogas químicas
na cultura norte-americana.
Enquanto o consumo de drogas legais — álcool, tabaco e produtos
farmacêuticos — proliferou na última metade desde século, o mesmo
ocorreu com as drogas ilegais: maconha, heroína, LSD e, mais recente­
mente, cocaína e crack. Estima-se que o consumo atual de drogas ilegais
nos EUA movimente um comércio de 220 milhões de dólares diários, se­
gundo o National Institute of Health. E curioso que nenhuma figura pú­
blica tenha notado o aumento paralelo das drogas legais e ilegais. As dis­
tinções jurídicas não têm nada a ver com as distinções psicológicas. O de­
sejo de morte é constantemente manipulado em nível subliminar pelos
anúncios de álcool, cigarro e produtos farmacêuticos. A simples designa­
ção de ilegal proporciona um poderoso apelo ao consumo para muitos
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «281

indivíduos. O consumo ilegal é percebido romanticamente como um ato


de liberação às restrições impostas, de desafio à autoridade. Em 1986, ha­
via uma estimativa de 4 milhões de viciados em cocaína, com 5 mil novos
usuários acrescentados diariamente à população.
O anúncio “What’s News” do Chivas Regal foi publicado por mais de
cinco anos em várias revistas — Time, U.S. News & World Report, Newsweek,
Business Week etc. (fig. 27) — a um custo estimado entre 4 e 5 milhões de
dólares por espaço. Com o texto “Você pode pensar em algo que dê me­
lhor retorno ao seu investimento?”, o objetivo do anúncio era introduzir
o Chivas Regal como um complemento aos negócios, que supostamente
são em grande parte realizados com o acompanhamento de uísque. O re­
torno de seu investimento em tempo, esforço e lazer será ampliado com
o Chivas Regal, um uisque escocês envelhecido doze anos. A profecia im­
plícita é sucesso, dinheiro, poder — os objetivos aprovados dos negócios.
Quem poderia argumentar contra a lógica, veracidade e bom senso de tal
anúncio, mesmo quando colocado num contexto de frívolos apelos à sen­
sualidade, indulgência e às distrações superficiais? Os bebedores de Chi­
vas são líderes que apreciam o melhor. Beber scotch aplaina a subida ao
topo, ajuda a garantir o sucesso. A profecia parece clara, pelo menos em
um nível da percepção.
O Wall StreetJournal, com sua característica coluna da primeira pá­
gina, What’s News? é um ícone dos negócios. A garrafa de Chivas ao lado
do jornal está aberta e não totalrnente cheia. Presumivelmente, o uísque
sobre os cubos de gelo acabou de ser despejado. Curiosamente, a répli­
ca pintada do jornal, não a coisa real, está com as palavras indistintas, co­
mo se fora de foco. Com exceção das palavras Business and Finance e Wor­
ld, as letras são obscuras. No entanto, leve um momento para observar a
imagem do jornal. Veja se pode ler alguma outra palavra.
A palavra vagabundas pode ser percebida na terceira linha da man­
chete na coluna da esquerda. Parte de um parágrafo na coluna esquerda
é distinto e legível, outra parte é indecifrável. Uma palavra sobressai no
texto, excomunhão. Estas palavras parecem, a princípio, isoladas e irrele­
vantes, mas elas foram cuidadosamente desenhadas na réplica do jornal.
As palavras nunca seriam conscientemente percebidas pelo leitor. In­
conscientemente, no entanto, até mesmo o menor e mais imperceptível
dos detalhes pode ser muito importante.
282 -A ERA DA MANIPULAÇAO

Várias caveiras estão pintadas obscuramente nos cubos de gelo e no


copo. Uma está à esquerda, no meio do copo, distorcida anamorficamen-
te (fig. 53). Outra caveira aparece de cabeça para baixo, sob a superfície
do líquido, logo a esquerda do centro. Caveiras e outras imagens ligadas
à morte são comuns nos anúncios de bebidas alcoólicas. Elas apelam ao
desejo de morte.
Logo à esquerda da caveira anamórfica, aparece uma figura de pé,
vestida com um manto e usando um chapéu em ponta (fig. 54). Poucas
pessoas usam este tipo de chapéu — só os bispos católicos, os cardeais e o
Papa. Uma mulher aparece ajoelhada em frente à figura. Os cabelos lon­
gos rodeiam sua face, seus ombros estão nus, como se o vestido tivesse es­
corregado. A cintura do vestido aparece acima da saia rodada. O braço di­
reito da mulher está projetado para frente e seu antebraço está ligeira­
mente elevado. Parece que ela está segurando algo com sua mão direita,
voltado para sua boca aberta.
Fellatio com o Papa num cubo de gelo: uma estratégia subliminar bi­
zarra para manipular os consumidores a comprarem o Chivas Regal. A
maioria dos leitores achará a obscenidade enxertada perturbadora, para
dizer o mínimo. Considerando o tipo de mundo que foi construído em
nome dos empreendimentos desenfreados, com cada vizinhança se ga­
bando de sua assim chamada “livraria para adultos”, a felação no cubo de
gelo pode ter se tornado uma expectativa normal.
Uma surpresa adicional aparece no whisky on lhe rocks. Logo à direi­
ta aparece uma versão familiar do Cristo (fig. 55), observando paciente­
mente a ação no cubo de gelo ao lado.
Embora bastante pequenas em proporção à garrafa e ao copo, e
imperceptivelmente colocadas, estas imagens serão percebidas instan­
taneamente em nível inconsciente por qualquer pessoa que olhar mes­
mo que de relance para o anúncio. Em nenhum ponto do processo per­
ceptivo o significado e a mensagem poderiam emergir para a percep­
ção consciente. As representações obscenas e tabus têm um efeito in­
consciente poderoso e duradouro naqueles que percebem o anúncio
por um instante que seja. Este anúncio teria um efeito motivador mais
poderoso sobre os indivíduos com grandes inibições em relação ao se­
xo, conjugadas a convicções religiosas conservadoras. As duas perspec­
tivas em geral andam juntas.
PROFECIAS QUE SE A U T O - RE A LI Z AM * 283

O nome verdadeiro deste jogo é obviamente indulgência sensual, a


recompensa do sucesso tanto nos negócios como no uísque de qualida­
de. O scotch fornece um transporte para os “excomungados” e as “vaga­
bundas” mencionadas no Wall Street Journal. O mundo tabu do sexo, da
morte, da figura de Cristo, das caveiras e da autodestruição é um fim pa­
ra a hipocrisia e o conflitante sistema de valores da vida moderna. Se
acontece de o homem de negócios estar caminhando neste sentido, co­
mo muitos parecem fazer, Chivas Regal — como o anúncio sugere — é o
caminho. Chivas leva até lá!
Em um nível, a estrada convencional para o sucesso: trabalho, preo­
cupação com negócios e finanças. Noutro nível, indulgência autodestru-
tiva e levada pela culpa, que invariavelmente destrói o sucesso ou a reali­
zação. Qualquer pessoa no mundo dos negócios, das finanças, no gover­
no ou nas profissões liberais que é vista como um bebedor aciona o sinal
de alerta nas cabeças de seus pares e superiores. Ao contrário das repre­
sentações enganosas, o alcoólatra é percebido como um patético perde­
dor e não como um grande sujeito.
As noções simplistas de causa e efeito, quando os homens crêem ne­
las, levam às profecias que se auto-realizam. Uma vez estabelecida a SFP, ela
adquire vida própria, cria sua própria realidade, que não teria sido desen­
volvida sem os pressupostos de causa e efeito iniciais. As expectativas da SFP
freqüentemente fazem surgir o que foi mais temido e antecipado. O mate­
mático Nigel Howard oferece uma contra-estratégia às SFPs: se uma pessoa
toma consciência de uma teoria em relação a seu comportamento, ela não
está mais presa por esta teoria. Ela está livre para desobedecer. A melhor
das teorias é impotente frente a sua antiteoria.
Capítulo dez

O AUTO-LOGRADO MUNDO DA
OBJETIVIDADE
Um mundo verdadeiramente objetivo, totalrnente destituído de toda
subjetividade, não poderia ser—por esta mesma razão — observável.
Werner Heizsenberg, prêmio Nobel de Física

Qualquerforma de duplo sentido recorda-nos que as palavras, assim como as


pessoas, podem ter significados ocultos, que apropria linguagem que usamos
para nos comunicar com os outros não é sempre totalrnente “sincera ”. A
sinceridade na verdade serve para ocultar ironia, explicações incompletas, s
agacidade e enganação.
Martin Evans, America: The Viewfrom Europe

O grande inimigo da verdade não é a mentira: deliberada, tramada e desones­


ta, — mas o mito: persistente, persuasivo e realista. Muito freqüentementefi­
camos enganchados nos clichês de nossos antepassados.
John Fitzgerald Kennedy, discurso de formatura da Yale, 1962

Muito do que é conhecido sobre a comunicação humana foi aprendido


nas clínicas psiquiátricas e psicológicas. O sintoma mais comum das de­
sordens mentais conhecidas é a diminuição da capacidade de utilizar a
linguagem corretamente. Como acontece com outros sistemas, a lingua­
gem revela-se mais profundamente através de suas disfunções do que de
seu uso mais ou menos normal. Na verdade, os comportamentos em rela­
ção à linguagem percebidos como normais podem ser bastante anormais
em termos de sobrevivência e ajustamento.
Para entendermos a nós mesmos, devemos de alguma forma en­
tender os outros. Mas, para compreender os outros, devemos primeiro
aprender a entender a nós mesmos. A compreensão só pode ser alcan­
çada através da linguagem. E claro que esta lei da comunicação é um pa­
radoxo, um Ouroborus. Muito, talvez a maior parte, de nossa lingua­
gem verbal e não verbal funciona sem a nossa percepção consciente.
Mesmo as atitudes mais sutis e diminutas comunicam informações que
definem e modificam certas relações. Os homens são muito mais sensí­
veis em nível perceptivo do que eles querem acreditar ser. Informações
importantes são constantemente trocadas, num processo do qual nem
o emissor nem o receptor têm consciência. Com freqüência existe um
desejo inconsciente de excluir ou não lidar com o que está realmente
acontecendo.
288 -A ERA DA MANIPULAÇAO

Os homens podem sentir ou pressentir, agir ou reagir, sem as pala­


vras. O pensamento, no entanto, requer uma linguagem verbal ou mate­
mática, com sintaxe, estrutura, definições, significados declarados e im­
plícitos. Tudo isto é percebido tanto em nível consciente quanto incons­
ciente. Para tornar o processo ainda mais complexo, não existe nenhum
sistema universal de linguagem, um sistema simples através do qual qual­
quer pessoa possa se fazer entender. As linguagens estão emaranhadas
com os sistemas culturais nos quais elas se desenvolveram. Todas têm si­
milaridades, assim como diferenças. O estudo de qualquer sistema lin-
güístico-cultural é uma tarefa formidável.
Descobrir o que está acontecendo num dado momento em um sis­
tema de linguagem, especialmente aquele em que você participa, é extre­
mamente difícil. Os observadores nunca podem ser isolados de suas ob­
servações. Os homens são uma parte daquilo que percebem, abstraem na
linguagem e comunicam aos outros. A relação entre a linguagem e as rea­
lidades que a linguagem tenta descrever — tanto quanto ela pode ou não
ser percebida conscientemente — é mais uma questão de mais ou menos
do que um ou outro.
Além disso, os homens vivem à mercê de influências das quais não
têm consciência e sobre as quais não têm nenhum controle, mas que afe­
tam profundamente suas atitudes e seus destinos. Embora algumas pes­
soas possam manejar as relações com mais sensibilidade do que outras,
sempre existirão mais coisas que são desconhecidas e incognoscíveis do
que aquelas que são seletivamente percebidas como conhecidas. Não
obstante o quando cautelosos possam ser, os homens influenciam os ou­
tros e são influenciados por estratégias e motivações inconscientes que
seriam inaceitáveis se fossem consideradas conscientemente.
A ilusão humana mais destrutiva e perigosa é a presunção de objeti­
vidade — uma realidade, uma verdade, uma perspectiva através da qual o mun­
do deve ser percebido. As percepções individuais da realidade têm simila­
ridades e diferenças. Mesmo assim estas variações são lingüisticamente ig­
noradas, suavizadas e fundidas numa ilusão simplista. Os mitos da objeti­
vidade tornam-se ainda mais ameaçadores quando ligados ao zelo ideoló­
gico que exige que o mundo seja esclarecido seja este esclarecimento de­
sejado ou não. A objetividade é um mito tanto na ciência quanto na vida
diária, uma fantasia que freqüentemente controla as relações cotidianas.
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE * 289

Preconceitos inconscientes, crenças tradicionais e pressupostos tácitos


influenciam fortemente as percepções e as decisões. Os preconceitos tor­
nam-se críticos quando as pessoas convencem a si mesmas que são comple­
tamente objetivas e que descobriram a “verdade absoluta”. A presunção de
objetividade enreda o indivíduo em preconceitos desconhecidos e incog­
noscíveis, dos quais, uma vez que se está preso, é difícil libertar-se. As conclu­
sões alcançadas através da ignorância, cegueira ou indiferença aos proces­
sos perceptivos deveriam assustar qualquer pessoa. Na prática, no entanto,
as fantasias preconceituosas, as ilusões e as mitologias são freqüentemente
aceitas popularmente de forma compulsiva como sendo a coisa real.
As ilusões podem ser altamente contagiosas. Uma vez que uma ex­
plicação vinda de fonte de alta credibilidade é aceita, as informações con­
trárias geralmente produzem explicações defensivas e racionalizadas do
mito. Tais explicações tornam-se parte das conjecturas autolacradas, encon­
tradas nas posturas ideológicas, religiosas ou políticas extremistas ou fa­
náticas. Elas são pressupostos que não podem ser refutados. As refutações
serão ou ignoradas ou rejeitadas. As conjecturas baseadas em fantasias
tornam-se superstições pseudocientíficas que podem levar indivíduos ou
grupos a comportamentos neuróticos ou mesmo psicóticos. As conjectu­
ras irrefutáveis têm sido responsáveis por uma enorme variedade de tra­
gédias, atrocidades e catástrofes no decorrer da história do mundo. As
premissas autolacradas levam a certezas absolutas em questões tais como
a superioridade ou inferioridade racial, as mentiras ideológicas e as vi­
sões preconceituosas em relação a comunistas, capitalistas, judeus, mu­
lheres, católicos, presbiterianos, ateus, homossexuais, feiticeiras e outras
pessoas percebidas como divergentes em dada cultura. Em vários mo­
mentos as sociedades têm considerado tragicamente estas construções
perceptivas preconceituosas como algo são, não obstante elas levem fre-
qüenteménte a atitudes insanas.

Armadilhas ideológicas

Quando os indivíduos ou grupos comprometem-se com premissas auto­


lacradas são compelidos a resistir, freqüentemente com ferocidade, à
contra-informação. Eles atacam compulsivamente seus críticos. As solu­
290 «A ERA DA MANIPULAÇAO

ções simples aos problemas complexos encontradas pelo ideólogo mili­


tante foram alcançadas ao custo de expectativas frustradas e/ou ansieda­
de. O investimento psicológico na premissa é bastante alto. O risco de
que estas soluções sejam comprometidas, sacrificadas ou modificadas tor­
na-se uma ameaça à auto-estima, ao prestígio social e até mesmo à identi­
dade. Uma profecia que se auto-realiza, predita a partir de uma ilusão de
causa-e-efeito perceptivamente fixa, foi acionada. A estrutura toda é uma
fantasia perceptiva, uma construção que tem muito pouco a ver com a
percepção voltada para a realidade. A premissa autolacrada surge fre­
qüentemente como um sintoma precoce de algum distúrbio emocional.
Isto descreve, por exemplo, o que tem ocorrido por décadas entre os
EUA e a URSS. Os adversários estão presos em profecias autolacradas e que
se auto-realizam e, mais cedo ou mais tarde, provavelmente destruirão a ci­
vilização mundial.
A mídia de publicidade cria incessantemente investimentos comer­
ciais viáveis aos anunciantes que, a seu turno, criam mundos de fantasia
nos quais as populações emergem como aquilo que foram persuadidas a
acreditar que gostariam de perceber em si mesmas. Para otimizar os re­
tornos dos investimentos em marketing, as sociedades são divididas e sub­
dividas em categorias demográficas e psicográficas, cada uma criando
mercados separadamente ou em combinações. O processo cria um modo
tribal de autopercepção e comportamento. A percepção que a sociedade
tem de si mesma polariza o que é in e o que é out— eles são a favor ou con­
tra nós, amigos ou inimigos, morais ou imorais. A peça é apresentada dia­
riamente no rádio, na TV, nos jornais e nas revistas. A tribo recusa-se a to­
mar parte em metas que reflitam objetivos comuns ou mútuos. A tribo te­
merosa pode, por exemplo, tornar-se cada vez mais resistente aos apelos
para um controle do crescimento populacional. Ela pode inclusive cor­
rer para tornar-se mais populosa do que outras sociedades.
O mecanismo é atualmente aparente nas campanhas anti-aborto
mascaradas de cruzada da moralidade. As crenças anti-aborto não estão
em questão; elas são apenas a fachada das manifestações. As pessoas que
protestam estão curiosamente alinhadas com um espectro de questões:
fanatismo religioso, anticomunismo, e a sensação de estarem sendo
ameaçadas por fora. Elas representam uma pequena minoria na popula­
ção dos EUA.
O AUTQ-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE *29 1

A tribo procura tipicamente controlar recursos internos e exter­


nos politicamente, militarmente ou diplomaticamente. Ajustiça e a li­
berdade diminuem quando o medo de intrusos ou hereges se intensi­
fica ou é perceptivamente intensificado pela mídia. As ameaças, reais
ou fantasiosas, fortalecem a identidade do grupo. A tribo mobiliza
seus recursos para a ação. A xenofobia torna-se uma virtude política.
Os não-conformistas dentro da tribo são punidos ou restringidos mais
severamente.
A terrível história das civilizações mundiais, nenhuma das quais es­
capou da extinção final, proporciona uma crônica assustadora do pro­
cesso tribal. Cedo ou tarde a tribo vai à guerra, freqüentemente de for­
ma desastrosa tanto para o vencedor quanto para o vencido. Nenhuma
nação ou sociedade jamais foi imune ao processo. O comportamento tri­
bal deve ser uma predisposição humana inconsciente, herdada biologi­
camente. Os envolvidos, no entanto, raramente descobrem consciente­
mente o que está sendo feito a eles ou o que estão fazendo a si mesmos e
aos outros.
As percepções cotidianas da realidade, que sustentam as perspecti­
vas culturais tradicionais, são apenas construções perceptivas — ilusões
que devem ser continuamente escoradas e fortalecidas. Uma porção
substancial da energia diária deve ser devotada a este fim. As premissas
autolacradas, se elas devem ser sustentadas, geralmente exigem que os fa­
tos sejam adaptados para se encaixarem com as percepções à realidade,
ao invés de ocorrer o inverso.
Por exemplo, ser anti-URSS é ser pró-EUA nos Estados Unidos, e vi­
ce-versa na União Soviética. Todas as nações que estão no meio das duas
também são presas pelo sistema. Se você não está conosco, é contra nós.
Tais construções geralmente são criadas por pessoas espertas que sabem
mais coisas, para serem ditas às pessoas ingênuas que não sabem muito.
Elas são simplesmente uma técnica de manipulação de massas. Você não
pode confiar na URSS, nos EUA e em qualquer um não comprometido
com um ou outro. Os golpes soviéticos competem incessantemente com
os golpes norte-americanos ou vice-versa. Nunca se esqueça do vice-versa.
Todas as fantasias verbais são reversíveis, intercambiáveis e reforçam-se
mutuamente. Elas são também nonsenses absolutamente infantis — mui­
to embora mortais.
292 *A ERA DA MANIPULAÇÃO

O CAÇA-NÍQUEIS AMISTOSO

O jogador de caça-níqueis é um outro exemplo de alguém adaptando os


fatos para que se encaixem nas percepções da realidade, um mecanismo
do comportamento comum à maioria dos indivíduos, grupos e mesmo
nações. O mecanismo tem uma origem antiga e desconhecida na evolu­
ção humana, e pode ser parte da herança genética humana.
Os caça-níqueis não podem ser vencidos. Eles são artifícios mecâni­
cos elétricos impessoais e inexaustíveis, que operam estritamente em ter­
mos de probabilidade estatística. A indústria dos jogos de cassino, através
de inteligentes manipulações da mídia, perpetua a fantasia de que “qual­
quer um pode ganhar”. Só se requer sorte. Sorte, como qualquer pessoa
familiar à indústria dos jogos sabe, é para os perdedores! Os fatos empíri­
cos e estatísticos sobre os caça-níqueis estão bem escondidos. A chance es­
tatística de um indivíduo sair do cassino ganhando é uma pequena fração
de 1%. Nenhum jogador profissional aceitaria uma vantagem tão grande
contra a sua vitória. Os cassinos não apostam. Numa aposta, os resultados
são indeterminados. Num cassino os resultados são sempre certos, sem­
pre os mesmos. Os cassinos sabem exatamente o que estão fazendo. Os
clientes iludidos e sem sorte realmente pagam para perder. A única ques­
tão num cassino é a quantidade de tempo necessária.
Sob uma intensa expectativa de ganhar controlada pela mídia, o jo­
gador de cáça-níqueis começa a perceber padrões nos desenhos de frutas
dos mostradores. Parece haver padrões regulares nas aproximações de vi­
tórias, freqüências combinatórias entre as cerejas, as laranjas, os limões e
as barras. A fantasia perceptiva é bastante parecida com aquela das pom­
bas loucas do dr. Skinner. As aproximações de vitórias tornam-se tão re-
compensadoras quanto as vitórias reais, que devolvem moedas. Os joga­
dores constroem estes padrões perceptivamente, inventam-nos, fazem
uma projeção fantasiosa de seus significados. Para encorajar e reforçar o
processo, os novos caça-níqueis incluem melodias eletrônicas, recom­
pensas simbólicas que tocam quando certas aproximações de vitórias
ocorrem. As melodias reforçam ou sugestionam as percepções fantasio­
sas — como o riso eletrônico das comédias de televisão. Quando ocorre
uma das raras vitórias de verdade, o jingle eletrônico torna-se uma virtual
sinfonia.
Q AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE • 293

O caça-níqueis é a máquina de fazer dinheiro elementar. Curiosa­


mente, elas são vistas pòr suas vítimas como adversários leais, objetivos e
até mesmo amistosos. Alguns jogadores personalizam as máquinas nas
quais enfiam seu dinheiro com nomes ou atributos humanos. As proje­
ções antropomórficas são encorajadas pelos anúncios dos cassinos. Um
grande cartaz da Reno jacta-se: “Os caça-níqueis mais quentes do Oes­
te!” Um atraente modelo foi colocado sobre a mesa ao lado do caça-ní­
queis com as pernas sugestivamente abertas e sua área genital exposta.
Sistemas sociais, políticos e econômicos inteiros são do mesmo mo­
do organizados a partir do sistema de recompensar a aproximação de vi­
tória. Vendedores, executivos de publicidade, políticos e outros que têm
algo para vender, freqüentemente programam estes sistemas de recom­
pensa, que funcionam como a cenoura pendurada na vara que faz com
que o asno (o perdedor) continue andando. Onde quer que as recom­
pensas sejam raras, os objetivos dos administradores concentram-se em
manter os jogadores na partida.
A inteligência militar é programada de forma semelhante. Nós os
observadores observando-nos a observá-los tentando controlar as cere­
jas, limões e laranjas que eles esperam que nos pareçam informações
reais. Eles, a seu turno, nos observam observando-os observarem-nos ten­
tando controlar as cerejas, limões e laranjas que esperamos que lhes pare­
çam informações reais. Enquanto isso, os dois lados pulam de um lado
para outro como as pombas de Skinner: as ações absurdas de um lado pa­
ra as reações absurdas do outro. O problema extremamente perigoso
deste jogo tolo é o fruto conhecido, desconhecido e incognoscível que
sempre vem à tona. Cada lado sacode a sua fruta para lograr o outro, e
acaba logrando a si mesmo. As pessoas que levam a CIA e a KGB a sério,
provavelmente também acreditam que podem ganhar em Las Vegas, que
coca-cola é “o que é” e que Wheaties é “o café-da-manhã dos campeões”.
No caça-níqueis, os padrões de frutas e barras são totalrnente aleató­
rios e sem sentido. As máquinas simplesmente seguem suas regras estatis­
ticamente programadas. Qualquer coisa a mais percebida sobre um caça-
níquel é pura fantasia. Entre os jogadores compulsivos — o jogo é alta­
mente viciante — as máquinas parecem possuir vida interior e funcionar
com uma previsível regularidade. Estes indivíduos, comprometidos por
premissas autolacradas às quais chegaram com um grande custo em an-
294 »A ERA DA MANIPULAÇAO

siedade e expectativas, não podem ser persuadidos do contrário. Suas


convicções autolacradas são suficientemente recompensadas por recom­
pensas reais ou simbólicas, apenas o suficiente para mantê-los jogando.
Recompensas reais em dinheiro são, não obstante, apenas minúsculas
porções do investimento do jogador.
A necessidade de buscar consciente e inconscientemente padrões
de causa-e-efeito e regularidades dentro do meio perceptivo jaz fundo no
mecanismo e na química do cérebro. Os indivíduos, inconscientes da in­
finita variedade de opções ou realidades perceptivas que estão sempre
disponíveis, assumem que há apenas uma realidade, uma causa, uma in­
terpretação, uma opção, um objetivo, imrumo de ação. Suas premissas la­
cradas geralmente são apoiadas por outras pessoas presas na mesma ar­
madilha.
Qualquer pessoa que apresentar opções alternativas corre o risco
de ser considerada danosa, insana ou subversiva. E quase impossível ex­
plicar a um jogador viciado como um caça-níqueis funciona. Sua expli­
cação, não importa o quão bem intencionada, provocará uma agressivi­
dade defensiva.
Parece virtualmente impossível convencer um burocrata do gover­
no de que o único meio de vencer a perigosa batalha entre o comunismo
e o capitalismo — uma batalha perceptiva construída para obtenção de
poder e lucro — é simplesmente não jogar o jogo. Esta conclusão rear-
ranjaria drasticamente as estruturas de poder e lucro de ambos os lados.
O conflito persiste porque certos grupos dos dois lados servem-se dele. As
razões conscientemente percebidas, ou alegadas, não têm nada a ver com
o que realmente está acontecendo.
No curso de mais de trezentos projetos de pesquisa que este autor
coordenou para empresas privadas e para governos, tornou-se aparente
que a solução de problemas raramente era uma tarefa simples e objetiva.
A noção de que a “verdade” resolvia os problemas era extremamente in­
gênua. As instituições contratavam caros consultores e especialistas em
pesquisas para confirmar ou rejeitar decisões, perspectivas e realidadesjá
aparentes. Muitas instituições aceitarão a falência e mesmo a aniquilação
antes de concordarem em reconceitualizar seus dilemas e paradoxos.
Durante as crises de empresas, este autor geralmente tentava fornecer
pelo menos três — preferivelmente mais — soluções alternativas para ca­
O AUTQ-LQGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE « 295

da problema sob estudo, cada uma das quais igualmente construtiva e


aplicável. Uma quarta opção geralmente era acrescentada às três básicas
sem custo adicional: “Não faça nada! Permita que o problema, ou a per­
cepção do problema, trabalhe por si mesmo”. A quarta opção nunca foi
aceitável. Raramente era uma opção que alguém quisesse bancar, mesmo
que pudesse resolver o dilema. Os administradores insistiam compulsiva-
mente nas soluções corretas e mais lucrativas. Tais conclusões perceptivas
simplistas continuam sendo responsáveis por inúmeras falências nos ne­
gócios, nas indústrias e nos governos de todo o mundo.
Uma estrutura ou um padrão percebido torna-se facilmente uma
ilusão que se auto-reforça. Uma vez que uma premissa aparentemente ra­
cional e “científica” é aceita, as ilusões se seguem através das deduções ló­
gicas. A premissa autolacrada freqüentemente passa a ter vida própria.
No entanto, em temos de realidade, ou de percepções voltadas para a rea­
lidade, geralmente não é a verdade ou falsidade de uma ilusão que é im­
portante; a ilusão tem sucesso por causa de sua mera existência ou recom­
pensas aparentes.
Para se manipular a realidade em favor de um objetivo, a simples
suspeita sobre a validade de uma alternativa geralmente já é poderosa o
suficiente. Na competição da mídia por consumidores ou na competição
dos candidatos políticos por eleitores, um grande esforço é empregado
para criar-se suspeitas críveis em relação aos oponentes. Até mesmo a mí­
nima dúvida, uma vez estabelecida, pode expandir-se eficazmente. Uma
grande mentira, é claro, realimenta outra grande mentira. A manipula­
ção da realidade é uma indústria em grande crescimento. A evidência fac­
tual é geralmente desnecessária e com freqüência indesejável. Quanto
mais exagerada for a história, mais crível ela pode se tornar se for legiti­
mada apropriadamente. As percepções voltadas para os fatos tornam-se
massa de modelar nas mãos de qualquer pessoa que entenda as vulnera-
bilidades perceptivas e saiba como explorá-las.
As pessoas em geral não acreditam que possam ser tão facilmente
manipuladas e controladas. E precisamente por isso que elas são tão fá­
ceis de manipular e controlar.
Os sistemas culturais e ideológicos são construídos como os caça-ní­
queis dos cassinos. Uma vez estabelecida, a convicção de que os membros
têm livre escolha e vontade torna-os ainda menos conscientes das contradi-
296 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

çÔes, qualificações e paradoxos. Uma substancial maioria dos cidadãos,


tanto nos EUA quanto na URSS, por exemplo, acredita que suas socieda­
des são livres, democráticas e preocupadas com os direitos humanos. A
questão é em si mesma um artifício de condicionamento, muito embora se­
ja um completo nonsense em qualquer percepção voltada para a realidade.
As duas sociedades ignoram ou observam os direitos humanos quando fa­
zer isto serve a algum objetivo interno ou externo. A questão é um proble­
ma de mais ou menos e não ou um ou outro. Um conjunto completo de fa­
tos pode ser gerado para tornar válida ou desacreditar a visão de qualquer
uma das duas sociedades. Mesmo assim, cada lado acredita com fervor re­
ligioso que o seu mundo é superior. A discussão é comparável a de dois ga­
rotos discutindo quem tem o pênis maior e finalmente se a comparação se­
rá feita no estado flácido, tumescente ou em algo intermediário.

A REALIDADE É UMA DRAGA

A história humana revela uma perturbadora inabilidade dos homens pa­


ra lidarem com as percepções voltadas para a realidade — para com­
preenderem os dados empíricos, a natureza retórica das questões e a
complexa rede de motivos conscientes e inconscientes subjacentes às
discussões.
Parece muito mais fácil para os homens fantasiar e projetar a res­
ponsabilidade das decisões em algum princípio místico, alguma ideolo­
gia, no destino, em algum poder mf ..afísico secreto, em Deus, em um pro­
feta de Deus ou em algum líder onisciente e carismático. Os homens ra­
ramente consideram que a sorte ou a probabilidade, em conjunto com
um punhado de necessidade humanas básicas e os recursos sempre limi­
tados controlados pela elite no poder, guiam os destinos do mundo, sem­
pre fizeram isso durante a história e provavelmente continuarão a fazê-lo
num futuro previsível. A moralidade e a justiça geralmente dependem
mais do poder para serem postas em prática do que do discurso intelec­
tual, e o mesmo acontece com as realidades perceptivas.
Como já foi exposto, as realidades perceptivas parecem ocorrer em
pelo menos três níveis: macro, micro e submicro. Em cada nível, as percep­
ções podem ser medidas e verificadas por escalas, aferições, esquemas, re­
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE * 297

lações matemáticas, todas mais ou menos padronizadas e com um acordo


consciente sobre estes padrões. As propriedades físicas e biológicas po­
dem ser estabelecidas através de provas ou refutações experimentais, re-
petíveis e verificáveis. Muito poucos problemas entre os homens não po­
dem ser resolvidos neste nível de percepção da realidade voltada para os
fatos. Os pesadelos na comunicação humana surgem da incapacidade de
acordo em relação aos significados, valores, avaliações perspectivas, sínte­
ses e análises. As regras são completamente arbritrárias. A fantasia de
uma verdade eterna aparece com freqüência. Discussões absurdas sur­
gem sobre o que realmente ée não ée, uma vez solucionadas verbalmen­
te, uma premissa auto-lacrada assume o comando.
O dilema da objetividade humana tem sido freqüentemente retrata­
do pelas artes. O excelente Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrel,
conta a estória de uma exótica mulher do Oriente Médio a partir das rea­
lidades perceptivas singulares, e bastante diferentes entre si, de seu aman­
te, de seu marido, de seu médico, de seus amigos e de seus inimigos. A
obra-prima Rashomon, do cineasta japonês Akira Kurosawa, também pers-
cruta a subjetividade na estória de um estupro contado a partir das pers­
pectivas dos quatros indivíduos envolvidos. Franz Kafka, o mestre do para­
doxo, fez das variações perceptivas da realidade a base de grande parte de
seu trabalho literário. Seu romance O Processo é uma das exposições mais
pertubadoras da relatividade perceptiva, do paradoxo e das ligações du­
plas. Um homem está sendo julgado por um crime mas nunca descobre
quais as acusações, as testemunhas ou as razões de sua condenação. Ele fi­
nalmente acaba convencido de sua própria culpa sem ter descoberto a na­
tureza de seu crime.
Uma das exposições mais pertubadoras da realidade perceptiva apa­
rece no século XVIII, nos trabalhos do infame emboca curiosamente (tal­
vez insanamente) brilhante Marquês D. A. F. de Sade. Os textos de Sade
nunca esclarecem o leitor se estão refletindo a fantasia ou a realidade, ou
onde uma se funde com a outra. Em Justine, seu trabalho mais conhecido,
ele escreve, “o espelho vê o homem como belo, o espelho ama o homem;
um outro vê o homem como assustador e o odeia; e é sempre o mesmo ser
que produz as impressões. ” Os ataques de Sade à realidade objetiva e à sabe­
doria convencional de sua época escandalizaram a França. Seus livros fo­
ram queimados. Sua ruína foi garantida pelo tratamento literário dado ao
298 «A ERA DA MANIPULAÇAO

sadismo e ao masoquismo, os temas literários mais proibidos. (A moderna


palavra sadismo derivou de seu nome.) Sade percebeu que as potencialida­
des sadomasoquistas eram inerentes à maioria dos homens. Embora a his­
tória não prove sua participação real nestes comportamentos bizarros, Sa­
de foi condenado a viver a maior parte de sua vida em hospícios.
A despeito de informações voltadas para a realidade, mesmo vindo
de fontes de alta credibilidade, os homens relutam persistentemente em
abandonar as percepções tradicionais da realidade. Como tem sido fre-
qüentemente demonstrado através dos séculos, as culturas agarram-se às
fantasias perceptivas até a morte. Na história do mundo, poucos homens
foram intimidados pela força, pela ameaça de uso da força ou mesmo da
morte. Apesar disso, as nações continuam acreditando que a força bruta
é o melb or meio para controlar os dissidentes e a oposição. As sociedades
persistem nesta fantasia mesmo quando a única recompensa concebível
é a auto-aniquilação.

O SEU HOSPÍCIO OU O MEU

Todas as atitudes comunicam-se mutuamente. Os problemas surgem


quando as mentiras, informações ou representações errôneas são intro­
duzidas no sistema, consciente ou inconscientemente, proposital ou aci­
dentalmente. Já que as metas significativas raramente são alcançadas sem
a confiança, a consciência da manipulação é freqüentemente reprimida.
No nível inconsciente, no entanto, é difícil esconder as mentiras. Os ma­
nipulados geralmente sabem que estão sendo manipulados em algum ní­
vel da percepção.
Se certa ilusão é percebida apenas por uma pequena minoria sem
status, a maioria a considerará como desviados: maus ou insanos. Não im­
porta o quão prováveis sejam suas alegações sobre a fraude, os desviados
provavelmente serão considerados como pessoas que precisam de uma
terapia, de punição ou exclusão. Em situações onde a fraude é demons-
trável em termos de percepções voltadas para a realidade, interrogató­
rios ou terapias acarretam distorções da realidade, refocalizando as per­
cepções do desviado para que adaptem-se às da maioria. Se o comporta­
mento da maioria for insano, tentar-se-á levar os desviados da sanidade
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE • 299

para a insanidade. O processo é aparente nas instituições militares, so­


ciais, econômicas e políticas, e aparece com freqüência como uma expec­
tativa normal da vida diária.
O consenso da maioria é uma força social esmagadora. O consenso
é cortejado por todas as estruturas do poder do mundo e é manipulado
pelas técnicas dos meios de comunicação de massa e de relações públicas.
A necessidade humana de ser aceito — não importa o quão absurda ou
destrutiva esta aceitação possa ser — está profundamente arraigada em
um imperativo básico: sobrevivência e ajustamento. Parece haver uma dispo­
sição inata para comprometer as percepções individu is em favor do que
aparenta, ou é construído para aparentar, ser o consenso do grupo. Infe-
lizmente, no entanto, os sistemas sociais, econômicos e intelectuais con­
seguem suas novas idéias, seu crescimento e sua sobrevivência à custa dos
inovadores dissidentes, dos não-conformistas.
O famoso dilema insolúvel é outro veículo, geralmente consciente,
que leva ao desastre comportamental. Na situação de dilema, você está
perdido se faz alguma coisa e igualmente perdido se não faz. O dilema in­
solúvel é produto de premissas autolacradas que geralmente funcionam
num nível não consciente.
O antropólogo Gregory Bateson relata a história de uma tribo da
Nova Guiné que comemorava uma festa anual com as tribos vizinhas, du­
rante a qual os homens vestiam-se de mulher, tomavam-se bebedeiras ho-
méricas e havia um relaxamento das restrições sexuais. Era aparentemen­
te uma festa e tanto. Quando os bem-intencionados missionários cristãos
chegaram, eles viram a orgia anual como algo pecaminoso, o trabalho do
demônio. Persuadiram a tribo a abolir a festa. Logo em seguida, a tribo
iniciou conflitos mortais com as outras tribos. A orgia anual serviu, du­
rante anos, para resolver as tensões intertribais. Agora os nativos estavam
condenados pelos missionários se continuassem com a festa, e condena­
dos aos conflitos homicidas se não a fizessem.
O dilema insolúvel é um paradoxo sem vencedores no qual uma
quantidade impressionante de homens gasta parte de sua vida, enquanto
o problema não é reconhecido conscientemente. Em algumas nações
economicamente desenvolvidas, algumas vítimas dos dilemas insolúveis
acabam nos hospitais psiquiátricos. No mundo subdesenvolvido, elas fre­
qüentemente tornam-se insurgentes.
300 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

A maior ironia de Deus foi infligida no Jardim do Éden. Ele equi­


pou generosamente os humanos para gozarem os prazeres e a realiza­
ção sensual erótica. Então ele caprichosamente expulsou Adão e Eva
do Paraíso, e os proibiu de brincarem livremente com seus prazerosos
brinquedos, sob a ameaça de danação eterna. O pecado original des­
crito no Gênesis deve ter sido o primeiro dilema insolúvel. Nós ainda o
carregamos.
Pelo menos quatro variações do dilema insolúvel aparecem regular­
mente nas relações humanas. Elas são perpetuadas pela mídia de publici­
dade e evoluíram como aspectos da cultura que não são percebidos cons­
cientemente.

A VALIDADE PERCEPTIVA QUESTIONADA

Os indivíduos ou os grupos têm, com freqüência, uma percepção voltada


para a realidade válida no geral em relação ao seu mundo, e são no entan­
to punidos por uma autoridade de grande credibilidade. Estes dilemas
insolúveis geralmente ocorrem entre marido e mulher, pais e filhos, em­
pregadores e empregados, mídia e público, líderes e seguidores. Os ho­
mens, condicionados por interpretações perceptivas contraditórias,
acham difícil agir apropriadamente. As percepções ilusórias e auto-im-
pingidas geralmente prevalecem.
A mídia e outras fontes de autoridade dizem-lhe repetidamente que
não mentiríam para você, que sempre dizem a verdade. Então você as pe­
ga repetidas vezes dizendo mentiras, fazendo representações enganosas
e manipulações fraudulentas. Sua primeira opção — se você continuar
no jogo — é aceitar as mentiras como verdades, adaptar sua percepção às
suas realidades fraudulentas. No entanto, você pode acabar confuso e
perturbado.
A repressão da realidade contraditória pode ser a salvação. O conhe­
cimento consciente da mentira desaparece da superfície. A segunda op­
ção é o confronto, que é algo difícil se quem está mentindo são os seus
pais, seu companheiro, presidentes, mídia de publicidade confiável e ou­
tras fontes de informação bem cotadas: algo bem difícil, de fato.
Alguns indivíduos rejeitam a fonte de alta credibilidade que es­
O AUTO-LOGRADQ MUNDO DA OBJETIVIDADE «30 1

tá mentindo, vão embora e buscam outras relações potencialmente


menos danosas. Qualquer um que afirme que nunca mentiria para
você está blefando. Há, é claro, mentiras de omissão, mentiras por
“cumprir ordens”, mentiras de interpretação. Os indivíduos mentem
sem parar, mesmo que apenas para si mesmos sobre o fato de não
mentirem.
Optar contra a sistema pode ser extremamente difícil, se não impos­
sível. Incapazes de dissociar, os indivíduos gastam um longo tempo ten­
tando descobrir como a realidade deve ser percebida, de qual perspecti­
va — a busca incessante nunca realizada pela verdade. Diga-me, o que é
“amor”, “verdade”, “vida”, “fé”, “democracia”, “liberdade”, a melhor pas­
ta de dentes, o melhor carro, cigarro, desodorante etc? A busca frequen­
temente aparece nos rituais evangélicos e de renascimento religioso:
“Deus me disse...”

A SANIDADE NUMA SITUAÇÃO INSANA

Um outro exemplo de dilema insolúvel aparece com freqüência nas si­


tuações dos reféns de seqüestro. Durante a prisão, os reféns que tentarem
cooperar e entender as percepções de seus seqüestradores (não importa
quão psicóticos possam ser os terroristas), são rotulados como traidores,
covardes sob lavagem cerebral e bajuladores servis, após serem liberta­
dos. Não obstante, seu comportamento e percepção da situação são bas­
tante saudáveis, voltados para a realidade no sentido de sobrevivência e
ajustamento dentro de uma situação totalrnente insana.
O comportamento racional do prisioneiro parece irracional para
aqueles que estão de fora da situação. As organizações militares utilizam
um processo de submeter os prisioneiros libertados a interrogatórios. O
interrogatório é uma reorientação sistemática para uma percepção de
realidade — sobrevivência (sanidade talvez) consistente com as percep­
ções dos que estão de fora. Mesmo assim, os que estão de fora nunca po­
dem compreender realmente o medo, a exaustão, a ansiedade, desespe­
rança e o desejo intenso de sobreviver que os prisioneiros podem ter en­
quanto estão capturados.
302 «A ERA DA MANIPULAÇAO

Seja grato

Um terceiro tipo de dilema insolúvel ocorre quando se espera que as pes­


soas tenham sentimentos diferentes dos que têm de fato. A culpa e a au­
tocondenação são os resultados quando espera-se que as pessoas sintam
algo que não sentem ou sentem algo que não é esperado que sintam. Ao
invés de ganharem a aprovação por aquilo que vêem como sentimentos
honestos, elas são punidas. O paradoxo pode ser expresso como: “Depois
de tudo que eu (ou nós) fiz por você... Você devia ao menos ser grato, es­
tar alegre, ter orgulho, ser leal, amoroso, fiel, sexual, patriota, devoto,
confiante, obediente, cordato”... adinfinitum. Este paradoxo, como aque­
le do comportamento apropriado-inapropriado do prisioneiro ou refém,
pode resultar em depressão ou algo pior. Quando os indivíduos sentem-
se responsáveis por comportamentos sobre os quais têm pouco controle,
inconscientes com as expectativas ao seu redor, eles podem adoecer. O di­
lema insolúvel pode evoluir para uma perturbadora neurose, como uma
reação normal a uma situação anormal. Na mídia são abundantes tais ar­
madilhas ocultas, inconscientes.

Faça, mas não faça

Quando autoridades de alta credibilidade: líderes, patrões, pais, esposas,


amigos, governos, sistemas ideológicos ou culturais ao mesmo tempo exi­
gem e proíbem ações, políticas, pensamentos ou comportamentos, os indi­
víduos caem na armadilha do dilema insolúvel. Eles só podem obedecer
desobedecendo. Este paradoxo toma formas tais como:
Ganhe de qualquer jeito, mas seja sempre honesto!
Faça o que eu digo, não o que você acha que deveria fazer!
A honestidade é sempre a melhor política, mas negócios são ne­
gócios!
O individualismo, a sobrevivência do mais adaptado, é uma lei bási­
ca da natureza. As restrições à liberdade matam a iniciativa e são anti-
americanas. Mas as pessoas devem trabalhar para o bem comum e perma­
necer lealmente unidas.
Os indivíduos não devem viver apenas para si mesmos!
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE » 303

Tenha sucesso, mas o tipo de pessoa que você é importa mais do


que o sucesso!
A família é a instituição básica e sagrada da América, mas o bem-es­
tar nacional depende dos negócios; portanto as outras instituições devem
conformar-se aos negócios!
A democracia é a base da liberdade e da igualdade; mesmo assim na­
da será feito se deixado à mercê do voto popular. Nenhum homem de ne­
gócios ou patrão toleraria as decisões coletivas.
Os seres humanos são racionais e pode-se confiar que farão as coisas
certas; mas alguns homens são mais brilhantes do que os outros, portan­
to, podemos esperar que estes decidam pelos outros.
A religião e a busca de uma vida melhor são nossos objetivos últimos,
mas devemos a nós mesmos ganhar o máximo de dinheiro possível!
Acreditamos no progresso e nas novas idéias, mas os princípios anti­
gos são os melhores. A mudança rápida deve ser evitada!
O grande desafio do capitalismo/comunismo é escapar das regras
deste modo de vida.
O capital e o trabalho são parceiros, mas evite pagar salários mais al­
tos do que o necessário.
A educação é uma coisa boa, mas as pessoas práticas é que conse­
guem fazer as coisas!
As mulheres são sagradas, mas não são muito práticas e são inferio­
res em suas capacidades e em seu raciocínio.
O patriotismo e o bem público são os ideais mais elevados, mas os in­
divíduos devem cuidar de si mesmos!
As exigências dos dilemas insolúveis não podem ser cumpridas.
Considere tais ordens: “Seja espontâneo!” (a espontaneidade não pode
ser ordenada); “Seja sexual!” (a fisiologia não está sujeita às ordens ver­
bais); ou “Trate todas as pessoas como iguais” (uma instrução de um su­
perior); “Seja permissivo!” (obedecer é ser obediente.)
Considere o seguinte provérbio Zen:

Pensar que não irei


Pensar mais em você
Ainda é pensar em você.
Deixe-me não pensar
304 *A ERA DA MANIPULAÇAO

Que não irei pensar mais em você.


Mas isto, é claro, ainda é
Pensar em você.

Os artistas comerciais tradicionalmente jogam com as percepções


de objetividade e realidade do público. Seus objetivos geralmente são di­
nheiro, lucro, fama, status, poder, tudo isso junto. A Madison Avenue tor­
nou este jogo mais refinado, com enormes investimentos e alta tecnolo­
gia, mas ela não o inventou. Norman Rockwell, o artista comercial por ex­
celência, criou seus trabalhos sobre cada premissa autolacrada que per­
manecia viva entre a população mais velha, classe média, WASP, conser­
vadora, sentimental e conformista dos EUA. Ele conhecia intimamente
seu público e explorou suas ilusões sem piedade.
As ilusões de si mesmo não são voltadas para a realidade; elas podem
na verdade contradizer frontalmente as percepções da realidade. Rock­
well construiu engenhosamente um mundo que nunca existiu, mas que
seu público precisava desesperadamente idealizar e acreditar que havia al­
guma vez existido. As fantasias projetivas têm apelo para as pessoas cujas
realidades sejam sem brilho e sem romance. A fantasia é criada por regres­
são, um caminho de volta a um passado idealizado. E claro que em perío­
dos anteriores as pessoas idealizavam um tempo ainda mais longínquo.
Com um apelo sentimental aos valores tradicionais da classe média,
o artista mais rico do mundo criou um caro prato de porcelana para o Dia
das Mães (fig. 28). Como toda criança sente certa culpa em deixar a mãe
após a maturidade, o símbolo da maternidade tem sido usado há bastan­
te tempo para manipular o comportamento do consumidor. O catálogo
de vendas descreveu a pintura na porcelana — Benção de Mãe — como
“Uma cena rara de Rockwell, que nunca será vista nas capas de revistas,
posters ou ilustrações de livros. Sua iluminação e contraste são remanes­
centes das obras-primas da Renascença. Mas as feições são inconfundivel­
mente Norman Rockwell. Talvez o mais sensível Dia das Mães já produzi­
do pela arte”. O bonito catálogo de vendas é projetadb'para airi'ancar uma
fortuna considerável dos consumidores treinados a aceitar não-critica-
mente a mídia por seu valor nominal. O barroco texto do anúncio pode
até evocar lágrimas. A sentimentalidade piegas, como no jargão em in­
glês da mídia, é uma arma poderosa.
O AUTO-LOGRADQ MUNDO DA OBJETIVIDADE « 305

Na pintura de Rockwell, a mão esquerda da mãe repousa não no to­


po, mas na parte de trás da cabeça de sua filha. Em termos de movimen­
to, ela parece estar dirigindo o olhar da menina em direção aos braços do
garoto, presumivelmente seu irmão mais velho. As mãos do menino estão
unidas para rezar, seus olhos estão fechados, seus antebraços formam um
V. Se a pintura for virada para o lado esquerdo, os antebraços do menino
parecem construídos de forma curiosa. Isole os outros detalhes da pintu­
ra e estude cuidadosamente o antebraço direito do garoto isoladamente
(fig. 56). O genital ereto não está detalhado tão dramaticamente como
no anúncio do ginTanqueray (fig. 31), mas o objetivo é similar — vender,
vender, vender, vender...
O Bigallo Crucifixo com Santos (fig. 29), têmpera sobre madeira, foi
pintado cerca de 1240-70 por um italiano anônimo. O enxerto, que deve­
ria ser imediatamente percebido, é similar àquele do anúncio do gin Tan-
queray (fig. 31), embora não tão engenhosamente construído; o aerógra-
fo não seria inventado antes de se passarem sete séculos. O Bigallo Cruci­
fixo está atualmente no Art Institute de Chicago. E curioso como o tempo
pode aumentar o valor de algo que percebemos como arte. A arte religio­
sa sempre foi grosseiramente comercializada em todo o mundo. E notável
que este exemplo tenha sobrevivido 750 anos, acabando num dos museus
de mais prestígio do mundo. O leitor deve ter em mente que este crucifi­
xo (um símbolo) não tem nada a ver com cristianismo, catolicismo ou
com Jesus Cristo. Ele foi pintado apenas para vender e é isso mesmo que
tem feito — por mais de três quartos de século. O ícone é atualmente ava­
liado em mais de meio milhão de dólares. O Bigallo Crucifixo está tão lon­
ge do cristianismo quanto a pintura de Rockwell. Na verdade, os dois tra­
balhos são travestis, piadas pessoais sobre a credulidade perceptiva huma­
na. Mas eles venderam, venderam, venderam, e ainda vendem.
Verticalmente, no corpo torturado da figura de Cristo, aparece um
genital masculino enxertado (fig. 57). A face demonstra uma resignação
sofrida, como se Ele estivesse carregando o peso do mundo (fig. 58). Se o
genital tivesse sido percebido conscientemente, é duvidoso que o traba­
lho sobrevivesse sete séculos e meio. O artista teria terminado sua vida
executado como herege se o enxerto reprimido tivesse se tornado cons­
ciente a seu público. O santo da esquerda olha diretamente para o pênis
ereto com uma expressão de reverência e humildade, talvez de inveja.
306 »A ERA DA MANIPULAÇÃO

Considerando-se a energia que atualmente é gasta no estudo da co­


municação humana, é surpreendente que as técnicas subliminares sejam
tão pouco conhecidas por outras pessoas que não os artistas que as utili­
zam. As razões para que tais ardis permaneçam ocultos dizem mais coisas
sobre a presunção e a avareza humanas do que a maioria das pessoas gos­
taria de saber conscientemente. As pessoas manipuladas são em geral ví­
timas voluntárias por causa de suas expectativas de ganho.
“Pensávamos saber o que estávamos fazendo, mas havia este peque­
no problema das motivações e percepções subliminares! ” Este poderia ser
o epitáfio da civilização mundial, enxertado na última explosão nuclear.

Lacrado pela eternidade

Os passageiros já estavam acomodados em seus assentos para o vôo de


três horas de Houston até Los Angeles. O major da Força Aérea dos EUA
na poltrona ao lado sorria amavelmente enquanto pedia um dry martini.
Homem grande, com um rosto rude e um sorriso franco, lembrou-me
um personagem das pinturas de Norman Rockwell.
“Sua base é em Los Angeles?”, perguntei.
“Em Lompoc, cem milhas ao norte”, ele respondeu.
Notei o míssil de duas polegadas e meia pregado em seu uniforme.
“Comandante de mísseis”, arrisquei.
Ele sorriu com orgulho e aquiesceu. Nas duas horas seguintes, a
conversa foi agradável, cordial e interessante. Mostramos um ao outro fo­
tos de nossas esposas, de nossos filhos e até de nossas casas. Nós dois éra­
mos mais ou menos da mesma idade, com o mesmo nível de vida e de ins­
trução. Eu havia passado quatro anos e meio na Força Aérea durante a Se­
gunda Guerra Mundial.
Desde o começo de nossa conversa, eu perguntava a mim mesmo sobre
o trabalho do major. Hesitava em levar uma conversa casual entre dois estra­
nhos para um assunto tão carregado com questões de segurança. Mas eu
nunca havia conhecido alguém que tivesse passado sua vida numa ogiva sub­
terrânea, treinando incessantemente para o dia em que apertaria um botão
que lançasse mísseis dirigidos a populações humanas a milhares de milhas de
distância. O major trouxe o assunto à tona.
O AUTO-LOGRADQ MUNDO DA OBJETIVIDADE • 307

“Terei uma aposentadoria precoce no ano que vem. Vinte anos no


exército é o suficiente para uma vida”. Ele contou sobre uma oferta para
um emprego executivo numa companhia aérea.
“Alguma vez se arrependeu de estar na Força Aérea?” perguntei.
“Todos nós o fazemos de vez em quando”, respondeu. “Mas foi uma
vida boa, especialmente com os mísseis. Eles não nos transferem por toda
parte, como fazem com os outros. A pensão e a residência são boas, as pro­
moções são virtualmente automáticas. Eles preferem homens que tenham
família: mais estabelecidos, confiáveis, mais dedicados ao trabalho. Eles
nos dão bastante horas livres.”
“E as responsabilidades de estar num bunkerde controle?”, perguntei,
tentando parecer o mais natural possível enquanto tocava na questão de
seu trabalho.
Houve apenas um traço de apreensão momentânea em sua face após
a questão. Ele falava em tom prosaico. “Não são muitas. Realmente! Des­
de que você memorize os procedimentos, mantenha-se a par das mudan­
ças e dos novos inventos. Tudo o que você precisa é uma boa memória.”
“Você alguma vez teve dúvidas sobre apertar o botão de lançamen­
to?” perguntei, mantendo um tom de voz natural, medianamente inte­
ressado.
“Não, nunca mesmo”, ele respondeu. “Se eles tivessem alguma dúvi­
da sobre nós, nunca seríamos designados para os mísseis. Quando as or­
dens chegam, nós lançamos os mísseis. E simples assim! Além disso, neste
ponto você está tão ocupado que não tem tempo para pensar em alguma
outra coisa além do trabalho. Eles nos treinam para não pensarmos nas
pessoas. Não tem sentido se preocupar. E apenas um trabalho. Somos sim­
ples técnicos. Fazemos o que nos mandam fazer.”
Continuamos a conversa até o avião começar a descer para aterrizar
em Los Angeles. Conversamos sobre problemas mundanos como criar ado­
lescentes, o custo de vida e a comida de avião. Foi uma conversa leve, amigá­
vel, relaxada e somente alguns tópicos beirando a controvérsia foram toca­
dos. Nos despedimos com um aperto de mão na saída do aeroporto.
Por vários meses após o encontro com o comandante de mísseis não
consegui tirá-lo da cabeça. Eu havia trombado com um dilema insolúvel
cultural. O major provavelmente seria descrito por seus vizinhos como
uma pessoa comum, nada que fosse remotamente destacável, espetacu­
308 *A ERA DA MANIPULAÇAO

lar ou incomum sobre ele. Ele parecia ser um pai devotado a sua família,
um bom marido em todos os aspectos — sóbrio, trabalhador, modesta­
mente ambicioso, uma pessoa aparentemente amável e respeitável, cuja
moralidade, sanidade e lealdade ao seu país nunca seriam contestadas —
nem pelo próprio major, nem por seus empregadores e nem pelo mundo
no qual vive.
A violenta contradição entre o que sociedade foi doutrinada para
perceber como um cidadão notável e o horror que este homem foi trei­
nado para iniciar sob a ordem de alguma autoridade superior anônima,
comunicada através de um computador que não vê e não sente, ilustra a
questão central da sobrevivência humana nos dias de hoje. Os indivíduos
nos EUA, na URSS e em várias outras nações têm sido exaustivamente
submetidos a lavagens cerebrais para que escondam de si mesmos a reali­
dade de suas vocações. Esta realidade está escondida por detrás de asso­
ciações da realidade cuidadosamente reprimidas, rótulos tecnológicos,
eufemismos cuidadosamente selecionados e slogans patrióticos: “dissua­
são nuclear”, “mantendo a paz”, “guardiões da liberdade” etc.
Não é fácil comparar os comandantes de mísseis dos EUA e da URSS
com os burocratas insensíveis que dirigiam os campos de concentração
nazistas. Os julgamentos de Nuremberg, e mais recentemente o julga­
mento de Adolf Eichmann em Tel Aviv, deram um importante esclareci­
mento que poucos observadores reconheceram na época. Os oficiais da
SS e da Gestapo, pelos mais altos padrões de lealdade, honra e patriotis­
mo de sua época, eram super-patriotas. Sua dedicação e sacrifício eram
qualidades legitimadas pela sociedade alemã, por uma população não-
çrítica e preocupada consigo mesma que se favorecia, pelo menos nos
primeiros anos, de percepções da realidade reprimidas. Os membros da
SS eram considerados corajosos, nobres e até mesmo patriotas profunda­
mente religiosos que serviam a sua nação, a seus líderes, a sua ideologia e
a sua missão que percebiam como sagrada, até o fim. Patriotas como estes
existem em todas as nações, certamente nos EUA e na URSS. Isto deveria
apavorar as pessoas, mas não é o que acontece enquanto o mundo insiste
em perceber os criminosos de guerra não como tolos simplórios e obe­
dientes, mas como um tipo especial de vilão ou psicopata.
O paradoxo é invariavelmente a mentalidade da plebe treinada pa­
ra avaliar apenas superficialmente o óbvio. Quando forem apertados os
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE « 309

botões nos centros de controle de mísseis, não fará nenhuma diferença,


é claro. As “realidades objetivas” em que todos acreditam jus.tificam que
este sacrifício final não precisará ser feito novamente. Não será permiti­
do a nenhum homem perceber objetivamente a realidade. As premissas
auto-lacradas foram finalmente lacradas por toda a eternidade.

Um homem que se especializa em matar outros homens — não importa a ideo­


logia — é um assassino! Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires)
Capítulo onze

A MENTE
PERMANENTEMENTE FECHADA
A realidade não é nada além da livre escolha de uma das muitas portas que
estão o tempo todo abertas.
Hermann Hesse, O Lobo da Estepe

Devemos nos lembrar de que nós não observamos a natureza como ela existe de
fato, mas a natureza exposta a nossos métodos de percepção (modos de ver).
As teorias determinam o que podemos e o que não podemos observar.
Albert Einstein, The Meaning ofRelativity

O ceticismo e a convicção científica existem no homem moderno lado a lado


com preconceitos fora de moda, hábitos de pensamento e sentimento
ultrapassados, deturpações obstinadas e ignorância cega.
Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos

A sofisticação da tecnologia de persuasão no último meio século modifi­


cou as velhas regras da comunicação humana. A medida em que a indús­
tria de publicidade e relações públicas tornava-se cada vez mais hábil em
controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os sistemas de valo­
res, foi tornando-se um imperativo manter o segredo e capacitar a popu­
lação a reprimir a consciência daquilo que os manipuladores estão tra­
mando. O controle da percepção não pode ser alcançado se for reco­
nhecido, o que fez com que proliferassem os controles perceptivos em
níveis conscientes e inconscientes. As pesquisas sobre a linguagem e a
cultura foram eficazmente postas de lado, em direções intelectualmen­
te estéreis e irrelevantes. O behaviorismo nas ciências sociais e compor-
tamentais servia bem aos interesses ideológicos da mídia comercial. O
behaviorismo, como uma doutrina científica ou quase religiosa, foi uma
garantia de que as ciências sociais iriam exaurir-se a si mesmas em pes­
quisas triviais e inconseqüentes que raramente entravam em conflito
com o status quo— o melhor dos mundos possíveis. A psicologia, a socio­
logia e a antropologia cognitivas tornaram-se as perspectivas acadêmicas
dominantes. O behaviorismo negou a existência do inconsciente, cha-
mando-a de “mentalista”. O inconsciente virtualmente desapareceu da
América do Norte como tema de estudos fora da indústria de comunica­
ção de massa.
3 1 4 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

A tecnologia de manipulação da mídia e as ciências sociais passivas,


mudas e preocupadas com trivialidades são características culturais que se
reforçam mutuamente. Enquanto a sociedade norte-americana foi se tor­
nando cada vez mais saturada de mídia comercial manipuladora, os aca­
dêmicos legitimaram a fantasia de que tal manipulação era impossível, de
que os EUA, tão amantes da liberdade, eram invulneráveis à propaganda.
A população pensava, como foi ensinada a pensar, que pensava por si mes­
ma. A contradição e o paradoxo nesta lógica simplista eram menospreza­
dos ou ignorados. Além disso, a mídia bombardeava a população com pro­
messas de contos-de-fadas de que nunca mentiríam, que sempre podería­
mos confiar nela, de que ela estava livre de preconceitos e interesses ocul­
tos, e que servia diligentemente a causa da liberdade e da democracia.
Todas as partes de um sistema cultural são magnificamente comple­
mentares, como os belos mecanismos de precisão de um caro relógio me­
cânico. Cada pequena parte ou função está inextrincavelmente integra­
da e apoiando todas as outras partes e funções. No entanto, as culturas in­
tegram a si mesmas em modos que são freqüentemente não lineares, não
verbais, extremamente complexos e sutis e muito difíceis de serem perce­
bidos conscientemente. Há também o atraso no tempo. Valores que apa­
recem hoje podem não se tornar visíveis nacionalmente por dez a qua­
renta anos.
Os sistemas educacionais nacionais geralmente refletem valores dos
sistemas sócio-econômicos dominantes. Se a ambição, a ganância, o
egoísmo e a auto-indulgência são fundamentais à economia, a educação
adapta seu foco de acordo com isso. A mais dramática mudança na edu­
cação nos últimos 35 anos tem sido o constante crescimento de cursos vol­
tados exclusivamente para obter-se empregos, lado a lado com a deca­
dência de cursos que ensinam a ler, escrever, fazer matemática e pensar.
Desde a Segunda Guerra Mundial, a educação nos EUA foi encarada co­
mo um agente de mudanças sócio-econômicas-culturais. Ensaios de ilus­
tres educadores dos anos 1930 e 40 — tais como o trabalho The Higher
Learning in America de Robert M. Hutchin (sobre o ensino de humanida­
des) — parecem hoje idealismos anacrônicos que não acompanham o
ritmo das realidades contemporâneas. Hoje, a comercializável mercado­
ria de educação é superficial e simplista. A auto-indulgência e a auto-exal-
tação são agora as premissas filosóficas fundamentais. O status quo, o me-
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *315

Ihor dos mundos possíveis, tornou-se o modelo para a mudança. Os siste­


mas escolares tornaram-se centros de doutrinação onde os estudantes
são treinados, mais do que educados, para se encaixarem, encontrarem o
seu lugar, e certamente não para desafiarem o sistema ou o desconheci­
do. O estudante universitário norte-americano, educado pela mídia e au-
to-indulgente, é quase um caso único no mundo. A educação ainda é um
privilégio altamente competitivo na Ásia, na Europa e especialmente na
URSS.
Num importante estudo de 1986 da Carnegie Foundation for the
Advancement of Teaching revelou-se que 90% dos estudantes universitá­
rios e 88% de seus pais encaravam a principal razão do ensino superior de
uma perspectiva carreirista: empregos, dinheiro e sucesso. Apenas 28%
dos pais e 27% dos alunos de universidades encaravam a educação como
um meio de ir ao encalço de erudição, de uma cidadania séria e de uma
educação impecável como os fundamentos para as experiências de vida.
O estudo foi intitulado Colleges: the undergraduate experience in America
(Universidades: a experiência dos não-formados na América). Ele reve­
lou que apenas 19% dos estudantes de humanidades teve empregos ga­
rantidos depois da formatura, contra 90% dos que se especializaram em
negócios. A preocupação com o emprego dos estudantes é tola, mas é
usada para recrutá-los ou como uma estratégia de marketing pelas esco­
las. Um reitor da University of Texas comentou que eles não poderiam
publicar um catálogo com os nomes e descrições dos cursos se eles não
parecessem estar diretamente relacionados a empregos. Durante suas vi­
das, as pessoas com diploma superior terão dúzias de empregos. As habi­
lidades para os empregos mudam constantemente e rapidamente se tor­
nam obsoletas. Gastar os valiosos e caros anos de faculdade estudando pa­
ra um emprego, que muitas vezes não existe, é um desperdício de recur­
sos preciosos e uma tolice.
Não obstante, o número de bacharelados em assuntos ligados aos
negócios dobrou de 114.865 em 1971 para 230.031 em 1984. O número
de bacharéis em artes, em inglês e literatura caiu de 57.026 para 26.419.
Várias universidades acabaram com cadeiras como línguas clássicas,
geologia e educação musical. Muitas reduziram os cursos de filosofia,
línguas, literatura e história em favor de trivialidades como cursos de
hotelaria.
3 1 6 «A ERA DA MANIPULAÇAO

O estudo da Fundação Carnegie citou numerosas deficiências na


experiência do não-formado típico:
1. Uma ausência de visão ou uma visão limitada e confusa sobre eru­
dição, ciência, pesquisa, as tradições do conhecimento e o enri­
quecimento da vida humana através dos estudos.
2. Uma grande e generalizada inabilidade dos estudantes universitá­
rios para ler, escrever e pensar.
3. Estruturas de cursos fragmentadas e desarticuladas, onde as espe­
cializações tópicas e superficiais tomam o lugar do aprofunda­
mento das visões.
4. Uma aquiescência difundida por todas as faculdades na legitima­
ção de cursos e currículos banais. A excelência do ensino crítico e
analítico geralmente é ignorada em favor da conformidade, que
freqüentemente está atrelada às promoções e obtenções de títulos.
5. Uma separação e queda de nível da formação básica requerida pe­
las cadeiras obrigatórias de cada curso, que são encaradas de for­
ma bastante estreita. Os cursos de cultura geral são freqüente­
mente dados pelas faculdades menos qualificadas e menos re-
compensadoras.
6. Os objetivos da educação superior estão se tornando confusos e
degradados. As metas raramente são discutidas; se chegam a ser
mencionadas, elas são expressas em termos das oportunidades
de trabalho em voga: empregos, dinheiro e sucesso.
Críticas similares sobre a educação nas universidades norte-ameri­
canas foram feitas recentemente por fontes tão autorizadas como a Asso­
ciation of American Colleges, o National Institute of Education e o gabi­
nete do secretário da Educação dos EUA. A educação superior converteu
a si mesma num sistema abertamente mercantilizado de escolas de co­
mércio. As instituições de orientação de carreira geralmente são defi­
cientes no que diz respeito aos cursos de línguas, artes, histórias, estudos
das instituições sociais e políticas e na área das ciências naturais e físicas,
onde a mera tecnologia é considerada ciência. Estudos sobre questões
são virtualmente inexistentes.
As universidades são em geral prisioneiras da cultura de marke­
ting dominada pela mídia. Afagando o público para obter sua aprova­
ção, a mídia de publicidade encara a inteligência que se sobressai como
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *317

algo anormal. Deve-se fazer com que a inteligência pareça burrice. A


burrice é freqüentemente celebrada como uma inteligência notável. O
intelectual confuso e não prático é um estereótipo bastante difundido
e publicado. Os indivíduos de moral são do mesmo modo tratados co­
mo simplórios. Nulidades tornam-se modelos de virtude. Aqueles que
lutam por novas verdades são encarados como ingênuos ou sediciosos.
A educação nos EUA certamente não equipou o cidadão para lidar
com a tecnologia manipuladora da mídia no meio em que passará a vida.
E justamente o oposto: o sistema educacional condicionou a população
para tornar-se vítima, treinada para encaixar-se na cultura comercial co­
mo um consumidor obediente e passivo. A mídia de publicidade modifi­
cou na surdina as regras da lógica, da razão e a percepção das pessoas so­
bre a percepção humana. Poucas tentativas foram feitas para investigar o
que estava acontecendo. De qualquer modo, as críticas provavelmente
não seriam levadas em conta. A façanha, difícil de ser exposta, foi feita
com astúcia e foi um ótimo negócio. A mídia manteve as ilusões do públi­
co de que tudo estava bem, de que nada havia mudado a não ser para me­
lhor, com todas as pessoas se tornando mais inteligentes, melhor infor­
madas, mais perceptivas e mais capazes de pensarem por si mesmas.

Uma mente bem lavada

Em 1989, uma pessoa nos EUA enfrentava uma saturação cultural de qua­
se 150 bilhões de dólares em propaganda. Este investimento na mídia ge­
ralmente cresce entre 10% e 15% anualmente. O investimento na propa­
ganda cultural não inclui as enormes quantias gastas nas promoções, re­
lações públicas e outras tecnologias manipuladoras da mídia.
Nenhuma nação na história do mundo foi tão exaustivamente sub­
metida à propaganda em qualidade, quantidade, intensidade e inovações
tecnológicas. O indivíduo que procura sobreviver a esta super fraude con­
fronta um adversário formidável. Depois de conseguir mudar os produtos
e as marcas que são comprados, este investimento anual maciço sustenta
um sistema de valores culturais integrado e fechado em si mesmo.
Para alguns poucos, pode existir a possibilidade de um paraíso tro­
pical isolado e desprovido de meios de comunicação de massa. Mas a
3 1 8 «A ERA DA MANIPULAÇAO

maioria das pessoas simplesmente não tem dinheiro para cair fora. Elas
precisam achar um meio de manter a sanidade no hospício da mídia. As
estratégias de defesa contra a lavagem cerebral são relativamente sim­
ples. No entanto, elas provavelmente funcionarão melhor se forem ini­
ciadas na primeira infância.

Aja sempre para aumentar o número de


OPÇÕES DISPONÍVEIS

A maioria dos indivíduos foi educada desde a infância para diminuir o nú­
mero de opções, para tentar obter a verdade. Qualquer compromisso com
uma visão específica tem significado ideológico, serve de aditivo para ven­
der-se uma pasta de dentes, uma religião ou um candidato político. Exis­
tem múltiplas respostas para cada questão, problema ou objetivo. Procu­
re-as. Encontre pelo menos três, preferivelmente cinco e até mesmo dez
ou mais. Escolha hipoteticamente a opção que parece mais provável de al­
cançar o objetivo que você deseja. Esteja preparado para descartá-la a
qualquer momento em favor de outra, se houver ameaça de desastre.
Lembre-se que o conteúdo de toda ideologia verbal, nos comporta­
mentos religiosos, políticos ou de consumo não está relacionado com a
realidade. As premissas ideológicas geralmente são autolacradas. Elas es­
tão em conflito com outras ideologias. Isto pode não ser uma questão de
vida ou morte quando alguém compromete-se com uma marca de sabo­
nete, mas o comprometimento cego com as ideologias políticas, milita­
res, econômicas e religiosas tem infligido ao mundo uma devastação se­
cular. As ideologias baseiam-se em visões estereotipadas tanto do mundo
como de si mesmo. Os estereótipos podem negar ou confirmar quais­
quer perspectivas ideológicas e justificar atitudes injustas, cruéis e desu-
manizadoras que prometam sustentar a ideologia.
Curiosamente, as ações que sustentam uma convicção ideológica
geralmente contradizem a ética desta ideologia. A determinação em sal­
var o mundo do comunismo ou do capitalismo, mesmo que todas as pes­
soas devam ser destruídas neste processo, é um dos muitos paradoxos
deste tipo. As ideologias oferecem fantasias de solucionarem os proble­
mas das existência humana: injustiça, ambição, desigualdade, riqueza,
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *319

pobreza etc. —, mas apenas fantasias. As soluções simplistas geralmente


intensificam os problemas que se propõem a resolver. No final, o líder
mais carismático vai alcançar o poder.
A suscetibilidade humana à persuasão ideológica é baseada na
promessa eternamente não cumprida de sentido e ordem, uma respos­
ta estereotipada à solidão, à monotonia, ao medo e às ameaças de fome,
doença, insegurança e caos político, moral ou social. Estas ameaças são
incessantemente suscitadas pela mídia comercial. A mensagem cons­
tante da mídia com estas ameaças mantém a busca compulsiva por per­
guntas e respostas, causas e efeitos, e compromissos ideológicos. A men­
sagem da mídia indica a última direção de consumo, divertimento, da
política, dos negócios, da indústria, das questões militares e da religião,
com suas relativas promessas de reduzir a ansiedade. Liberdade é um
Datsun, um Maxi-pad, um voto em um candidato político, uma contri­
buição para algum profeta religioso ou qualquer outra coisa que dê lu­
cro a um ladrão qualquer.
Uma vez iniciadas, as fantasias se auto-perpetuam. A meta final de
toda ideologia é uma utopia mitológica e nunca alcançável. As utopias
devem manter-se inalcançáveis, a cenoura na ponta da vara que man­
tém o asno caminhando. O tempo, a quarta dimensão, continua sem­
pre, marcando a cada momento uma mudança nas condições que dão
sentido às palavras e símbolos. As verdades “eternas” devem ser conti­
nuamente reforçadas, reabastecidas, amparadas.
Questões cujas respostas são apenas sim ou não, verdadeiro ou falso,
ou certo ou errado constituem uma linguagem distante da inteligência
humana. Elas são armadilhas armadas para homens primitivos. Dilemas
construídos verbalmente não são dilemas reais. São meras manipulações,
geralmente construídas para que a pessoa que as responda e se compro­
meta com elas perca. Ganha quem fabricou o dilema. Os anúncios e o con­
teúdo da mídia que eles controlam estão abarrotados destes dilemas arti­
ficiais. Eles geralmente parecem ser solucionáveis através das compras, de
compromissos de fidelidade, votos, contribuições, preces ou qualquer coi­
sa que você tenha para oferecer. De preferência em dinheiro.
Ao invés de procurarem criativamente por soluções originais, vol­
tadas para os fatos, para os problemas reais, as populações são ensina­
das a identificar os problemas que são resolvidos com as soluções que
320 «A ERA DA MANIPULAÇAO

beneficiam os líderes no governo, os políticos, a indústria, os militares,


a mídia e seus anunciantes — ou qualquer outro que possa pagar para
entrar no jogo. Eles criam o problema e depois criam e vendem a solu­
ção do problema.
Uma vez que as lideranças e os liderados estão presos na armadilha
das ilusões que se reforçam mutuamente, das profecias que se auto-reali-
zam, e das premissas autolacradas, o comportamento e as tomadas de de­
cisões tornam-se tragicamente previsíveis e sob uma estreita perspectiva.
Numa competição, qualquer pessoa que se torne previsível perde.

Evite a polarização, a afirmação ou a negação

Fique fora das construções verbais de opostos que excluam o meio-termo.


No momento em que os indivíduos caem em uma dicotomia, eles perdem
o controle — se eles realmente tiveram algum controle no início. Uma ne­
gação mais passiva do que ativa sempre leva a oposição para o terreno da
confusão. Espere e veja! Observe! Pense! Compare! Avalie! Jogue com op­
ções e perspectivas alternativas! E acima de tudo, relaxe. Aja somente quan­
do é claramente de seu interesse agir. Considere uma das opções mais im­
portantes e sempre disponível: não fazer nada!
Evite os primitivos sime não. Tente compreender tudo que pode ser
compreendido sobre as múltiplas opções. Investigue o que é incognoscí-
vel\ Se parece não haver tempo para a reflexão, mude a aparência do tem­
po. O tempo é uma abstração perceptiva que pode ser alongada ou con­
densada para adaptar-se a qualquer objetivo. Os estudantes de hipnose
fazem experiência com a distorção do tempo: dez minutos de relaxamen­
to podem ser expandidos perceptivamente em oito horas de sono pro­
fundo.
Sensibilize a si mesmo contra o pensamento estereotipado. Os
anúncios e a mídia comercial (incluindo as notícias) estão carregados de
estereótipos: estes são excelentes, campos para estudar-se as generaliza­
ções sem sentido. Eles oferecem as abstrações mais simplistas. Eles não
simplificam as realidades perceptivas ou os processos da vida, é claro. Os
estereótipos ou as imagens proporcionam uma tranqüilidade momentâ­
nea. Eles afastam a necessidade de pensar, raciocinar e julgar criticamen­
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 32 1

te. Eles também escondem bombas-relógios atrás de fachadas simplistas.


Os estereótipos ou as imagens são universalmente errôneos, danosos, au-
tofrustrantes e flagrantemente desorientadores.
A população do mundo compreende indivíduos, cada um com um
conjunto singular de semelhanças e diferenças perceptíveis. Todos são dis­
tintos. Não há duas pessoas com a mesma fisiologia ou psicologia. A relação
de vítimas do pensamento estereotipado inclui tanto os rotuladores quanto
as pessoas que são rotuladas.

Questione particularmente as pressuposições,


ESPECIALMENTE AQUELAS QUE LHE SÃO MAIS CARAS

A heresia pode tornar-se um excitante modo de vida. No entanto, é impossí­


vel haver heresia sem uma “verdadeira” doutrina. Sem a heresia, a “verdadei­
ra” doutrina atrofia-se e congela-se numa esterilidade irremediável. A here­
sia é essencial para a criatividade, a inspiração e o progresso. Sempre que a
heresia é silenciada, sobrevêm um grande sofrimento e mal. As pessoas fre-
qüentemente ficam aliviadas quando a heresia não é aparente, quando não
há ninguém sacudindo o barco. A paz e o silêncio tranqüilizam, embora de­
vessem ser assustadores. A heresia e a divergência são os fundamentos de to­
do sistema democrático. Quase todo mundo pode aprender a amar os here­
ges e opositores, embora isto possa não ser fácil no princípio.
As perspectivas ideológicas são inerentemente hipócritas. A hipocri­
sia que toma a forma de uma negação da hipocrisia é hipocrisia ao qua­
drado. “Acredite em mim! Eu não mentiría para você!” O anúncio da As­
sociação Americana de Agências de Publicidade (fig. 8) é um exemplo es­
plêndido. A discordância, a crítica ou qualquer oposição a uma ideologia
estabelecida — tais como as deturpações da mídia de publicidade, as im­
posturas das relações públicas e os exageros promocionais — são vitais à
saúde de uma nação.
As falências ideológicas raramente fazem com que sejam procura­
das as razões de tais falências ou um entendimento da natureza da ideo­
logia. Ao contrário, estas falências geralmente impulsionam o fanático
numa busca frenética por uma nova teoria que possa ser transformada
em outra ideologia. Assim, o comunista desiludido transforma-se no fa­
322 ’A ERA DA MANIPULAÇAO

nático religioso de direita e vice-versa. A única saída parece a tomada de


consciência de que ideologia é uma construção perceptiva, baseada em
percepções fantasiosas e generalizações estereotipadas. As ideologias ge­
ralmente evitam as percepções autônomas, que podem ser confirmadas
e voltadas para os fatos.
O poder da mídia de publicidade e das relações públicas transfor­
ma as teorias em ideologias e impõe as construções fantasiosas resultan­
tes. A resistência pública à mídia de publicidade pode evoluir para uma
heresia que a princípio será atacada pela maioria. O sistema dominante
foi legitimado por forças poderosas, de grande credibilidade e que se re­
forçam mutuamente: as universidades, a burocracia governamental, as
empresas etc. A busca frenética por temas e problemas excitantes — em­
bora na verdade triviais — desvia a atenção da realidade. Trivialidade ge­
ra trivialidade. As trivialidades — programas de auditório, casos espe­
ciais, seriados cômicos — dominam o mundo da mídia de publicidade.
O conteúdo é considerado um folheto de propaganda de baixa audiên­
cia para agradar os críticos. Os sistemas de rádio e TV públicos mantêm-
se como meio para os sistemas de rádio e tv comerciais livrarem-se de
uma audiência minoritária e não-lucrativa.
Torne-se um herege. A percepção humana provavelmente conti­
nuará sendo um jogo de dados cultural. E importante que os homens
nunca resolvam completamente seus dilemas perceptivos. As instabilida-
des, inseguranças, surpresas, contradições e paradoxos podem se tornar
agradáveis, uma vez reconhecidos conscientemente. Considere a diver­
são e o desafio de lutar contra o exército de artistas mascates que vendem,
manipulam e exploram as fraquezas da percepção humana, de acordo
com seus parasitas políticos.

Ver não deve ser crer

Muito pouco na percepção humana é aquilo que parece ser. Quando


abstraídas em linguagem verbal, pictórica ou matemática, as percepções
tornam-se ainda mais distantes das realidades iniciais percebidas. Os ob­
servadores nunca podem ser separados de suas percepções, a não ser
através das ficções verbais. Os níveis de subjetividade na percepção e na
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 323

linguagem continuam sendo uma questão de mais ou menos ao invés de


um/ou outro. E finalmente, nenhuma consideração séria sobre a per­
cepção pode ignorar a informação que foi conduzida inconscientemen­
te, a fonte das predisposições básicas que estão por detrás das percep­
ções conscientes.
Estas não são idéias novas. Elas remontam pelo menos a Protágoras
e outros filósofos sofistas gregos do século V a.C., passam por Kant, no sé­
culo dezoito, e chegam até os modernos filósofos da ciência, como Kor­
zybski, Russell, Malinowski, Einstein, e Wittgenstein. Há muito pouco de
novo no mundo das idéias — ou em qualquer outro mundo, no que diz
respeito a isso. Existem apenas velhos conceitos, vestidos com novos rótu­
los, em geral casados com estratégias promocionais. Tais estratégias, que
sustentam as culturas de mercado, só podem dar certo através da igno­
rância e da repressão. Os indivíduos treinados culturamente em percep­
ções simplistas do mundo são vítimas fáceis, vítimas que resistem em lidar
com os processos perceptivos. Eles vociferam sobre a liberdade ao mes­
mo tempo em que se submetem e obedecem como escravos.
Por exemplo, qualquer pessoa que perceba a esmeralda do Tanque­
ray (fig. 5) como realidade — uma esmeralda real — demonstra uma ina­
bilidade perceptiva de distinguir entre a fantasia e a realidade. O fato do
público ter sido cuidadosamente educado para não fazer esta importan­
te distinção ilustra uma forma de controle da mente muito mais avança­
da do que aquela concebida por Huxley ou Orwell. A mídia educa a po­
pulação a preferir a fantasia no lugar da realidade.
Carl Sagan, astrônomo da Cornell, comparou os EUA e a URSS com
dois homens num quarto com gasolina até a altura de seus joelhos. Cada
um segura uma caixa de fósforos, ameaçando acendê-los para punir o ou­
tro pelas coisas que fez de ruim e de errado, e por atitudes provocadoras.
Sagan deveria ter acrescentado um fator nesta história.
O quarto está completamente escuro. Cada um dos homens alega
passionalmente estar servindo a sua visão da realidade objetiva. Cada um
deles tem um arsenal de clichês lingüísticos-culturais, diagnósticos rotu-
ladores, preconceitos, estereótipos, ilusões de objetividade e premissas
autolacradas. Como o sociólogo C. Wright Mills escreveu em seu livro,
The Causes of World War Three, “não importa o quão pequena seja a proba­
bilidade de um acidente nuclear em relação ao tempo. E estatisticamen­
324 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

te demonstrável que, à medida que o tempo passa, a probabilidade apro­


xima-se da certeza.” ✓
O estrangulamento da percepção praticada pela mídia não deveria
surpreender ninguém capaz de um julgamento independente. Os atores
têm empregos porque criam ilusões, fantasias e representações críveis de
personagens geralmente estereotipados. Talvez não seja de se estranhar
o fato dos EUA terem eleito um ator para presidente. Nunca antes na his­
tória do mundo um ator havia se tornado um chefe de estado. Muitos dos
grandes líderes mundiais eram perfeitos atores, mas não por profissão;
eles chegaram à liderança como homens públicos, administradores, au­
tores, militares, acadêmicos ou industriais.
A questão do analfabetismo verbal e visual vai muito além do mero
aprendizado de ler e escrever. O mundo agora encara as questões do
analfabetismo ético. Se existem respostas aos dilemas colocados pela ma­
nipulação subliminar, elas parecem estar com os manipulados e não com
os manipuladores. Leis seriam pouco eficazes, a não ser no sentido de di­
vulgar o assunto. Não obstante, os homens podem ser ensinados, no inte­
resse de sua sobrevivência, a aceitar a responsabilidade individual pelas
construções perceptivas. Cada um tem o potencial de defender a si pró­
prio. Além disso cada um pode aprender a criar um relacionamento ori­
ginal e individualizado com as realidades percebidas. Cada um pode des­
frutar o máximo das ilusões, fantasias e projeções sem receio de ser pego
na armadilha. O processo perceptivo humano tem potencialidades exci­
tantes, muito mal conhecidas nesta altura dos acontecimentos. As pes­
soas podem evitar serem logradas pelas respostas simples a perguntas
complexas, feitas para servir ao interesse de outras pessoas.
Infelizmente, as condições atuais do sistema lingüístico-cultural
condicionam as pessoas não apenas a permitir que sejam manipuladas
mas a buscarem isto. Sempre haverá, parece, pessoas à procura de qual­
quer oportunidade de lucro que têm uma descrição plausível do que é
belo, divino, justo, engraçado, amável, fiel, confiável, sexy, bom e verda­
deiro. São descrições úteis aos seus próprios interesses e não aos dos seus
seguidores.
Uma ciência de fantasia preencheu o vácuo ideológico quando os
ideais religiosos, filosóficos e éticos tradicionais se eclipsaram. Percep­
ções da verdade objetiva tomaram o lugar da verdade baseada em supers-
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 325

tições. As ideologias devem ser absolutas, a verdade deve comprovar to­


das as coisas. As ideologias religiosas, políticas, sociais ou econômicas são
baseadas no mito do amanhã, em geral estendido à eternidade, mas nor­
malmente focalizado não muito além do fim da próxima geração. Quan­
do você se aproximar de alguém carregando tal bagagem, corra na dire­
ção oposta.
O problema básico da sobrevivência da civilização moderna é como
livrar-se do problema e das soluções apenas em interesse próprio ao pro­
blema. A maioria das soluções percebidas logo se tornam o problema,
mais um Ouroborus. Apenas nos colocando fora do círculo, a sucessão
sem fim de problema-solução-problema-solução ad infinitum, é que pode­
remos resolver os problemas. O problema da existência humana é, com
efeito, a existência humana. Encarada sob uma perspectiva evolucionária
— se isto é possível com o tempo aparentemente se esgotando — a cons­
ciência das limitações, das fragilidades e da herança de vulnerabilidade
da percepção humana deveria, de alguma maneira, tornar-se consciência
do condicionamento cultural. Uma construção humanista, voltada para
a sobrevivência e mais elaborada, continua sendo uma construção, mas é
mais apropriada à continuação da civilização e da vida.

Oito passos para a sobrevivência

Correndo o risco de simplificar os processos do pensamento, tão variados


e únicos quanto os indivíduos que pensam ou mesmo aqueles que apenas
pensam que pensam, aqui estão alguns passos que podem diminuir a vul­
nerabilidade humana à manipulação da mídia.
1. Relaxe. Sob as pressões constantes da mídia moderna, isto deve ser
aprendido ou reaprendido. As técnicas variam da simples respi­
ração profunda à auto-hipnose e meditação. O relaxamento au­
menta a probabilidade de percepções da realidade bem-feitas e
relacionadas aos fatos. A tensão, o stress e a ansiedade aumentam
a vulnerabilidade à manipulação. A redução do stress é o método
mais eficaz de análise dos estímulos subliminares e dos significa­
dos e motivações ocultos.
2. Protele. Testar as conclusões é imperativo. O tempo é uma abstra­
3 2 6 • A ERA DA MANIPULAÇÃO

ção, geralmente criada para vantagem de alguns e desvantagem


de outros. Vá devagar. Dê tempo a si mesmo. A pressão do tempo
em geral aciona as defesas perceptivas.
3. Perceba. A análise do que é percebido, e o processo de abstração
através do qual isto é descrito, pode aprimorar a percepção da
realidade. Compare suas reações às reações dos outros. Depois
estude as reações dos outros em relação as suas. E, finalmente,
examine suas percepções sobre as percepções deles. Reflita cons­
cientemente sobre o conceito perceptivo da comunicação. Isto
pode ser divertido! Isto o coloca imediatamente fora do alcance
da maioria dos estímulos da mídia e dos anúncios. Compare as
percepções de fantasia da mídia com a realidade — o mundo re­
al perceptível.
4. Descontextualize. Inverta o pensamento lógico-sintático. Expectati­
vas normais freqüentemente parecem bastante anormais quan­
do vistas fora de contexto. Experimente percepções ilógicas, ab­
surdas, de cabeça para baixo das palavras e imagens. Experimen­
te com o que é perceptivelmente ilógico. A criatividade pode
com freqüência mantê-lo longe dos problemas e proporcionar
respostas insuspeitas, escondidas nas premissas autolacradas —
tanto as suas quanto as dos outros.
5. Molecularize. Isole palavras e imagens. Procure os significados enter­
rados dentro de suas percepções. Examine os mínimos fragmen­
tos. Tudo, mesmo as coisas menores e menos visíveis percebidas
pelos homens, tem um significado, especialmente aquelas que pa­
recem insignificantes. Olhe ainda mais cuidadosamente as per­
cepções que sua mente diz serem irrevelantes. Não existe nenhu­
ma percepção humana insignificante e desprovida de sentido.
6. Simbolize. Os símbolos geralmente carregam significados múlti­
plos e inconscientes. Tudo o que é percebido é simbólico: pala­
vras, coisas, imagens e pessoas. Jogue com os símbolos. Procure
as relações ou estruturas que sua mente consciente rejeita como
tolas. Procure significados múltiplos, significados sem sentido, os
significados dos significados, o significado sob ou sobre o signifi­
cado. Investigue profunda e cuidadosamente.
7. Busque as motivações. Faça uma análise sobre as motivações. Toda
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 327

comunicação envolve motivações, especialmente aquelas que


negamos. As motivações tanto do emissor quanto do receptor
são importantes. As motivações existem aos níveis consciente e
inconsciente. Relacione as possíveis motivações envolvidas. Pro­
cure motivações impossíveis ou improváveis. Mantenha a ques­
tão das motivações em aberto. As motivações podem ser profun­
das, complexas, múltiplas, entrelaçadas e, com freqüência, apa­
rentemente contraditórias. Nenhuma forma de comunicação
pode ser significativamente avaliada sem a consideração das mo­
tivações. A motivação de vencer pode estar camuflando uma mo­
tivação para perder, e vice-versa. Aparentes vencedores podem
estar inconscientemente procurando um desastre apropriado
para que possam perder espetacularmente.
8. Avalie. Certifique-se de que tem uma idéia clara sobre quem está
falando com quem, e sobre quem e o quê está falando. As distin­
ções que os homens fazem verbalmente, as ideologias que eles
perseguem, as avaliações que fazem, as teorias que abraçam, as
decisões que anunciam, os princípios que propõem e as discus­
sões que provocam revelam o seu íntimo. Tudo isso revela muito
mais coisas sobre o indivíduo e os modos com que ele percebe o
mundo do que sobre os tópicos que eles descrevem ostensiva­
mente. Não aceite nada nem ninguém por seu valor nominal.

O ALTO CUSTO DAS PERCEPÇÕES


FRAUDULENTAS DA REALIDADE

A destruição dos conceitos mitológicos sobre a verdade objetiva incomo­


da de modo profundo as pessoas culturalmente doutrinadas. Alguns in­
divíduos chegaram a reagir a essa idéia com a consideração de suicídio.
Vale a pena viver sem uma verdade objetiva, absoluta? Vale e sempre va­
leu. Albert Camus explorou a idéia do suicídio como uma resposta ao de­
saparecimento da verdade objetiva em sua parábola moderna, The Myth
of Sisyphus. Sísifo era o fraudulento rei de Corinto: um trapaceiro, mani­
pulador e ladrão escolado. Ele trapaceava até a morte, manipulando as
percepções da realidade. Ele colocava uma verdade eterna contra outras
3 2 8 «A ERA DA MANIPULAÇÃO

verdades eternas por qualquer coisa que servisse aos seus objetivos ime­
diatos, não muito diferentes do que fazem os demagogos políticos, reli­
giosos e econômicos atuais. Figura bastante popular na literatura homé-
rica — assim como a geração de artistas canastrões populares que se se­
guiram — foi finalmente punido pelos deuses pela eternidade no Hades.
Sísifo foi condenado a empurrar uma grande pedra até o topo de uma
montanha, dolorosa e trabalhosamente, só para vê-la rolar para baixo as­
sim que atingia o cume. E mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez, por
toda a eternidade. Não tivessem as verdades objetivas eternas da Grécia
antiga perecido com sua civilização, tal punição seria bastante útil hoje
em dia. Imagine os mascates da propaganda e da mídia, os políticos inte-
resseiros, os pregadores manipuladores e os vendedores mentirosos fi­
nalmente tendo um dia de trabalho honesto.
As questões sobre a verdade objetiva, no entanto, não são simples.
Tampouco o são as respostas individuais a estas questões. Os homens de
alguma forma sobreviveram vários milhões de anos de evolução com os
sistemas de crenças baseados nos conceitos da verdade objetiva. Estas ver­
dades, no entanto, mudaram dramaticamente no decorrer dos séculos,
adaptando-se às novas tecnologias, linguagens, economias e elites no po­
der. Os processos perceptivos humanos criaram engenhosamente verda­
des objetivas que servem tanto ao momento quanto podem ser manipu­
ladas verbalmente para se aplicar às percepções do passado e do futuro.
O filósofo da linguagem Ludwing Wittgenstein explorou os modos
pelos quais os homens criam perceptivamente mundos em suas imagens
fantasiosas pessoais, e então criam perceptivamente a si próprios como
parte de suas fantasias subjetivas. No fim das contas, eles permitem que os
meios sociais, econômicos, políticos, religiosos e culturais dirijam suas
percepções da realidade. Em seu Philosophicals Investigations I, Wittgen­
stein escreveu: “Alguém pensa que está rastreando os contornos da natu­
reza mais uma vez. Mas este alguém está meramente rastreando a moldu­
ra através da qual a vê. Um quadro nos torna prisioneiros. E não podemos
escapar dele, pois ele baseia-se em nossa linguagem, e a linguagem pare­
ce nos repetir inexoravelmente”.
As premissas e as mentes permanentemente fechadas, trancadas
contra a intrusão da realidade ou a verificação dos pressupostos, são o
formidável resultado final de uma cultura dominada pela mídia. Os indi­
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 329

víduos que sabem, absolutartiente por todo o tempo, quem são, aonde
vão e por que, são perigosos tanto para si mesmos como para o mundo
em que vivem. As mentalidades fechadas em si mesmas também não po­
dem tirar muito prazer da vida, porque têm poucas oportunidades para
criar ou inovar. Valeria a pena criar um exército da sobrevivência, organi­
zado para refrear as personalidades dominadas pelas premissas autola-
cradas. Os candidatos seriam selecionados nos altos escalões do governo,
das empresas, e das escolas. Os militares provavelmente seriam dispensa­
dos como uma causa perdida.
Epílogo

“Não espere pelo julgamento final, ele ocorre todo dia!”


Albert Camus, A Queda

No momento em que uma pessoa aceita uma realidade objetiva, uma verda­
de eterna, ela torna-se vulnerável, manipulável e eminentemente explorá-
vel. Ela deixou de agir como um indivíduo autônomo, criativo e pensan­
te vivendo num mundo integrado e interdependente.
Apêndice

Secretaria da Fazenda dos EUA, Divisão de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo.


“Novas Leis e Regulamentações”. Registro Federal, 6 de agosto de 1984,
pp. 31670-76.

Subliminares

A Divisão de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF) propôs um parágra­


fo regulatório proibindo o uso de técnicas subliminares ou similares na
propaganda de bebidas alcoólicas. A ATF afirmou que técnicas sublimi­
nares ou similares são qualquer artifício ou técnica usados para transmi­
tir ou tentar transmitir uma mensagem a uma pessoa por meio de ima­
gens ou sons de natureza muito fugaz, que não podem ser percebidos no
nível normal de consciência.
Foram recebidos vinte e dois comentários e várias testemunhas fize­
ram depoimento oral nas audiências públicas. Dos 22 comentários, repre­
sentando 52 indivíduos, todos com exceção de três apoiaram a proibição
proposta. Os principais argumentos contra a regulamentação proposta fo­
ram que as técnicas subliminares não eram usadas na propaganda, que as
indústrias de publicidade e dos meios de comunicação eram auto-regula-
doras a este respeito, e que a Comissão Federal do Comércio (FTC) já ha­
via proibido por regulamentação o uso de subliminares.
A ATF acreditou que era necessária uma ação nessa área. Há uma
crescente preocupação dos consumidores sobre a verdadeira natureza da
propaganda de bebidas alcoólicas. Além disso, existem precedentes de
peso para a ação da ATF. A Comissão Federal da Comunicação (FCC) de­
clarou que o uso de técnicas subliminares é contrário ao interesse públi-
334 -A ERA DA MANIPULAÇAO

co porque elas têm a clara intenção de ser enganosas. Além disso a FCC
não viu necessidade em diferenciar entre a propaganda subliminar e os
conteúdos subliminares dos programas.
As técnicas subliminares ou similares podem tomar várias formas na
propaganda. Estas formas incluem colocar um fotograma num filme nu­
ma velocidade que o observador não possa perceber conscientemente,
mas onde, subconscientemente, possa registrar palavra, frase ou cena.
Uma outra forma, ainda mais usada, é a inserção de palavras ou formas
corporais (enxertos), através do uso de sombras ou sombreamentos, ou a
substituição de formas geralmente associadas ao corpo humano.
Embora as técnicas subliminares ou similares sejam proibidas pela
FTC e pelos códigos voluntários da propaganda e dos meios de comuni­
cação, a ATF tem jurisdição sobre as propagandas de bebidas alcoólicas.
As propagandas subliminares são inerentemente enganosas, porque o
consumidor não as percebe no nível normal de consciência, não lhe sen­
do portanto dada a escolha de aceitar ou rejeitar a mensagem, como é o
caso com a propaganda normal. A ATF sustenta que este tipo de propa­
ganda é falso e enganador, e é proibido por lei. Assim sendo, a ATF está
publicando as regulamentações proibindo o uso de técnicas sublimina­
res ou similares.
A ERA DA MANIPULAÇÃO DETONA OS MITOS DA
3

SOCIEDADE CONTROLADA PELA MÍDIA. REVELA AS FORMAS PELAS

QUAIS FORÇAS PODEROSAS SEDUZEM E MANIPULAM MULTIDÕES.

Discute as sofisticadas estratégias publicitárias e de


INFORMAÇÃO USADAS PARA ENCANTAR O PÚBLICO, OPERANDO

DIRETAMENTE SOBRE SEUS MEDOS, NECESSIDADES

E DESEJOS INCONSCIENTES. DESMASCARA O USO DE MENSAGENS E

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LEGALMENTE PROIBIDA), MAS TAMBÉM OS MÉTODOS

APARENTES UTILIZADOS PARA A FORMAÇÃO DA NOSSA OPINIÃO.

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A ERA DA MANIPULAÇÃO AJUDA A COMPREENDER COMO AS AVES

DE RAPINA DA MÍDIA - NA PUBLICIDADE, NOS MEIOS DE

COMUNICAÇÃO, NOS NEGÓCIOS E NA POLÍTICA -

ATUAM SOBRE NOSSAS MENTES.

A ERA DA MANIPULAÇÃO CERTAMENTE MUDARÁ O JEITO COMO

VOCÊ OLHA O MUNDO AO SEU REDOR.

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