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A ERA DA MANIPULAÇÃO DETONA OS MITOS DA SOCIEDADE CONTROLADA PELA MÍDIA. REVELA AS FORMAS PELAS QUAIS
FORÇAS PODEROSAS SEDUZEM E MANIPULAM MULTIDÕES.
DISCUTE AS SOFISTICADAS ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS E DE
INFORMAÇÃO USADAS PARA ENCANTAR O PÚBLICO, OPERANDO DIRETAMENTE SOBRE SEUS MEDOS, NECESSIDADES E
DESEJOS INCONSCIENTES. DESMASCARA O USO DE MENSAGENS E IMAGENS OCULTAS (A CHAMADA PROPAGANDA
SUBLIMINAR, HOJE LEGALMENTE PROIBIDA), MAS TAMBÉM OS MÉTODOS APARENTES UTILIZADOS PARA A FORMAÇÃO DA
NOSSA OPINIÃO.
PROVOCATIVO, SURPREENDENTE, REVELADOR,
A ERA DA MANIPULAÇÃO AJUDA A COMPREENDER COMO AS AVES DE RAPINA DA MÍDIA - NA PUBLICIDADE, NOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO, NOS NEGÓCIOS E NA POLÍTICA - ATUAM SOBRE NOSSAS MENTES.
A ERA DA MANIPULAÇÃO CERTAMENTE MUDARÁ O JEITO COMO VOCÊ OLHA O MUNDO AO SEU REDOR.
niiniwm
WILSON BRYAN KEY
A ERA DA MANIPULAÇÃO
Tradução de Iara Biderman
sçgfrfT)
Título original em inglês:
THE AGE OF MANIPULATION
1990 © Wilson Bryan Key
Ia edição: junho de 1993 © Editora Página Aberta Ltda.
Publicado mediante contrato
firmado com Henry Holt and Company Inc.
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Página Aberta Ltda. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sob
qualquer forma, sem prévia autorização dos editores.
ISBN 85-85328-07-X
EDITORA PÁGINA ABERTA LTDA. Rua Germaine Burchard, 286 05002-061-São Paulo-SP Telefone: (011)262-1155 Telefax: (011)864-9320
Í
NDICE
Prefácio .................................................................................. 13
Advertência do autor .............................................................. 21
Capítulo um
PARA AQUELES QUE ACREDITAM PENSAR POR SI MESMOS ............. 25
Capítulo dois
COMO ENTRAR NA MENTE (DESAPERCEBIDAMENTE) ..................... 61
Capítulo três
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA .............................95
Capítulo quatro
MÍDIA: A MÁQUINA DE IAVAGEM CEREBRAL..................................127
Capítulo cinco
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS .......................... 153
Capítulo seis
A COISA VERDADEIRA — REALIDADES SIMBÓLICAS..................... 191
Capítulo sete
CAUSA E EFEITO: A MAIOR DE TODAS AS ILUSÕES ........................ 211
Capítulo oito
As EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS ...................................... 229
Capítulo nove
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM ......................................... 259
Capítulo dez
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE ............. 285
Capítulo onze
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA ..................... 311
Epílogo ................................................................................. 331
Apêndice .............................................................................. 333
Para minha querida esposa, Jan, e nossa gatinha, Cristina— duas damas adoráveis que enriquecem e dividem a vida comigo. Elas nunca
duvidaram que coisas impossíveis sempre são possíveis quando fazem parte de uma causa justa.
“Não faz sentido continuar tentando”, disse Alice. “Não se pode acreditar em coisas impossíveis.”
“Eu ousaria dizer que você não tem muita prática”, disse a Rainha. “Quando eu tinha sua idade, treinava meia hora por dia. As vezes eu
conseguia acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã”.
Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas
PREFÁCIO
1984 de George Orwell ocorreu realmente por volta de 1934. Só que estávamos muito ocupados para perceber.
Marshall McLuhan
Gênio é a pessoa capaz de ver dez coisas onde a pessoa comum vê apenas uma e a pessoa talentosa vê duas ou três.
Ezra Pound
Mais de quinze anos se passaram desde que Wilson Key nos avisou pela primeira vez: “Cuidado!”, de forma bastante parecida com a que
Zeus, o deus grego, chamou a atenção de Narciso. Narciso entorpeceu-se por ficar olhando, indefinidamente, sua imagem espelhada num
lago. Ele não percebeu a identidade da imagem idealizada e apaixonou-se perdida- mente por ela. Como no espelho dos anúncios publicitários
norte-americanos, a imagem refletida era sempre amável, nobre, corajosa, sábia, justa, boa, generosa, bela e confiável. Narciso acabou
padecendo por não poder distinguir a realidade da fantasia.
Desde a primeira edição de Subliminal Seduction em 1973, e dos dois livros seguintes de Key sobre a persuasão subliminar, poucos outros
temas tiveram impacto tão grande sobre o público leitor. E difícil encontrar um estudante universitário que, depois de 1973, não tenha lido ou ao
menos ouvido falar destes livros. Eles ainda são leitura obrigatória em muitas faculdades e universidades. Sua mensagem estendeu-se para
muito além das salas de aula, chegando ao comitê de audiência do Senado, às entidades reguladoras da publicidade, repercutindo até na
discussão internacional sobre a ética dos meios de comunicação.
Como o Ouroborus (a cobra que morde o próprio rabo) da mitologia grega, o livro tornou-se um paradoxo. Key chamou a atenção do mundo
para a violentação das mentes causada pelos anúncios publicitários. Mas seus avisos também tornaram-se cartilhas de técnicas para controlar
o comportamento humano. Apesar da indústria de publicidade ter denunciado o livro e tentado desacreditar o autor, seus livros foram
largamente utilizados pelas agências publicitárias, pelos psicólogos que estudam os meios de comunicação e por outros que trabalham no
maquiavélico campo da fraude e da exploração humana.
A maioria de nós é constantemente pressionada a mudanças de comportamento. Como consumidores, somos incessantemente tentados
pelos anunciantes a comprar produtos, marcas e serviços, na sua implacável perseguição aos nossos salários. Como eleitores, somos
persuadidos e açulados em direção a determinado ponto de vista por políticos que lutam para obter poder sobre nossas vidas e lucros para os
seus patrocinadores. Como seres sociais e éticos, somos bombardeados por incontáveis formas de persuasão pelos fanáticos religiosos e
ideológicos, para que nos tornemos seus verdadeiros fiéis e seus generosos e obedientes escravos. Algumas destas tentativas são abertas,
perceptíveis, postas na mesa, por assim dizer. Outras são bem mais sutis, e mesmo invisíveis para a mente consciente. Virtualmente, todas
estas tentativas de conseguir o nosso apoio e a mudança de nosso comportamento são eficazes em alguma medida. Mesmo aqueles que
resistem são modificados pela própria resistência. Coletivamente, estas tentativas tornaram os Estados Unidos uma terra de ninguém
ideológica, com um número crescente de pessoas desesperadas para encontrar algo — freqüentemente qualquer coisa em que possam
acreditar. Este desespero as torna incomparavelmente vulneráveis às indústrias que manufaturam e administram seus sistemas de crenças.
A maioria das pessoas — especialmente em nossa cultura controlada pela mídia — está inconsciente das hábeis estratégias utilizadas para
dirigir nossos destinos. A maioria é educada para ignorar sua participação na consciência cultural coletiva, o que a torna suscetível a
doutrinações. A vulnerabilidade à manipulação foi cedo imposta às culturas ocidentais por séculos de condicionamento à lógica e à linguagem
descritas pelos filósofos da Grécia antiga. Popularmente, ainda é nutrida a ilusão de que individualmente os seres humanos — cada um por si
próprio — têm total controle de seus pensamentos, valores e comportamentos. Acreditamos pensar inteiramente por e para nós mesmos. Esta
fantasia alimenta uma autopercepção que é geralmente
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perigosa para a sobrevivência e o ajustamento do ser humano — é um calcanhar de Aquiles intelectual.
É fácil distrair-se com as devassas ilustrações que aparecem no livros de Key. Elas são simultaneamente hilariantes e estranhamente
dolorosas. Os leitores freqüentemente ficam em dúvida entre rir ou chorar. As fotografias desmascaram a incrível vulnerabilidade das pessoas
às tecnologias de persuasão, as pomposas pretensões de moralidade, piedade, convicções e ideologias que permitem que sejamos
manipulados para qualquer direção que valha um investimento de tempo, dinheiro e poder. Elas revelam que o slogan “a verdade na
propaganda” foi apenas mais uma maldita mentira imaginada por um diligente publicitário. Elas também revelam a camuflagem que a liderança
da sociedade desenvolveu para velar sua incalculável mesquinharia, seu cruel abuso dos desejos humanos de decência, honestidade e
probidade. As indústrias de mídia publicitária proclamam continuamente, em alto e bom tom, o que elas altruistica- mente têm feito por nós.
Nós deveriamos já há muito tempo ter perguntado o que elas fazem em nós. As ilustrações provavelmente mascaram a natureza subjacente
mais significativa do sistema linguístico cultural que permite e torna aceitável a violentação causada pelos meios de comunicação. Os críticos
da mídia freqüentemente concentram-se nas árvores e esquecem-se da floresta.
Além do espetáculo proporcionado por esta exposição de obscenidade mascarada de respeitabilidade, de credulidade ingênua mascarada
de sofisticação, de fraudes e mentiras mascaradas de verdade, talvez as partes mais significativas do texto sejam as de aprofundamento nas
estruturas arquetípicas tanto da linguagem quanto da cultura. O uso e abuso das leis da lógica de Aristóteles (que não são leis propriamente
ditas) é algo raramente criticado pela sociedade atual, uma sociedade persuadida de ter chegado às verdades últimas. Só estas partes já
valem o preço do livro.
Um dos maiores enigmas que atravessa a história é, ainda, a natureza da mente humana. As provas de como o cérebro recebe, processa,
armazena, recupera e comunica-se com outros cérebros são incompletas, hipotéticas e inconclusivas. Um calhamaço de pesquisas realizadas
por inúmeros cientistas e filósofos tenta construir ordem a partir da complexidade e caos aparente dos processos de intelecção e linguagem. A
despeito de tudo, o caos, a dúvida e a incerteza ainda prevalecem. As operações da mente humana não têm, nem remotamente, algo a ver
com as de um computador, embora isto tenha sido, por muito tempo, um blefe lucrativo utilizado pela indústria de computadores. Existem
infinitamente mais questões do que respostas sobre o cérebro e como ele funciona. Parece que este desequilíbrio vai persistir indefinidamente.
Na maior parte das áreas de pesquisa metódica, os pesquisadores não trabalham nem teorizam no vazio. O assim chamado método
científico está totalmente envolvido com a linguagem, a cultura e com as motivações humanas, conscientes e inconscientes. Os modos pelos
quais um problema é percebido; como as hipóteses, sínteses e métodos são estabelecidos; quais procedimentos de avaliação são aplicados; e
os princípios e conceitos utilizados para a teorização, tudo isto leva a avaliações e conclusões tomadas tanto consciente quanto
inconscientemente. A noção de objetividade é tão mitológica quanto o eram os deuses no topo do Monte Olimpo. As conclusões, sejam elas
científicas ou não, têm de ser expressas em fragmentadas abstrações matemáticas ou verbais, simplistas e lineares.
A realidade é infinitamente complexa, múltipla, integrada, em constante mudança e sujeita aos caprichos da percepção humana. A
linguagem verbal, e mesmo a matemática, é simplista, limitada em suas definições, regrada, seqüencial, rígida e imutável. As linguagens em si
não têm nada a ver diretamente com as realidades que tentam descrever, exceto, talvez, nas remotas fantasias da abstração perceptiva do
homem. Palavras, objetos, e as incertezas da percepção humana envolvidas em cada abstração garantem que a verdade, se tal abstração
pudesse ter sentido, continuará sempre acima da compreensão do intelecto humano. Uma generalização funcional, pragmática, experimental,
verbal ou matemática parece ser o mais próximo que os homens podem chegar de uma verdade última e definitiva — embora sempre
experimental — sobre qualquer coisa.
Se o problema descrito acima fosse amplamente reconhecido, havería uma probabilidade muito menor de os homens anui arem-se a si
mesmos em tentativas orgulhosas e patrióticas de salvar o mundo do que quer que queira a neurose de massa em voga. Se Leakey está certo,
a espécie humana apareceu há cerca de quatro milhões e meio de anos. Portanto, qualquer evento isolado percebido pelos homens é uma
mera gota num
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enorme oceano. A simples sobrevivência e ajustamento com seres dignos, tolerantes, afetuosos e altruístas seria passível de desenvolver-se
em uma doutrina fundamental da existência humana. A doutrina deveria recordar-nos, a cada manhã, quando nos olhamos no espelho, que
apesar dos milhares de deuses, filosofias, ciências e “verdades” inquestionáveis que os homens criaram com sua linguagem através da
história, ninguém descobriu até agora como fazer um simples verme.
Marshall McLuhan chamou aqueles elementos com os quais o indivíduo interage, consciente ou inconscientemente, como o “meio
ambiente”. Existem sempre tantas partículas perceptivas dentro deste meio que é inconcebível que algum indivíduo pudesse concentrar-se
conscientemente sobre todas as coisas ao mesmo tempo. A percepção consciente é, portanto, sempre fragmentária. Como as percepções
visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa são inumeráveis, contínuas, e sobrepostas, a mente humana não pode lidar simultaneamente com
todas elas. A habilidade de isolar, concentrar-se sobre ou abstrair de uma pequena parte das percepções disponíveis em determinado
momento, um processo linguístico linear, lógico e voltado para definições, é considerada a base para avaliações da inteligência — o que quer
que isso signifique de pessoa para pessoa e de um dia para o outro.
O processo parece ser uma concentração sobre uma pequena porção de percepções, pela exclusão das outras percepções que competem
com esta. A realidade percebida conscientemente é geralmente uma enorme simplificação e abstração da realidade verdadeiramente
perceptível. A miríade de percepções que o conhecimento consciente não enfatiza, põe de lado, torna desfocada, relega ao segundo plano
e/ou reprime, permanece no arquivo inconsciente da mente por períodos variados de tempo. Talvez algumas das percepções fiquem
armazenadas permanentemente.
Você pode experimentar este processo ao deixar de tomar consciência dos estímulos perceptivos que estão ocorrendo enquanto você lê estas
páginas. Se sua concentração no que está escrito é suficientemente intensa, a maioria das percepções periféricas serão registradas apenas ao
nível inconsciente, até que sua atenção seja desviada da figura (as palavras) para alguma parte do campo (as percepções periféricas). As
percepções, é claro, podem ser tanto geradas internamente quanto estimuladas exter A
namente, como, por exemplo, quando sua concentração vagueia destas palavras para pensar momentaneamente no belo par de pernas que
você percebeu enquanto chegava na faculdade esta manhã. Ou então sua atenção nas palavras pode diminuir na medida em que elas
induzem a associação com outros assuntos, autores e argumentos.
Estas percepções periféricas inconscientes geralmente podem ser trazidas para o nível consciente por meio de técnicas tais como a
hipnose e a narcosíntese. Sob hipnose, o sujeito freqüentemente recorda-se de detalhes de chapas de carros e outras minúcias que seriam
inalcançáveis conscientemente. Em numerosos experimentos, puderam ser recuperadas até mesmo as conversas ouvidas durante cirurgias
sob anestesia. O fornecimento da dados sensoriais parece ocorrer contínuamente, com uma prodigiosa quantidade de informação sendo
despejada na mente, mas apenas pequenos pedaços emergindo para a mente consciente. A percepção é total e instantânea no nível
inconsciente, mas extremamente limitada no nível consciente.
Durante dois mil anos, o meio circundante das culturas ocidentais foi focalizado conscientemente naquilo que parecia lógico, linear,
racional, conectado, verbal, aritmético e simétrico. O sistema lógico-linguístico tradicional foi definido pela primeira vez por Aristóteles, embora
estas idéias remontem de três mil anos antes de Cristo, ao Código de Hammu- rabi. A descrição verbal-aritmética do mundo físico feita por
Newton, a visão simétrica das relações espaciais na geometria de Euclides, as visões nítidas, sistemáticas, razoáveis e lógicas da realidade
começaram a explodir no início do século XX. Estas certezas r rganizadas linguisticamente começaram aos poucos a parecer meras fantasias.
Muito pouco da percepção humana continuou a parecer certo, permanente e incontestável. As visões organizadas da linguagem e da cultura
começaram a se transformar em fé naquilo que as pessoas desejam que seja verdade, em projeção e construção. As contribuições poderosas
de escritores como Marx, Darwin e Freud tomaram de assalto a sabedoria convencional. A linguagem, a lógica e a ordem tradicionais foram
transformadas em ruínas. Visões novas e muito sutis do animal humano foram corroendo aos poucos as certezas dos modos de pensar mais
antigos e simplistas.
A lógica não-aristotélica invadiu a ciência, a arte e a filosofia. A geometria não-euclidiana devastou os meios tradicionais de observar as rela
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ções espaciais. A física não-newtoniana tornou-se a base da mecânica quântica e da relatividade, a nova ciência das partículas nucleares e de
electrons. Considerações sobre o inconsciente humano tornaram obsoletas as antigas platitudes sobre os motivos e percepções humanas. O
mundo reagiu aos novos modos de pensamento, e sua ameaça aos interesses pessoais, à sabedoria convencional e ao status quo,
colocando-se em uma confusa defensiva.
As velhas formas nunca renunciam ao seu domínio de modo fácil e indolor. Elas desenvolveram-se para representar os interesses
adquiridos da civilização ocidental. As novas formas de pensar e raciocinar surgiram como ameaçadoras e até violentas. As instituições
religiosas, sociais, políticas, econômicas, científicas e filosóficas lutaram tenazmente para suprimir as mudanças e inovações. Mesmo assim, o
melhor e mais lógico dos mundos começou lenta e inexoravelmente a ser percebido como o pior e mais ilógico.
Hoje em dia, qualquer pessoa terá de passar sua experiência de vida em meio a esta quase invisível revolução de idéias, conceitos,
valores, tradições, ideologias e relações humanas. As fantasias de certeza, permanência e simplicidade tornaram-se, de forma quase sempre
trágica, obsoletas. A compreensão dos conceitos de processo e mudança tornou-se um imperativo para a sobrevivência. Este imperativo
também é levado pelas contínuas crises atribuíveis ao crescimento expo- nencial da população mundial, ao esgotamento dos recursos
naturais, à distribuição de poder e renda injusta e inaceitável, à devastação do meio ambiente causada pela poluição e pela ambição, e pelo
mais ater- rorizante de todos os espectros, pairando como uma nuvem negra sobre as populações da terra que lutam entre si: a devastação
pela guerra ou acidente nuclear.
Desta forma, parece vital para a sobrevivência que os seres humanos aprendam a superar — ao menos em certa medida — sua
vulnerabilidade à manipulação. Para que a democracia e a liberdade possam desenvolver-se em abstrações que tenham sentido além da
retórica desonesta, in- teresseira e vulgar dos discursos de campanhas políticas, os homens precisam romper com os tradicionais modos de
pensamento. Isto será doloroso, muito doloroso. O simplista senso comum deve constituir a mais perigosa ilusão perceptiva do mundo. O
senso comum é frequentemente muito enganoso e deveria ser sempre considerado junto com uma severa admoestação de cuidado!
Aqueles que ainda rejeitam inflexivelmente o predomínio da tecnologia de manipulação subliminar caem em duas categorias gerais:
aqueles cujos interesses velados são os de continuar a explorar e manipular os seres humanos, incluindo muitos que exploram o fanatismo
político, religioso e comercial; e aqueles que rejeitam a noção de persuasão subliminar porque odeiam, não confiam e não gostam de nada que
seja novo. O novo é usualmente percebido como ameaçador, subversivo e herético.
Key realizou uma obra de mestre ao explorar a contínua busca da verdade através da qual os homens podem sobreviver às suas loucuras,
fraquezas e tecnologias. Sua compreensão da batalha de crenças da propaganda mundial pode dar uma contribuição significativa à luta pelo
entendimento e pela paz mundial. A busca da verdade é, com certeza, algo muito diferente do que a descoberta de uma verdade eterna. Uma
vez que uma verdade eterna é descoberta, o aprendizado, o progresso, o crescimento e a liberdade tornam-se restritos, preconceituosos e
desfocados. As opções humanas diminuem inevitavelmente. Afinal, se uma verdade fosse válida por todo o tempo, em todos os lugares e para
todas as pessoas, haveria muito pouca necessidade de acreditar-se nela, fazer propaganda desta verdade, lutar por causa dela e matar em
seu nome.
Cuidem-se!
Bruce R. Ledford
Professor de Mídia na Auburn University (Auburn, Alabama)
ADVERTÊNCIA DO AUTOR
Os leitores podem fazer uso prático deste livro de duas maneiras. As idéias e informações podem ser usadas por qualquer pessoa que viva
num meio dominado pela mídia para proteger-se contra a exploração causada pelos símbolos em forma de palavras ou imagens. Os leitores
devem tor- nar-se capazes de adquirir uma maior autonomia — liberdade de crença e ação. Com certeza os leitores poderão libertar-se em
certa medida dos efeitos desumanizadores do merchandising dos meios de comunicação, que influenciam suas personalidades e
relacionamentos.
A segunda maneira de usar este livro é para os leitores preocupados apenas com a auto-indulgência propagada pela mídia. O livro poderá
prepará-los para lucrativas carreiras em publicidade e relações públicas. De fato, desde que Subliminal Seduction foi lançado, em 1973, as
técnicas subliminares tornaram-se bem mais persuasivas, sofisticadas, mais avançadas tecnologicamente e aplicadas mais eficazmente para
anestesiar a população norte-americana contra a intromissão da realidade no seu dia-a-dia. Poucos profissionais de mídia e propaganda não
estão familiarizados com meus três livros anteriores. Alguns estão tão bem informados que poderiam passar por rigorosos exames sobre o
assunto. Em público, no entanto, eles sustentaram uma imperturbável inocência, repetindo ad nauseam que a percepção subliminar não existe.
A defesa chavão da indústria de propaganda é que a minha “mente suja” é responsável por toda a controvérsia. Executivos de publicidade,
professores e apologistas da mídia em geral recusam-se a discutir as mais de quinhentos pesquisas publicadas que confirmam os efeitos de
estímulos subliminares em dez áreas mensuráveis do comportamento humano.
A intenção dos livros foi expor, criticar e revelar a mais perigosa afronta à sanidade, à liberdade e à sobrevivência que ameaça atualmente a
população da Terra. A doutrinação subliminar pode mostrar-se mais perigosa que as armas nucleares. A substituição de fantasias culturais no
lugar de realidades, numa escala massiva e mundial, ameaça a todos neste precário estágio da evolução humana. As chances atuais parecem
favorecer a devastação total.
O paradoxo de um livro que serve na verdade àquilo que ataca não é incomum na história das idéias. Qualquer empreendedor capitalista
estudará com cuidado os novos desenvolvimentos intelectuais no mundo socialista para descobrir as fraquezas tanto da economia socialista
quanto da capitalista, assim como os executivos, dirigentes e líderes dos países socialistas estudarão cuidadosamente o capitalismo ocidental.
O estudo das críticas e da concorrência é a primeira regra para a sobrevivência. Ao mesmo tempo, é necessário atacar, ou fingir atacar, a
concorrência a todo momento.
Na percepção humana — o que inclui tudo o que os seres humano sabem ou pensam saber, consciente ou inconscientemente — nada é
que parece ser. A primeira parte deste livro trata de imagens, a maioria d‘ anúncios, colocando em dia o que foi apresentado nos três primeiros
li vros. A segunda parte ocupa-se da linguagem e da cultura, e a eficaz lavagem cerebral que elas realizam para que as populações prefiram
fantasias ao invés de realidades.
Há muito proveito em molecularizar — separar em pequenos e reveladores pedaços — a indústria da mídia. Sua anatomia dissecada
embaraça os manipuladores e assusta suas vítimas. Há muito o que aprender com ela sobre como os homens pensam ou deixam de pensar. A
mídia de publicidade demonstra o pior da venalidade e credulidade humanas e revela como as linguagens, imagens e culturas servem mais
para escravizar do que para esclarecer, a menos que o público seja educado para discernir entre fantasia (como gostaríamos que o mundo
fosse) e realidade (a limitada fração de realidade acessível à percepção consciente).
A publicidade é movida por um motivo humano simplista e quase universal: vender, vender, vender. Por comparação, tanto as belas-artes
quanto a literatura são criadas por uma complexidade de motivos — di
ADVERTENCIA DO AUTOR • 23
fusos, contraditórios e paradoxais. As inspirações artísticas mais profundas envolvem as percepções singulares do mundo realizadas pelo
artista. Deve ser por isto que a produção artística criativa geralmente sobrevive através dos séculos como uma significativa experiência
humana.
As intenções manipuladoras da propaganda e das relações públicas produzem imagens para uma percepção consciente momentânea,
seguida de repressão e armazenamento na memória inconsciente. Elas são criadas para não serem reconhecidas, para serem experiências
insignificantes a nível consciente. Esta, de fato, pode ser denominada a Era da Manipulação.
Os homens parecem não ter aprendido muito da experiência milenar desde que existimos na Terra. Nos Estados Unidos, enxerga-se a
história como tendo começado com John Wayne no Alamo ou, para os mais jovens, com os Beatles. Nossa cultura, organizada para otimizar o
retorno dos investimentos em mídia, raramente permite que aprendamos com a experiência. Isto pode constituir o calcanhar de Aquiles do
homem moderno.
Este livro pretende mudar o modo pelo qual os indivíduos percebem o mundo em que vivem. Se conseguir isto, nada será como antes.
CAPÍTULO UM
PARA AQUELES QUE ACREDITAM
PENSAR POR SI MESMOS
Estamos à mercê de influências sobre as quais não temos conhecimento consciente e, virtualmente, não temos nenhum controle consciente.
Robert Rosenthal, Pygmalion in the Classroom
As pessoas querem ser enganadas, deixe-as serem enganadas.
Populus vult decepi, decipiatus
Cardeal Cario Caraffe ao Papa Paulo IV
De várias maneiras, a criatividade e a doença mental são os lados opostos da mesma moeda.
Aston Ehrenzweig, The Hidden Order ofArt
Este livro é sobre o abuso do homem pelo próprio homem. A tecnologia de ponta de persuasão de massas atingiu níveis de sofisticação muito
maiores do que a maioria dos indivíduos imagina. Muitos ainda agarram- se desesperadamente à ilusão de que pensam por si mesmos,
determinam seus próprios destinos e exercem, tanto individual quanto coletivamente, seu livre-arbítrio (o grande mito subjacente à ideologia
democrática) ; agarram-se à ilusão de que a propaganda age em interesse do consumidor; e, talvez a maior auto-ilusão de todas, de que
podem facilmente discernir entre fantasia e realidade. Este livro tenta romper com estes antigos e insensatos lugares-comuns.
As considerações que se seguem podem ser utilizadas para repelirmos o ataque diário de falsas informações, tão devastador para a
liberdade e a autonomia. Tomando consciência de como o vilão entra em sua mente, você ao menos tem a opção de rechaçá-lo. As
tecnologias de exploração parecem estar bem mais desenvolvidas nos países capitalistas do que nos socialistas, mas esta é uma questão
acadêmica. A tecnologia nunca é um segredo que pode ser mantido. Ela é sempre acessível a todo aquele que dispõe de tempo, dinheiro e
motivações. A engenharia do consentimento invade a percepção humana tanto no nível consciente quanto no inconsciente, especialmente no
último. Uma vez que o inconsciente grupai ou coletivo foi programado com o que é chamado de cultura, qualquer mercadoria pode ser vendida
para os níveis conscientes.
A doutrinação psicológica também ocorre através das estruturas lin- güísticas, pressupostos culturais e das perspectivas, bastante
maleáveis, que o homem tem em relação a si mesmo, ao mundo e às relações percep- tivas com o que displicentemente é aceito como
realidade. Em termos de sobrevivência e ajustamento, isto deve ser bem mais significativo do que as imagens obscenas embutidas nas
propagandas.
Este livro examina os esforços para fazer os fins justificarem os meios — uma perversão que não desapareceu durante a evolução humana.
Não faz muito tempo, os Estados Unidos pareciam querer exterminar as populações do Vietnã, Camboja e Laos, para salvá-las do comunismo.
O comunismo, é óbvio, é uma idéia, e como a maioria das idéias é interpretado de forma diferente ao redor do mundo. A loucura de sacrificar
milhões de vidas por causa da percepção de uma idéia devia ser algo aparente, mas não é. Os homens são singularmente perigosos porque
sua cegueira perceptiva não lhes permite ver que são perigosos. Há fanáticos nos governos de todo o mundo que querem justificar
assassinatos em massa em nome de suas fantasias ideológicas. Este desejo de trair o espírito humano pela arrogância, ignorância, pelo
conhecimento “absoluto”, pela desumanização e pela irresponsável busca de lucro e poder deveria assustar-nos — mas raramente o faz.
Os homens dificilmente assustam-se; eles esquecem-se muito facilmente. A busca mais enobrecedora do gênero humano através da
história é a busca da verdade. No entanto, cada vez que acredita-se ter descoberto a verdade, tudo resulta em trágicos danos. Os convertidos
à última versão da verdade geralmente terminam como vítimas, junto com os descrentes que haviam vitimizado. A verdade é um produto da
percepção humana.
A herança dos meios comerciais de comunicação de massa dos EUA remonta no mínimo ao filósofo grego Protágoras (485-410 a.C.)
Protágo- ras foi o mais famoso dos sofistas, conhecido pela máxima: “o homem é a medida de todas as coisas”. Tendo deliberado sobre a
relatividade das percepções e dos julgamentos humanos, Protágoras acabou sendo acusado de heresia, seus livros foram queimados e ele
morreu no exílio.
Os primeiros sofistas gregos eram professores de retórica, então considerada, nas palavras de Aristóteles, como “todos os meios de
persuasão disponíveis”. Sofista significava originalmente uma pessoa “esperta” e
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 29
“hábil”. Os sofistas foram acusados por Platão e Aristóteles de não procurar verdades objetivas. A única preocupação dos sofistas, segundo os
seus críticos, era vencer um debate — e alegava-se que para obter esta vitória eles estavam preparados para usar meios desonestos. Pelo
interesse de seus clientes, que pagavam altas taxas, os sofistas supostamente atacavam valores tradicionais da sociedade grega. Este foi o
seu erro fatal. Eles são lembrados hoje quase que somente através de seus críticos, que nos contam que os sofistas preocupavam-se apenas
com o poder e o sucesso, e não com a verdade. Os sofistas buscavam entender a estrutura das sociedades humanas, as relações entre
palavras e coisas, entre observadores e suas observações e entre a realidade e as percepções da realidade. Protágoras era bastante
conhecido por suas preocupações morais e éticas. Os críticos, no entanto, afirmam que as doutrinas dos sofistas eram desonestas e os
acusam de enfraquecer a fibra moral dos gregos. Os sofistas não concebiam nenhuma verdade permanente e duradoura, nenhuma lei
divinamente sancionada e nenhum código de valores eterno e transcendente. O movimento sofista desapareceu da filosofia grega por volta do
século III a.C., mas teve um poderoso efeito na filosofia, ciência e no conhecimento dos séculos seguintes como uma antítese (algo para opor-
se) . Sofisma é, hoje em dia, um termo usado para designar argumentos ou raciocínios falaciosos.
Platão, embora antagonista dos sofistas, aceitava sua visão de que todas as percepções são relativas ao tempo, espaço e à situação do
sujeito que percebe. Aristóteles, ao contrário, buscava comprovar verdades objetivas. A lógica aristotélica serviu às elites dominantes da
sociedade ocidental por mais de dois mil anos. Aristóteles demonstrou, através da lógica verbal e silogística, a existência da verdade. Durante
a Idade Média, os filósofos escolásticos católicos adaptaram a lógica aristotélica para justificar e ratificar a autoridade papal, a hierarquia social,
a escravidão, a lei canônica, a doutrina teológica e, o mais importante, para provar a existência de Deus. A lógica aristotélica tornou-se a base
do raciocínio filosófico, religioso, social, econômico e legal do Ocidente. Protágoras foi esquecido e suas perspectivas sofistas foram ignoradas
ou consideradas falsas e prejudiciais. Se as visões de Protágoras tivessem sido tão úteis às elites que estiveram no poder nestes dois milênios
como foram as idéias de Aristóteles, a civilização teria tomado um caminho bem dife
30 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
rente — talvez um caminho onde houvesse bem menos derramamento de sangue.
Os sofistas foram os primeiros expositores que se tem conhecimento do relativismo perceptivo, cultural e epistemológico. A medida das
coisas, em sua visão, não era Deus ou uma verdade filosófica, científica, abstrata, mas sim os seres humanos com suas necessidades e sua
busca pela felicidade. O relativismo dos sofistas melindrou muitas pessoas por apresentar-se como uma receita para a anarquia moral, uma
negação das verdades duradouras e uma ameaça perceptível às elites então no poder.
A sofistica floresceu no século XX sob outros rótulos, definições e racionalizações sócio-econômicas. Ela tornou-se bem mais sofisticada e
os sofistas aprenderam a não declarar o fato de serem sofistas. Eles aprenderam fingir aceitar, em público, a “realidade objetiva”. Para que a
sofistica fosse aceita num mundo aristotélico, era preciso que ela não fosse percebida como sofistica. Assim, os modernos técnicos de mídia
devem disfarçar sua tecnologia sob um manto de verdades dignas de crédito. A mídia deve atingir as características demográficas e
psicográficas mais desejáveis do público no interesse de seus clientes. O que parece crível para um extrato do público pode parecer ilusório
para outro. Os apelos devem vender produtos, idéias e indivíduos independentemente do real mérito ou natureza do produto.
A indústria de comunicação opera sobre a base sofista de que todas as coisas são relativas, de que as vendas e a credibilidade são os
critérios de eficiência, que a verdade é uma mercadoria adaptável, maleável e, até mesmo, passível de ser sacrificada. A verdade, como
qualquer profissional de mídia sabe, pode ser criada, ignorada, adaptada a qualquer propósito, modificada ou virada pelo avesso. A verdade
ganha credibilidade e torna-se válida aos olhos do espectador e não mediante uma rigorosa estrutura de fatos confirmáveis. Esta perspectiva
relativista não pode, no entanto, ser percebida conscientemente pelo público.
No treinamento dos profissionais de comunicação, tenta-se fazer com que os técnicos coloquem de lado suas convicções pessoais, seu
compromisso com uma causa, perspectiva ou ideal e mesmo que abandonem suas preferências individuais. A “objetividade profissional” é
apresentada como um ideal que elimina, ao menos na imaginação, os preconceitos
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 3 1
humanos. Os técnicos de mídia trabalham para qualquer produto, marca, político ou indivíduo que possam contratá-los.
Os executivos de mídia norte-americanos trabalham num meio de relativismo sofista, medindo constantemente a relação custo/benefício
com as vendas, votos ou mudanças de atitude e opinião. As verdades são manufaturadas para pôr as coisas em ordem; as realidades
percebidas pelo público são manipuladas para parecerem realidades objetivas. No entanto, os profissionais de mídia não podem criar ilusões e
fantasias críveis por acidente. Eles precisam saber o que estão fazendo. E devem também ocultar do público o que estão fazendo ou o fato de
estarem fazendo algo além do que é superficialmente óbvio. O público nunca pode ter acesso aos bastidores. As ilusões são destruídas
facilmente, e as ilusões da mídia valem um bom dinheiro.
Este livro usa uma perspectiva sofista quase clássica para desmascarar a cínica sofistica dos meios de comunicação de massa. Ele não
ocupa- se do óbvio, do mundo percebido conscientemente, em que os homens imaginam viver. O que aparece à consciência como lógico e
razoável tem pouco significado persuasivo. O livro investiga as influências que os homens não percebem conscientemente — o subliminar. O
objetivo é tornar uma maior parte do subliminar conscientemente aparente.
AS ESTRATÉGIAS SUBLIMINARES
Há seis técnicas audiovisuais por meio das quais a informação subliminar pode ser transmitida, sem ser conscientemente percebida, que
aparecem freqüentemente na mídia de publicidade. As categorias invariavelmente sobrepõem-se umas às outras. Qualquer exemplo visual ou
auditivo deve incluir uma coleção destas categorias. Inovações criativas não previstas podem exigir uma revisão da categorização, mas as
categorias básicas são:
1. Inversão de Figura/Fundo (ilusões sincréticas)
2. Embutir (imagens)
3. Duplo Sentido
4. Exposição Taquistoscópica
5. Luz em Baixa Intensidade e Som em Baixo Volume
6. Iluminação e Som de Fundo
INVERSÃO DE FIGURA/FUNDO
As percepções visuais e auditivas podem ser divididas em figura — conteúdo, primeiro plano, objeto — e fundo, o segundo plano que serve de
apoio à figura, o espaço em que a figura ocorre. As áreas periféricas à figura normalmente passam desapercebidas e são consideradas
irrelevantes. Os homens, inconscientemente, sempre distinguem a figura do fundo, separando os dois. A atenção consciente focaliza a figura,
enquanto o fundo fica subordinado e é percebido inconscientemente. Para indivíduos alertas, de percepção sensível, que experimentam todas
as dimensões possíveis do objeto da percepção para obterem novas e significativas informações, afigura e o fundo aparecem num estado de
fluxo contínuo. Num nível baixo de sensibilidade, a figura e o fundo permanecem rigidamente fixos, estáticos, fechados em si mesmos.
A famosa imagem do “cálice ou faces” explica a idéia das gerações nos livros de introdução à psicologia. Outro exemplo bastante conhecido
de ilusões de figura/fundo (ou sincréticas) incluem a mulher velha eajo- vem, o pato ou coelho, vaidade (uma bela mulher olhando-se ao
espelho) ou morte (uma caveira) e os famosos esboços de Rubens — uma série de desenhos onde uma ilusão é percebida de um lado de uma
linha e a outra é percebida do outro lado. Menos de 1 % da população adulta dos EUA tem visão sincrética — a habilidade de perceber ambos
os lados dessas ilusões (figura e fundo) simultaneamente. No entanto, as experiências sugerem que a relação figura/fundo é facilmente
perceptível durante um transe hipnótico. A maioria das pessoas parece ter um potencial latente e inconsciente para a visão sincrética.
Mas os artistasjá sabem há séculos que o fundo é tão importante para a experiência visual e cognitiva quanto a figura. Em várias pinturas
famosas, o fundo geralmente contém as informações mais significativas, os dados necessários para chegar-se ao sentido da obra. Os artistas
da publicidade acabaram aprendendo que a figura poderia ser reduzida à banalidade — uma apresentação da informação segura, que não
causa controvérsia nem desafia. O fundo, por outro lado, poderia conter as proposições realmente excitantes, os dados vitais percebidos
inconscientemente. Um exemplo simples da inversão figura/fundo é o desenho das quatro plantas (figura 1: ver caderno de fotos).
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 33
AS FLORES NO JARDIM
Esta pintura foi criada por um procurador de São Francisco, August Bullock. Ela foi impressa nas camisetas da marca Subliminal Sex, que
foram vendidas nas lojas Macyos da Califórnia e da Geórgia e na loja Bambergeris em Novajersey. As duas flores da esquerda aparecem em
íntima proximidade. A planta da esquerda enroscou gentilmente uma gavinha ao redor da planta a sua direita. Se as plantas fossem pessoas,
elas pareceriam estar envolvidas afetivamente.
Com um pouco de imaginação as duas plantas da esquerda parecem ter gênero sexual — um rapaz e uma moça. As flores têm uma
importância simbólica tão grande quanto a biológica—mas mesmo assim o simbolismo raramente é estudado nos Estados Unidos. Existem
boas razões para que os seres humanos, especialmente as mulheres, gostem de flores — mesmo de pinturas de flores. As flores são os
órgãos reprodutivos das plantas.
Em contraste, a terceira planta com a grande coroa está separada das duas flores amorosas da esquerda — sozinha, alienada, tentando
estabelecer contato com a planta mais a direita, que perdeu a sua flor. Isso descreve a figura do desenho — que trata, óbviamente, daquela
estória de que “o papai plantou a sementinha na mamãe”. Há ainda um pássaro pousado numa folha da planta da esquerda e uma abelha
próxima ao chão, à direita. O fundo, por outro lado, envolve o segundo plano em branco. Procure as áreas em branco para obter mais
informações. Estude cuidadosamente a área entre cada flor antes de ler o que se segue.
Logo acima da grama entre as duas plantas da esquerda, a área em branco se curva para cima e para a direita, formando a letra S. Uma
vez percebido, conscientemente, o S, as outras duas letras costumam aparecer. O E é formado pela área branca entre a segunda e a terceira
planta. E o X aparece entre a terceira e a quarta planta.
Inversões simples de figura/fundo similares a esta são utilizadas regularmente na arte de propaganda. A informação emocional, dramática,
está no fundo, acessível ao nível inconsciente da percepção. A informação contida na figura, sobre o que a imagem trata superficialmente é
banal, não apresenta risco nem ameaça.
A palavra SEX (sexo) é imediatamente percebida pela parte inconsciente do cérebro. A percepção ocorre em micro-segundos. Os as
pectos da percepção que emergem à consciência são processados muito mais lentamente. A percepção consciente, no caso descrito, é
focalizada sobre as flores. A percepção inconsciente lê a palavra guiada pelo mais poderoso sistema da psique humana.
A percepção envolve estímulos conscientes e inconscientes ao cérebro. Os sistemas estão aparentemente interconectados, mas podem
funcionar separadamente. Acredita-se que o inconsciente é o responsável pelas poderosas atitudes básicas e pelos sistemas de crenças. Com
um pouco de ingenuidade — e há ingenuidade de sobra na luta por poder e lucro — a técnica simples de inversão figura/fundo é aplicada para
se- xualizar de tudo na sociedade, de presidentes a esmaltes de unha. Nem 5% dos indivíduos testados conseguiu ler a palavra SEX
escondida.
Outro exemplo de inversão figura/fundo aparece no comercial para a TV da goma de mascar Wrigley’s. Pelo fotograma é fácil perceber que
o rapaz não está com boas intenções (fig. 2). Na cena seguinte (fig. 3), a moça quase derruba a cesta de piquenique. Depois de brincar com a
cesta por um momento, o rapaz ajuda a moça a evitar que a cesta caia. Nesta breve cena, o ponto focal do público concentra-se sobre a cesta
— a figura, a ação primária. Mas, em segundo plano, aparece a informação emocionalmente significante: a mão do rapaz passa por debaixo da
cesta para roçar a genitália feminina. No fotograma final de identificação da marca, Wrygley’s sugere: “Fique numa boa!”. De fato!
INVERSÕES AUDITIVAS DE FIGURA/FUNDO
As relações figura/fundo também aparecem no som. Nos últimos cinco séculos, os compositores desenvolveram técnicas de orquestração que
podem ser descritas como subliminares. Quando uma orquestra executa um acorde, com cada músico tocando um só componente deste
acorde, apenas o conjunto é percebido pelo público. Cada instrumento e as notas que executam no acorde não são diferenciados
conscientemente. No entanto, a variação de uma nota no acorde pode ser detectada.
A composição polifônica tradicional emprega quatro vozes para uma harmonia completa, embora possam ser utilizadas mais ou menos do
que quatro vozes. Neste caso, a relação figura/fundo deve compor-se
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 35
de quatro níveis, e apenas um destes níveis pode ser percebido conscientemente em qualquer momento como a figura. Quem não é músico
geralmente percebe apenas uma voz, melodia ou harmonia melódica. Os músicos em geral podem ouvir conscientemente duas vozes. Alguns
indivíduos podem perceber três. Muito poucos percebem todas as quatro vozes. A complexidade de perceber conscientemente todas as vozes,
muitas vezes com andamentos contrários, é tremenda.
Numa orquestração, no entanto, todas as vozes podem ser lidas na partitura, vertical e horizontalmente. Na vertical, as notas, uma sobre a
outra, são percebidas simultâneamente, em um único intervalo de tempo. Horizontalmente pode perceber-se, no decorrer da partitura, como
cada voz segue uma direção melódica diferente. Mas o ouvido humano agrega as vozes num contínuo unificado de tempo. Inconscientemente,
a mente parece perceber cada voz independentemente, e é capaz de discernir uma da outra. Conscientemente, a continuidade das quatro
vozes é percebida coletivamente.
PERCEPÇÕES DE GÊNIOS
O jovem Mozart ouviu certa vez uma composição polifônica executada pelo coral da Capela Sistina do Vaticano. A complexa partitura era um
segredo guardado pela Igreja por várias décadas. Depois de ouví-la uma só vez, Mozart transcreveu a composição de memória. Ele era capaz
de perceber cada uma das quatro vozes separada e coletivamente, vertical e horizontalmente.
A Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven pode ser considerada a mais magnífica composição da música ocidental, e Beethoven a
compôs depois de ter ficado completamente surdo. Ele nunca ouviu sua obra sendo executada. Sinestesia, algo que a maioria dos indivíduos
executa inconscientemente, acontece quando determinada percepção realizada por um dos sentidos estimula outro sentido. Neste caso, o
sentido auditivo de Beethoven foi estimulado pela percepção visual da partitura. De fato, ele viu como soaria a obra. Muitos indivíduos podem
demonstrar sinestesia durante um transe hipnótico, mas Beethoven o fez conscientemente.
A sensibilidade percepdva é encontrada com mais freqüência em indivíduos criativos, em músicos, poetas, pintores, escultores ou
escritores. Ao que parece, a sensibilidade perceptiva só pode ser ensinada até um certo ponto. Mas tal ensinamento de uma percepção
libetadora é fre- qüentemente considerado subversivo ou contracultural. A flexibilidade perceptiva usualmente fornece uma ampla gama de
opções.
A maioria dos sistemas educacionais ensina as pessoas a concentrarem o foco de consciência em apenas um nível da experiência
perceptiva — uma perspectiva unidimensional. Isto deve-se aos poderosos motivos ideológicos, econômicos, políticos e mesmo religiosos que
estão envolvidos. A partir do momento que as pessoas ultrapassam a percepção simplista e unidimensional, elas tornam-se difíceis de ser
controladas e encaixadas em normas grupais pré-concebidas.
O psicanalista inglês Anton Ehrenzweig tem uma teoria de que a percepção flexível e multidimensional, que aparece com freqüência em
crianças com menos de oito anos, pode ser mantida pela vida toda através de uma introdução precoce âs formas de arte abstrata e não linear
na pintura, música, escultura e literatura. Ele acredita ser possível estender a deliciosa flexibilidade perceptiva das crianças antes de serem
socializadas até a entrada na maturidade e talvez pela vida toda.
Mas a flexibilidade perceptiva apresenta enormes problemas de conflitos em grupos hegemônicos nas culturas conformistas da era
tecnológica, como as dos Estados Unidos, do Japão, da maior parte da Europa e da União Soviética. Os jovens são dirigidos comercialmente
para adotarem valores, comportamentos e identificarem-se com determinados grupos sob a aparência de preferências individuais. Muito deste
condicionamento de consumidores é construído através das artes e cultura de massas, que derivam da publicidade e dos anúncios. Rádio,
televisão, jornais, revistas, música popular, roupas, acessórios e as infinitas formas de lazer — tudo isto é percebido pelo público no nível mais
simplista possível. Eles parecem honestos, francos, diretos: “O que você vê é o que você terá”. Nada no mundo é assim tão simples.
A percepção monolítica é, obviamente, uma ilusão criada para os consumidores. A realidade, conhecida, estudada e manipulada pelo
sistema mercadológico, é perceptivamente complexa. Modos simplistas de ver e de adquirir são formas perceptivas feitas sob encomenda para
crian
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 37
ças superprotegidas, educadas para não crescerem, altamente vulneráveis à manipulação, que acabam se transformando em adultos vítimas
numa sociedade dominada pela mídia.
As vítimas podem ser observadas cantando e berrando histericamente nos concertos de rock e, quando mais velhas, nos encontros de
renovação religiosa. Elas absorvem sem pensar os anúncios na televisão, jornais e revistas. Compram sem parar as novidades nas lojas e
supermercados. Defendem orgulhosamente o consumo de comida enlatada, tabaco, álcool, drogas e outros aditivos oferecidos pela mídia.
Elas recebem com freqüência o rótulo de “massa”, dado pela mídia. Sua realidade é a dos perdedores, dos manipulados, dos persuadidos, dos
alvos de piadas, dos apossados.
O MÉTODO DE EMBUTIR IMAGENS
A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazenda dos EUA (que supostamente regula a publicidade destes setores),
incluiu em sua publicação Novas Leis e Regulamentações, de 6 de agosto de 1984 (veja Apêndice), uma definição de enxertos subliminares.
“Uma das formas dominantes das técnicas subliminares foi descrita como a inserção de palavras ou partes do corpo (enxertos) pelo uso de luz
e sombra ou pela substituição de formas ou contornos geralmente associados com o corpo humano... O consumidor não percebe estas
inserções em um nível normal de consciência, portanto não lhe é dada a opção de aceitar ou rejeitar a mensagem, como ocorre com a
propaganda normal. A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo sustenta que este tipo de propaganda é falsa e enganosa, sendo proibida
pela lei”. As leis aplicam-se apenas aos anúncios de bebidas alcóolicas, incluindo as cervejas.
A Comissão Federal de Comunicações já havia declarado que as técnicas subliminares eram “contrárias ao interesse público, porque têm a
clara intenção de serem enganosas”. A Comissão Federal de Comércio também proibiu o uso de técnicas subliminares (veja Key, The
Clam-Plate Or-gy, pp. 132-149), como o fez voluntariamente o código de ética das indústrias de propaganda e rádio e tele-difusão. Por todo
tempo, dinheiro e esforço que foram gastos pelos órgãos reguladores no controle da persuasão subliminar, podería parecer que a nação está
livre de tão nefasta manipulação. No entanto, as leis que proibem conteúdo oculto na mídia têm sido ignoradas. Nenhuma das leis foi alguma
vez aplicada.
Os enxertos aparecem, a princípio, como se um artista tivesse escondido engenhosamente imagens obscenas ou consideradas tabus
dentro de um quadro. A percepção humana pode ser considerada como total (tudo o que é sentido é transmitido para o cérebro) e instantânea
(a velocidade do fluxo de eléctrons pelos neurônios). Numa percepção visual, apenas 1/1000 do total da percepção registrada pela mente
emerge para a consciência. O restante permanece adormecido na memória. Os enxertos realçam a experiência perceptiva de uma imagem,
intensificando reações como os batimentos cardíacos, operações cerebrais e reações galvâ- nicas da epiderme. A informação emocional
reprimida permanece na memória por um longo período, senão pela vida toda. Nas imagens en- xertadas, nada está realmente oculto — pelo
menos, não para o artista. Uma vez que os espectadores adquirem flexibilidade perceptiva, os enxertos tornam-se imediatamente acessíveis
para a consciência. A única coisa escondida na mídia enxertada é aquilo que o público esconde de si mesmo. A repressão parece ser um
processo compulsivo, provavelmente desencadeado para a pessoa se proteger de informações perturbadoras que provocariam ansiedade.
A ESMERALDA ERETA
O anúncio da esmeralda do gim Tanqueray (fig. 5) apareceu em inúmeros periódicos de circulação nacional, incluindo a revista Time.
Estima-se que a Somerset Importers de Nova Iorque gastou entre três e quatro milhões de dólares para publicar o anúncio. Como na maioria
dos anúncios, o layout foi criado para ser lido em frações de segundos. Não se espera que os anúncios sejam estudados pelos leitores. O texto
raramente é lido. O texto do anúncio do Tanqueray é similar àqueles publicados em jornais médicos. Impresso em tipo pequeno, ele é cheio de
palavras, difícil de ler e compreender. Os criadores df oublicidade sabem que poucos leitores vão realmente ler o texto — neste caso, muito
poucos mesmo,
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... < 39
porque para isto seria necessário um enorme investimento de tempo, concentração e fadiga ocular.
O texto, uma complexa explicação do concurso do Tanqueray, foi criado como um artifício para dar credibilidade ao anúncio. O texto não
lido fornece a razão de ser, a desculpa lógica para o caro anúncio de página inteira impresso em quatro cores. O prêmio, uma esmeralda no
valor de 25 mil dólares, faz com que tudo pareça lógico. A lógica esconde da consciência o que realmente está acontecendo.
O gim sendo despejado, a esmeralda e o copo são, obviamente, pintados, e não uma fotografia dos objetos reais. Os artistas devem
oferecer hipóteses viáveis para o público. Ele deve acreditar que o gim jorra sobre a esmeralda e é derramado no copo, do contrário a pintura
não faria sentido, e o nonsense seria rejeitado pelo público.
Mas vamos suspender a lei da gravidade; ela não se aplica a ilusões pintadas. Uma vez que você determina o que o artista quer que você
perceba, pode-se reverter ou inverter as expectativas do artista. No lugar do gim sendo despejado do alto, imagine o jato do líquido fluindo para
cima, até logo abaixo da letra p (uma letra significativa) da palavra pour.
Um formidável e ereto órgão genital masculino foi enxertado no jato de gim (fig. 31). E óbvio que os anúncios de bebidas alcóolicas nunca
informam os crédulos consumidores de que as pessoas que tomarem gim demais podem se tornar incapazes de tal ereção. Deixando as
fantasias publicitárias de lado, o álcool é provavelmente o mais poderoso inimigo do sexo que os homens já inventaram. Bebidas alcóolicas são
consumidas em larga escala para evitar a intimidade sexual. As fantasias alcóolicas escondem realidades absurdas, patéticas e principalmente
destrutivas.
Além do pênis ereto, uma das faces distorcidas que são freqüente- mente enxertadas nos anúncios de bebidas alcóolicas pode ser
percebida no triângulo da esmeralda, logo abaixo do jato de gim (fig. 30). A face, presume-se, retrata o estado emocional de outro satisfeito
consumidor de Tanqueray. Abaixo do triângulo surge uma cabeça de leão, o rei dos animais que por séculos tem simbolizado o poder e a
resistência sexual. Este anúncio foi criado para pessoas convencidas de que pensam por si mesmas, mas que não podem distinguir entre
fantasia e realidade.
Se alguém ainda acredita que existem coisas que a mídia publicitária não faria para estimular o consumo de álcool — uma droga perigosa
e viciante, responsável por inúmeras doenças e mortes — o anúncio de Tanqueray demonstra o que há de pior entre os mesquinhos artifícios
da publicidade.
BETTY CROCKER É SUPER ÚMIDO
As misturas para bolo Super Moist são produtos da marca Bety Crocker, pertencente à General Mills Corporation de Minneapolis. O
“MMMMMMMMMMoister” anunciado em página dupla (fig. 6) foi publicado em periódicos de circulação nacional, incluindo o Reader’sDigest, o
TV Guide e várias outras revistas femininas. Este anúncio em quatro cores envolveu um investimento de pelo menos cinco milhões de dólares
em espaço publicitário. O tempo de leitura deve ser de um ou dois segundos. Nos testes, apenas um em oito leitores parou para refletir sobre o
texto. As pessoas que lêem os anúncios são como dinheiro na conta dos anunciantes, mas elas não são realmente necessárias. Estes poucos
leitores pòdem refletir conscientemente sobre o subtítulo: “Já existiam bolos em camadas úmidas antes. Mas agora há o Super Moist! ” O texto
adverte, bem concretamente como será verificado, que o preparado “tem um pudim especial na mistura para torná-la incrivelmente úmida”.
Incrivelmente? Sim! Mas isto vem depois.
Há algo de dissonante no pedaço de bolo que está no garfo. Algo de ilógico e dissonante aparece em vários anúncios. Isto parece agir
como uma estratégia preparatória para o conteúdo subliminar, preparando o sistema de percepção inconsciente p .ra uma mensagem mais
profunda — bastante invisível para a percepção consciente. Observe a fatia de bolo. Ou a fatia é do tamanho de um selo postal ou o garfo é do
tamanho de um ancinho.
O anúncio da Betty Crocker é uma pintura que provavelmente representa um investimento de mais de 30 mil dólares na produção de arte.
Lógicamente, o artista deveria ter feito o garfo e o bolo numa proporção razoável. A dissonância foi intencional. Qualquer outra conclusão su-
geriria total incompetência dos executivos que investiram todo este dinheiro num anúncio defeituoso.
A esta altura, o leitor deve ter se concentrado penosamente no anúncio da mistura para bolo, tentando descobrir o que está escondido
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 4 1
na pintura. A maioria não vai descobrir nada de excitante, apenas o óbvio. Não fique tenso! Relaxe! Deixe seus olhos brincarem sobre afigura.
Lembre-se, nada foi realmente escondido pelo artista. São os leitores que escondem (reprimem) a informação tabu de si próprios. Em algum
nível do conhecimento, você já sabe o que se encontra reprimido perceptiva- mente no anúncio.
Bastante habilidade esteve envolvida na pintura do bolo, mas a expectativa do artista era de que nenhum dos dez milhões de consumidores
que viram o anúncio lidassem conscientemente com a realidade. Esta é mais uma arte de dissimulação, em que os observadores
previsivelmente escondem coisas da percepção consciente, do que uma arte de exposição. Os conteúdos do ângulo são banais — há muito
pouco desafio intelectual a nível consciente. Pelo que permanece na superfície da percepção é impossível justificar os milhões de dólares
investidos no anúncio.
Observe despreocupadamente, sem tensão, o que foi esculpido na cobertura do bolo (fig. 32). Qualquer livro padrão de anatomia
confirmará que a forma açucaradamente pintada na cobertura é um gerital feminino tumescente. “Super Moist”, no estado de excitação
retratado, constitui um evento fisiológico normal.
Curiosamente, os órgãos genitais masculinos que aparecem nos anúncios são geralmente dirigidos ao público masculino. Os genitais
femininos são dirigidos às mulheres. Pela lógica convencional, deveria ocorrer justamente o contrário. Mas os enxertos de órgãos genitais
parecem dar melhor resultado quando despertam, inconscientemente, poderosas associações tabus. O modus operandi é a apelação para o
homosse- xualismo latente, a culpa e o medo de violar um tabu. A cobertura de chocolate do bolo faz o velho estereótipo étnico de Tiajemima
parecer uma tempestade num copo d'água. A promessa de Betty Crocker é realmente a cobertura do bolo.
DUPLO SENTIDO
O duplo sentido é freqüentemente usado na fina arte da persuasão. “O Scotch mais cuidadosamente despejado no mundo”, do anúncio de Chi-
vas Regai (fig. 7) é um exemplo típico. Mãos masculinas despejam cari
novamente o Chivas num copo — uma imagem que dificilmente excitará a percepção crítica dos leitores bem-educados e influentes. O anúncio
é uma montagem complexa, cara, trabalhosa e demorada de fazer. O copo, os cubos de gelo, a garrafa, o uísque sendo despejado e as mãos
foram pintados separadamente e depois reunidos. Note a discrepância do tamanho das mãos com o da garrafa. Pense um pouco sobre o ato
de despejar uísque de uma garrafa. Você alguma vez já viu alguém servir a bebida com as mãos nesta posição?
A única coisa que segura-se nesta posição é o pênis no ato de urinar. De fato, é o scotch mais carinhosamente despejado. Este anúncio do
Chivas foi publicado em revistas como a Playboy, Time, U.S. News & World Re- port, Newsweek, etc — um investimento milionário no
marketing de bebidas alcoólicas.
Um outro exemplo de duplo sentido, onde a ambigüidade entrela- ça-se com outra, é o folheto em branco e preto que a Associação
Americana de Agências de Publicidade, publicou na primavera de 1986 (fig. 8). Há muito tempo que a AAAA, um lobby nacional de agências de
publicidade, preocupa-se com a crescente conscientização do público sobre a propaganda subliminar, e este anúncio foi criado para esvaziar
esta discussão. O folheto também implicava um apoio à propaganda de bebidas alcoólicas, que na época estava sendo atacada pelos
legisladores federais e estaduais norte-americanos, pela American Medicai Association, pelo National Institute of Alcohol Abuse and Addiction,
pelos National Insti- tutes of Health e por numerosos outros grupos. O texto do anúncio da AAAA alegava que “desde 1957 as pessoas tentam
encontrar seios nos cubos de gelo”. O texto continua: “Se você realmente procurar, provavelmente vai ver os seios. No que diz respeito ao
assunto, você podería ver também Millard Fillmore, um lombo de porco assado e um Dodge 1946. A chamada propaganda subliminar”, conclui
o anúncio, “simplesmente não existe. Mas imaginações superativas com certeza existem. Se alguém afirma ver os seios, é porque eles estão
nos olhos do observador.” O subtítulo é particularmente interessante: “PROPAGANDA; OUTRO NOME PARA LIBERDADE DE ESCOLHA.”
A American Adversiment Agencies Association (AAAA) mandou milhares destes folhetos para as universidades norte-americanas, numa
tentativa de acabar com a inquietação sobre a propaganda subliminar. A per
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 43
cepção subliminar é comprovada por mais de quinhentos ensaios científicos já publicados (verDixon, SubliminalPerception). Os pesquisadores
confirmaram os efeitos de estímulos subliminares sobre dez áreas mensuráveis do comportamento humano. Uma destas áreas é a atitude de
comprar ou adquirir, um assunto bastante estudado pela indústria de publicidade.
Como foi prometido pela AAAA, as cuidadosas análises não conseguiram encontrar os seios femininos, Millard Fillmore, o lombo de porco e
o Dodge 1946 retratados na cara pintura. Não obstante, foram encontrados uma coleção de faces grotescas, animais, um tubarão e outras
imagens bizarras, algumas delas anamórficas (figs. 33-37), além de um pênis ereto (fig. 38). O coquetel pintado foi enxertado de imagens à
exaustão — poderia facilmente ser enquadrado nas novas normas da Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazenda
dos EUA (ver Apêndice), que proíbem imagens subliminares nas propagandas de bebidas alcoólicas. A pintura original foi aparentemente
revertida de cor para preto-e-branco, e alguns dos detalhes mais sutis foram obscurecidos. Mesmo assim, a lógica é um clássico da Madison
Avenue. Confie em nós, não iríamos mentir para você!, mesmo que isso seja precisamente o que eles fazem para ganhar a vida.
Uma simples fotografia de cubos de gelo, incluindo a cereja, poderia ser feita por algumas centenas de dólares. Uma pintura sofisticada
como a do anúncio da AAAA é muito cara, e o consumidor absorve os custos — de várias formas. Os publicitários não teriam como justificar o
investimento inicial se as técnicas subliminares utilizadas não aumentassem as vendas, aumentando o consumo do produto. E o aumento do
consumo de álcool está diretamente relacionado com o aumento de patologias ligadas ao álcool, de acordo com as correlações descobertas
pela Organização Mundial de Saúde em pesquisas realizadas em doze países.
O duplo sentido sonoro também está bastante difundido. Como nos exemplos visuais, o uso do duplo sentido parece enriquecer o
significado de virtualmente qualquer estímulo simbólico. Foi divulgado que Thriller, a fantasia musical de Michaeljackson, vendeu 22 milhões de
cópias. O álbum gerou outros milhões de vídeos, que promoviam o disco.
O cenário de “Beatlt!”é desconcertantemente simples. Um grupo de rapazes (as mulheres estão totalmente ausentes) entra numa ampla
sala. Eles estão agressivos, tensos, nervosos, procurando briga. Dois
deles começam uma luta de canivetes, e seu combate é grosseiramente coreografado como um balé. Michael Jackson corajosamente
intercede. Finalmente, eles largam os canivetes e então todos participam de uma série precisa de passos de dança, com Michael Jackson
liderando o coro. A estrofe “Beat It”é repetida incessantemente. Só aparece uma outra estrofe reconhecível na música, “No one ivants to beat
it!”As vozes são altas, histéricas, gritadas, lideradas pela voz efeminada de Michael Jackson.
Perguntou-se a cerca de trezentos estudantes universitários quantas vezes haviam escutado “Beat It! ” Dos 97% que haviam escutado a
música, 28% tinham ouvido de uma a 25 vezes; 21% de 26 a 50 vezes; 26%, de 51 a 100 vezes; e 25%, mais de 100 vezes. Os 51% dos
estudantes que ouviram “Beat It! ” mais de 50 vezes foram considerados aficionados e fizeram parte do restante da pesquisa. Se havia algo
significativo sobre “Beatlt!”, eles pareciam os mais aptos a saber. Em questionários anônimos, metade dos aficionados confessou não ter idéia
do significado do título “Beat It!” O restante tentou racionalizar o título como “a batida, ou ritmo da música,” “bater ou brigar com alguém”,
“sair-se bem em algo”, “acusando algo ou alguém (criticando) ”, ou “derrube o sistema.”
SEGREDOS MAL-DISFARÇADOS
Há cinqüenta anos, “beat it” tem sido um eufemismo para a masturba- ção masculina. Nenhum dos aficionados entrevistados (cerca de 1 /3 de
mulheres e 2/3 de homens), mencionou as implicações sexuais de “Beatlt!” A pesquisa foi feita inúmeras outras vezes, com resultados
similares. Os estudantes reprimiram ou esconderam da percepção consciente a realidade de “Beat It!”. O megahit de Michael Jackson retrata
um grupo de rapazes numa sessão homossexual de masturbação. O grupo estava masturbando-se, aliviando as tensões: quando a
coreografia é vista em câmara lenta, cada vez que os bailarinos cruzam a mão direita na frente da área genital, o movimento de masturbar-se é
realizado em perfeito acofde.
Quando alguém não percebe conscientemente algo que espera-se que seja razoavelmente percebido, o fato é geralmente significativo. Os
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 45
jovens tendem a ser reticentes sobre a masturbação. No entanto, o segredo cuidadosamente guardado é conhecido por todos.
O escritor, o diretor, o coreógrafo, o compositor, os fotógrafos, músicos e bailarinos de “Beat It!” tinham que saber conscientemente o que
estavam fazendo, nesta caríssima produção. Eles também tinham de prever (acuradamente) que o público não faria uma relação consciente
com a masturbação grupai, que a realidade seria reprimida. Uma informação tabu de tal natureza, percebida inconscientemente, garante uma
resposta emocional profunda e significativa, além de uma memória duradoura. Durante a pesquisa, uma vez que o aspecto de masturbação
homossexual em grupo tornou-se consciente, os estudantes pareceram quase que unanimemente afastados do disco. Muitos comentaram
sentir náuseas quando pensavam nisto.
PROJEÇÃO TAQUISTOSCÓPICA
Patenteado em 1962 pelo dr. Hal Becker, um professor da Tulane Univer- sity Medicai School, o taquistoscópio de alta velocidade é um projetor
de flashes usado em uma tela de cinema ou mesa de luz para projetar imagens e palavras em alta velocidade. Várias pesquisas demonstraram
que a projeção por 1 segundo/3000 é a que produz mais efeito no público. Embora um pequeno número de pessoas possa perceber
conscientemente os flashes taquistoscópicos nessa velocidade, a maioria só consegue vê-los subliminarmente.
A projeção taquistoscópica raramente é usada comercialmente. Os flashes de alta velocidade não podem ser editados em filme ou vídeo.
Este tipo de projeção foi útil nas primeiras experiências com estímulos subliminares (ver Key, Subliminal Seduction, pp. 22-23), e ainda são
ocasionalmente usados em experiências psiquiátricas (ver Key, The Clam-Plate Orgy, pp. 101-102), e para testes de modelos de anúncio. O
reconhecimento visual varia de velocidade de acordo com o conteúdo visto. O reconhecimento consciente parece ser mais lento em alguns
casos. Palavras de conteúdo emocional, por exemplo, seriam mais difíceis de tornar-se conscientes do que palavras neutras (ver Dixon,
Subliminal Percep- tion, pp. 167-169). Os criadores de publicidade usam muitas vezes proje
ções taquistoscópicas para determinar até onde podem ir com temas tabus subliminares.
Projeções taquistoscópicas mais lentas foram bastante usadas por vários anos. Elas funcionam de maneira bastante semelhante ao
obturador de uma câmera — com velocidades de 1/10 a 1/150 de segundo, e flashes projetados mais lentamente, que são aparentes à
consciência. Durante a Segunda Guerra Mundial, as projeções taquistoscópicas foram usadas em treinamentos militares para a identificação
de aviões, barcos, tanques e armas. Este artifício também é bastante usado em cursos de línguas estrangeiras, para promover o aumento do
vocabulário do aluno.
Cortes taquistoscópicos mais lentos podem ser utilizados em filme ou vídeo, e são amplamente utilizados nas produções de comerciais e
filmes para TV. São realizados cortes rápidos, também chamados de metaconstraste ou “máscara de fundo” (backwarcl masking). Os cortes
rápidos são visíveis conscientemente, mas são mascarados pelo corte rápido seguinte ou pela continuidade do fdme, programada para desviar
a atenção. Os cortes mascarados são subliminares porque não podem ser recordados, mas suas informações têm um efeito retardado sobre a
percepção do público, não muito diferente da sugestão pós-hipnótica.
Visualmente, por exemplo, o metacontraste pode ser usado para intensificar as reações de tensão, medo, pressentimnento ou mesmo de
humor e riso. O corte rápido, seguido por uma distração, gera uma predisposição emocional ou um sentimento sem que o público saiba
exatamente por quê está sentindo aquela determinada emoção. O metacontraste é utilizado com freqüência em filmes para cinema e TV e nos
comerciais. Observe particularmente os comerciais de produtos farmacêuticos e bebidas não-alcoólicas. Os vídeo-clipes transformaram a
utilização do metacontraste numa forma de arte.
As tomadas mostrando reações dos atores à fala ou à ação de outros personagens oferecem um leque de possibilidades para
manipulaçcão do público. Estas cenas de reações raramente são rememoradas, mesmo tendo sido percebidas conscientemente. O público
identifica-se inconscientemente com as cenas de reação de modo muito mais forte do que com as falas ou ações principais.
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 4 7
LUZ DE BAIXA INTENSIDADE E SOM DE BAIXO VOLUME
Mais eficaz do que as projeções taquistoscópicas é a luz de baixa intensidade e sua contrapartida auditiva, o som de baixo volume. Vários
anos atrás, um executivo da área de pesquisas da Coca-Cola explicou como criar um artifício de indução subliminar que fosse muito mais
eficaz, barato e mais difícil de ser detectado do que a projeção taquistoscópica (ver Key, Subliminal SecLuction, p. 23). Ele ligou um reostato na
luz de um projetor de slides. Quando o slide era projetado sobre um filme, a luz era reduzida a um nível imediatamente abaixo do nível em que
a imagem podia ser conscientemente percebida. Também foram feitas várias experiências em níveis de projeção subliminar com a intensidade
de uma vela acima da luz ambiente (ver Key, The Clam-Plate Orgy, pp. 100-102). Estas experiências são primitivas em comparação com o que
foi desenvolvido mais tarde.
Poucas fotografias são publicadas sem serem retocadas. Relaxe e focalize sua visão sobre uma determinada área de uma face, sobre
irregularidades no tom de uma pele ou sobre o segundo plano de uma fotografia. Depois de observar relaxadamente por uns dez segundos,
permitindo que os olhos vagueiem livremente sobre a imagem, uma das três letras, S, E, ou X aparecerá. Quando uma destas letras aparecer,
procure na se- qüência pelas outras duas.
Com um pouco de treino para a investigação perceptiva relaxada, qualquer pessoa pode perceber conscientemente dúzias de palavras
SEX enxertadas nas ilustrações. Estes são enxertos com luz de baixa intensidade, a mesma técnica usada em filmes ou vídeos. Os estímulos
subliminares podem ser enxertados em ilustrações através de várias técnicas — estampas, retoques com aerógrafos ou emulsões para filme
adulteradas. As palavras SEX podem ser enxertadas individualmente ou num mosaico feito com faixas reticuladas em uma ou mais das
separações de cores do líquido para revelação do filme ou do fotolito.
Muitas combinações de letras transmitem a idéia de SEX. Freqüen- temente, a palavra SEX pode estar presente sem incluir as três letras.
Abreviações como SE, ZX, XE, EX, ou nomes como NEXSON ou EXXON são utilizados. O SEX subliminar, no entanto, não tem nada a ver
com o estereótipo da garota de biquini. Os anunciantes sexualizaram vir
tualmente tudo aquilo que anunciam com palavras SEX subliminares. No anúncio “MMMMMM Moister”, da mistura para bolo Betty Crocker (fig.
6), várias palavras SEX foram pintadas levemente na textura do bolo, e vários SEX aparecem no fundo pintado no anúncio do uísque Crown
Royal da Seagram (fig. 15).
Por terem seus sistemas perceptivos sob constante bombardeio, as pessoas têm dificuldade em adquirir um modo de percepção relaxado.
As experiências podem ser frustrantes, o que torna as coisas ainda mais difíceis. A percepção humana torna-se mais inibida quando a tensão
psicológica aumenta. E a tensão cresce quando as pessoas tornam-se mais suscetíveis à persuasão subliminar. Os limites da consciência —
uma linha imaginária que divide a percepção consciente da inconsciente — são menores quando há tensão e ansiedade; quando a tensão
diminui e o indivíduo torna-se mais relaxado, estes limites são ampliados e as informações tornam-se mais acessíveis à consciência.
SE UM OLHAR MATASSE
Um exemplo impressionante de enxertos subliminares é a capa da revista Time de 21 de abril de 1986, com o título de “Target Gaddafi” (fig. 9).
Assinada por um artista chamado Hirsch, a pintura em acrílico retrata um Muammar Gaddafi de feições ríspidas, descrito na matéria de capa
como um “obcecado por uma cruel visão messiânica”. Uma grande parte da matéria de capa foi pesquisada e escrita em antecipação ao
ataque norte-americano à Líbia, mas o exemplar chegou às bancas uma semana após os ataques aéreos a Trípoli e Benghazi, ocorridos no dia
14 de abril.
A capa de uma revista é uma propaganda da própria. Ela tem uma função: vender. As capas da Time, assim como as de outras revistas,
são en- xertadas com informação subliminar, que podem ser facilmente percebidas por qualquer um que esteja familiarizado com estas
técnicas. No entanto, com muita freqüência a preocupação mercadológica ultrapassa os limites da discrição.
Logo acima do olho esquerdo de Gaddafi (fig. 39), surge um óbvio e bem definido X. Partindo da sombrancelha direita, próximo ao nariz, um
S estende-se até a testa, chegando quase a linha dos cabelos. O S é in
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 49
terrompido pela letra I de Gaddafi, pintada de branco e realçada na impressão. A letra E é obscura à princípio, mas pode ser percebida depois
de alguns segundos de observação relaxada. O traço horizontal inferior do E mescla-se com a sombrancelha esquerda. Somando-se a esta
SEX descrito, numerosas palavras SEX em letras menores estão enxertadas por toda a ilustração.
O SEX(o) DE QUEM É MAIOR?
A capa da Time com o retrato do Aiatolá Khomeini, na edição de 26 de novembro de 1979, durante a crise dos reféns iranianos, recebeu
enxertos similares. Um grande SEX foi levemente aerografado na testa do líder iraniano. A capa incluia a inserção de uma pequena fotografia
do então presidente Jimmy Carter. Várias palavras SEX, em letras pequenas, foram enxertadas no rosto de Carter. A pintura em acrílico
retratou Khomeini como uma figura sombria, poderosa e ameaçadora. Em comparação, a expressão de Carter é austera, os lábios estão
cerrados e ele parece na defensiva. A luz forte da foto faz Carter parecer pálido, até mesmo doente. E fácil prever que a Time com Khomeini
vendeu bem, especialmente para aqueles leitores convencidos de que Carter estava agindo de maneira errada e passiva. O SEX do aiatolá
Khomeini era muito maior, muito mais formidável do que os pequenos e tímidos SEX do presidente.
A capa com Gaddafi foi além da simplista comparação subliminar do SEX de um líder contra o de outro. A palavra KILL em grandes letras
maiúsculas foi enxertada na maçã do rosto direito de Gaddafi. Quando é percebida conscientemente, a palavra de quatro letras salta à vista.
Os enxertos subliminares geram efeitos extremamente sutis e poderosos. O psicólogo inglês Norman Dixon comentou que “pode ser
impossível resistir a instruções que não foram percebidas conscientemente”. Vários estudantes que não haviam lido a edição com a capa do
Gad- dafi foram hipnotizados pelo dr. Dixon. A capa da revista foi mostrada a cada um, com o pedido de que os detalhes do retrato fossem
examinados cuidadosamente. Sob hipnose, os indivíduos adquirem uma grande sensibilidade perceptiva. Durante o transe, foi-lhes ordenado
que abrissem os olhos e estudassem novamente a capa. Após acordarem, os estu
5 0 » A ERA DA MANIPULAÇÃO
dantes foram inqueridos: “O que Gaddafi está pensando?” Eles responderam sem hesitação, “Kill!” Uma das estudantes disse primeiro “Reven-
gé!” (vingança); sua segunda opção foi “Kill!” Ela relatou que “Kill” havia sido sua primeira opção, mas ela foi rejeitada por parecer-lhe muito
dramática e artificial.
Em outubro de 1986, seis meses após o ataque de abril à Libia, o jornalista Bob Woodward, do Washington Post, obteve uma cópia do
memorando de sete páginas expedido pelo Serviço de Informação do Departamento de Estado dos EUA (U.S. Department of Stat’s Office of
Intelligen- ce and Research). O documento confidencial sugeria que “uma seqüên- cia de eventos reais e ilusórios poderia criar uma pressão
suficiente para que Gaddafi acreditasse que seus aliados eram desleais, que havia uma forte oposição interna a ele e que as forças
norte-americanas estavam prestes a iniciar outro ataque a Libia.” (ver Woodward, Veil, pp. 471-477). O plano era provocar Gaddafi a realizar
ações que pudessem causar seu assassinato.
A campanha de desinformação contra Gaddafi foi apoiada pelo diretor da CIA, WilliamJ. Casey, pelo diretor de inteligência do NSC e
veterano da CIA, Vincent M. Cannistraro, pelo diretor da Secretaria de Negócios Políticos-Militares do NSC, Howard R. Teicher e pelo assessor
de Segurança Nacional da Casa Branca, John M. Poindexter, que posteriormente foi demitido pelo presidente Reagan por mentiras e
má-conduta no caso Irã-Contras. Representantes das cúpulas da CIA, do Departamento de Estado e da Casa Branca endossaram o plano às
4h30 da tarde do dia 7 de agosto, numa reunião na Sitvadon Room da Casa Branca.
O Secretário de Estado George P. Shultz a princípio admitiu e mais tarde negou que havia aprovado que informações enganosas fossem
plantadas para confundir Gaddafi e o público norte-americano. Outros funcionários da administração Reagan declararam que o objetivo da
campanha de contra-informação foi enganar os jornalistas estrangeiros, e não os americanos. Não obstante, por dois meses a imprensa
norte-americana divulgou inúmeras reportagens falsas, onde fontes anônimas do governo afirmavam que a Líbia e os EUA estavam
novamente em “rota de colisão”, onde a instabilidade do regime de Gaddafi era analisada em detalhes e anunciado que os EUA planejavam
uma ação conjunta com a França para expulsar as forças líbias do Chade. Quando o memorando
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... * 5 1
do Departamento de Estado foi divulgado, no início de outubro, o presidente Reagan negou enfaticamente que tal plano tenha sido aprovado.
“Não estamos mentindo”, ele disse, “ou fazendo alguma destas coisas de contra-informação de que nos acusam.” A honestidade não-afetada
do presidente e seus olhos-nos-olhos com o público reiteravam: “Acredite em mim, eu não mentiria para você! ”
A questão, se a capa da Time de abril surgiu de um simples desejo de aumentar a circulação e o retorno da publicidade ou da cooperação
com o governo, é irrelevante. O efeito da capa foi o de aumentar o apoio emocional dos leitores da Time (cerca de 25 milhões) em relação ao
ataque a Líbia. Reagan prometeu divulgar as justificativas factuais específicas para esta ação militar, mas nunca o fêz. Como justificativa ao
ataque, um porta-voz da administração norte-americana apontou Gaddafi como o instigador do ataque com bombas a uma discoteca de Berlim
Ocidental, ocorrido no dia 5 de abril, no qual um funcionário do governo americano foi morto e vários outros ficaram feridos. Meses mais tarde,
o ataque à discoteca foi creditado a um grupo terrorista sediado na Síria. Uma vez criado um nível suficiente de histeria, qualquer ato militar
parece justificado. Mas a população americana foi ensinada a acreditar que pensa por si própria.
Nos Estados Unidos, a informação jornalística é vendida, mercanti- lizada e manipulada para favorecer interesses comerciais e
corporativos. A validade de tal informação deveria ter sido questionada há muito tempo. O legislativo deveria intimar o artista e os editores que
realizaram, supervisionaram, e publicaram a capa com Gaddafi, se desejasse saber mais sobre a manipulação da opinião pública pela mídia.
Hal Becker, que patenteou o taquistoscópio de alta velocidade; também fabrica e vende processadores que inserem mensagens
subliminares em trilhas sonoras. Seu Audio Processador Subliminar Programável Mark III monitora e retifica as mudanças de volume dos sinais
conscientemente audíveis. Através de um multiplicador eletrônico análogo, os sinais audíveis retificados controlam o nível dos inputs
subliminares de baixo volume. Os sinais audíveis e subliminares são então mixados. Becker explica que o input subliminar aproxima-se tanto
das mudanças de volume na música audível que seria impossível provar que a mensagem contém informação subliminar.
De modo semelhante, o Processador Subliminar de Vídeo do dr. Bec- ker insere imagens subliminares no sinal de microondas de um vídeo
padrão. O vídeo subliminar é ajustado para uma potência de luz ligeiramente acima da potência de luz que é percebida pela consciência. O
input subliminar pode ser composto de palavras, frases, silhuetas, quadros em pre- to-e-branco a meia-luz, quadros coloridos ou uma mistura
de tudo isto. Este autor observou o processador de vídeo no laboratório do dr. Becker. Era engenhoso. O dr. Becker inseriu um videotape
subliminar no vídeo normal que estava passando em seu aparelho. Ele podia elevar o vídeo subliminar, para que pudesse ser conscientemente
percebido, e depois dis- solvê-lo de novo nas luzes, sombras e cores do sinal transmissor padrão.
Durante a demonstração, fui perturbado pelo pensamento de que os EUA poderíam muito facilmente inserir material subliminar via satélite
na rede de TV soviética. E, por seu turno, os soviéticos poderíam interferir na televisão americana, inserindo, talvez, pensamentos palpitantes
na banalidade das comédias para TV ou dos talk-sliows.
Becker vendeu seu áudio-processador para doutrinação subliminar anti-roubo em supermercados e lojas de departamentos. O dispositivo
reduziu em cerca de 40% o roubo numa grande cadeia de supermercados, que também pode perceber uma redução de 60% na rotatividade
anual de mão-de-obra. O dr. Becker conseguiu reduzir as reclamações dos funcionários via doutrinação subliminar. Seu programa anti-roubo
reduziu significativamente as prisões dentro das lojas. Após oito meses, o gerente de uma loja relatou uma completa reviravolta na defasagem
nas caixas registradoras, na rotatividade de mão-de-obra e nas atitudes negativas dos funcionários, além de ter conseguido reduzir em 50% o
pessoal encarregado do estoque, mantendo o mesmo nível de eficiência. A defasagem nas caixas caiu de uma média de 125 dólares por
semana para menos de 10 dólares. As reclamações de fregueses contra os caixas virtualmente desapareceram. As mercadorias danificadas
pelos encarregados de estoque diminuiram um terço. Os furtos cairam de 50 mil dólares a cada seis meses para menos de 13 mil dólares. Em
outra cadeia de supermercados, a rotatividade da mão-de-obra caiu pela metade em onze meses.
Becker também fez programas subliminares para salas-de-espera de consultórios médicos e de hospitais. Eles reduziram o nervosismo dos
pacientes (60% em um estudo realizado), os desmaios causados por injeções
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 53
(próximo a zero) e o ato de fumar (entre 50% e 70%). Por mais de uma década, ele dirigiu com sucesso uma clínica de controle de peso em
New Or- leans, onde videotapes com enxertos subliminares reforçavam um rigoroso programa de dieta. Este programa, reconhecido pela
Associação Médica de New Orleans, recebia a maioria de seus pacientes através de recomendações médicas. Becker enfatizou que não usa a
tecnologia subliminar em propaganda, política ou religião. Seu equipamento só é acessível a profissionais qualificados através de contratos
para uso restrito. Ele acredita que a doutrinação subliminar pode reduzir os acidentes no trânsito, o crime e os maus-tratos, com enorme
potencial nas terapias, para a educação e treinamentos. No entanto, nem todos estão convencidos disto.
Becker parece sinceramente preocupado com a ética da persuasão subliminar. Mas há um paradoxo envolvido. Se a pessoa é avisada que
será submetida a informação subliminar, a eficácia é reduzida. Se ela não é avisada, seus direitos constitucionais legais e éticos podem estar
sendo violados. Mas esta discussão sobre ética é acadêmica, já que a indústria de propaganda vem doutrinando subliminarmente os
consumidores por mais de meio século. As violações das leis pela propaganda têm sido sistematicamente ignoradas pelo governo federal; e
pior ainda, a população tem permitido passivamente que a doutrinação subliminar continue. Como disse o Christian Science Monitor sobre as
invenções de Becker, “a ameaça real para uma sociedade livre é que as tentativas de controle da mente — ou mudança comportamental, como
dizem seus promotores — sejam toleradas por todos... Esta técnica é uma invasão ao pensamento. Ela pode facilmente ser usada para
objetivos políticos ou opressores.”
SEGURANÇA POR MEIOS SUBLIMINARES
Outro empreendedor que desenvolveu dispositivos de modificação de comportamento é o presidente da Proactive Systems ofPortland
(Oregon), David Tyler. As fitas subliminares de Tyler ajustam os níveis de som em baixo volume às modificações no volume do som ambiente.
A Proactive Systems Inc. está envolvida principalmente com a prevenção a roubos. Tyler considera-se um benfeitor da sociedade, evitando que
os consumi dores sejam presos por roubo a lojas, que os empregados sejam pegos furtando e então demiüdos e que os donos de lojas percam
para os ladrões cinco cents de cada dólar vendido. Tyler chega a antever preços mais baixos depois que a doutrinação subliminar tornar todas
as pessoas honestas — um objetivo válido, mas improvável. Como o slogan do McDonalds: “Ele faz tudo isso por nós! ”
A Proacüve Systems Inc. também desenvolveu métodos de doutrinação subliminar para aumento da auto-estima, controle da dor na
recuperação de cardíacos após operações do coração, controle do stress em firmas corretoras de valores e na indústria química e um
programa tranquilizante para uma clínica que trata de crianças hiperativas. A Proactive afirma que suas instalações, a maioria feita na costa
oeste, resultam numa redução média de 50% nos roubos em lojas de departamentos, mercearias e drogarias. Em 1984, Becker estimou que
houvesse cerca de trezentas instalações desse tipo nos EUA. Tyler afirma exigir que o público seja informado sobre as instalações em todos os
casos, exceto no de prevenção a roubos.
Outro esquema criado para explorar a tecnologia de persuasão subliminar foi desenvolvido pela Stimutech Inc., de East Lansing (Michi-
gan). Os executivos de marketing desta firma descobriram haver milhões de computadores caseiros guardados nos sótãos ou garagens das
casas. Foi feita muita publicidade, possivelmente com técnicas subliminares, sobre os computadores, e milhões de famílias investiram nestes
equipamentos, convencidas de que eram indispensáveis para a organização de uma casa moderna. Depois de alguns meses, seu uso
começou a decair e a maioria das famílias descobriu o que os fabricantes sabiam desde o início: os computadores caseiros são caros e, exceto
como brinquedos, não têm nenhuma utilidade em casa. Passado o entusiasmo inicial provocado pela mídia, os computadores foram para o
fundo do armário (eles são muito caros para serem jogados fora) E seus proprietários criaram um dos melhores mercados concebíveis.
Quando estavam com os computadores guardados por um ano mais ou menos, eles sentiam-se estúpidos, envergonhados e, como forma de
defesa, receptivos a qualquer novo produto que justificasse seu investimento.
O Expande-Vision da Stimutech é um sistema para computador e vídeo que lança mensagens subliminares ao subconsciente. Com apenas
um pequeno investimento (89,95 dólares para um Dispositivo Interface Eletrô
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 55
nico), o computador ocioso é conectado a um aparelho de TV; o computador controla a luz e a velocidade das imagens inseridas, mantendo-as
num nível subliminar. Os videotapes subliminares são inseridos no Dispositivo Interface. A Stimutech iniciou seu programa de vendas com oito
vídeos: controle de peso/exercícios, conü'ole do fumo/calma, controle do stress/pen- samento positivo, controle do álcool/responsabilidade,
confiança atlética/ golfe, hábitos de estudo/capacidade de memória, carreira/motivação de sucesso e, a última palavra em vídeos para homens
cercados pelas manipulações masturbatórias das revistas masculinas, confiança sexual.
O Expande-Vision, como outras respostas simples a questões complicadas, provavelmente funcionará para algumas pessoas, algumas
vezes e sob algumas condições. A variável algumas é claramente uma incógnita extremamente complexa. Aparentemente, o Expande-Vision
funciona muito bem para seus vendedores. Afora isto, há só incerteza. Algumas pessoas param de fumar e, numa busca inconsciente por um
vício compensatório, acabam virando alcólatras ou comendo compulsivamente. Para conseguir- se uma mudança significativa nos
comportamentos compulsivos, médicos ou psicólogos deveríam ser consultados, ou quem sabe aqueles com prática em hipnose clínica. O
objetivo da maior parte das terapias é aumentar a força de vontade, autonomia e responsabilidade do indivíduo e não fornecer uma muleta
eletrônica que pode mascarar os sintomas mais críticos.
A anorexia nervosa e a bulimia são distúrbios do apetite graves e até mesmo fatais. Elas envolvem distorções da realidade perceptiva. O
indivíduo percebe-se como um obeso, mesmo quando está prestes a morrer de fome. Este tipo de distúrbio está entre aqueles em que os
estímulos da mídia, a propaganda subliminar e as manifestações culturais para que as pessoas desejem corpos magros, são poderosas
causas da doença. Se um paciente de anorexia nervosa adquirir um vídeo com enxertos subliminares para a redução de peso, o resultado
pode ser terminal.
ALGO PARA VENDER
Durante um interrogatório no Comitê de Ciência e Tecnologia do Congresso, presidido pelo republicano Dan Glickman, Becker e Tyler
testemunharam não acreditar que as técnicas subliminares pudessem ser efi
cazes na propaganda — um testemunho diretamente contraditório à ampla gama de aplicações por eles citadas para as suas engenhocas
comerciais. Embora seus livros tivessem sido abundantemente referidos em pareceres dirigidos ao comitê, o uso da tecnologia subliminar na
propaganda e na mídia comercial foi ignorado durante as sete horas do interrogatório.
Tanto Becker quanto Tyler racionalizaram, diligentemente, o uso que faziam dos estímulos subliminares. Becker alegou não haver nenhum
caso comprovado de que técnicas subliminares tenham causado um dano significativo a pessoas. O dr. Charles Kamp, da Comissão Federal
de Comunicações, afirmou que há dúvidas entre os cientistas de que as técnicas subliminares são realmente eficazes. Ele foi além,
enfatizando que a Comissão Federal de Comunicações não recebeu uma única queixa sobre isto por anos. Desde 1966, ele acrescentou, as
queixas sobre propaganda subliminar não ultrapassaram a metade de 1 % de todas as reclamações. Mas Becker curiosamente declarou que
não estava autorizado a debater a pesquisa sobre persuasão subliminar realizada pelo Departamento de Defesa.
O dr. Howard Shevrin, um psicólogo da faculdade de medicina da University ofMichigan, mencionou o trabalho de pesquisadores soviéticos
que desenvolveram uma técnica segura de detecção de mentiras através de reações subliminares EEG, com exposições de milésimos de
segundos aos estímulos (ver Kostandov e Arzumanov). O psicólogo Lloyd Silverman, da New York University, deu um testemunho
consideravelmente detalhado sobre bem-sucedidos experimentos terapêuticos com estímulos subliminares. Tanto Shevrin quanto Silverman
são pesquisadores médicos bastante respeitados, que vêm trabalhando com os fenômenos subliminares nos últimos 25 anos. Eles disseram
ao comitê que opunham-se às aplicações comerciais oferecidas por Becker e Tyler como potencialmente perigosas. Mas nenhum dos dois
médicos mencionou a aplicação de tecnologia subliminar na mídia de publicidade. Shevrin, no entanto, comparou as consequências sociais da
persuasão subliminar com a descoberta das armas nucleares.
O congressista Glickman perguntou repetidas vezes sobre o uso de técnicas subliminares na publicidade. A questão foi negada ou
escamoteada por cada uma das testemunhas. Glickman finalmente concluiu que “ela (a persusão subliminar) obviamente não tem sido
amplamente utili
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 57
zada pelos setores comerciais de nossa economia, segundo os testemunhos que ouvimos (U.S. House of Representatives, p. 134)”.
O interrogatório foi um interessante exercício de como investigar e não investigar um assunto simultaneamente. Seria intrigante saber se
acordos foram feitos em relação ao que podería ou não ser debatido. A omissão da propaganda foi muito completa para ser convincentemente
acidental.
Luz E SOM DE FUNDO
A luz e o som de fundo são dois elementos essenciais nas produções de filmes e vídeos que não são percebidos conscientemente pelo público.
Ambos são cuidadosamente construídos para criar o clima às ações e diálogos. Normalmente eles sustentam ou reforçam o que está sendo
conscientemente percebido numa determinada cena. Sempre que a luz ou o som de fundo invadem nossa percepção consciente, eles
tornam-se distrações e prejudicam a percepção do todo.
Um filme ou vídeo sem som ambiente (ou de fundo) parece ser emocionalmente insípido e terrivelmente arrastado. Mesmo nas locações, é
difícil de se obter um fundo sonoro apropriado àquela cena particular. O som deve ser criado artesanalmente para tornar-se preciso. O som de
fundo é normalmente agregado em camadas. Um som de rua genérico deve envolver um agregado de conversas periféricas indistintas, os
sons de crianças brincando, dos carros e ônibus, de pássaros, talvez um trovão distante, o ruído de passos, do vento, e sons distantes tais
como o de navios, apitos ou sirenes. Estas camadas de som são, em geral, gravadas separadamente e depois mixadas. Uma grande
variedade de dimensões de som — intensidades, velocidades, inter-relações e variações de tons — podem ser criadas artesanalmente para
adequarem- se a uma cena. As camadas são mixadas para criarem uma ilusão precisa da realidade ou, mais corretamente, da expectativa que
o público tem da realidade. Se for bem construída, esta ilusão é mais satisfatória emocionalmente do que o seria a realidade de fato, mas ela
permanece totalmente subliminar.
Quando se cria um fundo sonoro para uma cena, a música pode ser acrescentada para dar a ênfase dramática, criar suspense ou
expectativa no público para a ação seguinte. Os silêncios também são uma dimensão do
58 »A ERA DA MANIPULAÇÃO
som. Há dúzias de silêncios eletrônicos diferentes, cada um deles produzindo uma reação definida no público. Sons e silêncios podem ser
alternados, criando um pelotão de efeitos para o público. Estes sons e silêncios, quando bem meditados, não são percebidos conscientemente
pelo público.
A luz nos filmes e vídeos é outro dos poderosos efeitos subliminares utilizados pela mídia para criar a ilusão de realidade. Como acontece
com o som, o público não toma consciência de que a luz foi criada artifi- cialmente. Marisjansos ganhou um Oscar por trabalho na parte de
iluminação do filme Carruagens de Fogo. Foi um trabalho difícil porque a maior parte do filme foi rodada ao ar-livre. A luz natural raramente é
consistente e dificilmente é exatamente aquilo que a cena exige. Janson controlou o humor do público, sua emoção, tensão, tranquilidade ou
ansiedade com técnicas de iluminação que ele descreveu como subliminares. Ele explicou que o mais difícil problema que enfrentou foi evitar
que a iluminação fosse percebida conscientemente pelo público, pois isso destruiría seu efeito. Janson modificou o significado das mensagens
e as reações emocionais do público através de sutis mudanças de luz; por exemplo, uma sombra cruzando a face de um ator sem ser
percebida conscientemente, prepara para o público para um interlúdio dramático.
A extensão de uma sombra e mudanças sutis de luz e sombra controlam inconscientemente as intensidades emocionais. Elas podem dar a
noção de tempo em uma cena ou criar sentimentos em relação a um personagem que é apenas um pouco diferente dos outros. O segundo
plano é iluminado de forma irregular para criar-se ilusão de profundidade ou sequência para a ação. Cada minuto de cena filmada é estudado
para receber a luz apropriada. As iluminações do primeiro e segundo planos podem ser integradas através de mesas de luz que criam uma
grande variedade de efeitos.
A luz, assim como o som, é criada para fornecer ao público ilusões verossímeis. Quando bem feita, a fantasia da realidade parece mais real
do que a realidade de fato. A fantasia (a percepção fabricada) torna-se mais atraente, desejável, mais cativante emocionalmente e mais
significativa do que a realidade (a percepção não-manipulada).
Os anúncios em preto-e-branco, luz e sombra, “Body by Soloflex” (figs. 10,11 e 12) foram recentemente publicados em série em vários
periódicos nacionais como a Times, a Newsweek e a GOO. Uma pesquisa de mercado descobriu que dentro da comunidade homossexual
masculina
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... «59
de Nova Iorque, os anúncios foram transformados em posters, tornando- se verdadeiros ícones. Eles eram enquadrados e recebiam lugar de
honra nos apartamentos. Aparentemente, a campanha publicitária de Soloflex foi dirigida a homens com forte tendência homossexual latente.
Como a comunidade de homossexuais masculinos assumidos é, acredita-se, menos de 10% da população, a expensiva campanha publicitária
não se justificaria se dirigida apenas à este público limitado.
No primeiro anúncio (fig. 10), um homem jovem está tirando sua camiseta. Metade da face do modelo está coberta por sombras, sugerindo
que há algo oculto sobre ele. Uma sombra bem a esquerda do umbigo do modelo emana do cós de seu jeans na forma de um grande e ereto
órgão genital masculino. A sombra foi feita com aerógrafo. Que homem resistiría à promesa do Soloflex?
O segundo anúncio (fig. 11) mostra outro jovem modelo com o de- dão esquerdo enfiado no bolso. O dedão é freqüentemente usado na arte
como um símbolo fálico, neste caso passivo e à espera. Seus olhos estão escondidos do leitor por óculos escuros. Nas culturas ocidentais,
olhos escondidos geralmente implicam em pensamentos ocultos. No abdômen do modelo, surgindo de sua calça, logo acima da fivela do cinto,
aparecem dois grandes órgãos genitais eretos, primorosamente aerografados na fotografia. Aparentemente, depois de seis meses de uso do
aparelho para ginástica Soloflex, os homens têm a promessa de ganharem dois prodigiosos pênis. A promessa de Soloflex parece ilimitada,
especialmente para os atormentados homens americanos que nunca conseguem corresponder às expectativas da mídia.
“Nopain, nogain” (sem dor não consegue-se nada) é o título do terceiro anúncio de Soloflex (fig. 12). Um homemjovem está sentado numa
prancha de exercícios, com as pernas bem abertas para expor a área genital. O ombro esquerdo do modelo está estranhamente descolorido,
como se estivesse queimado, desfigurado. Neste ombro, logo acima da axila, foi aerografada uma fenda (fig.40). Observado fora do contexto, o
ombro parece-se mais com as nádegas e a abertura anal, acrescentado um novo significado a “Nopain, no gain A Soloflex utilizou
ambiguidades sexuais do mesmo gênero em sua campanha na TV.
CAPÍTULO DOIS
A mais perigosa de todas as ilusões é a de que há apenas uma realidade. Paul Watzlawick, How Real is Real?
Não há pensamentos perigosos. O pensar em si é perigoso! Hannah Arendt, The Life of the Mind
O que vem a seguir é uma tentativa de sintetizar as visões correntes sobre a mente humana, os sistemas perceptivos e suas fisiologias. Estas
visões, no entanto, mudam constantemente ao sabor das novas descobertas, tecnologias, e influências culturais. O como e o por que a
percepção opera do modo que parece operar devem ser encarados da perspectiva deste momento particular da história. Esta análise tenta
evitar prender-se a qualquer corrente teórica específica, tais como freudiana, behaviorista, gestalt etc. A evolução das psicologias tem se
envolvido mais com a cultura do que com a ciência, adaptando-se ao que as sociedades desejam acreditar ou não sobre si mesmas em cada
época específica. A sabedoria convencional de hoje era a visão radical de ontem que vai se tornar o nonsen- se antiquado, obsoleto, vulgar de
amanhã.
As teorias psicológicas demonstram uma peculiar adaptabilidade aos dogmas sócio-econômicos-políticos-religiosos-culturais dominantes. A
cultura política da URSS propagou as teorias de Trofim Lysenko, um agrônomo cujas noções sobre a influência do meio-ambiente na
hereditariedade foram estendidas a teorias sobre o comportamento humano. De modo semelhante a cultura tecno-empreendedora dos EUA já
fez quase uma religião do behaviorismo de B.F.Skinner, que simplificou a psicologia num sistema lógico-verbal sobre um homem mecanizado,
com inputs e outputs como um pequeno computador. Tanto Lysenko quanto Skinner já passaram para a história. Cada um deles disse à
sociedade de
seu tempo o que ela queria ouvir. Essa conformidade à cultura dominante gerou acusações de que os cientistas sociais são tanto anti-sociais
como anti-científicos, propagandistas de uma cultura geralmente definida como o melhor dos mundos possíveis.
Como e por que o cérebro humano funciona como parece funcionar ainda é um mistério. Vários cientistas descreveram exaustivamente e
detalhadamente as estruturas anatômicas do cérebro, pelo menos aquelas que podem ser percebidas. Os processos neurológicos,
circulatórios, elétricos, hormonais, químicos, intracelulares e suas estruturas de apoio foram medidas microscopicamente, modificados
cirurgicamente, mapeados e manipulados experimentalmente. Mesmo assim um conhecimento claro e preciso sobre o funcionamento do
cérebro ainda é um desafio à tecnologia. A afirmação mais acurada que se pode fazer sobre o cérebro humano é simplesmente que ninguém
sabe como e por que este órgão funciona como parece funcionar. Os neurologistas devem ser os que estão mais próximos de descobrir isso.
No entanto, eles relatam que não sabem virtualmente nada sobre como o cérebro armazena, sintetiza e correlaciona as informações
percebidas. Há apenas teorias — literalmente, centenas delas.
O estudo do cérebro humano envolve um paradoxo — estudar um sistema usando-se o próprio sistema que está sob estudo. O dilema é
fundamentalmente um dilema de linguagem — a singular ferramenta humana que nos permite estudar, explicar e racionalizar o mundo. E fácil
explicar o mundo com palavras e muito difícil relacionar as palavras com as realidades. As descrições da fisiologia do cérebro (como ele
trabalha) devem ser feitas numa linguagem verbal ou matemática linear, percebida seqüencialmente, e voltada para definições — um item de
cada vez, um sistema de cada vez, um processo e uma ação de cada vez. A linguagem é simbólica — uma referência remota e simplista para
realidades incrivelmente complexas, inter-relacionadas e de múltiplos processos, todos operando ao mesmo tempo através de bilhões de redes
microscópicas de neurônios. Por mais que alguém tente descrever lingüisticamente o modo de operar do cérebro, sua descrição verbal nunca
poderá retratar adequadamente a complexa realidade. Mesmo que a complexidade fosse compreendida, esta compreensão teria de ser
descrita em uma linguagem bastante distante da realidade em questão. As palavras e os números
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 99
não são as coisas que representam, são apenas representações distantes e simbólicas. A falibilidade da linguagem destruiu aos poucos a
chamada psicologia behaviorista, tornando-a pouco mais que uma pseudociência. O behaviorismo tenta excluir os processos inconscientes, e
tem dominado muito da psicologia nos EUA. O escritor Arthur Koestler descreveu o behaviorismo como “uma monumental trivialidade marcada
por uma ingenuidade inata e uma falência intelectual”.
O mais avançado computador teoricamente possível permanece sendo, em comparação com o cérebro humano, um brinquedo de criança.
As complexidades do cérebro humano prometem continuar sendo, num futuro previsível, o mais impenetrável enigma. Não obstante, novas
teorias psicológicas continuam sendo formuladas e publicadas a cada ano que passa. E importante ter sempre em mente que teorias não são
verdades. Nunca apareceu uma teoria completamente válida sobre o pensamento humano. As teorias são, no melhor dos casos, conjeturais,
especulativas, circunstanciais, projetivas e, com freqüência, pouco mais do que pensamento positivo.
No pragmático mundo da tecnologia, com freqüência representada distorcidamente como ciência, poucos conseguem enfatizar aquilo que
não sabem. As teorias misturam-se facilmente com as verdades per- ceptivas. Muitos psicólogos, notavelmente a estirpe de escritores
simplistas como B. F. Skinner, Wilheim Wundt, Edward Thorndyke, James Cat- tell, Abraham Flexner ejohn Dewey, sustentam que não utilizam
teorias, apenas fatos empíricos derivados de experiências com pessoas e animais. Estes behavioristas desenvolveram elaborados
estratagemas semânticos para evitar as teorias. Eles literalmente criaram teorias sobre não usar teorias.
Quando reconhecidas como tais, as teorias são simplesmente meios hipotéticos para entender-se algo, e elas podem ser úteis,
especialmente quando são a única coisa disponível. Albert Einstein comentou certa vez que “é a teoria que decide o que podemos observar”.
Uma teoria só pode ser útil num tempo, lugar e situação específicos. Algumas teorias têm sido mais úteis que outras. Uma coisa parece
certa: o cérebro humano não tem, nem remotamente, nada a ver com os computadores — mecanismos cujas operações simplistas e
repetitivas devem ser dirigidas e controladas pelos homens. As teorias cognitivas atuais mo
delam o cérebro de acordo com as formas de um computador de última linha (ver Kihstrom, The Cognitive Unconscious). Guriosamente, o livro
pioneiro de Norbert Weiner, TheHuman Use ofHuman Beings: Cybernetics and Society (1954), conceitualizou os computadores modernos a
partir de uma comparação com o cérebro humano. Hoje em dia, os teóricos con- ceitualizam o cérebro em comparação com o computador. Nos
útlimos 35 anos, as teorias mecanicistas do funcionamento do cérebro deram uma volta completa, modificando-se de acordo com o que as
sociedades queriam acreditar.
A INTELIGÊNCIA NÃO-INTELIGENTE
É fascinante observar a última fantasia comercial sobre os computadores promovida pelas indústrias a favor do lucro. As fantasias recentes
sobre a inteligência e a linguagem artificiais fornecem um exemplo. O que fica retido mais ou menos permanentemente no cérebro humano
poderia ser designado como inteligência. É claro que, se o conteúdo da memória ficar reprimido, inacessível à consciência, esta memória não
seria de grande valia num teste de inteligência. Uma vasta literatura discute interminávelmente sobre como a inteligência deveria ser definida.
No entanto, o que acontece com o mais sofisticado computador dificilmente é comparável à inteligência humana. Jogos intelectuais sobre as
noções de inteligência artificial — tais como os do delicioso livro Godel, Escher, Bach, de Douglas Hofstadter—são distrações para as horas de
lazer. Mas a construção de uma linguagem artificial para comunicar-se com alienígenas no espaço sideral já beira o absurdo. A linguagem
humana, utilizada como uma ferramenta de manipulação, freqüentemente já torna difícil a comunicação com o vizinho de porto, para não
falarmos de antagonistas como os EUA e a URSS. A inteligência dificilmente é uma qualidade que pode ser atribuída a máquinas. Uma
máquina imbecil simplesmente faz o que lhe mandam fazer e não pode, mesmo na mais otimista das racionalizações, pensar por si própria. E
como este livro pretende mostrar, esta qualidade pode ser rara até mesmo entre os homens.
Os estudos sobre o pensamento humano têm sido focalizados sobre a percepção— como a os múltiplos artifícios sensoriais levam a
informação pa
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 1 O 1
ra dentro do cérebro — e abstração — como a informação acaba emergindo como comportamento e linguagem. Os processos do pensamento
em si podem ser considerados comportamentos, com os sentidos fornecendo dados ao cérebro na velocidade de micro-segundos. Processos
químicos e hormonais também parecem estar envolvidos. As bilhões de células do cérebro comunicam-se com os bilhões de neurônios
sensitivos por todo o corpo. A percepção geralmente pode ser considerada como instantânea e total. No entanto, a minúscula porção da
percepção que torna-se aparente conscientemente opera de modo bastante seletivo e muito mais lento.
Enquanto o leitor está confortavelmente sentado numa sala aconchegante, bem iluminada, ao lado de uma lareira onde a lenha queima
devagar, seus olhos acompanham estas linhas de símbolos verbais impressas seqüencialmente. Ele concentra-se nos significados e
sensações que lhe dão as palavras, frases e parágrafos. Conscientemente, o leitor só percebe as palavras impressas em cada página,
percebidas pelo mecanismo do olhar e transmitidas ao cérebro, onde as associações e idéias são geradas tanto no nível consciente quanto no
inconscien te. Mas há muito mais coisas ocorrendo dentro do cérebro do que aquilo de que o leitor tem consciência. Os sons distantes do
trânsito, de aparelhos de rádio ou TV, o vento ou o clima lá fora, a temperatura, a umidade, aionização etc., tudo é registrado no cérebro. Há a
pressão do corpo do leitor contra a cadeira, a textura da roupa, ruídos gástricos e a sensação de fome, o sabor e a pressão da goma de mascar
na boca, uma coceira no tornozelo, o latejar de um antigo machucado no joelho, uma secura nos lábios e o odor e o cre- pitar da lenha ardendo
na lareira.
Estas informações, todas ao mesmo tempo, fluem continuamente dos sentidos para o cérebro. Conscientemente, você só percebe a página
impressa. Inconscientemente, todos os dados são percebidos e processados, e alguns são armazenados para futura referência. Todo mundo
tem uma grande quantidade de informação no cérebro que nunca se tornará conscientemente disponível.
MÍDIA: A MÁQUINA DE
LAVAGEM CEREBRAL
Aquele que tenta colocar-se a si mesmo como juiz da verdade e do conhecimento é destruído pela gargalhada dos deuses.
Albert Einstein, TheEvolution ofPhysics
A visão que um homem tem do mundo é e sempre será uma construção de sua mente, e nada pode provar que tenha outra existência.
Irwin Schròdinger, Mind and Matter
Nós construímos este mundo, em sua maior parte, de forma inconsciente — simplesmente porque não sabemos como fazemos isso.
Ernstvon Glasersfeld, Introduction to Radical Constructivism
Num pequeno mas muito importante volume publicado em 1973, o Prêmio Nobel Konrad Lorenz fez um esboço dos Oito Pecados Capitais do
Homem Civilizado: aquelas áreas sujeitas a um desastre iminente que foram criadas e sustentadas pelas chamadas civilizações modernas.
Cada uma dessas oito áreas tem potencial para pôr um fim em nossa herança biológica e social dentro de um século ou menos —
possivelmente muito menos. A lista de pecados de Lorenz é sinistra e familiar: energia e armas, superpopulação, destruição ambiental de
sentimentos, abuso de energias inventadas e inovadoras, degenerescência genética, destruição das tradições e a possibilidade dos homens
serem doutrinados.
E a última delas que torna todas as outras possíveis. Se os homens podem ser doutrinados para irracionalmente empreenderem sua
própria autodestruição — como tem sido feito parücularmente nas culturas de alta tecnologia — o processo deve ser reversível. Devemos ao
menos ter esperança de que uma auto-aniquilação não é algo inevitável. Mas é claro que as tecnologias de doutrinação são bem conhecidas
por todo o mundo. Nos EUA, a mídia comercial, isto é, a máquina de propaganda e de relações-públicas, doutrina e controla a cultura e,
através da cultura, as construções perceptivas da população em geral.
A propaganda político-econômico-cultural está presente no mais simples anúncio — muito mais poderosa como implicação do que como
afirmação declarada. Na URSS e nas outras nações do bloco comunista, a
ideologia política é propagandeada abertamente, o que na prática pode tornar a mídia muito menos eficaz. Propaganda que parece
propaganda e soa como propaganda tem de dar errado. Os especialistas em informação soviéticos dificilmente vendem seu sistema político e
ideológico com o fervor que seus equivalentes da Madison Avenue dedicam à propaganda de desodorantes.
A possibilidade da doutrinação, contudo, não é nunca aparente para os doutrinados.
Os doutrinados são todos eles, é lógico, e o que é muito mais difícil de admitir, todos nós. Com suas pretensões lingüísticas à superioridade,
a espécie humana é de longe a mais vulnerável a persuasão, doutrinação, propaganda, lavagem cerebral, programação, condicionamento ou
qualquer outro rótulo que queiram usar. Em experimentos de laboratório, os macacos são recompensados pela obediência, normalmente com
uma bolacha. Os homens têm sido ensinados a obedecer quando recompensados apenas com uma figura de bolacha, carregada com palavras
sex subliminares. As pessoas mais vulneráveis à doutrinação são as que vivem em sociedades tecnológicas manipuladas pela mídia. A
população dos EUA, submetida a cerca de 150 bilhões de dólares de investimentos em anúncios em 1989, é a sociedade mais exaustivamente
bombardeada pela propaganda que jamais existiu.
É digno de nota que virtualmente todos, nos países desenvolvidos, tentam acreditar que são imunes à doutrinação. Eles pensam que
pensam por si mesmos e que sabem prontamente diferenciar entre a verdade e o erro, a fantasia e a realidade, a superstição e a ciência, o fato
e a ficção. Culturas tecnologicamente sofisticadas estão condicionadas a aceitar sistemas de crenças, comportamentos e valores que teriam
sido rejeitados imediatamente por seus antepassados da Idade da Pedra. Os homens primitivos sentiríam instantaneamente as ameaças
óbvias para a sobrevivência e a adaptação, ou o simples absurdo, inerentes a muitas das tão estimadas crenças da sociedade moderna.
Muitos leitores deste livro não conseguem distinguir uma garrafa quebrada de verdade de uma imitação, ou um cubo de gelo de verdade de um
de brincadeira. Será que eles podem ser levados a sério em suas pretensões de saber o que está acontecendo em Washington, Moscou ou em
suas próprias salas-de-estar?
As populações do mundo consideradas “livres, cultas, inteligentes e
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 1
civilizadas” constituem hoje o maior perigo para a sobrevivência mundial. Elas são, em geral, inconscientes da extensão em que são
manipuladas, manobradas e condicionadas pela mídia, pelos governos, pelos líderes e pelas instituições que servem aos interesses
financeiros de seus sistemas políticos, sociais e econômicos. O capital e as elites dominantes se mostram uma constante através da evolução
das sociedades humanas — talvez a única constante nas organizações sociais.
A questão de como os homens pensam que pensam é central para a continuidade da civilização como nós a conhecemos. Infelizmente,
essa questão normalmente provoca um sentimento de ultraje, raiva, irritação, autodefesa ou aborrecimento. As pessoas mais vulneráveis e
mais vitimiza- das pelos sistemas de doutrinação serão as mais resistentes a discutir sua própria doutrinação.
A questão da “realidade objetiva” parece fundamental para a sobrevivência do homem neste século e no próximo. Parece impossível saber
com certeza o que acontece à nossa volta, a qualquer momento que seja. Nós somos uma parte integrante da realidade que percebemos.
Jamais se descobriu um modo por meio do qual as pessoas possam se separar de suas percepções e sua miríade de perspectivas inatas.
Auto-ajudar-se com percepções inconscientes é absurdo, impossível. As percepções que se tem da realidade são produtos de um
condicionamento sócio-político- econômico inconsciente. Ao longo do tempo, essas percepções se juntam para formar perspectivas culturais.
Por cerca de 2 mil anos, cientistas e estudiosos têm questionado se existe uma realidade exterior, independente da mente. Tem sido difícil,
especialmente para os homens e mulheres ditos civilizados, aceitar que a percepção e a experiência humana existem somente no cérebro. Isto
inclui religiões, ideologias, conhecimento e tudo o que é percebido durante toda a vida.
A ambiência, tal como é percebida, mostra-se em grande parte uma invenção, em geral manipulada de acordo com os interesses daqueles
que tiram proveito do condicionamento perceptivo humano. Entre as espécies da Terra, somente os homens parecem fabricar seu próprio
pensamento, conhecimento, percepções cognitivas e, conseqüentemente, suas ações. Poucos, contudo, reconhecem conscientemente que
fazem isso por si mesmos ou que alguém o faz por eles, ou ambas as coisas. Os ho
mens têm comumente projetado justificações de comportamentos sobre alguma “realidade objetiva” fantasiosa.
A natureza questionável daquilo que aceitamos como a realidade objetiva ou verdade permanece reprimida, escondida da consciência, e no
entanto sempre presente sob a superfície do plano consciente. Essa ameaça subterrânea à validade percepüva leva-nos a defesas
constituídas por ilusões e racionalizações mais fortes e cada vez mais violentas. A repressão não ocorre acidentalmente ou casualmente. Os
homens reprimem inconscientemente para evitar ansiedade ou confrontos inesperados com a realidade. Os ideólogos, os mais reprimidos de
todos, vêem seu mundo como um lugar simples, simétrico e lógico que evita a complexidade, a contradição, a inconsistência ou o paradoxo, e
têm um temor permanente de serem incapazes de suportar uma realidade indefinida ou incerta.
A ignorância dos ideólogos acontece não porque eles não sabem. Muitos não querem saber como fabricam sua realidade, quem controla o
processo de fabricação e quais os objetivos, programas e mecanismos ocultos ou invisíveis do jogo. A maior parte de nós dá o mundo por certo
em demasia. Ele estava aqui muito antes que os homens evoluíssem. E assume- se tacitamente que ele estará aqui muito depois de terem
desaparecido. As aflições diárias da vida são, em sua maior parte, uma preocupação exclusiva com o consumir.
Desde Platão, muito já se discutiu sobre como os homens chegaram ao seu conhecimento da realidade, e sobre o quão confiável e acurado
esse conhecimento pode ser. Uma ameaça comum através do que há registrado por cerca de 2 mil anos de ciência e filosofia é que a verdade
deve estar relacionada a alguma idéia de realidade objetiva. Afim de ser considerada verdade, uma proposição deve ser verificável e estar
relacionada a alguma realidade objetiva e definível verbalmente presente no mundo à nossa volta. A mais nobre preocupação da humanidade
tem sido a busca da verdade. Contudo, cada vez que a verdade foi descoberta, o resultado foi um dano trágico.
A REALIDADE OBJETIVA É REAL?
Na Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant argumenta, em 1783, que a mente humana não desenvolve leis a partir de uma realidade objetiva.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 3
mas impõe essas leis à realidade, conformando-a a idéias pré-concebidas, motivos, interesses pessoais, perspectivas e condicionamentos
culturais. Embora a Crítica ainda seja lida, o seu questionamento da realidade percebida é geralmente deixado de lado. A idéia é subversiva,
ameaçadora, certamente incompatível com as sabedorias convencionais de uma sociedade de alta tecnologia.
Os homens e as mulheres ditos modernos são bem doutrinados — especialmente muitos daqueles considerados cientistas, acadêmicos,
especialistas e figuras de autoridade — e altamente disciplinados em termos de conformidade cultural. Eles raramente questionam a idéia de
que a verdade verbal sempre deve estar a par com a realidade percebida — uma impossibilidade. Qualquer sugestão de que as realidades são
um produto variável, fabricado pelas perspectivas da percepção, imediatamente ameaça a maneira segundo a qual as pessoas têm sido
condicionadas a interpretar seu mundo.
Estas questões parecem à primeira vista complicadas, distantes de preocupações imediatas e nem um pouco práticas. Elas são facilmente
ignoradas, muito embora a natureza das realidades percebidas seja um aspecto fundamental do processo decisório diariamente presente nos
negócios, no governo, nos relacionamentos familiares, na estratégia militar e em quase todas as outras áreas da atividade humana. Muitos se
convencem de que não têm condições de entender as questões e não têm nenhuma razão para se preocupar com as respostas.
E fascinante, e geralmente divertido, observar as pessoas tentando lidar com a revelação do que está por trás de alguma propaganda
subliminar. O problema não é nunca o fato delas não conseguirem perceber as obscenidades embutidas; quase todos as percebem com
bastante facilidade. Mas eles não querem lidar conscientemente com as mensagens embutidas, e em geral procurarão de alguma forma
escapar da situação. A idéia de doutrinação subliminar evoca temor em muitas pessoas. Este autor já foi acusado de hipnotizar platéias e
leitores, colocando idéias sujas em suas cabeças, brincando de jogos projetivos com pranchas de Rors- chach, forçando as pessoas a verem
imagens pornográficas que na verdade não existiam. Qualquer um que duvide do poder da repressão pode simplesmente tentar explicar as
ilustrações deste livro para seus amigos, vizinhos e familiares.
Fortalecidos contra qualquer ataque ao mundo tal como eles foram doutrinados para percebê-lo, os homens geralmente canalizam tais
ame- ças para o cesto de lixo da repressão. O poder da repressão individual ou grupai não deveria nunca ser desprezado. Ao longo de muitos
séculos trágicos, as pessoas têm se defendido, inclusive com violência, contra intui- ções perturbadoras sobre como eles sabem que sabem.
Para uma pessoa comum, prática, intransigente, isto provavelmente parece à primeira vista um nonsense filosófico — uma conjetura, uma
especulação desprovida de sentido, uma afetação maçante, apenas mais um exercício vão de como muitos anjos podem dançar numa cabeça
de alfinete. Nada poderia estar mais longe da verdade! A continuidade da vida humana e daquilo que passa por civilização se baseará na
capacidade de desfazer o dilema colocado acima. Nossa crença sobre como nós pensamos que pensamos é a base para boa parte das
suposições que o mundo faz a seu próprio respeito. Muitas dessas suposições apontam para a autodestruição.
O cérebro humano cria, ou constrói, sua própria percepção da realidade em relação a suas pressuposições doutrinadas, seus modvos
fabricados, seus interesses pessoais e seu background cultural. Nós fabricamos de fato idéias, conceitos e percepções — ou então a mídia faz
este trabalho para nós. Por exemplo, as pessoas inventam seus amigos e seus inimigos, seus amores e seus ódios, o sucesso e o fracasso, as
verdades e as falácias. Idéias tais como liberdade, democracia, justiça, segurança, junto com um dicionário de conceitos verbais similares,
continuam a guiar nossas decisões — ao menos conscientemente; tais conceitos verbais, contudo, significam coisas diferentes para diferentes
pessoas. Contradições geralmente tornam os conceitos sem sentido. As nações socialistas, por exemplo, definem essas generalizações de
modo muito diferente do mundo capitalista, o mundo latino de forma diferente do mundo inglês, o cristão do muçulmano, o católico do
protestante. Os terroristas de uma nação são os defensores da liberdade da outra.
O economista Thorstein Veblen considerou como “psicose ocupa- cional” o fato de a visão que determinada sociedade tem dos meios de
subsistência ser a fonte condicionadorá básica do comportamento e dos juízos de valor. Uma simples ponte sobre um precipício poderá ser
vista de maneira muito diferente por motoristas de caminhão, pedestres, planejadores urbanos, banqueiros, engenheiros, ciclistas ou
donas-de-casa.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 5
O viés econômico é um aspecto extremamente importante da percepção, embora o fenômeno seja certamente muito mais complexo —
operando tanto em níveis conscientes como inconscientes.
Nos EUA, na URSS e em outras sociedades tecnologicamente avançadas, o principal instrumento para a fabricação das percepções da
realidade são os meios de comunicação de massa. Nos EUA essa mídia é controlada para refletir as percepções da realidade dos executivos
de grandes empresas, instituições ideologicamente compatíveis. Seus interesses próprios coletivos tornam-se culturalmente integrados,
cegamente ou inconscientemente aceitos pelas populações-alvo como percepções da realidade de fato, como verdades.
Isto não inclui os eventos, as polêmicas, os altos e baixos, os conflitos, os sucessos ou fracassos superficiais do dia-a-dia dentro do
sistema; trata- se antes das estruturas de crenças básicas e subjacentes, coisas consideradas verdadeiras em níveis conscientes, se não
inconscientes, da percepção. Estruturas de crenças normalmente passam despercebidas para as pessoas que as sustentam. Pressupostos ou
expectativas são tidos como certos, aceitos sem questionamento, considerados como fatos imutáveis da vida. Atacar ou questionar essas
suposições, cuja ancoragem mais firme numa pessoa se dá em níveis inconscientes, é considerado normalmente como um ato subversivo, ou
pior, se o ataque é levado a sério pelos outros. O psicólogo infantil francês Jean Piaget observou uma vez que “a inteligência ou conhecimento
organiza o mundo organizando a si mesma.”
Uma analogia útil poderia ser extraída do jornalismo informativo norte-americano, organizado para vender anúncios, que benevolentemente
fala mais aos leitores sobre eles mesmos do que sobre acontecimentos de repercussão internacional. Essas “notícias” realçam a infinita
sabedoria, nobreza, bondade, prazer, bom gosto — todos os valores de uma auto-imagem positiva. Neste nível perceptivo, uma informação
negativa engendraria uma rejeição consciente por parte do público.
A pseudo-informação embelezada e romantizada a respeito das celebridades, por exemplo, confirma interminavelmente os objetivos
estereotipados unidimensionais com os quais as platéias se identificam. Numa abordagem realística, as pessoas nunca farão sucesso na
revista People. A People cria e sustenta celebridades fictícias projetadas para vender a revista e seus anúncios. Das revistas feitas para os fãs
adolescentes às entrevistas com ricos e famosos veiculados pelas redes de televisão, a indústria de exploração das celebridades funciona
como anúncio para anúncios.
A propaganda e o jornalismo informativo trabalham de modo similar. O público é o assunto básico disfarçadamente embutido em cada
sentença, cada imagem, cada cenário. A credibilidade se baseia não em percepções factuais verificáveis, mas nas identificações e projeções
do público. As fantasias de realidade da mídia, fabricadas de acordo com o interesse dos anunciantes, refletem as necessidades emocionais
do público — o que eles querem ouvir sobre si mesmos é incluído; aquilo que podería ofender suas projeções fantasiosas é excluído.
O público alvo da mídia, condicionado por décadas de constante reforço de pensamento positivo a respeito de si mesmo, perde sua
capacidade de discriminar entre fantasias perceptivas e realidades. Periodicamente, acontecem fatos que não podem ser varridos para debaixo
do tapete per- ceptivo e se impõem sobre a atenção do público. Informações desagradáveis, em conflito com as percepções que o povo tem da
realidade, podem ser consideradas por um curto período de tempo. Mas notícias realmente más serão no fim das contas reprimidas e
desaparecerão da atenção do público.
O jornalista I. F. Stone construiu uma sólida e bem-sucedida carreira expondo trapaças, fraudes e mentiras feitas por políticos. Stone
simplificou o problema: “Todo governo é dirigido por mentirosos, e a nada do que eles dizem deve ser dado crédito.” O problema é que ele
deixou de lado metade da equação. Nenhuma mentira funciona a menos que alguém esteja querendo acreditar nelr. As pessoas geralmente
preferem mentiras a verdades, se elas mantiveram suas tão valorizadas auto-ima- gens. Esta condição é, ao menos parcialmente, produto de
uma imersão prolongada na massagem da mídia.
Ninguém consegue impor uma mentira ou deturpação explícita impunemente se o público quer realmente saber o que de fato aconteceu. As
vítimas participam nos crimes de seus algozes. Para que uma trapaça dê certo, os que estão sendo trapaceados devem participar do jogo.
Platéias alertas, críticas e questionadoras não serão nunca enganadas. Antes elas terão de ser persuadidas a confiar, acreditar, ter fé e aceitar
as “verdades objetivas” de seus manipuladores.
O viés perceptivo também exerce um importante papel na manipu
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 137
lação. A seleção de um único estímulo sensorial relega os outros sentidos ao status de canais inconscientes e subliminares de acesso ao
cérebro. A visão, por exemplo, é uma experiência subjugadora. Se alguma coisa passa uma boa imagem, a sensibilidade dos muitos outros
canais de entrada de informação no cérebro é desligada no plano consciente, embora eles permaneçam ativos a nível subliminar.
Em uma experiência, 24 estudantes passaram um fim-de-semana em um monastério canadense. Durante os três dias, o grupo esteve
continuamente com os olhos vendados. As vendas tinham um enchimento que impedia a percepção do menor sinal luminoso. A maior parte
dos estudantes aprendeu a cozinhar, vestir-se e cuidar de si mesmo sem depender da visão. A experiência foi marcante e reveladora. Pela
primeira vez em suas vidas, eles perceberam o potencial sensório não-utilizado que há em cada ser humano. Dois estudantes, cegos de
nascença, foram incluídos no grupo para servirem de guias para outros.
No segundo dia, os estudantes sabiam — eles não estavam certos de como podiam saber — quando um animal entrava na sala. Muhos
distin- guiam com precisão se o animal era um gato ou um cão. A maior parte podia caminhar rapidamente por um pomar de macieiras sem
esbarrar nas árvores ou nos companheiros. Uns poucos podiam mesmo correr por entre as árvores. Os estudantes também registraram
posteriormente que eles de alguma maneira entendiam os sentimentos profundos dos outros muito mais claramente do que antes. Muitos
acharam mais fácil confiar ou — em várias circunstâncias —■ desconfiar dos motivos, da sinceridade ou da honestidade dos outros. Vários
deles desistiram no segundo dia. A descoberta de toda uma gama de potenciais sensórios — a maior parte dos quais disponível através de
uma modalidade não-verbal, afetiva e intuitiva de consciência — foi emocionalmente insuportável.
Em sua autobiografia, Jacques Lusseyran registrou suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial como líder de um grupo francês,
Défense de laFrance, que combateu com sucesso as forças de ocupação nazistas. Lusseyran perdeu a visão quando tinha oito anos de idade.
Ainda um jovem acadêmico, ele organizou uma célula da Resistência que depois se juntou à organização maior. O único papel de Lusseyran
era o de interrogar novos candidatos. Cego, ele podia conhecer a pessoa através da voz, do cheiro e de movimentos audíveis, e assim eliminou
traidores, covardes e emocionalmente inaptos com uma estranha precisão. Lussey- ran usou o termo “cheiro moral” para descrever suas
percepções cegas de pessoas que enxergavam. “Eles não eram de nenhum modo”, explicou, “como diziam ser. Eles nunca suspeitaram que
eu podia ler suas vozes como um livro.” Posteriormente capturado, passou quinze meses como prisioneiro em Buchenwald. Ele estava entre os
trinta que, dos 2 mil que com ele foram levados, sobreviveram. No fim Lusseyran tornou-se professor na Cleveland’s Western Reserve
University. E extremamente difícil, se não impossível, mentir de forma bem-sucedida para uma pessoa cega. Esta é uma das razões por que os
que vêem geralmente se sentem desconfortáveis pertos de cegos, sem saber o porquê.
Enquanto a verdade permanece um produto evasivo e efêmero da percepção, uma aproximação remota ou, no melhor dos casos, uma
avaliação bem-intencionada da realidade de múltiplos níveis, as mentiras calculadas são comparativamente fáceis de descobrir, a menos que
interesses pessoais anestesiem a agilidade perceptiva. Num artigo fartamente documentado publicado pelo respeitado ColumbiaJournalism
Review, An- thony Marro, editor-diretor da Newsday, fez uma lista destruidora de mentiras patentes de recentes presidentes e suas
administrações. Algumas das mentiras poderíam ser justificadas vagamente por considerações de defesa nacional. Marro demonstrou que a
Casa Branca de Reagan transformou mentiras em instrumentos institucionalizados de administração pública. A aparência de Reagan e sua
habilidade profissional de ator com a comunicação não-verbal escondiam poderosamente a substância e o conteúdo freqüentemente insípidos
de sua retórica. A manipulação de informações tornou-se uma estratégia principal. Pior, as mentiras de Reagan eram motivadas por interesses
políticos — não pela segurança nacional. O presidente Reagan mentiu para o mundo em um nível sem precedentes na história recente, o que é
uma realização significativa, se consideramos as impressionantes políticas de manipulação de informações dos presidentes Lyndon Johnson e
Richard Nixon.
Abertamente, de forma calculista, olhando nos olhos de sua platéia, Reagan mentiu em grande escala a respeito de um orçamento
equilibrado, da invasão de Granada, dos selos em produtos alimentícios e dos beneficiários da previdência, de El Salvador, Nicarágua, América
Central, Oriente Médio, dos direitos civis, dos compromissos com os deficientes e
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 9
os aposentados, da proteção do meio ambiente, das leis da previdência social para casos de invalidez, do ataque à Líbia, dos gastos militares,
do déficit federal, da Iniciativa de Defesa Estratégica (StarWars). Uma considerável pirâmide de mentiras e imposturas cercou os
carregamentos secretos de armas para os iranianos e o financiamento ilegal dos “contras” na Nicarágua, uma questão que se tornou um
constrangimento prejudicial para os EUA e seus aliados. Qualquer pessoa com um mínimo contato com a realidade poderia ter antecipado esta
conseqüência lógica do embuste propagandístico operando no mais alto nível de crédito e confiança. Infelizmente, este não é o único exemplo
recente de manipulação e fraude em políticas governamentais de informação. Considerando a natureza culturalmente institucionalizada da
manipulação pública, provavelmente não será o último.
Estas mentiras não incluem afirmações que refletem uma diferença honesta de opinião, de interpretação ou de ênfase. Estas mentiras
foram deturpações específicas e sabidas de dados registrados, verificados e fa- tuais. O mecanismo de deturpação é bem conhecido pelos
políticos. O presidente pode mentir como um vendedor de carros usados diante de oitenta milhões de pessoas assistindo à televisão; a
divulgação subseqüen- te de dados errôneos surge de forma fragmentada, gradativa e descoor- denada ao longo de dias, semanas ou meses.
As histórias de acompanhamento desses processos aparecem de forma obscura no Washington Post, New York Times, Wall Street Journal,
Atlantic Monthly e outras publicações. O jornalistajames Nathan Miller conta no Atlantic sobre as doze horas de pesquisa necessárias para
demostrar a falsidade de apenas uma sentença de um discurso de Reagan. Somando ao problema do tempo o da necessária perícia para fazer
tal trabalho, os editores de todo o país relutam em atacar as fantasias de seus leitores, a menos que as histórias se tornem realmente
importantes.
Marro citou o pedido de desculpas do presidente Reagan pelas mentiras, anunciado por sua equipe de relações-públicas, que disse que
“não importa se algumas de suas (do presidente) histórias são ou não literalmente verdadeiras — suas inúmeras afirmações errôneas a
respeito de fatos, sua confusão de detalhes e suas repetidas histórias sobre supostas fraudes na previdência que ninguém conseguiu
confirmar, por exemplo — porque elas contêm uma verdade maior". De acordo com Bill Kova-
ch, editor no New York Times, “estamos lidando com uma administração que afirma sem constrangimento — e já afirmou anteriormente — que
a verdade literal não tem sido uma de suas preocupações.” David Wise escreveu em seu perturbador The Politics ofLyingque “o principal
critério no governo não é a verdade, mas o oposto, a criação de mentiras que serão suficientemente plausíveis para serem aceitas como
verdade, mentiras nas quais as pessoas acreditarão.”
A importância de tudo isso não é apenas a existência de mentirosos ocupando posições elevadas. A maior parte das pessoasjá conhecia
esse fato em algum nível de conhecimento. O que é importante, especialmente no mundo perigoso de hoje em dia, é que as populações
aceitam a mentira como um aspecto normal de política governamental. Os mentirosos, como dissemos há pouco, não podem ter sucesso a
menos que encontrem pessoas dispostas a cooperar — vítimas entusiasmadas iludidas para acreditarem que também se beneficiarão das
mentiras.
AUTQ-ADULAÇÃO: A PEDRA FUNDAMENTAL
A auto-adulação da audiência, seja de forma aberta ou, o que é mais fre- qüente, dissimulada, é a pedra fundamental da comunicação
comercial eficaz. Acima de tudo, deve-se falar às audiências aquilo que elas querem ouvir sobre si mesmas. O fenômeno não é exclusivo de
nenhuma cultura específica. Informações negativas serão em geral ignoradas, reprimidas ou barradas por alguma outra defesa perceptiva.
A média dos jornais norte-americanos é composta hoje em dia por 95% de anúncios. A percepção inconsciente não discrimina entre a
chamada notícia e a informação popagandística. A maior parte dos leitores não traça uma distinção clara entre as duas, e nem poderia. Aos
níveis perceptivos inconscientes, informação é simplesmente informação armazenada num vasto sistema de memória de nenhum modo
comparti- mentalizado com bom ou mau, verdadeiro ou falso, fantasia ou realidade. Juízos de valor parecem ser uma função da deliberação
consciente. O público não é condicionado conscientemente a aceitar notícias como verdades e anúncios como mentiras. Poderia ser, contudo,
válido explorar a idéia, visto que ela poderia resolver várias questões importantes de
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «14 1
saúde pública e sanidade. Infelizmente, o mundo das realidades tais como são percebidas não é tão simples.
O resíduo de informação acumulado no nível inconsciente provê o programa ou a distorção cultural básica sobre o qual outros sistemas ou
estruturas perceptivas conscientes são organizados. Através deste resíduo de informação, pessoas e grupos definem quem eles são e aonde
estão indo, e criam hierarquias de valores básicos. Esta analogia deve, é claro, ser multiplicada por todas as outras exposições perceptivas à
mídia que acontecem a cada dia, semana, mês, ano e década. Cada veículo de comunicação manufatura ou produz uma orientação residual,
totalmente invisível para indivíduos, grupos e nações envolvidos. A orientação é onipresente e provê uma tela cultural através da qual são
filtrados eventos locais, entretenimentos, diversões e distrações momentâneas.
Em um seminário sobre cultura e tecnologia, levantou-se a questão do que um alienígena do espaço percebería da cultura dos EUA depois
de uma breve visita. O grupo fez uma lista das coisas óbvias: abuso maciço do álcool e de drogas, indiferença para com os problemas dos
outros, entrega aos prazeres dos sentidos sem inteligência, desintegração familiar, criminalidade e violência desnecessária — a lista de
horrores enche várias páginas. Esses eram assuntos dos quais a maior parte das pessoas sensíveis, socialmente preocupadas e informadas
seriam conscientes, visto que eles aparecem regularmente na mídia informativa e são amplamente discutidos e debatidos. O seminário, no fim,
conclui que o alienígena provavelmente teria uma visão assustadora dos EUA, talvez concluindo que o lugar era um caso perdido.
Essas observações, contudo, foram feitas por pessoas que passaram suas vidas na cultura norte-americana. O alienígena, ao menos por
certo tempo, conseguiría uma maior objetividade. Será que ele percebería o mesmo mundo visto pelos membros do seminário? O que foi
deixado fora do cenário são aquelas coisas que os norte-americanos raramente questionam. A coisa mais óbvia para o alienígena seria nossa
incapacidade para perceber conscientemente nossa própria cumplicidade e envolvimento com a longa lista de doenças sociais e os lucros que
delas tiramos. Existe, por exemplo, um prodigioso investimento legal no crime, na doença, na pobreza e na to- xicomania, do qual muitas
pessoas e instituições se beneficiam.
Outra coisa óbvia para um observador alienígena seriam as contra
dições, que poderíam incluir as continuamente reiteradas crenças na liberdade, na democracia e na igualdade contrastadas com a pronta
disposição para controlar e explorar outros povos; ou crenças declaradas na paz e na boa vontade contrastadas com a manutenção de
excessivo poder militar. A crença na igualdade de oportunidades contrasta com a realidade da supressão das minorias ou grupos divergentes.
A dedicação declarada ao bem comum contrasta com a ganância e a disposição para sacrificar quase tudo ou todos em prol da preservação de
um status privilegiado e da propriedade privada.
As contradições são normalmente invisíveis e reprimidas por aqueles que estão no veio principal da cultura — os beneficiários do sistema
— mas estão ao alcance do forasteiro cultural — o alienígena do espaço ou o de um gueto de pobres, de negros, de hispânicos ou índios —
para quem são óbvias. A conclusão do alienígena bem podería ser que, na verdade, a Terra é um caso perdido. Por outro lado, o alienígena
poderia concluir que se os humanos pudessem aprender a perceber à sua volta suas repressões culturais, nacionalismos, preconceitos e
interesses financeiros — e especialmente suas fantasias a respeito de uma verdade objetiva — eles poderíam no final resolver seus dilemas.
A tarefa de conhecer ou perceber o que parece estar acontecendo no mundo não pode nunca produzir um quadro verdadeiro distorcido.
Verdade não distorcida é uma concepção que pertence à ficção. Na ciência moderna, mesmo teóricos matemáticos e físicos questionam
freqüentemente se eles de fato descobriram uma lei da natureza ou se sua formação, suas teorias, e suas técnicas experimentais têm moldado
a aparência da natureza numa estrutura que parece justificar uma lei.
A questão é clara na pesquisa experimental com o comportamento dos ratos. São os psicólogos que treinam os ratos ou são os ratos —
com uma sagacidade natural — treinando os psicólogos para recompensá-los? Poucos psicólogos que lidam com ratos acham essa
possibilidade humorística, demonstrando mais uma vez o poder da repressão e do condicionamento cultural para invalidar questões que
ameaçam pontos de vista estimados.
Marshall McLuhan advertia os estudantes para questionarem constantemente toda afirmação que eles pudessem resgatar de suas
memórias. A partir do momento em que algo parecia lógico, sensato, sólido, cla
MIDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL « 1 4 3
ro e óbvio, McLuhan pedia um novo e muito cuidadoso exame. A percepção em geral adula o ego. Esse é o momento de maior perigo, no qual
a vulnerabilidade humana atinge seu ponto mais alto.
A PERCEPÇÃO DAS ABSTRAÇÕES DA LINGUAGEM
As realidades são descritas por palavras, imagens ou números. Todos estes símbolos abstratos estão ainda mais distantes da realidade do que
a percepção sensorial. Um indivíduo primeiro percebe, depois evoca símbolos para descrever a percepção. Tudo o que se pode dizer ou
escrever sobre a realidade é apenas uma representação simbólica. Os símbolos nunca se tornam a verdadeira realidade percebida que eles
tentam descrever.
O que a percepção humana tem sido capaz de entender sobre a realidade se divide em ao menos três níveis de percepção. Até aqui, cada
nível mostra-se único nas limitações perceptivas que ele impõe aos observadores. Diferentes técnicas perceptivas são exigidas em cada um.
Os níveis não se sobrepõem, nem podem ser percebidos simultaneamente. Os três níveis são o macro, o micro e o submicro. O nível macro
inclui o que pode ser prontamente percebido através dos sentidos — paladar, olfato, tato, audição e visão, e as miríades de subdivisões de
cada um. Para usar uma imagem simples, uma fatia de um bolo de chocolate pode ser vista, pesada, medida, cheirada, saboreada e tocada.
Sem muita dificuldade ou confusão, podem-se coletar dados macro consideráveis sobre a fatia de bolo. Po- de-se mesmo apontar um dedo
para uma fatia específica para diferenciá- la de outra. O nível macro mostra-se tranqüilizantemente simples, óbvio e justo. Atenção! E da
percepção macro que a realidade é abstraída para o senso comum, a linguagem do dia-a-dia. Ela é também o nível de percepção em que a
maior parte das dúvidas, erros da avaliação, erros de percepção e desastres dos mais diferentes tipos ocorrem.
O nível micro, o primeiro passo em direção a uma compreensão mais profunda da realidade, pode ser percebido com instrumentos que
ampliem as capacidades sensoriais do homem, tais como microscópios, termômetros, micrômetros, espectrógrafos, técnicas de datação
através do carbono e um rico sortimento de instrumentos mecânicos e eletrônicos.
Esses aparelhos podem estender a percepção até o nível molecular de realidade. No nível micro tornam-se possíveis observações precisas e
men- surações quantitativas da realidade que nunca poderíam ser atingidas no nível macro.
Estes dois níveis de percepção da realidade tornam a fatia de bolo um evento perceptivo de uma complexidade assombrosa, indo dos
componentes moleculares e celulares até a textura lisa, macia e única da cobertura. Ainda há, contudo, muito mais para conhecer (perceber)
sobre nossa fatia de bolo de chocolate — o nível submicro. A realidade submi- croscópica — os núcleos atômicos, elétrons, prótons, nêutrons,
fótons, íons, e as outras partículas mínimas, muitas ainda por serem descobertas — não pode ser percebida diretamente pelos sentidos
humanos. No nível micro, uma pessoa pode perceber visualmente estruturas celulares, ou mesmo moléculas, com um microscópio eletrônico.
Ninguém tem condições de perceber diretamente uma estrutura atômica. Os elétrons e as outras partículas que orbitam em torno do núcleo
viajam à velocidade da luz e teriam de ser detidas para serem observadas. O nível de percepção só está ao alcance dos homens através das
abstrações matemáticas — uma linguagem incompreensível para a maior parte dos não-matemáticos.
Pode-se conceber que existam outros níveis de percepção ainda não acessíveis à investigação, mas estas três dimensões básicas são
úteis na exploração da realidade perceptível, o chamado mundo real. As dificuldades começam quando alguém casualmente observa a fatia de
bolo, ou uma fotografia da fatia, e então prontamente afirma: “Eu sei tudo sobre aquela fatia de bolo de chocolate!” Na medida em que nos
ocupamos apenas com uma única fatia de bolo, numa situação única, não pode haver nenhum grande problema. Podemos usar o símbolo fatia
e apontar para a fatia de bolo na expectativa de que nossa descrição verbal será entendida. Se por outro lado, usamos o símbolo fatia de bolo
para descrever todas as milhões de diferentes fatias existentes no mundo, teremos distanciado em muito nosso símbolo de qualquer realidade
simples.
Quando os símbolos verbais fatia de bolo de chocolate são substituídos pelos símbolos russos, muçulmanos, negros, chineses, judeus,
hispânicos, ou qualquer outro símbolo abstrato, a percepção se move numa área de complexidade perceptiva com um potencial letal.
Estes três níveis de realidade perceptível — macro, micro e submicro—
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 145
são inerentes a toda a realidade física e biológica conhecida pela experiência humana. Qualquer um que pretenda saber tudo, ou mesmo
muito, sobre qualquer pessoa ou grupo comete um absurdo tão grande como aquele que afirma que sabe tudo, ou mesmo muito, sobre os
russos, os muçulmanos, os norte-americanos ou os índios shoshone. Existem, é claro, categorias verbais arbitrárias, meramente convenientes
enquanto ilustração. A categorização verbal é sempre necessariamente arbitrária e experimental. Podem haver seis, dezesseis ou sessenta
níveis de realidade perceptível verbalmente definíveis, As pessoas podem perceber o bastante sobre qualquer assunto para alcançar
determinado objetivo; mas elas deveríam se tornar mais*humildes pela consciência de que, seja qual for o assunto, haverá sempre mais coisas
que elas não sabem do que as frívolas superficialidades que elas pensam que sabem.
Na prática, contudo, a maioria de nós vive — em geral precariamente — somente no nível macro, uns poucos vivem nos níveis macro e
micro e extremamente poucos vivem nos níveis macro, micro e submicro de percepção. Estes três níveis, é importante lembrar, não podem ser
experimentados pela percepção simultaneamente. A realidade, é lógico, existe a um só tempo. Mas as pessoas devem perceber os níveis de
realidade de cada vez.
A sobrevivência e o ajustamento do homem seriam bem servidos se as pessoas fossem instruídas em suas limitações perceptivas e
lingüísticas. Qualquer pretensão de atingir uma verdade ou conhecimento objetivo somente no nível macro da percepção humana é no pior dos
casos uma mentira, no melhor uma ingenuidade. A simples afirmação de que não se pode confiar no Panamá, nos comunistas, nos
republicanos, nos rotaria- nos, nos anarquistas ou nos membros do Lions Club, embora seja uma afirmação geralmente levada bem a sério,
pode ser objeto apenas de uma lógica do absurdo. A relação entre a linguagem e os objetos ou as pessoas que a linguagem tenta descrever é
universalmente subjetiva. Apesar disso, a maioria de nós tem sido cuidadosamente doutrinada para aceitar a linguagem como ela se mostra no
nível mais superficial, para confiar implicitamente em superficiais percepções macro.
Os instrumentos, técnicas perceptivas e o raciocínio matemático ajudam os observadores a realizar algum grau de distanciamento
perceptivo. Mas o que em determinado momento passa por ciência continua a
146 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
descobrir, com muito pouca objetividade, aquilo cuja descoberta lhe foi recompensadora.
Assim como a arte, a ciência é comumente aquilo que as pessoas podem fazer impunemente em determinado momento da história. E as
pessoas podem fazer impunemente inúmeras coisas, se elas entendem o jogo. Toda sociedade que deseja sobreviver deveria ser sábia para
cuidadosamente desafiar seus políticos, administradores públicos e particulares, generais, cientistas, engenheiros e outros que se apresentam
como especialistas, autoridades, videntes, gurus. O princípio perceptivo que valeu o Prêmio Nobel para o físico Werner Heisenberg continua
sendo uma advertência para os crédulos: “Nenhum julgamento perceptivo pode ser feito com absoluta certeza.”
O nível macro de percepção é onde a realidade percebida se transforma em palavras e imagens. É o nível no qual a maior parte das
pessoas vive suas vidas. São lutadas macro guerras, desenvolvidas macro políticas e feitas macro definições que controlam, ameaçam ou
destróem a vida humana. Mas qualquer tentativa de definir palavras-símbolos ou imagens- símbolos termina necessariamente por incluir e
excluir informações de forma arbitrária. E não é raro que o que é excluído se torne mais significativo para o entendimento e para o significado
do que o que foi incluído.
A OBJETIVIDADE NÃO ESTÁ MORTA: ELA NUNCA EXISTIU
Tentativas científicas de definir as coNas objetivamente com palavras de línguas mortas, como o latim, nunca funcionaram. Embora as línguas
estivessem mortas, as pessoas que as usavam não estavam. Tais pseudo-lín- guas servem mais para controlar e definir as descobertas e as
pesquisas do que tornar a linguagem objetiva. Elas são também meios eficazes de ocultar informações do público leigo. O latim, é claro,
desapareceu rapidamente como língua científica defensável. Ele foi substituído pelos vocabulários dos vendedores da Madison Avenue e de
outros grupos, vocabulários esses que são ainda mais afastados das realidades percebidas. O jogo retórico de criar nomes de marcas
farmacêuticas, eletrônicas e de produtos biológicos com associações verbais simbólicas significativas em nível inconsciente têm mais a ver
com a magia e o mito do que com a ciência.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «147
Note-se as inteligentes marcas de fantasia dos remédios, sejam vendidos sob prescrição ou livremente. Rótulos mágicos como Cefalexina,
Zovirax, Enalapril, Luride e Theo-Dur evocam sentimentos de força e saúde sem a menor indicação de quais doenças eles tratam. A ciência e o
que a ciência produz tornaram-se meras entidades comerciais designadas para serem promovidas no mercado.
Os elaborados jargões multi-silábicos desenvolvidos nas ciências sociais e comportamentais foram tentativas similares de escapar da
armadilha do desvio perceptivo inerente à linguagem. Infelizmente, elas desembocaram numa armadilha pior — a incompreensibilidade. Em
áreas como a psicologia, a sociologia e a antropologia, tentativas pedantes de cunhar palavras com significados científicos, palavras não
sujeitas ao desvio perceptivo humano, produziram uma tagarelice pseudocientífica desprovida de sentido. A partir do momento em que
definições específicas foram aceitas elas começaram a se transformar e mudar através de novas interpretações. Fazer definições de palavras
é como plantar árvores em areia movediça. O jargão tornava-se confuso, fictício e obsoleto antes que a tinta do último dicionário tivesse tempo
de secar.
Variações contextuais no sentido — o que as palavras significam em vários contextos ou disposições — têm um número infinito de
possibilidades; há de longe muito mais variações do que o maior computador podería comportar. O dilema do significado aplica-se a todos os
sistemas de linguagem. Em primeiro lugar, há a intenção do escritor, aparentemente algo bastante simples. Depois, há a questão do que várias
pessoas e vários públicos, em condições diversas de tempo e lugar, perceberam como sendo a intenção do autor — algo não tão simples.
Além das variações contextuais no sentido, sentidos pessoais, expressões idiomáticas e expressões coloquiais surgem aos montes em
todas as línguas a cada dia, e desaparecem aproximadamente na mesma proporção. Os idealizadores de programas de computador para a
tradução de textos concordaram que em áreas especializadas com vocabulários limitados todos se entendem, em maior medida, uns aos
outros. Eles conseguiram que o computador traduzisse artigos de especialidades científicas, como a neurocirurgia, por exemplo, num estilo
grosseiro. Contudo, mudanças constantes e irregulares em todas as línguas e culturas impedem a produção de qualquer tradução inteligível
sem uma revi são exaustiva por alguém que conheça tanto as duas línguas envolvidas quanto o campo da especialidade em questão.
Mais uma vez, as variações nos sentidos foram os obstáculos. O dispendioso esforço empreendido em várias nações não conseguiu
produzir um sistema de tradução eficaz. A mais complexa entidade que os homens desenvolveram é a linguagem. Não obstante isso, a maior
parte das pessoas simplesmente dá a linguagem por certa, aceitando-a como parece ser na superfície — algo de que, em geral, elas no fim se
arrependem.
Outro fator deve ser incluído em qualquer tentativa de descrever o processo de percepção da realidade — o tempo. A percepção tem de
envolver um continuum temporal. A fatia de bolo de chocolate — a fatia real, não a versão retratada da figura 6 — sofreu uma mudança
contínua durante toda a sua existência. Não é hoje a mesma fatia que era ontem, há uma semana ou há um mês. Qualquer avaliação
perceptiva válida da fatia de bolo deveria incluir uma referência temporal válida. Em outros termos, qualquer referência à fatia de bolo que
tenha um significado deve incluir tempo, espaço, perspectiva, associações em nível tanto consciente como inconsciente e informações sobre
as distorções do observador. Pessoas viciadas em chocolate percebem um bolo de chocolate diferentemente daquelas que não são viciadas.
Pessoas famintas perceberão a fatia de bolo de uma maneira bastante diversa de alguém que acabou de comer. Não obstante,
independentemente de quão detalhada se torna a descrição verbal ou pictórica, os símbolos verbais não podem nunca traduzir a complexa e
multinivelada realidade perceptível.
Nossa percepção da fatia de bolo pode não envolver questão de vida ou morte. Mas, e quanto a realidades perceptivas como o capitalismo,
o socialismo, o amor, o ódio, a liberdade, a escravidão, a lealdade, o meio ambiente ou o povo? Conceitos verbais e pictóricos subjetivos como
estes — conceitos de um alto nível de abstração — só podem ser descritos por outras palavras. A montanha cada vez maior de definições
descritivas leva-nos cada vez mais longe da realidade verificável. As pessoas continuam a dar passos em falso num denso nevoeiro verbal, e
intelectual, tentando confirmar fantasias perceptivas cada vez mais vagas ou efêmeras baseadas em outras fantasias baseadas em fantasias
etc.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 149
O INCOMUM SENSO COMUM
De Euclides a Descartes, de Newton a Einstein, os modos tradicionais de pensamento eram baseados em percepções espaciais de três
dimensões: altura, largura e profundidade, aliadas aos movimentos do tempo. Esta maneira simplista de pensar é freqüentemente chamada de
“senso comum”. Para a maior parte das sociedades de nosso tempo, o senso comum provê as construções científicas e sociais básicas da
realidade. O senso comum normalmente parece constante, confiável, simples e não-con- traditório — um modelo de relações lineares de causa
e efeito. Contudo, o mundo real — fora das limitações da percepção humana — não parece ser de nenhum modo como nossas fantasias de
uma percepção clara, ordenada, lógica, predizível e descritível.
Novas palavras, frases, conceitos verbais e sentidos — coletivamente utilizados para expressar o senso comum — são constantemente
introduzidas na linguagem através do trabalho de hábeis mercadores de palavras. A inovação na linguagem não é um produto da população
em geral. H. L. Mencken, em seu exaustivo The American Language, chamou esses inovadores de “os homens escritores” (writingmen).
Curiosamente, as mulheres
— embora isto possa estar mudando nas nações tecnologicamente avançadas — tiveram até agora um papel secundário na criação de uma
nova linguagem. Os cunhadores da linguagem incluem romancistas, contistas, dramaturgos, letristas de músicas, teatrólogos, jornalistas e,
particularmente, redatores de anúncios. As frases dos mercadores de palavras normalmente penetram na linguagem despercebidas. O escritor
é anônimo ou então é logo esquecido; as palavras permanecem indefinidamente.
Os 150 bilhões de dólares gastos com propaganda nos EUA em 1989
— investimento de apenas um ano — introduziram dezenas de novas palavras, frases e sentidos na linguagem. Alguns destes rapidamente
desapareceram; outros persistirão indefinidamente. Qualquer um que patrocine inovações em termos de linguagem, na verdade, está
controlando as definições e os sentidos da linguagem. Ainda mais importante, o modo pelo qual o significado é definido é controlável tanto no
nível consciente de percepções do público quanto no nível inconsciente. A maior parte dos talentosos criadores de palavras e frases dos EUA
trabalham, de uma ou de outra maneira, para a máquina da propaganda. A indústria do entretenimen
to está intimamente ligada a interesses empresariais em propaganda e promoções. A mídia da propaganda pode explorar o trabalho de um
escritor, ou pode ignorá-lo quando seus interesses financeiros estão ameaçados. A indústria da propaganda faz um investimento poderoso na
linguagem, em como ela é utilizada, e em interpretações controladas de significados. A mídia da propaganda dá à sociedade uma máquina de
linguagem e cultura.
A fragilidade e vulnerabilidade da percepção e da linguagem humana tem sido amplamente reconhecida por filósofos, matemáticos e
cientistas no mínimo desde os sofistas gregos. Nos EUA de hoje, de modo muito diferente de muitas outras nações ou culturas, o
relacionamento entre as palavras e as realidades percebidas que elas se propõem a descrever é ignorado. As pessoas têm sido condicionadas
a aceitar indiferentemente os símbolos das palavras ou imagens como realidades — mesmo quando eles carecem de qualquer relação
concebível com a realidade perceptível. Os anúncios estabelecem o modelo para a linguagem. O jargão dos anúncios não transmite nada de
verificável ou específico. Tudo é mantido no reino da projeção da fantasia, da identificação entre produtos vagamente erotizados, consumidos
por pessoas apresentadas como imagens estereotipadas. Questões sobre desvios perceptivos e significado versus realidade raramente
aparecem. Avaliações críticas do significado nos níveis perceptivos macro-micro-submicro ou são atacadas como subversivas ou, o que é pior,
ignoradas como pedantes.
Há cerca de 2 mil anos, Platão aconselhou os governantes de sua República a procurar o controle do idioma do povo como primeira
estratégia de dominação política e econômica. As populações podem ser inconscientemente (subliminarmente) condicionadas segundo
qualquer padrão desejado. Com a tecnologia atualmente disponível, isto requer meramente o gasto do tempo, do dinheiro e dos recursos
humanos necessários. A cada ano, pode-se ver nos EUA pessoas que literalmente compram—através da mídia propagandística — eleições,
apoio público, gastos dos consumidores e políticas públicas nacionais e internacionais. O maior investimento em propaganda normalmente
vence; não sempre, é claro, mas com uma freqüência suficiente para tornar tal investimento uma técnica garantida para a moldagem da
aprovação pública. E então, o que é mais atemorizador, todos pretendem que pensam e agem por si mesmos e que não são comprados e
vendidos por nenhum manipulador esperto.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 15 1
A propaganda gera um sistema estímulo-resposta-recompensa quase perfeito, apesar de as recompensas serem muito mais simbólicas do
que reais. O resultado final, contudo, parece muito mais próximo do pesadelo do Inferno de Dante do que de uma utopia idílica. Em seu atual
estágio de desenvolvimento, a tecnologia da mídia poderia transformar o mundo e seus povos em virtualmente nada. Os EUA, contudo,
engenhosamente persuadiram a si mesmos a usar esta tecnologia para transformar sua cultura numa enorme máquina de vendas que existe
porque consome.
Aqueles que entendem as limitações da linguagem e das percepções podem assumir a responsabilidade por suas próprias definições da
realidade. Eles podem evitar ou reduzir a vulnerabilidade à manipulação. Eles podem alcançar a autonomia enquanto pessoas. E podem
verdadeiramente perceber seu vasto potencial de crescimento, dignidade e realização. O problema é que a maior parte das pessoas prefere
seguir o rebanho, aceitar as percepções dos líderes e da mídia prontas para serem usadas, que buscam apenas satisfazer seus próprios
interesses egoístas.
CAPÍTULO CINCO
31
42
46
Heres to more gin taste.
53
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 1 77
A mente e o corpo estão totalmente integrados. Nenhuma função do corpo opera independentemente. Pensamento e sentimento são do
mesmo modo inseparáveis, assim como emoção e intelecto. Ninguém sabe ao certo onde a consciência começa e termina. O consciente e o
inconsciente são processos completamente integrados e interdependentes. Estas funções operam todas ao mesmo tempo. Na realidade do
corpo humano, estes complexos processos são não-verbais.
Os conceitos verbais são descrições fictícias da realidade percebida que podem não existir física ou biologicamente. As descrições verbais
são úteis de tempos em tempos, como conjecturas ou conceitos hipotéticos e teóricos. Quando os indivíduos tornam-se mais aptos para
entender os processos de abstração, as percepções anteriores demonstram ter sido reprimidas ou restringidas. As novas descobertas, tanto na
ciência como no dia-a-dia, baseiam-se na disponibilidade de novas percepções da realidade, percepções que não eram disponíveis
anteriormente. Praticamente nada no ambiente humano é genuinamente novo. Algo pode ser rotulado como “novo” por uma estratégia de
marketing ou de propaganda, mas se examinado de perto o pseudo novo geralmente revela-se como a mesma e velha coisa, reformulada para
a ilusão perceptiva.
A educação, a ciência e mesmo os negócios treinam os indivíduos para seguir os passos daqueles que já chegaram lá. Os empreendedores
geralmente sabem que seguir os passos de alguém leva aos mesmos lugares onde outros já chegaram. Poucas descobertas, se há alguma,
resultam da conformidade. Não obstante, as sociedades tipicamente punem ou restringem a não-conformidade. O não-conformista na ciência,
educação, arte, negócio ou em qualquer outra forma de atividade humana, ameaça a segurança dos conformistas — geralmente, a maioria.
Como os descobridores, as descobertas raramente são bem-vindas. Elas são uma ameaça terrível a qualquer um com interesses escusos.
PROFANIDADE SAGRADA
A obra-prima de Ticiano, O Amor Sagrado e Profano, retrata duas mulheres sentadas à beira de um poço; a que está completa e
apropriadamente vestida sendo o “sagrado”, a voluptuosamente nua como o “profano”. Quanto
mais o observador considera a “sagrada”, mais profana ela se torna. Quanto mais reflete sobre a “profana”, mais sagrada ela se torna.
Finalmente o observador percebe que as duas mulheres são o mesmo indivíduo pintado duas vezes. Tanto o sagrado quanto o profano
aparecem como qualidades inerentes a todas as mulheres, duas polaridades inextrincavelmente inter- relacionadas. Um paradoxo verbal
similar aparece em todos os pressupostos verbais bi-polarizados. O comportamento “normal”, ou qualquer coisa “normal”, torna-se
perversamente anormal quanto submetido a um exame minucioso. As verdades absolutas do mundo são inevitavelmente desmascaradas
como mentiras de salafrários, loucos ou ambos. Sempre que as mo- ralidades (“verdades”) triunfam, inúmeras coisas ruins acontecem.
Enquanto a percepção pode pilotar precariamente a realidade e simbolizá-la verbal, pictórica ou mesmo matematicamente, em qualquer dado
momento, a única certeza permanece sendo a incerteza.
As incertezas podem ser engraçadas. Não é certo que haverá desastre se as “verdades eternas” forem questionadas ou duvidadas. A atual
coleção de verdades absolutas que domina as decisões, políticas e perspectivas mundiais parece que acabará certamente destruindo o
mundo. A atual coleção de verdades absolutas foi ratificada durante 1986, o Ano Internacional da Paz, pelo total de 900 bilhões de dólares em
gastos militares. Este gasto maciço de recursos vitais, capital e pessoas está detalhado no anuário de Ruth Leger Sivard, Despesas Militares e
Sociais Mundiais. Nenhum desastre de maior magnitude pode ser imaginado num mundo onde dois terços da população vai toda noite com
fome para a cama enquanto estão sendo salvos da, ou pela verdade eterna de alguém.
Em um breve resumo da lei de exclusão do meio-termo de Aristóteles, o psiquiatra inglês R. D. Laing esboçou o máximo da loucura humana
por um mundo entorpecido de auto-indulgência, forte ambição e flagrante hipocrisia.
Enquanto não podemos elevar nosso “pensamento ” acima de Nós eEles, os bons e os maus, tudo continuará na mesma. O único fim possível
será quando todos os bons tiverem matado todos os maus, e todos os maus matado todos os bons, o que não parece tão difícil ou improvável,
já que para Nós, somos os bons e eles são os maus, enquanto que para Eles, somos os maus e eles são os bons. Milhões de pessoas
morreram neste século e mais milhões morrerão, incluin
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «17 9
do, como temos várias razões para acreditar, muitos de nós e dos nossos filhos, já que não podemos desatar este nó.
Parece comparativamente um nó simples, mas está muito, muito apertado — como se fosse ao redor do pescoço — de toda a es^^cie humana.
Mas não acredite em mim porque eu disse isso, olhe no espelho e veja por si mesmo. (Laing, A Política da Família, p. 49).
A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO
A lei da contradição foi a contribuição mais metódica de Aristóteles para a lógica e o pensamento. Anulando as contradições, ele desprezou,
ignorou e camuflou os incômodos problemas inerentes aos sistemas de linguagem verbal, pictórica ou matemática. A lei da contradição—
freqüente- mente resumida como “Nada pode ao mesmo tempo ser e não ser”— apagou as dificuldades que surgem das contradições,
inconsistências e paradoxos ferozes do mundo. As futuras gerações poderiam ignorar as pontas que não se encaixam num sistema de
linguagem ordenado e consistente.
Com o passar dos séculos, as leis aristotélicas desenvolveram-se em verdadeiros mandamentos do pensamento e da razão. Se o Hamlet
de Shakespeare soubesse que podería ser c não ser ao mesmo tempo, podería ter tido uma vida muito mais feliz e bem ajustada. Mas, como
Shakespeare sabia muito bem, as grandes obras literárias e teatrais raramente são escritas sobre vidas bem ajustadas.
Depois de Aristóteles, os homens podiam inventariar e explicar verbalmente a totalidade do mundo em que viviam — o mundo que
pensavam, que percebiam, categorizavam, definiam e isolavam. A confiança dos homens naquilo que acreditavam ter percebido permitiu a
construção de uma lógica pela qual a maioria dos mistérios, incertezas e contradições desapareceu. Uma palavra ou frase sempre pode ser
inventada, construída, definida ou redefinida para criar-se uma ilusão de conhecimento. O ego humano alcançou até o Céu. Deus foi definido
verbalmente por dúzias de religiões e centenas de seitas, cada qual em seu próprio interesse.
Nas relações familiares problemáticas, por exemplo, os terapeutas acabam concordando que qualquer coisa que afete a um influencia a
todos. Embora os maridos e as esposas acusem uns aos outros individual
mente, eles estão mutuamente envolvidos, cada um mantendo o dilema do outro. A percepção de que os indivíduos são independentes e
isolados uns dos outros constitui uma das mais destrutivas ilusões da realidade. Não obstante, esta ilusão tem potencial políüco, ideológico e
comercial para aqueles que lucram com tais ilusões.
O mundo da realidade percebida, ao contrário das leis aristotélicas, está interconectado, cada coisa nele é influenciada por todas as outras
coisas deste mundo. Nada existe isoladamente. O isolamento ou a exclusividade é apenas uma ilusão perceptiva—com freqüência, uma ilusão
terrível. Pediu-se certa vez ao poeta Carl Sandburg que identificasse a palavra mais perigosa da língua inglesa. Ele respondeu sem hesitar,
“Exclusivo!”
Dentro do corpo, por exemplo, todos os sistemas fisiológicos estão interconectados através das redes circulatórias, neurológicas e
cerebrais. Todos estes sistemas conhecidos, desconhecidos e que não podem ser conhecidos operam continuamente, inextrincavelmente
coordenados uns aos outros. O que parece estar acontecendo é freqüentemente uma especulação meramente superficial e preconcebida.
As descrições verbais, que só são definíveis por outras descrições verbais, permitem que os homens se convençam de que sabem tudo
sobre algo do qual não sabem absolutamente nada. As pseudociências como a economia, a psicologia, a sociologia e a
antropologia—generalizadas como ciências sociais — estão entulhadas de insensatezes verbais. A verbalização jurídica também flutua de
modo similar nas densas nuvens da fantasia humana. As ciências sociais raramente são científicas e muito freqüentemente são anti-sociais.
Por exemplo, a Faculdade de Medicina da Universidade de Kansas produziu um filme educativo sobre a tuberculose para um curso de
atualização para médicos que, em muitos casos, haviam trabalhado vários anos em sanatórios para tuberculosos. Os pesquisadores
colocaram plugs transparentes nas orelhas dos coelhos e introduziram o bacilo da tuberculose no tecido abaixo do plug. Através de fotografias,
no decorrer do tempo, eles documentaram a bactéria no tecido da orelha — como o seu crescimento envolvia a célula, o neurônio e as
interações circulatórias e químico-sangüíneas; como estas complexas interações eram afetadas pelo medo, estimulação sexual, fome, sede e
introdução de várias drogas no coelho.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «18 1
O filme incomodou e confundiu vários médicos mais velhos que haviam passado suas vidas apenas com as definições verbais do
tratamento e cura da tuberculose. Seus aprendizados e práticas eram baseados em simplistas descrições verbais, muito distantes da realidade
inter-relacionada perceptível desta doença. Até mesmo o nível submicroscópico da realidade médica perceptível é agora acessível aos
médicos que dominaram a alta matemática, que já é um fator a ser considerado no tratamento do câncer e de outras patologias.
O papel enxertado subvisualmente discutido anteriormente proporciona outra ilustração da lei da contradição numa situação comercial.
Depois de desenvolver o processo dos enxertos, a fábrica de papel descobriu que era praticamente impossível convencer os chefes da
contabilidade das grandes firmas que as faturas mensais enxertadas subliminarmente com as frases “Paguejá, muito importante! Não pode
esperar! Vital! Dê precedência! ” poderíam aumentar o fluxo de caixa. No entanto, o papel deveria ser vendido aos chefes de contabilidade.
Estes funcionários, especialmente nas grandes firmas, são provavelmente o tipo mais conservador de executivo. Seu trabalho é administrar o
fluxo de caixa—o dinheiro que entra, o dinheiro que sai. Eles são empregados para avaliar rigidamente — com critérios estritos, tradicionais,
empíricos, aristotélicos, conscientes e visíveis — os números que descrevem a situação financeira diária de organizações complexas. A
simples menção de subliminar ou do inconsciente poderá provocar o ódio e a incredulidade de tais funcionários. Eles são, em termos
perceptivos, um tipo muito especial de pessoas — o que provavelmente conta para o fato de terem se tornado chefes de contabilidade. A
maioria deles descarta a idéia do papel com enxertos subvisuais como uma insensatez total. Os gerentes de venda, por outro lado, ficam
imediatamente excitados com qualquer idéia que possa influenciar o impulso de consumo. Os chefes de contabilidade não podem perceber
além da lei da contradição de Aristóteles. Eles foram programados para acreditar que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou os
enxertos subliminares no papel estavam ali ou não estavam.
A fábrica de papel desenvolveu então uma versão do papel enxertado que ocultava a mensagem subliminar quando o papel era visto de um
ângulo de 90 graus, mas que era visível colocando-se o papel a 15 graus. A mensagem enxertada estava e não estava lá. Ser e não ser é uma
questão perceptiva. O verbo seré uma das formas verbais mais complexas em qualquer língua do mundo. Sersignifica literalmente “existir”, e a
existência é uma questão perceptiva. O papel em questão ilustrou como uma mensagem pode ser e não ser ao mesmo tempo. A maioria dos
chefes de contabilidade pareceu flnalmente estar convencida.
A consistência aparece como uma rachadura fatal em qualquer sistema de regras rígidas, teorema ou lei de linguagem — seja ela
linguística, pictórica ou matemática. O filósofo espanhol Miguel de Una- muno escreveu que “Se alguém se contradiz, com certeza é alguém
que não sabe de nada”. A inconsistência é uma condição humana natural, certamente para os sistemas de linguagem. No entanto, a ilusão de
consistência pode ser facilmente construída, seja nas relações entre pessoas e pessoas, seja entre pessoas e objetos. Os profissionais de
publicidade e de relações-públicas constróem e sustentam ilusões de consistência — ao menos até alguém fazer uma análise crítica e
cuidadosa. A consistência é um papel artificial que as pessoas representam em várias situações profissionais. Os políticos e os executivos
freqüentemente tor- nam-se adeptos deste papel. As reconciliações consistentes da inconsistência são construções perceptivas. Elas podem
parecer boas no papel, mas são inerentemente enganosas.
Discordar ou desobedecer a estrutura da linguagem viola heretica- mente as sabedorias convencionais. O paradoxo, a inconsistência e a
contradição são expectativas normais no raciocínio lógico e científico. Quando eles não são encontrados, a regra é ser extremamente
cauteloso. Pode alguém realmente scraquilo que consciente e inconscientemente moldou para aparentemente ser? Na verdade, quanto mais
consistentemente honesto alguém parecer, mais cuidado você deve ter com seu bolso. As imagens são estereótipos, mentiras, dissimulações
cosméticas, representações erradas. As imagens geralmente dissimulam as características opostas. Quando as contradições não aparecem,
elas foram omitidas ou camufladas. Analistas inteligentes procuram descobrir a consistência criada para satisfazer as expectativas normais,
para então desacreditá-la completamente. Os encarregados de pessoal geralmente questionam os relatórios perfeitos demais.
As afirmações verbais, pictóricas ou matemáticas podem ao mesmo tempo ser verdade e mentira. A verdade e a falsidade são conclusões e
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 1 83
construções perceptivas. Elas são produtos dos modos com que os homens sentem, vêem, ouvem, pensam, cheiram e acreditam (ou são
manipulados para acreditar) que sabem. Normalmente, os homens impõem avaliações perceptivas sobre a realidade por razões práticas. Os
motivos, é claro, podem ser altruístas, interesseiros, ou ambos em diferentes graus. A primeira questão na análise de um comportamento
lingüístico deveria ser “o que o emissor está realmente tentando fazer?”
A VERDADE NA PROPAGANDA
A lei da contradição desempenha um papel importante nos meios de comunicação de massa. O público foi treinado para aceitar a informação
com o significado manifesto pelas fontes de alta credibilidade. As pessoas raramente investigam o que está por debaixo da superfície. Elas
deveríam! As fontes de alta credibilidade são facilmente compradas pelos publicitários ou relações-públicas. Os anônimos “altos funcionários
do governo”, “quatro entre cinco médicos”, “fontes fidedignas”, “informantes confidenciais”, “pesquisas recentes” ou fantasmagóricos
responsáveis do mesmo tipo são freqüentemente armações para informações errôneas, falsas e interesseiras.
A manipulação dos relações-públicas — muitas vezes apresentada como informação jornalística — pode ser verdadeira num sentido
simplista e linear e pode até mesmo ser provada numa corte. Por outro lado, tais afirmações podem ser falsas quando consideradas em seu
contexto ou em relação a outras informações omitidas. O texto dos anúncios geralmente é uma obra-prima da técnica de iludir, que pode ser
verdade em certo nível mas — sob um exame mais acurado — ser também mentira. Um labirinto de órgãos federais supostamente regula a
publicidade falsa e enganosa. A Comissão Federal de Comércio é um dos órgãos mais importantes, com uma enorme equipe de procuradores
que agem apenas contra as ofensas mais graves. Entre os redatores de publicidade, os regulamentos da Comissão Federal de Comércio são
considerados piada. Qualquer redator experiente pode verbalizar sobre qualquer lei que possa ser escrita, simplesmente através do
conhecimento da lógica aristotéli- ca. Os redatores de publicidade também fazem os anjos dançarem na ca-
1 84 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
beça de um alfinete. Qualquer um que seja pego neste jogo é considerado inapto.
O Departamento de Alimentos e Drogas supostamente controla os anúncios de alimentos, drogas, cosméticos, aparelhos médicos e
produtos perigosos. A Comissão Federal de Comunicação controla indiretamente a tele-radiodifusão dos anúncios por seu poder de
concessão, mas na prática ela serve à indústria, não ao consumidor. O Serviço Postal supostamente regulamenta os anúncios via mala direta.
A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo em amplos poderes, geralmente não executados, para regulamentar propagandas enganosas de
álcool e tabaco, incluindo as recentes leis que proíbem os anúncios subliminares de bebidas alcoólicas (ver Apêndice). A Divisão de Grãos,
supostamente regulamenta a veracidade dos anúncios de sementes. A Comissão de Títulos, Ações e Letras de Câmbio regulamenta, sem
nenhuma eficácia, os anúncios de títulos e ações. Finalmente, o Comitê de Aeronáutica Civil finge regulamentar os anúncios de aviões de
carga.
Estes órgãos federais, e os departamentos estaduais similares, presumivelmente protegem o consumidor da propaganda enganosa. Mas,
de fato, servem e legitimizam a propaganda. Eles dão aos consumidores a ilusão de que estão a salvo da manipulação, de que pensam por si
mesmos, de que estão protegidos das informações falsas e enganosas. Os consumidores norte-americanos foram treinados para acreditar que
qualquer coisa publicada ou propagada pelos meios de comunicação deve ser verdadeira. Qualquer coisa que seja aprovada por todos estes
órgãos públicos deve ser legitimada. Os anúncios institucionais da Associação Nacional das Agências de Publicidade — a propaganda da
propaganda — divulgam a fantasia de que os anúncios são validados pelos órgãos reguladores.
Os anúncios publicados a título de ilustração em meus quatro livros — todos anúncios muito bem sucedidos — são falsos, enganadores e
ilusórios. Os anúncios subliminares, por exemplo, foram declarados como “contrários ao interesse público”, com “clara intenção de serem
enganosos”, pela FTC, FCC e ATF. As técnicas subliminares também são proibidas nos códigos para a propaganda e divulgação
voluntariamente criados pelas indústrias. Nenhum órgão federal jamais moveu uma ação contra um anunciante pelo uso de subliminares.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS « 185
VOLTAS E VOLTAS AO REDOR DO PARADOXO
Num mundo há muito dominado e dirigido pelas leis aristotélicas, o paradoxo é uma contradição difícil de ser demonstrada. O começo e o fim, a
causa e o efeito, são fundidos em uma só coisa no paradoxo. Eles se tornam uma unidade circular, um sustentando o outro. Esta unidade tem
sido simbolizada, no mínimo desde a Grécia Antiga, pelo Ouroborus— cobra que morde o próprio rabo. Um paradoxo revela a natureza frágil
da contradição e da consistência nas formulações verbais.
Há uma porção de paradoxos derivados da matemática que não se encaixam e não têm lógica até o ponto onde se tornam ilógicos. Infeliz-
mente, os paradoxos matemáticos relacionam-se a um mundo inimaginável para os não-matemáticos. As duas distintas linguagens — a nossa
e a dos matemáticos — são tão diferentes que mesmo as melhores tentativas de tradução fracassam. Kurt Gòdel, um matemático alemão,
usou o raciocínio matemático para explorar o próprio raciocínio matemático. Esta tentativa não é diferente de usar o sistema aristotélico para
compreender as inconsistências do sistema aristotélico. As tentativas de se analisar um sistema por si mesmo não levam a lugar nenhum, a
menos que descubra- se uma perspectiva exterior ao sistema. Isto é como tentar provar que anúncios são falsos quando, pela lógica
convencional, eles podem ser provados como verdadeiros.
Gòdel traduziu um antigo paradoxo — o paradoxo de Epimenides ou o do mentiroso — em termos matemáticos. Epimenides foi um creten-
se que fez uma afirmação imortal. Expresso verbalmente de forma simples, o paradoxo diz que “Todos os cretenses são mentirosos!”Traduzido
em termos matemáticos, o paradoxo de Gòdel diz que “todas as formulações de teorias de números consistentemente axiomáticas incluem
proposições insolúveis”. Os paradoxos demonstram que todo sistema de linguagem inclui afirmações improváveis inerentes.
Outro paradoxo é “A frase seguinte éfalsa. A frase anterior é verdadeira”. Estes laços estranhos, como são chamados na matemática e na
lógica, incluem regras intercambiantes direta ou indiretamente. O paradoxo acima parece insolúvel sob as leis da lógica aristotélica. No
entanto, uma vez fora do sistema, num mundo não aristotélico, as definições verbais de falso e verdadeiro podem ser ampliadas para incluir
situações onde o falso às
1 86 »A ERA DA MANIPULAÇÃO
vezes é verdadeiro e vice-versa. Ou, em resposta a uma inconsistência insolúvel, a seqüência lógica pode ser invertida: “A frase anterior é
verdadeira”. Não há frase anterior, portanto a frase deve ser falsa. Assim, “a frase seguinte é falsa” é realmente verdade — ela adquire
consistência verbal. Cada uma das frases, é claro, pode ser tanto falsa quanto verdadeira.
As contradições, as inconsistências e os paradoxos podem ser produtivamente confrontados, eles podem ser apreciados, saboreados, e
pode-se brincar infinitamente com eles. São fonte de novas inspirações, inovações, invenções e soluções criativas dos problemas. Eles estão
na raiz da inteligência humana. A inovação geralmente incomoda ao status quo e especialmente às pessoas cujos investimentos dependem do
status quo. A lei da contradição de Aristóteles nos compele a varrer todas estas adoráveis contradições para debaixo do tapete intelectual que
divide a formalidade da informalidade, a flexibilidade da inflexibilidade, o jogo criativo da séria obsessão.
Freqüentemente, o paradoxo afeta inconscientemente nosso dia-a- dia. Raramente suspeitamos que caímos na armadilha de alguma lei
aris- totélica de lógica ou pensamento. A linguagem cria paradoxos quando fala de si mesma. Esta é uma das razões pela qual muitos autores
que tentam explicar a comunicação comunicam-se tão mal. Quando você discute “o que ela disse, sobre o que você disse, sobre o que ela
disse que você disse” etc, você está num paradoxo. As brigas conjugais freqüentemente evoluem para um paradoxo. O Ouroborus morde sua
cauda em todo conflito onde o efeito alimenta a própria causa. Por exemplo, quando ela o acusa de impotente e ele a acusa de frígida, e ela o
acusa de impotente e ele a acusa de frígida, ad infmitum. A sombria peça de Edward Albee, Quem. Tem Medo de Virgínia Woolf ? demonstra
cruamente o desastre do paradoxo. Uma vez estabelecido, o paradoxo leva a um círculo sem começo nem fim, além da causa e efeito, que se
autoperpetua até o desastre ou a morte via uma infelicidade imensurável.
As populares personagens de TV que se anunciam como profetas religiosos —Jimmy Swaggart, Oral Roberts, Jerry Falwell ou Pat
Robertson — todos aqueles que afirmam ter conversas regulares com Deus, deveriam perguntar-lhe na próxima conversa se Ele pode criar
uma pedra tão pesada que não possa levantar.
Nenhum sistema pode explicar ou verificar sua validade, ou falta de validade, a menos que utilize conceitos de fora do sistema. Estes
conceitos
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «187
devem ser desenvolvidos a partir de sistemas mais amplos e flexíveis. Infe- lizmente, este sistema mais amplo inevitavelmente torna-se sujeito
à incom- pletude. Ele também é um produto da percepção, como seu predecessor. Então, um sistema ainda mais abrangente tem de ser
desenvolvido, a infini- tude. Isto é, ou deveria ser, o processo da educação, da ciência e do crescimento humano — uma sucessão sem fim de
sistemas de linguagem, construídos para que um verifique o outro. A busca da verdade nunca deve cessar, especialmente quando alguém
percebe que a encontrou.
PREDIÇÕES IMPREDIZÍVEIS
Quando as leis aristotélicas do pensamento reinam inquestionavelmente, uma curiosa conceitualização de confiabilidade e previsibilidade
aparece por passe de mágica. Três axiomas não-aristotélicos deveriam ser considerados como requisitos básicos da instrução.
Primeiw. A ciência atual reconhece que todas as coisas no mundo físico e biológico perceptível (pessoas e coisas) existem num estado de
progresso e mudança. Nada no mundo perceptível é estático e permanente. Assim como as pessoas e coisas observadas, os observadores
também estão num estado de progresso e mudança.
Segundo: Cada coisa no mundo perceptível afeta todas as demais coisas. Nada existe isoladamente.
Terceiro: A realidade percebida é, para melhor e para o pior, simplesmente uma percepção. A percepção humana nunca pode ser
considerada livre dos variados graus de subjetividade. Nada pode se considerada seriamente como uma percepção objetiva de uma realidade
objetiva. Aqueles que percebem nunca podem ser separados de suâs percepções.
As percepções do mundo são construções tanto conscientes quanto inconscientes. As construções perceptivas são colocadas juntas para
serem percebidas e influenciarem as pessoas. Elas são construídas para servir a interesses, objetivos ou às vezes apenas por diversão. Em
relação a certeza, veracidade e validade destas realidades percebidas, o físico Werner Heisenberg concluiu que “toda a informação trocada
entre os homens só pode acontecer no campo da tolerância e da incerteza. Todo julgamento, especialmente os julgamentos da ciência, estão
sob a mar gem de erro”. As construções sobre a realidade percebida na área das relações entre EUA e URSS são particularmente perigosas,
especialmente quando pergunta-se o quanto dos processos perceptivos é compreendido por cada um dos lados. Estes processos não têm sua
existência reconhecida publicamente.
Mesmo quando a estrutura lógico-lingüística é entendida intelectualmente, é algo completamente diferente utilizar este conhecimento no
dia-a-dia. A linguagem está profundamente enraizada na personalidade humana, na cultura, na memória consciente e inconsciente, no
pensamento e mesmo nos sonhos. Qualquer modificação do sistema requer tempo, paciência, determinação e, para a maioria dos indivíduos,
um novo tipo de rigorosa auto-disciplina.
Todo o pressuposto sobre o passado, presente e futuro deve ser posto em dúvida, questionado e testado repetidas vezes para ter uma
relação precisa com as realidades percebidas. Os sistemas de valores devem ser apreciados criticamente para terem validade. As conclusões
devem ser revistas e questionadas repetidamente. As relações com objetos, indivíduos e grupos devem ser reavaliadas em relação ao tempo e
a estrutura perceptível dos fatos.
O psicólogo Prescott Lecky utilizou o conceito de auto-reflexão para descrever o novo processo de aprendizagem. Com treino, os indivíduos
podem desenvolver a capacidade de ver como vêem a si mesmos vendo a si mesmos, etc. O objetivo é afastar a percepção do primeiro nível
imediato para uma perspectiva mais abstrata. E uma maneira de tornar-se mais consciente dos processos perceptivos e verificar ou contradizer
a validade das percepções imediatas. Esta técnica fornece uma tremenda vantagem em jogos como o xadrez, o pôquer, o serviço de
inteligência militar ou a compeüção nos negócios.
A distância perceptiva fornece uma plataforma da qual se pode ver as ações de reações das reações. Os grandes jogadores de xadrez
freqüen- temente podem realizar auto-reflexões até três ou quatro níveis acima da primeira percepção. Esta técnica pode tornar conscientes as
reações per- ceptivas que estavam inconscientes.
Infelizmente, os efeitos coletivos dos meios de comunicação de massa reforçam as reáções superficiais e unidimensionais da população
aos estímulos imediatos. As leis da identidade, da exclusão do meio-termo e da con
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 189
tradição de Aristóteles são estruturas comercialmente úteis. Seus limites e falácias permanecem ocultos. As populações doutrinadas
continuam impotentemente vulneráveis a serem manipuladas, verbal ou pictoricamente, para qualquer direção lucrativa para os manipuladores.
CAPÍTULO SEIS
ções de imagens — uma cena desaparece enquanto uma nova cena emerge. Informações subliminares são facilmente escondidas nesta
transição. A menos que a transmissão seja gravada e examinada a cada quadro, o embuste fica escondido da consciência. O anúncio de TV do
Wishbone é uma obra-prima tecnológica.
A transição começa com uma modelo voluptosa nadando numa lagoa tropical (fig. 17). Na medida em que ela sai da água, braços e pernas
afastados, a cena se transfere para um pé de alface segurado por duas mãos femininas. Os polegares que prendem a alface parecem apertar a
área genital da modelo (fig. 18). Conforme a imagem da modelo desaparece, a alface se parte em duas metades, como se um nascimento
simbólico tivesse ocorrido (fig. 19). Surgindo do pé de alface fendido, aparece então a garrafa de Wishbone simbólica (fig. 20). O design da
garrafa inclui uma porção superior fálica e um fundo elíptico feminino — a unidade simbólica do homem com a mulher num cenário tropical
romântico. A cena muda para um close da modelo, que parece estar lambendo a parte feminina da garrafa (fig. 21). Enquanto a garrafa
desaparece, a língua da modelo se transforma num tomate em sua boca (fig. 22). As quatro transições ocorrem seqüencialmente em menos de
dez simbolicamente poderosos segundos. Cada detalhe é gravado perceptivamente em níveis inconscientes. O tomate (também chamado de
maçã do amor) e a alface são símbolos de nascimento, da primavera, de ressurreição, abundância, fertilidade, fecundidade e regeneração da
vida. Os tomates simbolizam o amor; a alface simboliza a primavera e uma renovação da vida.
O nascimento, a reprodução e no fim a morte provêem temas ar- quetípicos fortes e subjacentes em numerosos anúncios. A garrafa
quebrada de Crown Royal, da Seagram’s (fig. 15), é um exemplo de um apelo subliminar de morte, convidando o consumidor a se auto-imolar e
destruir. A castração é outro símbolo de morte arquetípico. O desejo da morte é uma das mais bem articuladas teorias na literatura
psicológica—uma compulsão inata para procurar a morte, seja de fato ou simbolicamente.
Inúmeros anúncios de bebidas ou cigarros foram ilustrados em estudos anteriores sobre a percepção subliminar. Um pênis castrado,
cérebros, e caras monstruosas típicas de um pesadelo aparecem num anúncio de Johnny Walker (cf. Key, The Clam-Plate Orgy, figs. 6-16). A
palavra câncer estava embutida num anúncio de duas páginas dos cigarros Benson
and Hedges (cf. Key, Midia Sexploitation, figs. 41-42) • Todas essas imagens de produção tão dispendiosa são símbolos arquetípicos,
personificações da morte e da autodestruição. Elas foram exaustivamente projetadas, testadas e aplicadas como técnicas de marketing. Elas
vendem, ou os anunciantes acreditam que elas vendem. Elas deram muito dinheiro aos anunciantes. O que os anúncios fazem pelos
consumidores indefesos pode ser percebido nas estatísticas da saúde pública.
Alguém deveria conferir o desejo da morte ou as compulsões de autodestruição evidentes nas estratégias das Forças Armadas
norte-americanas. Se o simbolismo arquetípico do desejo da morte vende com sucesso cigarros, bebidas e discos de rock, por que não
venderia mísseis MX, bombas B-l e outros instrumentos pesados no jogo político de se armar com segundas intenções? Existe nitidamente a
possibilidade de que as duas superpotências estejam apenas representando seu desejo de morte coletivo numa conspiração inconsciente
contra si mesmas.
A história humana tem sido um enredo sobre uma incrível habilidade de sobreviver em constante confrontação com comportamentos
suicidas. Nenhuma sociedade humana foi jamais contínua. Cedo ou tarde, todas chegaram à autodestruição. Apesar disso, elas continuam a
proliferar. Até muito recentemente, era impossível matar na escala necessária para destruir tudo. A ingenuidade humana finalmente triunfou.
As potencialidades suicidas de hoje em dia dão ao homem sua própria solução final. A Destruição Mutuamente Garantida (Mutually Assured
Destruction - MAD) não é apenas uma teoria. Ela é uma realidade, a apenas alguns minutos do apertar de um botão ou de uma chamada
telefônica. E, diante da MAD, os líderes mundiais, bem como seus bajuladores científicos, ainda murmuram que não existe nada de parecido
com o desejo da morte.
Quando ocorrer a estupidez final — é uma questão de sensatez aceitar que ela virá — o ato parecerá lógico, racional, justificável e, para
alguns, a realização do destino ou da profecia bíblica. Mais ainda, até que os últimos poucos indivíduos vomitem dolorosamente até a morte
por causa do envenenamento por radiação, a discussão sobre de quem foi a culpa continuará violentamente. Milhões de dólares são
regularmente investidos na pesquisa de meios de destruição maciça; até agora virtualmente nada se investiu no estudo da sobrevivência
humana.
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 209
Ninguém até agora, fez a longo termo pesquisas sérias sobre as con- seqüências do embuste da mídia comercial sobre a personalidade
humana, a saúde mental, o comportamento e a sobrevivência. Os EUA permitem cegamente que o establishment comercial imponha seus
interesses pessoais gananciosos sobre a população. Praticamente ninguém parece ouvir o tênue tique-taque de nosso tempo se esgotando.
CAPÍTULO SETE
PROFECIAS QUE SE
AUTO-REALIZAM
■
i
Por que e com que direito uma nação ou uma classe de pessoas prende, tortura, exila, fustiga e destrói outras pessoas quando elas mesmas
não são melhores (oupiores) do que aquelas que torturam?
Leon Tolstoy, Guerra e Paz
Nossos medos mais profundos estão logo atrás do cotidiano e da meiguice. John Berger, The Sense ofSight
A principal fonte de desordem na sociedade é a hipocrisia daqueles que fingem ser virtuosos, de um lado, enquanto agem o tempo todo de
maneira contrária às crenças que professam.
Platão, A República
O psiquiatra suiço Carl Jung relatou o caso de um paciente que, logo depois de uma temporada de férias, sonhou estar caindo de uma
montanha até morrer. Uma semana depois, o paciente caiu realmente da montanha e morreu. Coincidência? Pouco provável. As profecias que
se auto-reali- zam (SFP — Self-FulfillingProphecies) são pressuposições ou predições que parecem fazer com que um evento ocorra,
confirmando assim sua própria exatidão. O processo de efetuar um vaticínio pode ser consciente, inconsciente, ou ambos.
Se as pessoas assumem que não são amadas, o próprio pressuposto faz com que ajam de maneira hostil, defensiva, suspeita e agressiva.
Estas atitudes, por sua vez, provocam reações similares nas outras pessoas. Deste modo, os pressupostos iniciais são confirmados. Os
indivíduos acabam não sendo amados. As pessoas raramente se dão conta do poder que possuem para se autovitimarem mediante
pressuposições, convicções e predições.
A vida raramente é, para melhor e para pior, tão simples quanto parece. Boas causas freqüentemente têm efeitos ruins e vice-versa. As
complexas contradições das realidades verbais fazem com que nada seja o que parece ser na superfície, especialmente para aqueles que têm
uma fé irracional nas definições simplistas. Os anunciantes incorporam subliminarmente aos anúncios o lado oculto dos pressupostos de
causa-efeito, de uma maneira que os consumidores ficariam aterrorizados se suspeitas-
sem o que está acontecendo. As técnicas de propaganda dos EUA foram exportadas para o mundo todo. O anúncio do Paris Match (fig. 25)
parece uma simples proposição de causa-efeito. As cores brilhantes das cuecas Eminence vão aumentar o seu sucesso sexual. O texto diz:
“Vista-se cada manhã com as cores que cantam”. Os modelos foram fotografados, o resto da página é pintado. O jovem atraente domina a
ilustração. Sua expressão é de machão, auto-satisfeito, arrogante mesmo, olhando para o vazio com um sorriso divertido mas vago. Ele é
fisicamente atraente, mas encantado com a própria beleza e autoconfiança. Um leitor poderia especular que ele gastou meia-hora penteando
seu cabelo antes da foto. A mensagem superficial é que as cuecas coloridas irão torná-lo ainda mais irresistível às mulheres. Ele parece um
homem apaixonado por si mesmo. Sua mão esquerda repousa condescendentemente no ombro da moça. Qualquer pessoa que ingenuamente
acreditar na promessa da cueca Eminence construiu para si mesma uma SFP de fracasso em sensíveis e complexas relações humanas.
A modelo, no entanto, parece muito mais interessante. Ela está de joelhos, o corpo escondido atrás do peitoril da janela. Esta posição
estabelece uma relação entre sua cabeça e a região pélvica do homem. Ele é claramente dominador, ela é submissa. Agora, o que está por
detrás: a modelo está pedindo ao leitor que não conte o seu segredo, com o indicador sobre os lábios, psssiul Qual é o seu segredo?
Do outro lado da página aparece um convencional anúncio em branco e preto, de eletrodomésticos. São nove itens: uma torradeira, um
liquidificador, um aquecedor, um abridor etc. Não é nada de muito excitante no mundo colorido dos anúncios sexualizados (fig. 26). Com nove
itens, o anúncio está abarrotado. A lógica de venda é questionável. E pouco provável que os leitores percam seu tempo com um grupo de
produtos tão familiares.
O Paris Match é impresso em papel fino. Ao virarmos as páginas, a luz penetra de um lado para o outro. A Figura 59 mostra o anúncio da
cueca Eminence segurado contra a luz, fazendo com que o anúncio de eletrodomésticos vaze através dele. Agora entendemos o segredo da
mulher: a faca elétrica suspensa sobre a área genital do homem. Os dois anúncios permeáveis, dirigidos principalmente aos homens,
tornam-se profündamente emo- cionalizados pelo enxerto subliminar. O medo da castração é um denomi
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM • 263
nador comum unindo os consumidores masculinos. Uma lógica verbal poderia ser construída para justificar o simbolismo, mas ela acabaria
num raciocínio simplista de causa-efeito. É provavelmente mais sábio reconhecer simplesmente que os mecanismos simbólicos não-verbais
funcionam o suficiente para justificar sua ampla utilização, do mesmo modo que as tesouras ocultas no logo da Playboy (ver Kay, Subliminal
Seduction, pp. 123-25).
Do ponto de vista estatístico, existiam duas chances, no total de 120 páginas do Paris Match, para que os dois anúncios aparecessem por
acaso em páginas opostas e uma chance em nove de que a faca aparecesse sobre a área genital masculina. É extremamente improvável que
estas posições tivessem sido um acidente do acaso. Mais improvável ainda quando a agência e os artistas envolvidos têm conhecimento sobre
enxertos subliminares.
As SFPs são bem conhecidas na área científica. O filósofo da ciência Paul Feyerabend conclui que “não são as suposições conservadoras
mas as antecipatórias (aquilo que queremos que aconteça) que guiam a pesquisa científica”. As SFPs são muito discutidas na psiquiatria e
psicologia, mas raramente são consideradas como um aspecto normal do cotidiano dos indivíduos, dos grupos ou mesmo das nações.
Muitas SFPs são atribuíveis a pressuposições derivadas da mídia de publicidade. Geralmente as SFPs derivam de pressuposições de
causa- efeito nas quais acredita-se piamente. Nestes casos, a relação entre causa e efeito torna-se circular e autoconsolidadora ao invés de
linear e com um fim claro — o Ouroborus mais uma vez. A SFP é um mecanismo inconsciente através do qual os homens involuntariamente
preparam-se para uma conseqüência que as suas pressuposições tornaram possível acontecer. Estas conseqüências podem ser boas ou más
para o indivíduo envolvido, às vezes ambas as coisas. Se forem boas, elas parecem ser o produto de uma sábia decisão, de um palpite feliz ou
de uma intuição profunda sobre os mecanismos da causalidade. A SFP aparentemente envolve tomadas de decisões simples e diretas, nas
quais avaliam-se os efeitos futuros de um ato em vista das conseqüências mais vantajosas.
O processo parece natural, respeitável, lógico e defensável. As conclusões de causa-efeito raramente são questionadas. Todas estas
decisões consideram o futuro e acabam por provar que foram corretas, incorretas ou ambas as coisas por variadas racionalizações construídas
perceptiva-mente. A SFP pode, a princípio, não ser nem verdadeira nem falsa, mas ela produz uma verdade ou uma falsidade por sua
existência como parte do processo de raciocínio.
SFPs curiosas ocorrem nas relações das pessoas com o Fisco. As leis do imposto de renda são infames, contraditórias e arbitrárias,
bastante abertas às interpretações. Para compreender a miríade de leis em constante mudança é necessária uma equipe de profissionais
especializados trabalhando em período integral. Os funcionários da Receita Federal (IRS) reconhecem que os contribuintes mentem e
procuram evitar declarar honestamente suas rendas. Qualquer pessoa que tenha passado por uma auditoria do IRS sabe como suas idéias
pré-concebidas influenciam a investigação. Os funcionários do IRS investigam o estilo e vida, as propriedades e os divertimentos para estimar
a renda. Ao contrário da doutrina legal para as ações civis ou criminais, os contribuintes são obrigados a provar sua inocência frente â
pressuposição do IRS de que são culpados.
A pressuposição, ou predição, obriga o contribuinte a evitar as declarações de renda simples e verídicas. A desonestidade, ou talvez a
fronteira da honestidade, torna-se um imperativo para escapar de impostos vistos como injustos. Os pressupostos do IRS criam de fato a
situação prevista. É irrelevante saber se os pressupostos iniciais eram falsos ou verdadeiros. O que se presumia ser o efeito acaba sendo a
causa. A causa produz o dilema. A profecia da situação causa a situação da profecia.
Muitos encarregados de pessoti de grandes firmas podem recordar situações onde empregados tinham a impressão de que estavam
prestes a ser demitidos, reagindo com insegurança em procedimentos normais da rotina de trabalho ou com culpa sobre alguma deficiência
pessoal real ou imaginária. Agindo de maneira errática ou prejudicando seu trabalho, eles progressivamente preparavam-se para a demissão
que, de fato, tornava-se realidade.
Loucura e Civilização, a brilhante história da insanidade de Michel Foucault, documenta uma estarrecedora variedade de definições
contraditórias para a insanidade. Ele demonstra que a insanidade é um conceito socialmente criado, mudando através dos séculos conforme
as sociedades vão procurando novos meios de lidar com seus desviados. A sanidade,
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «265
por outro lado, raramente foi definida. De fato, a sanidade deve ser inde- finível. Assume-se tacitamente que a sanidade sejam aquelas
práticas, políticas e comportamentos comumente aceitos como normais por uma determinada sociedade em um determinado tempo. A
normalidade é um belo conceito até você se lembrar que já foi considerado normal queimar feiticeiras, hereges e outros desviados após
submetê-los a torturas brutais. Atualmente, é considerado normal viver a um passo da devastação nuclear. Do ponto de vista de um continuum
histórico em constante mutação, muito do que é hoje considerado são e normal seria algo insano e anormal em outro tempo e lugar.
As civilizações forjaram e ratificaram inúmeras definições de insanidade, e continuam elaborando esta idéia num ritmo cada vez mais
rápido. Um dos critérios da psiquiatria moderna para determinar a sanidade é a capacidade de adaptação à realidade, geralmente definida
como ajustamento, ou a capacidade de discenir entre fantasia e realidade. O senso comum, reforçado pelos estatutos judiciais, assume que a
sanidade é uma realidade objetiva: real, apta a ser examinadr, medida e compreendida. A comunidade psiquiátrica discute incessantemente
sobre as definições verbais dentro do quadro geral da insanidade. O quadro em si raramente é questionado. Deveria ser! Como as definições
de personalidades, os rótulos de insanidade evocam injustamente as profecias autoconsumadas.
Os diagnósticos psiquiátricos, ao contrário do que acontece nas outras especialidades médicas, definem e, ao fazer isto, criam condições
patológicas. O diagnóstico ou definição torna-se parte da doença, e cria uma série de profecias que se auto-realizam. Uma vez feito um
diagnóstico institucionalizado, inventa-se uma realidade na qual até o comportamento normal parece desequilibrado. Depois do diagnóstico,
percepções que o tornam válido são fabricadas. O processo rapidamente ultrapassa o controle dos pacientes, atingindo os médicos, a família,
a administração e a equipe dos hospitais. Todos participam da construção de uma realidade que sustenta o diagnóstico. Um repórter foi
internado num hospital para doentes mentais para colher material para um artigo. Os funcionários que o viram escrevendo num bloco,
observaram auspiciosamente em sua ficha: “Comprometido por um comportamento de fazer anotações”.
■
2 66 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
O processo também ocorre regularmente nas relações humanas cotidianas onde, por qualquer motivo, os indivíduos são rotulados,
categorizados e estereotipados. Os hospitais estão superlotados de pessoas pobres, velhas e abandonadas, geralmente vindas das minorias,
que foram admitidas apenas porque embaraçavam, atrapalhavam, chocavam ou aborreciam alguma pessoa ou algum grupo. Os rótulos
estereotipados dos diagnósticos confirmam e legitimam a sabedoria da sociedade.
A esquizofrenia, um dos diagnósticos mentais mais freqüentes, des-r creve supostamente uma psicose que inclui uma incapacidade de
discernir entre a fantasia e a realidade. Pelas ilustrações deste livro, deveria ficar claro que muitas pessoas supostamente normais não podem
discernir entre fantasia e realidade. Elas não podem nem mesmo diferenciar entre cubos de gelo reais e de mentira. Os diagnósticos clínicos
freqüentemen- te resultam em profecias que se auto-realizam com dois ingredientes básicos. Os pacientes experimentam um grande
desconforto e aceitam o diagnóstico como uma explicação para este desconforto. O diagnóstico clínico constitui uma verificação de muita
credibilidade dos sintomas numa autorização para o tratamento destes.
O paciente rotulado é pego num labirinto de expectativas clínicas, interações e padrões de desajustamento. Isto o isola ainda mais o
paciente, gerando novas fantasias. Estas fantasias, é óbvio, confirmam ainda mais o diagnóstico, que evoca outras fantasias mais, que o
confirmam mais ainda, ad infinitum. De novo a cobra morde seu rabo, um outro Ouroborus.
Um estudo sobre esquizofrenia da Yale Medicai School realizado em dezembro de 1985 descobriu que mais de dois terços dos pacientes
diagnosticados como esquizofrênicos recuperaram-se completamente e, a partir de então, tiveram vidas normais e produtivas. Não obstante, o
Diagnostic Criteria, DSMIII, da American Pshychiatric Association — a referência básica das definições nas quais são baseadas as internações
em instituições psiquiátricas — define a esquizofrenia como uma deficiência permanente da qual é impossível recuperar-se. De fato, a longa,
abrangente e interconectada definição do DSM III para a esquizofrenia encarceraria qualquer pessoa numa carreira vitalícia de doente mental.
A Social Security Administration aceita o DSM IIIcomo base para as determinações de deficiências.
A paranóia, outro diagnóstico popular, significa uma conduta social
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 267
percebida como suspeita, agressiva, hostil, teimosa, ciumenta e gananciosa — adjetivos que descrevem a maioria dos homens de negócios
bem-sucedidos. Uma vez iniciado o processo de exclusão social e arregimenta- ção, o paciente definido como paranóico tem uma razão para o
seu comportamento. Ser simplesmente são num mundo insano pode, razoavelmente, evocar os sintomas paranóicos acima descritos.
Os pacientes rotulados afastam-se cada vez mais de suas famílias e grupos sociais. As relações tensas evocam outras definições
estereotipadas como esquisito, excêntrico, maluco, irremediável e finalmente o estigma final, insano. A porta se fecha, com freqüência
permanentementfe. A armadilha do “senso comum” pega a todos. Sejamos nós os jogadores, ativos ou passivos, ou os espectadores desta
farsa, a armadilha tem o potencial de justificar o desastre final.
As SFPs são beni ilustradas no celebrado romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, assim como em estudos concretos. Num estudo
do psicólogo David Rosenham, oito pseudopacientes voluntários foram admitidos em doze hospitais para doentes mentais em cinco estados do
país. Cada um dos pacientes declarou falsamente que ouvia “vozes” para conseguir admissão. Os pseudopacientes foram diagnosticados
como esquizofrênicos, com a exceção de um diagnóstico de maníaco-depressivo. Eles foram instruídos a agir normalmente após a admissão, e
a tentar sair do hospital convencendo os médicos de que eram sãos. O tempo das internações variou de sete a cinqüenta e dois dias, com uma
média de dezenove dias. Quando foram finalmente dispensados, foram designados não como curados, mas como esquizofrênicos ou
maníaco-depressivos “em remissão”.
As assim chamadas doenças mentais eram apenas construções perceptivas criadas pelas equipes institucionais, cujos interesses velados
eram encontrar clientes. Os membros da equipe pareciam acreditar que qualquer coisa que já foi alguma vez nomeada ou rotulada deve existir
na realidade. Eles obrigavam a realidade (o paciente) a con- formar-se a suas expectativas perceptivas. De fato, eles percebiam o mundo tanto
quanto as definições (palavras) permitiam, conformando suas percepções da realidade às definições, ao invés de ajustar as definições às
observações diárias de cada paciente.
Os pseudopacientes descobriram rapidamente que existiam rótulos cuidadosamente definidos para os comportamentos patológicos, anor
mais. Por outro lado, os comportamentos normais eram difíceis — se não impossíveis — de serem definidos uma vez que os rótulos do
diagnóstico tornavam-se firmemente atrelados aos pacientes. Mesmo quando se percebia que um paciente estava pronto para ser dispensado,
ele não era considerado são ou em alta, mas “em remissão”. Uma concordância com o que foi construído era então imposta aos pacientes.
Curiosamente, uma experiência comum a todos os voluntários foi o reconhecimento como normais pelos outros pacientes.
QUEM REALMENTE ESTÁ DENTRO, E FORA?
Esta experiência, onde pessoas sãs foram designadas como insanas, pode ser revertida, especialmente quando as percepções de prestígio,
integridade profissional e a habilidade de diagnosticar correm risco. Em outro hospital, cuja equipe estava ciente das embaraçantes revelações
de Rosenhan, os profissionais foram unânimes em duvidar que tais erros pudessem ocorrer em seu hospital, demonstrando claramente a cega
confiança que depositam na ciência, nas autoridades e na integridade institucional.
O hospital foi informado de que nos três meses seguintes um ou mais pseudopacientes tentariam ser admitidos. Cada membro da equipe,
incluindo atendentes, enfermeiras, psiquiatras, médicos e psicólogos, avaliou 193 pacientes. Quarenta e um foram considerados como
claramente pseudopacientes por pelo menos um membro da equipe. Vinte e três foram considerados suspeitos por pelo menos um psiquiatra.
Dezenove foram considerados suspeitos por um psiquiatra e um outro membro da equipe.
O grupo de pesquisa não mandou nenhum pseudopaciente para este hospital durante os três meses.
No estudo de Rosenhan, comportamentos normais foram interpretados erroneamente e desse modo conformaram-se ao rótulo de
anormais. Tais rótulos produzem suas próprias realidades, causas, efeitos e profecias que se auto-realizam. É raro que os diagnósticos
psiquiátricos sejam, mais tarde, dados como errados, em contraste com outros diagnósticos médicos, onde os erros são lugar-comum e são
constantemente
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 269
corrigidos, geralmente sem consequências estigmatizantes. Os rótulos psiquiátricos são como uma tatuagem que afirma nitidamente:
“Inadequado!” É quase impossível você provar que é são, mas é relativamente fácil ser considerado insano.
Há várias SFPs na vida cotidiana. Considere os efeitos das SFPs de um rótulo judicial — com o julgamento quase que divino de uma corte
considerando a pessoa culpada — por virtualmente qualquer crime. A , prisão sob o estereótipo de “criminoso” põe em movimento todo um
complexo de SFPs que sem dúvida serve aos interesses da sociedade.
A psicologia dos testes, uma grande indústria, continua absurdamente a acreditar que pessoas e animais podem ser testados com
objetividade científica. Estereótipos estigmatizantes com potencial de SFP são constantemente estabelecidos por meio de testes realizados
pelos orientadores de escolas, administradores de pessoal e — o mais devastador per- petuador dos rótulos estereotipados — pelos meios de
comunicação de massa. Em um estudo, os professores foram comunicados de que certos alunos (na verdade escolhidos ao acaso) haviam
sido testados como crianças bem-dotadas. Observou-se que os professores dedicavam uma atenção especial para estes alunos, o que por sua
vez provocava desempenhos superiores. Por outro lado, rótulos de “dificuldades para aprender” criaram e sustentaram na prática a condição
que presumiram descrever.
As SFPs são algo desconfortável de se examinar. Elas podem ameaçar as auto-imagens de sanidade, juntamente com a fé supersticiosa
na ciência, na razão, na autonomia individual, na verdade e em Deus. A descoberta de que os homens criam suas próprias realidades — ou
que a mídia o faz por eles — pode ser perturbadora para aqueles imersos em fantasias, o que, em certas culturas, inclui quase todas as
pessoas.
As SFPs não ocorrem apenas aos espectadores inocentes. Elas são utilizadas deliberadamente, com uma intenção específica
premeditada. No entanto, para que o mecanismo funcione eficazmente, deve-se acreditar nas SFPs, elas devem ser percebidas como factuais
por uma fonte de grande credibilidade, e devem ser apresentadas como um aspecto funcional da realidade. Só assim uma SFP pode ter um
efeito claro no presente e, desta forma, ter sucesso.
Os rótulos estereotipados vitimam tanto a pessoa na qual são aplicados quanto a pessoa que os aplica. Sejam eles étnicos, imagens de
celebridades, 270 • A DA MANIPULAÇAO
generalizações sobre produtos ou marcas, ou diagnósdcos psiquiátricos, os rótulos desumanizam todos que são tocados por eles. Eles
evocam medo, inveja, desconfiança e fazem com que os indivíduos sejam tratados como objetos desumanizados. A desumanização é de fato o
objetivo planejado de muitas das publicidades de celebridades, nas quais uma pessoa é vendida como um objeto sexual, um modelo
supermoral de virtude ou um profeta econômico ou religioso onisciente. Imagens manipuladoras com freqüência são criadas para os líderes
políticos, religiosos, militares ou empresariais. Qualquer pessoa que for feita para parecer honesta demais, ou “demais” em qualquer aspecto,
deveria ser objeto de desconfiança imediata.
A pioneira clínica psiquiátrica Menninger, em Topeka, Kansas, acabou com os diagnósticos rotuladores dos pacientes. Em seu lugar,
iniciou- se um sistema com um conjunto de avaliações usadas para desenvolver os diagnósticos e prognósticos operacionais: definições
hipotéticas, que mudavam continuamente durante os programas de tratamento em resposta às mudanças nas necessidades dos pacientes.
Como era de se esperar, Menninger foi criticada por sua recusa em cooperar com a psiquiatria institucional. O psiquiatra inglês. R. D. Laing fez
uma tentativa similar para lograr os diagnósticos rotulatórios em sua London Tavistock Cli- nic, durante os anos 1960.
A Diagnostic Criteria, DSMIII, publicada pela American Psychiatric As- sociation, é um catálogo de absurdos e insensatezes prejudiciais. E
difícil encontrar uma cópia do DSM III, que com freqüência é mantido na lista de livros com restrições nas bibliotecas das faculdades de
Medicina, escondido dos pacientes e do público em geral. O segredo, é claro, torna o livro irresistível aos pacientes, que eventualmente o
encontrarão. De fato, este dicionário de estereótipos projetivos e estigmáticos tem suas funções administrativas e legais. O DSM III tem muito
pouco a ver com as chamadas desordens mentais e seus tratamentos. Se forem levadas a sério, suas definições prenderão tanto o médico
quanto o paciente num sistema de expectativas mútuas, do qual ambos podem achar impossível se livrar.
Como descendentes psicológicos do drama grego de Edipo, que realizou a trágica profecia enquanto tentava evitá-la, continuamos
realizando profecias por meio das tentativas de escaparmos delas. As sociedades se armam para evitar a guerra, garantindo assim a
inevitabilidade da guerra. As lucrativas indústrias de guerra proporcionam empregos tem-
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM *271
porários e benefícios econômicos. Os armamentos, no entanto, significam um desastroso esgotamento econômico num mundo de recursos
finitos cada vez menores. Eles exaurem os recursos de qualquer sociedade aumentando, dessa forma, a possibilidade do conflito. O
investimento é mais prejudicial do que o mero gasto de matéria-prima. Um caminhão terá o retorno de seu investimento várias vezes durante
sua existência. Um tanque, um míssil ou um avião de guerra, depois de um curto período de uso não-econômico, tornam-se obsoletos e devem
ser descartados em favor de um novo modelo mais anti-econômico ainda.
A megatonelagem atual do estoque mundial de armas nucleares é suficiente para matar 58 bilhões de pessoas — doze vezes todas as que
hoje vivem. Num mundo que gasta 800 bilhões de dólares anuais em programas militares, um em cada três adultos não sabe ler nem escrever,
e uma pessoa em cada quatro passa fome. Nos quarenta anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, as guerras causaram quatro vezes mais
mortes do que nos quarenta anos anteriores (ver Sivard, p. 5).
A armadilha da SFP é uma poderosa e mortal areia movediça — a fonte de grande parte do medo paranóico propositadamente engendrado
para abastecer a lucrativa indústria de armamentos. O mecanismo incrivelmente simples ainda é invisível para a maioria das pessoas porque o
que elas percebem como interesses ocultos provém da repressão, e não do conhecimento. Na verdade, é bastante difícil não saber de algo,
mas sempre é possível fazê-lo se pagarmos o preço.
PENSAMOS, PENSAMOS, PENSAMOS...
A propaganda e as relações públicas são especialmente viciosas em seu potencial de inventar realidades a serviço de produtos, idéias, do
lucro ou de indivíduos. Surpreendentemente, muito poucos sabem a que ponto têm sido sistematicamente levados a pensar que pensam por si
mesmos. Em sua autobiografia, Mein Kampf, Adolf Hitler resumiu o papel ideal da propaganda: “Toda propaganda deve ser tão popular e ter tal
nível intelectual que até mesmo o mais ignorante daqueles para qual ela é dirigida irá entendê-la. Pode-se fazer com que as pessoas percebam
o paraíso como o inferno e, no sentido oposto, que considerem a forma mais
vil de vida como o paraíso”. Conversas similares podem ser ouvidas em virtualmente qualquer agência de propaganda ou relações públicas. E
isto o que elas fazem para viver.
Quando os homens acreditam inquestionavelmente que pensam por si mesmos, suas posturas críticas e de proteção relaxam. Eles podem
ser condicionados em qualquer direção, para qualquer construção da realidade. Enquanto as vítimas balbuciam entre si sobre a liberdade de
escolha, o individualismo, a verdade, os fatos, a realidade e até sobre a vontade de Deus, conformam-se inconscientemente aos padrões de
consumo e profecias que se auto-realizam, criados pela mídia. Proteger-se a si mesmo é na verdade bem simples. As percepções
programadas da realidade podem ser bastante perigosas à sua saúde, mas isso só ocorre quando acredita-se nelas com uma fé e convicção
cegas. Cuidado com a fé cega em qualquer coisa ou em qualquer pessoa, incluindo você.
Há sempre três alternativas no conhecimento: o que você conhece, o que você não conhece mas podería conhecer e — a maior e mais
importante alternativa — o incognoscível. Os homens inventam compulsiva- mente verbalismos ou rótulos que substituem o conhecimento, e
mantêm a farsa de que sabem mais do que na verdade sabem. As instituições perpetuam o nonsense por conveniências legais,
administrativas, ligadas aos seguros ou às reservas monetárias. A mídia o faz para vender, persuadir e controlar a percepção dos mercados.
Além disso, há uma questão de adaptação do comportamento às circunstâncias ambientais. Os pacientes psiquiátricos freqüentemente
parecem sãos fora do hospital, mas insanos dentro dele — talvez em razão de sua adaptação forçada a um ambiente estranho e
despersonalizado. Nunca é fácil parecer são num mundo insano, como sabe qualquer pessoa que já se opôs às armas nucleares, à
degradação do meio ambiente e à exploração das vítimas da pobreza, ambição, desonestidade e fanatismo ideológico.
No entanto, um outro catch-22 aparece nesta tentativa de avaliar criticamente as construções perceptivas com potencial de SEP, de
diferenciar entre fantasia e realidade. A destruição de uma construção percepti- va resulta apenas em outra construção. O melhor que se pode
esperar são construções aprimoradas, com maiores potenciais de bondade, tolerância, sobrevivência e ajustamento humanos. Qualquer
construção percep-
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «273
tiva permanece sendo uma visão bastante hipotética da realidade em constante mudança.
Os homens detestam a incerteza. As incertezas provocam ansiedades. Para reduzir a ansiedade, se não tiverem nenhuma estrutura factual
à mão, os homens simplesmente inventarão uma ou aceitarão uma estrutura de realidade já pronta pela mídia. As pessoas comparam-se
constantemente com outras, as quais percebem como semelhantes a si mesmas. Estas percepções, é claro, são construções fictícias.
A convicção pessoal de que você poderá cumprir um objetivo aumenta a possibilidade de que este objetivo seja atingido. A percepção de
uma vontade ou da liberdade para decidir entre várias opções constitui uma poderosa influência motivadora, mesmo quando — ou
particularmente quando — tal liberdade não existe de fato. Os homens lutam para impor ordem, significado e estrutura sobre o mundo que
percebem ao seu redor. Tentam controlar os eventos e as relações em que estão imersos, mas quanto mais se percebem no controle das
opções, menos controle têm de fato.
Para otimizar os resultados, mantenha o maior número possível de opções abertas pelo maior tempo possível, em toda situação. O
comportamento pode ser visto como uma seqüência infinita de escolhas entre ações, não ações, alternativas, pensamentos e futuros,
focalizados na busca consciente de um objetivo. As potencialidades inconscientes tampouco devem ser ignoradas.
A CERTEZA INCERTA
As profecias que se auto-realizam aparecem regularmente nas relações entre nações. Raramente são percebidas, obscurecidas por fantasias
e ilusões que emanam do chauvinismo nacionalista ou ideológico, das representações promovidas por interesses ocultos ou de estratégias
conscientes para manipular a realidade em busca de lucro e poder. Tomemos, por exemplo, a relação entre os EUA e a Nicarágua, onde a
esquerda inicialmente moderada dos sandinistas depôs a ditadura de quarenta anos da família Somoza. Os sandinistas nacionalizaram muitas
empresas norte-americanas, que apoiaram e financiaram a cruel ditadura. A lista incluía a infame
274 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
United Fruit Company, uma subsidiária da W. R. Grace Corporation, uma das principais sustentadoras e beneficiárias do governo Reagan.
Desde o início do governo Reagan, em 1981, a política norte-americana foi a de derrubar a Frente Sandinista com suas tendências
socialistas. Depois do modo com que o governo dos EUA apoiou Somoza, os ni- caragüenses colocaram-se contra outras intervenções
americanas. A opinião pública anti-americana era previsível e, se tivesse sido manejada adequadamente pelos esforços diplomáticos, poderia
ter sido afinal amainada. No entanto, nos seis anos seguintes, os EUA aumentaram as pressões econômicas e militares sobre a Nicarágua,
uma nação empobrecida de cerca de três milhões de habitantes — mais ou menos igual à população da cidade de Chicago. O ódio
nicaragüense pelos EUA cresceu, assim como cresceu conseqüentemente o poder dos sandinistas.
O objetivo declarado era evitar que a Nicarágua formasse alianças com o bloco comunista. Portos foram minados por terroristas financiados
pela CIA, a reputação financeira internacional do país foi demolida e as fronteiras foram submetidas a constantes ataques de rebeldes
financiados pelos EUA e liderados por remanescentes da odiada Guarda Nacional de Somoza. Cada ato de agressão e terrorismo uniu ainda
mais a liderança sandinista e fortaleceu sua autoridade perante a população. Os sandinistas também foram forçados a uma dependência cada
vez maior às alianças com o bloco comunista, e a uma alienação cada vez maior dos EUA. Se os EUA tivessem realmente desejado salvar a
Nicarágua do comunismo, o dinheiro gasto com o terrorismo, as sabotagens e as tentativas de desestabilização poderia ter sido usado para
reconstruir a economia nicaragüense e ainda sobraria o suficiente para que cada estudante nicaragüense passasse um ano em Harvard.
As políticas norte-americanas — e sua intervenção declarada — na verdade fizeram surgir as condições que supostamente deveríam
prevenir. Uma a uma as opções disponíveis foram se reduzindo. Definições estereotipadas rígidas sobre a “ideologia revolucionária
marxista-comunis- ta”, ao lado de fantasias simplistas sobre causa-e-efeito, fecharam as portas em ambos os lados do conflito.
O governo Reagan bombardeou a opinião pública norte-americana com a fantasia de que se os contra não fossem apoiados, a América
Central rapidamente se tornaria um satélite soviético. Esta é uma previsão de cau
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM • 27 5
sa-e-efeito insustentável fatualmente. A SFP, é claro, tinha pouco a ver com o comunismo, mas foi um estratagema útil para apoiar os
crescentes gastos com defesa e a dominação econômica das empresas na América Central.
Profecias que se auto-realizam similares ocorreram em períodos anteriores, na Guatemala de Arbenz, na Cuba de Castro e no Chile de
Allen- de. Vietnã, Cambodja e Laos foram talvez as mais trágicas profecias que se auto-realizaram dos EUA. A predição de um domínio
comunista foi virtualmente garantida pela intervenção cruel e violenta dos EUA. Uma vez cumprida a profecia, seus perpetradores confirmam a
extraordinária exatidão de seu julgamento por terem previsto a causa e o efeito. A afirmação final, “Nós lhes avisamos sobre isso”, sempre
oculta a seqüência, “porque nós fizemos com que isso ocorresse”.
Líderes que afirmam que iniciarão mudanças raramente mudam grande coisa. Eles simplesmente re-rotulam o velho com novas palavras
ou frases. Qualquer tentativa de uma mudança sócio-econômica e política abrupta aciona inevitavelmente uma contra-reação. Mudanças reais,
ou o que é perceptivamente medido como uma mudança, ocorreram constantemente com indivíduos, grupos e nações. Mas as variáveis
extremamente complexas da mudança social tornam-na totalmente imprevisível, completamente acima de nossa capacidade de controlá-la,
entendê- la ou mesmo reconhecê-la conscientemente.
Por exemplo, a crítica ao comunismo não é uma luta contra o comunismo. As palavras não podem levar à mudança. As palavras na verdade
podem tornar a mudança mais improvável. A crítica produz uma defesa que de fato serve para fortalecer a decisão dos dissidentes.
Consideremos, por um momento, os efeitos da retórica presidencial numa época de sérias tensões mundiais.
Ronald Reagan, durante toda a sua carreira política, difamou a URSS a cada oportunidade que teve. Num discurso muito citado de 1983 ele
chamou a URSS de “o Império do Mal, o foco do mal em nosso tempo (aludindo à popular fantasia cinematográfica Guerra nas Estrelas). Estão
nos dizendo que podemos sentar e negociar com este nosso inimigo, que ambos os lados estão um pouco certos e um pouco errados. Como
fazer um acordo entre o bem e o mal? Como dizer a este inimigo que podemos conciliar nossa fé em Deus com seu determinismo dialético
(jargão filosófico para aquilo que os soviéticos chamam de método científico)? Co
mo podemos fazer um acordo com homens que dizem que não temos alma, que não há vida depois da morte e que Deus não existe?”
Numa demonstração do poder dos estereótipos na vida política dos EUA, o ex-presidente Richard Nixon freqüentemente exortava, “Os
comunistas são ratos! Quando você tenta matar um rato, deve saber atirar bem!” Tais declarações de Nixon e Reagan não têm nada a ver com
o comunismo, mas têm muito a ver com a credulidade do público americano, para o qual eles falam.
Este tipo de retórica tem servido a muitos interesses políticos internos, entre eles o aumento dos impostos, as apropriações militares e
desviar a opinião pública dos assuntos reais e significativos. Não estão entre os de menos importância. Quando os 280 milhões de soviéticos
ficaram sabendo do discurso de Reagan — e a liderança soviética não é nada burra — eles se uniram a seu governo. A decisão de opor-se aos
EUA foi fortalecida. Tal retórica, que tem continuado por mais de meio século, na verdade fortalece o comunismo e o poder da liderança
soviética, e sustenta o perigoso status quo entre as duas nações.
Esta e outras fantasias de “quando-então-porque” similares poderíam ser exemplos bastante engraçados de auto-ilusão, não fosse o fato
de que pessoas morrem inutilmente a cada ano em razão disso. Durante uma conversa sobre as SFPs com um diplomata de carreira, eu
perguntei: “Se temos conhecimento das SFPs, como nos deixamos ser manipulados em tais situações?” Ele respondeu: “Simplesmente porque
nós geralmente ganhamos. Nós inventamos e controlamos as SFPs, e somos suficientemente poderosos para colocá-las em movimento.
Mesmo quando parecemos estar perdendo, estamos ganhando. Quando por exemplo pareceu que Castro ganhava, ele estava realmente
perdendo. Sua presença a quarenta milhas da costa da Flórida justificou a contínua escalada de apropriações econômicas e militares
realizadas pelos EUA. Tais recursos nunca seriam liberados pelo Congresso se Fidel Castro não existisse”. Sempre aparece mais uma camada
na “cebola” perceptiva.
Não é muito consolador saber que qualquer estudante de política soviética pode descobrir uma grande safra de SFPs nas políticas interna e
externa da URSS da última metade do século. O que é assustador de fato é perceber que os líderes mundiais não são mais sofisticados ou
mesmo esclarecidos sobre as SFPs do que qualquer homem ou mulher comuns.
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM « 27 7
SFPS DA MÍDIA DE PUBLICIDADE
Como fabricante dos sistemas de valores culturais, a mídia comercial programa a sociedade para um pesadelo de expectativas não realizadas
e ir- realizáveis, trágicas profecias que se auto-realizam e para uma miríade de premissas que se autoconfirmam. Uma estimulação constante
pela manipulação sensorial desvaloriza, desumaniza e sexualiza mecanicamente tudo que é vendido ou comprado. As profecias que se
auto-realizam da mídia são, no entanto, o oposto do que parecem ser. O lado oposto, ou negativo, da expectativa, é realizado. Os anúncios
falam pouco sobre os anúncios ou as marcas. O ataque baseia-se nas descrições aduladoras, condescendentes e idealizadas dos
consumidores e do que o produto fez por eles. Os consumidores são continuamente estereotipados como felizes, realizados, bem-sucedidos,
disponíveis e desejáveis sexualmente, independentes, jovens, esclarecidos e seguros emocionalmente — uma mensagem lisonjeira. “Espelho,
espelho meu, existe alguém no mundo mais belo do que eu?”
A “Narcose de Narciso” (Narcisus Narcosis) foi a descrição que Marshall McLuhan deu para o estupor induzido pela mídia, que faz o público
sentar-se sem pensar em frente ao televisor, projetando a si mesmo na tela de TV. Narciso foi o deus grego que apaixonou-se por seu reflexo
num espelho d’água. Ele acabou sendo destruído pela criatura sábia, nobre, gentil, boa, honesta e bela que sorria amavelmente para ele
através do reflexo. Nunca descobriu que estava apaixonado por si mesmo.
Os lugares-comuns autolisonjeiros da publicidade são uma constante anestesia contra a intrusão da realidade na vida diária. A recompensa
implícita na causa-e-efeito das compras é uma vida saudável, bela e boa, com inexauríveis oportunidades sexuais e abundantes fontes de
gratificação sensual, retratadas pelos bem-pagos e idealizados modelos de sucesso — as mais belas das pessoas. Infelizmente, para os
desafortunados consumidores estas recompensas são ou inexistentes ou inalcançáveis. A vida real, como qualquer um pode muito bem
percebê-la, nunca é assim tão simples ou consistente. A modelo de seios grandes não pode ser sexualmente desfrutada ou obtida junto com a
graxa de sapatos que ela foi contratada para anunciar. Se os consumidores fossem realmente capazes de pensar por si mesmos, como eles
acreditam fazer, evitariam qualquer pro
duto exaltado por grandes glândulas mamárias como algo mentiroso. A única indulgência sensual disponível numa ilustração de anúncio só
pode ser uma fantasia masturbatória.
Alegria, amizades e uma aceitação social como um homem ou mulher forte e independente não ocorrem magicamente com a compra de
uma cerveja light. O oposto exato está mais perto da realidade. A maioria dos bebedores de cerveja, especialmente aqueles que encontramos
nos bares, são indivíduos solitários, dependentes e inseguros. Os modelos de publicidade são pagos para que pareça que uma bebida ou um
cigarro estejam realçando sua consumada popularidade social. Estas fantasias geralmente são o oposto da realidade do consumidor. É por
esta razão que elas funcionam. Os anúncios prometem que se você comprar o produto ele vai compensar suas deficiências. Indivíduos
indecisos que caem na armadilha dos anúncios freqüentemente são conformistas que buscam constantemente a adulação fantasiosa e a
aprovação que a conformidade supostamente traz. Na próxima vez que surgir uma oportunidade, observe alguém revelar suas apreensões
sociais e dependência com um cigarro usado como escora social. Durante o período de suspensão do vício as clínicas anti-tabagismo utilizam
como reforço videoteipes mostrando os pacientes fumando. Os pacientes acham estas fitas bastante perturbadoras emocionalmente. Uma vez
que o fumante percebe o que as outras pessoas já perceberam — o comportamento ansioso, dependente, nervoso, e de sucção infantil
envolvido no ato de fumar — torna-se mais fácil largar o hábito.
O papel estereotipado dos modelos de anúncios, filmes de cinema e tevê ou rock — talvez imagens desejáveis na superfície —
desintegra-se num pesadelo de expectativas humanas inatingíveis quando examinado de perto. A imagem da mídia é uma mentira, mas se não
for examinada com muito cuidado ela promete fantasias erotizadas muito mais encantadoras e entorpecedoras do que qualquer coisa
disponível na realidade.
Os consumidores acabam descobrindo que suas fantasias são meros exageros, mas culpam a si mesmos por suas deficiências. A boa vida
nunca se materializa, mesmo após infinitas compras e lealdade a um produto. A promessa não cumprida deve então ser interiorizada. Os
consumidores adquirem aos poucos a autopercepção de perdedores. Preso pela armadilha das síndromes dos impulsos consumistas, o
consumidor bem
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 279
treinado vai comprar algo quando estiver deprimido, frustrado, nervoso, rejeitado, solitário e aborrecido, pois foi justamente treinado à exaustão
para lidar com os problemas de ajustamento emocional mediante o consumo. Mas as expectativas promovidas pelos anúncios nunca se
realizam. No melhor dos casos, causam um breve período de alívio. Os efeitos tornam-se indistinguíveis das causas — novamente a cobra
morde seu rabo. O consumidor bem integrado percebe um mundo onde todas as pessoas podem tirar o máximo. Isto é, todas as pessoas
menos o leal, generoso, confiante e obediente consumidor, que foi metamorfoseado numa máquina de comprar. Um outro produto ou marca
são experimentados, um outro amante é escolhido, um outro grupo social é descoberto, um novo corte de cabelo experimentado, um novo
emprego encontrado, uma outra casa é comprada, uma outra fantasia perseguida, e um outro, uma outra, um outro... As percepções da
realidade desvanecem-se e se sobre- põem-se uma às outras mais e mais nas fantasias da mídia.
As falsas expectativas garantem a frustração e o fracasso final — o exato oposto daquilo que a mídia apresenta. Para o anunciante,
consumidores realizados são indesejáveis. Os consumidores satisfeitos podem afastar-se, desengajar-se do sistema, parar de comprar.
O SÍSIFO DO SÉCULO XX
O consumidor vai se transformando aos poucos num Sísifo moderno, treinado a empurrar a pesada pedra da esperança em busca de uma
identidade, um objetivo, aceitação, felicidade e realização, até o topo de uma íngreme colina. Então a pedra rola, mais uma vez, para baixo. O
consumidor a empurra novamente para o topo: de novo, de novo e de novo, até o fim. O lema de uma sociedade de consumo é “Consumo, logo
existo!” As expectativas lançadas pela publicidade, que levam às profecias que se au- to-realizam, enfatizam as fraquezas e defeitos que os
indivíduos percebem em si mesmos. Uma auto-avaliação negativa é constantemente reforçada. O consumidor evolui de um perdedor para um
superperdedor.
A dependência à droga e ao álcool tem suas raízes nos anúncios. Por quase um século, a população norte-americana foi educada pelos
anúncios a buscar soluções químicas para seus problemas de ajustamento
emocional. Bebidas, cigarros, remédios, entorpecentes — todos servem ao mesmo objetivo. Não há razão, ensinam os anúncios, para
sentirmos o menor desconforto, depressão ou dor. Seja feliz, bem ajustado, sempre otimista, tranqüilo, seguro, aceito socialmente e amado —
no topo do mundo. Se você não puder chegar lá com o álcool, tente o cigarro, ou escolha analgésicos, antidepressivos, tranqüilizantes ou
pílulas da felicidade de inúmeros tipos. Há uma bebida ou um comprimido para cada pequeno ou grande sintoma. Uma vez integrado, você não
precisa do sintoma, apenas da expectativa do sintoma. Os anúncios introduzem, racionalizam, aprovam e autorizam o consumo de drogas
químicas em um nível aterrorizador. É um negócio muito lucrativo, exceto para os usuários — muito dos quais acabam se tornando viciados.
Durante o último século, todo governo americano tem tomado, ao menos em palavras, uma posição firme contra o uso de drogas. E algo
comparável a ser contra o pecado, o abuso de crianças e fraudes contra o bem-estar. As drogas legais, este lucrativo negócio, são ignoradas.
A distinção entre legal e ilegal é outra das ficções perceptivas, mas é uma boa fonte de votos. Nos níveis perceptivos inconscientes, onde os
anúncios têm seu impacto mais poderoso, os consumidores são bombardeados pela propaganda sobre a boa vida que podem obter através
das drogas químicas. Os benefícios percebidos no produto, e não as distinções legais, são o que motiva e captura os consumidores. Enquanto
os fabricantes e os políticos fazem jogos sobre a legalidade, os anúncios tornam os consumidores dóceis para que aceitem e integrem o
consumo de drogas químicas na cultura norte-americana.
Enquanto o consumo de drogas legais — álcool, tabaco e produtos farmacêuticos — proliferou na última metade desde século, o mesmo
ocorreu com as drogas ilegais: maconha, heroína, LSD e, mais recentemente, cocaína e crack. Estima-se que o consumo atual de drogas
ilegais nos EUA movimente um comércio de 220 milhões de dólares diários, segundo o National Institute of Health. É curioso que nenhuma
figura pública tenha notado o aumento paralelo das drogas legais e ilegais. As distinções jurídicas não têm nada a ver com as distinções
psicológicas. O desejo de morte é constantemente manipulado em nível subliminar pelos anúncios de álcool, cigarro e produtos farmacêuticos.
A simples designação de ilegal proporciona um poderoso apelo ao consumo para muitos
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «281
indivíduos. O consumo ilegal é percebido romanticamente como um ato de liberação às restrições impostas, de desafio à autoridade. Em 1986,
havia uma estimativa de 4 milhões de viciados em cocaína, com 5 mil novos usuários acrescentados diariamente à população.
O anúncio “What’s News” do Chivas Regai foi publicado por mais de cinco anos em várias revistas — Time, U.S. News &f World Report,
Newsweek, Business Week etc. (fig. 27) — a um custo estimado entre 4 e 5 milhões de dólares por espaço. Com o texto “Você pode pensar em
algo que dê melhor retorno ao seu investimento?”, o objetivo do anúncio era introduzir o Chivas Regai como um complemento aos negócios,
que supostamente são em grande parte realizados com o acompanhamento de uísque. O retorno de seu investimento em tempo, esforço e
lazer será ampliado com o Chivas Regai, um uisque escocês envelhecido doze anos. A profecia implícita é sucesso, dinheiro, poder — os
objetivos aprovados dos negócios. Quem podería argumentar contra a lógica, veracidade e bom senso de tal anúncio, mesmo quando
colocado num contexto de frívolos apelos à sensualidade, indulgência e às distrações superficiais? Os bebedores de Chivas são líderes que
apreciam o melhor. Beber scotch aplaina a subida ao topo, ajuda a garantir o sucesso. A profecia parece clara, pelo menos em um nível da
percepção.
O Wall Street Journal, com sua característica coluna da primeira página, What’s News? é um ícone dos negócios. A garrafa de Chivas ao
lado do jornal está aberta e não totalmente cheia. Presumivelmente, o uísque sobre os cubos de gelo acabou de ser despejado. Curiosamente,
a réplica pintada do jornal, não a coisa real, está com as palavras indistintas, como se fora de foco. Com exceção das palavras Business
andFinance e World, as letras são obscuras. No entanto, leve um momento para observar a imagem do jornal. Veja se pode ler alguma outra
palavra.
A palavra vagabundas pode ser percebida na terceira linha da manchete na coluna da esquerda. Parte de um parágrafo na coluna esquerda
é distinto e legível, outra parte é indecifrável. Uma palavra sobressai no texto, excomunhão. Estas palavras parecem, a princípio, isoladas e
irrelevantes, mas elas foram cuidadosamente desenhadas na réplica do jornal. As palavras nunca seriam conscientemente percebidas pelo
leitor. Inconscientemente, no entanto, até mesmo o menor e mais imperceptível dos detalhes pode ser muito importante.
Várias caveiras estão pintadas obscuramente nos cubos de gelo e no copo. Uma está à esquerda, no meio do copo, distorcida
anamorficamen- te (flg. 53). Outra caveira aparece de cabeça para baixo, sob a superfície do líquido, logo a esquerda do centro. Caveiras e
outras imagens ligadas à morte são comuns nos anúncios de bebidas alcoólicas. Elas apelam ao desejo de morte.
Logo à esquerda da caveira anamórfica, aparece uma figura de pé, vestida com um manto e usando um chapéu em ponta (fig. 54). Poucas
pessoas usam este tipo de chapéu — só os bispos católicos, os cardeais e o Papa. Uma mulher aparece ajoelhada em frente à figura. Os
cabelos longos rodeiam sua face, seus ombros estão nus, como se o vestido tivesse escorregado. A cintura do vestido aparece acima da saia
rodada. O braço direito da mulher está projetado para frente e seu antebraço está ligeiramente elevado. Parece que ela está segurando algo
com sua mão direita, voltado para sua boca aberta.
Fellatio com o Papa num cubo de gelo: uma estratégia subliminar bizarra para manipular os consumidores a comprarem o Chivas Regai. A
maioria dos leitores achará a obscenidade enxertada perturbadora, para dizer o mínimo. Considerando o tipo de mundo que foi construído em
nome dos empreendimentos desenfreados, com cada vizinhança se gabando de sua assim chamada “livraria para adultos”, a felação no cubo
de gelo pode ter se tornado uma expectativa normal.
Uma surpresa adicional aparece no whisky on lhe rocks. Logo à direita aparece uma versão familiar do Cristo (fig. 55), observando
pacientemente a ação no cubo de gelo ao lado.
Embora bastante pequenas em proporção à garrafa e ao copo, e imperceptivelmente colocadas, estas imagens serão percebidas
instantaneamente em nível inconsciente por qualquer pessoa que olhar mesmo que de relance para o anúncio. Em nenhum ponto do processo
per- ceptivo o significado e a mensagem poderiam emergir para a percepção consciente. As representações obscenas e tabus têm um efeito
inconsciente poderoso e duradouro naqueles que percebem o anúncio por um instante que seja. Este anúncio teria um efeito motivador mais
poderoso sobre os indivíduos com grandes inibições em relação ao sexo, conjugadas a convicções religiosas conservadoras. As duas
perspectivas em geral andam juntas.
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZ AM » 283
O nome verdadeiro deste jogo é obviamente indulgência sensual, a recompensa do sucesso tanto nos negócios como no uísque de
qualidade. O scotch fornece um transporte para os “excomungados” e as “vagabundas” mencionadas no Wall Street Journal. O mundo tabu do
sexo, da morte, da figura de Cristo, das caveiras e da autodestruição é um fim para a hipocrisia e o conflitante sistema de valores da vida
moderna. Se acontece de o homem de negócios estar caminhando neste sentido, como muitos parecem fazer, Chivas Regai — como o
anúncio sugere — é o caminho. Chivas leva até lá!
Em um nível, a estrada convencional para o sucesso: trabalho, preocupação com negócios e finanças. Noutro nível, indulgência autodestru-
tiva e levada pela culpa, que invariavelmente destrói o sucesso ou a realização. Qualquer pessoa no mundo dos negócios, das finanças, no
governo ou nas profissões liberais que é vista como um bebedor aciona o sinal de alerta nas cabeças de seus pares e superiores. Ao contrário
das representações enganosas, o alcoólatra é percebido como um patético perdedor e não como um grande sujeito.
As noções simplistas de causa e efeito, quando os homens crêem nelas, levam às profecias que se auto-realizam. Uma vez estabelecida a
SFP, ela adquire vida própria, cria sua própria realidade, que não teria sido desenvolvida sem os pressupostos de causa e efeito iniciais. As
expectativas da SFP freqüentemente fazem surgir o que foi mais temido e antecipado. O matemático Nigel Howard oferece uma
contra-estratégia às SFPs: se uma pessoa toma consciência de uma teoria em relação a seu comportamento, ela não está mais presa por esta
teoria. Ela está livre para desobedecer. A melhor das teorias é impotente frente a sua antiteoria.
CAPÍTULO DEZ
A MENTE
PERMANENTEMENTE FECHADA
r
A realidade não é nada além da livre escolha de uma das muitas portas que estão o tempo todo abertas.
Hermann Hesse, O Lobo da Estepe
Devemos nos lembrar de que nós não observamos a natureza como ela existe de fato, mas a natureza exposta a nossos métodos de
percepção (modos de ver j.
Ai teorias determinam o que podemos e o que não podemos observar.
Albert Einstein, The Meaning ofRelativity
O ceticismo e a convicção científica existem no homem moderno lado a lado com preconceitos fora de moda, hábitos de pensamento e
sentimento ultrapassados, deturpações obstinadas e ignorância cega.
Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos
A sofisticação da tecnologia de persuasão no último meio século modificou as velhas regras da comunicação humana. À medida em que a
indústria de publicidade e relações públicas tornava-se cada vez mais hábil em controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os
sistemas de valores, foi tornando-se um imperativo manter o segredo e capacitar a população a reprimir a consciência daquilo que os
manipuladores estão tramando. O controle da percepção não pode ser alcançado se for reconhecido, o que fez com que proliferassem os
controles perceptivos em níveis conscientes e inconscientes. As pesquisas sobre a linguagem e a cultura foram eficazmente postas de lado,
em direções intelectualmente estéreis e irrelevantes. O behaviorismo nas ciências sociais e compor- tamentais servia bem aos interesses
ideológicos da mídia comercial. O behaviorismo, como uma doutrina científica ou quase religiosa, foi uma garantia de que as ciências sociais
iriam exaurir-se a si mesmas em pesquisas triviais e inconseqüentes que raramente entravam em conflito com o status quo — o melhor dos
mundos possíveis. A psicologia, a sociologia e a antropologia cognitivas tornaram-se as perspectivas acadêmicas dominantes. O behaviorismo
negou a existência do inconsciente, cha- mando-a de “mentalista”. O inconsciente virtualmente desapareceu da América do Norte como tema
de estudos fora da indústria de comunicação de massa.
A tecnologia de manipulação da mídia e as ciências sociais passivas, mudas e preocupadas com trivialidades são características culturais
que se reforçam mutuamente. Enquanto a sociedade norte-americana foi se tornando cada vez mais saturada de mídia comercial
manipuladora, os acadêmicos legitimaram a fantasia de que tal manipulação era impossível, de que os EUA, tão amantes da liberdade, eram
invulneráveis à propaganda. A população pensava, como foi ensinada a pensar, que pensava por si mesma. A contradição e o paradoxo nesta
lógica simplista eram menosprezados ou ignorados. Além disso, a mídia bombardeava a população com promessas de contos-de-fadas de que
nunca mentiríam, que sempre poderiamos confiar nela, de que ela estava livre de preconceitos e interesses ocultos, e que servia
diligentemente a causa da liberdade e da democracia.
Todas as partes de um sistema cultural são magnificamente complementares, como os belos mecanismos de precisão de um caro relógio
mecânico. Cada pequena parte ou função está inextrincavelmente integrada e apoiando todas as outras partes e funções. No entanto, as
culturas integram a si mesmas em modos que são freqüentemente não lineares, não verbais, extremamente complexos e sutis e muito difíceis
de serem percebidos conscientemente. Há também o atraso no tempo. Valores que aparecem hoje podem não se tornar visíveis
nacionalmente por dez a quarenta anos.
Os sistemas educacionais nacionais geralmente refletem valores dos sistemas sócio-econômicos dominantes. Se a ambição, a ganância, o
egoísmo e a auto-indulgência são fundamentais à economia, a educação adapta seu foco de acordo com isso. A mais dramática mudança na
educação nos últimos 35 anos tem sido o constante crescimento de cursos voltados exclusivamente para obter-se empregos, lado a lado com a
decadência de cursos que ensinam a ler, escrever, fazer matemática e pensar. Desde a Segunda Guerra Mundial, a educação nos EUA foi
encarada como um agente de mudanças sócio-econômicas-culturais. Ensaios de ilustres educadores dos anos 1930 e 40 — tais como o
trabalho The Higher Learning in America de RobertM. Hutchin (sobre o ensino de humanidades) — parecem hoje idealismos anacrônicos que
não acompanham o ritmo das realidades contemporâneas. Hoje, a comercializável mercadoria de educação é superficial e simplista. A
auto-indulgência e a auto-exal- tação são agora as premissas filosóficas fundamentais. O status quo, o me
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «315
lhor dos mundos possíveis, tornou-se o modelo para a mudança. Os sistemas escolares tornaram-se centros de doutrinação onde os
estudantes são treinados, mais do que educados, para se encaixarem, encontrarem o seu lugar, e certamente não para desafiarem o sistema
ou o desconhecido. O estudante universitário norte-americano, educado pela mídia e au- to-indulgente, é quase um caso único no mundo. A
educação ainda é um privilégio altamente competitivo na Ásia, na Europa e especialmente na URSS.
Num importante estudo de 1986 da Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching revelou-se que 90% dos estudantes
universitários e 88% de seus pais encaravam a principal razão do ensino superior de uma perspectiva carreirista: empregos, dinheiro e
sucesso. Apenas 28% dos pais e 27% dos alunos de universidades encaravam a educação como um meio de ir ao encalço de erudição, de
uma cidadania séria e de uma educação impecável como os fundamentos para as experiências de vida. O estudo foi intitulado Colleges: the
undergracluate experience in America (Universidades: a experiência dos não-formados na América). Ele revelou que apenas 19% dos
estudantes de humanidades teve empregos garantidos depois da formatura, contra 90% dos que se especializaram em negócios. A
preocupação com o emprego dos estudantes é tola, mas é usada para recrutá-los ou como uma estratégia de marketing pelas escolas. Um
reitor da University of Texas comentou que eles não poderiam publicar um catálogo com os nomes e descrições dos cursos se eles não
parecessem estar diretamente relacionados a empregos. Durante suas vidas, as pessoas com diploma superior terão dúzias de empregos. As
habilidades para os empregos mudam constantemente e rapidamente se tornam obsoletas. Gastar os valiosos e caros anos de faculdade
estudando para um emprego, que muitas vezes não existe, é um desperdício de recursos preciosos e uma tolice.
Não obstante, o número de bacharelados em assuntos ligados aos negócios dobrou de 114.865 em 1971 para 230.031 em 1984. O número
de bacharéis em artes, em inglês e literatura caiu de 57.026 para 26.419. Várias universidades acabaram com cadeiras como línguas clássicas,
geologia e educação musical. Muitas reduziram os cursos de filosofia, línguas, literatura e história em favor de trivialidades como cursos de
hotelaria.
3 1 6 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
O estudo da Fundação Carnegie citou numerosas deficiências na experiência do não-formado típico:
1. Uma ausência de visão ou uma visão limitada e confusa sobre erudição, ciência, pesquisa, as tradições do conhecimento e o
enriquecimento da vida humana através dos estudos.
2. Uma grande e generalizada inabilidade dos estudantes universitários para ler, escrever e pensar.
3. Estruturas de cursos fragmentadas e desarticuladas, onde as especializações tópicas e superficiais tomam o lugar do aprofundamento das
visões.
4. Uma aquiescência difundida por todas as faculdades na legitimação de cursos e currículos banais. A excelência do ensino crítico e analítico
geralmente é ignorada em favor da conformidade, que freqüentemente está atrelada às promoções e obtenções de títulos.
5. Uma separação e queda de nível da formação básica requerida pelas cadeiras obrigatórias de cada curso, que são encaradas de forma
bastante estreita. Os cursos de cultura geral são freqüentemente dados pelas faculdades menos qualificadas e menos re- compensadoras.
6. Os objetivos da educação superior estão se tornando confusos e degradados. As metas raramente são discutidas; se chegam a ser
mencionadas, elas são expressas em termos das oportunidades de trabalho em voga: empregos, dinheiro e sucesso.
Críticas similares sobre a educação nas universidades norte-americanas foram feitas recentemente por fontes tão autorizadas como a
Asso- ciation of American Colleges, o National Institute of Education e o gabinete do secretário da Educação dos EUA. A educação superior
converteu a si mesma num sistema abertamente mercantilizado de escolas de comércio. As instituições de orientação de carreira geralmente
são deficientes no que diz respeito aos cursos de línguas, artes, histórias, estudos das instituições sociais e políticas e na área das ciências
naturais e físicas, onde a mera tecnologia é considerada ciência. Estudos sobre questões são virtualmente inexistentes.
As universidades são em geral prisioneiras da cultura de marketing dominada pela mídia. Afagando o público para obter sua aprovação, a
mídia de publicidade encara a inteligência que se sobressai como
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *317
algo anormal. Deve-se fazer com que a inteligência pareça burrice. A burrice é freqüentemente celebrada como uma inteligência notável. O
intelectual confuso e não prático é um estereótipo bastante difundido e publicado. Os indivíduos de moral são do mesmo modo tratados como
simplórios. Nulidades tornam-se modelos de virtude. Aqueles que lutam por novas verdades são encarados como ingênuos ou sediciosos.
A educação nos EUA certamente não equipou o cidadão para lidar com a tecnologia manipuladora da mídia no meio em que passará a vida.
E justamente o oposto: o sistema educacional condicionou a população para tornar-se vítima, treinada para encaixar-se na cultura comercial
como um consumidor obediente e passivo. A mídia de publicidade modificou na surdina as regras da lógica, da razão e a percepção das
pessoas sobre a percepção humana. Poucas tentativas foram feitas para investigar o que estava acontecendo. De qualquer modo, as críticas
provavelmente não seriam levadas em conta. A façanha, difícil de ser exposta, foi feita com astúcia e foi um ótimo negócio. A mídia manteve as
ilusões do público de que tudo estava bem, de que nada havia mudado a não ser para melhor, com todas as pessoas se tornando mais
inteligentes, melhor informadas, mais perceptivas e mais capazes de pensarem por si mesmas.
UMA MENTE BEM LAVADA
Em 1989, uma pessoa nos EUA enfrentava uma saturação cultural de quase 150 bilhões de dólares em propaganda. Este investimento na
mídia geralmente cresce entre 10% e 15% anualmente. O investimento na propaganda cultural não inclui as enormes quantias gastas nas
promoções, relações públicas e outras tecnologias manipuladoras da mídia.
Nenhuma nação na história do mundo foi tão exaustivamente submetida à propaganda em qualidade, quantidade, intensidade e inovações
tecnológicas. O indivíduo que procura sobreviver a esta super fraude confronta um adversário formidável. Depois de conseguir mudar os
produtos e as marcas que são comprados, este investimento anual maciço sustenta um sistema de valores culturais integrado e fechado em si
mesmo.
Para alguns poucos, pode existir a possibilidade de um paraíso tropical isolado e desprovido de meios de comunicação de massa. Mas a
3 1 8 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
maioria das pessoas simplesmente não tem dinheiro para cair fora. Elas precisam achar um meio de manter a sanidade no hospício da mídia.
As estratégias de defesa contra a lavagem cerebral são relativamente simples. No entanto, elas provavelmente funcionarão melhor se forem
iniciadas na primeira infância.
AJA SEMPRE PARA AUMENTAR O NÚMERO DE
OPÇÕES DISPONÍVEIS
A maioria dos indivíduos foi educada desde a infância para diminuir o número de opções, para tentar obter a verdade. Qualquer compromisso
com uma visão específica tem significado ideológico, serve de aditivo para vender-se uma pasta de dentes, uma religião ou um candidato
político. Existem múltiplas respostas para cada questão, problema ou objetivo. Procure-as. Encontre pelo menos três, preferivelmente cinco e
até mesmo dez ou mais. Escolha hipoteticamente a opção que parece mais provável de alcançar o objetivo que você deseja. Esteja preparado
para descartá-la a qualquer momento em favor de outra, se houver ameaça de desastre.
Lembre-se que o conteúdo de toda ideologia verbal, nos comportamentos religiosos, políticos ou de consumo não está relacionado com a
realidade. As premissas ideológicas geralmente são autolacradas. Elas estão em conflito com outras ideologias. Isto pode não ser uma questão
de vida ou morte quando alguém compromete-se com uma marca de sabonete, mas o comprometimento cego com as ideologias políticas,
militares, econômicas e religiosas tem infligido ao mundo uma devastação secular. As ideologias baseiam-se em visões estereotipadas tanto
do mundo como de si mesmo. Os estereótipos podem negar ou confirmar quaisquer perspectivas ideológicas e justificar atitudes injustas,
cruéis e desu- manizadoras que prometam sustentar a ideologia.
Curiosamente, as ações que sustentam uma convicção ideológica geralmente contradizem a ética desta ideologia. A determinação em
salvar o mundo do comunismo ou do capitalismo, mesmo que todas as pessoas devam ser destruídas neste processo, é um dos muitos
paradoxos deste tipo. As ideologias oferecem fantasias de solucionarem os problemas das existência humana: injustiça, ambição,
desigualdade, riqueza,