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A ERA DA MANIPULAÇÃO DETONA OS MITOS DA SOCIEDADE CONTROLADA PELA MÍDIA. REVELA AS FORMAS PELAS QUAIS
FORÇAS PODEROSAS SEDUZEM E MANIPULAM MULTIDÕES.
DISCUTE AS SOFISTICADAS ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS E DE
INFORMAÇÃO USADAS PARA ENCANTAR O PÚBLICO, OPERANDO DIRETAMENTE SOBRE SEUS MEDOS, NECESSIDADES E
DESEJOS INCONSCIENTES. DESMASCARA O USO DE MENSAGENS E IMAGENS OCULTAS (A CHAMADA PROPAGANDA
SUBLIMINAR, HOJE LEGALMENTE PROIBIDA), MAS TAMBÉM OS MÉTODOS APARENTES UTILIZADOS PARA A FORMAÇÃO DA
NOSSA OPINIÃO.
PROVOCATIVO, SURPREENDENTE, REVELADOR,
A ERA DA MANIPULAÇÃO AJUDA A COMPREENDER COMO AS AVES DE RAPINA DA MÍDIA - NA PUBLICIDADE, NOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO, NOS NEGÓCIOS E NA POLÍTICA - ATUAM SOBRE NOSSAS MENTES.
A ERA DA MANIPULAÇÃO CERTAMENTE MUDARÁ O JEITO COMO VOCÊ OLHA O MUNDO AO SEU REDOR.
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WILSON BRYAN KEY
A ERA DA MANIPULAÇÃO
Tradução de Iara Biderman
sçgfrfT)
Título original em inglês:
THE AGE OF MANIPULATION
1990 © Wilson Bryan Key
Ia edição: junho de 1993 © Editora Página Aberta Ltda.
Publicado mediante contrato
firmado com Henry Holt and Company Inc.
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Página Aberta Ltda. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sob
qualquer forma, sem prévia autorização dos editores.
ISBN 85-85328-07-X
EDITORA PÁGINA ABERTA LTDA. Rua Germaine Burchard, 286 05002-061-São Paulo-SP Telefone: (011)262-1155 Telefax: (011)864-9320
Í
NDICE

Prefácio .................................................................................. 13
Advertência do autor .............................................................. 21
Capítulo um
PARA AQUELES QUE ACREDITAM PENSAR POR SI MESMOS ............. 25
Capítulo dois
COMO ENTRAR NA MENTE (DESAPERCEBIDAMENTE) ..................... 61
Capítulo três
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA .............................95
Capítulo quatro
MÍDIA: A MÁQUINA DE IAVAGEM CEREBRAL..................................127
Capítulo cinco
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS .......................... 153
Capítulo seis
A COISA VERDADEIRA — REALIDADES SIMBÓLICAS..................... 191
Capítulo sete
CAUSA E EFEITO: A MAIOR DE TODAS AS ILUSÕES ........................ 211
Capítulo oito
As EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS ...................................... 229
Capítulo nove
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM ......................................... 259
Capítulo dez
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE ............. 285
Capítulo onze
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA ..................... 311
Epílogo ................................................................................. 331
Apêndice .............................................................................. 333
Para minha querida esposa, Jan, e nossa gatinha, Cristina— duas damas adoráveis que enriquecem e dividem a vida comigo. Elas nunca
duvidaram que coisas impossíveis sempre são possíveis quando fazem parte de uma causa justa.
“Não faz sentido continuar tentando”, disse Alice. “Não se pode acreditar em coisas impossíveis.”
“Eu ousaria dizer que você não tem muita prática”, disse a Rainha. “Quando eu tinha sua idade, treinava meia hora por dia. As vezes eu
conseguia acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã”.
Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas
PREFÁCIO
1984 de George Orwell ocorreu realmente por volta de 1934. Só que estávamos muito ocupados para perceber.
Marshall McLuhan
Gênio é a pessoa capaz de ver dez coisas onde a pessoa comum vê apenas uma e a pessoa talentosa vê duas ou três.
Ezra Pound
Mais de quinze anos se passaram desde que Wilson Key nos avisou pela primeira vez: “Cuidado!”, de forma bastante parecida com a que
Zeus, o deus grego, chamou a atenção de Narciso. Narciso entorpeceu-se por ficar olhando, indefinidamente, sua imagem espelhada num
lago. Ele não percebeu a identidade da imagem idealizada e apaixonou-se perdida- mente por ela. Como no espelho dos anúncios publicitários
norte-americanos, a imagem refletida era sempre amável, nobre, corajosa, sábia, justa, boa, generosa, bela e confiável. Narciso acabou
padecendo por não poder distinguir a realidade da fantasia.
Desde a primeira edição de Subliminal Seduction em 1973, e dos dois livros seguintes de Key sobre a persuasão subliminar, poucos outros
temas tiveram impacto tão grande sobre o público leitor. E difícil encontrar um estudante universitário que, depois de 1973, não tenha lido ou ao
menos ouvido falar destes livros. Eles ainda são leitura obrigatória em muitas faculdades e universidades. Sua mensagem estendeu-se para
muito além das salas de aula, chegando ao comitê de audiência do Senado, às entidades reguladoras da publicidade, repercutindo até na
discussão internacional sobre a ética dos meios de comunicação.
Como o Ouroborus (a cobra que morde o próprio rabo) da mitologia grega, o livro tornou-se um paradoxo. Key chamou a atenção do mundo
para a violentação das mentes causada pelos anúncios publicitários. Mas seus avisos também tornaram-se cartilhas de técnicas para controlar
o comportamento humano. Apesar da indústria de publicidade ter denunciado o livro e tentado desacreditar o autor, seus livros foram
largamente utilizados pelas agências publicitárias, pelos psicólogos que estudam os meios de comunicação e por outros que trabalham no
maquiavélico campo da fraude e da exploração humana.
A maioria de nós é constantemente pressionada a mudanças de comportamento. Como consumidores, somos incessantemente tentados
pelos anunciantes a comprar produtos, marcas e serviços, na sua implacável perseguição aos nossos salários. Como eleitores, somos
persuadidos e açulados em direção a determinado ponto de vista por políticos que lutam para obter poder sobre nossas vidas e lucros para os
seus patrocinadores. Como seres sociais e éticos, somos bombardeados por incontáveis formas de persuasão pelos fanáticos religiosos e
ideológicos, para que nos tornemos seus verdadeiros fiéis e seus generosos e obedientes escravos. Algumas destas tentativas são abertas,
perceptíveis, postas na mesa, por assim dizer. Outras são bem mais sutis, e mesmo invisíveis para a mente consciente. Virtualmente, todas
estas tentativas de conseguir o nosso apoio e a mudança de nosso comportamento são eficazes em alguma medida. Mesmo aqueles que
resistem são modificados pela própria resistência. Coletivamente, estas tentativas tornaram os Estados Unidos uma terra de ninguém
ideológica, com um número crescente de pessoas desesperadas para encontrar algo — freqüentemente qualquer coisa em que possam
acreditar. Este desespero as torna incomparavelmente vulneráveis às indústrias que manufaturam e administram seus sistemas de crenças.
A maioria das pessoas — especialmente em nossa cultura controlada pela mídia — está inconsciente das hábeis estratégias utilizadas para
dirigir nossos destinos. A maioria é educada para ignorar sua participação na consciência cultural coletiva, o que a torna suscetível a
doutrinações. A vulnerabilidade à manipulação foi cedo imposta às culturas ocidentais por séculos de condicionamento à lógica e à linguagem
descritas pelos filósofos da Grécia antiga. Popularmente, ainda é nutrida a ilusão de que individualmente os seres humanos — cada um por si
próprio — têm total controle de seus pensamentos, valores e comportamentos. Acreditamos pensar inteiramente por e para nós mesmos. Esta
fantasia alimenta uma autopercepção que é geralmente
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perigosa para a sobrevivência e o ajustamento do ser humano — é um calcanhar de Aquiles intelectual.
É fácil distrair-se com as devassas ilustrações que aparecem no livros de Key. Elas são simultaneamente hilariantes e estranhamente
dolorosas. Os leitores freqüentemente ficam em dúvida entre rir ou chorar. As fotografias desmascaram a incrível vulnerabilidade das pessoas
às tecnologias de persuasão, as pomposas pretensões de moralidade, piedade, convicções e ideologias que permitem que sejamos
manipulados para qualquer direção que valha um investimento de tempo, dinheiro e poder. Elas revelam que o slogan “a verdade na
propaganda” foi apenas mais uma maldita mentira imaginada por um diligente publicitário. Elas também revelam a camuflagem que a liderança
da sociedade desenvolveu para velar sua incalculável mesquinharia, seu cruel abuso dos desejos humanos de decência, honestidade e
probidade. As indústrias de mídia publicitária proclamam continuamente, em alto e bom tom, o que elas altruistica- mente têm feito por nós.
Nós deveriamos já há muito tempo ter perguntado o que elas fazem em nós. As ilustrações provavelmente mascaram a natureza subjacente
mais significativa do sistema linguístico cultural que permite e torna aceitável a violentação causada pelos meios de comunicação. Os críticos
da mídia freqüentemente concentram-se nas árvores e esquecem-se da floresta.
Além do espetáculo proporcionado por esta exposição de obscenidade mascarada de respeitabilidade, de credulidade ingênua mascarada
de sofisticação, de fraudes e mentiras mascaradas de verdade, talvez as partes mais significativas do texto sejam as de aprofundamento nas
estruturas arquetípicas tanto da linguagem quanto da cultura. O uso e abuso das leis da lógica de Aristóteles (que não são leis propriamente
ditas) é algo raramente criticado pela sociedade atual, uma sociedade persuadida de ter chegado às verdades últimas. Só estas partes já
valem o preço do livro.
Um dos maiores enigmas que atravessa a história é, ainda, a natureza da mente humana. As provas de como o cérebro recebe, processa,
armazena, recupera e comunica-se com outros cérebros são incompletas, hipotéticas e inconclusivas. Um calhamaço de pesquisas realizadas
por inúmeros cientistas e filósofos tenta construir ordem a partir da complexidade e caos aparente dos processos de intelecção e linguagem. A
despeito de tudo, o caos, a dúvida e a incerteza ainda prevalecem. As operações da mente humana não têm, nem remotamente, algo a ver
com as de um computador, embora isto tenha sido, por muito tempo, um blefe lucrativo utilizado pela indústria de computadores. Existem
infinitamente mais questões do que respostas sobre o cérebro e como ele funciona. Parece que este desequilíbrio vai persistir indefinidamente.
Na maior parte das áreas de pesquisa metódica, os pesquisadores não trabalham nem teorizam no vazio. O assim chamado método
científico está totalmente envolvido com a linguagem, a cultura e com as motivações humanas, conscientes e inconscientes. Os modos pelos
quais um problema é percebido; como as hipóteses, sínteses e métodos são estabelecidos; quais procedimentos de avaliação são aplicados; e
os princípios e conceitos utilizados para a teorização, tudo isto leva a avaliações e conclusões tomadas tanto consciente quanto
inconscientemente. A noção de objetividade é tão mitológica quanto o eram os deuses no topo do Monte Olimpo. As conclusões, sejam elas
científicas ou não, têm de ser expressas em fragmentadas abstrações matemáticas ou verbais, simplistas e lineares.
A realidade é infinitamente complexa, múltipla, integrada, em constante mudança e sujeita aos caprichos da percepção humana. A
linguagem verbal, e mesmo a matemática, é simplista, limitada em suas definições, regrada, seqüencial, rígida e imutável. As linguagens em si
não têm nada a ver diretamente com as realidades que tentam descrever, exceto, talvez, nas remotas fantasias da abstração perceptiva do
homem. Palavras, objetos, e as incertezas da percepção humana envolvidas em cada abstração garantem que a verdade, se tal abstração
pudesse ter sentido, continuará sempre acima da compreensão do intelecto humano. Uma generalização funcional, pragmática, experimental,
verbal ou matemática parece ser o mais próximo que os homens podem chegar de uma verdade última e definitiva — embora sempre
experimental — sobre qualquer coisa.
Se o problema descrito acima fosse amplamente reconhecido, havería uma probabilidade muito menor de os homens anui arem-se a si
mesmos em tentativas orgulhosas e patrióticas de salvar o mundo do que quer que queira a neurose de massa em voga. Se Leakey está certo,
a espécie humana apareceu há cerca de quatro milhões e meio de anos. Portanto, qualquer evento isolado percebido pelos homens é uma
mera gota num
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enorme oceano. A simples sobrevivência e ajustamento com seres dignos, tolerantes, afetuosos e altruístas seria passível de desenvolver-se
em uma doutrina fundamental da existência humana. A doutrina deveria recordar-nos, a cada manhã, quando nos olhamos no espelho, que
apesar dos milhares de deuses, filosofias, ciências e “verdades” inquestionáveis que os homens criaram com sua linguagem através da
história, ninguém descobriu até agora como fazer um simples verme.
Marshall McLuhan chamou aqueles elementos com os quais o indivíduo interage, consciente ou inconscientemente, como o “meio
ambiente”. Existem sempre tantas partículas perceptivas dentro deste meio que é inconcebível que algum indivíduo pudesse concentrar-se
conscientemente sobre todas as coisas ao mesmo tempo. A percepção consciente é, portanto, sempre fragmentária. Como as percepções
visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa são inumeráveis, contínuas, e sobrepostas, a mente humana não pode lidar simultaneamente com
todas elas. A habilidade de isolar, concentrar-se sobre ou abstrair de uma pequena parte das percepções disponíveis em determinado
momento, um processo linguístico linear, lógico e voltado para definições, é considerada a base para avaliações da inteligência — o que quer
que isso signifique de pessoa para pessoa e de um dia para o outro.
O processo parece ser uma concentração sobre uma pequena porção de percepções, pela exclusão das outras percepções que competem
com esta. A realidade percebida conscientemente é geralmente uma enorme simplificação e abstração da realidade verdadeiramente
perceptível. A miríade de percepções que o conhecimento consciente não enfatiza, põe de lado, torna desfocada, relega ao segundo plano
e/ou reprime, permanece no arquivo inconsciente da mente por períodos variados de tempo. Talvez algumas das percepções fiquem
armazenadas permanentemente.
Você pode experimentar este processo ao deixar de tomar consciência dos estímulos perceptivos que estão ocorrendo enquanto você lê estas
páginas. Se sua concentração no que está escrito é suficientemente intensa, a maioria das percepções periféricas serão registradas apenas ao
nível inconsciente, até que sua atenção seja desviada da figura (as palavras) para alguma parte do campo (as percepções periféricas). As
percepções, é claro, podem ser tanto geradas internamente quanto estimuladas exter A

namente, como, por exemplo, quando sua concentração vagueia destas palavras para pensar momentaneamente no belo par de pernas que
você percebeu enquanto chegava na faculdade esta manhã. Ou então sua atenção nas palavras pode diminuir na medida em que elas
induzem a associação com outros assuntos, autores e argumentos.
Estas percepções periféricas inconscientes geralmente podem ser trazidas para o nível consciente por meio de técnicas tais como a
hipnose e a narcosíntese. Sob hipnose, o sujeito freqüentemente recorda-se de detalhes de chapas de carros e outras minúcias que seriam
inalcançáveis conscientemente. Em numerosos experimentos, puderam ser recuperadas até mesmo as conversas ouvidas durante cirurgias
sob anestesia. O fornecimento da dados sensoriais parece ocorrer contínuamente, com uma prodigiosa quantidade de informação sendo
despejada na mente, mas apenas pequenos pedaços emergindo para a mente consciente. A percepção é total e instantânea no nível
inconsciente, mas extremamente limitada no nível consciente.
Durante dois mil anos, o meio circundante das culturas ocidentais foi focalizado conscientemente naquilo que parecia lógico, linear,
racional, conectado, verbal, aritmético e simétrico. O sistema lógico-linguístico tradicional foi definido pela primeira vez por Aristóteles, embora
estas idéias remontem de três mil anos antes de Cristo, ao Código de Hammu- rabi. A descrição verbal-aritmética do mundo físico feita por
Newton, a visão simétrica das relações espaciais na geometria de Euclides, as visões nítidas, sistemáticas, razoáveis e lógicas da realidade
começaram a explodir no início do século XX. Estas certezas r rganizadas linguisticamente começaram aos poucos a parecer meras fantasias.
Muito pouco da percepção humana continuou a parecer certo, permanente e incontestável. As visões organizadas da linguagem e da cultura
começaram a se transformar em fé naquilo que as pessoas desejam que seja verdade, em projeção e construção. As contribuições poderosas
de escritores como Marx, Darwin e Freud tomaram de assalto a sabedoria convencional. A linguagem, a lógica e a ordem tradicionais foram
transformadas em ruínas. Visões novas e muito sutis do animal humano foram corroendo aos poucos as certezas dos modos de pensar mais
antigos e simplistas.
A lógica não-aristotélica invadiu a ciência, a arte e a filosofia. A geometria não-euclidiana devastou os meios tradicionais de observar as rela
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ções espaciais. A física não-newtoniana tornou-se a base da mecânica quântica e da relatividade, a nova ciência das partículas nucleares e de
electrons. Considerações sobre o inconsciente humano tornaram obsoletas as antigas platitudes sobre os motivos e percepções humanas. O
mundo reagiu aos novos modos de pensamento, e sua ameaça aos interesses pessoais, à sabedoria convencional e ao status quo,
colocando-se em uma confusa defensiva.
As velhas formas nunca renunciam ao seu domínio de modo fácil e indolor. Elas desenvolveram-se para representar os interesses
adquiridos da civilização ocidental. As novas formas de pensar e raciocinar surgiram como ameaçadoras e até violentas. As instituições
religiosas, sociais, políticas, econômicas, científicas e filosóficas lutaram tenazmente para suprimir as mudanças e inovações. Mesmo assim, o
melhor e mais lógico dos mundos começou lenta e inexoravelmente a ser percebido como o pior e mais ilógico.
Hoje em dia, qualquer pessoa terá de passar sua experiência de vida em meio a esta quase invisível revolução de idéias, conceitos,
valores, tradições, ideologias e relações humanas. As fantasias de certeza, permanência e simplicidade tornaram-se, de forma quase sempre
trágica, obsoletas. A compreensão dos conceitos de processo e mudança tornou-se um imperativo para a sobrevivência. Este imperativo
também é levado pelas contínuas crises atribuíveis ao crescimento expo- nencial da população mundial, ao esgotamento dos recursos
naturais, à distribuição de poder e renda injusta e inaceitável, à devastação do meio ambiente causada pela poluição e pela ambição, e pelo
mais ater- rorizante de todos os espectros, pairando como uma nuvem negra sobre as populações da terra que lutam entre si: a devastação
pela guerra ou acidente nuclear.
Desta forma, parece vital para a sobrevivência que os seres humanos aprendam a superar — ao menos em certa medida — sua
vulnerabilidade à manipulação. Para que a democracia e a liberdade possam desenvolver-se em abstrações que tenham sentido além da
retórica desonesta, in- teresseira e vulgar dos discursos de campanhas políticas, os homens precisam romper com os tradicionais modos de
pensamento. Isto será doloroso, muito doloroso. O simplista senso comum deve constituir a mais perigosa ilusão perceptiva do mundo. O
senso comum é frequentemente muito enganoso e deveria ser sempre considerado junto com uma severa admoestação de cuidado!
Aqueles que ainda rejeitam inflexivelmente o predomínio da tecnologia de manipulação subliminar caem em duas categorias gerais:
aqueles cujos interesses velados são os de continuar a explorar e manipular os seres humanos, incluindo muitos que exploram o fanatismo
político, religioso e comercial; e aqueles que rejeitam a noção de persuasão subliminar porque odeiam, não confiam e não gostam de nada que
seja novo. O novo é usualmente percebido como ameaçador, subversivo e herético.
Key realizou uma obra de mestre ao explorar a contínua busca da verdade através da qual os homens podem sobreviver às suas loucuras,
fraquezas e tecnologias. Sua compreensão da batalha de crenças da propaganda mundial pode dar uma contribuição significativa à luta pelo
entendimento e pela paz mundial. A busca da verdade é, com certeza, algo muito diferente do que a descoberta de uma verdade eterna. Uma
vez que uma verdade eterna é descoberta, o aprendizado, o progresso, o crescimento e a liberdade tornam-se restritos, preconceituosos e
desfocados. As opções humanas diminuem inevitavelmente. Afinal, se uma verdade fosse válida por todo o tempo, em todos os lugares e para
todas as pessoas, haveria muito pouca necessidade de acreditar-se nela, fazer propaganda desta verdade, lutar por causa dela e matar em
seu nome.
Cuidem-se!
Bruce R. Ledford
Professor de Mídia na Auburn University (Auburn, Alabama)
ADVERTÊNCIA DO AUTOR
Os leitores podem fazer uso prático deste livro de duas maneiras. As idéias e informações podem ser usadas por qualquer pessoa que viva
num meio dominado pela mídia para proteger-se contra a exploração causada pelos símbolos em forma de palavras ou imagens. Os leitores
devem tor- nar-se capazes de adquirir uma maior autonomia — liberdade de crença e ação. Com certeza os leitores poderão libertar-se em
certa medida dos efeitos desumanizadores do merchandising dos meios de comunicação, que influenciam suas personalidades e
relacionamentos.
A segunda maneira de usar este livro é para os leitores preocupados apenas com a auto-indulgência propagada pela mídia. O livro poderá
prepará-los para lucrativas carreiras em publicidade e relações públicas. De fato, desde que Subliminal Seduction foi lançado, em 1973, as
técnicas subliminares tornaram-se bem mais persuasivas, sofisticadas, mais avançadas tecnologicamente e aplicadas mais eficazmente para
anestesiar a população norte-americana contra a intromissão da realidade no seu dia-a-dia. Poucos profissionais de mídia e propaganda não
estão familiarizados com meus três livros anteriores. Alguns estão tão bem informados que poderiam passar por rigorosos exames sobre o
assunto. Em público, no entanto, eles sustentaram uma imperturbável inocência, repetindo ad nauseam que a percepção subliminar não existe.
A defesa chavão da indústria de propaganda é que a minha “mente suja” é responsável por toda a controvérsia. Executivos de publicidade,
professores e apologistas da mídia em geral recusam-se a discutir as mais de quinhentos pesquisas publicadas que confirmam os efeitos de
estímulos subliminares em dez áreas mensuráveis do comportamento humano.
A intenção dos livros foi expor, criticar e revelar a mais perigosa afronta à sanidade, à liberdade e à sobrevivência que ameaça atualmente a
população da Terra. A doutrinação subliminar pode mostrar-se mais perigosa que as armas nucleares. A substituição de fantasias culturais no
lugar de realidades, numa escala massiva e mundial, ameaça a todos neste precário estágio da evolução humana. As chances atuais parecem
favorecer a devastação total.
O paradoxo de um livro que serve na verdade àquilo que ataca não é incomum na história das idéias. Qualquer empreendedor capitalista
estudará com cuidado os novos desenvolvimentos intelectuais no mundo socialista para descobrir as fraquezas tanto da economia socialista
quanto da capitalista, assim como os executivos, dirigentes e líderes dos países socialistas estudarão cuidadosamente o capitalismo ocidental.
O estudo das críticas e da concorrência é a primeira regra para a sobrevivência. Ao mesmo tempo, é necessário atacar, ou fingir atacar, a
concorrência a todo momento.
Na percepção humana — o que inclui tudo o que os seres humano sabem ou pensam saber, consciente ou inconscientemente — nada é
que parece ser. A primeira parte deste livro trata de imagens, a maioria d‘ anúncios, colocando em dia o que foi apresentado nos três primeiros
li vros. A segunda parte ocupa-se da linguagem e da cultura, e a eficaz lavagem cerebral que elas realizam para que as populações prefiram
fantasias ao invés de realidades.
Há muito proveito em molecularizar — separar em pequenos e reveladores pedaços — a indústria da mídia. Sua anatomia dissecada
embaraça os manipuladores e assusta suas vítimas. Há muito o que aprender com ela sobre como os homens pensam ou deixam de pensar. A
mídia de publicidade demonstra o pior da venalidade e credulidade humanas e revela como as linguagens, imagens e culturas servem mais
para escravizar do que para esclarecer, a menos que o público seja educado para discernir entre fantasia (como gostaríamos que o mundo
fosse) e realidade (a limitada fração de realidade acessível à percepção consciente).
A publicidade é movida por um motivo humano simplista e quase universal: vender, vender, vender. Por comparação, tanto as belas-artes
quanto a literatura são criadas por uma complexidade de motivos — di
ADVERTENCIA DO AUTOR • 23
fusos, contraditórios e paradoxais. As inspirações artísticas mais profundas envolvem as percepções singulares do mundo realizadas pelo
artista. Deve ser por isto que a produção artística criativa geralmente sobrevive através dos séculos como uma significativa experiência
humana.
As intenções manipuladoras da propaganda e das relações públicas produzem imagens para uma percepção consciente momentânea,
seguida de repressão e armazenamento na memória inconsciente. Elas são criadas para não serem reconhecidas, para serem experiências
insignificantes a nível consciente. Esta, de fato, pode ser denominada a Era da Manipulação.
Os homens parecem não ter aprendido muito da experiência milenar desde que existimos na Terra. Nos Estados Unidos, enxerga-se a
história como tendo começado com John Wayne no Alamo ou, para os mais jovens, com os Beatles. Nossa cultura, organizada para otimizar o
retorno dos investimentos em mídia, raramente permite que aprendamos com a experiência. Isto pode constituir o calcanhar de Aquiles do
homem moderno.
Este livro pretende mudar o modo pelo qual os indivíduos percebem o mundo em que vivem. Se conseguir isto, nada será como antes.
CAPÍTULO UM
PARA AQUELES QUE ACREDITAM
PENSAR POR SI MESMOS

Estamos à mercê de influências sobre as quais não temos conhecimento consciente e, virtualmente, não temos nenhum controle consciente.
Robert Rosenthal, Pygmalion in the Classroom
As pessoas querem ser enganadas, deixe-as serem enganadas.
Populus vult decepi, decipiatus
Cardeal Cario Caraffe ao Papa Paulo IV
De várias maneiras, a criatividade e a doença mental são os lados opostos da mesma moeda.
Aston Ehrenzweig, The Hidden Order ofArt
Este livro é sobre o abuso do homem pelo próprio homem. A tecnologia de ponta de persuasão de massas atingiu níveis de sofisticação muito
maiores do que a maioria dos indivíduos imagina. Muitos ainda agarram- se desesperadamente à ilusão de que pensam por si mesmos,
determinam seus próprios destinos e exercem, tanto individual quanto coletivamente, seu livre-arbítrio (o grande mito subjacente à ideologia
democrática) ; agarram-se à ilusão de que a propaganda age em interesse do consumidor; e, talvez a maior auto-ilusão de todas, de que
podem facilmente discernir entre fantasia e realidade. Este livro tenta romper com estes antigos e insensatos lugares-comuns.
As considerações que se seguem podem ser utilizadas para repelirmos o ataque diário de falsas informações, tão devastador para a
liberdade e a autonomia. Tomando consciência de como o vilão entra em sua mente, você ao menos tem a opção de rechaçá-lo. As
tecnologias de exploração parecem estar bem mais desenvolvidas nos países capitalistas do que nos socialistas, mas esta é uma questão
acadêmica. A tecnologia nunca é um segredo que pode ser mantido. Ela é sempre acessível a todo aquele que dispõe de tempo, dinheiro e
motivações. A engenharia do consentimento invade a percepção humana tanto no nível consciente quanto no inconsciente, especialmente no
último. Uma vez que o inconsciente grupai ou coletivo foi programado com o que é chamado de cultura, qualquer mercadoria pode ser vendida
para os níveis conscientes.
A doutrinação psicológica também ocorre através das estruturas lin- güísticas, pressupostos culturais e das perspectivas, bastante
maleáveis, que o homem tem em relação a si mesmo, ao mundo e às relações percep- tivas com o que displicentemente é aceito como
realidade. Em termos de sobrevivência e ajustamento, isto deve ser bem mais significativo do que as imagens obscenas embutidas nas
propagandas.
Este livro examina os esforços para fazer os fins justificarem os meios — uma perversão que não desapareceu durante a evolução humana.
Não faz muito tempo, os Estados Unidos pareciam querer exterminar as populações do Vietnã, Camboja e Laos, para salvá-las do comunismo.
O comunismo, é óbvio, é uma idéia, e como a maioria das idéias é interpretado de forma diferente ao redor do mundo. A loucura de sacrificar
milhões de vidas por causa da percepção de uma idéia devia ser algo aparente, mas não é. Os homens são singularmente perigosos porque
sua cegueira perceptiva não lhes permite ver que são perigosos. Há fanáticos nos governos de todo o mundo que querem justificar
assassinatos em massa em nome de suas fantasias ideológicas. Este desejo de trair o espírito humano pela arrogância, ignorância, pelo
conhecimento “absoluto”, pela desumanização e pela irresponsável busca de lucro e poder deveria assustar-nos — mas raramente o faz.
Os homens dificilmente assustam-se; eles esquecem-se muito facilmente. A busca mais enobrecedora do gênero humano através da
história é a busca da verdade. No entanto, cada vez que acredita-se ter descoberto a verdade, tudo resulta em trágicos danos. Os convertidos
à última versão da verdade geralmente terminam como vítimas, junto com os descrentes que haviam vitimizado. A verdade é um produto da
percepção humana.
A herança dos meios comerciais de comunicação de massa dos EUA remonta no mínimo ao filósofo grego Protágoras (485-410 a.C.)
Protágo- ras foi o mais famoso dos sofistas, conhecido pela máxima: “o homem é a medida de todas as coisas”. Tendo deliberado sobre a
relatividade das percepções e dos julgamentos humanos, Protágoras acabou sendo acusado de heresia, seus livros foram queimados e ele
morreu no exílio.
Os primeiros sofistas gregos eram professores de retórica, então considerada, nas palavras de Aristóteles, como “todos os meios de
persuasão disponíveis”. Sofista significava originalmente uma pessoa “esperta” e
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 29
“hábil”. Os sofistas foram acusados por Platão e Aristóteles de não procurar verdades objetivas. A única preocupação dos sofistas, segundo os
seus críticos, era vencer um debate — e alegava-se que para obter esta vitória eles estavam preparados para usar meios desonestos. Pelo
interesse de seus clientes, que pagavam altas taxas, os sofistas supostamente atacavam valores tradicionais da sociedade grega. Este foi o
seu erro fatal. Eles são lembrados hoje quase que somente através de seus críticos, que nos contam que os sofistas preocupavam-se apenas
com o poder e o sucesso, e não com a verdade. Os sofistas buscavam entender a estrutura das sociedades humanas, as relações entre
palavras e coisas, entre observadores e suas observações e entre a realidade e as percepções da realidade. Protágoras era bastante
conhecido por suas preocupações morais e éticas. Os críticos, no entanto, afirmam que as doutrinas dos sofistas eram desonestas e os
acusam de enfraquecer a fibra moral dos gregos. Os sofistas não concebiam nenhuma verdade permanente e duradoura, nenhuma lei
divinamente sancionada e nenhum código de valores eterno e transcendente. O movimento sofista desapareceu da filosofia grega por volta do
século III a.C., mas teve um poderoso efeito na filosofia, ciência e no conhecimento dos séculos seguintes como uma antítese (algo para opor-
se) . Sofisma é, hoje em dia, um termo usado para designar argumentos ou raciocínios falaciosos.
Platão, embora antagonista dos sofistas, aceitava sua visão de que todas as percepções são relativas ao tempo, espaço e à situação do
sujeito que percebe. Aristóteles, ao contrário, buscava comprovar verdades objetivas. A lógica aristotélica serviu às elites dominantes da
sociedade ocidental por mais de dois mil anos. Aristóteles demonstrou, através da lógica verbal e silogística, a existência da verdade. Durante
a Idade Média, os filósofos escolásticos católicos adaptaram a lógica aristotélica para justificar e ratificar a autoridade papal, a hierarquia social,
a escravidão, a lei canônica, a doutrina teológica e, o mais importante, para provar a existência de Deus. A lógica aristotélica tornou-se a base
do raciocínio filosófico, religioso, social, econômico e legal do Ocidente. Protágoras foi esquecido e suas perspectivas sofistas foram ignoradas
ou consideradas falsas e prejudiciais. Se as visões de Protágoras tivessem sido tão úteis às elites que estiveram no poder nestes dois milênios
como foram as idéias de Aristóteles, a civilização teria tomado um caminho bem dife
30 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
rente — talvez um caminho onde houvesse bem menos derramamento de sangue.
Os sofistas foram os primeiros expositores que se tem conhecimento do relativismo perceptivo, cultural e epistemológico. A medida das
coisas, em sua visão, não era Deus ou uma verdade filosófica, científica, abstrata, mas sim os seres humanos com suas necessidades e sua
busca pela felicidade. O relativismo dos sofistas melindrou muitas pessoas por apresentar-se como uma receita para a anarquia moral, uma
negação das verdades duradouras e uma ameaça perceptível às elites então no poder.
A sofistica floresceu no século XX sob outros rótulos, definições e racionalizações sócio-econômicas. Ela tornou-se bem mais sofisticada e
os sofistas aprenderam a não declarar o fato de serem sofistas. Eles aprenderam fingir aceitar, em público, a “realidade objetiva”. Para que a
sofistica fosse aceita num mundo aristotélico, era preciso que ela não fosse percebida como sofistica. Assim, os modernos técnicos de mídia
devem disfarçar sua tecnologia sob um manto de verdades dignas de crédito. A mídia deve atingir as características demográficas e
psicográficas mais desejáveis do público no interesse de seus clientes. O que parece crível para um extrato do público pode parecer ilusório
para outro. Os apelos devem vender produtos, idéias e indivíduos independentemente do real mérito ou natureza do produto.
A indústria de comunicação opera sobre a base sofista de que todas as coisas são relativas, de que as vendas e a credibilidade são os
critérios de eficiência, que a verdade é uma mercadoria adaptável, maleável e, até mesmo, passível de ser sacrificada. A verdade, como
qualquer profissional de mídia sabe, pode ser criada, ignorada, adaptada a qualquer propósito, modificada ou virada pelo avesso. A verdade
ganha credibilidade e torna-se válida aos olhos do espectador e não mediante uma rigorosa estrutura de fatos confirmáveis. Esta perspectiva
relativista não pode, no entanto, ser percebida conscientemente pelo público.
No treinamento dos profissionais de comunicação, tenta-se fazer com que os técnicos coloquem de lado suas convicções pessoais, seu
compromisso com uma causa, perspectiva ou ideal e mesmo que abandonem suas preferências individuais. A “objetividade profissional” é
apresentada como um ideal que elimina, ao menos na imaginação, os preconceitos
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 3 1
humanos. Os técnicos de mídia trabalham para qualquer produto, marca, político ou indivíduo que possam contratá-los.
Os executivos de mídia norte-americanos trabalham num meio de relativismo sofista, medindo constantemente a relação custo/benefício
com as vendas, votos ou mudanças de atitude e opinião. As verdades são manufaturadas para pôr as coisas em ordem; as realidades
percebidas pelo público são manipuladas para parecerem realidades objetivas. No entanto, os profissionais de mídia não podem criar ilusões e
fantasias críveis por acidente. Eles precisam saber o que estão fazendo. E devem também ocultar do público o que estão fazendo ou o fato de
estarem fazendo algo além do que é superficialmente óbvio. O público nunca pode ter acesso aos bastidores. As ilusões são destruídas
facilmente, e as ilusões da mídia valem um bom dinheiro.
Este livro usa uma perspectiva sofista quase clássica para desmascarar a cínica sofistica dos meios de comunicação de massa. Ele não
ocupa- se do óbvio, do mundo percebido conscientemente, em que os homens imaginam viver. O que aparece à consciência como lógico e
razoável tem pouco significado persuasivo. O livro investiga as influências que os homens não percebem conscientemente — o subliminar. O
objetivo é tornar uma maior parte do subliminar conscientemente aparente.
AS ESTRATÉGIAS SUBLIMINARES
Há seis técnicas audiovisuais por meio das quais a informação subliminar pode ser transmitida, sem ser conscientemente percebida, que
aparecem freqüentemente na mídia de publicidade. As categorias invariavelmente sobrepõem-se umas às outras. Qualquer exemplo visual ou
auditivo deve incluir uma coleção destas categorias. Inovações criativas não previstas podem exigir uma revisão da categorização, mas as
categorias básicas são:
1. Inversão de Figura/Fundo (ilusões sincréticas)
2. Embutir (imagens)
3. Duplo Sentido
4. Exposição Taquistoscópica
5. Luz em Baixa Intensidade e Som em Baixo Volume
6. Iluminação e Som de Fundo
INVERSÃO DE FIGURA/FUNDO
As percepções visuais e auditivas podem ser divididas em figura — conteúdo, primeiro plano, objeto — e fundo, o segundo plano que serve de
apoio à figura, o espaço em que a figura ocorre. As áreas periféricas à figura normalmente passam desapercebidas e são consideradas
irrelevantes. Os homens, inconscientemente, sempre distinguem a figura do fundo, separando os dois. A atenção consciente focaliza a figura,
enquanto o fundo fica subordinado e é percebido inconscientemente. Para indivíduos alertas, de percepção sensível, que experimentam todas
as dimensões possíveis do objeto da percepção para obterem novas e significativas informações, afigura e o fundo aparecem num estado de
fluxo contínuo. Num nível baixo de sensibilidade, a figura e o fundo permanecem rigidamente fixos, estáticos, fechados em si mesmos.
A famosa imagem do “cálice ou faces” explica a idéia das gerações nos livros de introdução à psicologia. Outro exemplo bastante conhecido
de ilusões de figura/fundo (ou sincréticas) incluem a mulher velha eajo- vem, o pato ou coelho, vaidade (uma bela mulher olhando-se ao
espelho) ou morte (uma caveira) e os famosos esboços de Rubens — uma série de desenhos onde uma ilusão é percebida de um lado de uma
linha e a outra é percebida do outro lado. Menos de 1 % da população adulta dos EUA tem visão sincrética — a habilidade de perceber ambos
os lados dessas ilusões (figura e fundo) simultaneamente. No entanto, as experiências sugerem que a relação figura/fundo é facilmente
perceptível durante um transe hipnótico. A maioria das pessoas parece ter um potencial latente e inconsciente para a visão sincrética.
Mas os artistasjá sabem há séculos que o fundo é tão importante para a experiência visual e cognitiva quanto a figura. Em várias pinturas
famosas, o fundo geralmente contém as informações mais significativas, os dados necessários para chegar-se ao sentido da obra. Os artistas
da publicidade acabaram aprendendo que a figura poderia ser reduzida à banalidade — uma apresentação da informação segura, que não
causa controvérsia nem desafia. O fundo, por outro lado, poderia conter as proposições realmente excitantes, os dados vitais percebidos
inconscientemente. Um exemplo simples da inversão figura/fundo é o desenho das quatro plantas (figura 1: ver caderno de fotos).
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 33
AS FLORES NO JARDIM
Esta pintura foi criada por um procurador de São Francisco, August Bullock. Ela foi impressa nas camisetas da marca Subliminal Sex, que
foram vendidas nas lojas Macyos da Califórnia e da Geórgia e na loja Bambergeris em Novajersey. As duas flores da esquerda aparecem em
íntima proximidade. A planta da esquerda enroscou gentilmente uma gavinha ao redor da planta a sua direita. Se as plantas fossem pessoas,
elas pareceriam estar envolvidas afetivamente.
Com um pouco de imaginação as duas plantas da esquerda parecem ter gênero sexual — um rapaz e uma moça. As flores têm uma
importância simbólica tão grande quanto a biológica—mas mesmo assim o simbolismo raramente é estudado nos Estados Unidos. Existem
boas razões para que os seres humanos, especialmente as mulheres, gostem de flores — mesmo de pinturas de flores. As flores são os
órgãos reprodutivos das plantas.
Em contraste, a terceira planta com a grande coroa está separada das duas flores amorosas da esquerda — sozinha, alienada, tentando
estabelecer contato com a planta mais a direita, que perdeu a sua flor. Isso descreve a figura do desenho — que trata, óbviamente, daquela
estória de que “o papai plantou a sementinha na mamãe”. Há ainda um pássaro pousado numa folha da planta da esquerda e uma abelha
próxima ao chão, à direita. O fundo, por outro lado, envolve o segundo plano em branco. Procure as áreas em branco para obter mais
informações. Estude cuidadosamente a área entre cada flor antes de ler o que se segue.
Logo acima da grama entre as duas plantas da esquerda, a área em branco se curva para cima e para a direita, formando a letra S. Uma
vez percebido, conscientemente, o S, as outras duas letras costumam aparecer. O E é formado pela área branca entre a segunda e a terceira
planta. E o X aparece entre a terceira e a quarta planta.
Inversões simples de figura/fundo similares a esta são utilizadas regularmente na arte de propaganda. A informação emocional, dramática,
está no fundo, acessível ao nível inconsciente da percepção. A informação contida na figura, sobre o que a imagem trata superficialmente é
banal, não apresenta risco nem ameaça.
A palavra SEX (sexo) é imediatamente percebida pela parte inconsciente do cérebro. A percepção ocorre em micro-segundos. Os as
pectos da percepção que emergem à consciência são processados muito mais lentamente. A percepção consciente, no caso descrito, é
focalizada sobre as flores. A percepção inconsciente lê a palavra guiada pelo mais poderoso sistema da psique humana.
A percepção envolve estímulos conscientes e inconscientes ao cérebro. Os sistemas estão aparentemente interconectados, mas podem
funcionar separadamente. Acredita-se que o inconsciente é o responsável pelas poderosas atitudes básicas e pelos sistemas de crenças. Com
um pouco de ingenuidade — e há ingenuidade de sobra na luta por poder e lucro — a técnica simples de inversão figura/fundo é aplicada para
se- xualizar de tudo na sociedade, de presidentes a esmaltes de unha. Nem 5% dos indivíduos testados conseguiu ler a palavra SEX
escondida.
Outro exemplo de inversão figura/fundo aparece no comercial para a TV da goma de mascar Wrigley’s. Pelo fotograma é fácil perceber que
o rapaz não está com boas intenções (fig. 2). Na cena seguinte (fig. 3), a moça quase derruba a cesta de piquenique. Depois de brincar com a
cesta por um momento, o rapaz ajuda a moça a evitar que a cesta caia. Nesta breve cena, o ponto focal do público concentra-se sobre a cesta
— a figura, a ação primária. Mas, em segundo plano, aparece a informação emocionalmente significante: a mão do rapaz passa por debaixo da
cesta para roçar a genitália feminina. No fotograma final de identificação da marca, Wrygley’s sugere: “Fique numa boa!”. De fato!
INVERSÕES AUDITIVAS DE FIGURA/FUNDO
As relações figura/fundo também aparecem no som. Nos últimos cinco séculos, os compositores desenvolveram técnicas de orquestração que
podem ser descritas como subliminares. Quando uma orquestra executa um acorde, com cada músico tocando um só componente deste
acorde, apenas o conjunto é percebido pelo público. Cada instrumento e as notas que executam no acorde não são diferenciados
conscientemente. No entanto, a variação de uma nota no acorde pode ser detectada.
A composição polifônica tradicional emprega quatro vozes para uma harmonia completa, embora possam ser utilizadas mais ou menos do
que quatro vozes. Neste caso, a relação figura/fundo deve compor-se
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 35
de quatro níveis, e apenas um destes níveis pode ser percebido conscientemente em qualquer momento como a figura. Quem não é músico
geralmente percebe apenas uma voz, melodia ou harmonia melódica. Os músicos em geral podem ouvir conscientemente duas vozes. Alguns
indivíduos podem perceber três. Muito poucos percebem todas as quatro vozes. A complexidade de perceber conscientemente todas as vozes,
muitas vezes com andamentos contrários, é tremenda.
Numa orquestração, no entanto, todas as vozes podem ser lidas na partitura, vertical e horizontalmente. Na vertical, as notas, uma sobre a
outra, são percebidas simultâneamente, em um único intervalo de tempo. Horizontalmente pode perceber-se, no decorrer da partitura, como
cada voz segue uma direção melódica diferente. Mas o ouvido humano agrega as vozes num contínuo unificado de tempo. Inconscientemente,
a mente parece perceber cada voz independentemente, e é capaz de discernir uma da outra. Conscientemente, a continuidade das quatro
vozes é percebida coletivamente.
PERCEPÇÕES DE GÊNIOS
O jovem Mozart ouviu certa vez uma composição polifônica executada pelo coral da Capela Sistina do Vaticano. A complexa partitura era um
segredo guardado pela Igreja por várias décadas. Depois de ouví-la uma só vez, Mozart transcreveu a composição de memória. Ele era capaz
de perceber cada uma das quatro vozes separada e coletivamente, vertical e horizontalmente.
A Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven pode ser considerada a mais magnífica composição da música ocidental, e Beethoven a
compôs depois de ter ficado completamente surdo. Ele nunca ouviu sua obra sendo executada. Sinestesia, algo que a maioria dos indivíduos
executa inconscientemente, acontece quando determinada percepção realizada por um dos sentidos estimula outro sentido. Neste caso, o
sentido auditivo de Beethoven foi estimulado pela percepção visual da partitura. De fato, ele viu como soaria a obra. Muitos indivíduos podem
demonstrar sinestesia durante um transe hipnótico, mas Beethoven o fez conscientemente.
A sensibilidade percepdva é encontrada com mais freqüência em indivíduos criativos, em músicos, poetas, pintores, escultores ou
escritores. Ao que parece, a sensibilidade perceptiva só pode ser ensinada até um certo ponto. Mas tal ensinamento de uma percepção
libetadora é fre- qüentemente considerado subversivo ou contracultural. A flexibilidade perceptiva usualmente fornece uma ampla gama de
opções.
A maioria dos sistemas educacionais ensina as pessoas a concentrarem o foco de consciência em apenas um nível da experiência
perceptiva — uma perspectiva unidimensional. Isto deve-se aos poderosos motivos ideológicos, econômicos, políticos e mesmo religiosos que
estão envolvidos. A partir do momento que as pessoas ultrapassam a percepção simplista e unidimensional, elas tornam-se difíceis de ser
controladas e encaixadas em normas grupais pré-concebidas.
O psicanalista inglês Anton Ehrenzweig tem uma teoria de que a percepção flexível e multidimensional, que aparece com freqüência em
crianças com menos de oito anos, pode ser mantida pela vida toda através de uma introdução precoce âs formas de arte abstrata e não linear
na pintura, música, escultura e literatura. Ele acredita ser possível estender a deliciosa flexibilidade perceptiva das crianças antes de serem
socializadas até a entrada na maturidade e talvez pela vida toda.
Mas a flexibilidade perceptiva apresenta enormes problemas de conflitos em grupos hegemônicos nas culturas conformistas da era
tecnológica, como as dos Estados Unidos, do Japão, da maior parte da Europa e da União Soviética. Os jovens são dirigidos comercialmente
para adotarem valores, comportamentos e identificarem-se com determinados grupos sob a aparência de preferências individuais. Muito deste
condicionamento de consumidores é construído através das artes e cultura de massas, que derivam da publicidade e dos anúncios. Rádio,
televisão, jornais, revistas, música popular, roupas, acessórios e as infinitas formas de lazer — tudo isto é percebido pelo público no nível mais
simplista possível. Eles parecem honestos, francos, diretos: “O que você vê é o que você terá”. Nada no mundo é assim tão simples.
A percepção monolítica é, obviamente, uma ilusão criada para os consumidores. A realidade, conhecida, estudada e manipulada pelo
sistema mercadológico, é perceptivamente complexa. Modos simplistas de ver e de adquirir são formas perceptivas feitas sob encomenda para
crian
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 37
ças superprotegidas, educadas para não crescerem, altamente vulneráveis à manipulação, que acabam se transformando em adultos vítimas
numa sociedade dominada pela mídia.
As vítimas podem ser observadas cantando e berrando histericamente nos concertos de rock e, quando mais velhas, nos encontros de
renovação religiosa. Elas absorvem sem pensar os anúncios na televisão, jornais e revistas. Compram sem parar as novidades nas lojas e
supermercados. Defendem orgulhosamente o consumo de comida enlatada, tabaco, álcool, drogas e outros aditivos oferecidos pela mídia.
Elas recebem com freqüência o rótulo de “massa”, dado pela mídia. Sua realidade é a dos perdedores, dos manipulados, dos persuadidos, dos
alvos de piadas, dos apossados.
O MÉTODO DE EMBUTIR IMAGENS
A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazenda dos EUA (que supostamente regula a publicidade destes setores),
incluiu em sua publicação Novas Leis e Regulamentações, de 6 de agosto de 1984 (veja Apêndice), uma definição de enxertos subliminares.
“Uma das formas dominantes das técnicas subliminares foi descrita como a inserção de palavras ou partes do corpo (enxertos) pelo uso de luz
e sombra ou pela substituição de formas ou contornos geralmente associados com o corpo humano... O consumidor não percebe estas
inserções em um nível normal de consciência, portanto não lhe é dada a opção de aceitar ou rejeitar a mensagem, como ocorre com a
propaganda normal. A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo sustenta que este tipo de propaganda é falsa e enganosa, sendo proibida
pela lei”. As leis aplicam-se apenas aos anúncios de bebidas alcóolicas, incluindo as cervejas.
A Comissão Federal de Comunicações já havia declarado que as técnicas subliminares eram “contrárias ao interesse público, porque têm a
clara intenção de serem enganosas”. A Comissão Federal de Comércio também proibiu o uso de técnicas subliminares (veja Key, The
Clam-Plate Or-gy, pp. 132-149), como o fez voluntariamente o código de ética das indústrias de propaganda e rádio e tele-difusão. Por todo
tempo, dinheiro e esforço que foram gastos pelos órgãos reguladores no controle da persuasão subliminar, podería parecer que a nação está
livre de tão nefasta manipulação. No entanto, as leis que proibem conteúdo oculto na mídia têm sido ignoradas. Nenhuma das leis foi alguma
vez aplicada.
Os enxertos aparecem, a princípio, como se um artista tivesse escondido engenhosamente imagens obscenas ou consideradas tabus
dentro de um quadro. A percepção humana pode ser considerada como total (tudo o que é sentido é transmitido para o cérebro) e instantânea
(a velocidade do fluxo de eléctrons pelos neurônios). Numa percepção visual, apenas 1/1000 do total da percepção registrada pela mente
emerge para a consciência. O restante permanece adormecido na memória. Os enxertos realçam a experiência perceptiva de uma imagem,
intensificando reações como os batimentos cardíacos, operações cerebrais e reações galvâ- nicas da epiderme. A informação emocional
reprimida permanece na memória por um longo período, senão pela vida toda. Nas imagens en- xertadas, nada está realmente oculto — pelo
menos, não para o artista. Uma vez que os espectadores adquirem flexibilidade perceptiva, os enxertos tornam-se imediatamente acessíveis
para a consciência. A única coisa escondida na mídia enxertada é aquilo que o público esconde de si mesmo. A repressão parece ser um
processo compulsivo, provavelmente desencadeado para a pessoa se proteger de informações perturbadoras que provocariam ansiedade.
A ESMERALDA ERETA
O anúncio da esmeralda do gim Tanqueray (fig. 5) apareceu em inúmeros periódicos de circulação nacional, incluindo a revista Time.
Estima-se que a Somerset Importers de Nova Iorque gastou entre três e quatro milhões de dólares para publicar o anúncio. Como na maioria
dos anúncios, o layout foi criado para ser lido em frações de segundos. Não se espera que os anúncios sejam estudados pelos leitores. O texto
raramente é lido. O texto do anúncio do Tanqueray é similar àqueles publicados em jornais médicos. Impresso em tipo pequeno, ele é cheio de
palavras, difícil de ler e compreender. Os criadores df oublicidade sabem que poucos leitores vão realmente ler o texto — neste caso, muito
poucos mesmo,
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... < 39
porque para isto seria necessário um enorme investimento de tempo, concentração e fadiga ocular.
O texto, uma complexa explicação do concurso do Tanqueray, foi criado como um artifício para dar credibilidade ao anúncio. O texto não
lido fornece a razão de ser, a desculpa lógica para o caro anúncio de página inteira impresso em quatro cores. O prêmio, uma esmeralda no
valor de 25 mil dólares, faz com que tudo pareça lógico. A lógica esconde da consciência o que realmente está acontecendo.
O gim sendo despejado, a esmeralda e o copo são, obviamente, pintados, e não uma fotografia dos objetos reais. Os artistas devem
oferecer hipóteses viáveis para o público. Ele deve acreditar que o gim jorra sobre a esmeralda e é derramado no copo, do contrário a pintura
não faria sentido, e o nonsense seria rejeitado pelo público.
Mas vamos suspender a lei da gravidade; ela não se aplica a ilusões pintadas. Uma vez que você determina o que o artista quer que você
perceba, pode-se reverter ou inverter as expectativas do artista. No lugar do gim sendo despejado do alto, imagine o jato do líquido fluindo para
cima, até logo abaixo da letra p (uma letra significativa) da palavra pour.
Um formidável e ereto órgão genital masculino foi enxertado no jato de gim (fig. 31). E óbvio que os anúncios de bebidas alcóolicas nunca
informam os crédulos consumidores de que as pessoas que tomarem gim demais podem se tornar incapazes de tal ereção. Deixando as
fantasias publicitárias de lado, o álcool é provavelmente o mais poderoso inimigo do sexo que os homens já inventaram. Bebidas alcóolicas são
consumidas em larga escala para evitar a intimidade sexual. As fantasias alcóolicas escondem realidades absurdas, patéticas e principalmente
destrutivas.
Além do pênis ereto, uma das faces distorcidas que são freqüente- mente enxertadas nos anúncios de bebidas alcóolicas pode ser
percebida no triângulo da esmeralda, logo abaixo do jato de gim (fig. 30). A face, presume-se, retrata o estado emocional de outro satisfeito
consumidor de Tanqueray. Abaixo do triângulo surge uma cabeça de leão, o rei dos animais que por séculos tem simbolizado o poder e a
resistência sexual. Este anúncio foi criado para pessoas convencidas de que pensam por si mesmas, mas que não podem distinguir entre
fantasia e realidade.
Se alguém ainda acredita que existem coisas que a mídia publicitária não faria para estimular o consumo de álcool — uma droga perigosa
e viciante, responsável por inúmeras doenças e mortes — o anúncio de Tanqueray demonstra o que há de pior entre os mesquinhos artifícios
da publicidade.
BETTY CROCKER É SUPER ÚMIDO
As misturas para bolo Super Moist são produtos da marca Bety Crocker, pertencente à General Mills Corporation de Minneapolis. O
“MMMMMMMMMMoister” anunciado em página dupla (fig. 6) foi publicado em periódicos de circulação nacional, incluindo o Reader’sDigest, o
TV Guide e várias outras revistas femininas. Este anúncio em quatro cores envolveu um investimento de pelo menos cinco milhões de dólares
em espaço publicitário. O tempo de leitura deve ser de um ou dois segundos. Nos testes, apenas um em oito leitores parou para refletir sobre o
texto. As pessoas que lêem os anúncios são como dinheiro na conta dos anunciantes, mas elas não são realmente necessárias. Estes poucos
leitores pòdem refletir conscientemente sobre o subtítulo: “Já existiam bolos em camadas úmidas antes. Mas agora há o Super Moist! ” O texto
adverte, bem concretamente como será verificado, que o preparado “tem um pudim especial na mistura para torná-la incrivelmente úmida”.
Incrivelmente? Sim! Mas isto vem depois.
Há algo de dissonante no pedaço de bolo que está no garfo. Algo de ilógico e dissonante aparece em vários anúncios. Isto parece agir
como uma estratégia preparatória para o conteúdo subliminar, preparando o sistema de percepção inconsciente p .ra uma mensagem mais
profunda — bastante invisível para a percepção consciente. Observe a fatia de bolo. Ou a fatia é do tamanho de um selo postal ou o garfo é do
tamanho de um ancinho.
O anúncio da Betty Crocker é uma pintura que provavelmente representa um investimento de mais de 30 mil dólares na produção de arte.
Lógicamente, o artista deveria ter feito o garfo e o bolo numa proporção razoável. A dissonância foi intencional. Qualquer outra conclusão su-
geriria total incompetência dos executivos que investiram todo este dinheiro num anúncio defeituoso.
A esta altura, o leitor deve ter se concentrado penosamente no anúncio da mistura para bolo, tentando descobrir o que está escondido
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 4 1
na pintura. A maioria não vai descobrir nada de excitante, apenas o óbvio. Não fique tenso! Relaxe! Deixe seus olhos brincarem sobre afigura.
Lembre-se, nada foi realmente escondido pelo artista. São os leitores que escondem (reprimem) a informação tabu de si próprios. Em algum
nível do conhecimento, você já sabe o que se encontra reprimido perceptiva- mente no anúncio.
Bastante habilidade esteve envolvida na pintura do bolo, mas a expectativa do artista era de que nenhum dos dez milhões de consumidores
que viram o anúncio lidassem conscientemente com a realidade. Esta é mais uma arte de dissimulação, em que os observadores
previsivelmente escondem coisas da percepção consciente, do que uma arte de exposição. Os conteúdos do ângulo são banais — há muito
pouco desafio intelectual a nível consciente. Pelo que permanece na superfície da percepção é impossível justificar os milhões de dólares
investidos no anúncio.
Observe despreocupadamente, sem tensão, o que foi esculpido na cobertura do bolo (fig. 32). Qualquer livro padrão de anatomia
confirmará que a forma açucaradamente pintada na cobertura é um gerital feminino tumescente. “Super Moist”, no estado de excitação
retratado, constitui um evento fisiológico normal.
Curiosamente, os órgãos genitais masculinos que aparecem nos anúncios são geralmente dirigidos ao público masculino. Os genitais
femininos são dirigidos às mulheres. Pela lógica convencional, deveria ocorrer justamente o contrário. Mas os enxertos de órgãos genitais
parecem dar melhor resultado quando despertam, inconscientemente, poderosas associações tabus. O modus operandi é a apelação para o
homosse- xualismo latente, a culpa e o medo de violar um tabu. A cobertura de chocolate do bolo faz o velho estereótipo étnico de Tiajemima
parecer uma tempestade num copo d'água. A promessa de Betty Crocker é realmente a cobertura do bolo.
DUPLO SENTIDO
O duplo sentido é freqüentemente usado na fina arte da persuasão. “O Scotch mais cuidadosamente despejado no mundo”, do anúncio de Chi-
vas Regai (fig. 7) é um exemplo típico. Mãos masculinas despejam cari
novamente o Chivas num copo — uma imagem que dificilmente excitará a percepção crítica dos leitores bem-educados e influentes. O anúncio
é uma montagem complexa, cara, trabalhosa e demorada de fazer. O copo, os cubos de gelo, a garrafa, o uísque sendo despejado e as mãos
foram pintados separadamente e depois reunidos. Note a discrepância do tamanho das mãos com o da garrafa. Pense um pouco sobre o ato
de despejar uísque de uma garrafa. Você alguma vez já viu alguém servir a bebida com as mãos nesta posição?
A única coisa que segura-se nesta posição é o pênis no ato de urinar. De fato, é o scotch mais carinhosamente despejado. Este anúncio do
Chivas foi publicado em revistas como a Playboy, Time, U.S. News & World Re- port, Newsweek, etc — um investimento milionário no
marketing de bebidas alcoólicas.
Um outro exemplo de duplo sentido, onde a ambigüidade entrela- ça-se com outra, é o folheto em branco e preto que a Associação
Americana de Agências de Publicidade, publicou na primavera de 1986 (fig. 8). Há muito tempo que a AAAA, um lobby nacional de agências de
publicidade, preocupa-se com a crescente conscientização do público sobre a propaganda subliminar, e este anúncio foi criado para esvaziar
esta discussão. O folheto também implicava um apoio à propaganda de bebidas alcoólicas, que na época estava sendo atacada pelos
legisladores federais e estaduais norte-americanos, pela American Medicai Association, pelo National Institute of Alcohol Abuse and Addiction,
pelos National Insti- tutes of Health e por numerosos outros grupos. O texto do anúncio da AAAA alegava que “desde 1957 as pessoas tentam
encontrar seios nos cubos de gelo”. O texto continua: “Se você realmente procurar, provavelmente vai ver os seios. No que diz respeito ao
assunto, você podería ver também Millard Fillmore, um lombo de porco assado e um Dodge 1946. A chamada propaganda subliminar”, conclui
o anúncio, “simplesmente não existe. Mas imaginações superativas com certeza existem. Se alguém afirma ver os seios, é porque eles estão
nos olhos do observador.” O subtítulo é particularmente interessante: “PROPAGANDA; OUTRO NOME PARA LIBERDADE DE ESCOLHA.”
A American Adversiment Agencies Association (AAAA) mandou milhares destes folhetos para as universidades norte-americanas, numa
tentativa de acabar com a inquietação sobre a propaganda subliminar. A per
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 43
cepção subliminar é comprovada por mais de quinhentos ensaios científicos já publicados (verDixon, SubliminalPerception). Os pesquisadores
confirmaram os efeitos de estímulos subliminares sobre dez áreas mensuráveis do comportamento humano. Uma destas áreas é a atitude de
comprar ou adquirir, um assunto bastante estudado pela indústria de publicidade.
Como foi prometido pela AAAA, as cuidadosas análises não conseguiram encontrar os seios femininos, Millard Fillmore, o lombo de porco e
o Dodge 1946 retratados na cara pintura. Não obstante, foram encontrados uma coleção de faces grotescas, animais, um tubarão e outras
imagens bizarras, algumas delas anamórficas (figs. 33-37), além de um pênis ereto (fig. 38). O coquetel pintado foi enxertado de imagens à
exaustão — poderia facilmente ser enquadrado nas novas normas da Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo do Ministério da Fazenda
dos EUA (ver Apêndice), que proíbem imagens subliminares nas propagandas de bebidas alcoólicas. A pintura original foi aparentemente
revertida de cor para preto-e-branco, e alguns dos detalhes mais sutis foram obscurecidos. Mesmo assim, a lógica é um clássico da Madison
Avenue. Confie em nós, não iríamos mentir para você!, mesmo que isso seja precisamente o que eles fazem para ganhar a vida.
Uma simples fotografia de cubos de gelo, incluindo a cereja, poderia ser feita por algumas centenas de dólares. Uma pintura sofisticada
como a do anúncio da AAAA é muito cara, e o consumidor absorve os custos — de várias formas. Os publicitários não teriam como justificar o
investimento inicial se as técnicas subliminares utilizadas não aumentassem as vendas, aumentando o consumo do produto. E o aumento do
consumo de álcool está diretamente relacionado com o aumento de patologias ligadas ao álcool, de acordo com as correlações descobertas
pela Organização Mundial de Saúde em pesquisas realizadas em doze países.
O duplo sentido sonoro também está bastante difundido. Como nos exemplos visuais, o uso do duplo sentido parece enriquecer o
significado de virtualmente qualquer estímulo simbólico. Foi divulgado que Thriller, a fantasia musical de Michaeljackson, vendeu 22 milhões de
cópias. O álbum gerou outros milhões de vídeos, que promoviam o disco.
O cenário de “Beatlt!”é desconcertantemente simples. Um grupo de rapazes (as mulheres estão totalmente ausentes) entra numa ampla
sala. Eles estão agressivos, tensos, nervosos, procurando briga. Dois
deles começam uma luta de canivetes, e seu combate é grosseiramente coreografado como um balé. Michael Jackson corajosamente
intercede. Finalmente, eles largam os canivetes e então todos participam de uma série precisa de passos de dança, com Michael Jackson
liderando o coro. A estrofe “Beat It”é repetida incessantemente. Só aparece uma outra estrofe reconhecível na música, “No one ivants to beat
it!”As vozes são altas, histéricas, gritadas, lideradas pela voz efeminada de Michael Jackson.
Perguntou-se a cerca de trezentos estudantes universitários quantas vezes haviam escutado “Beat It! ” Dos 97% que haviam escutado a
música, 28% tinham ouvido de uma a 25 vezes; 21% de 26 a 50 vezes; 26%, de 51 a 100 vezes; e 25%, mais de 100 vezes. Os 51% dos
estudantes que ouviram “Beat It! ” mais de 50 vezes foram considerados aficionados e fizeram parte do restante da pesquisa. Se havia algo
significativo sobre “Beatlt!”, eles pareciam os mais aptos a saber. Em questionários anônimos, metade dos aficionados confessou não ter idéia
do significado do título “Beat It!” O restante tentou racionalizar o título como “a batida, ou ritmo da música,” “bater ou brigar com alguém”,
“sair-se bem em algo”, “acusando algo ou alguém (criticando) ”, ou “derrube o sistema.”
SEGREDOS MAL-DISFARÇADOS
Há cinqüenta anos, “beat it” tem sido um eufemismo para a masturba- ção masculina. Nenhum dos aficionados entrevistados (cerca de 1 /3 de
mulheres e 2/3 de homens), mencionou as implicações sexuais de “Beatlt!” A pesquisa foi feita inúmeras outras vezes, com resultados
similares. Os estudantes reprimiram ou esconderam da percepção consciente a realidade de “Beat It!”. O megahit de Michael Jackson retrata
um grupo de rapazes numa sessão homossexual de masturbação. O grupo estava masturbando-se, aliviando as tensões: quando a
coreografia é vista em câmara lenta, cada vez que os bailarinos cruzam a mão direita na frente da área genital, o movimento de masturbar-se é
realizado em perfeito acofde.
Quando alguém não percebe conscientemente algo que espera-se que seja razoavelmente percebido, o fato é geralmente significativo. Os
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 45
jovens tendem a ser reticentes sobre a masturbação. No entanto, o segredo cuidadosamente guardado é conhecido por todos.
O escritor, o diretor, o coreógrafo, o compositor, os fotógrafos, músicos e bailarinos de “Beat It!” tinham que saber conscientemente o que
estavam fazendo, nesta caríssima produção. Eles também tinham de prever (acuradamente) que o público não faria uma relação consciente
com a masturbação grupai, que a realidade seria reprimida. Uma informação tabu de tal natureza, percebida inconscientemente, garante uma
resposta emocional profunda e significativa, além de uma memória duradoura. Durante a pesquisa, uma vez que o aspecto de masturbação
homossexual em grupo tornou-se consciente, os estudantes pareceram quase que unanimemente afastados do disco. Muitos comentaram
sentir náuseas quando pensavam nisto.
PROJEÇÃO TAQUISTOSCÓPICA
Patenteado em 1962 pelo dr. Hal Becker, um professor da Tulane Univer- sity Medicai School, o taquistoscópio de alta velocidade é um projetor
de flashes usado em uma tela de cinema ou mesa de luz para projetar imagens e palavras em alta velocidade. Várias pesquisas demonstraram
que a projeção por 1 segundo/3000 é a que produz mais efeito no público. Embora um pequeno número de pessoas possa perceber
conscientemente os flashes taquistoscópicos nessa velocidade, a maioria só consegue vê-los subliminarmente.
A projeção taquistoscópica raramente é usada comercialmente. Os flashes de alta velocidade não podem ser editados em filme ou vídeo.
Este tipo de projeção foi útil nas primeiras experiências com estímulos subliminares (ver Key, Subliminal Seduction, pp. 22-23), e ainda são
ocasionalmente usados em experiências psiquiátricas (ver Key, The Clam-Plate Orgy, pp. 101-102), e para testes de modelos de anúncio. O
reconhecimento visual varia de velocidade de acordo com o conteúdo visto. O reconhecimento consciente parece ser mais lento em alguns
casos. Palavras de conteúdo emocional, por exemplo, seriam mais difíceis de tornar-se conscientes do que palavras neutras (ver Dixon,
Subliminal Percep- tion, pp. 167-169). Os criadores de publicidade usam muitas vezes proje
ções taquistoscópicas para determinar até onde podem ir com temas tabus subliminares.
Projeções taquistoscópicas mais lentas foram bastante usadas por vários anos. Elas funcionam de maneira bastante semelhante ao
obturador de uma câmera — com velocidades de 1/10 a 1/150 de segundo, e flashes projetados mais lentamente, que são aparentes à
consciência. Durante a Segunda Guerra Mundial, as projeções taquistoscópicas foram usadas em treinamentos militares para a identificação
de aviões, barcos, tanques e armas. Este artifício também é bastante usado em cursos de línguas estrangeiras, para promover o aumento do
vocabulário do aluno.
Cortes taquistoscópicos mais lentos podem ser utilizados em filme ou vídeo, e são amplamente utilizados nas produções de comerciais e
filmes para TV. São realizados cortes rápidos, também chamados de metaconstraste ou “máscara de fundo” (backwarcl masking). Os cortes
rápidos são visíveis conscientemente, mas são mascarados pelo corte rápido seguinte ou pela continuidade do fdme, programada para desviar
a atenção. Os cortes mascarados são subliminares porque não podem ser recordados, mas suas informações têm um efeito retardado sobre a
percepção do público, não muito diferente da sugestão pós-hipnótica.
Visualmente, por exemplo, o metacontraste pode ser usado para intensificar as reações de tensão, medo, pressentimnento ou mesmo de
humor e riso. O corte rápido, seguido por uma distração, gera uma predisposição emocional ou um sentimento sem que o público saiba
exatamente por quê está sentindo aquela determinada emoção. O metacontraste é utilizado com freqüência em filmes para cinema e TV e nos
comerciais. Observe particularmente os comerciais de produtos farmacêuticos e bebidas não-alcoólicas. Os vídeo-clipes transformaram a
utilização do metacontraste numa forma de arte.
As tomadas mostrando reações dos atores à fala ou à ação de outros personagens oferecem um leque de possibilidades para
manipulaçcão do público. Estas cenas de reações raramente são rememoradas, mesmo tendo sido percebidas conscientemente. O público
identifica-se inconscientemente com as cenas de reação de modo muito mais forte do que com as falas ou ações principais.
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 4 7
LUZ DE BAIXA INTENSIDADE E SOM DE BAIXO VOLUME
Mais eficaz do que as projeções taquistoscópicas é a luz de baixa intensidade e sua contrapartida auditiva, o som de baixo volume. Vários
anos atrás, um executivo da área de pesquisas da Coca-Cola explicou como criar um artifício de indução subliminar que fosse muito mais
eficaz, barato e mais difícil de ser detectado do que a projeção taquistoscópica (ver Key, Subliminal SecLuction, p. 23). Ele ligou um reostato na
luz de um projetor de slides. Quando o slide era projetado sobre um filme, a luz era reduzida a um nível imediatamente abaixo do nível em que
a imagem podia ser conscientemente percebida. Também foram feitas várias experiências em níveis de projeção subliminar com a intensidade
de uma vela acima da luz ambiente (ver Key, The Clam-Plate Orgy, pp. 100-102). Estas experiências são primitivas em comparação com o que
foi desenvolvido mais tarde.
Poucas fotografias são publicadas sem serem retocadas. Relaxe e focalize sua visão sobre uma determinada área de uma face, sobre
irregularidades no tom de uma pele ou sobre o segundo plano de uma fotografia. Depois de observar relaxadamente por uns dez segundos,
permitindo que os olhos vagueiem livremente sobre a imagem, uma das três letras, S, E, ou X aparecerá. Quando uma destas letras aparecer,
procure na se- qüência pelas outras duas.
Com um pouco de treino para a investigação perceptiva relaxada, qualquer pessoa pode perceber conscientemente dúzias de palavras
SEX enxertadas nas ilustrações. Estes são enxertos com luz de baixa intensidade, a mesma técnica usada em filmes ou vídeos. Os estímulos
subliminares podem ser enxertados em ilustrações através de várias técnicas — estampas, retoques com aerógrafos ou emulsões para filme
adulteradas. As palavras SEX podem ser enxertadas individualmente ou num mosaico feito com faixas reticuladas em uma ou mais das
separações de cores do líquido para revelação do filme ou do fotolito.
Muitas combinações de letras transmitem a idéia de SEX. Freqüen- temente, a palavra SEX pode estar presente sem incluir as três letras.
Abreviações como SE, ZX, XE, EX, ou nomes como NEXSON ou EXXON são utilizados. O SEX subliminar, no entanto, não tem nada a ver
com o estereótipo da garota de biquini. Os anunciantes sexualizaram vir
tualmente tudo aquilo que anunciam com palavras SEX subliminares. No anúncio “MMMMMM Moister”, da mistura para bolo Betty Crocker (fig.
6), várias palavras SEX foram pintadas levemente na textura do bolo, e vários SEX aparecem no fundo pintado no anúncio do uísque Crown
Royal da Seagram (fig. 15).
Por terem seus sistemas perceptivos sob constante bombardeio, as pessoas têm dificuldade em adquirir um modo de percepção relaxado.
As experiências podem ser frustrantes, o que torna as coisas ainda mais difíceis. A percepção humana torna-se mais inibida quando a tensão
psicológica aumenta. E a tensão cresce quando as pessoas tornam-se mais suscetíveis à persuasão subliminar. Os limites da consciência —
uma linha imaginária que divide a percepção consciente da inconsciente — são menores quando há tensão e ansiedade; quando a tensão
diminui e o indivíduo torna-se mais relaxado, estes limites são ampliados e as informações tornam-se mais acessíveis à consciência.
SE UM OLHAR MATASSE
Um exemplo impressionante de enxertos subliminares é a capa da revista Time de 21 de abril de 1986, com o título de “Target Gaddafi” (fig. 9).
Assinada por um artista chamado Hirsch, a pintura em acrílico retrata um Muammar Gaddafi de feições ríspidas, descrito na matéria de capa
como um “obcecado por uma cruel visão messiânica”. Uma grande parte da matéria de capa foi pesquisada e escrita em antecipação ao
ataque norte-americano à Líbia, mas o exemplar chegou às bancas uma semana após os ataques aéreos a Trípoli e Benghazi, ocorridos no dia
14 de abril.
A capa de uma revista é uma propaganda da própria. Ela tem uma função: vender. As capas da Time, assim como as de outras revistas,
são en- xertadas com informação subliminar, que podem ser facilmente percebidas por qualquer um que esteja familiarizado com estas
técnicas. No entanto, com muita freqüência a preocupação mercadológica ultrapassa os limites da discrição.
Logo acima do olho esquerdo de Gaddafi (fig. 39), surge um óbvio e bem definido X. Partindo da sombrancelha direita, próximo ao nariz, um
S estende-se até a testa, chegando quase a linha dos cabelos. O S é in
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... « 49
terrompido pela letra I de Gaddafi, pintada de branco e realçada na impressão. A letra E é obscura à princípio, mas pode ser percebida depois
de alguns segundos de observação relaxada. O traço horizontal inferior do E mescla-se com a sombrancelha esquerda. Somando-se a esta
SEX descrito, numerosas palavras SEX em letras menores estão enxertadas por toda a ilustração.
O SEX(o) DE QUEM É MAIOR?
A capa da Time com o retrato do Aiatolá Khomeini, na edição de 26 de novembro de 1979, durante a crise dos reféns iranianos, recebeu
enxertos similares. Um grande SEX foi levemente aerografado na testa do líder iraniano. A capa incluia a inserção de uma pequena fotografia
do então presidente Jimmy Carter. Várias palavras SEX, em letras pequenas, foram enxertadas no rosto de Carter. A pintura em acrílico
retratou Khomeini como uma figura sombria, poderosa e ameaçadora. Em comparação, a expressão de Carter é austera, os lábios estão
cerrados e ele parece na defensiva. A luz forte da foto faz Carter parecer pálido, até mesmo doente. E fácil prever que a Time com Khomeini
vendeu bem, especialmente para aqueles leitores convencidos de que Carter estava agindo de maneira errada e passiva. O SEX do aiatolá
Khomeini era muito maior, muito mais formidável do que os pequenos e tímidos SEX do presidente.
A capa com Gaddafi foi além da simplista comparação subliminar do SEX de um líder contra o de outro. A palavra KILL em grandes letras
maiúsculas foi enxertada na maçã do rosto direito de Gaddafi. Quando é percebida conscientemente, a palavra de quatro letras salta à vista.
Os enxertos subliminares geram efeitos extremamente sutis e poderosos. O psicólogo inglês Norman Dixon comentou que “pode ser
impossível resistir a instruções que não foram percebidas conscientemente”. Vários estudantes que não haviam lido a edição com a capa do
Gad- dafi foram hipnotizados pelo dr. Dixon. A capa da revista foi mostrada a cada um, com o pedido de que os detalhes do retrato fossem
examinados cuidadosamente. Sob hipnose, os indivíduos adquirem uma grande sensibilidade perceptiva. Durante o transe, foi-lhes ordenado
que abrissem os olhos e estudassem novamente a capa. Após acordarem, os estu
5 0 » A ERA DA MANIPULAÇÃO
dantes foram inqueridos: “O que Gaddafi está pensando?” Eles responderam sem hesitação, “Kill!” Uma das estudantes disse primeiro “Reven-
gé!” (vingança); sua segunda opção foi “Kill!” Ela relatou que “Kill” havia sido sua primeira opção, mas ela foi rejeitada por parecer-lhe muito
dramática e artificial.
Em outubro de 1986, seis meses após o ataque de abril à Libia, o jornalista Bob Woodward, do Washington Post, obteve uma cópia do
memorando de sete páginas expedido pelo Serviço de Informação do Departamento de Estado dos EUA (U.S. Department of Stat’s Office of
Intelligen- ce and Research). O documento confidencial sugeria que “uma seqüên- cia de eventos reais e ilusórios poderia criar uma pressão
suficiente para que Gaddafi acreditasse que seus aliados eram desleais, que havia uma forte oposição interna a ele e que as forças
norte-americanas estavam prestes a iniciar outro ataque a Libia.” (ver Woodward, Veil, pp. 471-477). O plano era provocar Gaddafi a realizar
ações que pudessem causar seu assassinato.
A campanha de desinformação contra Gaddafi foi apoiada pelo diretor da CIA, WilliamJ. Casey, pelo diretor de inteligência do NSC e
veterano da CIA, Vincent M. Cannistraro, pelo diretor da Secretaria de Negócios Políticos-Militares do NSC, Howard R. Teicher e pelo assessor
de Segurança Nacional da Casa Branca, John M. Poindexter, que posteriormente foi demitido pelo presidente Reagan por mentiras e
má-conduta no caso Irã-Contras. Representantes das cúpulas da CIA, do Departamento de Estado e da Casa Branca endossaram o plano às
4h30 da tarde do dia 7 de agosto, numa reunião na Sitvadon Room da Casa Branca.
O Secretário de Estado George P. Shultz a princípio admitiu e mais tarde negou que havia aprovado que informações enganosas fossem
plantadas para confundir Gaddafi e o público norte-americano. Outros funcionários da administração Reagan declararam que o objetivo da
campanha de contra-informação foi enganar os jornalistas estrangeiros, e não os americanos. Não obstante, por dois meses a imprensa
norte-americana divulgou inúmeras reportagens falsas, onde fontes anônimas do governo afirmavam que a Líbia e os EUA estavam
novamente em “rota de colisão”, onde a instabilidade do regime de Gaddafi era analisada em detalhes e anunciado que os EUA planejavam
uma ação conjunta com a França para expulsar as forças líbias do Chade. Quando o memorando
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... * 5 1
do Departamento de Estado foi divulgado, no início de outubro, o presidente Reagan negou enfaticamente que tal plano tenha sido aprovado.
“Não estamos mentindo”, ele disse, “ou fazendo alguma destas coisas de contra-informação de que nos acusam.” A honestidade não-afetada
do presidente e seus olhos-nos-olhos com o público reiteravam: “Acredite em mim, eu não mentiria para você! ”
A questão, se a capa da Time de abril surgiu de um simples desejo de aumentar a circulação e o retorno da publicidade ou da cooperação
com o governo, é irrelevante. O efeito da capa foi o de aumentar o apoio emocional dos leitores da Time (cerca de 25 milhões) em relação ao
ataque a Líbia. Reagan prometeu divulgar as justificativas factuais específicas para esta ação militar, mas nunca o fêz. Como justificativa ao
ataque, um porta-voz da administração norte-americana apontou Gaddafi como o instigador do ataque com bombas a uma discoteca de Berlim
Ocidental, ocorrido no dia 5 de abril, no qual um funcionário do governo americano foi morto e vários outros ficaram feridos. Meses mais tarde,
o ataque à discoteca foi creditado a um grupo terrorista sediado na Síria. Uma vez criado um nível suficiente de histeria, qualquer ato militar
parece justificado. Mas a população americana foi ensinada a acreditar que pensa por si própria.
Nos Estados Unidos, a informação jornalística é vendida, mercanti- lizada e manipulada para favorecer interesses comerciais e
corporativos. A validade de tal informação deveria ter sido questionada há muito tempo. O legislativo deveria intimar o artista e os editores que
realizaram, supervisionaram, e publicaram a capa com Gaddafi, se desejasse saber mais sobre a manipulação da opinião pública pela mídia.
Hal Becker, que patenteou o taquistoscópio de alta velocidade; também fabrica e vende processadores que inserem mensagens
subliminares em trilhas sonoras. Seu Audio Processador Subliminar Programável Mark III monitora e retifica as mudanças de volume dos sinais
conscientemente audíveis. Através de um multiplicador eletrônico análogo, os sinais audíveis retificados controlam o nível dos inputs
subliminares de baixo volume. Os sinais audíveis e subliminares são então mixados. Becker explica que o input subliminar aproxima-se tanto
das mudanças de volume na música audível que seria impossível provar que a mensagem contém informação subliminar.
De modo semelhante, o Processador Subliminar de Vídeo do dr. Bec- ker insere imagens subliminares no sinal de microondas de um vídeo
padrão. O vídeo subliminar é ajustado para uma potência de luz ligeiramente acima da potência de luz que é percebida pela consciência. O
input subliminar pode ser composto de palavras, frases, silhuetas, quadros em pre- to-e-branco a meia-luz, quadros coloridos ou uma mistura
de tudo isto. Este autor observou o processador de vídeo no laboratório do dr. Becker. Era engenhoso. O dr. Becker inseriu um videotape
subliminar no vídeo normal que estava passando em seu aparelho. Ele podia elevar o vídeo subliminar, para que pudesse ser conscientemente
percebido, e depois dis- solvê-lo de novo nas luzes, sombras e cores do sinal transmissor padrão.
Durante a demonstração, fui perturbado pelo pensamento de que os EUA poderíam muito facilmente inserir material subliminar via satélite
na rede de TV soviética. E, por seu turno, os soviéticos poderíam interferir na televisão americana, inserindo, talvez, pensamentos palpitantes
na banalidade das comédias para TV ou dos talk-sliows.
Becker vendeu seu áudio-processador para doutrinação subliminar anti-roubo em supermercados e lojas de departamentos. O dispositivo
reduziu em cerca de 40% o roubo numa grande cadeia de supermercados, que também pode perceber uma redução de 60% na rotatividade
anual de mão-de-obra. O dr. Becker conseguiu reduzir as reclamações dos funcionários via doutrinação subliminar. Seu programa anti-roubo
reduziu significativamente as prisões dentro das lojas. Após oito meses, o gerente de uma loja relatou uma completa reviravolta na defasagem
nas caixas registradoras, na rotatividade de mão-de-obra e nas atitudes negativas dos funcionários, além de ter conseguido reduzir em 50% o
pessoal encarregado do estoque, mantendo o mesmo nível de eficiência. A defasagem nas caixas caiu de uma média de 125 dólares por
semana para menos de 10 dólares. As reclamações de fregueses contra os caixas virtualmente desapareceram. As mercadorias danificadas
pelos encarregados de estoque diminuiram um terço. Os furtos cairam de 50 mil dólares a cada seis meses para menos de 13 mil dólares. Em
outra cadeia de supermercados, a rotatividade da mão-de-obra caiu pela metade em onze meses.
Becker também fez programas subliminares para salas-de-espera de consultórios médicos e de hospitais. Eles reduziram o nervosismo dos
pacientes (60% em um estudo realizado), os desmaios causados por injeções
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 53
(próximo a zero) e o ato de fumar (entre 50% e 70%). Por mais de uma década, ele dirigiu com sucesso uma clínica de controle de peso em
New Or- leans, onde videotapes com enxertos subliminares reforçavam um rigoroso programa de dieta. Este programa, reconhecido pela
Associação Médica de New Orleans, recebia a maioria de seus pacientes através de recomendações médicas. Becker enfatizou que não usa a
tecnologia subliminar em propaganda, política ou religião. Seu equipamento só é acessível a profissionais qualificados através de contratos
para uso restrito. Ele acredita que a doutrinação subliminar pode reduzir os acidentes no trânsito, o crime e os maus-tratos, com enorme
potencial nas terapias, para a educação e treinamentos. No entanto, nem todos estão convencidos disto.
Becker parece sinceramente preocupado com a ética da persuasão subliminar. Mas há um paradoxo envolvido. Se a pessoa é avisada que
será submetida a informação subliminar, a eficácia é reduzida. Se ela não é avisada, seus direitos constitucionais legais e éticos podem estar
sendo violados. Mas esta discussão sobre ética é acadêmica, já que a indústria de propaganda vem doutrinando subliminarmente os
consumidores por mais de meio século. As violações das leis pela propaganda têm sido sistematicamente ignoradas pelo governo federal; e
pior ainda, a população tem permitido passivamente que a doutrinação subliminar continue. Como disse o Christian Science Monitor sobre as
invenções de Becker, “a ameaça real para uma sociedade livre é que as tentativas de controle da mente — ou mudança comportamental, como
dizem seus promotores — sejam toleradas por todos... Esta técnica é uma invasão ao pensamento. Ela pode facilmente ser usada para
objetivos políticos ou opressores.”
SEGURANÇA POR MEIOS SUBLIMINARES
Outro empreendedor que desenvolveu dispositivos de modificação de comportamento é o presidente da Proactive Systems ofPortland
(Oregon), David Tyler. As fitas subliminares de Tyler ajustam os níveis de som em baixo volume às modificações no volume do som ambiente.
A Proactive Systems Inc. está envolvida principalmente com a prevenção a roubos. Tyler considera-se um benfeitor da sociedade, evitando que
os consumi dores sejam presos por roubo a lojas, que os empregados sejam pegos furtando e então demiüdos e que os donos de lojas percam
para os ladrões cinco cents de cada dólar vendido. Tyler chega a antever preços mais baixos depois que a doutrinação subliminar tornar todas
as pessoas honestas — um objetivo válido, mas improvável. Como o slogan do McDonalds: “Ele faz tudo isso por nós! ”
A Proacüve Systems Inc. também desenvolveu métodos de doutrinação subliminar para aumento da auto-estima, controle da dor na
recuperação de cardíacos após operações do coração, controle do stress em firmas corretoras de valores e na indústria química e um
programa tranquilizante para uma clínica que trata de crianças hiperativas. A Proactive afirma que suas instalações, a maioria feita na costa
oeste, resultam numa redução média de 50% nos roubos em lojas de departamentos, mercearias e drogarias. Em 1984, Becker estimou que
houvesse cerca de trezentas instalações desse tipo nos EUA. Tyler afirma exigir que o público seja informado sobre as instalações em todos os
casos, exceto no de prevenção a roubos.
Outro esquema criado para explorar a tecnologia de persuasão subliminar foi desenvolvido pela Stimutech Inc., de East Lansing (Michi-
gan). Os executivos de marketing desta firma descobriram haver milhões de computadores caseiros guardados nos sótãos ou garagens das
casas. Foi feita muita publicidade, possivelmente com técnicas subliminares, sobre os computadores, e milhões de famílias investiram nestes
equipamentos, convencidas de que eram indispensáveis para a organização de uma casa moderna. Depois de alguns meses, seu uso
começou a decair e a maioria das famílias descobriu o que os fabricantes sabiam desde o início: os computadores caseiros são caros e, exceto
como brinquedos, não têm nenhuma utilidade em casa. Passado o entusiasmo inicial provocado pela mídia, os computadores foram para o
fundo do armário (eles são muito caros para serem jogados fora) E seus proprietários criaram um dos melhores mercados concebíveis.
Quando estavam com os computadores guardados por um ano mais ou menos, eles sentiam-se estúpidos, envergonhados e, como forma de
defesa, receptivos a qualquer novo produto que justificasse seu investimento.
O Expande-Vision da Stimutech é um sistema para computador e vídeo que lança mensagens subliminares ao subconsciente. Com apenas
um pequeno investimento (89,95 dólares para um Dispositivo Interface Eletrô
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... • 55
nico), o computador ocioso é conectado a um aparelho de TV; o computador controla a luz e a velocidade das imagens inseridas, mantendo-as
num nível subliminar. Os videotapes subliminares são inseridos no Dispositivo Interface. A Stimutech iniciou seu programa de vendas com oito
vídeos: controle de peso/exercícios, conü'ole do fumo/calma, controle do stress/pen- samento positivo, controle do álcool/responsabilidade,
confiança atlética/ golfe, hábitos de estudo/capacidade de memória, carreira/motivação de sucesso e, a última palavra em vídeos para homens
cercados pelas manipulações masturbatórias das revistas masculinas, confiança sexual.
O Expande-Vision, como outras respostas simples a questões complicadas, provavelmente funcionará para algumas pessoas, algumas
vezes e sob algumas condições. A variável algumas é claramente uma incógnita extremamente complexa. Aparentemente, o Expande-Vision
funciona muito bem para seus vendedores. Afora isto, há só incerteza. Algumas pessoas param de fumar e, numa busca inconsciente por um
vício compensatório, acabam virando alcólatras ou comendo compulsivamente. Para conseguir- se uma mudança significativa nos
comportamentos compulsivos, médicos ou psicólogos deveríam ser consultados, ou quem sabe aqueles com prática em hipnose clínica. O
objetivo da maior parte das terapias é aumentar a força de vontade, autonomia e responsabilidade do indivíduo e não fornecer uma muleta
eletrônica que pode mascarar os sintomas mais críticos.
A anorexia nervosa e a bulimia são distúrbios do apetite graves e até mesmo fatais. Elas envolvem distorções da realidade perceptiva. O
indivíduo percebe-se como um obeso, mesmo quando está prestes a morrer de fome. Este tipo de distúrbio está entre aqueles em que os
estímulos da mídia, a propaganda subliminar e as manifestações culturais para que as pessoas desejem corpos magros, são poderosas
causas da doença. Se um paciente de anorexia nervosa adquirir um vídeo com enxertos subliminares para a redução de peso, o resultado
pode ser terminal.
ALGO PARA VENDER
Durante um interrogatório no Comitê de Ciência e Tecnologia do Congresso, presidido pelo republicano Dan Glickman, Becker e Tyler
testemunharam não acreditar que as técnicas subliminares pudessem ser efi
cazes na propaganda — um testemunho diretamente contraditório à ampla gama de aplicações por eles citadas para as suas engenhocas
comerciais. Embora seus livros tivessem sido abundantemente referidos em pareceres dirigidos ao comitê, o uso da tecnologia subliminar na
propaganda e na mídia comercial foi ignorado durante as sete horas do interrogatório.
Tanto Becker quanto Tyler racionalizaram, diligentemente, o uso que faziam dos estímulos subliminares. Becker alegou não haver nenhum
caso comprovado de que técnicas subliminares tenham causado um dano significativo a pessoas. O dr. Charles Kamp, da Comissão Federal
de Comunicações, afirmou que há dúvidas entre os cientistas de que as técnicas subliminares são realmente eficazes. Ele foi além,
enfatizando que a Comissão Federal de Comunicações não recebeu uma única queixa sobre isto por anos. Desde 1966, ele acrescentou, as
queixas sobre propaganda subliminar não ultrapassaram a metade de 1 % de todas as reclamações. Mas Becker curiosamente declarou que
não estava autorizado a debater a pesquisa sobre persuasão subliminar realizada pelo Departamento de Defesa.
O dr. Howard Shevrin, um psicólogo da faculdade de medicina da University ofMichigan, mencionou o trabalho de pesquisadores soviéticos
que desenvolveram uma técnica segura de detecção de mentiras através de reações subliminares EEG, com exposições de milésimos de
segundos aos estímulos (ver Kostandov e Arzumanov). O psicólogo Lloyd Silverman, da New York University, deu um testemunho
consideravelmente detalhado sobre bem-sucedidos experimentos terapêuticos com estímulos subliminares. Tanto Shevrin quanto Silverman
são pesquisadores médicos bastante respeitados, que vêm trabalhando com os fenômenos subliminares nos últimos 25 anos. Eles disseram
ao comitê que opunham-se às aplicações comerciais oferecidas por Becker e Tyler como potencialmente perigosas. Mas nenhum dos dois
médicos mencionou a aplicação de tecnologia subliminar na mídia de publicidade. Shevrin, no entanto, comparou as consequências sociais da
persuasão subliminar com a descoberta das armas nucleares.
O congressista Glickman perguntou repetidas vezes sobre o uso de técnicas subliminares na publicidade. A questão foi negada ou
escamoteada por cada uma das testemunhas. Glickman finalmente concluiu que “ela (a persusão subliminar) obviamente não tem sido
amplamente utili
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... » 57
zada pelos setores comerciais de nossa economia, segundo os testemunhos que ouvimos (U.S. House of Representatives, p. 134)”.
O interrogatório foi um interessante exercício de como investigar e não investigar um assunto simultaneamente. Seria intrigante saber se
acordos foram feitos em relação ao que podería ou não ser debatido. A omissão da propaganda foi muito completa para ser convincentemente
acidental.
Luz E SOM DE FUNDO
A luz e o som de fundo são dois elementos essenciais nas produções de filmes e vídeos que não são percebidos conscientemente pelo público.
Ambos são cuidadosamente construídos para criar o clima às ações e diálogos. Normalmente eles sustentam ou reforçam o que está sendo
conscientemente percebido numa determinada cena. Sempre que a luz ou o som de fundo invadem nossa percepção consciente, eles
tornam-se distrações e prejudicam a percepção do todo.
Um filme ou vídeo sem som ambiente (ou de fundo) parece ser emocionalmente insípido e terrivelmente arrastado. Mesmo nas locações, é
difícil de se obter um fundo sonoro apropriado àquela cena particular. O som deve ser criado artesanalmente para tornar-se preciso. O som de
fundo é normalmente agregado em camadas. Um som de rua genérico deve envolver um agregado de conversas periféricas indistintas, os
sons de crianças brincando, dos carros e ônibus, de pássaros, talvez um trovão distante, o ruído de passos, do vento, e sons distantes tais
como o de navios, apitos ou sirenes. Estas camadas de som são, em geral, gravadas separadamente e depois mixadas. Uma grande
variedade de dimensões de som — intensidades, velocidades, inter-relações e variações de tons — podem ser criadas artesanalmente para
adequarem- se a uma cena. As camadas são mixadas para criarem uma ilusão precisa da realidade ou, mais corretamente, da expectativa que
o público tem da realidade. Se for bem construída, esta ilusão é mais satisfatória emocionalmente do que o seria a realidade de fato, mas ela
permanece totalmente subliminar.
Quando se cria um fundo sonoro para uma cena, a música pode ser acrescentada para dar a ênfase dramática, criar suspense ou
expectativa no público para a ação seguinte. Os silêncios também são uma dimensão do
58 »A ERA DA MANIPULAÇÃO
som. Há dúzias de silêncios eletrônicos diferentes, cada um deles produzindo uma reação definida no público. Sons e silêncios podem ser
alternados, criando um pelotão de efeitos para o público. Estes sons e silêncios, quando bem meditados, não são percebidos conscientemente
pelo público.
A luz nos filmes e vídeos é outro dos poderosos efeitos subliminares utilizados pela mídia para criar a ilusão de realidade. Como acontece
com o som, o público não toma consciência de que a luz foi criada artifi- cialmente. Marisjansos ganhou um Oscar por trabalho na parte de
iluminação do filme Carruagens de Fogo. Foi um trabalho difícil porque a maior parte do filme foi rodada ao ar-livre. A luz natural raramente é
consistente e dificilmente é exatamente aquilo que a cena exige. Janson controlou o humor do público, sua emoção, tensão, tranquilidade ou
ansiedade com técnicas de iluminação que ele descreveu como subliminares. Ele explicou que o mais difícil problema que enfrentou foi evitar
que a iluminação fosse percebida conscientemente pelo público, pois isso destruiría seu efeito. Janson modificou o significado das mensagens
e as reações emocionais do público através de sutis mudanças de luz; por exemplo, uma sombra cruzando a face de um ator sem ser
percebida conscientemente, prepara para o público para um interlúdio dramático.
A extensão de uma sombra e mudanças sutis de luz e sombra controlam inconscientemente as intensidades emocionais. Elas podem dar a
noção de tempo em uma cena ou criar sentimentos em relação a um personagem que é apenas um pouco diferente dos outros. O segundo
plano é iluminado de forma irregular para criar-se ilusão de profundidade ou sequência para a ação. Cada minuto de cena filmada é estudado
para receber a luz apropriada. As iluminações do primeiro e segundo planos podem ser integradas através de mesas de luz que criam uma
grande variedade de efeitos.
A luz, assim como o som, é criada para fornecer ao público ilusões verossímeis. Quando bem feita, a fantasia da realidade parece mais real
do que a realidade de fato. A fantasia (a percepção fabricada) torna-se mais atraente, desejável, mais cativante emocionalmente e mais
significativa do que a realidade (a percepção não-manipulada).
Os anúncios em preto-e-branco, luz e sombra, “Body by Soloflex” (figs. 10,11 e 12) foram recentemente publicados em série em vários
periódicos nacionais como a Times, a Newsweek e a GOO. Uma pesquisa de mercado descobriu que dentro da comunidade homossexual
masculina
PARA AQUELES QUE ACREDITAM... «59
de Nova Iorque, os anúncios foram transformados em posters, tornando- se verdadeiros ícones. Eles eram enquadrados e recebiam lugar de
honra nos apartamentos. Aparentemente, a campanha publicitária de Soloflex foi dirigida a homens com forte tendência homossexual latente.
Como a comunidade de homossexuais masculinos assumidos é, acredita-se, menos de 10% da população, a expensiva campanha publicitária
não se justificaria se dirigida apenas à este público limitado.
No primeiro anúncio (fig. 10), um homem jovem está tirando sua camiseta. Metade da face do modelo está coberta por sombras, sugerindo
que há algo oculto sobre ele. Uma sombra bem a esquerda do umbigo do modelo emana do cós de seu jeans na forma de um grande e ereto
órgão genital masculino. A sombra foi feita com aerógrafo. Que homem resistiría à promesa do Soloflex?
O segundo anúncio (fig. 11) mostra outro jovem modelo com o de- dão esquerdo enfiado no bolso. O dedão é freqüentemente usado na arte
como um símbolo fálico, neste caso passivo e à espera. Seus olhos estão escondidos do leitor por óculos escuros. Nas culturas ocidentais,
olhos escondidos geralmente implicam em pensamentos ocultos. No abdômen do modelo, surgindo de sua calça, logo acima da fivela do cinto,
aparecem dois grandes órgãos genitais eretos, primorosamente aerografados na fotografia. Aparentemente, depois de seis meses de uso do
aparelho para ginástica Soloflex, os homens têm a promessa de ganharem dois prodigiosos pênis. A promessa de Soloflex parece ilimitada,
especialmente para os atormentados homens americanos que nunca conseguem corresponder às expectativas da mídia.
“Nopain, nogain” (sem dor não consegue-se nada) é o título do terceiro anúncio de Soloflex (fig. 12). Um homemjovem está sentado numa
prancha de exercícios, com as pernas bem abertas para expor a área genital. O ombro esquerdo do modelo está estranhamente descolorido,
como se estivesse queimado, desfigurado. Neste ombro, logo acima da axila, foi aerografada uma fenda (fig.40). Observado fora do contexto, o
ombro parece-se mais com as nádegas e a abertura anal, acrescentado um novo significado a “Nopain, no gain A Soloflex utilizou
ambiguidades sexuais do mesmo gênero em sua campanha na TV.
CAPÍTULO DOIS

COMO ENTRAR NA MENTE (DESAPERCEBIDAMENTE )


Nada é eliminado no inconsciente, nada é superado ou esquecido. Sigmundo Freud, A Interpretação dos Sonhos
Se você não especificar e confrontar suas finalidades reais, o que disser certamente tomará estas finalidades obscuras. Se você não alertar
moralmente as pessoas, você mesmo estará moralmente adormecido. Se você não incorporar a controvérsia, o que disser será a aceitação da
vinda do inferno humano.
C. WrightMill, The Power Elite
A hipocrisia na forma de uma negação da hipocrisia é hipocrisia ao quadrado.
Lionel Rubinoff, The Pomography of Power
Os efeitos dos estímulos subliminares foram verificados em pelo menos dez áreas mensuráveis do comportamento humano. O psicólogo inglês
Norman Dixon, ao avaliar mais de quinhentos estudos científicos, concluiu que “o comportamento pode ser determinado por acontecimentos
externos sobre os quais não podemos almejar nenhum controle (consciente) ” (Dixon, SubliminalPerception, p. 322). As dez áreas do
comportamento são:
1. Sonhos
2. Memória
3. Percepção Consciente
4. Reação Emocional
5. Comportamento Instintivo
6. Limites da Percepção
7. Comportamento Verbal
8. Níveis de Adaptação ou Valores de Julgamento
9. Comportamento Aquisitivo
10. Psicopatologia
Os estudos publicados nos últimos sessenta anos sobre estas dez áreas estão resumidos nos meus três livros anteriores. Para não repetir es-
tas informações básicas, tratarei apenas dos desenvolvimentos mais recentes nestes estudos.
Dominadas culturalmente pela mídia, as sociedades modernas andam às cegas de uma crise (ou desastre) à outra, com a convicção
ilusória de que sabem o que estão fazendo, para onde estão indo, como sobreviverão, quem está no controle e por que as coisas acontecem
ou não como deveríam. Estas fantasias, reforçadas inconscientemente, na verdade ameaçam a sobrevivência.
A lista dos efeitos subliminares demonstra cabalmente que os seres humanos podem ser programados por aqueles que controlam a mídia,
para terem determinadas perspectivas culturais (ou conceitos) ou trabalharem com determinados grupos de percepções. O comportamento de
grupo é mensurável e, acredita-se, previsível em termos de probabilidades estatísticas. A mídia fornece o sistema pelo qual os mercados
econômicos são controlados. Nem todos, numa determinada cultura, são controláveis. Os homens tornam-se mais vulneráveis quando a
batalha das crenças sustenta doutrinações culturais básicas. Os fatores restritivos no momento atual são a motivação, o tempo e o dinheiro —
não são fatores tecnológicos. Técnicas bastante desenvolvidas para manejar seres humanos através da propaganda e do controle da mente já
estão disponíveis há vários anos. Os refinamentos tecnológicos e inovações continuam a proliferar.
Os segmentos das populações mais suscetíveis ao controle da mídia geralmente acreditam que pensam de maneira independente, crítica,
clara e que podem facilmente discernir entre verdade e mentira, realidade e fantasia. A auto-percepção de autonomia é uma ferramenta básica
para a doutrinação. Quem acredita pensar por si mesmo geralmente não o faz. Quanto mais a pessoa é marcada pelos valores culturais, mais
vulnerável à manipulação ela é.
LUTANDO CONTRA O SISTEMA
Há os dissidentes, descrentes, desviados, hereges, subversivos e críticos que vão contra a corrente dominante levados por diversas razões.
Eles são muito importantes para a sobrevivência e o desenvolvimento de qual
COMO ENTRAR NA MENTE...» 65
quer sistema cultural. As minorias dissidentes tentam entender os mecanismos das construções perceptivas e podem tentar modificar o
sistema. Eles podem mesmo opor-se abertamente aos principais sistemas culturais. Como os sofistas, no entanto, eles acabarão sendo
desacreditados pela maioria e pela elite no poder.
A percepção, não os rótulos usados para descrever o processo per- ceptivo não-verbal, não pode ser dividida em categorias simplistas
como percepção consciente (cognitiva) e inconsciente (subliminar). A relação consciente-inconsciente deve ser encarada antes como uma
gradação de mais-ou-menos do que como uma oposição de ou-uma-ou-outra. A percepção, já que ela atinge o corpo e a mente, é totalmente
integrada. Todas as partes da mente estão interconectadas com todas as partes do corpo. O corpo e a mente são inextrincáveis. Uma condição
física influencia a percepção e vice-versa. A percepção (a informação transmitida pelos sentidos até o cérebro) pode ser descrita como
instantânea e total. No entanto, ninguém sabe como funciona a mente; talvez este conhecimento seja mesmo impossível. Existem apenas
teorias — centenas delas. Teorias não são verdades. Elas devem ser úteis apenas em determinado contexto para justificarem sua existência.
O pensamento lógico, o raciocínio, os sentimentos, as motivações conscientes e inconscientes fluem continuamente tanto da memória
quanto dos estímulos sensoriais. A mente também cria ou condiciona as percepções independentemente das realidades percebidas. A
percepção consciente parece ser um fragmento mínimo do que encontra-se na memória. O eixo sensorial é deslocado conscientemente de
uma experiência para outra, de uma percepção para outra. Se não fosse possível criar este foco de consciência ou percepção cognitiva,
inúmeras distrações perceptivas causariam confusão, fazendo com que a atenção fosse subjugada.
O subliminar, o inconsciente, ou o nome que queiram dar, parece funcionar como uma máquina para criar culturas. Ele é o repositório de
crenças e atitudes mais ou menos básicas e duradouras, de valores culturais, de predisposições, e pressupostos básicos. Em comparação, as
opiniões são conscientes, transitórias e superficiais. Para pessoas programadas desde a infância com pressupostos básicos, as idéias
amparadas inconscientemente tornam-se inquestionáveis. Quando os pressupostos
vêm a tona, deveríam ser questionados. Infelizmente, na maioria dos sistemas culturais a educação formal concentra-se na aceitação
(adaptação aos pressupostos básicos da maioria ao invés do questionamento). Poucos conseguem seu PhD através do questionamento do
próprio sistema que concede os PhDs.
As predisposições instinüvas ou herdadas para certos comportamentos também parecem estar subjacentes nas relações humanas. Estas
predisposições integram-se de forma invisível nos sistemas linguísticos- culturais. Os comportamentos humanos inatos geralmente podem ser
detectados nas reações inconscientes, nos pressupostos básicos e nos preconceitos. O prêmio Nobel Konrad Lorenz (Civilized Men’s Eight
Deadly Sins, pp. 76-78) incluiu entre os comportamentos inatos o senso de justiça (reações de fundo genético contra comportamentos
anti-sociais), moralidade (mecanismos que inibem os comportamentos que não garantem a sobrevivência das espécies) e altruísmo
(disposição para o auto-sa- crifício em favor da família ou da sociedade).
O sociobiólogo Eduard Wilson, de Harvard, inclui nesta lista os sistemas de dominação masculina, a escala de reações nas interações
agressivas, os cuidados maternos prolongados com a socialização das jovens, e a organização familiar matrilinear. Várias características
genéticas exclusivas dos seres humanos incluem a linguagem complexa, culturas elaboradas, a atividade sexual contínua através dos ciclos
menstruais, tabus formais sobre o incesto, regras de matrimônio com reconhecimento das relações de parentesco, e divisão cooperativa do
trabalho entre homens e mulheres. Wilson concluiu que características hereditárias tais como o senso de justiça, a moralidade e o altruísmo
podem desaparecer em apenas dez gerações, em não mais do que dois ou três séculos.
O condicionamento do inconsciente humano através da tecnologia disponível pode, num período de tempo relativamente curto, reorganizar,
modificar ou diminuir as predisposições hereditárias. Tais modificações puderam ser observadas no ambiente totalmente dominado pela
propaganda da Alemanha nazista, que dispunha de uma tecnologia relativamente primitiva. E trágico o caso dos Iks, uma tribo das montanhas
da Uganda Central que em poucas gerações perdeu todos os seus valores humanistas. Atualmente eles estão a beira da extinção por causa da
auto-in- dulgência, da ganância e da indiferença ao sofrimento humano. A evolu
COMO ENTRAR NA MENTE...» 67
ção desta tribo parecia predispor-lhe ao desastre natural, que somou-se a políticas governamentais ineptas e corruptas e o isolamento
crescente da tribo (ver Turnbull). As técnicas existentes podem transformar os povos do mundo em qualquer coisa que se deseje — pode-se
criar a proverbial Utopia ou um lixo humano repleto dos refugos criados pela auto-indul- gência, pela ganância insaciável e pela sede nunca
satisfeita por aquisições materiais. Deveria ser aparente o fato de que as sociedades modernas, com sua inconseqüente exploração de seres
humanos e dos recursos naturais, garante na verdade sua própria extinção.
SONHOS
Pesquisas que se originaram com as descobertas, em 1917, do neurocirur- gião vienense Otto Poetzle, mostram que a informação induzida
subliminarmente aparece nos sonhos. Os sonhos são há muito tempo considerados produtos do inconsciente. Conteúdos subliminares
transmitidos por hipnose ou por taquistoscópios (projetores de alta velocidade) são mais tarde recuperados pelos sonhos, geralmente de forma
simbólica. Um pênis pode aparece em sonhos como uma banana, um aspargo pode ser transformado em um simbólico prendedor de gravatas
verde. Deste modo, os sonhos são um meio para compreender-se como a mente transforma em símbolos os dados percebidos
inconscientemente, uma forma de camuflar idéias-tabús.
Os pesquisadores estimam que cerca de 100 mil fixações sejam realizadas diariamente pelos olhos. Apenas um pequeno fragmento destas
fixações são experimentadas conscientemente, mas a maioria delas parece ser registrada pela mente e, presumivelmente, ficar retida em
algum nível da memória. O conteúdo dos sonhos, durante os períodos de sono profundo e movimento-rápido dos olhos, parece ser constituído
exclusivamente de percepções subliminares. Poetzle chamou este processo de Lei da Exclusão: os estímulos recebidos conscientemente são
excluídos dos sonhos.
O significado emocional parece ser o critério básico para que algo seja excluído ou reprimido pela consciência. Indivíduos com perspectivas
religiosas muito rígidas e moralistas, por exemplo, parecem ser espe
cialmente vulneráveis aos enxertos subliminares obscenos usados pelos anunciantes (ver Dixon, Subliminal Perception, p. 168). Tais
indivíduos são, em geral, bastante reprimidos, e suas defesas perceptivas controlam rigidamente as experiências diárias. Por exemplo, poucos
grupos da população norte-americana são tão preocupados com tabús sexuais e relacionados à morte quanto os fundamentalistas religiosos
— um fato regularmente explorado pelos vídeo-evangelistas e mascates de todo o tipo.
Qualquer pessoa que possa relaxar através da auto-hipnose, da meditação ou mesmo da respiração profunda pode aprender como tornar
conscientes conteúdos subliminares. Mas no uso comercial das técnicas subliminares, a intenção é impedir que estas sejam descobertas. Não
espera-se dos leitores que eles descubram órgãos genitais nos cubos de gelo que aparecem nos anúncios. Para isso, a tensão é induzida pela
mídia de várias formas — a sobrecarga de informações torna difícil focalizar uma parte qualquer da experiência perceptiva, a tensão é
intensificada antes dos intervalos comerciais no rádio e na TV, e as más notícias (tumultos, guerras, a fome, a violência ou escândalos) são
colocados na frente das boas notícias (propagandas), nos jornais e nas revistas. O rock é um exemplo intrigante de como a repressão é
engenhosamente construída, com a tensão sendo induzida pelo alto volume, pelos gritos histéricos dos cantores e pelos espetáculos visuais.
Pouquíssimos fãs entendem a letra das músicas, que é então percebida diretamente ao nível inconsciente.
As primeiras pesquisas de Poetzle sobre os sonhos, que utilizavam sugestões pós-hipnóticas, também demonstraram haver um mecanismo
para retardar o tempo nos processos mentais. Curiosamente, é raro encontrar um psicólogo norte-americano familiarizado com as pesquisas
de Poetzle. Mas este mesmo autor é freqüentemente discutido pelos estudiosos da propaganda. As percepções subliminares parecem servir
como alavancas para determinadas atitudes, decorrido um certo espaço de tempo, quando relacionadas com uma percepção consciente
secundária. Por exemplo, um dia, uma semana ou mês após a percepção momentária do anúncio dos frios Oscar Mayer (fig. 13), a percepção
consciente da embalagem de Oscar Mayer no supermercado pode engatilhar o pensamento consciente de que estes frios são saudáveis e
fortes. A decisão de comprar o produto seria feita sem tomar-se consciência do simbolismo- tabú escondido no anúncio visto anteriormente.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 69
As teorias de Poetzle tentam descrever um complexo processo que ocorre na mente. As preocupações dos anunciantes, é claro,
concentram- se simplesmente na eficácia das vendas. A capacidade que os estímulos subliminares têm de provocar ações retardadas,
semelhantes às das sugestões pós-hipnóticas, está bem documentada na literatura científica (ver Higard; Kroger e Fezler; e Dixon, Subliminal
Perception), e é verificada nos estudos de propaganda e marketing sobre a eficácia comparada dos anúncios. Todos os anúncios ilustrados
neste livro custaram vários milhões de dólares — pequenas amostras de investimentos de no mínimo um milhão de dólares, com freqüência
muito mais. Estes anúncios foram bem sucedidos. Eles venderam o suficiente para justificar investimentos de tal porte das firmas envolvidas.
MEMÓRIA
Um dos mais dramáticos efeitos dos estímulos subliminares sobre o comportamento envolve a memória. Uma vez que os enxertos
subliminares são percebidos inconscientemente, parece impossível esquecê-los. Acre- dita-se que a memória envolve pelo menos duas
grandes áreas de armazenagem: o consciente e o inconsciente. Várias teorias incluem uma terceira área, o pré-consciente. Outras teorias
concebem sistemas de memória separados para informações emocionais e não-emocionais, ou sistemas de memória para curto e longo prazo.
As pesquisas mais recentes concentram-se sobre as funções específicas da memória dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro. A
principal dificuldade para estudar-se a memória é a complexidade do cérebro e, é claro, o paradoxo inevitável de tentar-se estudar um sistema
sendo parte deste mesmo sistema. Há um limite no grau de conhecimento que pode ser adquirido sobre o cérebro humano e os sistemas de
linguagem.
Sob todos os pontos de vista, as pesquisas existentes sobre a memória mal tocaram a superfície. A memória envolve processos hormonais,
elétricos e químicos, que normalmente se inter-relacionam na velocidade de micro-segundos, através de bilhões de sistemas microscópicos de
neurônios. Os sentidos, cerca de quarenta segundo algumas classificações e definições, transmitem continuamente informações para o cére
bro. Calor e frio, por exemplo, são transmitidos através de diferentes sistemas de neurônios. Enquanto o eixo da percepção consciente
move-se de um estímulo sensorial para outro, os indivíduos só podem tomar consciência, a cada dado momento, de um pequeno fragmento da
totalidade de informação disponível. Alguns destes inúmeros estímulos são eliminados do sistema como irrelevantes, enquanto outros
permanecem retidos por períodos variáveis, possivelmente por toda uma vida.
A limitada porção da memória da qual os homens tomam consciência quando falam, pensam ou escrevem parece funcionar como uma
defasagem no tempo entre a armazenagem na memória pré-cons- ciente e a comunicação consciente. As palavras, por exemplo, são
pronunciadas aparentemente depois que cinco a sete palavras a frente no discurso são selecionadas pela mente. Antes do discurso, a
memória parece classificar, selecionar, avaliar e comparar o significado, organizar a sintaxe e a pronúncia — um complexo imperceptível de
funções ocorrendo simultaneamente e em alta velocidade. Isto foi chamado de processo de abstração.
Segundo o house-organ da indústria de publicidade norte-americana, Advertising Age, o americano médio percebe cerca de mil anúncios
por dia. A maioria deles contém estímulos subliminares de algum tipo. A McCann-Erickson, uma das maiores agências de publicidade do
mundo, estimou que em 1986 os investimentos em publicidade nos EUA foram de 101,9 bilhões de dólares, com um crescimento anual de
15%. Isto significa que em 1989 eles teriam atingido os 155 bilhões. Tudo isto é acrescentado ao preço final dos produtos anunciados e, claro,
é pago pelo consumidor. Os efeitos residuais deste condicionamento mental são imensos.
Na superfície, os anúncios parecem inocentes, inofensivos e até insípidos. Eles são elaborados para serem assim percebidos. No entanto,
os anúncios não são inocentes. A memória inconsciente tem uma enorme capacidade de armazenagem. Os estudantes que participaram de
minhas pesquisas sobre propaganda subliminar, nos últimos quinze anos, descobriram capacidades que a memória tem surpreendentes.
Passada uma década, eles podiam recordar-se com frequência não apenas dos anúncios específicos que haviam estudado (uma grande coisa,
se forem considerados os mil anúncios que atravessam nossa percepção diariamente),
COMO ENTRAR NA MENTE...» 7 1
mas também lembravam-se de como os anúncios foram estudados, os enxertos subliminares que foram descobertos, e uma rede de detalhes
associados tais como os nomes de outros indivíduos envolvidos, as roupas que usavam, os almoços que foram servidos e outros eventos
periféricos.
PERCEPÇÃO CONSCIENTE
A percepção e a memória consciente parecem ser limitadas em grande parte por aquilo do que os indivíduos ou grupos tentam evitar, reprimir,
negar e aquilo de que tentam defender-se — tudo isto é excluído da percepção imediata consciente. Isto geralmente ocorre de forma oposta
àquela que a lógica nos levaria a crer. Muito pouco da experiência per- ceptiva é o que parece ser. A censura declarada, real ou simbólica,
como a queima de livros, é a melhor publicidade que um livro ou um autor podem ter. Uma posição proeminente no Index virtualmente garante
o sucesso de vendas. A estratégia promocional básica no mercado da música rock obscena e exaltadora do consumo de drogas é a tentativa
de promover proibições ou censura por parte dos pais moralistas ultrajados ou dos burocratas do governo. A indústria da música explora a
oposição moral de forma bastante lucrativa. De modo semelhante, quanto mais as autoridades opõem-se ao uso de drogas, mais difunde-se o
vício. O programa anti-drogas do presidente Reagan foi concebido para atingir a parcela da população que não usa drogas e não os indivíduos
que realmente as consomem ou com grande probabilidade de fazê-lo. Estudantes universitários ligados às drogas faziam piadas sobre o
simplista e banal “Just say no!”A campanha foi concebida por outras razões do que a compreensível tentativa de deter o consumo de drogas.
Este autor ficou intrigado ao descobrir seus primeiros três livros nas listas de contrabando da União Soviética e da República Popular da
China. Os livros, é claro, são facilmente obtidos em ambos os países por vias clandestinas. Personalidades do show-bussiness como Jim
Baker, Pat Ro- bertson, Jimmy Swaggart e Jerry Falwell promovem a si mesmos para suas massivas audiências — que já concordam com eles
— atacando o pecado e os descrentes. Eles não diferem em nada, exceto em suas situações financeiras. Realmente, eles garantem
virtualmente sua popularidade a
7 2 • A E R A D A MANIPULAÇAO
cada vez que atacam determinada coisa com suas tempestuosas invectivas direitistas. As ameaças de danação eterna significam muito pouco
para aqueles que estão sendo atacados; talvez elas até os incentivem a continuarem o que estavam fazendo. E isto proporciona uma fonte
inesgotável para os contínuos ataques contra o pecado. A crença afirmada em Deus é virtualmente incompreensível sem as constantes
ameaças do demônio. A capacidade de angariar fundos entraria em colapso se os objetivos declarados fossem cumpridos. O fracasso dos
evangelistas em mudar o mundo é na verdade a base para seu sucesso econômico. É útil saber o verdadeiro nome deste jogo.
RESPOSTA EMOCIONAL
Em outras palavras, o que não é dito freqüentemente é muito mais importante para a compreensão da realidade perceptível do que aquilo que
é dito. As posições totalmente afirmativas mascaram as várias opções alternativas subjacentes às posições fixas estabelecidas. Por exemplo,
as declarações públicas de fé religiosa, as revelações de pessoas que “renasceram” e confissões de pecados, erros e arrependimentos não
têm nada a ver com Deus, cristianismo, com o comportamento diário em sociedade ou com gestos altruístas. Tais declarações são poses
tomadas em público de retidão, virtude e elevação em relação aos demais que ainda não viam a luz. De modo similar, as declarações públicas
de anti-comunismo fanático não atacam o comunismo. Elas ' io meras demonstrações daquilo que certos públicos perceberão como
patriotismo, virtude, honestidade e bondade. Se a ameaça comunista repentinamente desaparecesse, muitos políticos norte-americanos
ficariam sem emprego. Eles teriam que inventar uma nova ameaça rapidamente. Tais posturas modificam muito pouco a realidade. No entanto,
a retórica moralista geralmente contribui para o sucesso das estratégias na luta pelo poder e pelo lucro. Várias parcelas da população
norte-americana parecem ser peculiarmente vulneráveis a tais encenações públicas.
Os enxertos subliminares podem tornar celebridades, modelos, automóveis, produtos alimentícios ou qualquer outro objeto comercia-
lizável, mais atraentes, excitantes, desejáveis, saborosos e cativantes. A
COMO ENTRAR NA MENTE...» 73
mídia moderna evita, em geral, confrontar o público com a realidade fatual ao nível da percepção consciente. As fantasias são muito mais
envolventes do que as percepções não enfeitadas. A realidade freqüentemente é percebida como algo maçante, que deve ser evitado o mais
possível. As banalidades superficiais e desinteressantes que aparecem nos anúncios foram criadas propositalmente. As informações fatuais e
específicas chamam o público para uma resposta crítica — uma ameaça à eficácia das vendas. A brandura, ou a aparência de brandura, é
geralmente a melhor tática para produtos competitivos como a mistura para bolos Betty Crocker (fig. 6).
As informações novas devem ser igualmente suspeitas. Nos Estados Unidos, o merchandising na mídia jornalística é aceito por seu valor
nominal. A capa da T^ime com o “Target Gaddafi” (fig. 9), com os enxertos das palavras SEX e KILL, tornaram aquela edição — e a fantasia
sobre Gaddafi — mais excitante e mais significativa emocionalmente. Dito de maneira simples, o que é percebido conscientemente por
indivíduos, grupos ou mesmo nações, frequentemente tem pouco ou nada a ver com as realidades físicas, biológicas e sociais que estas
percepções representam.
Não há nada oculto nas ilustrações deste livro. Os enxertos são percebidos com facilidade por qualquer um que aprendeu a dominar suas
defesas perceptivas. O ocultamento (i.e., a defesa perceptiva) é realizado por aqueles que escondem as informações obscenas de si mesmos.
A fantasia do livre-arbítrio é um mito básico da ideologia democrática. Muitos psicólogos, especialmente os behavioristas, rejeitaram
completamente a noção de defesa perceptiva até ela ser evidenciada pela descoberta das informações enxertadas.
De dentro das fantasias culturais construídas pelos meios de comunicação de massa, líderes e liderados brincam perigosamente com a
ilusão de que têm o controle e sabem precisamente o que estão fazendo. Muito pouco dos negócios humanos está sob controle ou pode ser
controlado, exceto talvez a ilusão de ter-se o controle. Isto envolve fantasias assassinas de poder nacional, superioridade militar, correção
moral e a onisciência étnica ou cultural. Estas noções tolas e inerentemente falsas são geralmente propagadas pela ambição disfarçada de
patriotismo ou de convicções políticas ou religiosas. Estas fantasias comparam-se com as
74 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
fantasias de virilidade que camuflam as incertezas sexuais e o medo da castração dos imaturos e problemáticos leitores da revista Playboy. O
playboy então revela-se um garotinho assustado, solitário e patético brincando consigo mesmo.
A persuasão subliminar parece ser mais eficaz nos indivíduos que não apresentam nenhuma oposição firme e bem estruturada a priori,
onde o confronto com os hábitos adquiridos e as crenças ideológicas arraigadas é evitado. No entanto, quando uma imagem é reforçada por
estímulos subliminares, uma perspectiva ideológica pode ser acrescentada inconscientemente. Comportamentos e valores gerados por
estímulos subliminares têm efeitos semelhantes aos das sugestões pós-hip- nóticas. Como na hipnose, pode ser impossível para alguns
indivíduos resistir a instruções que não são recebidas conscientemente, não importa o quão absurdas elas possam parecer sob a análise
crítica consciente e objetiva.
Comportamentos induzidos inconscientemente estão muito próximos das reações neuróticas-compulsivas. Indivíduos sob sugestão
pós-hipnótica executarão compulsivamente coisas bizarras, que tentarão racionalizar, explicar e justificar como sendo normais. Aqueles que
acreditam ter o maior auto-controle quase que invariavelmente são os mais sugestionáveis. Culturalmente, os cidadãos tanto dos Estados
Unidos quanto da União Soviética (especialmente os cerca de 50% que são russos) parecem possuir uma necessidade de controle compulsiva,
e tradicional, que é explorada nos dois sistemas culturais. As fantasias de controle tornam cada uma destas nações extremamente perigosa
para a outra.
Num dos vários experimentos realizados por este autor, um estudante recebeu a sugestão pós-hipnótica para abrir uma janela e gritar
frases obscenas para as pessoas que passavam na rua, alguns minutos depois que despertou do transe. Ele também foi orientado para não
lembrar destas instruções. Ele fez precisamente o que lhe foi instruído, fechou a janela e voltou para o seu lugar na sala. Então foi-lhe
perguntado por que havia agido de maneira tão curiosa. Com bastante sinceridade (pelo menos aparentemente), ele passou quinze minutos
tentando convencer a classe primeiro de que queria apenas alertar os transeuntes sobre o trânsito perigoso, depois de que estava
desabafando sua raiva so
COMO ENTRAR NA MENTE...» 75
bre alguém que odiava; e finalmente, ele apresentou uma elaborada racionalização sobre suas experiências sobre as reações a obscenidades
para um ensaio que planejava escrever.
Este estudante demonstrou um aspecto profundo do condicionamento do comportamento humano. Ele não estava mentindo abertamente,
até onde os presentes podiam determinar. Com grande convicção emocional, ele tentou justificar um comportamento que, por qualquer critério
exterior, seria considerado bizarro. Ele parecia compelido a convencer a audiência de que seu comportamento havia sido normal, de-
fendendo-o como se fosse uma posição ideológica, com alusões à liberdade, obrigações com a sociedade e altruísmo.
Assumindo haver uma ausência de posições emocionalizadas contrárias, os estímulos subliminares podem sugerir tanto uma ação quanto
os componentes emocionais ou ideológicos para justificar esta ação. Os anúncios de comidas são excelentes exemplos. Virtualmente todo
mundo conhece alguém com uma fidelidade obcessiva e ideológica a certa marca— determinado refrigerante, bebida alcoólica, doce ou
biscoito. Um compromisso ideológico pode ser criado com uma garrafa de Coca-Cola da mesma forma que é criado para um candidato político.
Este compromisso emocional raramente é produto de uma avaliação crítica e consciente, derivando geralmente de condicionamentos
subliminares.
COMPORTAMENTO IMPULSIVO
Normalmente, os comportamentos considerados impulsivos incluem necessidades fisiológicas tais como fome, sede, necessidades sexuais e
de conforto e desejo de maternidade. Estes impulsos foram ampliados para incluir sistemas de necessidades sociais, como a demarcação de
territórios, a ambição, a necessidade de ser aceito socialmente, de segurança ou o impulso de agressão, que derivam da necessidade de
sobrevivência, se não das necessidades fisiológicas imediatas. Os impulsos são percebidos como algo gerado interiormente, e não
exteriormente. No entanto, é impossível criar uma linha entre interior e exterior quando trata-se dos processos mentais-corporais. Há uma
discus
são que não acaba nunca sobre o que deve ser considerado como impulso humano.
Os sistemas impulsivos parecem ser extremamente vulneráveis ao controle dos estímulos subliminares. O estímulo subliminar pode ser a
alavanca de uma reação comportamental compreendida conscientemente como fome. Anúncios de comida como o “Moister” de Betty Crocker
(fig. 6) são especialmente eficazes para vender o produto a mulheres famintas — seja esta fome gustativa, sexual ou relacionada a algum outro
impulso, já que todos eles estão interconectados no cérebro. Embalagens e anúncios nos pontos de venda que utilizam-se de estímulos
subliminares afetam mais profundamente o comprador faminto. Como muitos já descobriram, é uma medida inteligente evitar-se lojas de
comida quando se está com fome. Do contrário, a sacola das compras acaba cheia de comidas caras, ricas em calorias e sódio, e massiva-
mente propagandeadas.
O cupom promocional do Chicken McNugget do McDonakTs (fig. 14) não requer muitas explicações. O cupom anunciando “Pague um e
ganhe outro de graça!” apareceu em jornais de todo o país. O Village Voi- ce reproduziu o cuporrf sob o título “Pedido de Comilão”, com a
pergunta, “que parte da galinha é esta?”
Contradições desordenadas colocam-se entre uma percepção individual do que aparece nos anúncios (você acredita ter entendido o que foi
percebido) e a negação da validade de sua percepção por parte de corporações de grande credibilidade. Em resposta à pergunta sobre o
anúncio do McNugget da McDonald’s, um porta-voz declarou que “não há nenhuma relação direta ou implícita entre as promoções de nossos
produtos e a sexualidade”. Ele então entrou em detalhes sobre os 29 anos da McDonald’s como uma companhia saudável e “pró-famí- lia”. Os
questionadores acabaram sentindo-se culpados de terem perguntado.
No comercial para a TV do bombom Millcy Way, dois adolescentes descansam após um longo e cansativo passeio de bicicleta. Ao fundo,
ou- ve-se uma música sedutora, que não é percebida conscientemente. As duas crianças devoram seus bombons enquanto conversam de
maneira afável. O diálogo termina quando a garota pergunta, “Hey, hot shot, aren’t you Corning1?”
COMO ENTRAR NA MENTE...» 7 7
LIMITE PERCEPTIVO
Os neurofisiologistas sabem há muito tempo que apenas uma pequena fração de uma dada percepção é registrada conscientemente. Olhe
pela janela por trinta segundos. Feche os olhos. Tente recriar toda a informação que foi percebida. Uma quantidade enorme de dados foi
percebida visualmente, mas apenas pequenos fragmentos estão disponíveis conscientemente. Com um treinamento, os indivíduos podem
aprender a aumentar aparte consciente da percepção total. Este autor foi certa vez treinado a ficar num quarto por 60 segundos e então
relacionar cem itens percebidos no quarto. Esta é uma técnica que pode ser ensinada a praticamente qualquer pessoa; infelizmente, perde-se
esta habilidade rapidamente quando o treinamento é interrompido.
A percepção consciente nunca se aproximará, nem remotamente, do total de informações disponíveis na mais simples percepção. Esta
linha entre a informação consciente e o que ficou registrado inconscientemente (subliminarmente, subconscientemente, não-conscientemente
etc.) foi denominado de limiar perceptivo. Vários autores têm chegado à conclusão de que apenas 1/1000 da percepção total registrada na
mente torna-se disponível à consciência (ver Dixon, Subliminal Perception, p. 1- 10). Mas não é assim tão simples. O limiar muda
constantemente, em resposta a tensão fisiológica, condicionamentos culturais anteriores, estímulos, posturas e uma variedade de outros
fatores. Para tornar o problema ainda mais complicado, esta linha imaginária entre o consciente e o inconsciente varia de indivíduo para
indivíduo. O limiar também é afetado pela doutrinação cultural. Algumas culturas nacionais parecem ser muito mais repressoras, com limiares
mais rígidos, do que outras. O conteúdo das repressões pode variar de cultura para cultura.
Os engenheiros da percepção — artistas, escritores, poetas, músicos, compositores e técnicos audiovisuais — estão constantemente
explorando novos meios de manipular o limiar perceptivo de seu público. Se o público perceber facilmente o pênis ereto no anúncio de gim
Tanqueray (fig. 5), este anúncio terá sido um gasto inútil de dinheiro, algo que mais provavelmente provocará reações hostis dos leitores. O
genital enxerta- do só vende o gim se não for percebido conscientemente. O artista tem que prever corretamente o nível de repressão cultural
entre os leitores potenciais para criar o enxerto. Pode parecer surpreendente que nos EUA, país supostamente liberado do ponto de vista
sexual, o enxerto de um genital esbarre com a repressão. Mais uma vez, a mídia demonstra que muito pouca coisa neste mundo é o que
parece ser, especialmente os valores culturais que envolvem fantasias sexuais.
Um leitor que possa relaxar e vasculhar os detalhes — habilidades que não são encorajadas na cultura norte-americana — poderá
encontrar facilmente o genital enxertado do anúncio de Tanqueray. Anúncios semelhantes foram mostrados por este autor aos membros da
remota tribo de Inuit, na região ártica do Canadá. Em contraste com seus vizinhos ocidentais civilizados e educados (adotados culturalmente
pela propaganda), imediatamente eles perceberam o genital de forma consciente. Eles consideraram o anúncio extremamente cômico e
acharam especialmente engraçado o fato de alguém querer publicar desenhos genitais. Vários brincaram dizendo que o pênis enxertado fazia
parte de algum estranho ritual de fertilidade dos anglo-americanos. Os enxertos subliminares parecem dependentes da cultura. Eles evocam
risos incontidos em uma cultura e são invisivelmente reprimidos em outra.
Uma das descobertas mais importantes sobre o fenômeno subliminar foi a de que quanto mais subliminar algo for, mais estreito será o
limiar e maiores serão os efeitos sobre a percepção e o comportamento (ver Dixon, SubliminalPerception, p. 283-284). É difícil para os
norte-americanos compreenderem como algo invisível, incogniscível empirica- mente, pode afetar o comportamento. Não ajuda muito aludir às
partículas de DNA, aos vírus, íons ou partículas atômicas.
Nesta página impressa, a tinta preta oferece contraste visual ao fundo branco. Se você for diminuindo o pigmento preto, em certo ponto não
haverá nada visível no papel — nos níveis consciente e inconsciente. Quanto mais próximo a tinta puder chegar ao branco do papel, sem que
as letras desapareçam completamente, mais eficaz isto se torna como um estímulo perceptivo subliminar. O papel pode então ser impresso
mais uma vez com imagens ou palavras claramente visíveis. O fundo branco parecerá vazio, mas as palavras estarão lá, impressas muito
sutilmente. De modo similar, dados os níveis de volume audíveis, o som mais baixo e menos detectável é o que influencia subliminarmente o
comportamento de forma mais eficaz.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 7 9
Papéis com enxertos subliminares são disponíveis já há vários anos. Os fabricantes de papel aprenderam faz tempo como gravar ou criar
delicadas texturas de palavras como sex em seus papéis. Estes sexes enxerta- dos não fazem parte da marca d’água. Estes caros papéis
geralmente são usados para cartões de visitas ou para os folhetos promocionais e catálogos de vendas. Virtualmente qualquer cartão de
apresentação de alta qualidade e catálogo de vendas relaxadamente observado contra a luz por dez segundos revelará um mosaico de
palavras sex.
O PAPEL É A MASSAGEM, NÃO A MENSAGEM
Em 1983, a Osman-Kord Ltda., uma companhia de papel do sul da Califórnia, desenvolveu um processo através do qual comandos
subliminares para estimular os pedidos, mensagens de reforço de estratégias e outras imagens persuasivas podiam ser impressas muito
sutilmente nos papéis. Os enxertos são absolutamente inacessíveis à percepção consciente, não importa a técnica de averiguação usada. Os
indivíduos que conhecem a mensagem enxertada podem às vezes pescar uma ou outra parte dela com a percepção normal. Mas sem tal
conhecimento não há meio de detectar o conteúdo subliminar. Esta técnica é superior aos enxertos mais simples da palavra sex, muito mais
barata e extremamente flexível. Muitas pessoas aprenderam a detectar os enxertos de sex. Mas agora a mensagem permanece inacessível à
percepção consciente, evitando qualquer ameaça à credibilidade e à integridade da mídia.
Este processo de transmissão subvisual de mensagens foi testado pelo Laboratório de Pesquisas em Neuro-Comunicação Sidney
Weinstein, em Danbury, Connecticut. Utilizando três critérios — avaliação das ondas mentais EEG, classificação dos testes e impulso
consumista fatual — cerca de cem sujeitos foram estudados. Os papéis foram enxertados respectivamente com as palavras sex e no. Anúncios
de doces e livros foram impressos nos papéis enxertados, assim como em papel sem enxertos para checagem.
A experiência de Weinstein indicou que as mensagens enxertadas eram “significantemente influenciadoras,” ao estimular o impulso de
consumo, modificar as medidas das reações cerebrais de interesse e ex
citação, e ao influenciar o modo com que os sujeitos avaliavam os produtos anunciados. E não havia modo de provar que algo estava
enxertado nos papéis. O Wall Street Journal contratou os serviços do Geórgia State Crime Laboratory e de The Geórgia Institute of Technology
para que testassem e examinassem o papel com enxertos subvisuais. Eles não encontraram nada e, mesmo assim, parecia que o papel
afetava o comportamento. Os Advanced Optics and Lunar Laboratories, da Universidade Estadual do Arizona, também examinaram o papel
enxertado com técnicas de realçar imagens por computador. Não encontraram nada. Cerca de 15 mil pessoas, durante várias experiências,
foram incapazes de perceber conscientemente as palavras e imagens enxertadas no papel. No entanto, os usuários potenciais do papel
estavam cautelosos. Temiam parecer tolos se no final fosse descoberto que não havia nada enxertado no papel. Ver para creré um mito
cultural profundamente integrado na civilização ocidental.
Em outro estudo, Bruce Ledford, da Auburn University, do Alaba- ma, usou o papel com enxertos subvisuais numa pesquisa sobre a auto-
estima, um importante fator por detrás do desempenho acadêmico (ver Ledford, Effects of preconscious cues). A Escala de Auto-Estima de
Rosemberg, um teste de medição padrão, foi impressa em duas versões — uma sobre o papel liso, a outra sobre o papel com enxertos
subvisuais com a frase “/ loveyou!" e grandes corações. Os pontos atingidos nos testes de auto-estima feitos com o papel enxertado
aumentaram em média 34,7% em um grupo de estudantes com baixo desempenho. Os estudantes com desempenho normal aumentaram em
13,1% os seus pontos.
A pesquisa de Ledford demonstrou que a percepção humana, especialmente no sutil nível inconsciente, está muito mais envolvida nas
tomadas de decisões e julgamentos de valores do que qualquer pessoa pode suspeitar. Esta sensibilidade perceptiva torna-se extremamente
importante quando as pessoas comunicam não-verbalmente suas expectativas mútuas durante as relações interpessoais.
Outra técnica de enxertos subliminares em papel utiliza gravações por retícuias, nas quais grãos microscópicos de 0,125 mm de diâmetro,
que formam 130 linhas por polegada quadrada com 8 grãos por milímetro, são produzidas por computador em folhas transparentes. Imagens
COMO ENTRAR NA MENTE...» 8 1
positivas (palavras ou imagens) são pintadas ou impressas na retí cuia transparente e depois são destacadas. As imagens positivas tornam-se
negativas, compostas pelas áreas onde os grãos foram removidos. A retí cuia é então transferida para uma lâmina gravada. A página impressa
parece branca mas não é. Os grãos podem ser percebidos com um microscópio com capacidade de aumentar noventa vezes. Esta técnica
poderia ter sido usada na página que você está lendo agora.
Retículas com grãos maiores são bastante utilizadas na arte de propaganda para a diferenciação figura-fundo, e são encontradas na
maioria das lojas de materiais gráficos. Nos anúncios convencionais, o método de destacar uma certa quantidade de grãos proporciona uma
ilusão de profundidade nas reproduções bidimensionais. As camadas de grãos destacados geralmente aparecem em uma ou mais das
separações de cores. Estes grãos maiores podem ser vistos com uma boa lupa. A ilusão de profundidade é percebida inconscientemente;
conscientemente, a imagem continua sendo bidimensional. Acrescentar ou retirar grãos também é uma técnica bastante utilizada para
enxertar-se a palavra sex. A técnica fabrica ilusões da realidade que são perceptivamente mais reais do que a realidade mesma. As caras
reproduções a cores dos anúncios só são utilizadas porque elas controlam impulsos consumistas com maior eficácia dos que as simples
impressões em preto e branco.
William Nickloff, um técnico de gravações audiovisuais de Sacramento, na Califórnia, desenvolveu uma técnica engenhosa e não-detectá-
vel de enxertos subliminares. Ele utiliza argon-ion laser scanners nas separações de cores através de sistema Chromacom de processamento
eletrônico de imagens. Nickloff criou padrões de granulação singulares para ilustrações comerciais, que modificavam a percepção consciente.
Uma vez compreendida a teoria da comunicação subliminar, as inovações técnicas parecem ilimitadas.
COMPORTAMENTO VERBAL
As palavras que ouvimos, falamos e lemos são estímulos tanto para os pensamentos quanto para as ações. Elas também proporcionam
racionalizações, explicações, definições e/ou justificativas para as percepções. Os in
divíduos parecem desfrutar a fantasia de que falam exatamente o que tencionam dizer e de que têm o controle de sua linguagem e de suas
atitudes. “Fale das coisas como elas são!”, insistimos. Mas a linguagem dos meios de comunicação de massa é uma ferramenta bastante
desenvolvida para a persuasão exploradora.
Se quisermos, nós poderemos nos tornar consumidores exigentes, críticos e intransigentes. Vários métodos analíticos estão à disposição
de qualquer pessoa que saiba ler e escrever, e os aspectos sutis, sinuosos e exploradores da linguagem não são difíceis de serem expostos.
Mas o sistema educacional nos EUA faz exatamente o oposto; ele inculca uma aquiescência passiva ao status quo e àqueles que o controlam
e mantêm. As verdades da mídia tornam-se a verdade: “Confie em nós, não mentiriamos para você!”
Talvez o problema mais desconcertante da linguagem seja a questão do significado — não o que alguém disse, mas o que quis dizer. A
questão do significado apresenta um dilema fundamental na percepção humana. Nunca dois indivíduos atribuem precisamente os mesmos
significados contextuais às mesmas palavras. As variações de significado aparecem mais em termos de mais ou menos ou semelhanças e
diferenças do que em termos de ou um/ou outro. Os significados exprimidos por quem fala ou escreve também podem ser inconsistentes com
os que são interpretados pelo público. E, é claro, ainda existem os significados inconscientes das palavras, que podem ou não ser similares
aos significados dela no nível consciente.
Este autor participou certa vez, cc m outros dois escritores, da preparação de um discurso do então presidente Dwight Eisenhower. Embora
fosse um administrador de valor, Eisenhower era incapaz de construir adequadamente as mais simples frases na língua inglesa. Seus
discursos públicos eram escritos por vários ghost-writers, entre eles o perito artesão verbal Emmetjohn Elughés. Até mesmo a famosa frase de
Eisenhower, o “complexo industrial-militar”, é creditada a Malcolm Moos, na época presidente da Universidade de Minnesota, e ao assessor
presidencial Bryce N. Harlow.
Voltando ao discurso em questão, ele foi apresentado durante uma rápida visita de Eisenhower à Califórnia, em apoio a um senador
republicano local. Por 36 horas, sem ao menos dormir, os três escritores fizeram
COMO ENTRAR NA MENTE...» 83
rascunhos e mais rascunhos, revistos pelo secretário de imprensa da Casa Branca, que tecia secos comentários tais como: “Específico
demais!” “Diminuam as referências fatuais!” e “Levem de Volta e tornem o texto mais vago!” “Tornar o texto mais vago”, como acabamos
descobrindo, significava evitar qualquer afirmação clara e fatual sobre qualquer coisa que fosse mais específica do que a hora — e com
cuidado ao referir-se às horas por causa dos quatro fuso-horários dos EUA. O discurso foi exaustivamente analisado para prever as reações do
público, esforçar suas posturas e cercar os significados e crenças implícitos.
O texto final era uma obra-prima. A verborréia era elaborada, elo- qüente, elegante e inspirada. Havia só um problema. Será que alguém
levaria aquela retórica vazia a sério? O discurso era fluente, mas não dizia absolutamente nada sobre coisa alguma. E era essa precisamente a
sua intenção. Em entrevistas com o público após o discurso, a maioria demonstrou satisfação com as palavras do grande homem. “Ike mostrou
a que veio!”, “Ele tem o meu voto!”, “Gosto do jeito como ele pensa!”, “Grande discurso!”
Foi dada à audiência uma mancha de Rorschach verbal — na qual eles podiam projetar qualquer coisa que quisessem ouvir ou interpretar.
Cada pessoa percebeu o discurso nos termos de suas expectativas, valores, ansiedades e fidelidades particulares.
O INCERTO JOGO DE DADOS CULTURAL
Não há, em nenhuma língua, definições fixas, imutáveis e universais para qualquer palavra que seja. Os glossários e dicionários são
constantemente revisados, já que os significados, as definições e os usos conscientes e inconscientes das palavras mudam a cada dia.
Surpreendentemente, este fato reconhecido — que a linguagem está sempre mudando e evoluindo —, raramente é enfatizado nas escolas ou
pesquisado nas universidades. As línguas são aprendidas como sistemas permanentes de sintaxe lógica, com definições e significados
duráveis.
No melhor dos casos, a linguagem é um incerto jogo de dados cultural, cheio de ambigüidades, contradições, paradoxos e incertezas,
grosseiramente organizados ao redor das percepções conscientes e incons
cientes dos significados. Os significados variam entre quem fala ou escreve e quem ouve ou lê. A frase, “sei exatamente o que você quer
dizer!” é altamente questionável. Em geral, a frase significa exatamente o oposto. Superficialmente, acreditava-se que a matemática era a
única linguagem objetiva, até que o desenvolvimento da mecânica quântica tornou até mesmo esta objetividade questionável (ver Russell).
Para que qualquer sistema de linguagem seja um instrumento de comunicação humana confiável, objetivo e preciso, seriam necessários
acordos específicos e duradouros sobre as definições. Estas são as razões básicas para o fracasso das pesquisas que têm tentado criar nos
EUA e na URSS, no últimos 35 anos, programas de tradução por computador. As variações contextuais dos significados são infinitas, e estão
constantemente mudando.
Não obstante, as fantasias da objetividade verbal e da uniformidade de significado são construídas para manter as ilusões de credibilidade,
integridade e autoridade. Tais fantasias são aceitas porque, ao que parece, os homens precisam desesperadamente acreditar na permanência,
previsibilidade e consistência da linguagem. Esta necessidade psicológica parece comum, e é imposta sobre todos os sistemas de linguagem
conhecidos. A verdade absoluta do significado verbal é de longe o mito mais perigoso que os homens já criaram. As verdades lingüísticas
deveriam permanecer como pressupostos hipotéticos, independentes dos anseios humanos por uma validade eterna.
As suposições, ou as conclusões intuitivas, podem ser fortemente influenciadas pelos estímulos subliminares. Estas suposições fabricadas
parecem agir por fora da percepção consciente, embora os homens tentem racionalizar conscientemente suas suposições.
Quando alguém supõe verbalmente que um produto, uma pessoa ou uma idéia é superior ou inferior às outras opções — totalmente fora de
qualquer referência ou estrutura fatual — é provável que esta suposição seja produto de uma doutrinação subliminar. As suposições
geralmente envolvem uma preferência. Uma vez afirmada a preferência, acumulam-se verificações e sustentação fatual parajustificá-la ou
ampará-la, muito embora os indivíduos freqüentemente invertam sua percepção da seqüência envolvida. Eles convencem a si mesmos que
uma seqüên- cia lógica e uma causa resultaram num claro, específico e defensável efeito ou conclusão.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 85
As suposições verbalizadas são freqüentemente o resultado de um conjunto de estímulos subliminares percebidos tanto da mídia quanto do
meio cultural. Pouco mais do que projeções fantasiosas, estas suposições ficam retidas na memória por longos períodos. Quando assumidas
coletivamente, as suposições proporcionam uma orientação cultural duradoura. Uma predisposição para acreditar só pode ser revertida por
uma doutrinação extensiva, por uma poderosa barreira de dados fatuais inquestionáveis, ou por algum trauma relacionado à predisposição.
O efeito cumulativo destas suposições, na medida em que se refletem no comportamento, pode ser descrito como cultura. Cultura, neste
sentido, tem pouco a ver com as definições populares. Derivadas da mídia, das influências do meio em que se vive, da educação, da linguagem
e das relações interpessoais, estas suposições englobam desde preferências por uma comida ou bebida até julgamentos sobre indivíduos,
grupos e mesmo nações. Você pode realmente confiar nos EUA, na URSS ou no Burger King? Tal questão é um nonsense, é claro, assim
como o são todas as designações estereotipadas.
A suscetibilidade aos estímulos subliminares geralmente depende da tensão, ansiedade ou preocupação intensa de um indivíduo ou grupo.
Isto provavelmente surgiu da evolução bastante normal de um mecanismo de sobrevivência, e não deve haver uma defesa total contra o
fenômeno, e nem seria desejável. Talvez o melhor que possamos esperar seja um certo nível de capacidade defensiva para mantermos algum
grau de autonomia contra a força de persuasão da mídia. A arte, a ciência e a engenharia da manipulação certamente serão mais intensas,
hábeis e sofisticadas no futuro.
A vulnerabilidade pode ser reduzida pela diminuição do stress, especialmente o stress fabricado pela mídia para vender produtos, pessoas
e idéias. Você pode desativar a capacidade de provocar ansiedade da mídia, mas tem de aprender como fazer isto. Uma pessoa com uma
visão relaxada e contemplativa do mundo perceberá as coisas de uma perspectiva mais analítica, reflexiva e distanciada. Uma preocupação
consciente com os dados fatuais, com o julgamento crítico das suposições intuitivas e um alerta constante para com as motivações humanas
que estão por detrás da comunicação poderíam reduzir o nível de vulnerabilidade.
Talvez a defesa mais eficaz contra a manipulação da mídia venha do conhecimento sobre a cultura, a linguagem, a tecnologia dos meios de
comunicação e a percepção. Mas nas culturas de alta tecnologia as pessoas têm sido treinadas justamente na direção oposta — para o
analfabetismo visual, a ignorância sobre a linguagem e a preferência dócil pela superficialidade no lugar da essência. A maioria dos indivíduos
não pode distinguir entre uma fotografia, uma fotografia manipulada e uma pintura; entre as percepções voltadas para a realidade e as
fantasias. Eles não podem nem distinguir, num anúncio, cubos de gelo reais dos de mentira.
NÍVEIS DE ADAPTAÇÃO OU VALORES DE JULGAMENTO
As experiências com o nível da adaptação, ou a manipulação dos valores de julgamento, tiveram início há um século, nas áreas de psicologia e
sociologia (ver Peirce e Jastrow). Os estudos sobre o nível de adaptação registravam julgamentos e avaliações em escalas que iam, por
exemplo, de bom a ruim, fraco aforte, belo a feio etc. As primeiras experiências com o nível de adaptação contribuíram para o desenvolvimento
das pesquisas de opinião pública e de comportamento, que são hoje amplamente usadas pela mídia para construir a aprovação do público. As
pesquisas de opinião pública são utilizadas regularmente antes, durante e depois das campanhas publicitárias e de relações-públicas, das
tomadas de decisões públicas, das eleições e das campanhas de vendas. Várias experiências com as escalas de nível de adaptação (ver
Dixon, SubliminalPerception, p.31-38) envolveram testes com estímulos subliminares. Por exemplo, os julgamentos das percepções de quente
e frio, da intensidade de choques elétricos, do volume de barulho e de pesos e tamanhos relativos eram facilmente modificados com os
estímulos subliminares.
Indivíduos e grupos foram orientados para fazer julgamentos de suas percepções em escalas numéricas. Em seguida, eles foram expostos
a estímulos subliminares que retratavam valores como mais ou menos, fraco ou forte, leve ou pesado, no sentido oposto ao do primeiro
julgamento. Mudanças significativas dos julgamentos iniciais ocorreram em virtualmente todas as experiências.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 87
As implicações destas obscuras experiências acadêmicas são apavorantes. Eles foram talvez a primeira demonstração cientificamente
mensurável de que os homens e seus sistemas de valores poderíam ser facilmente manipulados. Os homens podem ser manipulados pela
mídia para tornarem-se virtualmente qualquer coisa que alguém deseje, se forem gastos o dinheiro e o tempo necessários para isto. Se os
valores de julgamento mais simples podiam ser alterados pelos estímulos subliminares, certamente os julgamentos mais complexos também
eram vulneráveis. É apenas um pequeno passo entre osjulgamentos de tamanho, peso ou ruído e aqueles de verdade, moralidade, validade e
significação. As investigações sobre o nível de adaptação poderiam ter propiciado um campo fértil para a pesquisa. Não o fizeram. As
pesquisas da área nunca foram publicamente ampliadas para áreas significativas da experiência humana — uma característica típica de
grande parte das pesquisas das ciências de comportamento. As experiências com o nível de adaptação virtualmente desapareceram das
universidades e das publicações científicas. No entanto, a aplicação comercial da teoria do nível de adaptação continuou a ser feita pela mídia.
A propaganda é o pano-de-fundo onipresente na cultura norte-americana. Os anúncios penetram inconscientemente na percepção, e uma
vez dentro do sistema de memória lutam para transformar-se em arquivos permanentes. O custo para vender algo é uma parte escondida de
todo item adquirido pelo consumidor final, é uma taxa oculta. Segundo um recente texto básico sobre marketing (Kurtz and Brone), o custo de
venda (i.e. marketing) nos EUA varia de 40% a 60% de cada dólar gasto pelo consumidor. O custo de venda ultrapassa o custo de produção —
trabalho, matéria-prima, manufatura.
A cultura norte-americana institucionaliza e legitima a manipulação das vendas, mas oculta os mecanismos do que está realmente
ocorrendo. Os consumidores são incessantemente lembrados de que são eles quem toma as decisões, são convencidos ad nauseam pela
propaganda de que pensam por si mesmos. Um crítico podería muito razoavelmente perguntar por que é necessário gastar tanto dinheiro,
talento, tempo e esforço no controle do impulso de consumo se os consumidores realmente pensam por si mesmos. Mas qualquer um que
questionar o paradoxo será excomungado como um subversivo radical.
Poucos estudos sérios já foram produzidos sobre os efeitos sociais de submersão perceptiva na publicidade. O assunto é ignorado em favor
de um enorme elogio da indústria de comunicação, financiada pela indústria de publicidade.
No estudo sobre o comportamento humano, qualquer pessoa que procure algo novo, não tocado e ainda não descoberto, provavelmente
estará perdendo seu tempo. As preocupações humanas têm sido exaustivamente descritas, medidas, avaliadas e testadas em todas as
direções concebíveis. Uma técnica produtiva para descobrir algo de novo, não óbvio e bastante significativo à sobrevivência é justamente não
procurar nada de novo. Ao contrário, procure algo que está por aí faz tempo, que é tido como certo, que é tão óbvio que permanece sem ser
visto ou descoberto, reprimido ou escondido do público, intencionalmente ou não. Todas as sociedades têm tais tesouros intelectuais
escondidos e tacitamente proibidos, à espera de serem descobertos e esclarecidos. Descubra o que não é discutido, estudado e examinado
criticamente. Ignore o que está na superfície, que todos percebem, discutem e acham ameaçador. As sociedades ocultam seus nervos
expostos que, quando examinados, tornam-se dolorosos e causam medo. Mas, como já foi mencionado anteriormente, “Nopain, nogain!”
IMPULSO DE CONSUMO
Os cientistas evitam os assuntos que não lhes compensarão o tempo e esforço gastos, ou que poderão acarretar punições. Os cientistas, como
todo mundo, buscam as recompensas da sociedade. O impulso de consumo é a área de maior concentração de pesquisas neste país, e
dispende centenas de milhões de dólares anualmente. Sofisticados sistemas de computadores correlacionam estes dados de centenas de
modos, para tentar fornecer luzes sobre por que, como e quais pessoas compram e consomem os diferentes produtos e marcas. O
consumismo é a área de comportamento mais exaustivamente pesquisada no mundo ocidental.
As prioridades nos EUA parecem grotescamente invertidas. O Instituto Nacional da Saúde Mental relatou que, durante o ano de 1984, “por
um período de seis meses, 18,7% dos adultos nos EUA (29,4 milhões de pessoas, quase duas em cada dez) sofreram de pelo menos um
distúrbio psiquiátrico. Apenas um quinto dessas pessoas procuraram tratamento.
COMO ENTRAR NA MENTE...» 89
A maioria consultou clínicos gerais no lugar dos especialistas em saúde mental. ” Os EUA desenvolveram uma cultura que torna um grande
número de indivíduos doentes mentais. As estatísticas sobre a dependência ao álcool e às drogas estão aqui incluídas, é claro.
Para apreciarmos a magnitude econômica e social dessa dimensão oculta da cultura norte-americana, em 1983 os doze maiores
anunciantes de produtos alimentícios dos EUA investiram três bilhões e meio de dólares na publicidade de seus produtos — de 3% a 11% da
receita total de vendas. Cerca de 10% do investimento global em publicidade foi usado nas pesquisas sobre o impulso de consumo.
A publicidade tem dois objetivos simples e mensuráveis — aumentar o número de consumidores e a quantidade que eles consomem. O
sucesso ou o fracasso geralmente são medidos em relação a estes dois critérios. Substâncias que causam dependência, como o álcool, o fumo
e as drogas, são manipuladas para tornarem-se objetos de impulso de consumo. Mas estes produtos levam a várias patologias médicas e
psiquiátricas. A soma de mais de um bilhão de dólares investida nos anúncios de bebidas alcoólicas em 1986 (cerca da metade nos anúncios
de cervejas) relaciona-se diretamente com as patologias ligadas ao álcool. O investimento de meio bilhão de dólares, feito em 1986 nos
anúncios de cigarros, correlaciona-se com as patologias ligadas ao fumo, incluindo câncer, enfise- mas e doenças coronárias e circulatórias.
PSICOPATOLOGIA
Um conjunto substancial de pesquisas médicas concluiu que os estímulos subliminares são responsáveis pela maioria — senão todas — das
doenças psicossomáticas. Estas doenças originam-se na mente ou nos conflitos mentais ou emocionais (ver Dixon, PreconsciousProcessing,
pp. 177-178). As doenças psicossomáticas incluem paranóia, fobias e outras síndromes ligadas ao stress, muitas das quais acabam resultante
em colapsos fisiológicos. Os estímulos conscientes e inconscientes iniciam interações entre os processos mentais e corporais. A informação
reprimida ou inconsciente transmitida pelos anúncios geralmente envolve tabus sexuais e relacionados à morte — idéias inaceitáveis
socialmente. Tais idéias, percebidas subliminarmente, podem vender marcas ou produtos, mas elas também en
tram em conflito com os sistemas de valores vigentes. Seus conteúdos fre- qüentemente incluem apelos à homossexualidade latente, dilemas
éticos, fantasias bizarras e sugestões de auto-castração e autodestruição.
Tais conteúdos podem ser desestabilizadores ou coisa pior para alguns indivíduos, evocando ansiedade, raiva, medo, ressentimento,
repulsa, ou mesmo lascívia em algum nível do continuum consciente-incons- ciente. Reações emocionais poderosas podem ser induzidas ao
grande público sem que ele tome consciência disto.
Os efeitos fisiológicos dos estímulos subliminares são menos intensos quando transmitidos através da mídia do que quando são, digamos,
transmitidos pelas relações interpessoais e pelo meio ambiente. No entanto, pelo seu uso bastante difundido na publicidade, eles ocorrem com
freqüência. Não percebidos ao nível consciente, os efeitos parecem ser cumulativos — acabando por serem integrados ao sistema cultural
global. Reações histéricas de medo foram geradas por filmes como O Exorcista e The Texas Chainsaw Massacre. Os produtores destes dois
filmes admitiram publicamente que eles continham estímulos subliminares violentos e assustadores (ver Key, Media Sexploitation, pp. 98-116).
Tais experiências, repetidas com freqüência, ano após ano, década após década, acabam provocando mudanças fisiológicas nos
espectadores.
A maioria dos indivíduos sob estimulação subliminar só sente um ligeiro desconforto em nível consciente, se é que sente algo. Poucos têm
ciência de que algo ameaça ou atrapalha seu bem-estar. No entanto, num período prolongado de tempo, o constante bombardeamento de
estímulos subliminares pode levar a mudanças permanentes nos sistemas orgânicos e em seus complexos funcionamentos. A
superestimulação constante dos mecanismos fisiológicos de defesa pode acabar modificando ou exaurindo estes sistemas. Tais mudanças
podem dar início a uma séria reestruturação no inter-relacionamento fisiológico entre mente e corpo, que varia de intensidade e significação
conforme o indivíduo.
Mais ainda, demonstrou-se que os estímulos subliminares afetam as funções fisiológicas e o comportamento, mesmo após uma única e
isolada exposição. O sistema de memória inconsciente parece reter a informação emocionalizada indefinidamente. As recordações induzidas
subliminarmente realimentam os comportamentos de várias formas que são, até o presente momento, muito pouco entendidas. A manipulação
COMO ENTRAR NA MENTE...» 9 1
do impulso de consumir é apenas um destes comportamentos, é claro.
As reações imediatas ou retardadas aos estímulos subliminares podem ativar vários sistemas fisiológicos autônomos do corpo humano. Foi
demonstrado experimentalmente que os sistemas supra-renal-neural- cortical reagem aos estímulos subliminares. Estes inter-relacionados
sistemas orgânicos geram as defesas mentais-corporais contra as ameaças de agressão. As duas glândulas supra-renais, por exemplo,
localizadas perto dos rins, produzem vários hormônios importantes, especialmente a epi- nefrina e a norepinefrina. O sistema nervoso conecta
todas as glândulas e sistemas corporais ao cérebro.
Quando um indivíduo confronta-se com o perigo, as secreções de epinefrina estimulam a reação de medo do indivíduo e aumentam o alerta
mental para o perigo (reações de fuga). As secreções de neropinefrina preparam o indivíduo para a ação, especialmente para a ação agressiva
(reações de luta). Tanto as reações de fuga como as de luta podem ser acionadas pelos estímulos subliminares (ver Dixon,
SubliminalPerception, pp. 205-228 e Preconscious Processing, pp. 124-126; ver também Brown, “ Conceptions of Perceptual Defense").
Os efeitos dos estímulos subliminares nos sistemas supra-renal-neu- ral-cortical — que interconectam os órgãos, o cérebro e o sistema
nervoso — também podem modificar as funções homeostáticas, o modo do corpo controlar e regular os sistemas autônomos. Isto inclui a
regulagem dos batimentos cardíacos, da pressão e da circulação sangüínea, do suor ou da temperatura corporal e da respiração ou inspiração,
que aumenta o nível do oxigênio no sangue. Embora a reação genérica destes sistemas autônomos aos estímulos subliminares possa ser
medida, estes sistemas são extraordinariamente complexos, inter-relacionados, sutis e apenas parcialmente compreendidos.
O INVISÍVEL E CUMULATIVO ESTRAGO CAUSADO PET A MÍDIA
Os estímulos subliminares podem tornar um indíviduo instantaneamente mais alerta e mais sensível à estimulação adicional devido às
mudanças nos sistemas de ativação do cérebro.
1. O fluxo sangüíneo pode ser desviado dos vasos periféricos e dos órgãos digestivos para os músculos e para o cérebro.
2. Os batimentos cardíacos podem se tornar mais rápidos para fornecer mais oxigênio aos músculos e ao cérebro e para aliviar os gastos
corporais.
3. A coagulabilidade do sangue pode aumentar em resposta à ameaça de sangramento.
4. Os vasos sangüíneos periférios podem constringir-se para desviar sangue dos músculos e diminuir a perda de sangue no caso de
ferimentos.
5. O suor pode dissipar o calor gerado pela atividade dos músculos e tornar o corpo escorregadio.
6. As pupilas podem dilatar para aumentar a capacidade de visão no escuro ou tornar a aparência do indivíduo assustadora ou sexualmente
estimulante.
7.0 aumento do açúcar no sangue pode diminuir o volume do sangue.
8. A respiração acelerada pode alterar as trocas de oxigênio-dióxi- do de carbono.
9. As mudanças estomacais e intestinais podem precipitar a evacuação ou a eliminação de urina.
10. Finalmente, a estimulação subliminar das secreções supra-renais medulares (produções glandulares corporais e mentais) podem acionar a
produção de hormônios supra-renais-corticotrópicos- pituitários, que estimulam outros importantes sistemas de defesa.
Cada parte do cérebro humano está conectada às outras partes do cérebro e do corpo através de bilhões de redes microscópicas de
neurônios. Nada no inter-relacionamento mente-corpo existe isoladamente. Os sistemas endocrinológicos, neuro-anatômicos e
neurofisiológicos estão todos interconectados. Os estímulos emocionalizados podem influenciar a resistência de um indivíduo às doenças,
afetando o sistema imunológico e aumentando a suscetibilidade à infecção. Os estímulos subliminares podem excitar os processos cerebrais
que estão sob sistemas inteiros de idéias com carga emocional. Estas inter-reações entre a mente e o corpo também podem ser geradas pela
hipnose, sugerindo haver uma similaridade entre os efeitos da hipnose e dos fenômenos subliminares sobre a fisiologia e o comportamento.
Patologias específicas têm sido relacionadas às técnicas subliminares na mídia de publicidade. As desordens nutricionais — tais como
bulimia,
COMO ENTRAR NA MENTE...» 93
pica, anorexia nervosa e obesidade — afligem cerca de 15 milhões de pessoas nos EUA. Uma grande proporção da propaganda de produtos
alimentícios utiliza técnicas subliminares, tais como as que foram demonstradas nas ilustrações. Mesmo assim, nunca houve uma tentativa
séria de estudar-se a relação entre a propaganda de comidas e as patologias relacionadas a comida — um testemunho de influência política
dos anunciantes.
A Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, realizada em 1986, indicou que o homem adulto pesa entre 9 e 14 quilos a mais do que
deveria, e que a mulher adulta média pesa entre 7 e 12 quilos e mais. A população dos EUA tornou-se substancialmente mais gorda, ao
mesmc tempo em que a mídia falava cada vez mais sobre comida saudável, exercícios e dietas. Entre 25 e 30% da população norte-americana
tem excesso de peso — o maior problema de saúde da nação. Segundo as tabelas da Metropolitan Life Insurance, 11 milhões de pessoas nos
EUA são gravemente obesas, excedendo o peso ideal em 40% ou mais. Entre os indivíduos obesos há três vezes mais incidência de
problemas de pressão alta e diabetes do que nos indivíduos normais, maior incidência de doenças cardíacas, menor expectadva de vida e
riscos bastante altos de problemas respiratórios, artritres e certos tipos de câncer. As mulheres obesas têm cinco vezes mais chances de terem
câncer no útero do que as mulheres normais, e um maior risco de terem câncer no cólo, reto e nos seios. As pessoas obesas sofrem mais de
osteoa- rtrites porque o peso sobrecarrega as juntas, sofrem mais acidentes e ferimentos porque são menos capazes de proteger-se, têm
maiores dificuldades respiratórias e digestivas e até mais dificuldade para dormir.
Perigos similares advindos da mídia aplicam-se a outras patologias relacionadas ao consumo, tais como o abuso e dependência do álcool,
do fumo e das drogas farmacêuticas. Substâncias ilegais que causam dependência— maconha, cocaína, heroína e as chamadas designer
drugs— também são estimuladas e romantizadas pelos estímulos subliminares nos jornais, na tevê e na música popular. O uso de drogas é
amplamente celebrado pela mídia nos EUA. O ataque indiscriminado ao uso de drogas numa sociedade onde elas são amplamente
legitimadas garante a popularidade destas drogas entre as pessoas emocionalmente imaturas de todas as idades. Considerando-se as
enormes quantias investidas anualmente nas pesquisas sobre a mídia, é notável que os efeitos da mídia na saúde pública continuem sendo um
assunto completamente inexplorado.
CAPÍTULO TRÊS
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA

A mais perigosa de todas as ilusões é a de que há apenas uma realidade. Paul Watzlawick, How Real is Real?
Não há pensamentos perigosos. O pensar em si é perigoso! Hannah Arendt, The Life of the Mind
O que vem a seguir é uma tentativa de sintetizar as visões correntes sobre a mente humana, os sistemas perceptivos e suas fisiologias. Estas
visões, no entanto, mudam constantemente ao sabor das novas descobertas, tecnologias, e influências culturais. O como e o por que a
percepção opera do modo que parece operar devem ser encarados da perspectiva deste momento particular da história. Esta análise tenta
evitar prender-se a qualquer corrente teórica específica, tais como freudiana, behaviorista, gestalt etc. A evolução das psicologias tem se
envolvido mais com a cultura do que com a ciência, adaptando-se ao que as sociedades desejam acreditar ou não sobre si mesmas em cada
época específica. A sabedoria convencional de hoje era a visão radical de ontem que vai se tornar o nonsen- se antiquado, obsoleto, vulgar de
amanhã.
As teorias psicológicas demonstram uma peculiar adaptabilidade aos dogmas sócio-econômicos-políticos-religiosos-culturais dominantes. A
cultura política da URSS propagou as teorias de Trofim Lysenko, um agrônomo cujas noções sobre a influência do meio-ambiente na
hereditariedade foram estendidas a teorias sobre o comportamento humano. De modo semelhante a cultura tecno-empreendedora dos EUA já
fez quase uma religião do behaviorismo de B.F.Skinner, que simplificou a psicologia num sistema lógico-verbal sobre um homem mecanizado,
com inputs e outputs como um pequeno computador. Tanto Lysenko quanto Skinner já passaram para a história. Cada um deles disse à
sociedade de
seu tempo o que ela queria ouvir. Essa conformidade à cultura dominante gerou acusações de que os cientistas sociais são tanto anti-sociais
como anti-científicos, propagandistas de uma cultura geralmente definida como o melhor dos mundos possíveis.
Como e por que o cérebro humano funciona como parece funcionar ainda é um mistério. Vários cientistas descreveram exaustivamente e
detalhadamente as estruturas anatômicas do cérebro, pelo menos aquelas que podem ser percebidas. Os processos neurológicos,
circulatórios, elétricos, hormonais, químicos, intracelulares e suas estruturas de apoio foram medidas microscopicamente, modificados
cirurgicamente, mapeados e manipulados experimentalmente. Mesmo assim um conhecimento claro e preciso sobre o funcionamento do
cérebro ainda é um desafio à tecnologia. A afirmação mais acurada que se pode fazer sobre o cérebro humano é simplesmente que ninguém
sabe como e por que este órgão funciona como parece funcionar. Os neurologistas devem ser os que estão mais próximos de descobrir isso.
No entanto, eles relatam que não sabem virtualmente nada sobre como o cérebro armazena, sintetiza e correlaciona as informações
percebidas. Há apenas teorias — literalmente, centenas delas.
O estudo do cérebro humano envolve um paradoxo — estudar um sistema usando-se o próprio sistema que está sob estudo. O dilema é
fundamentalmente um dilema de linguagem — a singular ferramenta humana que nos permite estudar, explicar e racionalizar o mundo. E fácil
explicar o mundo com palavras e muito difícil relacionar as palavras com as realidades. As descrições da fisiologia do cérebro (como ele
trabalha) devem ser feitas numa linguagem verbal ou matemática linear, percebida seqüencialmente, e voltada para definições — um item de
cada vez, um sistema de cada vez, um processo e uma ação de cada vez. A linguagem é simbólica — uma referência remota e simplista para
realidades incrivelmente complexas, inter-relacionadas e de múltiplos processos, todos operando ao mesmo tempo através de bilhões de redes
microscópicas de neurônios. Por mais que alguém tente descrever lingüisticamente o modo de operar do cérebro, sua descrição verbal nunca
poderá retratar adequadamente a complexa realidade. Mesmo que a complexidade fosse compreendida, esta compreensão teria de ser
descrita em uma linguagem bastante distante da realidade em questão. As palavras e os números
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 99
não são as coisas que representam, são apenas representações distantes e simbólicas. A falibilidade da linguagem destruiu aos poucos a
chamada psicologia behaviorista, tornando-a pouco mais que uma pseudociência. O behaviorismo tenta excluir os processos inconscientes, e
tem dominado muito da psicologia nos EUA. O escritor Arthur Koestler descreveu o behaviorismo como “uma monumental trivialidade marcada
por uma ingenuidade inata e uma falência intelectual”.
O mais avançado computador teoricamente possível permanece sendo, em comparação com o cérebro humano, um brinquedo de criança.
As complexidades do cérebro humano prometem continuar sendo, num futuro previsível, o mais impenetrável enigma. Não obstante, novas
teorias psicológicas continuam sendo formuladas e publicadas a cada ano que passa. E importante ter sempre em mente que teorias não são
verdades. Nunca apareceu uma teoria completamente válida sobre o pensamento humano. As teorias são, no melhor dos casos, conjeturais,
especulativas, circunstanciais, projetivas e, com freqüência, pouco mais do que pensamento positivo.
No pragmático mundo da tecnologia, com freqüência representada distorcidamente como ciência, poucos conseguem enfatizar aquilo que
não sabem. As teorias misturam-se facilmente com as verdades per- ceptivas. Muitos psicólogos, notavelmente a estirpe de escritores
simplistas como B. F. Skinner, Wilheim Wundt, Edward Thorndyke, James Cat- tell, Abraham Flexner ejohn Dewey, sustentam que não utilizam
teorias, apenas fatos empíricos derivados de experiências com pessoas e animais. Estes behavioristas desenvolveram elaborados
estratagemas semânticos para evitar as teorias. Eles literalmente criaram teorias sobre não usar teorias.
Quando reconhecidas como tais, as teorias são simplesmente meios hipotéticos para entender-se algo, e elas podem ser úteis,
especialmente quando são a única coisa disponível. Albert Einstein comentou certa vez que “é a teoria que decide o que podemos observar”.
Uma teoria só pode ser útil num tempo, lugar e situação específicos. Algumas teorias têm sido mais úteis que outras. Uma coisa parece
certa: o cérebro humano não tem, nem remotamente, nada a ver com os computadores — mecanismos cujas operações simplistas e
repetitivas devem ser dirigidas e controladas pelos homens. As teorias cognitivas atuais mo
delam o cérebro de acordo com as formas de um computador de última linha (ver Kihstrom, The Cognitive Unconscious). Guriosamente, o livro
pioneiro de Norbert Weiner, TheHuman Use ofHuman Beings: Cybernetics and Society (1954), conceitualizou os computadores modernos a
partir de uma comparação com o cérebro humano. Hoje em dia, os teóricos con- ceitualizam o cérebro em comparação com o computador. Nos
útlimos 35 anos, as teorias mecanicistas do funcionamento do cérebro deram uma volta completa, modificando-se de acordo com o que as
sociedades queriam acreditar.
A INTELIGÊNCIA NÃO-INTELIGENTE
É fascinante observar a última fantasia comercial sobre os computadores promovida pelas indústrias a favor do lucro. As fantasias recentes
sobre a inteligência e a linguagem artificiais fornecem um exemplo. O que fica retido mais ou menos permanentemente no cérebro humano
poderia ser designado como inteligência. É claro que, se o conteúdo da memória ficar reprimido, inacessível à consciência, esta memória não
seria de grande valia num teste de inteligência. Uma vasta literatura discute interminávelmente sobre como a inteligência deveria ser definida.
No entanto, o que acontece com o mais sofisticado computador dificilmente é comparável à inteligência humana. Jogos intelectuais sobre as
noções de inteligência artificial — tais como os do delicioso livro Godel, Escher, Bach, de Douglas Hofstadter—são distrações para as horas de
lazer. Mas a construção de uma linguagem artificial para comunicar-se com alienígenas no espaço sideral já beira o absurdo. A linguagem
humana, utilizada como uma ferramenta de manipulação, freqüentemente já torna difícil a comunicação com o vizinho de porto, para não
falarmos de antagonistas como os EUA e a URSS. A inteligência dificilmente é uma qualidade que pode ser atribuída a máquinas. Uma
máquina imbecil simplesmente faz o que lhe mandam fazer e não pode, mesmo na mais otimista das racionalizações, pensar por si própria. E
como este livro pretende mostrar, esta qualidade pode ser rara até mesmo entre os homens.
Os estudos sobre o pensamento humano têm sido focalizados sobre a percepção— como a os múltiplos artifícios sensoriais levam a
informação pa
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 1 O 1
ra dentro do cérebro — e abstração — como a informação acaba emergindo como comportamento e linguagem. Os processos do pensamento
em si podem ser considerados comportamentos, com os sentidos fornecendo dados ao cérebro na velocidade de micro-segundos. Processos
químicos e hormonais também parecem estar envolvidos. As bilhões de células do cérebro comunicam-se com os bilhões de neurônios
sensitivos por todo o corpo. A percepção geralmente pode ser considerada como instantânea e total. No entanto, a minúscula porção da
percepção que torna-se aparente conscientemente opera de modo bastante seletivo e muito mais lento.
Enquanto o leitor está confortavelmente sentado numa sala aconchegante, bem iluminada, ao lado de uma lareira onde a lenha queima
devagar, seus olhos acompanham estas linhas de símbolos verbais impressas seqüencialmente. Ele concentra-se nos significados e
sensações que lhe dão as palavras, frases e parágrafos. Conscientemente, o leitor só percebe as palavras impressas em cada página,
percebidas pelo mecanismo do olhar e transmitidas ao cérebro, onde as associações e idéias são geradas tanto no nível consciente quanto no
inconscien te. Mas há muito mais coisas ocorrendo dentro do cérebro do que aquilo de que o leitor tem consciência. Os sons distantes do
trânsito, de aparelhos de rádio ou TV, o vento ou o clima lá fora, a temperatura, a umidade, aionização etc., tudo é registrado no cérebro. Há a
pressão do corpo do leitor contra a cadeira, a textura da roupa, ruídos gástricos e a sensação de fome, o sabor e a pressão da goma de mascar
na boca, uma coceira no tornozelo, o latejar de um antigo machucado no joelho, uma secura nos lábios e o odor e o cre- pitar da lenha ardendo
na lareira.
Estas informações, todas ao mesmo tempo, fluem continuamente dos sentidos para o cérebro. Conscientemente, você só percebe a página
impressa. Inconscientemente, todos os dados são percebidos e processados, e alguns são armazenados para futura referência. Todo mundo
tem uma grande quantidade de informação no cérebro que nunca se tornará conscientemente disponível.

AS DEFINIÇÕES INCLUEM E EXCLUEM


Somando-se às percepções periféricas, o cérebro interpreta e define cada palavra da página. As definições incluem informações no nível
percepti-vo consciente e excluem material no nível inconsciente. A mente, a cultura e a linguagem são intimamente inter-relacionadas e
interdependentes. A maioria dos indivíduos têm a ilusão de que controlam a percepção. No melhor dos casos, este controle envolve apenas
uma pequena parte do processo. Cada cultura e cada linguagem categoriza e define a experiência perceptiva de maneira diferente —
controlando o que será percebido conscientemente como significativo, o que será armazenado no inconsciente ou deixado de lado como
irrelevante. O processo também envolve as experiências passadas e necessidades emocionais do indivíduo. Em algum momento durante o
início do processo de amadurecimento, os homens aprendem o que não devem perceber conscientemente, aprendem a alterar e restringir
suas percepções, a defenderem-se percep- tivamente contra sentimentos ou tabus indesejáveis, contra os impulsos e recordações que
provoquem ansiedade.
Os tabus culturais e os sistemas perceptivos inconscientes tornam- se, desse modo, fundamentais ao processo perceptivo total. O que os
homens pensam pensar sobre o que pensam — se fossem pessoas capazes deste tipo de avaliação abstrata — é apenas uma fração do que
está acontecendo globalmente. As defesas perceptivas parecem ser um dos meios do cérebro focalizar, canalizar, concentrar a atenção sobre
uma porção bastante limitada do enorme conjunto de informações que fluem a cada instante para dentro, para fora e através do cérebro.
As defesas perceptivas podem ser descritas como mecanismos que subordinam informações ao inconsciente. Os indivíduos não têm
controle consciente sobre as defesas perceptivas, que funcionam automaticamente. A informação significativa que é anulada da percepção
consciente aparentemente fica armazenada no cérebro por tempo indefinido, servindo de feed-back para os comportamentos. O mais
importante destes comportamentos, no contexto deste livro, é o impulso consumista. No entanto, o impulso de consumir é inconscientemente
uma parte de comportamentos ideológicos, políticos e sociais. Muito pouco no mundo da percepção está isolado de tudo o mais que está
acontecendo na vida.
As defesas perceptivas funcionam continuamente para limitar a percepção consciente e nos permitir que nos concentremos no que estamos
fazendo em determinado momento particular. O processo de defesa perceptiva garante aos homens uma ilusão da realidade simplificada,
linear,
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 103
voltada para as definições verbais, e culturalmente preconceituosa — uma abstração fantasiada do mundo, reducionista e desprovida de
detalhes, percebida conscientemente como a realidade daquele momento.
Os indivíduos percebem conscientemente que os olhos, os ouvidos ou outros órgãos dos sentidos captam alguns dados e ignoram outros.
Esta percepção é ilusória. Os órgãos dos sentidos funcionam meramente como mecanismos servis — transmitindo indiscriminadamente
quantidades prodigiosas de dados ao cérebro. O processo de edição ocorre no córtex cerebral, a camada mais exterior do cérebro. Como isto
acontece de fato é algo que não sabemos e que talvez nunca saberemos.
Oito defesas perceptivas foram descritas, modos pelos quais escondemos informações de nós mesmos para evitar a ansiedade, a
depressão, a confusão e a sobrecarga perceptiva. Elas incluem a repressão, o isolamento, a regressão, a formação de fantasias, a sublimação,
a negação, a projeção e a in- trojeção (ver Lidz, pp.256-261). Elas podem ser de diferentes aspectos do mesmo processo perceptivo. De
qualquer forma, elas controlam significativamente nosso dia-a-dia, nossos pensamentos, nossas ações e nossos destinos. Aquilo que é
deixado de fora (excluído da percepção consciente) pode ser bem mais significativo para a sobrevivência do que aquilo que é percebido
conscientemente.
As diferenças entre as culturas humanas, no que diz respeito às percepções, parecem ser uma questão de grau e perspectiva, não uma
diferença de gênero. As defesas perceptivas parecem ser universais, e são responsáveis por grande parte da vulnerabilidade humana à
manipulação. Todo sistema cultural é tanto um meio de conhecer quanto um meio de não conhecer.
As defesas perceptivas inibem e distorcem a realidade, e ninguém está completamente livre delas. Estas defesas modificam nossas visões
de nós mesmos, de nossas motivações e os relacionamentos humanos. A manipulação das defesas perceptivas pode criar sérios problemas
de ajustamento e sobrevivência. Por exemplo, se um líder afirma que tudo o que diz é verdade e tudo o que seu oponente diz é propaganda, tal
nonsense— se levado à sério — prepara o palco para perigosos confrontos. A natureza questionável de tal afirmação desaparece quando a
audiência defende-se contra qualquer dúvida sobre a credibilidade do líder que acreditam estar servindo lealmente a sua nação. Um certo grau
de auto ilusão, no entanto, parece ser socialmente necessário. Voltaire comentou que qualquer pessoa que fosse obrigada a se olhar no
espelho da verdade ficaria imediatamente louca. Não obstante, a auto-ilusão, via defesas percep- tivas, é um negócio arriscado num mundo
onde a vida e a morte — e a fina linha entre elas — tornaram-se algo frágil, momentâneo e hipotético. A auto-ilusão evolui como o ingrediente
básico dos sistemas culturais do mundo — um ingrediente perigoso, capaz de iniciar o derradeiro erro de cálculo.
Num anúncio para TV do amaciante de roupas Downy, a peça de trinta segundos começa num quarto de crianças. A atriz diz em tom jovial,
“Ei! Tenho uma coisa para te mostrar!” Corte para a área genital da atriz, onde ela segura uma garrafa de Downy com a alça apontada para seu
órgão genital. Não há nenhum quadro de seu rosto, apenas da área genital e da garrafa de Downy. Os espectadores inocentes, se fizeram
conscientemente a associação óbvia (o que não é provável na cultura norte-americana) , poderíam concluir que a associação foi acidental ou
que existe apenas na mente suja dos críticos. As defesas perceptivas protegem os indivíduos das associações ameaçadoras.
AS DIMENSÕES OCULTAS
A repressão, geralmente considerada como o mecanismo central da defesa perceptiva, envolve a expulsãc de recordações, percepções ou
sentimentos considerados ameaçador es, traumáticos ou tabus para a percepção consciente. Os acontecimentos ou as informações tornam-se
ocultos à consciência dos indivíduos. No entanto, a informação permanece na memória e continua sendo um ingrediente potencial de
motivações e comportamentos. Os indivíduos reprimem, assim como os grupos ou culturas nacionais. A repressão é totalmente automática,
não detectável conscientemente e incontrolável. A informação reprimida vem à tona como comportamentos. O complexo processo é muito mal
compreendido. A repressão pode ser comparada à amnésia induzida hipnoticamente, onde os sujeitos são orientados para esquecerem
informações específicas e então são instruídos para esquecerem que tinham esquecido.
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 105
A repressão não pode ser encarada como um fenômeno de duas alternativas excludentes. Certos tipos de informação parecem ficar mais
ou menos ocultos permanentemente: as recordações dos primeiros quatro ou cinco anos de vida ilustram isso. A informação reprimida vem à
superfície na forma de sonhos simbólicos, racionalizações, falsas motivações e comportamentos projetivos onde, por exemplo, projetamos o
comportamento de um herói de mentira em nós mesmos. As duas maiores áreas de repressão estão ao redor da reprodução (sexo) e da morte
— amore morte, o começo e o fim da vida. As experiências perceptivas parecem ser mais poderosas quando envolvem estas duas polaridades
sensíveis e carregadas de tabus da existência humana. As sugestões subliminares de sexo e morte são cruelmente exploradas pela indústria
de comunicação de massa norte-americana.
Um aspecto freqüente da repressão, a formação reativa, geralmente descreve a tendência de reprimir impulsos ou desejos inaceitáveis e
manifestar conscientemente os seus opostos. O puritanismo austero, por exemplo, pode ser uma formação reativa contra sentimentos
hedonistas proibidos — mas atraentes. Anular ou corrigir suo atos que em geral envolvem comportamentos rituais como a oração, a penitência
ou cerimônia que são fantasiadas para anularem magicamente um pensamento, desejo, sentimento ou atos proibidos. A anulação pode tanto
ser experimentada conscientemente como, com mais freqüência, ser reprimida de modo que os indivíduos não percebam o jogo que estão
fazendo consigo mesmos.
Digamos que alguém cometa um ato percebido por ele ou pelas pessoas que lhe são significativas como algo vicioso, proibido,
imperdoavel- mente cruel. Nesta altura, o indivíduo constrói justificativas para o ato, meios com que a responsabilidade possa ser redirecionada
para outra pessoa ou outro grupo. Os homens têm uma capacidade extraordinária de projetar a culpa de seus atos — reais ou imaginários —
para outras pessoas. As racionalizações atuais dos alemães para as atrocidades da Segunda Guerra Mundial são tão engenhosas quanto as
justificativas norte- americanas para os ataques nucleares ao Japão. Tais construções perceptivas sociais podem ser consideradas como
formações reativas. Com o passar do tempo, as circunstâncias reais serão conscientemente modificadas, reprimidas ou mesmo negadas,
numa forma de evitar a auto-conde-
nação. Por outro lado, alguns indivíduos ou grupos podem passar a vida tentando expiar feitos reais ou imaginários que provoquem culpa.
A construção perceptiva desenvolvida tem muito pouco ou nada a ver com o acontecimento original que causou todo o processo. Quanto
maior for a culpa percebida, tanto em nível consciente quanto inconsciente, mais dogmáticas, elaboradas e auto-exaítadoras serão as
racionalizações. O mecanismo parece comum a todo ser humano e a toda sociedade. Ele pode ser uma técnica indispensável à sobrevivência.
As histórias nacionais são freqüentemente construídas ao redor da anulação de uma reação formativa a uma desavença reprimida que
provocaria ansiedade se fosse conscientemente deliberada.
As técnicas de repressão são utilizadas pelos meios de comunicação de massa, tanto na publicidade quanto na venda da chamada
informação jornalística que sustenta a publicidade. A capa da Time com Khadafi (fig. 9) é um exemplo. Se a informação conscientemente
disponível é reprimida, ela funciona como um estímulo subliminar. A melhor estratégia é não tomar nada como certo! Não considere nada
irrelevante! O conteúdo da mídia comercial geralmente é arrumado de forma a aumentar a tensão e o envolvimento. Um exemplo de
sobrecarga perceptiva é o concerto de rock onde as demandas multisensoriais assaltam o público. A sobrecarga perceptiva também é aparente
na decoração dos cassinos. As distrações perceptivas — barulhos, luzes piscando, pessoas e garçonetes em roupas provocativas —
sonambulizam instantaneamente os jogadores, provocando uma conformidade comportamental e um alto grau de sugestibilidade. O cassino
moderno foi arquitetado e decorado como um máquina comportamental de fazer dinheiro. Como no concerto de rock, nada no design do
cassino existe por acidente ou descuido. Como na mídia de publicidade, cada detalhe foi exaustivamente estudado e construído para dar o
máximo de retorno ao investimento.
Os cassinos são vendidos pela mídia como locais de lazer e diversão. Os cassinos de Las Vegas anunciam o jogo como “O melhor relax
daAméri- ca!”No entanto, um passeio por um cassino revela pessoas sacudindo-se mecanicamente nos caça-níqueis e tensamente
debruçadas sobre as mesas de apostas. Faces sombrias e inexpressivas, parecem a robôs em sua uniformidade. A recreação, o relaxamento
ou a diversão não são aparentes. Os jogadores parecem estar hipnoticamente voltados para si mesmos,
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 1 O V
para suas fantasias privadas de ficarem ricos de repente, de viverem momentaneamente como os ricos e famosos de suas fantasias. A maior
ironia, é claro, é que não há nenhum jogo de verdade ocorrendo nos cassinos. O resultado de um jogo é indeterminado; nos cassinos, o
resultado sempre é certo. Os cassinos ganham. Sempre! Os jogadores autocriados jogam apenas para perder.
PRECAVIDAMENTE ISOLADO
O isolamento é uma defesa perceptiva por meio da qual os homens podem saber de algo conscientemente mas evitar as associações que
provoquem ansiedade, culpa, depressão ou outros sentimentos ameaçadores. O isolamento das associações ocorre com os indivíduos e com
os grupos, e pode ser um produto cultural criado pelos jornalistas, pela publicidade ou pelas estratégias de relações públicas. O isolamento não
é um processo consciente, onde o indivíduo ou o grupo decide que não vai associar uma idéia com outra. Ele é muito mais sutil e insidioso. O
isolamento pode desenvolver-se a partir dos interesses ocultos de um sistema cultural em evitar certas conexões conscientes. O isolamento
também pode ser condicionado aos indivíduos através de programas de treinamento. O isolamento bloqueia ou redireciona o que deveria ser
considerado uma associação de idéias razoável, lógica e consciente.
A rigidez perceptiva e a conformidade são as condições para a doutrinação subliminar. Os conformistas rígidos e os fanáticos parecem ser
os mais vulneráveis, porque já se apresentam querendo aceitar a comparti- mentalização de idéias e relações. O que foi deixado de fora das
definições verbais fixas freqüentemente se torna a parte mais significativa da definição. Os terroristas são facilmente transformados em
combatentes da liberdade através de simples jogos de definição por aqueles cujas visões de mundo exijam categorizações simplistas e rígidas.
O isolamento culturalmente induzido em geral surge para legitimar atos ou idéias que poderiam ser ofensivos ou questionáveis se
percebidos pelas associações normais. Os anúncios dão exemplos extraordinários. Poucas pessoas percebem conscientemente o dilúvio de
mídia publicitária na qual a sociedade está submersa. Os anúncios são simplesmente
aceitos, tomados como um aspecto normal do meio ambiente. Os médicos e os representantes da saúde pública raramente declaram ver nos
anúncios alguma ameaça ao bem-estar público. Na verdade, é comum fa- zer-se piadas sobre os anúncios e considerá-los ineficazes, algo que
é sempre ressaltado pelos apologistas da mídia. Mesmo assim, os empresários e o governo sabem bem da capacidade da mídia em promover
produtos, idéias e pessoas.
O público norte-americano é freqüentemente entrevistado sobre as causas percebidas da dependência ao álcool e às drogas. A longa lista
das causas presumidas inclui separação familiar, pressão do companheiro, hereditariedade, falhas dos pais e tédio. A propaganda raramente é
mencionada. A legitimação dos anúncios não é por acaso. Centenas de bilhões de dólares foram investidos por anos na propaganda da
propaganda. Uma das forças mais poderosas da sociedade, os anúncios, parecem na superfície inócuos, insignificantes e benignos.
Desde a mais tenra infância a população é doutrinada culturalmente para aceitar o álcool, o fumo e os produtos farmacêuticos como
soluções aos problemas de ajustamento emocional. O campo cultural onde isso é semeado é preparado pelos anúncios. Mais tarde, o
condicionamento precoce explode freqüentemente em comportamentos auto-destrutivos e de dependência, fato que vem ocorrendo com
parcelas cada vez maiores da população. O número de fumantes adultos caiu em cerca de um terço nos últimos trinta anos, especialmente
entre os grupos cujos níveis econômicos, educacionais e ocupacionais os tornem mais capazes de defenderem-se contra a persuasão da
mídia. A proibição de anúncios de cigarros 11a TV ajudou, mas as verbas de publicidade foram desviadas para os anúncios impressos, para os
cartazes e filmes para o cinema.
O consumo de cigarros decaiu apenas após três décadas de crescente publicidade sobre os prejuízos causados à saúde pelo fumo. Cada
vez que uma nova revelação sobre a saúde pública aparecia, os fabricantes de cigarro aumentavam as verbas de publicidade. Mas agora a
pressão sobre os fumantes diminui bastante. Como foi ilustrado em meus quatro livros anteriores sobre a propaganda subliminar, a indústria de
cigarros utilizou-se amplamente das técnicas subliminares para vendê-los e justificar o seu consumo. Qualquer pessoa que tenta parar de
fumar torna-se bastan
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 109
te perspicaz ao poder da publicidade durante o período em que está largando o vício. Os anúncios mantém milhões de fumantes em seus
comportamentos autodestrutivos. No entanto, o hábito de fumar está se restringindo cada vez mais aos grupos sócio-econômicos inferiores. No
passado, a maioria dos heróis dos filmes fumava —John Wayne, Humphrey Bogart, Robert Taylor, Gary Cooper etc. — e o mesmo faziam os
personagens que eles interpretavam. O cigarro era símbolo de sofisticação, hombridade, coragem, sucesso, riqueza e mesmo honestidade.
Hoje em dia, por outro lado, quando o escritor apresenta alguém que fuma, o personagem é invariavelmente um perdedor. No filme Atração
Fatal, o hábito de fumar simbolizava a instabilidade emocional do personagem interpretado por Glenn Close.
Outro desconcertante exemplo de isolamento diz respeito à seleção e ao treinamento das equipes de lançamento de mísseis nucleares.
Esses jovens oficiais são cuidadosamente selecionados, treinados e rigorosamente disciplinados para evitar as associações conscientes entre
as suas tarefas e os destinos de milhões de seres humanos das populações que são alvejadas. A seleção inicial dos candidatos baseia-se em
testes psicológicos com critérios estritos. O típico oficial veterano de combates geralmente não é qualificado para o treinamento em mísseis. No
combate pessoal, a capacidade de fazer rápidas associações conscientes é vital à sobrevivência. O membro da equipe de lançamentos de
mísseis deve ter o potencial de ser disciplinado para tornar-se um profissional desumanizado, de visão estreita, voltado apenas para o
cumprimento de suas tarefas. Os candidatos recebem um rigoroso condicionamento para nunca refletirem sobre as conseqüências humanas
de seu trabalho. Doutrinados tecnolo- gicamente, eles são ensinados a considerarem-se meros mecânicos, engenheiros e administradores.
Eles devem ser capazes de pôr de lado as considerações pessoais. O ato derradeiro desses oficiais incinerará milhões de homens e
condenará outros milhões a mortes lentas e dolorosas. De fato, o que resulta deste ato transformará em vapor o passado, o presente e o futuro
da civilização. A grande maioria de suas vítimas serão aqueles que ainda não vieram à vida e que nunca virão. As monstruosas conseqüências
talvez estejam acima da compreensão humana. Isso facilita o isolamento e a repressão. Apenas algumas pessoas podem fazer esse tipo de
trabalho. Através de um condicionamento psicológico implacável e rigoroso, a Força Aérea treina a equipe de mísseis a ter obsessões
tecnológicas fantasiosas, totalmente distantes das realidades humanas. Nunca é permitido aos treinandos perguntarem os porquês. A
confiança cega é o esmagador objetivo central. As equipes de mísseis vivem sob vigilância, sendo constantemente testadas e avaliadas sobre
“fraquezas” psicológicas. A alta incidência de distúrbios mentais é comum entre os membros destas equipes, motivo pelo qual eles são
geralmente transferidos para missões com menor nível de pressão. As definições de distúrbio mental do Comando Aéreo Estratégico são
curiosas. No mundo real, apenas um psico- pata grave poderia lançar um míssel nuclear. A insanidade deve ser reformada para parecer
sanidade e vice-versa. A mínima indicação de que um membro da equipe de lançamentos de mísseis poderá não cumprir sua missão quando
for ordenado a fazê-lo resulta no fim de sua carreira. No entanto, em algum lugar de suas mentes, estes oficiais continuam sabendo
exatamente o que estão fazendo. A loucura, para alguns, é uma saída razoável deste paradoxo.
O testemunho do julgamento de Nuremberg e do julgamento de Adolf Eichmann em Tel Aviv confirma que os nazistas encaravam um
problema similar na seleção e treinamento dos oficiais e funcionários dos campos de extermínio da SS. A dedicação rigorosa e disciplinada à
tecnologia, o patriotismo fanático, o zelo religioso e outras preocupações obsessivas, tudo isto era utilizado nos cuidadosamente planejados
programas de seleção e treinamento. As percepções da realidade eram reconstruídas. Isolava-se o trabalho nos campos de quaisquer
considerações humanas, éticas e legais. Não era qualquer um que podia ser qualificado como um executor de massas. Os veteranos de
combate geralmente eram excluídos. Os membros da SS eram encarados como uma elite seleta, patriotas dedicados, homens e mulheres
capazes de sacrifícios heróicos por sua nação.
Após a vitória, poucos dos investigadores aliados comprenderam o que havia ocorrido a partir da perspectiva nazista. Os homens e as
mulheres da SS eram encarados com horror pelas nações aliadas, considerados como um grupo escolhido entre monstros sádicos e
psicóticos. Eles foram bodes expiatórios convenientes, poucos culpados pelos pecados de muitos. Os SS não eram percebidos como
psicopatas na Alemanha
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA • 1 1 1
nazista. Eles refletiam os mais altos ideais do 3Q Reich. A maioria das sociedades define o psicopata como um indivíduo instável, não confiável,
irresponsável e doente mental, preocupado com suas próprias fantasias. Os voluntários da SS eram considerados o que havia de mais
desejável na cidadania alemã. Soberbamente treinados, eles isolavam os atos diários de qualquer consideração humana. Eles serviam e
obedeciam, eram técnicos extraordinários que agiam nobremente para o bem maior, para a sobrevivência de seu modo de vida, de sua
liberdade e de sua fé na liderança nazista.
O isolamento como defesa perceptiva representa um importante papel no mundo atual. Não é sempre fácil determinar se uma informação
foi isolada, reprimida ou ambas. O isolamento separa a emoção dos pensamentos ou idéias ao suprimir as associações ou o reconhecimento
consciente das conseqüências. Quando a formação reativa, a anulação e o isolamento se combinam, as preces públicas pela paz e boa
vontade podem estar escondendo desejos inconscientes de guerra como uma válvula de escape da agressão, da auto-indulgência, da
aquisição de poder e lucro ou uma combinação de tudo isto.
Hoje, as lideranças militares dos EUA e da URSS destruíram criminosamente aviões civis, coreanos e iranianos, assassinando centenas de
homens, mulheres e crianças inocentes. As duas nações deram justificativas idênticas e rídiculas — a culpa pelas tragédias foi das
companhias aéreas civis. Que tais racionalizações fossem consideradas aceitáveis demonstra a falta de consciência e o poder do isolamento
repressivo que dominam o que se faz passar por moralidade mundial. Os moralistas profissionais de ambas as nações não fizeram muita coisa
além de explorar as vantagens da publicidade. Cada qual ignorou seu próprio terrorismo enquanto condenava aquele praticado pelo outro lado.
ESCONDENDO-SE POR TRÁS DE NÚMEROS
A quantificação é outra técnica de isolamento. Os números inibem o uso consciente das informações e são geralmente percebidos como um
fato incontestável. A quantificação (pelo menos entre os não-matemáticos) também implica em objetividade— outra estrutura de crença
mitológica. A quantificação, estatística ou matemática, pode ser utilizada para isolar informações das percepções voltadas para a realidade,
das descrições verbais e das referências contrárias. Os números oferecem uma técnica extraordinária de despersonalizar e desumanizar as
pessoas. Nos campos de extermínio nazistas, registros numéricos detalhados mascaravam e legitimavam os horrores infligidos a seres
humanos. A contagem diária de corpos — corpos inimigos, é claro; os nossos eram “casualidades” — realizada pelos militares dos EUA no
Vietnã mascarava a chacina para muitos americanos.
A objetividade numérica é uma mentira. Como a linguagem verbal, as designações numéricas devem ser abstraídas pelos homens. Elas
estão sujeitas a diferentes interpretações tanto do emissor quanto do receptor. Os números constituem apenas uma outra linguagem, com seus
paradoxos embutidos, suas confusões, contradições e ordens ocultas.
Os assim chamados fatos científicos — como muito da realidade percebida — raramente são o que parecem ser. No momento em que um
fato científico é mencionado em apoio a algum argumento, ele não tem mais nada de científico ou de fato. Ao mesmo tempo em que os
métodos científicos de pesquisa, examinação e descoberta produziram meios eficazes de explorar-se o desconhecido, a ciência torna-se um
tolo troféu psicológico quando usada para exaltar uma indústria, uma causa, uma ideologia, um produto, uma pessoa, um grupo ou uma nação.
Fatos científicos inquestionáveis atribuíveis a fontes de grande credibilidade impõem um fim ao pensamento crítico. Especialmente nas culturas
de alta tecnologia, a ciência é aceita como uma criação mitológica feita à imagem de Deus, presumidamente onisciente, onipresente e
onipotente.
Os avanços científicos reais geralmente surgem da descoberta de erros nos julgamentos perceptivos humanos, julgamentos que já foram
eles mesmos considerados científicos. Os avanços científicos são novas formulações perceptivas que corrigem erros ou omissões anteriores.
O processo continua infinitamente, sempre com um grau de incerteza considerável. As pessoas que têm algo para vender geralmente colocam
a tecnologia e a ciência no mesmo saco. A tecnologia é uma máquina, um brinquedo eletrônico, uma invenção lucrativa ou processo que pode
ser facilmente percebido, lucrativamente produzido e utilmente aplicado. Tudo isso não tem nem remotamente algo a ver com a exploração
científica. A
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «113
ilusão de verdade científica dá a palavra final, tomando o lugar das confirmações juramentadas de validade. A verdade científica, aceita sem
reservas ou questionamento, isola o indivíduo das percepções da realidade que estão em constante mudança. A ciência deve ser sempre
encarada como hipotética. A descoberta da “verdade” acaba com o processo científico e intelectual.
REGRESSÃO: MARCHANDO EM DIREÇÃO AO PASSADO
A regressão é talvez a mais facilmente observável das defesas perceptivas. Ela ocorre durante toda a vida como uma parte recorrente do
desenvolvimento. No entanto, quando as pessoas tornam-se obsessivas em suas regressões, elas abstêm-se das percepções voltadas para a
realidade. Isto ocorre, por exemplo, quando indivíduos ou grupos lutam excessivamente por independência e então voltam a um ponto onde se
sentem seguros, protegidos, onde outros assumem a responsabilidade por suas vidas. A regressão ocorre coletivamente nas nações que
buscam no passado soluções fantasiosas para os ameaçadores dilemas do presente.
O Velho Oeste, a comemoração das vitórias militares e os proverbiais “bons velhos tempos” são exemplos dos EUA. Os “bons velhos
tempos” de Norman Rockwell e Garrison Keillor são fantasias nostálgicas de um mundo que nunca existiu a não ser na imaginação atual. Tais
fantasias idealizadas proporcionam um véu para as desagradáveis realidades do momento. Muitos precisam desesperadamente acreditar que
tal mundo existiu, onde a segurança se fazia em simplistas chavões morais, onde o medo e a ansiedade estavam ausentes, onde a família e os
amigos eram confiáveis. Quanto menos as realidades contemporâneas forem percebidas, mais intensa será a busca regressiva por segurança.
A regressão começa cedo na vida e pode ser considerada uma das principais técnicas de adaptação às instabilidades sempre presentes
nas realidades percebidas. A regressão pode ser estabelecida tão firmemente na infância que tais tendências dependentes parecem normais e
naturais. A regressão também pode tomar a direção oposta. A dependência pode ser rejeitada por um culto fantasioso à independência, à
autonomia e à ausência de regras e responsabilidades sociais. Para onde quer que vá
a regressão, ela depende de uma rejeição da realidade percebida em favor de uma fantasia simplificada sobre “como nós éramos”.
O fracasso individual ou grupai em superar a regressão e lidar com a conformação à realidade pode evoluir em uma psicopatologia mais
grave. A indústria de comunicação de massa desenvolveu o mecanismo de regressão numa bonanza de bilhões de dólares anuais. Anos após
a série de TV Bonanza ter terminado, os turistas continuavam indo a Nevada para procurar o local onde ficava o riacho Ponderosa original. O
rancho, ou qualquer coisa que parecesse com ele, nunca existiu fora de Hollywood. O Velho Oeste real foi um pesadelo de corrupção,
doenças, desconforto, privações, ambição, injustiça e criminalidade, lado a lado com as ameaças iminentes de uma morte violenta.
A fantasia domina como um substituto para uma realidade que dificilmente seria vendável, seja para o público seja para o anunciante. As
fantasias construídas pela mídia sobre as várias guerras — Vietnã, Coréia, as duas guerras mundiais, a guerra do México, a guerra civil, a
guerra da independência etc. — tornaram-se versões glorificadas de uma realidade sombria, complexa, brutal e moralmente indefensável. As
populações constantemente doutrinadas por tais fantasias perdem a habilidade de distinguir entre ilusão e realidade. As fantasias regressivas
podem ser uma ameaça ao ajustamento e à sobrevivência. Uma pessoa que tente resolver algum problema complexo de vida cotidiana com as
técnicas utilizadas nas fantasias de violência por atores como Sylvester Stallone, Clint Eastwood, Charles Bronson e John Wayne, pode
encontrar-se, muito rapidament *, na prisão ou num hospital psiquiátrico.
Os assim chamados valores tradicionais existem em todos os sistemas culturais conhecidos. No entanto, olhar para trás na história
enquanto a nação ou o indivíduo caminha para frente em direção a um futuro perigoso e desconhecido, é uma forma de evitar a realidade.
Mesmo quando pesquisado por um historiador profissional, o passado é uma construção de fantasia. Os bons velhos tempos adaptam
percepções idealizadas do passado às necessidades percebidas do presente — uma fantasia adaptada a uma fantasia. O velho oeste, é claro,
olhava para trás em direção ao velho leste, em busca de sistemas de valores básicos. O velho leste, por sua vez, olhava para trás em direção à
Europa Ocidental. Cada época
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «115
cria uma mitologia sobre seus predecessores, com valores que parecem inalcançáveis no período contemporâneo.
E claro que o principal problema com a história é que apenas uma pequena parte do que realmente aconteceu pode ser conhecida. O
conhecimento é sempre enviesado, subjetivo. O que é conhecido, em sua maior parte, é o que certos indivíduos ou grupos queriam saber. As
histórias são altamente seletivas, assim como são os preconceitos que jazem consciente e inconscientemente por detrás da percepção
humana. Os preconceitos por detrás da história podem ser muito mais intrigantes e esclarecedores do que os fatos históricos. Parece ser uma
necessidade humana básica perceber o passado como uma justificativa para o futuro. As histórias são vitais para as identidades individuais e
grupais, são os tijolos fundamentais da cultura. Geralmente elas são transmitidas verbalmente de geração em geração. As histórias escritas
ainda são uma invenção nova, representando apenas os últimos dois mil anos. Se as histórias não tivessem existido, elas teriam sido
inventadas.
A necessidade psicológica de projetar as incertezas do presente sobre a fantasia de um passado estável deve constituir a vulnerabilidade
per- ceptiva mais significante na herança humana. Nos EUA, é claro, o passado é criado pela indústria de comunicação de massa em busca do
lucro, do poder ou dos dois. A história dos Estados Unidos, como a maioria das histórias nacionais, conta para as pessoas aquilo que elas
querem ouvir sobre si mesmas. A “história objetiva” é uma criação tão mitológica como qualquer outra coisa “objetiva”. Os preconceitos
inerentes à percepção humana nunca desaparecerão. Uma ciência matemática da história é tão inconcebível quanto uma história internacional
do mundo, uma história aceitável a todas as culturas.
A técnica da regressão é cada vez mais utilizada na propaganda de bebidas alcoólicas. Retratado por um ator com quem o público-alvo
possa se identificar, o bebedor é cercado por amigos e familiares que lhe aceitam, perdoam e não exigem nada. Eles aceitam o bebedor do
modo com que ele percebe a si mesmo — amável, dependente, amigo, bem-humorado, uma companhia agradável. O uísque 7 Crown, da
Seagran, promoveu uma série de anúncios em revistas que retratavam um monte de gente em festas. Havia sempre uma pessoa na multidão
que se sobressaía, cercada por amigos calorosos e tolerantes, uma pessoa que se encaixava no

1 1 6 » A ERA DA MANIPULAÇÃO ________________________


grupo de forma jovial e sincera, uma pessoa que poderia aceitar ou recusar um drinque. Este indivíduo especial chegava a ser mostrado como
alguém que não bebia mas apoiava feliz os outros que bebiam. A vida real nunca é assim para os alcoólatras incipientes, é claro. Em geral eles
são dolorosamente embaraçantes para seus amigos, familiares e patrões, bem o oposto de suas fantasias de si mesmos.
FORMAÇÃO DE FANTASIA: MITOLOGIA VERSUS REALIDADE
A mitologia geralmente é associada com a história antiga, e os povos modernos enxergam a si mesmos como libertos de tais noções primitivas.
Percebemos a nós mesmos como realistas pragmáticos a toda prova, bem distantes das superstições de ontem — do mesmo modo que os
gregos antigos se percebiam e todas as sociedades que existiram entre nós e eles.
Não obstante, estamos todos envolvidos pela formação de fantasias, uma subordinação da realidade a um mundo de fantasias, habitado
por pessoas de fantasia, em relações e situações de fantasia. Este processo inconsciente proporciona uma estrutura de apoio para escapes da
aceitação madura da realidade. Quando combinada com elementos de regressão a um passado de glórias, segurança, justiça, e honestidade
imaginárias, a formação de fantasias pode tornar-se obsessiva.
Quando firmemente enraizada na realidade, a fantasia criativa pode ser um trunfo. Mas fechar-se em pensamentos positivos e mágicos —
ao lado da busca por uma gratificação sensual fantasiosa — pode arrastar indivíduos e grupos a sérias psico ou sociopatologias.
Constantemente reforçadas pela mídia de alta credibilidade, as fantasias podem tornar-se a realidade percebida de uma sociedade. O absurdo
medo do capitalismo, deliberadamente gerado na URSS, só é igualado pelo medo do comunismo nos EUA. Tais medos resultam da
manipulação das tendências paranóicas latentes na maioria das populações. Freqüentemente, quando a fantasia domina a realidade, qualquer
pessoa que questione a fantasia será, como forma de defesa, considerada subversiva, insana ou mesmo criminosa. A romantização da justiça
pode impedir a busca de justiça. A substituição da realidade pela fantasia em qualquer área da vida pode se tornar trágica e até mesmo letal.
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «117
Lucrativamente manipulados pelas indústrias de comunicação, os mecanismos da formação de fantasias tornaram-se instrumentos de
poder, status e privilégio. As formações de fantasias via estereótipos de judeus, mulheres, comunistas, negros, homossexuais e hereges
(virtualmente qualquer um que não seja como “nós”), fizeram as vítimas fundamentais da Santa Inquisição, do 3a Reich, e de muitas outras
ditaduras. Os prisioneiros políticos ou ideológicos estão sujeitos a punições e torturas muito mais bárbaras do que aquelas infligidas aos
assassinos, ladrões, estupradores e outros criminosos.
As fantasias sobre fantasmas, duendes, feiticeiras e hereges estão tão distantes da realidade quanto as fantasias sobre os estereótipos
étnicos, políticos, culturais, psicológicos ou sociais. As decisões baseadas nas fantasias de uma nação sobre as fantasias de outra nação,
representadas como se fossem realidades, dão-nos poucas esperanças de sobrevivência.
SUBLIMAÇÃO: ABDOMINAIS, CORRIDAS E DUCHAS FRIAS
A sublimação não é, estritamente falando, uma defesa perceptiva inconsciente, embora ela possa tornar-se compulsiva, obsessiva e envolver
motivações inconscientes. A sublimação é um aspecto normal e essencial do crescimento, do desenvolvimento e da socialização humanas.
Impulsos e desejos tabus ou conscientemente inaceitáveis são sublimados, canalizados em atividades mais construtivas ou socialmente
aceitáveis. Nos comportamentos auto-destrutivos, como no viciado em trabalho compulsivo ou em outras estratégias de abstenção obsessivas,
a sublimação pode evoluir para um pesadelo.
A sublimação envolve trocar o lugar da energia libidinal, agressiva ou de alguma forma inaceitável, por contra-energias ou impulsos. As
competições atléticas e acadêmicas ou o trabalho compulsivo podem ser substitutos para a raiva, a preocupação sexual ou as sensibilidades
do ego. A sublimação pode ocorrer em resposta a motivações inconscientes, mas é em si mesma um comportamento conscientemente
determinado. No entanto, quase nunca fica claro onde a repressão e a sublimação começam ou terminam. O limiar entre a percepção
consciente e inconsciente é uma fronteira delicada e em constante movimento.
1 18*A ERA DA MANIPULAÇÃO
Os esforços excessivos para a obtenção de conquistas, poder, dinheiro ou controle sobre os outros envolve sublimação. O idealismo ou
fanatismo religiosos freqüentemente derivam das tentativas individuais ou grupais de lidar com emoções, desejos, projeções de fantasias e
sentimentos poderosos, mas inaceitáveis.
NEGAÇÃO; ISTO NÃO OCORREU
A negação é usada por indivíduos, grupos ou mesmo nações para se defenderem contra sentimentos, contradições, pensamentos ou
acontecimentos pertubadores. Uma situação desagradável simplesmente torna- se inexistente. A responsabilidade ou culpa simplesmente é
projetada para alguma outra pessoa. A repressão e a negação freqüentemente são inter-relacionadas e indistinguíveis. A negação é muito
mais sutil do que simples mentiras ou distorções. As mentiras geralmente são descobertas e expostas. A negação é um mecanismo
inconsciente que permite a qualquer um fugir da tomada de consciência. A negação pode até evoluir para uma poderosa convicção. Ela está
freqüentemente envolvida no fervor religioso, nos conflitos matrimonais irreconciliáveis, no nacionalismo chauvinista, no idealismo político ou
nacional e é um aspecto fre- qüente da fé cega.
A negação nos salva da forca quando somos confrontados com fatos desagradáveis que podem ser verificados ou com informações
contraditórias. Por exemplo, não há virtualmente nada de construtivo ou elogioso que alguém possa dizer publicamente nos EUA sobre o
governo comunista da URSS e vice-versa. Depois de cerca de setenta anos de confronto antagônico, as duas populações foram
exaustivamente condicionadas a desumanizar uma a outra. Consciente e inconscientemente, cada uma das sociedades é doutrinada para
negar qualquer outra visão que não a mais negativa que tem sobre a outra. Qualquer pessoa com autonomia de pensamento suspeitaria da
consistência da visão negativa que cada lado tem do outro. (A consistência é outra ilusão construída sobre os assuntos humanos.) A única
coisa consistente sobre os seres humanos é sua inconsistência.
A negação culturalmente reforçada torna-se o que cada lado percebe como sendo suposições normais e razóaveis sobre o outro lado. Cada
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «119
um nega a validade, as justificativas, o idealismo, as convicções, a legitimidade, as motivações humanas e a integridade do outro. Se uma
criança agisse dessa forma, ela podería ser punida e ir para cama sem jantar. Para sustentar-se por um longo período de tempo, a negação
deve ter alguma justificativa fatual perceptível, que pode ser criada ou simplesmente escolhida e tirada de seu contexto. Se você quer
desagradar alguém, sempre pode descobrir uma razão para isso. As fontes de alta credibilidade sempre podem reforçar a negação. Este
mecanismo de defesa raramente é poderoso o suficiente para autoperpetuar-se quando oposto por uma respeitável maioria.
A formação reativa pode acompanhar a negação, tornando um sentimento inaceitável em seu oposto. Sentimentos de ciúme ou raiva, por
exemplo, podem ser negados, anulados e transformados em confiança e amor aparentes. O processo de transformação é completamente
inconsciente e serve como uma capa para os sentimentos inaceitáveis, que persistem no inconsciente embora seja provável que venham à
tona mais cedo ou mais tarde.
Os conselheiros matrimonais comentam com freqüência sobre a união de casais incompatíveis, um fenômeno culturalmente integrado em
muitas culturas ocidentais. Pessoas incompatíveis atraem-se como imãs— “nomeio da multidão”, “amor à primeira vista”, ”o amor chegou”,
“desde o primeiro momento..” A atração mútua entre pessoas incompatíveis é poderosa e freqüentemente irresistível. Cada indivíduo
transforma a hostilidade e a desconfiança subjacentes em amor ou atração física consciente e emocionalmente arrebatadora.
O amor da mídia, tal como é refletido pelas novelas, sempre retrata este tipo de relacionamento como ideal. Eles raramente seguem o
“verdadeiro amor” dois, cinco, dez ou vinte anos depois, de infelicidade, divórcio e tragédia. Um padre que trabalhava como conselheiro
matrimonial comentou: “Os indivíduos são criaturas de Deus, feitos à sua imagem. O processo do casamento, no entanto, parece ser operado
pelo diabo. Os modelos da mídia persuadem dois indivíduos totalmente incompatíveis a compartilharem suas experiências de vida. Baseando
suas vidas sobre as fantasias da mídia, especialmente aquelas que enfatizam a indulgência sensual, com certeza os membros deste casal
sujeitarão um ao outro às torturas dos danados. A felicidade celeste transforma-se incontrolavel-
mente no Inferno de Dante.” Novelas de sucesso, talvez, mas relações humanas viciosas e mutuamente destrutivas.
PROJEÇÃO E INTROJEÇÃO: A QUEM CULPAR?
A projeção e a introjeção são defesas perceptivas extremamente importantes, tanto para os indivíduos quanto para a indústria de comunicação
de massa. Estas defesas são transformadas, via mídia, em comportamentos públicos de larga escala. Ambas são completamente
inconscientes aos indivíduos afetados. Elas parecem, como as outras defesas perceptivas, naturais, lógicas, razoáveis e sustentadas por fatos
percebidos, por consenso e por fontes respeitadas. As imagens projetivas são universalmente falsas. Elas projetam generalizações
estereotipadas que podem ser boas ou más, raramente ambas as coisas (o que seria mais consistente com a realidade) . O público, com o
reforço da mídia, constrói perceptivamente uma imagem fantasiada dos líbios, dos coreanos do norte, dos nicaragüenses, dos palestinos,
iranianos, russos ou qualquer um que apareça como o antagonista do momento. Construções de imagens similares são feitas entre as pessoas
que são os alvos da projeção estereotipada. Estereótipos que se reforçam mutuamente envolvem invariavelmente fantasias generalizadas de
bandido e mocinho — e nenhum dos dois tem nada a ver com a realidade. As projeções inconscientemente envolvem repressão, negação e
formação de fantasia.
Os estereótipos projetivos inconscientemente projetam abstrações poderosas, simplificadas e que se confirmam mutuamente. Estas
fantasias podem justificar uma ampla gama de comportamentos perigosos e até mesmo homicídios. As projeções mascaram a diversidade
humana, as motivações complexas e a informação fatual, por trás das barreiras da intolerância cega e dos rótulos simplistas. Os indivíduos são
reduzidos a objetos. Este processo devastador é vergonhosamente manipulado pelos líderes mundiais, que com freqüência projetam suas
motivações ocultas em seus adversários. Nós simplesmente acusamos os outros por aquilo que nós mesmos estamos tentando realizar na
busca pelo poder e pelo lucro. As projeções aparecem em afirmativas como “você não pode confiar” nos soviéticos, nos cubanos, nos árabes,
nos japoneses, nos alemães, nos
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «12 1
chineses, nos índios, em pessoas com mais ou com menos de trinta anos etc. O processo, uma vez posto em movimento, é inconsciente aos
indivíduos e aos grupos. E quando a mídia dá o seu impulso, cada vez menos indivíduos questionam ou opõem-se a estas fantasias.
Enquanto as ginásticas projetivas são um aspecto consciente de uma estratégia com efeito calculado, elas simplesmente deturpam a
realidade para influenciar opiniões. Isto pressupõe que o outro lado está informado sobre a projeção e conscientemente considera seu
nonsense retórico como uma forma de atrair votos, vender produtos e pessoas ou agradar ao público. Os sérios dilemas ocorrem quando as
pessoas facilmente influenciáveis acreditam nas estratégias projetivas. Adolf Hitler contou ao mundo, em sua autobiografia Mein Kampf escrita
em 1926, exatamente o que planejava para a Alemanha, Europa, Rússia, para os comunistas, judeus e para o mundo. Os líderes da época
recusaram-se a acreditar em suas insanas fantasias projetivas, que pareciam mera retórica cinicamente criada para ganhar eleições e poder.
Tal retórica foi usada em todo o mundo, e ainda o é, como um meio de induzir e agitar as multidões, com respostas simplistas para questões
complexas.
Por outro lado, se as mentiras projetivas, os exageros e as manipulações são percebidos como verdadeiros, esta percepção pode ser
terminal para todos os envolvidos. Quando os agitadores norte-americanos em Moscou, ou suas contrapartes em Washington, disparam sua
retórica projetiva e violenta, o mundo pode apenas prender a respiração na esperança de que eles estão blefando para alcançarem algum
objetivo momentâneo; e, é claro, na esperança que o outro lado vai considerar os insultos como um simples jogo teatral criado apenas para
efeito de propaganda.
A projeção é aceita inconscientemente como verdade por aqueles que não entendem a estratégia. Isto pode constituir a prática manipula-
dora mais perigosa do mundo. Sobreviver a tais conflitos, como na crise cubana dos mísseis em 1962, depende da capacidade de cada lado
em avaliar corretamente as mentiras projetivas, os exageros e as manipulações do outro lado. Se alguém já tivesse realmente considerado a
retórica projetiva como válida — e se os soviéticos forem capazes de uma reação nuclear estratégica — o planeta Terra já podería muito bem
ter deixado de existir. Mudando do dramático para o banal, toda marca de produto excessivamente propagandeada passa por pesquisas de
mercado exaustivas sobre suas vantagens e fraquezas em relação a seus concorrentes. Geralmente, os anúncios enfatizam como vantagens
de determinada marca aquelas qualidades percebidas como deficientes em seus concorrentes. Como a maioria das marcas no mercado são
fabricadas com maquinário, matéria-prima, tecnologia e força de trabalho similares, estas marcas são bastante semelhantes entre si. As
realidades são similares. No entanto, as realidades percebidas, manipuladas pelos anúncios, parecem bastante diferentes entre si. As
diferenças são mais cosméticas do que substanciais. As diferenças percebidas são manipuladas projetivamente através da indução de
projeções inconscientes entre os consumidores. Assim o Subaru é “o tipo de carro que a Mercedes teria construído se fosse um pouco mais
econômica e muito mais inventiva.” (Acredite em nós. Não mentiriamos para você.)
E, um anúncio do cigarro Merit proclama, “Quase todo cigarro com baixo teor de alcatrão afirma que tem mais sabor e menos alcatrão. Mas
experimente alguns deles e estas afirmações viram fumaça. Com Merit há a verdadeira diferença. Chama-se Sabor Enriquecido. Só Merit tem
isto.” (Na verdade, os fumantes são anestesiados e acabam com o aroma e o sabor enriquecidos.) A goma de mascar Stay Trim anuncia: “Na
hora que seu remédio para emagrecer começar a funcionar pode ser tarde demais. ” (Se você acreditar nisso, assim será.) O gim Gorden vem
da “Inglaterra — conhecida por seus playboys. E por seu gim.” (G gim ajuda os playboys em suas “diversões solitárias”.) E Noxzema promete,
“finalmente, uma loção de limpeza que não agride a sua pele.” (Incrível, o presidente sabe disso?)
O ciúme nas relações matrimoniais geralmente também é a manifestação de uma projeção. Um dos membros do casal projeta suas
infidelidades, reais ou fantasiosas, no outro. A projeção é uma defesa percepti- va complexa que cumpre sua parte numa ampla gama de
psicopatolo- gias, assim como nas relações cotidianas. O processo pode ser comparado aos esforços para livrar o corpo de alguma irritação,
desconforto, tensão ou frustração. A projeção também pode envolver desej,os;inconscientes de livrar-se de algum desejo ou sentimento
inaceitável.
Na mídia, seja na área de entretenimento seja na estruturação de notícias e informações, os escritores tecem caracterizações projetivas em
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA «12 3
suas estórias. São personagens com os quais o público se identificará ou fará uma projeção. As caracterizações projetivas podem ser
negativas ou positivas, mas geralmente refletem valores arquetípicos.
Por exemplo, o personagem J.R. Ewing, da série Dallas, foi criado pelo autor, pelo diretor e pelo ator a partir das identificações projetivas de
homens mais velhos de baixa e média renda, que poderíam odiar J.R. pela malícia, ambição e concupiscência que negam em si mesmos, ou
gostar dele por agir da forma que gostariam de agir mas não ousariam fazer. O Archie Bunker de All in the Family proporciona ao público uma
identificação projetiva com o fanático como sendo um bom sujeito. Indivíduos preconceituosos, constantemente sob pressão numa sociedade
onde a discriminação declarada tornou-se impopular, podem projetar em Archie suas próprias frustrações e seus dilemas. Este programa de
TV foi bastante aclamado por opor-se aos preconceitos, o que fez para os segmentos do público que se divertiam gozando de um fanático não
muito inteligente. No entanto, o grande público nacional, que sustentou a série por vários anos, comportava grandes segmentos de público com
forte atração à intolerância projetiva. De fato, Archie Bunker falava a cada segmento aquilo que ele queria ouvir. Mais uma vez, muito pouca
coisa nos meios de comunicação de massa é aquilo que superficialmente parece ser.
Marshall McLuhan descreveu as projeções como o “Entorpecimento de Narciso”. Quando passamos horas e mais horas envolvidos pela
mídia, inconscientemente projetamos e nos identificamos com os heróis e contra os vilões. O público identifica-se com os personagens de
anúncios, das novelas e das notícias em um contexto simplista e estereotipado de bandido-mocinho. Indiretamente, o público transforma-se
nos personagens, projetando-se em seus papéis de uma forma que entorpece, anestesia e insensibiliza contra as intrusões da realidade.
Rambo transforma-se de herói de estórias em quadrinhos na solução potencial para as complexidades do mundo real. Da perspectiva do
investidor, o único personagem intolerável nas novelas, nos anúncios ou nas notícias é aquele que passa desapercebido. Ele pode ser amado
ou odiado, mas perderá o emprego se o público ignorá-lo.
O visual e a atuação dos grupos de rock são outro exemplo de identificação projetiva. As imagens, criadas por sofisticadas companhias que
investem em música, são construídas para revoltarem instantaneamente os pais e provocarem pânico sobre o bem-estar de seus filhos. Para o
público imaturo, o grupo deve projetar seu desafio à supervisão paterna e às restrições morais, ser uma afronta a todo tipo de figura de
autoridade. A construção da música e dos grupos de rock é baseada nas instabilidades inerentes à idade de seus fãs. Os grupos de Heavy
Metal, por exemplo, são criados para projetarem uma fantasia de Satã como o salvador nas mentes sensíveis e nas neuroses dos
adolescentes das classes mais baixas. O Heavy Metal tem dado um lucro enorme às gravadoras, mas tem promovido o suicídio e a violência
anti-social como uma resposta aos problemas dos adolescentes.
A CULPA É MINHA
A introjeção é paralela à projeção; ela é tomar para si mesmo, de maneira inconsciente, a responsabilidade pelos maus pensamentos,
sentimentos inaceitáveis, desconfianças e desacatos cometidos por outros. O processo introjetivo é tipificado pelos pensamentos. “Não é culpa
dele, ele não é mau. Eu sou!” Ou então, “Eles não são hostis a mim. Eles não gostam de mim porque eu sou hostil a eles. Sou eu que não
presto! ” As pessoas podem culpar a si mesmas ou projetar em si mesmas aspectos negativos de outra pessoas. A auto-condenação pode ser
percebida como um modo de preservar um amor necessário ou uma figura de identificação.
Por exemplo, quando a projeção construída pelo rock é bem sucedida e os fãs afastaram-se das amadas figuras de autoridade, a introjeção
pode desenvolver-se como um comportamento compensatório. Os rebeldes imaturos e manipulados acabam culpando a si mesmos por sua
revolta. Mesmo entre os indivíduos que foram empurrados para o alcoolismo e para as drogas, os músicos, as músicas e seus promotores
raramente são culpados. Os fãs prejudicados invariavelmente culpam a si mesmos. O resultado é uma trágica perda de auto-estima.
Muito da indústria de comunicação de massa depende da exploração e manipulação das fraquezas humanas. O único tema consistente
permeando todas as propagandas é a inferioridade do consumidor. Por uma comparação inconsciente, o consumidor tem de ser um perdedor,
um ser
O LADO DE DENTRO DA CONSCIÊNCIA *125
cheio de defeitos e medíocre. Os modelos de publicidade são sempre gla- mourosos e desejáveis. A idealização funciona como a cenoura
inatingível que é balançada em frente ao asno. A cenoura pode ser balançada a apenas um passo de ser alcançada por toda uma vida de
consumidor.
Quando os indivíduos são persuadidos a olharem a si mesmos como inferiores, eles podem ser levados a consumir qualquer produto ou
marca que prometa realização e completude humana. O consumo supostamente trará a sempre impalpável perfeição. As promessas dos
anunciantes, é claro, permanecem nunca sendo cumpridas, e o indivíduo submerge gradualmente na fantasia do consumo como um fim em si
mesmo. Os consumidores dependentes dos anúncios tornam-se cada vez mais insatisfeitos. O fracasso sem alcançar o ideal proposto pelos
anúncios é devastador ao amor-próprio. No entanto, este mecanismo se autoperpetua. Os consumidores são empurrados de um novo produto
para outro, e para outro, para outro, outro e outro, enquanto a vida continua na rotina do consumismo. Eles consomem, portanto existem.
CAPÍTULO QUATRO

MÍDIA: A MÁQUINA DE
LAVAGEM CEREBRAL
Aquele que tenta colocar-se a si mesmo como juiz da verdade e do conhecimento é destruído pela gargalhada dos deuses.
Albert Einstein, TheEvolution ofPhysics
A visão que um homem tem do mundo é e sempre será uma construção de sua mente, e nada pode provar que tenha outra existência.
Irwin Schròdinger, Mind and Matter
Nós construímos este mundo, em sua maior parte, de forma inconsciente — simplesmente porque não sabemos como fazemos isso.
Ernstvon Glasersfeld, Introduction to Radical Constructivism
Num pequeno mas muito importante volume publicado em 1973, o Prêmio Nobel Konrad Lorenz fez um esboço dos Oito Pecados Capitais do
Homem Civilizado: aquelas áreas sujeitas a um desastre iminente que foram criadas e sustentadas pelas chamadas civilizações modernas.
Cada uma dessas oito áreas tem potencial para pôr um fim em nossa herança biológica e social dentro de um século ou menos —
possivelmente muito menos. A lista de pecados de Lorenz é sinistra e familiar: energia e armas, superpopulação, destruição ambiental de
sentimentos, abuso de energias inventadas e inovadoras, degenerescência genética, destruição das tradições e a possibilidade dos homens
serem doutrinados.
E a última delas que torna todas as outras possíveis. Se os homens podem ser doutrinados para irracionalmente empreenderem sua
própria autodestruição — como tem sido feito parücularmente nas culturas de alta tecnologia — o processo deve ser reversível. Devemos ao
menos ter esperança de que uma auto-aniquilação não é algo inevitável. Mas é claro que as tecnologias de doutrinação são bem conhecidas
por todo o mundo. Nos EUA, a mídia comercial, isto é, a máquina de propaganda e de relações-públicas, doutrina e controla a cultura e,
através da cultura, as construções perceptivas da população em geral.
A propaganda político-econômico-cultural está presente no mais simples anúncio — muito mais poderosa como implicação do que como
afirmação declarada. Na URSS e nas outras nações do bloco comunista, a
ideologia política é propagandeada abertamente, o que na prática pode tornar a mídia muito menos eficaz. Propaganda que parece
propaganda e soa como propaganda tem de dar errado. Os especialistas em informação soviéticos dificilmente vendem seu sistema político e
ideológico com o fervor que seus equivalentes da Madison Avenue dedicam à propaganda de desodorantes.
A possibilidade da doutrinação, contudo, não é nunca aparente para os doutrinados.
Os doutrinados são todos eles, é lógico, e o que é muito mais difícil de admitir, todos nós. Com suas pretensões lingüísticas à superioridade,
a espécie humana é de longe a mais vulnerável a persuasão, doutrinação, propaganda, lavagem cerebral, programação, condicionamento ou
qualquer outro rótulo que queiram usar. Em experimentos de laboratório, os macacos são recompensados pela obediência, normalmente com
uma bolacha. Os homens têm sido ensinados a obedecer quando recompensados apenas com uma figura de bolacha, carregada com palavras
sex subliminares. As pessoas mais vulneráveis à doutrinação são as que vivem em sociedades tecnológicas manipuladas pela mídia. A
população dos EUA, submetida a cerca de 150 bilhões de dólares de investimentos em anúncios em 1989, é a sociedade mais exaustivamente
bombardeada pela propaganda que jamais existiu.
É digno de nota que virtualmente todos, nos países desenvolvidos, tentam acreditar que são imunes à doutrinação. Eles pensam que
pensam por si mesmos e que sabem prontamente diferenciar entre a verdade e o erro, a fantasia e a realidade, a superstição e a ciência, o fato
e a ficção. Culturas tecnologicamente sofisticadas estão condicionadas a aceitar sistemas de crenças, comportamentos e valores que teriam
sido rejeitados imediatamente por seus antepassados da Idade da Pedra. Os homens primitivos sentiríam instantaneamente as ameaças
óbvias para a sobrevivência e a adaptação, ou o simples absurdo, inerentes a muitas das tão estimadas crenças da sociedade moderna.
Muitos leitores deste livro não conseguem distinguir uma garrafa quebrada de verdade de uma imitação, ou um cubo de gelo de verdade de um
de brincadeira. Será que eles podem ser levados a sério em suas pretensões de saber o que está acontecendo em Washington, Moscou ou em
suas próprias salas-de-estar?
As populações do mundo consideradas “livres, cultas, inteligentes e
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 1
civilizadas” constituem hoje o maior perigo para a sobrevivência mundial. Elas são, em geral, inconscientes da extensão em que são
manipuladas, manobradas e condicionadas pela mídia, pelos governos, pelos líderes e pelas instituições que servem aos interesses
financeiros de seus sistemas políticos, sociais e econômicos. O capital e as elites dominantes se mostram uma constante através da evolução
das sociedades humanas — talvez a única constante nas organizações sociais.
A questão de como os homens pensam que pensam é central para a continuidade da civilização como nós a conhecemos. Infelizmente,
essa questão normalmente provoca um sentimento de ultraje, raiva, irritação, autodefesa ou aborrecimento. As pessoas mais vulneráveis e
mais vitimiza- das pelos sistemas de doutrinação serão as mais resistentes a discutir sua própria doutrinação.
A questão da “realidade objetiva” parece fundamental para a sobrevivência do homem neste século e no próximo. Parece impossível saber
com certeza o que acontece à nossa volta, a qualquer momento que seja. Nós somos uma parte integrante da realidade que percebemos.
Jamais se descobriu um modo por meio do qual as pessoas possam se separar de suas percepções e sua miríade de perspectivas inatas.
Auto-ajudar-se com percepções inconscientes é absurdo, impossível. As percepções que se tem da realidade são produtos de um
condicionamento sócio-político- econômico inconsciente. Ao longo do tempo, essas percepções se juntam para formar perspectivas culturais.
Por cerca de 2 mil anos, cientistas e estudiosos têm questionado se existe uma realidade exterior, independente da mente. Tem sido difícil,
especialmente para os homens e mulheres ditos civilizados, aceitar que a percepção e a experiência humana existem somente no cérebro. Isto
inclui religiões, ideologias, conhecimento e tudo o que é percebido durante toda a vida.
A ambiência, tal como é percebida, mostra-se em grande parte uma invenção, em geral manipulada de acordo com os interesses daqueles
que tiram proveito do condicionamento perceptivo humano. Entre as espécies da Terra, somente os homens parecem fabricar seu próprio
pensamento, conhecimento, percepções cognitivas e, conseqüentemente, suas ações. Poucos, contudo, reconhecem conscientemente que
fazem isso por si mesmos ou que alguém o faz por eles, ou ambas as coisas. Os ho
mens têm comumente projetado justificações de comportamentos sobre alguma “realidade objetiva” fantasiosa.
A natureza questionável daquilo que aceitamos como a realidade objetiva ou verdade permanece reprimida, escondida da consciência, e no
entanto sempre presente sob a superfície do plano consciente. Essa ameaça subterrânea à validade percepüva leva-nos a defesas
constituídas por ilusões e racionalizações mais fortes e cada vez mais violentas. A repressão não ocorre acidentalmente ou casualmente. Os
homens reprimem inconscientemente para evitar ansiedade ou confrontos inesperados com a realidade. Os ideólogos, os mais reprimidos de
todos, vêem seu mundo como um lugar simples, simétrico e lógico que evita a complexidade, a contradição, a inconsistência ou o paradoxo, e
têm um temor permanente de serem incapazes de suportar uma realidade indefinida ou incerta.
A ignorância dos ideólogos acontece não porque eles não sabem. Muitos não querem saber como fabricam sua realidade, quem controla o
processo de fabricação e quais os objetivos, programas e mecanismos ocultos ou invisíveis do jogo. A maior parte de nós dá o mundo por certo
em demasia. Ele estava aqui muito antes que os homens evoluíssem. E assume- se tacitamente que ele estará aqui muito depois de terem
desaparecido. As aflições diárias da vida são, em sua maior parte, uma preocupação exclusiva com o consumir.
Desde Platão, muito já se discutiu sobre como os homens chegaram ao seu conhecimento da realidade, e sobre o quão confiável e acurado
esse conhecimento pode ser. Uma ameaça comum através do que há registrado por cerca de 2 mil anos de ciência e filosofia é que a verdade
deve estar relacionada a alguma idéia de realidade objetiva. Afim de ser considerada verdade, uma proposição deve ser verificável e estar
relacionada a alguma realidade objetiva e definível verbalmente presente no mundo à nossa volta. A mais nobre preocupação da humanidade
tem sido a busca da verdade. Contudo, cada vez que a verdade foi descoberta, o resultado foi um dano trágico.
A REALIDADE OBJETIVA É REAL?
Na Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant argumenta, em 1783, que a mente humana não desenvolve leis a partir de uma realidade objetiva.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 3
mas impõe essas leis à realidade, conformando-a a idéias pré-concebidas, motivos, interesses pessoais, perspectivas e condicionamentos
culturais. Embora a Crítica ainda seja lida, o seu questionamento da realidade percebida é geralmente deixado de lado. A idéia é subversiva,
ameaçadora, certamente incompatível com as sabedorias convencionais de uma sociedade de alta tecnologia.
Os homens e as mulheres ditos modernos são bem doutrinados — especialmente muitos daqueles considerados cientistas, acadêmicos,
especialistas e figuras de autoridade — e altamente disciplinados em termos de conformidade cultural. Eles raramente questionam a idéia de
que a verdade verbal sempre deve estar a par com a realidade percebida — uma impossibilidade. Qualquer sugestão de que as realidades são
um produto variável, fabricado pelas perspectivas da percepção, imediatamente ameaça a maneira segundo a qual as pessoas têm sido
condicionadas a interpretar seu mundo.
Estas questões parecem à primeira vista complicadas, distantes de preocupações imediatas e nem um pouco práticas. Elas são facilmente
ignoradas, muito embora a natureza das realidades percebidas seja um aspecto fundamental do processo decisório diariamente presente nos
negócios, no governo, nos relacionamentos familiares, na estratégia militar e em quase todas as outras áreas da atividade humana. Muitos se
convencem de que não têm condições de entender as questões e não têm nenhuma razão para se preocupar com as respostas.
E fascinante, e geralmente divertido, observar as pessoas tentando lidar com a revelação do que está por trás de alguma propaganda
subliminar. O problema não é nunca o fato delas não conseguirem perceber as obscenidades embutidas; quase todos as percebem com
bastante facilidade. Mas eles não querem lidar conscientemente com as mensagens embutidas, e em geral procurarão de alguma forma
escapar da situação. A idéia de doutrinação subliminar evoca temor em muitas pessoas. Este autor já foi acusado de hipnotizar platéias e
leitores, colocando idéias sujas em suas cabeças, brincando de jogos projetivos com pranchas de Rors- chach, forçando as pessoas a verem
imagens pornográficas que na verdade não existiam. Qualquer um que duvide do poder da repressão pode simplesmente tentar explicar as
ilustrações deste livro para seus amigos, vizinhos e familiares.
Fortalecidos contra qualquer ataque ao mundo tal como eles foram doutrinados para percebê-lo, os homens geralmente canalizam tais
ame- ças para o cesto de lixo da repressão. O poder da repressão individual ou grupai não deveria nunca ser desprezado. Ao longo de muitos
séculos trágicos, as pessoas têm se defendido, inclusive com violência, contra intui- ções perturbadoras sobre como eles sabem que sabem.
Para uma pessoa comum, prática, intransigente, isto provavelmente parece à primeira vista um nonsense filosófico — uma conjetura, uma
especulação desprovida de sentido, uma afetação maçante, apenas mais um exercício vão de como muitos anjos podem dançar numa cabeça
de alfinete. Nada poderia estar mais longe da verdade! A continuidade da vida humana e daquilo que passa por civilização se baseará na
capacidade de desfazer o dilema colocado acima. Nossa crença sobre como nós pensamos que pensamos é a base para boa parte das
suposições que o mundo faz a seu próprio respeito. Muitas dessas suposições apontam para a autodestruição.
O cérebro humano cria, ou constrói, sua própria percepção da realidade em relação a suas pressuposições doutrinadas, seus modvos
fabricados, seus interesses pessoais e seu background cultural. Nós fabricamos de fato idéias, conceitos e percepções — ou então a mídia faz
este trabalho para nós. Por exemplo, as pessoas inventam seus amigos e seus inimigos, seus amores e seus ódios, o sucesso e o fracasso, as
verdades e as falácias. Idéias tais como liberdade, democracia, justiça, segurança, junto com um dicionário de conceitos verbais similares,
continuam a guiar nossas decisões — ao menos conscientemente; tais conceitos verbais, contudo, significam coisas diferentes para diferentes
pessoas. Contradições geralmente tornam os conceitos sem sentido. As nações socialistas, por exemplo, definem essas generalizações de
modo muito diferente do mundo capitalista, o mundo latino de forma diferente do mundo inglês, o cristão do muçulmano, o católico do
protestante. Os terroristas de uma nação são os defensores da liberdade da outra.
O economista Thorstein Veblen considerou como “psicose ocupa- cional” o fato de a visão que determinada sociedade tem dos meios de
subsistência ser a fonte condicionadorá básica do comportamento e dos juízos de valor. Uma simples ponte sobre um precipício poderá ser
vista de maneira muito diferente por motoristas de caminhão, pedestres, planejadores urbanos, banqueiros, engenheiros, ciclistas ou
donas-de-casa.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 5
O viés econômico é um aspecto extremamente importante da percepção, embora o fenômeno seja certamente muito mais complexo —
operando tanto em níveis conscientes como inconscientes.
Nos EUA, na URSS e em outras sociedades tecnologicamente avançadas, o principal instrumento para a fabricação das percepções da
realidade são os meios de comunicação de massa. Nos EUA essa mídia é controlada para refletir as percepções da realidade dos executivos
de grandes empresas, instituições ideologicamente compatíveis. Seus interesses próprios coletivos tornam-se culturalmente integrados,
cegamente ou inconscientemente aceitos pelas populações-alvo como percepções da realidade de fato, como verdades.
Isto não inclui os eventos, as polêmicas, os altos e baixos, os conflitos, os sucessos ou fracassos superficiais do dia-a-dia dentro do
sistema; trata- se antes das estruturas de crenças básicas e subjacentes, coisas consideradas verdadeiras em níveis conscientes, se não
inconscientes, da percepção. Estruturas de crenças normalmente passam despercebidas para as pessoas que as sustentam. Pressupostos ou
expectativas são tidos como certos, aceitos sem questionamento, considerados como fatos imutáveis da vida. Atacar ou questionar essas
suposições, cuja ancoragem mais firme numa pessoa se dá em níveis inconscientes, é considerado normalmente como um ato subversivo, ou
pior, se o ataque é levado a sério pelos outros. O psicólogo infantil francês Jean Piaget observou uma vez que “a inteligência ou conhecimento
organiza o mundo organizando a si mesma.”
Uma analogia útil poderia ser extraída do jornalismo informativo norte-americano, organizado para vender anúncios, que benevolentemente
fala mais aos leitores sobre eles mesmos do que sobre acontecimentos de repercussão internacional. Essas “notícias” realçam a infinita
sabedoria, nobreza, bondade, prazer, bom gosto — todos os valores de uma auto-imagem positiva. Neste nível perceptivo, uma informação
negativa engendraria uma rejeição consciente por parte do público.
A pseudo-informação embelezada e romantizada a respeito das celebridades, por exemplo, confirma interminavelmente os objetivos
estereotipados unidimensionais com os quais as platéias se identificam. Numa abordagem realística, as pessoas nunca farão sucesso na
revista People. A People cria e sustenta celebridades fictícias projetadas para vender a revista e seus anúncios. Das revistas feitas para os fãs
adolescentes às entrevistas com ricos e famosos veiculados pelas redes de televisão, a indústria de exploração das celebridades funciona
como anúncio para anúncios.
A propaganda e o jornalismo informativo trabalham de modo similar. O público é o assunto básico disfarçadamente embutido em cada
sentença, cada imagem, cada cenário. A credibilidade se baseia não em percepções factuais verificáveis, mas nas identificações e projeções
do público. As fantasias de realidade da mídia, fabricadas de acordo com o interesse dos anunciantes, refletem as necessidades emocionais
do público — o que eles querem ouvir sobre si mesmos é incluído; aquilo que podería ofender suas projeções fantasiosas é excluído.
O público alvo da mídia, condicionado por décadas de constante reforço de pensamento positivo a respeito de si mesmo, perde sua
capacidade de discriminar entre fantasias perceptivas e realidades. Periodicamente, acontecem fatos que não podem ser varridos para debaixo
do tapete per- ceptivo e se impõem sobre a atenção do público. Informações desagradáveis, em conflito com as percepções que o povo tem da
realidade, podem ser consideradas por um curto período de tempo. Mas notícias realmente más serão no fim das contas reprimidas e
desaparecerão da atenção do público.
O jornalista I. F. Stone construiu uma sólida e bem-sucedida carreira expondo trapaças, fraudes e mentiras feitas por políticos. Stone
simplificou o problema: “Todo governo é dirigido por mentirosos, e a nada do que eles dizem deve ser dado crédito.” O problema é que ele
deixou de lado metade da equação. Nenhuma mentira funciona a menos que alguém esteja querendo acreditar nelr. As pessoas geralmente
preferem mentiras a verdades, se elas mantiveram suas tão valorizadas auto-ima- gens. Esta condição é, ao menos parcialmente, produto de
uma imersão prolongada na massagem da mídia.
Ninguém consegue impor uma mentira ou deturpação explícita impunemente se o público quer realmente saber o que de fato aconteceu. As
vítimas participam nos crimes de seus algozes. Para que uma trapaça dê certo, os que estão sendo trapaceados devem participar do jogo.
Platéias alertas, críticas e questionadoras não serão nunca enganadas. Antes elas terão de ser persuadidas a confiar, acreditar, ter fé e aceitar
as “verdades objetivas” de seus manipuladores.
O viés perceptivo também exerce um importante papel na manipu
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 137
lação. A seleção de um único estímulo sensorial relega os outros sentidos ao status de canais inconscientes e subliminares de acesso ao
cérebro. A visão, por exemplo, é uma experiência subjugadora. Se alguma coisa passa uma boa imagem, a sensibilidade dos muitos outros
canais de entrada de informação no cérebro é desligada no plano consciente, embora eles permaneçam ativos a nível subliminar.
Em uma experiência, 24 estudantes passaram um fim-de-semana em um monastério canadense. Durante os três dias, o grupo esteve
continuamente com os olhos vendados. As vendas tinham um enchimento que impedia a percepção do menor sinal luminoso. A maior parte
dos estudantes aprendeu a cozinhar, vestir-se e cuidar de si mesmo sem depender da visão. A experiência foi marcante e reveladora. Pela
primeira vez em suas vidas, eles perceberam o potencial sensório não-utilizado que há em cada ser humano. Dois estudantes, cegos de
nascença, foram incluídos no grupo para servirem de guias para outros.
No segundo dia, os estudantes sabiam — eles não estavam certos de como podiam saber — quando um animal entrava na sala. Muhos
distin- guiam com precisão se o animal era um gato ou um cão. A maior parte podia caminhar rapidamente por um pomar de macieiras sem
esbarrar nas árvores ou nos companheiros. Uns poucos podiam mesmo correr por entre as árvores. Os estudantes também registraram
posteriormente que eles de alguma maneira entendiam os sentimentos profundos dos outros muito mais claramente do que antes. Muitos
acharam mais fácil confiar ou — em várias circunstâncias —■ desconfiar dos motivos, da sinceridade ou da honestidade dos outros. Vários
deles desistiram no segundo dia. A descoberta de toda uma gama de potenciais sensórios — a maior parte dos quais disponível através de
uma modalidade não-verbal, afetiva e intuitiva de consciência — foi emocionalmente insuportável.
Em sua autobiografia, Jacques Lusseyran registrou suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial como líder de um grupo francês,
Défense de laFrance, que combateu com sucesso as forças de ocupação nazistas. Lusseyran perdeu a visão quando tinha oito anos de idade.
Ainda um jovem acadêmico, ele organizou uma célula da Resistência que depois se juntou à organização maior. O único papel de Lusseyran
era o de interrogar novos candidatos. Cego, ele podia conhecer a pessoa através da voz, do cheiro e de movimentos audíveis, e assim eliminou
traidores, covardes e emocionalmente inaptos com uma estranha precisão. Lussey- ran usou o termo “cheiro moral” para descrever suas
percepções cegas de pessoas que enxergavam. “Eles não eram de nenhum modo”, explicou, “como diziam ser. Eles nunca suspeitaram que
eu podia ler suas vozes como um livro.” Posteriormente capturado, passou quinze meses como prisioneiro em Buchenwald. Ele estava entre os
trinta que, dos 2 mil que com ele foram levados, sobreviveram. No fim Lusseyran tornou-se professor na Cleveland’s Western Reserve
University. E extremamente difícil, se não impossível, mentir de forma bem-sucedida para uma pessoa cega. Esta é uma das razões por que os
que vêem geralmente se sentem desconfortáveis pertos de cegos, sem saber o porquê.
Enquanto a verdade permanece um produto evasivo e efêmero da percepção, uma aproximação remota ou, no melhor dos casos, uma
avaliação bem-intencionada da realidade de múltiplos níveis, as mentiras calculadas são comparativamente fáceis de descobrir, a menos que
interesses pessoais anestesiem a agilidade perceptiva. Num artigo fartamente documentado publicado pelo respeitado ColumbiaJournalism
Review, An- thony Marro, editor-diretor da Newsday, fez uma lista destruidora de mentiras patentes de recentes presidentes e suas
administrações. Algumas das mentiras poderíam ser justificadas vagamente por considerações de defesa nacional. Marro demonstrou que a
Casa Branca de Reagan transformou mentiras em instrumentos institucionalizados de administração pública. A aparência de Reagan e sua
habilidade profissional de ator com a comunicação não-verbal escondiam poderosamente a substância e o conteúdo freqüentemente insípidos
de sua retórica. A manipulação de informações tornou-se uma estratégia principal. Pior, as mentiras de Reagan eram motivadas por interesses
políticos — não pela segurança nacional. O presidente Reagan mentiu para o mundo em um nível sem precedentes na história recente, o que é
uma realização significativa, se consideramos as impressionantes políticas de manipulação de informações dos presidentes Lyndon Johnson e
Richard Nixon.
Abertamente, de forma calculista, olhando nos olhos de sua platéia, Reagan mentiu em grande escala a respeito de um orçamento
equilibrado, da invasão de Granada, dos selos em produtos alimentícios e dos beneficiários da previdência, de El Salvador, Nicarágua, América
Central, Oriente Médio, dos direitos civis, dos compromissos com os deficientes e
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «13 9
os aposentados, da proteção do meio ambiente, das leis da previdência social para casos de invalidez, do ataque à Líbia, dos gastos militares,
do déficit federal, da Iniciativa de Defesa Estratégica (StarWars). Uma considerável pirâmide de mentiras e imposturas cercou os
carregamentos secretos de armas para os iranianos e o financiamento ilegal dos “contras” na Nicarágua, uma questão que se tornou um
constrangimento prejudicial para os EUA e seus aliados. Qualquer pessoa com um mínimo contato com a realidade poderia ter antecipado esta
conseqüência lógica do embuste propagandístico operando no mais alto nível de crédito e confiança. Infelizmente, este não é o único exemplo
recente de manipulação e fraude em políticas governamentais de informação. Considerando a natureza culturalmente institucionalizada da
manipulação pública, provavelmente não será o último.
Estas mentiras não incluem afirmações que refletem uma diferença honesta de opinião, de interpretação ou de ênfase. Estas mentiras
foram deturpações específicas e sabidas de dados registrados, verificados e fa- tuais. O mecanismo de deturpação é bem conhecido pelos
políticos. O presidente pode mentir como um vendedor de carros usados diante de oitenta milhões de pessoas assistindo à televisão; a
divulgação subseqüen- te de dados errôneos surge de forma fragmentada, gradativa e descoor- denada ao longo de dias, semanas ou meses.
As histórias de acompanhamento desses processos aparecem de forma obscura no Washington Post, New York Times, Wall Street Journal,
Atlantic Monthly e outras publicações. O jornalistajames Nathan Miller conta no Atlantic sobre as doze horas de pesquisa necessárias para
demostrar a falsidade de apenas uma sentença de um discurso de Reagan. Somando ao problema do tempo o da necessária perícia para fazer
tal trabalho, os editores de todo o país relutam em atacar as fantasias de seus leitores, a menos que as histórias se tornem realmente
importantes.
Marro citou o pedido de desculpas do presidente Reagan pelas mentiras, anunciado por sua equipe de relações-públicas, que disse que
“não importa se algumas de suas (do presidente) histórias são ou não literalmente verdadeiras — suas inúmeras afirmações errôneas a
respeito de fatos, sua confusão de detalhes e suas repetidas histórias sobre supostas fraudes na previdência que ninguém conseguiu
confirmar, por exemplo — porque elas contêm uma verdade maior". De acordo com Bill Kova-
ch, editor no New York Times, “estamos lidando com uma administração que afirma sem constrangimento — e já afirmou anteriormente — que
a verdade literal não tem sido uma de suas preocupações.” David Wise escreveu em seu perturbador The Politics ofLyingque “o principal
critério no governo não é a verdade, mas o oposto, a criação de mentiras que serão suficientemente plausíveis para serem aceitas como
verdade, mentiras nas quais as pessoas acreditarão.”
A importância de tudo isso não é apenas a existência de mentirosos ocupando posições elevadas. A maior parte das pessoasjá conhecia
esse fato em algum nível de conhecimento. O que é importante, especialmente no mundo perigoso de hoje em dia, é que as populações
aceitam a mentira como um aspecto normal de política governamental. Os mentirosos, como dissemos há pouco, não podem ter sucesso a
menos que encontrem pessoas dispostas a cooperar — vítimas entusiasmadas iludidas para acreditarem que também se beneficiarão das
mentiras.
AUTQ-ADULAÇÃO: A PEDRA FUNDAMENTAL
A auto-adulação da audiência, seja de forma aberta ou, o que é mais fre- qüente, dissimulada, é a pedra fundamental da comunicação
comercial eficaz. Acima de tudo, deve-se falar às audiências aquilo que elas querem ouvir sobre si mesmas. O fenômeno não é exclusivo de
nenhuma cultura específica. Informações negativas serão em geral ignoradas, reprimidas ou barradas por alguma outra defesa perceptiva.
A média dos jornais norte-americanos é composta hoje em dia por 95% de anúncios. A percepção inconsciente não discrimina entre a
chamada notícia e a informação popagandística. A maior parte dos leitores não traça uma distinção clara entre as duas, e nem poderia. Aos
níveis perceptivos inconscientes, informação é simplesmente informação armazenada num vasto sistema de memória de nenhum modo
comparti- mentalizado com bom ou mau, verdadeiro ou falso, fantasia ou realidade. Juízos de valor parecem ser uma função da deliberação
consciente. O público não é condicionado conscientemente a aceitar notícias como verdades e anúncios como mentiras. Poderia ser, contudo,
válido explorar a idéia, visto que ela poderia resolver várias questões importantes de
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «14 1
saúde pública e sanidade. Infelizmente, o mundo das realidades tais como são percebidas não é tão simples.
O resíduo de informação acumulado no nível inconsciente provê o programa ou a distorção cultural básica sobre o qual outros sistemas ou
estruturas perceptivas conscientes são organizados. Através deste resíduo de informação, pessoas e grupos definem quem eles são e aonde
estão indo, e criam hierarquias de valores básicos. Esta analogia deve, é claro, ser multiplicada por todas as outras exposições perceptivas à
mídia que acontecem a cada dia, semana, mês, ano e década. Cada veículo de comunicação manufatura ou produz uma orientação residual,
totalmente invisível para indivíduos, grupos e nações envolvidos. A orientação é onipresente e provê uma tela cultural através da qual são
filtrados eventos locais, entretenimentos, diversões e distrações momentâneas.
Em um seminário sobre cultura e tecnologia, levantou-se a questão do que um alienígena do espaço percebería da cultura dos EUA depois
de uma breve visita. O grupo fez uma lista das coisas óbvias: abuso maciço do álcool e de drogas, indiferença para com os problemas dos
outros, entrega aos prazeres dos sentidos sem inteligência, desintegração familiar, criminalidade e violência desnecessária — a lista de
horrores enche várias páginas. Esses eram assuntos dos quais a maior parte das pessoas sensíveis, socialmente preocupadas e informadas
seriam conscientes, visto que eles aparecem regularmente na mídia informativa e são amplamente discutidos e debatidos. O seminário, no fim,
conclui que o alienígena provavelmente teria uma visão assustadora dos EUA, talvez concluindo que o lugar era um caso perdido.
Essas observações, contudo, foram feitas por pessoas que passaram suas vidas na cultura norte-americana. O alienígena, ao menos por
certo tempo, conseguiría uma maior objetividade. Será que ele percebería o mesmo mundo visto pelos membros do seminário? O que foi
deixado fora do cenário são aquelas coisas que os norte-americanos raramente questionam. A coisa mais óbvia para o alienígena seria nossa
incapacidade para perceber conscientemente nossa própria cumplicidade e envolvimento com a longa lista de doenças sociais e os lucros que
delas tiramos. Existe, por exemplo, um prodigioso investimento legal no crime, na doença, na pobreza e na to- xicomania, do qual muitas
pessoas e instituições se beneficiam.
Outra coisa óbvia para um observador alienígena seriam as contra
dições, que poderíam incluir as continuamente reiteradas crenças na liberdade, na democracia e na igualdade contrastadas com a pronta
disposição para controlar e explorar outros povos; ou crenças declaradas na paz e na boa vontade contrastadas com a manutenção de
excessivo poder militar. A crença na igualdade de oportunidades contrasta com a realidade da supressão das minorias ou grupos divergentes.
A dedicação declarada ao bem comum contrasta com a ganância e a disposição para sacrificar quase tudo ou todos em prol da preservação de
um status privilegiado e da propriedade privada.
As contradições são normalmente invisíveis e reprimidas por aqueles que estão no veio principal da cultura — os beneficiários do sistema
— mas estão ao alcance do forasteiro cultural — o alienígena do espaço ou o de um gueto de pobres, de negros, de hispânicos ou índios —
para quem são óbvias. A conclusão do alienígena bem podería ser que, na verdade, a Terra é um caso perdido. Por outro lado, o alienígena
poderia concluir que se os humanos pudessem aprender a perceber à sua volta suas repressões culturais, nacionalismos, preconceitos e
interesses financeiros — e especialmente suas fantasias a respeito de uma verdade objetiva — eles poderíam no final resolver seus dilemas.
A tarefa de conhecer ou perceber o que parece estar acontecendo no mundo não pode nunca produzir um quadro verdadeiro distorcido.
Verdade não distorcida é uma concepção que pertence à ficção. Na ciência moderna, mesmo teóricos matemáticos e físicos questionam
freqüentemente se eles de fato descobriram uma lei da natureza ou se sua formação, suas teorias, e suas técnicas experimentais têm moldado
a aparência da natureza numa estrutura que parece justificar uma lei.
A questão é clara na pesquisa experimental com o comportamento dos ratos. São os psicólogos que treinam os ratos ou são os ratos —
com uma sagacidade natural — treinando os psicólogos para recompensá-los? Poucos psicólogos que lidam com ratos acham essa
possibilidade humorística, demonstrando mais uma vez o poder da repressão e do condicionamento cultural para invalidar questões que
ameaçam pontos de vista estimados.
Marshall McLuhan advertia os estudantes para questionarem constantemente toda afirmação que eles pudessem resgatar de suas
memórias. A partir do momento em que algo parecia lógico, sensato, sólido, cla
MIDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL « 1 4 3
ro e óbvio, McLuhan pedia um novo e muito cuidadoso exame. A percepção em geral adula o ego. Esse é o momento de maior perigo, no qual
a vulnerabilidade humana atinge seu ponto mais alto.
A PERCEPÇÃO DAS ABSTRAÇÕES DA LINGUAGEM
As realidades são descritas por palavras, imagens ou números. Todos estes símbolos abstratos estão ainda mais distantes da realidade do que
a percepção sensorial. Um indivíduo primeiro percebe, depois evoca símbolos para descrever a percepção. Tudo o que se pode dizer ou
escrever sobre a realidade é apenas uma representação simbólica. Os símbolos nunca se tornam a verdadeira realidade percebida que eles
tentam descrever.
O que a percepção humana tem sido capaz de entender sobre a realidade se divide em ao menos três níveis de percepção. Até aqui, cada
nível mostra-se único nas limitações perceptivas que ele impõe aos observadores. Diferentes técnicas perceptivas são exigidas em cada um.
Os níveis não se sobrepõem, nem podem ser percebidos simultaneamente. Os três níveis são o macro, o micro e o submicro. O nível macro
inclui o que pode ser prontamente percebido através dos sentidos — paladar, olfato, tato, audição e visão, e as miríades de subdivisões de
cada um. Para usar uma imagem simples, uma fatia de um bolo de chocolate pode ser vista, pesada, medida, cheirada, saboreada e tocada.
Sem muita dificuldade ou confusão, podem-se coletar dados macro consideráveis sobre a fatia de bolo. Po- de-se mesmo apontar um dedo
para uma fatia específica para diferenciá- la de outra. O nível macro mostra-se tranqüilizantemente simples, óbvio e justo. Atenção! E da
percepção macro que a realidade é abstraída para o senso comum, a linguagem do dia-a-dia. Ela é também o nível de percepção em que a
maior parte das dúvidas, erros da avaliação, erros de percepção e desastres dos mais diferentes tipos ocorrem.
O nível micro, o primeiro passo em direção a uma compreensão mais profunda da realidade, pode ser percebido com instrumentos que
ampliem as capacidades sensoriais do homem, tais como microscópios, termômetros, micrômetros, espectrógrafos, técnicas de datação
através do carbono e um rico sortimento de instrumentos mecânicos e eletrônicos.
Esses aparelhos podem estender a percepção até o nível molecular de realidade. No nível micro tornam-se possíveis observações precisas e
men- surações quantitativas da realidade que nunca poderíam ser atingidas no nível macro.
Estes dois níveis de percepção da realidade tornam a fatia de bolo um evento perceptivo de uma complexidade assombrosa, indo dos
componentes moleculares e celulares até a textura lisa, macia e única da cobertura. Ainda há, contudo, muito mais para conhecer (perceber)
sobre nossa fatia de bolo de chocolate — o nível submicro. A realidade submi- croscópica — os núcleos atômicos, elétrons, prótons, nêutrons,
fótons, íons, e as outras partículas mínimas, muitas ainda por serem descobertas — não pode ser percebida diretamente pelos sentidos
humanos. No nível micro, uma pessoa pode perceber visualmente estruturas celulares, ou mesmo moléculas, com um microscópio eletrônico.
Ninguém tem condições de perceber diretamente uma estrutura atômica. Os elétrons e as outras partículas que orbitam em torno do núcleo
viajam à velocidade da luz e teriam de ser detidas para serem observadas. O nível de percepção só está ao alcance dos homens através das
abstrações matemáticas — uma linguagem incompreensível para a maior parte dos não-matemáticos.
Pode-se conceber que existam outros níveis de percepção ainda não acessíveis à investigação, mas estas três dimensões básicas são
úteis na exploração da realidade perceptível, o chamado mundo real. As dificuldades começam quando alguém casualmente observa a fatia de
bolo, ou uma fotografia da fatia, e então prontamente afirma: “Eu sei tudo sobre aquela fatia de bolo de chocolate!” Na medida em que nos
ocupamos apenas com uma única fatia de bolo, numa situação única, não pode haver nenhum grande problema. Podemos usar o símbolo fatia
e apontar para a fatia de bolo na expectativa de que nossa descrição verbal será entendida. Se por outro lado, usamos o símbolo fatia de bolo
para descrever todas as milhões de diferentes fatias existentes no mundo, teremos distanciado em muito nosso símbolo de qualquer realidade
simples.
Quando os símbolos verbais fatia de bolo de chocolate são substituídos pelos símbolos russos, muçulmanos, negros, chineses, judeus,
hispânicos, ou qualquer outro símbolo abstrato, a percepção se move numa área de complexidade perceptiva com um potencial letal.
Estes três níveis de realidade perceptível — macro, micro e submicro—
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL • 145
são inerentes a toda a realidade física e biológica conhecida pela experiência humana. Qualquer um que pretenda saber tudo, ou mesmo
muito, sobre qualquer pessoa ou grupo comete um absurdo tão grande como aquele que afirma que sabe tudo, ou mesmo muito, sobre os
russos, os muçulmanos, os norte-americanos ou os índios shoshone. Existem, é claro, categorias verbais arbitrárias, meramente convenientes
enquanto ilustração. A categorização verbal é sempre necessariamente arbitrária e experimental. Podem haver seis, dezesseis ou sessenta
níveis de realidade perceptível verbalmente definíveis, As pessoas podem perceber o bastante sobre qualquer assunto para alcançar
determinado objetivo; mas elas deveríam se tornar mais*humildes pela consciência de que, seja qual for o assunto, haverá sempre mais coisas
que elas não sabem do que as frívolas superficialidades que elas pensam que sabem.
Na prática, contudo, a maioria de nós vive — em geral precariamente — somente no nível macro, uns poucos vivem nos níveis macro e
micro e extremamente poucos vivem nos níveis macro, micro e submicro de percepção. Estes três níveis, é importante lembrar, não podem ser
experimentados pela percepção simultaneamente. A realidade, é lógico, existe a um só tempo. Mas as pessoas devem perceber os níveis de
realidade de cada vez.
A sobrevivência e o ajustamento do homem seriam bem servidos se as pessoas fossem instruídas em suas limitações perceptivas e
lingüísticas. Qualquer pretensão de atingir uma verdade ou conhecimento objetivo somente no nível macro da percepção humana é no pior dos
casos uma mentira, no melhor uma ingenuidade. A simples afirmação de que não se pode confiar no Panamá, nos comunistas, nos
republicanos, nos rotaria- nos, nos anarquistas ou nos membros do Lions Club, embora seja uma afirmação geralmente levada bem a sério,
pode ser objeto apenas de uma lógica do absurdo. A relação entre a linguagem e os objetos ou as pessoas que a linguagem tenta descrever é
universalmente subjetiva. Apesar disso, a maioria de nós tem sido cuidadosamente doutrinada para aceitar a linguagem como ela se mostra no
nível mais superficial, para confiar implicitamente em superficiais percepções macro.
Os instrumentos, técnicas perceptivas e o raciocínio matemático ajudam os observadores a realizar algum grau de distanciamento
perceptivo. Mas o que em determinado momento passa por ciência continua a
146 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
descobrir, com muito pouca objetividade, aquilo cuja descoberta lhe foi recompensadora.
Assim como a arte, a ciência é comumente aquilo que as pessoas podem fazer impunemente em determinado momento da história. E as
pessoas podem fazer impunemente inúmeras coisas, se elas entendem o jogo. Toda sociedade que deseja sobreviver deveria ser sábia para
cuidadosamente desafiar seus políticos, administradores públicos e particulares, generais, cientistas, engenheiros e outros que se apresentam
como especialistas, autoridades, videntes, gurus. O princípio perceptivo que valeu o Prêmio Nobel para o físico Werner Heisenberg continua
sendo uma advertência para os crédulos: “Nenhum julgamento perceptivo pode ser feito com absoluta certeza.”
O nível macro de percepção é onde a realidade percebida se transforma em palavras e imagens. É o nível no qual a maior parte das
pessoas vive suas vidas. São lutadas macro guerras, desenvolvidas macro políticas e feitas macro definições que controlam, ameaçam ou
destróem a vida humana. Mas qualquer tentativa de definir palavras-símbolos ou imagens- símbolos termina necessariamente por incluir e
excluir informações de forma arbitrária. E não é raro que o que é excluído se torne mais significativo para o entendimento e para o significado
do que o que foi incluído.
A OBJETIVIDADE NÃO ESTÁ MORTA: ELA NUNCA EXISTIU
Tentativas científicas de definir as coNas objetivamente com palavras de línguas mortas, como o latim, nunca funcionaram. Embora as línguas
estivessem mortas, as pessoas que as usavam não estavam. Tais pseudo-lín- guas servem mais para controlar e definir as descobertas e as
pesquisas do que tornar a linguagem objetiva. Elas são também meios eficazes de ocultar informações do público leigo. O latim, é claro,
desapareceu rapidamente como língua científica defensável. Ele foi substituído pelos vocabulários dos vendedores da Madison Avenue e de
outros grupos, vocabulários esses que são ainda mais afastados das realidades percebidas. O jogo retórico de criar nomes de marcas
farmacêuticas, eletrônicas e de produtos biológicos com associações verbais simbólicas significativas em nível inconsciente têm mais a ver
com a magia e o mito do que com a ciência.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL «147
Note-se as inteligentes marcas de fantasia dos remédios, sejam vendidos sob prescrição ou livremente. Rótulos mágicos como Cefalexina,
Zovirax, Enalapril, Luride e Theo-Dur evocam sentimentos de força e saúde sem a menor indicação de quais doenças eles tratam. A ciência e o
que a ciência produz tornaram-se meras entidades comerciais designadas para serem promovidas no mercado.
Os elaborados jargões multi-silábicos desenvolvidos nas ciências sociais e comportamentais foram tentativas similares de escapar da
armadilha do desvio perceptivo inerente à linguagem. Infelizmente, elas desembocaram numa armadilha pior — a incompreensibilidade. Em
áreas como a psicologia, a sociologia e a antropologia, tentativas pedantes de cunhar palavras com significados científicos, palavras não
sujeitas ao desvio perceptivo humano, produziram uma tagarelice pseudocientífica desprovida de sentido. A partir do momento em que
definições específicas foram aceitas elas começaram a se transformar e mudar através de novas interpretações. Fazer definições de palavras
é como plantar árvores em areia movediça. O jargão tornava-se confuso, fictício e obsoleto antes que a tinta do último dicionário tivesse tempo
de secar.
Variações contextuais no sentido — o que as palavras significam em vários contextos ou disposições — têm um número infinito de
possibilidades; há de longe muito mais variações do que o maior computador podería comportar. O dilema do significado aplica-se a todos os
sistemas de linguagem. Em primeiro lugar, há a intenção do escritor, aparentemente algo bastante simples. Depois, há a questão do que várias
pessoas e vários públicos, em condições diversas de tempo e lugar, perceberam como sendo a intenção do autor — algo não tão simples.
Além das variações contextuais no sentido, sentidos pessoais, expressões idiomáticas e expressões coloquiais surgem aos montes em
todas as línguas a cada dia, e desaparecem aproximadamente na mesma proporção. Os idealizadores de programas de computador para a
tradução de textos concordaram que em áreas especializadas com vocabulários limitados todos se entendem, em maior medida, uns aos
outros. Eles conseguiram que o computador traduzisse artigos de especialidades científicas, como a neurocirurgia, por exemplo, num estilo
grosseiro. Contudo, mudanças constantes e irregulares em todas as línguas e culturas impedem a produção de qualquer tradução inteligível
sem uma revi são exaustiva por alguém que conheça tanto as duas línguas envolvidas quanto o campo da especialidade em questão.
Mais uma vez, as variações nos sentidos foram os obstáculos. O dispendioso esforço empreendido em várias nações não conseguiu
produzir um sistema de tradução eficaz. A mais complexa entidade que os homens desenvolveram é a linguagem. Não obstante isso, a maior
parte das pessoas simplesmente dá a linguagem por certa, aceitando-a como parece ser na superfície — algo de que, em geral, elas no fim se
arrependem.
Outro fator deve ser incluído em qualquer tentativa de descrever o processo de percepção da realidade — o tempo. A percepção tem de
envolver um continuum temporal. A fatia de bolo de chocolate — a fatia real, não a versão retratada da figura 6 — sofreu uma mudança
contínua durante toda a sua existência. Não é hoje a mesma fatia que era ontem, há uma semana ou há um mês. Qualquer avaliação
perceptiva válida da fatia de bolo deveria incluir uma referência temporal válida. Em outros termos, qualquer referência à fatia de bolo que
tenha um significado deve incluir tempo, espaço, perspectiva, associações em nível tanto consciente como inconsciente e informações sobre
as distorções do observador. Pessoas viciadas em chocolate percebem um bolo de chocolate diferentemente daquelas que não são viciadas.
Pessoas famintas perceberão a fatia de bolo de uma maneira bastante diversa de alguém que acabou de comer. Não obstante,
independentemente de quão detalhada se torna a descrição verbal ou pictórica, os símbolos verbais não podem nunca traduzir a complexa e
multinivelada realidade perceptível.
Nossa percepção da fatia de bolo pode não envolver questão de vida ou morte. Mas, e quanto a realidades perceptivas como o capitalismo,
o socialismo, o amor, o ódio, a liberdade, a escravidão, a lealdade, o meio ambiente ou o povo? Conceitos verbais e pictóricos subjetivos como
estes — conceitos de um alto nível de abstração — só podem ser descritos por outras palavras. A montanha cada vez maior de definições
descritivas leva-nos cada vez mais longe da realidade verificável. As pessoas continuam a dar passos em falso num denso nevoeiro verbal, e
intelectual, tentando confirmar fantasias perceptivas cada vez mais vagas ou efêmeras baseadas em outras fantasias baseadas em fantasias
etc.
MÍDIA: A MAQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 149
O INCOMUM SENSO COMUM
De Euclides a Descartes, de Newton a Einstein, os modos tradicionais de pensamento eram baseados em percepções espaciais de três
dimensões: altura, largura e profundidade, aliadas aos movimentos do tempo. Esta maneira simplista de pensar é freqüentemente chamada de
“senso comum”. Para a maior parte das sociedades de nosso tempo, o senso comum provê as construções científicas e sociais básicas da
realidade. O senso comum normalmente parece constante, confiável, simples e não-con- traditório — um modelo de relações lineares de causa
e efeito. Contudo, o mundo real — fora das limitações da percepção humana — não parece ser de nenhum modo como nossas fantasias de
uma percepção clara, ordenada, lógica, predizível e descritível.
Novas palavras, frases, conceitos verbais e sentidos — coletivamente utilizados para expressar o senso comum — são constantemente
introduzidas na linguagem através do trabalho de hábeis mercadores de palavras. A inovação na linguagem não é um produto da população
em geral. H. L. Mencken, em seu exaustivo The American Language, chamou esses inovadores de “os homens escritores” (writingmen).
Curiosamente, as mulheres
— embora isto possa estar mudando nas nações tecnologicamente avançadas — tiveram até agora um papel secundário na criação de uma
nova linguagem. Os cunhadores da linguagem incluem romancistas, contistas, dramaturgos, letristas de músicas, teatrólogos, jornalistas e,
particularmente, redatores de anúncios. As frases dos mercadores de palavras normalmente penetram na linguagem despercebidas. O escritor
é anônimo ou então é logo esquecido; as palavras permanecem indefinidamente.
Os 150 bilhões de dólares gastos com propaganda nos EUA em 1989
— investimento de apenas um ano — introduziram dezenas de novas palavras, frases e sentidos na linguagem. Alguns destes rapidamente
desapareceram; outros persistirão indefinidamente. Qualquer um que patrocine inovações em termos de linguagem, na verdade, está
controlando as definições e os sentidos da linguagem. Ainda mais importante, o modo pelo qual o significado é definido é controlável tanto no
nível consciente de percepções do público quanto no nível inconsciente. A maior parte dos talentosos criadores de palavras e frases dos EUA
trabalham, de uma ou de outra maneira, para a máquina da propaganda. A indústria do entretenimen
to está intimamente ligada a interesses empresariais em propaganda e promoções. A mídia da propaganda pode explorar o trabalho de um
escritor, ou pode ignorá-lo quando seus interesses financeiros estão ameaçados. A indústria da propaganda faz um investimento poderoso na
linguagem, em como ela é utilizada, e em interpretações controladas de significados. A mídia da propaganda dá à sociedade uma máquina de
linguagem e cultura.
A fragilidade e vulnerabilidade da percepção e da linguagem humana tem sido amplamente reconhecida por filósofos, matemáticos e
cientistas no mínimo desde os sofistas gregos. Nos EUA de hoje, de modo muito diferente de muitas outras nações ou culturas, o
relacionamento entre as palavras e as realidades percebidas que elas se propõem a descrever é ignorado. As pessoas têm sido condicionadas
a aceitar indiferentemente os símbolos das palavras ou imagens como realidades — mesmo quando eles carecem de qualquer relação
concebível com a realidade perceptível. Os anúncios estabelecem o modelo para a linguagem. O jargão dos anúncios não transmite nada de
verificável ou específico. Tudo é mantido no reino da projeção da fantasia, da identificação entre produtos vagamente erotizados, consumidos
por pessoas apresentadas como imagens estereotipadas. Questões sobre desvios perceptivos e significado versus realidade raramente
aparecem. Avaliações críticas do significado nos níveis perceptivos macro-micro-submicro ou são atacadas como subversivas ou, o que é pior,
ignoradas como pedantes.
Há cerca de 2 mil anos, Platão aconselhou os governantes de sua República a procurar o controle do idioma do povo como primeira
estratégia de dominação política e econômica. As populações podem ser inconscientemente (subliminarmente) condicionadas segundo
qualquer padrão desejado. Com a tecnologia atualmente disponível, isto requer meramente o gasto do tempo, do dinheiro e dos recursos
humanos necessários. A cada ano, pode-se ver nos EUA pessoas que literalmente compram—através da mídia propagandística — eleições,
apoio público, gastos dos consumidores e políticas públicas nacionais e internacionais. O maior investimento em propaganda normalmente
vence; não sempre, é claro, mas com uma freqüência suficiente para tornar tal investimento uma técnica garantida para a moldagem da
aprovação pública. E então, o que é mais atemorizador, todos pretendem que pensam e agem por si mesmos e que não são comprados e
vendidos por nenhum manipulador esperto.
MÍDIA: A MÁQUINA DE LAVAGEM CEREBRAL » 15 1
A propaganda gera um sistema estímulo-resposta-recompensa quase perfeito, apesar de as recompensas serem muito mais simbólicas do
que reais. O resultado final, contudo, parece muito mais próximo do pesadelo do Inferno de Dante do que de uma utopia idílica. Em seu atual
estágio de desenvolvimento, a tecnologia da mídia poderia transformar o mundo e seus povos em virtualmente nada. Os EUA, contudo,
engenhosamente persuadiram a si mesmos a usar esta tecnologia para transformar sua cultura numa enorme máquina de vendas que existe
porque consome.
Aqueles que entendem as limitações da linguagem e das percepções podem assumir a responsabilidade por suas próprias definições da
realidade. Eles podem evitar ou reduzir a vulnerabilidade à manipulação. Eles podem alcançar a autonomia enquanto pessoas. E podem
verdadeiramente perceber seu vasto potencial de crescimento, dignidade e realização. O problema é que a maior parte das pessoas prefere
seguir o rebanho, aceitar as percepções dos líderes e da mídia prontas para serem usadas, que buscam apenas satisfazer seus próprios
interesses egoístas.
CAPÍTULO CINCO

COMO SABEMOS QUE SABEMOS


QUE SABEMOS

Pensar é divergir!
Clarence Darrow, das transcrições do Scopes Trial
Uma civilização ou um indivíduo que não pode romper com suas abstrações usuais está condenado à estmlidade após um período bastante
limitado de progresso. Praticamente qualquer idéia que jogue você para fora de suas abstrações comuns é melhor do que nada.
Alfred North Whitehead, Process and Realitvy
O senso comum deve ser confrontado com o senso incomum. Um dos principais serviços que a matemática prestou à humanidade no último
século foi colocar o “senso comum” no seu devido lugar, a mais alta prateleira, ao lado de uma garrafa empoeirada com o rótulo
“DisparatesDescartados”. EricT. Bell, The Principie of General Relativitvy
A linguagem humana normalmente parece ser algo tão simples, lógico, razoável e natural que a maioria de nós a considera inquestionável.
Raramente perguntamos como as percepções do mundo são processadas pela linguagem e afetam o comportamento; ou os modos pelos
quais a linguagem determina como e o quê pensamos pensar. Nas sociedades dirigidas pelos meios de comunicação de massa, os indivíduos
são implacavelmente fustigados pela linguagem das palavras e das imagens. Cada momento em que passam acordadas — e, através dos
sonhos, cada momento do sono —já foram alvejados pela mídia. A maioria dos norte-americanos parece ser inconsciente da intrusão da mídia
em suas vidas.
Os turistas ocidentais na URSS têm um choque cultural ao perceberem subitamente que algo está faltando. Os soviéticos não são
submetidos às demandas de uma mídia que penetra em todos os lugares. Você imagina qual das duas sociedades recebe a lavagem cerebral
mais implacável? A questão é acadêmica. Ambas estão profundamete submersas pela mídia manipuladora que fabrica a cultura
contemporânea. A mídia soviética simplesmente é menos óbvia.
A educação nos EUA afastou-se dos ideais das artes liberais de 35 anos atrás, quando o objetivo era alcançar uma perspectiva autônoma,
corajosa, crítica e intelectual. A educação era considerada um caminho para experiências de vida mais ricas, plenas e significativas.
Esperava-se dos estudantes que compreendessem os modos relativos de pensar e julgar, e a
ênfase era no ensinar como pensar criticamente ao invés de ensinar o que pensar. Os estudantes hoje são exaustivamente propagandizados,
ensinados a adaptarem-se às realidades contemporâneas percebidas, a aceitar e ajustarem-se às sabedorias convencionais do momento. E
uma grande ênfase é dada às fantasias vocacionais sobre empregos de alta remuneração.
As escolas de comércio, onde são matriculados cerca de 25% dos americanos não graduados, legitimam o comércio. Nestas escolas, a
ambição e o lucro são racionalizados como fins em si mesmos, com uma franqueza que teria embaraçado Al Capone. Estranhamente, no
entanto, elas proporcionam muito pouco da educação intelectual básica que deveria preparar um empreendedor ambicioso e criativo. Se uma
personalidade empreendedora entra numa escola de comércio, ela geralmente a abandona por tédio. De modo similar, as escolas de
comunicação legitimam e romantizam a indústria de comunicação de massa. Com cursos infindáveis sobre generalidades vagas e carentes de
fatos, elas ensinam muito pouco sobre linguagem, pensamento e comportamento — considerações fundamentais na comunicação humana. Os
jovens são doutrinados para tomarem um lugar na cadeia que os tornará mais um número nas estatísticas de marketing dos shopping-centers
da vida. Consumo logo existo, ou vice-versa, tornou-se a premissa filosófica sobre a qual baseia-se grande parte da vida.
As técnicas para uma análise crítica da linguagem estão disponíveis. Elas podem proporcionar uma resistência intelectual para nos
defendermos contra a manipulação verbal e distinguirmos entre a fantasia e a realidade. Mas o sistema lingüístico com o qual a maioria das
pessoas é educada garante que elas se tornarão tanto vítimas quanto algozes, com muito pouca consciência de que algo além do comum está
acontecendo.
A LÓGICA DO ILÓGICO
O sistema de linguagem com o qual vivemos foi na verdade criado por um acadêmico grego cerca de 350 a.C. Poucas pessoas atualmente
conhecem ou se preocupam com Aristóteles. Inconscientemente, no entanto, a população norte-americana permanece vítima das regras de
pensamento que ele estabeleceu há mais de 2 mil anos. Suas regras ainda governam os modos com os quais as percepções são descritas e
as suposições são ex
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS « 157
pressas em palavras, desenhos ou simples matemática. As linguagens das ciências baseadas na matemática descartaram, em geral, a lógica
aristoté- lica há um século. No entanto, para o cidadão comum, a velha lógica da linguagem ainda proporciona uma estrutura integrada, em
grande parte inconsciente, pela qual os homens submetem-se ao controle e à manipulação. Aparentemente, Aristóteles pensava estar
meramente descrevendo o sistema de linguagem de seu tempo. Mas, com o passar dos séculos, seu sistema tornou-se útil aqueles que
controlavam as sociedades e começou a ser percebido como as regras mesmas do pensamento — o modo como a mente pensa, o modo com
que a linguagem opera e até o modo que Deus tencionou para os homens raciocinarem.
A estrutura da linguagem exerce uma influência subliminar poderosa sobre a vida humana. No entanto, para o indivíduo, que é parte do
sistema lingüístico-cultural, a coisa toda parece natural e razoável. Poucos questionam o sistema: e poucos ao menos sabem que o sistema
existe. De dentro do sistema, qualquer crítica faz muito pouco além de reafirmar a perfeição, a lógica, a razão e as verdades do sistema.
Aristóteles, um acadêmico prolífico, descreveu o modo como a linguagem parece operar em três leis fundamentais do pensamento: a
identidade, o meio excluído e a contradição. Seu gênio está na habilidade em ter descrito um sistema lingüístico que parecia nítido, confiável,
ordenado e que podia ser definido verbalmente — um sistema que podia ser verificado internamente. Mais tarde o sistema de Aristóteles foi
integrado, a partir da Grécia antiga, na maioria das culturas lingüísticas do mundo ocidental. Suas três leis têm sentido lógico. Elas
estabeleceram e legitimaram — por mais de dois milênios — os meios pelos quais a linguagem, o pensamento e a lógica seriam aceitos e
aplicados. Qualquer pessoa que questionasse, discordasse ou contradissesse o sistema era excluída da sociedade, presa, executada como
herege ou subversiva, ou tudo isto junto. A lógica aristotélica ainda é defendida por aqueles cujos interesses velados possam ser ameaçados
por um outro sistema lingüístico mais condizente com o progresso nas ciências naturais e físicas que presenciamos no último século.
O cientista, matemático e filósofo Alfred Korzybski foi um dos que tentaram aplicar os princípios científicos na linguagem verbal. Seu
trabalho principal, Science and Sanity (1933) ainda é uma das mais importantes
tentativas de examinar como as estruturas aristotélicas aprisionaram a civilização ocidental num sistema de linguagem lógico restritivo,
primitivo e destrutivo. Ele pesquisou os meios pelos quais as noções científicas contemporâneas poderiam ser ampliadas para incluir as
ciências sociais e lin- güísticas. Korzybski foi amargamente condenado na Soviet Encyclopedia of Science. Embora a princípio tivesse recebido
uma séria atenção nos EUA, foi logo censurado por aqueles que tinham interesse em manter o status quo lingüístico. Sua tentativa de
desenvolver um sistema de linguagem saudável e não-explorador ameaçava aqueles que dependiam do mito, da mágica e da fraude.
S. I. Elayakawa, que mais tarde tornou-se senador, foi um dos primeiros estudantes da semântica korzybskiana. No entanto, numerosos
executivos da indústria de publicidade fizeram uma conspiração com a lógica não-aristotélica. Ela lhes oferecia uma perspectiva — uma chave,
de fato — pela qual as percepções do consumidor poderiam ser manipuladas com maior eficácia. Pierre Martineau, diretor de publicidade do
Chicago Tribune, foi um dos primeiros a utilizar a nova lógica nas estratégias de marketing. Korzybski esperava criar um sistema de linguagem
que protegesse os indivíduos contra a exploração da linguagem. Seu sistema tor- nou-se mais útil para aqueles que praticavam a exploração.
As três leis aristotélicas básicas são simples. Elas oferecem uma estrutura psicolingüística para a lógica e a razão e impõem uma ilusão de
ordem sobre a linguagem e suas aplicações. Isto pressupõe, é claro, que todos saibam, entendam e aceitem estas leis. Mas o problema com
as regras é que, uma vez que elas são impostas ou aceitas, as pessoas talentosas procurarão à exaustão os modos pelos quais as leis
poderão ser manipuladas, logradas e desrespeitadas.
Uma história das leis torna qualquer leitura enfadonha. Uma história de como as civilizações violaram, lograram e adaptaram suas leis por
causas da ambição, do poder e do lucro, seria fascinante — embora provavelmente subversiva. Atualmente, as leis aristotélicas prevalecem
nas ciências orientadas para as definições verbais. Uma vez que as pessoas são persuadidas ou coagidas a aceitarem as leis de um sistema,
aqueles que as entendem completamente podem manipular os que crêem nelas em qualquer direção desejada.
As leis judiciárias em todo o mundo ocidental proporcionam exce
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «15 9
lentes exemplos da lógica aristotélica. A tentativa de determinar a culpa ou a inocência por meio das palavras fornece empregos mais ou
menos lucrativos para batalhões de profissionais de Direito. Os EUA têm mais leis que todo o resto do mundo junto. Poder-se-ia concluir que
todos os dilemas estivessem solucionados por esta montanha de proibições e definições verbais. No entanto, milhares de pessoas dedicam
suas vidas às descobertas de exclusões, contradições, buracos e erros. Esta proliferação de leis com freqüência criou mais problemas do que
resolveu. As tentativas de reconciliar os dilemas humanos apenas com palavras estão condenadas desde o princípio. Se os homens não
desejam realmente soluções para os problemas, uma montanha de palavras fará pouca diferença.
A contribuição de Aristóteles para os estudos da linguagem foi realmente extraordinária para o seu tempo. Por si só, sua lógica teria
passado por uma evolução natural, juntamente com a ciência, a tecnologia e a civilização. Infelizmente, suas idéias serviam muito bem às
estruturas de poder e lucro. Elas foram assimiladas pela filosofia escolástica durante a Idade Média e acabaram sendo impostas como a
doutrina da Igreja pela Inquisição. As leis aristotélicas sobreviveram mesmo após a Reforma, e continuaram dominando o pensamento e a
linguagem ocidentais.
A ciência e a tecnologia libertaram-se finalmente de Aristóteles no começo do século vinte, principalmente pela matemática. Um punhado
de sofisticados matemáticos e físicos formados nas novas áreas da relatividade e da mecânica quântica afastaram rapidamente a ciência da
idade das trevas, onde uma visão criativa das percepções havia sido teologicamente suprimida. Uma vez que a lógica de Aristóteles, a
geometria de Eu- clides e a física de Newton foram postas de lado, o progresso científico não pôde mais ser refreado. No entanto, as ciências
de orientação verbal- pictórica permaneceram enredadas pela lógica aristotélica.
A geometria de Euclides, por exemplo, tornou-se uma típica vítima do progresso. As provas de Euclides, como as de Aristóteles, eram
construídas a partir da linguagem humana—verbal, pictórica e algébrica — e dependiam da linguagem verbal/pictórica, com suas armadilhas,
falácias e fraquezas estruturais ocultas.
Cada palavra ou imagem tem tanto um significado como uma definição, embora raramente os dois sejam congruentes. Quanto mais fre-
qüentemente usado, mais variado, complexo e contraditório se toma o
sentido. As definições estão constantemente mudando. O uso efetivo de uma palavra ou símbolo pictórico também é dirigido mais pelas
associações inconscientes do que pelas conscientes. As definições de Euclides, como aparentemente ele as planejou a princípio (seus
axiomas postulados e suas definições de ponto, reta, círculo, triângulo etc), começaram a ruir, modificar-se e desenvolver-se constantemente,
no começo de modo sutil, depois em larga escala. E 2.100 anos depois, em 1823, surgiu a geometria não-euclidiana, que não parou de evoluir.
A geometria euclidiana tornou-se uma nota de rodapé histórica, lida rapidamente durante o primário da educação matemática. Do mesmo
modo, a física newtoniana desapareceu frente as teorias da relatividade e da mecânica quântica. Euclides e Newton caíram, não sem dor, mas
rapidamente.
Por outro lado, as leis de Aristóteles perseveraram com tenacidade e continuaram a dominar grandes áreas do pensamento popular, da
doutrina legal e das assim chamadas ciências sociais e comportamentais. Elas persistem como uma mordaça intelectual ao redor das mentes
de milhões de pessoas. Estas leis governam os modos com que os homens pensam e não pensam— as informações reprimidas que não são
definíveis verbalmente em qualquer relacionamento com a realidade.
O melhor modo de uso e mal uso de um sistema lingüístico é abor- dá-lo desde fora, mediante um sistema contrário. Esta estratégia não foi
negligenciada pelas indústrias de mídia, especialmente por aquelas envolvidas com a comunicação de massa—propaganda e relações
públicas. Qualquer pessoa treinada no uso da lógica aristotélica e na sua “contra- lógica” não-aristotélica, pode facilmente manipular sistemas
de valores, crenças, atitudes, opiniões e comportamentos. Sob esta luz, examinemos as três leis de Aristóteles uma a uma.
A LÓGICA DA INDEFINIÇÃO
A lei da identidade é resumida pela frase, o que for que seja, é! Por mais de 2 mil anos este conceito tem sido o responsável por desastrosas
confusões e infinitas dúvidas humanas. As palavras nunca são as coisas que elas descrevem. Os mapas não são os territórios ou as realidades
perceptivas que eles representam. Uma pintura não é o que está descrito na pintura. In
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «16 1
terpretações e descrições verbais da realidade são apenas interpretações e descrições, não a realidade. Aristóteles acreditava que as palavras
ou os símbolos podiam ser identificados com as pessoas e as coisas. Os não-aris- totélicos demonstraram que palavras e símbolos são
abstrações meramente aproximativas, vagas — e têm pouco a ver com as realidades de fato perceptíveis. Relembre as considerações
anteriores sobre os níveis macro, micro e submicro da percepção.
A falácia da identificação pode ser demonstrada por qualquer uma das ilustrações deste livro. A garrafa quebrada do Crown Royal da
Seagram (fig.15) nos faria perceber e identificar a garrafa quebrada com o objeto real. A maioria das pessoas faz isto! Estudos sobre este
anúncio revelaram que quase todos consideravam a pintura como uma verdadeira garrafa quebrada. Não é! Pegue uma garrafa de uísque
vazia e quebre-a. O padrão que resultará das partes quebradas da garrafa e dos cacos de vidro não se parecerá em nada com o que está
retratado no anúncio. O anúncio da garrafa é uma ilustração cara. Vários artistas que fazem trabalhos semelhantes para publicidade estimaram
que a pintura valeria entre 40 mil e 50 mil dólares. A fotografia de uma garrafa quebrada podería ter sido feita por cerca de 100 dólares, mas
não serviría para vender o produto. As fotografias e as pinturas são percebidas de um ponto específico, fixadas no espaço e no tempo,
interrompidas no tempo em um instante particular. A realidade e as nossas percepções da realidade estão sendo constantemente processadas
e modificadas.
Mesmo com essa extraordinária remuneração, o artista pode ter sido mal pago, considerando-se a quantidade de whisky que o anúncio
pode ter vendido durante o ano que foi constantemente publicado. Ele apareceu pela primeira vez em 1971 e ainda estava sendo usado em
1978. Investiu-se um capital de marketing estimado em 12 milhões de dólares para a compra de espaços publicitários para a garrafa quebrada.
O anúncio apareceu repetidas vezes em todas as revistas de circulação nacional dos EUA e foi traduzido para outras línguas para ser
publicado internacionalmente. A pintura de 12 milhões de dólares de uma garrafa de whisky quebrada foi capaz de vender centenas de milhões
de dólares de bebidas alcoólicas.
Um segundo tipo de identificação proposto pelo anúncio envolve a legenda ‘Você já viu um homem grande chorar?” (Have you ever seen a
grown man cry?). A identificação aristotélica lógica seria a de que o “ho
mem grande” estaria chorando pela garrafa quebrada e pelo uísque perdido. Mas esta afirmação é ilógica. Apenas um alcoólatra patético
choraria por uma garrafa quebrada, pressupondo que chorar reúm-se mais a lágrimas do que a um grito de dor. No entanto, praticamente todos
os consumidores que repararam no anúncio fizeram a identificação aristotélica apropriada e prevista (como eles foram condicionados
culturalmente a fazer) entre as imagens, palavras e a realidade supostamente representada. Eles perceberam o anúncio quase como robôs
que não pensam e são operados por programas de computador. Agiram e pensaram precisamente como era esperado que agissem e
pensassem de acordo com a sabedoria convencional e a lei da identidade de Aristóteles.
Se alguém questiona o anúncio da garrafa quebrada de um ponto de vista não-aristotélico, ele se revelará instantaneamente como uma
mentira cara, criada para fazer com que os consumidores caiam na armadilha do consumo de álcool — uma fraude, um embuste, um logro,
uma manipulação da ingenuidade do consumidor. O anúncio foi criado para ser absorvido sem cuidado pela percepção instantânea do
consumidor. Como a maioria dos anúncios, a garrafa quebrada não foi criada para a percepção consciente, que não afeta o comportamento do
consumidor.
Os fabricantes de bebidas alcoólicas investem cerca de 6% de suas receitas brutas em publicidade, de acordo com o Departamento do
Comércio. Este é um nível de investimento em publicidade bastante alto. Ao custo de 12 milhões de dólares, estes anúncio (para ter o retorno
mínimo) teria de vender mais de 200 milhões de dólares de Crown Royal no atacado. Ninguém com retorno mínimo permanece muito tempo no
mercado, portanto esta estimativa de vendas é conservadora.
Vários anos atrás eu fui entrevistado num programa religioso de TV apresentado por Pat Robertson. Nós examinamos o anúncio da garrafa
quebrada para descobrir o que fazia o anúncio funcionar.
Estude cuidadosamente o anúncio sob este ponto de vista. Procure por qualquer coisa que sugira intenções ocultas. Lembre-se que a
maioria dos anúncios são criados para serem percebidos em um ou dois segundos. Você percebe ou sente qualquer coisa de peculiar no
anúncio? Robertson descobriu vários enxertos pintados na garrafa quebrada, embora ele aparentemente percebesse a pintura como uma
verdadeira garrafa quebrada. Ele apontou a cabeça e o pescoço de um cisne (fig. 41), o pás
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 163
saro (fig. 42), o homem gritando (fig. 43) e a silhueta de um soldado romano (fig. 44).
Durante a entrevista, vários enxertos adicionais foram demonstrados: o anjo no gargalo da garrafa (fig. 45), faces (figs. 46 e 47) e um
machado ou instrumento cortante (fig. 48). Talvez o machado tenha quebrado a garrafa para liberar o anjo. Os anúncios não têm de ser lógicos
ao nível perceptivo inconsciente. Eu virei o anúncio para a esquerda para facilitar a percepção do perfil de um rosto de caricatura enxertado na
garrafa quebrada (fig. 49): o nariz preto redondo, a testa, um olho acima do nariz e a parte de trás da cabeça descendo até a altura do queixo.
O machado (fig. 48) forma uma alongada mandíbula inferior abaixo da boca aberta.
Logo abaixo do lábio superior da figura, um toco é projetado sobre o fundo. O toco parece ter sido mordido pela boca aberta da caricatura. O
resto parece estar caindo pela mandíbula, como se estivesse justamente sendo castrado (fig. 50). “Você já viu um homem grande chorar?” De
fato! A legenda adquire uma dimensão inteiramente nova, mas que é inconscientemente invisível sob a lei da identidade de Aristóteles. A
identificação prende o espectador em um módulo específico de expectativas perceptivas. Quando você identifica, sem pensar nem criticar,
palavras com palavras, palavras com imagens, palavras e imagens com coisas ou pessoas, você está sendo vitimizado. A lei da identidade
vem servindo à elite no poder e suas instituições por mais de 2 mil anos. Se os técnicos de publicidade não tivessem aprendido a repensar
Aristóteles, não poderíam ter criado um embuste de sucesso.
‘Você já viu um homem grande chorar?” é uma metáfora poética. As lágrimas não são pela garrafa quebrada, mas pelo que estava dentro
da garrafa quebrada—um pênis castrado. Os pesquisadores das agências de publicidade sabem muito bem que quantidades substanciais de
álcool são consumidas como um meio de evitar o sexo ou a intimidade. O álcool é um dos maiores inimigos do sexo que o homem já inventou
— uns poucos gramas no sangue já destroem a capacidade sexual, mesmo que engendrem fantasias de virilidade. As temáticas de castração
são encontradas com freqüência nos anúncios de bebidas alcoólicas, cigarros e remédios (ver Key, Clam-Plate Orgy, figs. 5 a 19; Key, Media
Sexploitation, figs. 35 a 37; e Key, Subliminal Seduction, figs. 16 e 17).
Os anúncios de bebidas alcoólicas não são destinados a meros bebedores. Eles são dirigidos a grandes e muito grandes bebedores. Os
anúncios são testados com estes consumidores especiais antes que se faça grandes investimentos na mídia. Estes “grandes” consumidores
consomem quantias extraordinárias de álcool e também servem de líderes entre os bebedores, instigando as preferências por determinadas
marcas. Você quer conhecer um bom scotch? Pergunte a alguém que beba litros dele.
A AUTO-DESTRUIÇÃO NOS ANÚNCIOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
A morte ou imagens de auto-destruição são um aspecto freqüente do conteúdo subliminar. Os anunciantes de bebidas alcoólicas, cigarros e
drogas sabem que as imagens subliminares de morte vendem suas marcas e seus produtos. A eficácia de um anúncio é uma qualidade
empiricamente mensurável. Por quê a morte vende é algo impossível de se responder, exceto em teoria; ninguém sabe, por enquanto, como a
mente funciona. Os enxertos relacionados à morte raramente são encontrados nos anúncios de comida, embora certamente seja possível
argumentar-se que comer compulsivamente é uma síndrome auto-destrutiva. Mas se o tema da morte vendesse comida em nível subliminar,
as agências de publicidade certamente o utilizariam.
O assim chamado desejo da morte, a compulsão inconsciente à auto-destruição, faz parte de toda psique humana. No anúncio da
Seagram, a morte é simbolizada pela auto-castração. A idéia do desejo da morte remonta pelo menos a Thomas Hobbes, um filósofo inglês da
metade do século dezesseis. A teoria foi mais tarde desenvolvida por Sigmund Freud em torno de Thanatos, a personificação da morte na
mitologia grega. CL seres humanos exibem freqüentemente uma predisposição para destruírem a si mesmos, seja real ou simbolicamente.
Esta tendência é mais pronunciada em alguns indivíduos em certos períodos de suas vidas, mas parece ser comum a todos. Os
comportamentos auto-destrutivos — que incluem o abuso e a dependência de drogas — são fenômenos que vêm crescendo visivelmente,
especialmente entre os jovens. O suicídio, está claro, alcançou proporções epidêmicas nos EUA. Ele atualmente é a segunda causa mais
freqüente de morte entre adolescentes (sendo a primeira causa os acidentes, muitos dos quais sugerem suicídio).
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 165
Milhões de dólares são gastos pelas grandes empresas para explorar as compulsões auto-destrutivas dos consumidores. Poucas famílias
hoje em dia não foram afetadas pelo abuso e dependência do álcool. O álcool mata pelo menos a metade das vítimas envolvidas em acidentes
fatais de automóveis e suicídios, e é diretamente responsável por imensuráveis sofrimentos humanos. E um fator presente na maioria dos
casos de maus- tratos de esposas e crianças, crimes, desemprego e incapacidade de conseguir um trabalho e por uma extensa gama de
patologias médicas. Apesar de tudo isto, os anúncios de bebidas alcoólicas totalizaram bem mais de um bilhão de dólares em 1987. Esta
indústria bastante lucrativa tem ignorado o bem-estar público em favor do ganho financeiro. Os anúncios de bebidas alcoólicas ilustrados são
certamente imorais e parecem ser ilegais, segundo a legislação não compulsória do Ministério da Fazenda (ATF) (ver Apêndice). Os
legisladores ainda encontram desculpas para ignorar o assunto.
As identificações conscientes e inconscientes desgastam a capacidade do indivíduo de discriminar entre fantasia e realidade. As fantasias
tornam-se mais reais, mais vividas, mais parecidas com a vida e mais desejáveis do que a realidade. A realidade do consumo de álcool está
cuidadosamente escondida atrás de fantasias — uma esmeralda, uma garrafa quebrada, alegres atletas divertindo-se com suas cervejas light,
a modelo sofisticadamente sexualizada sorvendo licores, tudo parece bem mais real do que a realidade que, pelo menos no que diz respeito
aos alcoólatras, pode ser bem sombria. É claro, não existe nenhuma necessidade imediata de se pensar nisto — até o bebedor encontrar-se
fazendo um tratamento. Um dos principais objetivos da propaganda é garantir que os consumidores nunca pensem no lado sombrio, ao menos
conscientemente.
Quando as fantasias tomam completamente o lugar das realidades, quando os indivíduos fazem identificações incontroláveis entre
símbolos e coisas ou pessoas, isto pode ser clinicamente diagnosticado como esquizofrenia. A maioria da população identifica as ilustrações
engenhosamente planejadas dos anúncios com as coisas reais. Poucos consumidores ao menos suspeitam que a garrafa quebrada de
Seagram não é uma garrafa real, que o bolo de chocolate da Betty Crocker não tem nada a ver com bolo, que mãos despejando o Chivas
Regai não são mãos de verdade. Os consumidores parecem incapazes de discriminar entre fantasia e rea
lidade. O problema da fantasia versus a realidade é muito mais significativo do que as imagens obscenas enxertadas nos anúncios. A
exaltação da publicidade e das vendas gera um sistema educacional. Nas culturas de alta tecnologia, um indivíduo aprende muito mais coisas
sobre o mundo através da mídia de publicidade do que nas escolas. Muito da educação formal nos EUA, por exemplo, degenerou em
treinamentos de repressão perceptiva e doutrinação para o modo com que gostaríamos que o mundo estivesse estruturado, ao invés de ser
uma busca criativa de experiências perceptivas voltadas para a realidade.
Qualquer um que aceite, de forma não-crítica, os símbolos, as palavras ou as imagens como sendo a “coisa real” não poderá evitar ser
guiado pelas trilhas da percepção. Do mesmo modo, qualquer pessoa que impensadamente modelar seus valores e identidade sobre símbolos
verbais ou pictóricos, estará sendo manipulada e explorada. A mídia opera a favor dos interesses comerciais estabelecendo estr uturas
perceptivas para levar o público a estabelecer identificações não ameaçadoras entre os símbolos e as realidades. Real e natural normalmente
revelam-se como falsificações — irreais e anti-naturais, simplesmente uma.manipulação dos símbolos e daqueles que os levam a sério. A
coca-cola, uma substância totalmente sintética, não é a coisa real. Uma maquiagem para se criar um look natural geralmente exige mais
cosméticos do que uma maquiagem aparentemente mais pesada.
A identificação trabalha sobre a premissa de que as palavras, os símbolos e os objetivos são diretamente comparáveis, de que existe uma
palavra específica apropriada para cada realidade, de que as definições que as outras pessoas dão às palavras são as mesmas dadas por nós.
Cada um destes três pressupostos sobre os símbolos é falso, tanto vulgarmente quanto em relação à ciência.
Por meio da identificação, o indivíduo aceita inconscientemente que afirmações verbais ou pictóricas são representações acuradas,
concretas e abrangentes da verdade. A palavra ou a pintura diz tudo! O físico Eric Bell certa vez comentou que “o insignificante monossílabo all
(tudo) causou mais problemas aos matemáticos do que todo o resto do dicionário.” Nada que seja verbal, pictórico ou matemático pode incluir
tudo. Afirmações verbais ou pictóricas não podem ser mais do que símbolos abstratos, remotos e simplistas, que tentam descrever uma
realidade apenas parcialmente percebida. Tanto os observadores quanto o que é ob
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 1 6 7
servado existem num estado de constante progresso e mudança que podem ser imperceptíveis conscientemente. Incríveis comportamentos
destrutivos e psicopatas foram impostos à civilização pela aceitação dogmática, abrangente, absoluta e cegamente irracional da palavra. Uma
história longa, cruel e sangrenta desenvolve-se a partir do verdadeiro significado das palavras. A devastação promete, insanamente, continuar.
Os homens caem com freqüência na armadilha dos símbolos e dos significados percebidos. Parece não haver escapatória — ao menos até
que as leis aristotélicas acabem por ser repelidas, quando os indivíduos decidirem que já tiveram o bastante.
ONDE SE ESCONDEM AS PALAVRAS SUJAS
Durante uma conferência, este autor introduziu a lei da identidade escrevendo no quadro-negro, com grandes letras maiúsculas, FODA-SE. Eu
então virei-me e sorri enigmaticamente, enquanto o auditório ia se tornando cada vez mais incomodado. Alguns deram risadinhas e risos
histéricos. Alguns coraram, seus rostos bem barbeados tornaram-se vermelhos pelo rubor de embaraço. Outros empalideceram, cerraram os
dentes com as bocas tensas. Vários arrumaram os livros como que antecipando uma saída.
“Qual é o problema?”, perguntei gentilmente.
“A palavra suja que você escreveu no quadro-negro”, alguém por fim respondeu.
“Palavra suja?” Eu toquei uma das letras no quadro e examinei a poeira de giz em meus dedos. “Você está exagerando”, eu disse. “São
apenas partículas de giz na superfície grafite do quadro-negro. Há bastante pó, talvez, mas não há nada aqui que pareça sujo. Por que a
maioria de vocês, pessoas brilhantes e letradas, está reagindo emocionalmente face a um mero giz aplicado sobre uma superfície grafite?”
perguntei.
É claro que não existia nada de errado com o símbolo no quadro-negro. A “sujeira” estava em suas mentes, não na frase. “Foda-se!” é
apenas um símbolo para uma realidade bem mais complexa. Há pelo menos meia dúzia de interpretações possíveis de serem feitas com esta
frase, e apenas um par delas relaciona-se com o processo reprodutivo. De qual
quer modo, o símbolo era apenas isto — um símbolo, ainda que um símbolo complexo, uma abstração de nível elevado que só pode ser
definida através de outras abstrações. Cada átomo, molécula, organismo, personalidade, linguagem e sociedade é uma novidade — uma
novidade em constante mudança. As caracterizações da linguagem, ou as percepções que resultam delas, são fantasias e ilusões de primeira
ordem. Elas podem ser úteis de tempos em tempos, mas continuam sendo fantasias.
Por exemplo, as palavras amore Deus significarão para um indivíduo algo ao mesmo tempo igual e diferente daquilo que significam para
outra pessoa. E curioso quando as pessoas insistem que suas definições são as “verdadeiras” e obrigam as outras a validarem suas fantasias.
Os infinitos significados para tais palavras podem ser divertidos — uma experiência estética e estimulante, como descobriram os poetas. As
incertezas verbais inerentes podem propiciar um incentivo extraordinário para expandir-se e aprofundar-se o conhecimento do mundo, dos
povos e das linguagem que os homens usam para se comunicar. Mas, como quase todos sabem, não acontece deste modo.
Por exemplo, há uma distância remota e abstrata entre os rótulos verbais amore Deus e qualquer realidade específica. Realidades
representadas por palavras como estas só podem ser escritas mediante outros símbolos verbais. O significado não pode ser demonstrado
simplesmente apontando-se a realidade representada, como na abstração bolo de chocolate. Amore Deus podem ser consideradas abstrações
altamente elaboradas em comparação com símbolos de ba'xa elaboração como bolo, cadeira, prato, livro etc. As abstrações altamente
elaboradas levam a enganos devastadores enquanto os homens tentam sem cessar definí-las verbalmente, numa busca ilusória por
permanência, segurança e alguma garantia naquilo que acreditam. As abstrações de alta elaboração só podem ser definidas ou explicadas por
outras palavras — em geral abstrações de alta elaboração adicional — resultando em fantasias construídas sobre fantasias construídas sobre
fantasias etc.
Numa provocante tentativa de satirizar a lógica aristotélica, uma brilhante freira mexicana do século dezessete, Irmã Juana Inéz de la Cruz,
escreveu um tratado filosófico que provava, acima de qualquer dúvida, como vários anjos poderíam dançar na cabeça de um alfinete. As autori
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «169
dades da Igreja e a Inquisição suspeitaram estar sendo ridicularizadas, mas acharam impossível refutá-la através das regras da linguagem.
Quem podería atacar alguém que acreditava tão fervorosamente em anjos? Embora o livro seja engraçado, a discussão, que ainda está entre
nós, não o é. Os jornais diários discutem quanto da segurança nacional pode dançar na ponta de um míssel MX ou dentro da fantasiada
Iniciativa de Defesa Estratégica. Tais discussões, que sustentam o lucro e o poder, são tolas mas enormemente perigosas quando levadas a
sério.
As abstrações de alta elaboração podem ser utilizadas produtivamente, mas apenas quando podem ser confirmadas e validadas
experimentalmente por percepções orientadas para a realidade. Elas podem ser responsáveis pelas grandes inspirações filosóficas ou
poéticas — vitais para o enriquecimento da vida e do pensamento. Mas amplas áreas da vulnerabilidade humana à exploração estão ao redor
do uso, ou mau-uso, das abstrações altamente elaboradas. Considere quantas palavras foram escritas sobre os variados significados de amor
e Deus, e quantas pessoas foram assassinadas por causa destas definições. O mundo poderia enriquecer-se pela aceitação das mútiplas
interpretações, se alguém pensasse nisso.
As descrições verbais ou pictóricas têm a mesma relação com a realidade que um anúncio tem com o produto que ele invariavelmente
representa de forma errada. Os motivos conscientes e inconscientes sempre embaralham o carteado perceptivo com preconceitos visíveis e
invisíveis. O conceito de verdade, se existisse realmente, nunca poderia ser descrito por palavras ou desenhos, nem mesmo mediante a
matemática. A verdade existe apenas na realidade, fora dos símbolos que tentam descrevê-la. A verdade também deveria estar livre das
intervenções e influências da percepção humana — uma impossibilidade paradoxal.
HORAS, LUGARES E SITUAÇÕES
Embora as palavras nunca possam ser as coisas ou as pessoas, a precisão da linguagem para descrever a realidade pode ser aprimorada. Os
indivíduos podem ser treinados para classificar os significados em relação a horas, lugares e situações específicas, o que reduziría
substancialmente sua vulnerabilidade à manipulação. Considere por exemplo o recente anúncio na
1 70 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
contracapa da revista Time (fig. 51), “Saúde a mais gosto de gim!”A ilustração retrata uma mão feminina saudando uma fálica garrafa do gim
Gilbey. “Saúde” é uma expressão idiomática que significa um brinde ou uma saudação geralmente dirigida a outro ser humano. Os leitores têm
o direito de questionar se um comportamento razoável poderia incluir uma conversa com uma garrafa de gim, algo comparável a conversar-se
com uma porta, uma casa ou uma frigideira. Tal projeção antropomórfica, embora largamente utilizada em caras campanhas publicitárias,
neste caso faz seriamente um brinde a uma garrafa de gim. Tal fantasia levaria facilmente um bebedor ao divã do psicanalista. Uma análise
simples, tal como a sugerida acima, deve incluir as questões de quando alguém deve usar tal frase, onde e em qual situação concebível. As
únicas respostas razoáveis seriam nunca, em lugar algum e apenas no caso dos resmungos incompreensíveis de alguém completamente
bêbado.
Do mesmo modo, “mais gosto de gim” é outra frase engenhosa que não significa absolutamente nada em termos de realidade. Como o
copo no anúncio está cheio de cubos de gelo, a temperatura do líquido é pres- sumivelmente baixa — cerca de 40 graus Fahrenheit.
Temperaturas baixas reduzem grandemente a capacidade de distinguir-se sabores — se realmente é ao sabor que o “gosto” refere-se. As
palavras gosto (taste) e provar (tests) são associadas em nível inconsciente e têm uma similaridade fonética que freqüentemente estimula a
identificação. No entanto, mesmo à temperatura ambiente, os testes de sabor demostram que a maioria estatística das pessoas não pode
determinar a marca do gim que está bebendo. Mais ainda, como os bebedores não podem cheirar, a maioria não pode determinar se o que
estão bebendo é gim, vodca ou uísque.
Novamente: quando, em qual lugar e em que situação} Resposta: nunca! Em lugar nenhum! E somente numa conversa com um louco ou
com alguém totalmente bêbado! E claro que o texto do anúncio é concebido para ser lido no nível inconsciente e não-discriminatório da
percepção e, por isso, ser tomado como certo. Como a maioria dos anúncios de bebidas alcoólicas, este também é dirigido especialmente aos
grandes bebedores que dependem do álcool para escapar da realidade. Um bom número de pessoas identifica-se com a insensatez verbal e
antropomórfica para que tais anúncios sejam lucrativos a todos os envolvidos com sua publicação. A mensagem atinge seu objetivo porque os
consumidores não
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «17 1
prestam uma atenção crítica e consciente; eles viram os ombros ao absurdo e continuam bebendo como se estivessem pensando por si
mesmos.
O anúncio do brinde ao gim Gilbey é uma pintura. A mão feminina, o martini, a azeitona, o gim, o copo e a garrafa são fantasias pintadas
que não têm nada a ver com a realidade. Na figura 51, várias das palavras sex enxertadas foram sublinhadas, e muitas outras podem ser
descobertas por leitores perceptivos. Na superfície aparentemente turbulenta do martini, pelo menos cinco monstros foram aerografados no
líquido bor- bulhante, faces grotescas flutuando, talvez afogando-se, na ilusão. Observe a ilustração do detalhe (fig. 52) sob diferentes persf
ectivas — à esquerda, à direita, de cabeça para baixo — para um trailer do que pode estar por detrás das vidas dos grandes bebedores. O uso
repetitivo e sem significado da palavra gosto (taste) na parte debaixo do anúncio promete levantar todos os delírios alcoólicos.
Outro grande problema derivado da lei da identidade ocorre quando o sujeito de uma frase é, consciente ou inconscientemente, identificado
com o predicado, geralmente através do verbo ser. Na frase “Ron- nie é um comunista! ”, é implica uma entidade fixa, imutável e inflexível. Uma
avaliação da realidade faz-se necessária para explorar Ronnieem relação ao tempo, espaço e situação. Ronnie, como todos os humanos,
mudou no decorrer de sua vida. Mudanças biológicas e psicológicas a cada momento do tempo. O Ronnie de sessenta anos é uma pessoa
diferente da que era ontem, no ano passado, quando tinha 25 anos, quarenta anos ou da que será aos 65. Para ter qualquer validade, a
sentença tem de especificar qual a idade particular, onde ele vivia naquele tempo e em que condições vivia.
Presumam hipoteticamente que Ronnie, quem quer que seja, viveu desde que nasceu em diferentes culturas, linguagens e sistemas
político- econômicos. Esteve envolvido em várias disputas sócio-políticas. Qual dos infinitos Ronnies possíveis estamos tentando descrever?
Outra dimensão em grande parte inconsciente de Ronnie está nas identificações feitas com Ronnies, conhecidos ou imaginados. Muito
embora Ronnie seja apenas uma pessoa hipotética, um mero arranjo de sílabas, a maioria dos indivíduos poderia descrever um Ronnie que
está dentro de suas cabeças — um Ronnie bastante diferente de Algernon, Prince, John ou Buboobla. Cada nome, mesmo um nome sem
sentido, tem signifi
1 7 2 ■ A ERA DA MANIPULAÇÃO
cado tanto em nível consciente quanto inconsciente — como qualquer redator de publicidade sabe muito bem.
Do mesmo modo, comunista é outro termo sem sentido — embora extremamente útil como arma de propaganda entre indivíduos treinados
para não pensar além dos rótulos estereotipados. Os comunistas podem ser desdobrados em uma variedade incrível, e sempre foi assim,
mesmo que você tenha ouvido falar sobre isso — os mais à esquerda, os mais à direita, os de centro, e inúmeros graus intermediários. Existem
atualmente mais de quarenta variedades de grupos comunistas-socialis- tas visíveis no mundo e certamente muitos outros grupos invisíveis
espalhados por aí. Algumas destas variedades — a iugoslava e a chinesa, no momento — são socialmente aceitáveis ao mundo capitalista. Os
comunistas sempre diferem nas diferentes culturas, em diferentes épocas e sob diferentes situações.
Estereotipar os comunistas é uma preocupação tão sem sentido quanto estereotipar os capitalistas, republicanos, judeus, católicos ou os
visitantes da Disneylândia. Tais estereótipos podem ser sem sentido, mas com freqüência são úteis. Poucos políticos sobreviveríam se suas
mães não tivessem deixado que brincassem, quando crianças, com estereótipos, e se seus irracionais seguidores pudessem dizer a diferença
entre rótulos sem sentido e as complexas realidades perceptivas envolvidas. Tanto o sujeito quanto o predicado de nossa frase — “Ronnie é
um comunista! ” — provaram ser fícções verbais. As interpretações mais devastadoras na linguagem surgiram do uso não crítico do verbo ser.
Eu sou, ele é, nós somos, você ée eles são implicam em permanência, numa conexão fixa e rígida entre sujeito e predicado. Ronnie (o sujeito)
foi conectado a comunista (o predicado) — uma ficção verbal unindo dois conceitos verbais ficcionais e estereotipados — uma ficção de uma
ficção de uma ficção etc.
A palavrinha é (uma conjugação do verbo ser) tem suas tragédias. E casa e identifica coisas e pessoas que não são realmente
relacionadas. O casamento é uma ilusão criada pela estrutura da linguagem e pelo invisível e inconsciente processo perceptivo humano.
Embora os problemas com a identidade pareçam comuns à maioria dos sistemas de linguagem, aqueles relacionados ao verbo scrpodem ser
de menor magnitude em alguns destes sistemas. As línguas latinas têm duas formas verbais para ser— uma denotando permanência, a outra
um verbo de transição para uma
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 173
condição, tempo ou status temporário. Em espanhol, por exemplo, es muerto descreve uma condição permanente (mesmo num país católico),
enquanto está enfermo denota uma condição temporária. Em inglês, no entanto, quase nunca há um reconhecimento, consciente ou
inconsciente, das condições transitórias.
Quando algo ou alguém é ele o é presumivelmente para sempre, fundindo o sujeito e o predicado. Quando o anúncio do Chevrolet Nova
nos diz “ele ê o melhor dos dois mundos”, a afirmação é uma insensatez em relação a qualquer realidade perceptível. Mas é uma insensatez
cuidadosamente concebida, criada para persuadir indivíduos ingênuos e sem senso crítico de que algo significativo lhes foi comunicado. O
sujeito “Ele” refere-se a todos os Novas que já foram fabricados, mesmo aqueles considerados como carroças por seus proprietários. Ele é
também um freqüente eufemismo publicitário para o sexo. No anúncio, o Nova foi manipulado para parecer com um longo, fálico e poderoso
símbolo de autoridade.
A palavra “o melhor”é — no máximo — uma descrição adjetiva sem sentido. O melhor para quê, em que tempo, sob que condições, em
comparação com o quê e com quem? A frase “dos dois mundos ”alude, neste caso, aos EUA e ao Japão; o carro é aparentemente uma joint
venture entre a General Motors e a Toyota. É claro que “dois mundos” pode implicar, por projeção, que um dos mundos está no espaço sideral
— e a ilustração pintada do Nova realmente sugere o design de uma nave espacial. E uma nova é uma estrela que brilha subitamente e em
pouco tempo apaga-se. Se você pensar sobre isto, como muito poucos consumidores aprendem afazer, os Novas não devem durar muito
tempo. Os anúncios dependem da ingenuidade e da ignorância humanas.
A estratégia publicitária do Nova foi criada para opor-se ao crescente ressentimento contra os carros importados. As importações custaram
os empregos de dezenas de milhares de trabalhadores norte-americanos, mas o preconceito é ambivalente, já que os carros japoneses são
geralmente consideramos mais baratos, de melhor qualidade e mais seguros que os americanos. A imagem negativa dos carros
norte-americanos é especialmente forte entre os consumidores das classes sócio-econômicas mais baixas, que são o principal mercado do
Nova.
Repetindo, o texto do anúncio do Nova — como a ilustração pinta
da — é uma insensatez não-adulterada, criada para levar leitores confiantes e não críticos a identificar entre o Nova e “o melhor”.
Qualquer pessoa que identifique a garrafa quebrada do Crown Ro- yal (fig. 15) com uma garrafa quebrada real, está projetando uma
fantasia. A garrafa pintada claramente não tem nada a ver com uma garrafa quebrada real. Do mesmo modo, o retrato de Gaddafi na capa da
revista Time (fig. 9) — assim como os outros conteúdos da ilustração — não têm nada a ver com a realidade.
Resumindo, as identificações operam de dois modos: entre palavras e palavras (símbolos combinados com símbolos) e entre palavras e
coisas ou pessoas (símbolos combinados com percepções da realidade). Ambos estão bastante longe de qualquer realidade que pode ser
descrita em algum tempo, lugar ou situação específicos. Tais identificações ignoram o progresso e as mudanças tanto de quem percebe
quanto de suas percepções. Não importa que aleguemos que alguém è, a coisa ou a pessoa nunca são as palavras ou imagens que usamos
para descrever nossas percepções.
COISAS E ANIMAIS NÃO SÃO HUMANOS
A identificação antropomórfica entre qualidades humanas e objetivos ou animais é uma técnica antiga de controle da mente à qual milhares de
pessoas são bastante vulneráveis, especialmente nas culturas governadas pela mídia. O antropomorfismo é bastante utilizado para vender
automóveis, por exemplo, sugerindo através dos designs e dos anúncios que os carros possuem atributos humanos e mesmo super-humanos.
Vários modelos de Cadillac, por exemplo, têm esferas de formato de mamas nos pára-choques dianteiros e traseiros. Nenhuma fêmea humana
é tão abundantemente equipada. O design masculino do Mustang competiu com o design feminino do Ca- maro nos primeiros anos dos dois
carros. No entanto, com o passar do tempo o gênero tornou-se menos distingüível. Tais manipulações têm muito menos sucesso nas culturas
européias e asiáticas, onde as pessoas tendem a perceber corretamente que os automóveis são apenas máquinas inanimadas.
Não é por acaso que a maioria dos presidentes dos EUA tem cães de estimação na Casa Branca, com considerável despesa em seguros
contra estragos nos móveis, tapetes e cortinas. Consciente e inconscientemente,
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «17 5
a presença de um fiel, obediente e amoroso cachorro produz uma imagem positiva de seu dono. O presidente tem que ter um cachorro. Os
eleitores rejeitariam um candidato que preferisse gatos, porcos, jibóias ou chimpanzés.
Os vendedores de carros usados, os comediantes e outros que solicitam a confiança do público integraram há tempos os animais em suas
performances. Quem poderia desconfiar de um homem que ama os animais? Na verdade, qualquer um que utilize animais para acentuar
pretensões de honestidade, bondade e confiabilidade só pode ser um charlatão explorando a fraude da confiança. Os asiáticos fazem inúmeras
piadas sobre os norte-americanos com seus cachorros e gatos. No mundo real, onde a maioria dos seres humanos sobrevive no limite da
fome, a comida e os cuidados dispensados aos mascotes nos EUA poderia alimentar milhões! Talvez as pessoas devessem ser
freqüentemente lembradas que tanto Genghis Khan quanto Ivan o Terrível amavam os animais.
A LÓGICA EXCLUI O MEIO-TERMO
A lei da exclusão do meio-termo foi uma das idéias mais imaginosas de Aristóteles. Ela pode ser explicada resumidamente como “Todas as
coisas devem ser ou não ser”. O pensamento de ser verbal: as pessoas podem sentir, mas não pensar sem as palavras. Se o pensamento
verbal pode ser restrito a apenas uma idéia, coisa, proposição ou outra idéia, coisa, proposição, o mundo torna-se um lugar asséptico, definível
e coordenado para se viver. O mundo real, onde várias coisas acontecem caoticamente ao mesmo tempo, não é assim. Aqueles que
conhecem e obedecem a esta lei podem ter a fantasia de que sabem precisamente, a qualquer momento, onde cada coisa está ou não está. A
fantasia de que há apenas dois lados em cada questão torna a verdade facilmente alcançável. O mundo nunca será um lugar tão simples.
Quando os objetos ou as pessoas são percebidos como ou este ou aquele, ou nem este nem aquele, eles estão sendo projetados em ilusões
da realidade simplistas e maniqueístas.
Esta ilusão, estruturada consciente e inconscientemente por milhões de pessoas ao redor do mundo, representa uma das maiores fraudes
políticas, sociais, judiciais e econômicas de todos os tempos. Nenhu-
ma realidade percebida pelos homens é tão simples a ponto de possuir apenas dois lados. Os dois lados são construídos, imaginados,
fabricados perceptivamente. Na verdade, podem haver tantos lados quanto há pessoas envolvidas — ou muitos mais.
Se fôssemos educados num sistema mais razoável e mais voltado para a realidade, os valores percebidos deveríam ser estimados mais
acuradamente em uma escala ampla e flexível entre as duas polaridades — bom- ruim, fraco-forte, feio-bonito, moral-imoral etc. A avaliação
deveria envolver as qualidades de mais ou menos, ao invés de ou um ou outro. Sempre que as pessoas são levadas a aceitar um sistema
maniqueísta elas ficam programadas para aceitar a insensatez estereotipada do “preto no branco”. Eles perderam a autonomia e o controle de
suas percepções. A percepção pode então ser canalizada para virtualmente qualquer direção desejada; a verdade pode ser determinada
logicamente, com frequência eternamente.
A realidade percebida, como é expressa verbal, pictórica ou matematicamente, tem uma gama infinita de valores, significados, orientações
e potencialidades. Os “dois lados de toda questão” são uma ficção que encoraja a necessidade humana de perceber o mundo ilusoriamen- te
equilibrado, simétrico, proporcional e simplista. Com a linguagem, praticamente qualquer coisa é possível. Por que não três, vinte e sete ou
mesmo sessenta e nove laclos?
As cisões verbais, divisões que não podem ser feitas no mundo da realidade, reforçam ainda mais a lei da exclusão do meio-termo. Os
exemplos incluem mente e corpo, pensar e sentir, emoção c intelecto e consciente c inconsciente.
Há inúmeras justificativas econômicas para a fragmentação verbal. Na medicina, por exemplo, há um dicionário completo de
especialidades. A medicina tornou-se uma linha de montagem despersonalizada, como a de uma fábrica de automóveis onde os trabalhadores
assumem uma responsabilidade limitada. Tais sistemas foram desenvolvidos para otimizar o retorno do capital investido. Na medicina, eles
otimizam o retorno dos investimentos dos médicos em educação e equipamentos para seus consultórios. Também reduzem o trabalho a
tarefas repetitivas e simplistas. Os médicos sempre podem passar o problema para outro especialista. As vítimas, é claro, são os pacientes,
seja em relação ao bem-estar físico ou aos seus bolsos.
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COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 1 77
A mente e o corpo estão totalmente integrados. Nenhuma função do corpo opera independentemente. Pensamento e sentimento são do
mesmo modo inseparáveis, assim como emoção e intelecto. Ninguém sabe ao certo onde a consciência começa e termina. O consciente e o
inconsciente são processos completamente integrados e interdependentes. Estas funções operam todas ao mesmo tempo. Na realidade do
corpo humano, estes complexos processos são não-verbais.
Os conceitos verbais são descrições fictícias da realidade percebida que podem não existir física ou biologicamente. As descrições verbais
são úteis de tempos em tempos, como conjecturas ou conceitos hipotéticos e teóricos. Quando os indivíduos tornam-se mais aptos para
entender os processos de abstração, as percepções anteriores demonstram ter sido reprimidas ou restringidas. As novas descobertas, tanto na
ciência como no dia-a-dia, baseiam-se na disponibilidade de novas percepções da realidade, percepções que não eram disponíveis
anteriormente. Praticamente nada no ambiente humano é genuinamente novo. Algo pode ser rotulado como “novo” por uma estratégia de
marketing ou de propaganda, mas se examinado de perto o pseudo novo geralmente revela-se como a mesma e velha coisa, reformulada para
a ilusão perceptiva.
A educação, a ciência e mesmo os negócios treinam os indivíduos para seguir os passos daqueles que já chegaram lá. Os empreendedores
geralmente sabem que seguir os passos de alguém leva aos mesmos lugares onde outros já chegaram. Poucas descobertas, se há alguma,
resultam da conformidade. Não obstante, as sociedades tipicamente punem ou restringem a não-conformidade. O não-conformista na ciência,
educação, arte, negócio ou em qualquer outra forma de atividade humana, ameaça a segurança dos conformistas — geralmente, a maioria.
Como os descobridores, as descobertas raramente são bem-vindas. Elas são uma ameaça terrível a qualquer um com interesses escusos.
PROFANIDADE SAGRADA
A obra-prima de Ticiano, O Amor Sagrado e Profano, retrata duas mulheres sentadas à beira de um poço; a que está completa e
apropriadamente vestida sendo o “sagrado”, a voluptuosamente nua como o “profano”. Quanto
mais o observador considera a “sagrada”, mais profana ela se torna. Quanto mais reflete sobre a “profana”, mais sagrada ela se torna.
Finalmente o observador percebe que as duas mulheres são o mesmo indivíduo pintado duas vezes. Tanto o sagrado quanto o profano
aparecem como qualidades inerentes a todas as mulheres, duas polaridades inextrincavelmente inter- relacionadas. Um paradoxo verbal
similar aparece em todos os pressupostos verbais bi-polarizados. O comportamento “normal”, ou qualquer coisa “normal”, torna-se
perversamente anormal quanto submetido a um exame minucioso. As verdades absolutas do mundo são inevitavelmente desmascaradas
como mentiras de salafrários, loucos ou ambos. Sempre que as mo- ralidades (“verdades”) triunfam, inúmeras coisas ruins acontecem.
Enquanto a percepção pode pilotar precariamente a realidade e simbolizá-la verbal, pictórica ou mesmo matematicamente, em qualquer dado
momento, a única certeza permanece sendo a incerteza.
As incertezas podem ser engraçadas. Não é certo que haverá desastre se as “verdades eternas” forem questionadas ou duvidadas. A atual
coleção de verdades absolutas que domina as decisões, políticas e perspectivas mundiais parece que acabará certamente destruindo o
mundo. A atual coleção de verdades absolutas foi ratificada durante 1986, o Ano Internacional da Paz, pelo total de 900 bilhões de dólares em
gastos militares. Este gasto maciço de recursos vitais, capital e pessoas está detalhado no anuário de Ruth Leger Sivard, Despesas Militares e
Sociais Mundiais. Nenhum desastre de maior magnitude pode ser imaginado num mundo onde dois terços da população vai toda noite com
fome para a cama enquanto estão sendo salvos da, ou pela verdade eterna de alguém.
Em um breve resumo da lei de exclusão do meio-termo de Aristóteles, o psiquiatra inglês R. D. Laing esboçou o máximo da loucura humana
por um mundo entorpecido de auto-indulgência, forte ambição e flagrante hipocrisia.
Enquanto não podemos elevar nosso “pensamento ” acima de Nós eEles, os bons e os maus, tudo continuará na mesma. O único fim possível
será quando todos os bons tiverem matado todos os maus, e todos os maus matado todos os bons, o que não parece tão difícil ou improvável,
já que para Nós, somos os bons e eles são os maus, enquanto que para Eles, somos os maus e eles são os bons. Milhões de pessoas
morreram neste século e mais milhões morrerão, incluin
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «17 9
do, como temos várias razões para acreditar, muitos de nós e dos nossos filhos, já que não podemos desatar este nó.
Parece comparativamente um nó simples, mas está muito, muito apertado — como se fosse ao redor do pescoço — de toda a es^^cie humana.
Mas não acredite em mim porque eu disse isso, olhe no espelho e veja por si mesmo. (Laing, A Política da Família, p. 49).
A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO
A lei da contradição foi a contribuição mais metódica de Aristóteles para a lógica e o pensamento. Anulando as contradições, ele desprezou,
ignorou e camuflou os incômodos problemas inerentes aos sistemas de linguagem verbal, pictórica ou matemática. A lei da contradição—
freqüente- mente resumida como “Nada pode ao mesmo tempo ser e não ser”— apagou as dificuldades que surgem das contradições,
inconsistências e paradoxos ferozes do mundo. As futuras gerações poderiam ignorar as pontas que não se encaixam num sistema de
linguagem ordenado e consistente.
Com o passar dos séculos, as leis aristotélicas desenvolveram-se em verdadeiros mandamentos do pensamento e da razão. Se o Hamlet
de Shakespeare soubesse que podería ser c não ser ao mesmo tempo, podería ter tido uma vida muito mais feliz e bem ajustada. Mas, como
Shakespeare sabia muito bem, as grandes obras literárias e teatrais raramente são escritas sobre vidas bem ajustadas.
Depois de Aristóteles, os homens podiam inventariar e explicar verbalmente a totalidade do mundo em que viviam — o mundo que
pensavam, que percebiam, categorizavam, definiam e isolavam. A confiança dos homens naquilo que acreditavam ter percebido permitiu a
construção de uma lógica pela qual a maioria dos mistérios, incertezas e contradições desapareceu. Uma palavra ou frase sempre pode ser
inventada, construída, definida ou redefinida para criar-se uma ilusão de conhecimento. O ego humano alcançou até o Céu. Deus foi definido
verbalmente por dúzias de religiões e centenas de seitas, cada qual em seu próprio interesse.
Nas relações familiares problemáticas, por exemplo, os terapeutas acabam concordando que qualquer coisa que afete a um influencia a
todos. Embora os maridos e as esposas acusem uns aos outros individual
mente, eles estão mutuamente envolvidos, cada um mantendo o dilema do outro. A percepção de que os indivíduos são independentes e
isolados uns dos outros constitui uma das mais destrutivas ilusões da realidade. Não obstante, esta ilusão tem potencial políüco, ideológico e
comercial para aqueles que lucram com tais ilusões.
O mundo da realidade percebida, ao contrário das leis aristotélicas, está interconectado, cada coisa nele é influenciada por todas as outras
coisas deste mundo. Nada existe isoladamente. O isolamento ou a exclusividade é apenas uma ilusão perceptiva—com freqüência, uma ilusão
terrível. Pediu-se certa vez ao poeta Carl Sandburg que identificasse a palavra mais perigosa da língua inglesa. Ele respondeu sem hesitar,
“Exclusivo!”
Dentro do corpo, por exemplo, todos os sistemas fisiológicos estão interconectados através das redes circulatórias, neurológicas e
cerebrais. Todos estes sistemas conhecidos, desconhecidos e que não podem ser conhecidos operam continuamente, inextrincavelmente
coordenados uns aos outros. O que parece estar acontecendo é freqüentemente uma especulação meramente superficial e preconcebida.
As descrições verbais, que só são definíveis por outras descrições verbais, permitem que os homens se convençam de que sabem tudo
sobre algo do qual não sabem absolutamente nada. As pseudociências como a economia, a psicologia, a sociologia e a
antropologia—generalizadas como ciências sociais — estão entulhadas de insensatezes verbais. A verbalização jurídica também flutua de
modo similar nas densas nuvens da fantasia humana. As ciências sociais raramente são científicas e muito freqüentemente são anti-sociais.
Por exemplo, a Faculdade de Medicina da Universidade de Kansas produziu um filme educativo sobre a tuberculose para um curso de
atualização para médicos que, em muitos casos, haviam trabalhado vários anos em sanatórios para tuberculosos. Os pesquisadores
colocaram plugs transparentes nas orelhas dos coelhos e introduziram o bacilo da tuberculose no tecido abaixo do plug. Através de fotografias,
no decorrer do tempo, eles documentaram a bactéria no tecido da orelha — como o seu crescimento envolvia a célula, o neurônio e as
interações circulatórias e químico-sangüíneas; como estas complexas interações eram afetadas pelo medo, estimulação sexual, fome, sede e
introdução de várias drogas no coelho.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «18 1
O filme incomodou e confundiu vários médicos mais velhos que haviam passado suas vidas apenas com as definições verbais do
tratamento e cura da tuberculose. Seus aprendizados e práticas eram baseados em simplistas descrições verbais, muito distantes da realidade
inter-relacionada perceptível desta doença. Até mesmo o nível submicroscópico da realidade médica perceptível é agora acessível aos
médicos que dominaram a alta matemática, que já é um fator a ser considerado no tratamento do câncer e de outras patologias.
O papel enxertado subvisualmente discutido anteriormente proporciona outra ilustração da lei da contradição numa situação comercial.
Depois de desenvolver o processo dos enxertos, a fábrica de papel descobriu que era praticamente impossível convencer os chefes da
contabilidade das grandes firmas que as faturas mensais enxertadas subliminarmente com as frases “Paguejá, muito importante! Não pode
esperar! Vital! Dê precedência! ” poderíam aumentar o fluxo de caixa. No entanto, o papel deveria ser vendido aos chefes de contabilidade.
Estes funcionários, especialmente nas grandes firmas, são provavelmente o tipo mais conservador de executivo. Seu trabalho é administrar o
fluxo de caixa—o dinheiro que entra, o dinheiro que sai. Eles são empregados para avaliar rigidamente — com critérios estritos, tradicionais,
empíricos, aristotélicos, conscientes e visíveis — os números que descrevem a situação financeira diária de organizações complexas. A
simples menção de subliminar ou do inconsciente poderá provocar o ódio e a incredulidade de tais funcionários. Eles são, em termos
perceptivos, um tipo muito especial de pessoas — o que provavelmente conta para o fato de terem se tornado chefes de contabilidade. A
maioria deles descarta a idéia do papel com enxertos subvisuais como uma insensatez total. Os gerentes de venda, por outro lado, ficam
imediatamente excitados com qualquer idéia que possa influenciar o impulso de consumo. Os chefes de contabilidade não podem perceber
além da lei da contradição de Aristóteles. Eles foram programados para acreditar que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou os
enxertos subliminares no papel estavam ali ou não estavam.
A fábrica de papel desenvolveu então uma versão do papel enxertado que ocultava a mensagem subliminar quando o papel era visto de um
ângulo de 90 graus, mas que era visível colocando-se o papel a 15 graus. A mensagem enxertada estava e não estava lá. Ser e não ser é uma
questão perceptiva. O verbo seré uma das formas verbais mais complexas em qualquer língua do mundo. Sersignifica literalmente “existir”, e a
existência é uma questão perceptiva. O papel em questão ilustrou como uma mensagem pode ser e não ser ao mesmo tempo. A maioria dos
chefes de contabilidade pareceu flnalmente estar convencida.
A consistência aparece como uma rachadura fatal em qualquer sistema de regras rígidas, teorema ou lei de linguagem — seja ela
linguística, pictórica ou matemática. O filósofo espanhol Miguel de Una- muno escreveu que “Se alguém se contradiz, com certeza é alguém
que não sabe de nada”. A inconsistência é uma condição humana natural, certamente para os sistemas de linguagem. No entanto, a ilusão de
consistência pode ser facilmente construída, seja nas relações entre pessoas e pessoas, seja entre pessoas e objetos. Os profissionais de
publicidade e de relações-públicas constróem e sustentam ilusões de consistência — ao menos até alguém fazer uma análise crítica e
cuidadosa. A consistência é um papel artificial que as pessoas representam em várias situações profissionais. Os políticos e os executivos
freqüentemente tor- nam-se adeptos deste papel. As reconciliações consistentes da inconsistência são construções perceptivas. Elas podem
parecer boas no papel, mas são inerentemente enganosas.
Discordar ou desobedecer a estrutura da linguagem viola heretica- mente as sabedorias convencionais. O paradoxo, a inconsistência e a
contradição são expectativas normais no raciocínio lógico e científico. Quando eles não são encontrados, a regra é ser extremamente
cauteloso. Pode alguém realmente scraquilo que consciente e inconscientemente moldou para aparentemente ser? Na verdade, quanto mais
consistentemente honesto alguém parecer, mais cuidado você deve ter com seu bolso. As imagens são estereótipos, mentiras, dissimulações
cosméticas, representações erradas. As imagens geralmente dissimulam as características opostas. Quando as contradições não aparecem,
elas foram omitidas ou camufladas. Analistas inteligentes procuram descobrir a consistência criada para satisfazer as expectativas normais,
para então desacreditá-la completamente. Os encarregados de pessoal geralmente questionam os relatórios perfeitos demais.
As afirmações verbais, pictóricas ou matemáticas podem ao mesmo tempo ser verdade e mentira. A verdade e a falsidade são conclusões e
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 1 83
construções perceptivas. Elas são produtos dos modos com que os homens sentem, vêem, ouvem, pensam, cheiram e acreditam (ou são
manipulados para acreditar) que sabem. Normalmente, os homens impõem avaliações perceptivas sobre a realidade por razões práticas. Os
motivos, é claro, podem ser altruístas, interesseiros, ou ambos em diferentes graus. A primeira questão na análise de um comportamento
lingüístico deveria ser “o que o emissor está realmente tentando fazer?”
A VERDADE NA PROPAGANDA
A lei da contradição desempenha um papel importante nos meios de comunicação de massa. O público foi treinado para aceitar a informação
com o significado manifesto pelas fontes de alta credibilidade. As pessoas raramente investigam o que está por debaixo da superfície. Elas
deveríam! As fontes de alta credibilidade são facilmente compradas pelos publicitários ou relações-públicas. Os anônimos “altos funcionários
do governo”, “quatro entre cinco médicos”, “fontes fidedignas”, “informantes confidenciais”, “pesquisas recentes” ou fantasmagóricos
responsáveis do mesmo tipo são freqüentemente armações para informações errôneas, falsas e interesseiras.
A manipulação dos relações-públicas — muitas vezes apresentada como informação jornalística — pode ser verdadeira num sentido
simplista e linear e pode até mesmo ser provada numa corte. Por outro lado, tais afirmações podem ser falsas quando consideradas em seu
contexto ou em relação a outras informações omitidas. O texto dos anúncios geralmente é uma obra-prima da técnica de iludir, que pode ser
verdade em certo nível mas — sob um exame mais acurado — ser também mentira. Um labirinto de órgãos federais supostamente regula a
publicidade falsa e enganosa. A Comissão Federal de Comércio é um dos órgãos mais importantes, com uma enorme equipe de procuradores
que agem apenas contra as ofensas mais graves. Entre os redatores de publicidade, os regulamentos da Comissão Federal de Comércio são
considerados piada. Qualquer redator experiente pode verbalizar sobre qualquer lei que possa ser escrita, simplesmente através do
conhecimento da lógica aristotéli- ca. Os redatores de publicidade também fazem os anjos dançarem na ca-
1 84 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
beça de um alfinete. Qualquer um que seja pego neste jogo é considerado inapto.
O Departamento de Alimentos e Drogas supostamente controla os anúncios de alimentos, drogas, cosméticos, aparelhos médicos e
produtos perigosos. A Comissão Federal de Comunicação controla indiretamente a tele-radiodifusão dos anúncios por seu poder de
concessão, mas na prática ela serve à indústria, não ao consumidor. O Serviço Postal supostamente regulamenta os anúncios via mala direta.
A Divisão do Álcool, Tabaco e Armas de Fogo em amplos poderes, geralmente não executados, para regulamentar propagandas enganosas de
álcool e tabaco, incluindo as recentes leis que proíbem os anúncios subliminares de bebidas alcoólicas (ver Apêndice). A Divisão de Grãos,
supostamente regulamenta a veracidade dos anúncios de sementes. A Comissão de Títulos, Ações e Letras de Câmbio regulamenta, sem
nenhuma eficácia, os anúncios de títulos e ações. Finalmente, o Comitê de Aeronáutica Civil finge regulamentar os anúncios de aviões de
carga.
Estes órgãos federais, e os departamentos estaduais similares, presumivelmente protegem o consumidor da propaganda enganosa. Mas,
de fato, servem e legitimizam a propaganda. Eles dão aos consumidores a ilusão de que estão a salvo da manipulação, de que pensam por si
mesmos, de que estão protegidos das informações falsas e enganosas. Os consumidores norte-americanos foram treinados para acreditar que
qualquer coisa publicada ou propagada pelos meios de comunicação deve ser verdadeira. Qualquer coisa que seja aprovada por todos estes
órgãos públicos deve ser legitimada. Os anúncios institucionais da Associação Nacional das Agências de Publicidade — a propaganda da
propaganda — divulgam a fantasia de que os anúncios são validados pelos órgãos reguladores.
Os anúncios publicados a título de ilustração em meus quatro livros — todos anúncios muito bem sucedidos — são falsos, enganadores e
ilusórios. Os anúncios subliminares, por exemplo, foram declarados como “contrários ao interesse público”, com “clara intenção de serem
enganosos”, pela FTC, FCC e ATF. As técnicas subliminares também são proibidas nos códigos para a propaganda e divulgação
voluntariamente criados pelas indústrias. Nenhum órgão federal jamais moveu uma ação contra um anunciante pelo uso de subliminares.
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS « 185
VOLTAS E VOLTAS AO REDOR DO PARADOXO
Num mundo há muito dominado e dirigido pelas leis aristotélicas, o paradoxo é uma contradição difícil de ser demonstrada. O começo e o fim, a
causa e o efeito, são fundidos em uma só coisa no paradoxo. Eles se tornam uma unidade circular, um sustentando o outro. Esta unidade tem
sido simbolizada, no mínimo desde a Grécia Antiga, pelo Ouroborus— cobra que morde o próprio rabo. Um paradoxo revela a natureza frágil
da contradição e da consistência nas formulações verbais.
Há uma porção de paradoxos derivados da matemática que não se encaixam e não têm lógica até o ponto onde se tornam ilógicos. Infeliz-
mente, os paradoxos matemáticos relacionam-se a um mundo inimaginável para os não-matemáticos. As duas distintas linguagens — a nossa
e a dos matemáticos — são tão diferentes que mesmo as melhores tentativas de tradução fracassam. Kurt Gòdel, um matemático alemão,
usou o raciocínio matemático para explorar o próprio raciocínio matemático. Esta tentativa não é diferente de usar o sistema aristotélico para
compreender as inconsistências do sistema aristotélico. As tentativas de se analisar um sistema por si mesmo não levam a lugar nenhum, a
menos que descubra- se uma perspectiva exterior ao sistema. Isto é como tentar provar que anúncios são falsos quando, pela lógica
convencional, eles podem ser provados como verdadeiros.
Gòdel traduziu um antigo paradoxo — o paradoxo de Epimenides ou o do mentiroso — em termos matemáticos. Epimenides foi um creten-
se que fez uma afirmação imortal. Expresso verbalmente de forma simples, o paradoxo diz que “Todos os cretenses são mentirosos!”Traduzido
em termos matemáticos, o paradoxo de Gòdel diz que “todas as formulações de teorias de números consistentemente axiomáticas incluem
proposições insolúveis”. Os paradoxos demonstram que todo sistema de linguagem inclui afirmações improváveis inerentes.
Outro paradoxo é “A frase seguinte éfalsa. A frase anterior é verdadeira”. Estes laços estranhos, como são chamados na matemática e na
lógica, incluem regras intercambiantes direta ou indiretamente. O paradoxo acima parece insolúvel sob as leis da lógica aristotélica. No
entanto, uma vez fora do sistema, num mundo não aristotélico, as definições verbais de falso e verdadeiro podem ser ampliadas para incluir
situações onde o falso às
1 86 »A ERA DA MANIPULAÇÃO
vezes é verdadeiro e vice-versa. Ou, em resposta a uma inconsistência insolúvel, a seqüência lógica pode ser invertida: “A frase anterior é
verdadeira”. Não há frase anterior, portanto a frase deve ser falsa. Assim, “a frase seguinte é falsa” é realmente verdade — ela adquire
consistência verbal. Cada uma das frases, é claro, pode ser tanto falsa quanto verdadeira.
As contradições, as inconsistências e os paradoxos podem ser produtivamente confrontados, eles podem ser apreciados, saboreados, e
pode-se brincar infinitamente com eles. São fonte de novas inspirações, inovações, invenções e soluções criativas dos problemas. Eles estão
na raiz da inteligência humana. A inovação geralmente incomoda ao status quo e especialmente às pessoas cujos investimentos dependem do
status quo. A lei da contradição de Aristóteles nos compele a varrer todas estas adoráveis contradições para debaixo do tapete intelectual que
divide a formalidade da informalidade, a flexibilidade da inflexibilidade, o jogo criativo da séria obsessão.
Freqüentemente, o paradoxo afeta inconscientemente nosso dia-a- dia. Raramente suspeitamos que caímos na armadilha de alguma lei
aris- totélica de lógica ou pensamento. A linguagem cria paradoxos quando fala de si mesma. Esta é uma das razões pela qual muitos autores
que tentam explicar a comunicação comunicam-se tão mal. Quando você discute “o que ela disse, sobre o que você disse, sobre o que ela
disse que você disse” etc, você está num paradoxo. As brigas conjugais freqüentemente evoluem para um paradoxo. O Ouroborus morde sua
cauda em todo conflito onde o efeito alimenta a própria causa. Por exemplo, quando ela o acusa de impotente e ele a acusa de frígida, e ela o
acusa de impotente e ele a acusa de frígida, ad infmitum. A sombria peça de Edward Albee, Quem. Tem Medo de Virgínia Woolf ? demonstra
cruamente o desastre do paradoxo. Uma vez estabelecido, o paradoxo leva a um círculo sem começo nem fim, além da causa e efeito, que se
autoperpetua até o desastre ou a morte via uma infelicidade imensurável.
As populares personagens de TV que se anunciam como profetas religiosos —Jimmy Swaggart, Oral Roberts, Jerry Falwell ou Pat
Robertson — todos aqueles que afirmam ter conversas regulares com Deus, deveriam perguntar-lhe na próxima conversa se Ele pode criar
uma pedra tão pesada que não possa levantar.
Nenhum sistema pode explicar ou verificar sua validade, ou falta de validade, a menos que utilize conceitos de fora do sistema. Estes
conceitos
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS «187
devem ser desenvolvidos a partir de sistemas mais amplos e flexíveis. Infe- lizmente, este sistema mais amplo inevitavelmente torna-se sujeito
à incom- pletude. Ele também é um produto da percepção, como seu predecessor. Então, um sistema ainda mais abrangente tem de ser
desenvolvido, a infini- tude. Isto é, ou deveria ser, o processo da educação, da ciência e do crescimento humano — uma sucessão sem fim de
sistemas de linguagem, construídos para que um verifique o outro. A busca da verdade nunca deve cessar, especialmente quando alguém
percebe que a encontrou.
PREDIÇÕES IMPREDIZÍVEIS
Quando as leis aristotélicas do pensamento reinam inquestionavelmente, uma curiosa conceitualização de confiabilidade e previsibilidade
aparece por passe de mágica. Três axiomas não-aristotélicos deveriam ser considerados como requisitos básicos da instrução.
Primeiw. A ciência atual reconhece que todas as coisas no mundo físico e biológico perceptível (pessoas e coisas) existem num estado de
progresso e mudança. Nada no mundo perceptível é estático e permanente. Assim como as pessoas e coisas observadas, os observadores
também estão num estado de progresso e mudança.
Segundo: Cada coisa no mundo perceptível afeta todas as demais coisas. Nada existe isoladamente.
Terceiro: A realidade percebida é, para melhor e para o pior, simplesmente uma percepção. A percepção humana nunca pode ser
considerada livre dos variados graus de subjetividade. Nada pode se considerada seriamente como uma percepção objetiva de uma realidade
objetiva. Aqueles que percebem nunca podem ser separados de suâs percepções.
As percepções do mundo são construções tanto conscientes quanto inconscientes. As construções perceptivas são colocadas juntas para
serem percebidas e influenciarem as pessoas. Elas são construídas para servir a interesses, objetivos ou às vezes apenas por diversão. Em
relação a certeza, veracidade e validade destas realidades percebidas, o físico Werner Heisenberg concluiu que “toda a informação trocada
entre os homens só pode acontecer no campo da tolerância e da incerteza. Todo julgamento, especialmente os julgamentos da ciência, estão
sob a mar gem de erro”. As construções sobre a realidade percebida na área das relações entre EUA e URSS são particularmente perigosas,
especialmente quando pergunta-se o quanto dos processos perceptivos é compreendido por cada um dos lados. Estes processos não têm sua
existência reconhecida publicamente.
Mesmo quando a estrutura lógico-lingüística é entendida intelectualmente, é algo completamente diferente utilizar este conhecimento no
dia-a-dia. A linguagem está profundamente enraizada na personalidade humana, na cultura, na memória consciente e inconsciente, no
pensamento e mesmo nos sonhos. Qualquer modificação do sistema requer tempo, paciência, determinação e, para a maioria dos indivíduos,
um novo tipo de rigorosa auto-disciplina.
Todo o pressuposto sobre o passado, presente e futuro deve ser posto em dúvida, questionado e testado repetidas vezes para ter uma
relação precisa com as realidades percebidas. Os sistemas de valores devem ser apreciados criticamente para terem validade. As conclusões
devem ser revistas e questionadas repetidamente. As relações com objetos, indivíduos e grupos devem ser reavaliadas em relação ao tempo e
a estrutura perceptível dos fatos.
O psicólogo Prescott Lecky utilizou o conceito de auto-reflexão para descrever o novo processo de aprendizagem. Com treino, os indivíduos
podem desenvolver a capacidade de ver como vêem a si mesmos vendo a si mesmos, etc. O objetivo é afastar a percepção do primeiro nível
imediato para uma perspectiva mais abstrata. E uma maneira de tornar-se mais consciente dos processos perceptivos e verificar ou contradizer
a validade das percepções imediatas. Esta técnica fornece uma tremenda vantagem em jogos como o xadrez, o pôquer, o serviço de
inteligência militar ou a compeüção nos negócios.
A distância perceptiva fornece uma plataforma da qual se pode ver as ações de reações das reações. Os grandes jogadores de xadrez
freqüen- temente podem realizar auto-reflexões até três ou quatro níveis acima da primeira percepção. Esta técnica pode tornar conscientes as
reações per- ceptivas que estavam inconscientes.
Infelizmente, os efeitos coletivos dos meios de comunicação de massa reforçam as reáções superficiais e unidimensionais da população
aos estímulos imediatos. As leis da identidade, da exclusão do meio-termo e da con
COMO SABEMOS QUE SABEMOS QUE SABEMOS » 189
tradição de Aristóteles são estruturas comercialmente úteis. Seus limites e falácias permanecem ocultos. As populações doutrinadas
continuam impotentemente vulneráveis a serem manipuladas, verbal ou pictoricamente, para qualquer direção lucrativa para os manipuladores.
CAPÍTULO SEIS

A COISA VERDADEIRA REALIDADES SIMBÓLICAS


A Bíblia deveria ser reconhecida como mitológica, deveria ser mantida numa forma simbólica e não substituída por dados científicos. Não há
substituto para o uso de símbolos e mitos. Eles são a linguagem da fé.
PaulTillich, On the Boundary
Uma palavra ou imagem é simbólica quando ela implica algo mais do que seu significado óbvio ou imediato. Nós usamos termos simbólicos
constantemente para representar conceitos que não podemos definir ou compreender totalmente.
Carl GustavJung, O Homem e seus Símbolos
Sempre que sua mente consciente dá algo por certo, diz-lhe que algo é trivial, comum, insignificante, imerecedor de uma atenção cuidadosa,
volte atrás e observe novamente com muito cuidado. Questione constantemente suas questões e — acima de tudo — suas respostas.
Marshall McLuhan,
Seminário na Universidade de Toronto
Arquétipo significa literalmente “forma original”. Há várias teorias que afirmam que os significados simbólicos arquetípicos são inatos, aspectos
da herança genética. Eles são encontrados na visão e no som, no olfato, no paladar e no tato. Símbolos arquetípicos foram discutidos pela
primeira vez nos escritos de Santo Agostinho, no século III. Ele descobriu símbolos religiosos com significados similares em culturas que não
tinham tido nenhum contato conhecido durante longos períodos de tempo. Santo Agostinho atribuiu o simbolismo arquetípico à “mão de Deus”.
Símbolos arquetípicos de um tipo ou outro são comuns a todas as culturas e povos. Significados simbólicos normalmente envolvem
mecanismos perceptivos inconsciente e estão por trás de definições conscientes. Os homens dão rótulos às coisas conscientemente, mas o
significado simbólico permanece num nível inconsciente. Símbolos arquetípicos normalmente envolvem as duas polaridades da existência
humana — o começo (reprodução, nascimento, renascimento) e o fim (morte, de fato ou simbólica). Estas duas polaridades da experiência
humana têm sido a principa) preocupação da filosofia, da literatura, da arte e do pensamento religioso durante milhares de anos.
A maior parte das mulheres nega terminantemente que o batom e o ruge sejam algo mais que produtos funcionais com os quais elas
embele-zam suas faces. Os criadores dos anúncios de cosméticos sabem que há um significado simbólico muito mais profundo e poderoso. As
mulheres colorem seus lábios e rostos, assim dizem elas, para ficar mais atraentes. Mas o que isto significa? Homens heterossexuais não
usam cosméticos. Para as mulheres, atraente está ligado a atração sexual ou reprodutiva, a fertilidade, e mesmo a disponibilidade.
Durante a excitação sexual, os genitais femininos tornam-se inchados e de um vermelho brilhante ou púrpura, como as maçãs do rosto. A
coloração sexual é menos intensa e perceptível nos homens. O batom cria uma vulva simbólica na face. Faces com ruge simbolizam o ardor
sexual. A coloração púrpura ao redor dos olhos também simboliza a genitá- lia feminina. É por isso que o púrpura e várias sombras são
chamadas por artistas e designers de cores genitais. Os cosméticos das mulheres criam simbolismos genitais arquetípicos, poderosamente
atraentes tanto para os homens quanto para outras mulheres — inconscientemente, é lógico. O simbolismo genital nos cosméticos remonta
aos confins da história humana. O fluído seminal já chegou a ser usado como cosmético facial e corporal.
Não foi preciso muita inteligência para se descobrir que os símbolos arquetípicos poderíam gerar lucros enormes. Os fabricantes de
cosméticos e suas agências de publicidade trabalham exaustivamente sobre temas arquetípicos básicos. Uma olhadela em qualquer periódico
basta para que se veja toda uma nova série de simbolismos genitais femininos em olhos, lábios, cabelos, jóias, roupas, sapatos e comida. A
exploração de temas simbólicos arquetípicos está em virtualmente todo anúncio. Os significados simbólicos, contudo, são reprimidos pelo
público, que os esconde de si mesmo ao ser levado pela manipulação.
Símbolos sonoros arquetípicos incluem sons da natureza — 72 batidas cardíacas por minuto, o compasso 4/4 na música; ondas no mar e
quebrando-se numa praia; o vento nas árvores ou nas planícies; o trovão, a chuva; sons de pássaros e outros animais; a respiração humana e
animal; e vários tipos de silêncios.
Sons orgásticos são arquetípicos. Um produtor de rock teve um dia a idéia de usar uma gravação de sons orgásticos masculinos e
femininos num disco. Sendo um compositor, e tendo atuado como instrumentista numa orquestra de renome, ele tinha feito uma carreira de
sucesso como
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 195
criador de grupos de rock. Ele criava papéis e relacionamentos, as roupas e a maquiagem dos artistas, idealizava a encenação e compunha,
arranjava e orquestrava a música. Ele tinha criado grupos de rock cujos membros nunca se encontraram pessoalmente. Cada um gravava
separadamente, e as performances individuais eram reunidas em estúdio. Mesmo as fotografias dos grupos eram montagens. Roqueiros
emocionalmente instáveis eram mais fáceis de serem dirigidos individualmente, explicou ele.
Quando o trabalho de reunião do grupo estava pronto, ele era vendido a uma gravadora de nome. Vários grupos como esses tinham se
tornado internacionalmente famosos e financeiramente bem-sucedidos. O sucesso na indústria da música popular é definido de maneira
simples. Eles ganharam dinheiro, rios de dinheiro. O produtor era um sujeito interessante — intelectualmente curioso e sensível a uma série
extraordinária de significados sonoros conscientes e inconscientes envolvidos nos relacionamentos humanos. Ele se divertia expressando
desdém pelos músicos em seus projetos de engenharia musical. Ele os chamava de “viciados”, “nem um único músico competente quando
doze estão reunidos”, “imaturos, psicopatas, delinqüentes”. O sucesso do produtor, contudo, era demonstrado por uma mansão em Beverly
Hills e um Rolls Royce.
Ele decidiu inserir uma gravação de sons orgásticos num arranjo. Sua primeira idéia foi contratar um ator e uma atriz que pudessem imitar
sons orgásticos. Pesquisando, contudo, ele percebeu que os ouvintes poderíam detectar falsidade e representação nesse nível de percepção.
Durante um mês, o produtor e sua esposa gravaram seus sons orgásticos. Engenhosamente, ele usou um microfone na laringe, amplificando
toda uma gama de experiências sonoras mais sutis, ocultando as características sonoras óbvias.
O resultado provavelmente não teria sido conscientemente reconhecido sem uma explicação. Os sons eram estranhamente perturbadores
e excitantes. Eles não eram conscientemente estimulantes para a percepção consciente. Aqueles sons não tinham sido experimentados
conscientemente por muitas pessoas. Considerando a alteração perceptiva presente durante o orgasmo — um evento que envolve uma
sinfonia neurológica de sentimentos — poucos algum dia se concentraram conscientemente neste tipo de sons. Inconscientemente, contudo,
os sons orgásticos existem na memória da maior parte das pessoas.
Quando a gravação orgástica foi mixada no disco de rock, o volume variou — algumas vezes quase imperceptível, outras quase
ensurdecedor. Quando a gravação completa foi finalmente apresentada para uma grande gravadora, o produtor ficou assustado com a
resposta. Contratos estavam sendo datilografados mesmo antes que a audição terminasse. O produtor afirmou que nunca tinha visto pessoas
reagirem tão fortemente, tão emocionalmente, a um show. O homem estava efusivo. Várias semanas depois, contudo, ele começou a ver as
coisas de outra forma. Ele passou a se preocupar com o fato de que os contratos haviam sido assinados basicamente por causa dos sons
orgásticos introduzidos subliminarmente. O grupo de rock que ele havia inventado não era, pelo menos foi o que ele disse, tão bom assim.
Chegou mesmo a descrevê-lo como “horrível”. No fim, ele revelou à gravadora o que havia feito. Eles ficaram furiosos e o contrato foi
cancelado.
Dois anos depois, o mesmo disco foi lançado por outra grande gravadora. Foram vendidas cerca de 10 milhões de cópias e o trabalho
proliferou nos vídeos. Desta vez o produtor manteve segredo sobre a gravação or- gástíca. Quando uma audiência é informada sobre a
existência de informações subliminares no som, essa consciência muda a maneira segundo a qual eles percebem a música. Eles se tornam
tensos, ansiosos, ouvindo cuidadosamente para detectar o material embutido. Algumas pessoas desenvolvem uma reação emocional que
poderia ser descrita como paranóia defensiva, como resposta a estímulos subliminares possivelmente existentes.
SÍMBOLOS EVOCAM SENTIMENTOS
Os símbolos enganam o pensamento consciente e a lógica. Eles evocam sentimentos vagos, inespecíficos. O simbolismo constitui uma técnica
subliminar de comunicação. Uma comunicação simbólica sofisticada, cuidadosamente pesquisada e poderosa é básica para a manipulação
comercial. Os símbolos afetam diretamente a percepção, os sentimentos e o comportamento. Eles não dependem de definições ou explicações
conscientes.
O ouro, por exemplo, é um metal precioso na medida em que realmente existe. Mas é muito mais significativo para os homens como um
valor simbólico. Vários metais têm um valor monetário maior e são mais ra
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS *197
ros na natureza, mas nenhum deles tem um valor simbólico mais significativo do que o ouro. No nível consciente, o ouro é um metal macio e
maleável encontrável na natureza numa forma relativamente pura. Uma onça de ouro pode ser extraída de oito mil metros cúbicos. Em folhas
finas, ele transmite uma luz esverdeada. O ouro não se mancha nem se corrói. Em função de sua condutividade elétrica, seu maior uso
industrial é em circuitos elétricos e eletrônicos. O ouro natural é 100% isótopo ouro 197; número atômico 79; peso atômico 196.967; ponto de
fusão 1945SF; peso específico 19,3; valência 1,3; e a configuração eletrônica é (Xe) 4fl4 5dl0 6sl. Tanta coisa para simples fatos, que têm
pouco ou nada a ver com o valor do ouro.
Qualquer coisa que tenha um valor simbólico, como o ouro, gera uma mística com a qual as pessoas podem ser manipuladas. Os
dicionários de símbolos são úteis para explorar valores simbólicos (cf. Jobes, Cirlot, e Fra- zer). A mitologia, o folclore e a propaganda são os
meios através dos quais valores simbólicos têm sido transmitidos de geração em geração. Elas são ainda as melhores fontes para quem
procura sentido e significado simbólico. As coisas que se conhece sobre o ouro, por exemplo, não podem explicar a preferência por este metal
najoalheria. Como um símbolo arquetípi- co, cujo significado se manteve mais ou menos consistente durante milhares de anos, o ouro sempre
envolveu uma convicção religiosa.
O significado simbólico do ouro inclui uma identificação com a luz solar, geralmente comparável ao sol, à inteligência divina, um fruto do
espírito, a suprema iluminação, constância, dignidade, um elixir da vida, excelência, amor, perfeição, poder, pureza, riqueza e sabedoria. No
folclore de muitas culturas uma pessoa é freqüentemente puxada para o céu por uma corrente de ouro que liga o céu à terra. Estes significados
simbólicos ou arquetípicos do ouro — interpretados um pouco diferentemente por homens e mulheres — remontam aos primórdios da história
escrita. A preciosidade do ouro tem sempre estado antes em seu valor simbólico do que em seu uso funcional ou monetário.
Uma propaganda da Corporação Internacional do Ouro (fig. 16), que apareceu em numerosos periódicos, é um exemplo típico da
manipulação contemporânea de valores simbólicos em busca de lucro. É um retrato desfocado de uma mulher usando um colar ou cinto de
ouro. Os detalhes são difusos, incertos. Se a jóia está em volta de seu pescoço ou de seus
ombros não fica claro — intencionalmente. A figura de fundo à direita está também embaçada, mas vê-se que beija o ombro nu da mulher que
está primeiro plano. Os lábios, o nariz e o cabelo da figura de fundo parecem femininos. O cabelo comprido das duas modelos tem diferentes
texturas.
A palavra Gold foi impressa cinco vezes em letras douradas. A impressão de primeira qualidade, lida por aproximadamente 5% dos leitores
da revista, define a jóia da fotografia desfocada como um colar esculpido em ouro 18 quilates, “uma nova maneira de se vestir, um jeito
eloqüente de declarar o seu amor. Nada se compara ao ouro de verdade”. Um colar, seja de ouro ou de qualquer outro material, é um símbolo
de servidão, um meio de capturar, controlar ou possuir um animal ou homem. A explicação lógica do anúncio, contudo, é sem sentido e
irrevelante, não lida por 95% dos leitores. O objetivo do anúncio deve ser realizado por apenas três elementos da figura — o ouro, a jóia e as
duas mulheres.
O anúncio mostra-se em qualquer nível de consideração consciente como um investimento inexplicável e injustificável de milhões de
dólares. Publicado em inúmeras revistas norte-americanas, o anúncio custa â CIO vários milhões de dólares, sem incluir os US$ 25 mil ou US$
50 mil pagos pela arte. O conceito simbólico de ouro é em nível consciente uma força poderosa em qualquer cultura do mundo, mas é muito
mais poderoso no nível inconsciente. Dirigido às mulheres, o anúncio estimula fortes — embora não-específicos — sentimentos conscientes.
O anúncio aparentemente ineficiente e desfocado só valerá o dinheiro investido se os consumidores correrem para a joalheria mais próxima
para gastar seu dinheiro. Como a maioria dos anúncios, ele foi planejado para ser lido em poucos segundos, ou menos. Os detalhes podem
nunca emergir conscientemente na percepção de um leitor. Tente esquecer, por um momento, como você primeiro definiu o anúncio quando o
viu. A percepção de um anúncio é uma experiência perceptiva muito diferente num livro sobre a manipulação subliminar de anúncios do que no
contexto de leitura da reyista Time. Procure algo especial na figura. Estude o anúncio cuidadosamente.
Vire o anúncio de cabeça para baixo. Tente manter sua mente calma e clara. Note sua primeira rápida percepção do que aparece na figura
invertida. Se você tem dúvidas, tente o mesmo com vários amigos. A mensa
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS «199
gem subliminar é bastante simples. Um colar de ouro 18 quilates é uma maneira de ficar grávida. A gravidez simboliza arquetipicamente
começo e boas notícias. E impossível saber se o colar era uma recompensa pela gravidez ou se a gravidez era o resultado do presente. De
qualquer modo, a gravidez pode ser o acontecimento singular mais importante na vida de uma mulher — tão importante a ponto de poder
corromper como um truque de vendas.
Virtualmente tudo que é percebido pelas pessoas é simbólico, funcional ou ambas as coisas — normalmente ambas. As culturas modernas
de alta tecnologia fantasiam que o simbolismo é um resquício arcaico da superstição antiga e da alquimia medieval. Do ponto de vista
estritamente científico, tais relíquias do passado não têm efeito sobre os comportamentos modernos. Isto representa o pensamento positivo em
seu pior aspecto. Apesar disso, o simbolismo tem sido privado de uma consideração séria na educação de nível superior, especialmente nas
ciências ditas sociais e comportamentais. Curiosamente, contudo, os produtos da ciência e da tecnologia moderna são comunicados,
promovidos e vendidos através do simbolismo. O simbolismo da ciência geralmente reflete recursos um tanto anticientíficos da lenda, da
mitologia, do folclore e da magia.
Em anúncios para computadores, equipamentos eletrônicos, amplificadores e caixas de som de alta fidelidade, as unidades são geralmente
combinadas numa relação fálico/vaginal. Por exemplo, caixas redondas ou elípticas servem de símbolos femininos. Amplificadores que
controlam as caixas são apresentados como símbolos fálicos, com seus complexos. As designações de gênero podem ser invertidas conforme
o design e a disposição. Na alta tecnologia, símbolos femininos são usualmente controlados e dominados por símbolos masculinos.
LÍDERES SIMBÓLICOS
Líderes simbólicos são líderes especiais que funcionam através de um significado ou imagem estereotipada e ficcional. Eles são distintos dos
líderes organizacionais que trabalham dentro de estruturas societárias ou institucionais. Os líderes organizacionais podem não significar muito
como indivíduos fora de sua área imediata de conhecimento ou responsabilida
de. Sua significância reside primariamente em suas funções. De vez em quando, com o suporte da mídia, os dois tipos de liderança se fundem
— geralmente causando grande dano ao mundo.
Neste contexto, Ronald Reagan é um exemplo notável. Os muitos papéis que ele representou no cinema — o xerife heróico, o corajoso
piloto da RAF, o atleta que se auto-sacrificava, o narrador especialista de numerosos filmes de treinamento da Força Aérea durante a Segunda
Guerra Mundial—ainda estavam latentes nas memórias inconscientes de qualquer um que tivesse assistido aos filmes. Esses papéis não
tinham nada a ver com Reagan; ele foi apenas um ator que representou papéis fictícios. Apesar disso, os papéis formaram um background
perceptivo — embora em nível inconsciente — para o seu ingresso na política. Durante seus oito anos como presidente, sua única habilidade
aparente era a manipulação da aceitação de uma continuidade de seus papéis no cinema. A incapacidade de Reagan como administrador
executivo rapidamente tornou- se um desastre nacional, culminando na descoberta de que ele acreditava em astrologia. O sociólogo Orrin
Klapp explorou o pouco conhecido mundo do poder e da autoridade simbólica em seu importante trabalho intitulado Líderes Simbólicos.
Os Estados Unidos não são o único país em que os líderes são cuidadosamente pesquisados, suas palavras compostas por habilidosos
artesãos, suas roupas, maquiagem, acessórios e cenários projetados por competentes especialistas. Nas nações desenvolvidas, a
preocupação perpétua com a audiência e em ?limentá-la com o simbolismo promocional se estende ávida econômica., política, militar, social e
mesmo religiosa.
Tomemos o conoeito de rainha, por exemplo, uma entidade simbólica complexa. Associações inconscientes incluem dignidade, fertilidade,
maternidade, nobreza, riqueza, liderança e tradição. A rainha simbólica remonta a períodos pré-históricos. Em níveis conscientes, ela pode
parecer pouco mais do que uma mulher interessante e bem vestida.
O chefe do departamento de psicologia de uma universidade canadense rejeitou combativamente a idéia de efeitos simbólicos sobre o
comportamento. Rigorosamente disciplinado no empiricismo behavio- rista, ele religiosamente negou a validade da percepção inconsciente.
Suas longas análises matemático-estatísticas de psicologia experimental
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS «20 1
foram publicadas em muitas revistas acadêmicas por todo o mundo de língua inglesa. Seus alunos brincavam dizendo que era um suicídio
acadêmico trazer à luz em seus seminários um sintoma psicológico que não pudesse ser quantificado. “O que você vê e ouve é tudo de que
você dispõe”, ele geralmente advertia. “Isso é tudo o que existe com relação a um fenômeno! ” Ele considerava o simbolismo um assunto não
apropriado à investigação científica.
A Rainha Elizabeth II mantém uma posição simbólica como chefe de Estado para o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
Apesar de seus títulos, palácios, guarda-roupa e herança, ela tem pouco poder. Ela existe, é apoiada e utilizada como um símbolo do Estado.
O parlamento britânico e o primeiro-ministro são aqueles que de fato governam a Grã-Bretanha, que se considera uma monarquia
constitucional. É fascinante observar o significado simbólico da realeza para os povos britânicos ou a Comunidade Britânica. A rainha é
profundamente amada, reverenciada, adorada como uma celebridade e honrada de uma maneira que as pessoas de culturas não-monárquicas
acham difícfi compreender. Seu status de celebridade é comparável ao das estrelas da mídia e dos heróis do esporte nos EUA, mas com o
significativo peso adicional do simbolismo arquetípíco. Ela representa todas as coisas para todas as pessoas. É indelicado fazer uma crítica à
rainha para anglo-canadenses. Sua importância simbólica é um dos resquícios da grandeza, do poder e da tradição imperial britânica.
A fim de se tornar cidadão canadense, é preciso jurar fidelidade à rainha. As Forças Armadas da Comunidade Britânica servem à rainha. E
costume brindar à saúde da rainha no começo de jantares formais. Essa devoção simbólica é motivo de diversão para os canadenses de
origem francesa, mas é levada extremamente a sério pelos de origem britânica. Durante uma visita ao Canadá, a rainha viajou por Ontário de
trem. O professor de psicologia que tão apaixonadamente negou a importância dos símbolos esperou seis horas sob uma forte tempestade de
neve com sua família para ver a rainha quando o trem passou pela cidade. Como muitos observadores já apontaram, quanto mais ferozmenté
as pessoas rejeitam defensivamente a idéia de que elas são influenciadas pela informação percebida inconscientemente, mais intensamente a
influência subliminar parece dirigir suas vidas.
Em sua Carta TV, Santo Agostinho explica que “o ensinamento levado a cabo através de símbolos alimenta e instiga as chamas do amor
que ajudam os homens a exceder e superar a si mesmos”. Os símbolos arque típicos mostram-se tão ricos e variados como as situações da
vida. A repetição de certos eventos da vida durante milhares de anos pode tê-los gravado nas predisposições ou na memória humana. As
experiências mais importantes são, é claro, o nascimento, a reprodução e a morte. Estes são os temas básicos em torno dos quais a maior
parte das religiões, filosofias, literaturas, artes e outras experiências profundamente significativas do mundo se concentram. Mesmo com as
pretensões modernas à objetividade científica, estas experiências fundamentais ainda são consideradas mágicas, seus detalhes e implicações
específicas são usualmente reprimidas da atenção consciente. Estas três experiências humanas fundamentais ainda trazem consigo certa
significação universal ritualística, espiritual, religiosa e supersticiosa. Mesmo dentro da oficialmente ateís- ta URSS, cerimônias rituais solenes
comemoram nascimentos, casamentos e mortes. A importância simbólica destes três eventos mostra-se vital para a sobrevivência humana
individual e social. Toda religião, Estado e grupo social conhecido procurou ou tem procurado controlar e utilizar estas três experiências
humanas comuns para conseguir poder ou riqueza. Valores simbólicos relacionados a estas experiências afetam poderosamente o
comportamento, enquanto que a percepção consciente desses efeitos permanece reprimida.
Enquanto símbolo arquetípico, o nascimento tem pouco a ver com o sexo biológico ou a reprodução. Inconscientemente, o nascimento se
relaciona simbolicamente a enigmas tais como de onde eu vim, que é o começo da existência, sentimento, conhecimento e por que eu existo ?
O corpo humano e suas funções torna-se cedo na vida a principal realidade percebida inconscientemente. A separação da mãe e a
independência simbólica mostram-se também um dilema humano básico, universal.
A reprodução sexual simboliza inconscientemente, por um lado, uma ameaça à independência e autonomia. Por outro lado, contudo, estão
as profundas implicações simbólicas do amor, da ligação, da intimidade, da busca de identidade, da criatividade, da vida eterna através da
reprodução, da transferência, da purificação. A importância inconsciente do sexo na psique humana é algo muito mais profundo do que as tolas
ba
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 203
nalidades das manipulações pornográficas e da mídia comercial.
O acontecimento mais temível e privativo é a morte, tanto real quanto simbolicamente. A morte simboliza a conclusão da existência
humana, a tragédia última, o fim do sentimento, a aspiração, a expectativa, a entrada no verdadeiramente e grande desconhecido, e — como
aludido no Gênesis — “a volta ao pó”.
Alguns teóricos têm tentado explicar os arquétipos como informação geneticamente herdada, “mitos raciais”, nas palavras do psicólogo
Erich Fromm. Outros, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss, exploraram a possibilidade de que a fisiologia do cérebro colete informação
segundo uma matriz que provê uma significação simbólica comum.
Seja qual for a teoria, e há muitas, a literatura do simbolismo, da mitologia e do folclore provê uma exploração rica e fascinante de um
aspecto vital da experiência humana. Como o cérebro processa e armazena significados não-verbais, inconscientes, simbólicos, pode muito
bem ser algo incognoscível num sentido definitivo. Os processos mentais envolvidos podem não se abrir para um conhecimento fatual ou
estatístico-ma- temático. Muito da maneira como o cérebro humano funciona pode realmente ser incognoscível, exceto em teoria. Apesar disto,
os homens são altamente manipuláveis por quase qualquer um que tenha algum entendimento de sistemas de valor simbólicos.
O videoclipe intitulado Valerie, do famoso músico Steve Winwood, explora amplamente símbolos arquetípicos. No quadrante inferior
esquerdo da tela da TV, durante um minuto e quarenta e cinco segundos, é mostrado um cigarro flutuando, balançando para frente e para trás,
de- senrolando-se até ser apenas um pedaço de papel, enrolando-se de novo como cigarro; o cigarro se acende magicamente, se transforma
num palito de fósforo, a ponta do palito se acende e ele se queima rapidamente até o fim. Subliminarmente falando, os cigarros estão
relacionados à morte e à autodestruição; o palito se acende, queima completamente e a chama é extinguida, como a vida do fumante.
Em outro trecho, durante um minuto e quinze segundos, as letras S- E-X aparecem em seqüência, depois aparece um grande X, seguido
por várias figuras demoníacas encapuzadas, seguidas por um crânio com os ossos cruzados de vários formatos diferentes, seguido de um
coração de namorado, por fim um círculo, símbolo de unificação — amore morte su
204 » A ERA DA MANIPULAÇÃO
bliminarmente invocados para vender um disco. Tudo o que os que assistem ao vídeo percebem conscientemente, se é que eles percebem
alguma cosia conscientemente, são bruxuleios de luz no quadrante inferior esquerdo da tela e Winwood cantando na metade direita.
Pouco tempo depois de o videoclipe ter sido lançado, o disco com base no qual ele foi feito, Chronicles, já era um dos três mais vendidos
nos EUA.
INTERPRETAR, NÃO DEFINIR
O simbolismo arquetípico é também tirado da natureza, das lutas do homem contra a natureza e de processos biológicos comuns.
Representações simbólicas similares aparecem geralmente em sonhos, devaneios, fantasias, formas de arte, mitos, lendas e no folclore. O
quarto secreto de Barba Ruiva, no qual suas esposas eram proibidas de entrar, simbolizava sua mente. O cisne, em função de seus
comportamentos reprodutivos in- comuns, é um símbolo de hermafroditismo, da bissexualidade, de ambiguidade de gênero. O leão é
simbolicamente o rei dos animais por causa de seu apetite sexual prodigioso. O simbolismo, contudo, é raramente simplista. Os símbolos
podem ser interpretados segundo uma variedade de níveis, dependendo de quem os usa, quando, e em que contexto. Os intérpretes de
significados simbólicos deveríam desconfiar de definições simples já prontas. Os símbolos devem ser interpretados, não definidos.
A mídia comercial utiliza propositadamente o simbolismo para vender produtos, idéias e personalidades. A área mais intensamente
explorada e mais visível de manipulação simbólica relaciona-se à reprodução humana. A sexualidade é claramente a área da experiência
humana mais vulnerável à manipulação, à exploração e ao subseqüente desenvolvimento de comportamentos neuróticos e psicóticos. Isto
mosüa-se particularmente verdadeiro nos sistemas de valor aquisitivos das sociedades ocidentais, mas provavelmente todos os homens
compartilham uma vulnerabilidade similar.
O anúncio da carne fatiada de Oscar Mayer (fig. 13) é típico de um simbolismo arquetípico aplicado no comércio e na manipulação do
consumidor. O anúncio foi amplamente, e às custas de muito dinheiro, publicado em revistas masculinas norte-americanas de alcance nacional
co
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS « 205
mo Esquiree Gentleman’s Quarterly (GQ). As fatias de carne em estilo italiano à esquerda estão dispostas de modo a formar um genital
masculino, e as de pernil preto com pimenta à direita formam um genital um pouco menor, embora talvez, como explica o texto, “mais picante e
apimentado.” Lembre-se que estes símbolos foram dirigidos à percepção inconsciente masculina. O genital feminino é representado
simbolicamente no centro por fatias de peito de frango defumado. Uma área recessiva foi sutilmente pintada no frango assado, sugerindo
genitais femininos em volta da abertura da cavidade visceral. Poucos homens poderíam resistir à fantasia esperada de dois homens e uma
mulher mesclando seus genitais. O ménage à trois de Oscar Mayer reflete uma extravagância sexual, com implicações homossexuais
masculinas.
O trabalho simbólico com imagens evita o pensamento consciente, crítico. Ele envolve não somente figuras como também palavras e
números. As três representações simbólicas em “Select Slices” transmitem de forma não perceptível conscientemente a idéia de síntese
espiritual, parto, resolução de conflitos, harmonia e unidade — todas associadas com o Céu ou com a Trindade. Tivesse o artista utilizado um
arranjo composto de duas, quatro ou cinco partes, os significados inconscientes teriam mudado. O consumidor “especial” que
inconscientemente se identifica com o anúncio de Oscar Mayer nunca considera conscientemente o caro e importante trabalho de arte.
A simples disposição dos elementos do anúncio já torna favorável o retorno do investimento de Oscar Mayer. O simbolismo genital, além
disso, é realçado pela legenda, que nos conta que cada tipo de carne é 95% livre de gorduras. Seria muito mais importante, do ponto de vista
da saúde, que os futuros consumidores fossem 95% livres de gorduras. Os leitores norte-americanos têm sido treinados a aceitar
irrefletidamente, confiar e conscientemente ignorar a mídia. Qualquer avaliação crítica reduziría rapidamente a eficácia do anúncio.
Quase todo objeto ereto, comprido e rígido pode ser transformado deliberadamente em um símbolo fálico adaptável aos meios de
comunicação de massa. O público raramente está consciente do que ocorre. A consciência, é lógico, põe as pessoas na defesa, cancela ou ao
menos diminui o potencial do anúncio de modificar o comportamento. Para que os símbolos gerem vendas, eles devem ser percebidos
conscientemente como funcionais ou lógicos. Na mídia comercial, símbolos fálicos são regularmente desenvolvidos com bengalas, cabos de
vassoura, peixes, gravatas, bananas, velas, mastros, arranha-céus, postes de iluminação, baleias, árvores, obeliscos, torres, faróis, foguetes,
armas, chaminés, canhões, trombas de elefantes, pássaros, espadas, lanças, arpões, garrafas de champanhe jorrando, chaves, cigarros,
charutos, carros, aviões, guitarras, microfones, dedos — a lista é interminável.
Os símbolos vaginais são tão variados como os fálicos. A genitália feminina pode ser insinuada por quase qualquer abertura elíptica — uma
dobra da pele sob um braço, joelho, cotovelo, ou a boca de um copo ou xícara. No anúncio do Chivas Regai (fig. 7), a garrafa fálica penetra na
boca elíptica do copo de uísque. Similarmente, a abertura do copo no anúncio do McDonald’s (fig. 14) é penetrado pelo fluído seminal simbólico
que goteja do Chicken McNugget. A mistura para bolo Super Moist da Betty Crocker (fig. 6) chega mesmo a fazer da vagina simbólica uma
réplica anatômica — e escapa impunemente, ou quase.
Um exame casual de anúncios revela um sortimento imaginativo de símbolos genitais deliberadamente produzidos. Curiosamente, os
anúncios com genitais masculinos são dirigidos para consumidores homens, e os femininos para mulheres. Através da tentativa e do erro, os
anunciantes se convenceram de que os anúncios vendem muito melhor através desta aparente contradição. As explicações psicológicas para
este fato não passam de tentativas. Já se argumentou que tais anúncios apelam para a homossexualidade latente tanto nos homens como nas
mulheres, e que aumentando a natureza tabu dos estímulos os consumidores se tornam mais envolvidos e, vulneráveis. Para o agente de
publicidade, isto não importa, contanto que o anúncio venda.
A MAGIA VIVA NA MÍDIA
Num anúncio televisivo de 30 segundos do molho de salada Wishbone, técnicas subliminares se combinam numa poderosa massagem mental.
A marca “Wishbone” alude à magia, â crença na ressurreição e, na tradição hebraica, a uma árvore indestrutível e seu coração interior, oculto,
inviolável. Significados subliminares são em geral escondidos em superposi
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 207

ções de imagens — uma cena desaparece enquanto uma nova cena emerge. Informações subliminares são facilmente escondidas nesta
transição. A menos que a transmissão seja gravada e examinada a cada quadro, o embuste fica escondido da consciência. O anúncio de TV do
Wishbone é uma obra-prima tecnológica.
A transição começa com uma modelo voluptosa nadando numa lagoa tropical (fig. 17). Na medida em que ela sai da água, braços e pernas
afastados, a cena se transfere para um pé de alface segurado por duas mãos femininas. Os polegares que prendem a alface parecem apertar a
área genital da modelo (fig. 18). Conforme a imagem da modelo desaparece, a alface se parte em duas metades, como se um nascimento
simbólico tivesse ocorrido (fig. 19). Surgindo do pé de alface fendido, aparece então a garrafa de Wishbone simbólica (fig. 20). O design da
garrafa inclui uma porção superior fálica e um fundo elíptico feminino — a unidade simbólica do homem com a mulher num cenário tropical
romântico. A cena muda para um close da modelo, que parece estar lambendo a parte feminina da garrafa (fig. 21). Enquanto a garrafa
desaparece, a língua da modelo se transforma num tomate em sua boca (fig. 22). As quatro transições ocorrem seqüencialmente em menos de
dez simbolicamente poderosos segundos. Cada detalhe é gravado perceptivamente em níveis inconscientes. O tomate (também chamado de
maçã do amor) e a alface são símbolos de nascimento, da primavera, de ressurreição, abundância, fertilidade, fecundidade e regeneração da
vida. Os tomates simbolizam o amor; a alface simboliza a primavera e uma renovação da vida.
O nascimento, a reprodução e no fim a morte provêem temas ar- quetípicos fortes e subjacentes em numerosos anúncios. A garrafa
quebrada de Crown Royal, da Seagram’s (fig. 15), é um exemplo de um apelo subliminar de morte, convidando o consumidor a se auto-imolar e
destruir. A castração é outro símbolo de morte arquetípico. O desejo da morte é uma das mais bem articuladas teorias na literatura
psicológica—uma compulsão inata para procurar a morte, seja de fato ou simbolicamente.
Inúmeros anúncios de bebidas ou cigarros foram ilustrados em estudos anteriores sobre a percepção subliminar. Um pênis castrado,
cérebros, e caras monstruosas típicas de um pesadelo aparecem num anúncio de Johnny Walker (cf. Key, The Clam-Plate Orgy, figs. 6-16). A
palavra câncer estava embutida num anúncio de duas páginas dos cigarros Benson
and Hedges (cf. Key, Midia Sexploitation, figs. 41-42) • Todas essas imagens de produção tão dispendiosa são símbolos arquetípicos,
personificações da morte e da autodestruição. Elas foram exaustivamente projetadas, testadas e aplicadas como técnicas de marketing. Elas
vendem, ou os anunciantes acreditam que elas vendem. Elas deram muito dinheiro aos anunciantes. O que os anúncios fazem pelos
consumidores indefesos pode ser percebido nas estatísticas da saúde pública.
Alguém deveria conferir o desejo da morte ou as compulsões de autodestruição evidentes nas estratégias das Forças Armadas
norte-americanas. Se o simbolismo arquetípico do desejo da morte vende com sucesso cigarros, bebidas e discos de rock, por que não
venderia mísseis MX, bombas B-l e outros instrumentos pesados no jogo político de se armar com segundas intenções? Existe nitidamente a
possibilidade de que as duas superpotências estejam apenas representando seu desejo de morte coletivo numa conspiração inconsciente
contra si mesmas.
A história humana tem sido um enredo sobre uma incrível habilidade de sobreviver em constante confrontação com comportamentos
suicidas. Nenhuma sociedade humana foi jamais contínua. Cedo ou tarde, todas chegaram à autodestruição. Apesar disso, elas continuam a
proliferar. Até muito recentemente, era impossível matar na escala necessária para destruir tudo. A ingenuidade humana finalmente triunfou.
As potencialidades suicidas de hoje em dia dão ao homem sua própria solução final. A Destruição Mutuamente Garantida (Mutually Assured
Destruction - MAD) não é apenas uma teoria. Ela é uma realidade, a apenas alguns minutos do apertar de um botão ou de uma chamada
telefônica. E, diante da MAD, os líderes mundiais, bem como seus bajuladores científicos, ainda murmuram que não existe nada de parecido
com o desejo da morte.
Quando ocorrer a estupidez final — é uma questão de sensatez aceitar que ela virá — o ato parecerá lógico, racional, justificável e, para
alguns, a realização do destino ou da profecia bíblica. Mais ainda, até que os últimos poucos indivíduos vomitem dolorosamente até a morte
por causa do envenenamento por radiação, a discussão sobre de quem foi a culpa continuará violentamente. Milhões de dólares são
regularmente investidos na pesquisa de meios de destruição maciça; até agora virtualmente nada se investiu no estudo da sobrevivência
humana.
A COISA VERDADEIRA - REALIDADES SIMBÓLICAS • 209
Ninguém até agora, fez a longo termo pesquisas sérias sobre as con- seqüências do embuste da mídia comercial sobre a personalidade
humana, a saúde mental, o comportamento e a sobrevivência. Os EUA permitem cegamente que o establishment comercial imponha seus
interesses pessoais gananciosos sobre a população. Praticamente ninguém parece ouvir o tênue tique-taque de nosso tempo se esgotando.
CAPÍTULO SETE

CAUSA E EFEITO: A MAIOR DE


TODAS AS ILUSÕES
O que não podemos pensar, não podemos pensar; portanto nós não podemos dizer o que não podemos pensar.
Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logicophilosophicus
Se eu não sei que eu sei, penso que não sei.
R.D. Laing, Laços
Só pessoas infantis imaginam que o mundo é o que pensamos que ele é. C.G.Jung, Psicologia Analítica
As pessoas demonstram uma predisposição herdada para acreditar que para todo efeito há uma causa conhecida ou cognoscível. O mito
comum sustenta que algum acontecimento simples ou múltiplo precede um evento particular, e que sem ele o evento seria impossível. Com o
acontecimento, o evento torna-se inevitável. A expectativa de causa e efeito funciona nas pessoas tanto em níveis conscientes como em níveis
inconscientes.
Quando as pessoas têm dificuldade em isolar uma causa, elas geralmente inventam uma com palavras, normalmente por meio de uma
generalização verbal. Está chovendo {efeito), é o mau tempo de novo {causa). O “mau tempo”, uma gigantesca e complexa abstração, é em
grande parte desconhecido, talvez mesmo incognoscível. Ao contrário das ficções populares, o tempo é um fenômeno aleatório, impredizível.
Uma predisposição para considerar improvável que uma coincidência seja acidental é também um aspecto deste padrão perceptivo inato,
hereditário. Você acredita que foi mera coincidência aquele advogado estar no hospital quando a ambulância chegoulO que foi chamado de
“conexãoquando...então”é um ingrediente básico no que se chama de senso comum.
Tentativas de explicar ou justificar algo como “coincidência” parecem fato comum a todos os povos, embora haja diferenças na maneira
segundo a qual eles tentam lidar com a questão. Os chineses, por exemplo, desenvolveram uma abordagem diferente do raciocínio simplístico
de causa e efeito do Ocidente, geralmente atribuído a Aristóteles. Os lógicos chineses perceberam que certos tipos de eventos parecem se
agrupar em certos momentos. As teorias chinesas da medicina, da filosofia e mesmo da arquitetura se basearam em uma ciência da
coincidência significativa. As teorias chinesas não questionam o que causa o quê. Em vez disso, elas perguntam o que “é provável de
ocorrer”junto com o quê. Tanto os sistemas asiáticos quanto os ocidentais, contudo, procuram soluções verbais para a questão da
coincidência. Todos produziram ficções verbalizadas que tentaram explicar os eventos em relação com a causação conhecida, desconhecida e
incognoscível.
O senso comum é baseado na proposição simples de que o efeito de uma causa deve se seguir àquela causa. O efeito não pode preceder a
causa. A proposição pode ser formulada assim: depois disso, portanto por causa dissol Infelizmente, a experiência geralmente contradiz o que
é um presumido senso comum. Os círculos viciosos de conflitos humanos, cuja seqüência de eventos é não-linear, são o exemplo mais
freqüente. O efeito, em um conflito não-linear, retroage e dá novamente início à própria causa. Conflitos maritais em geral se concentram e
voltam-se sobre si mesmos num círculo vicioso. O ponto de partida é esquecido e, mesmo se recordado, não mais importa. O conflito de
setenta anos entre o comunismo soviético e a economia empresarial é outro conflito circular e autoperpetuador, como o embate
católico-protestante na Irlanda do Norte, a guerra islâmico-cristã no Líbano, e o conflito árabe-israelense. Uma vez estabelecidas, seqüências
circulares e auto-sustentadoras continuaram indefinidamente, desdobrando- se para além do começo e fim, de causa e efeito. Por toda a
história humana, o senso comum tem em geral se mostrado anormalmente insensato, muitas vezes de uma maneira assassina. As estratégias
defensivas do senso comum racionalizam, disfarçam e tentam dispensar as contradições. As pessoas persistem em raciocinar somente no
nível do aparentemente óbvio. A repressão, o esquecimento de que esquecemos, toma conta dos outros extremos — paradoxos, contradições
e exceções.
A anatomia da causa-e-efeito é raramente examinada com cuidado. Se fazemos isto, então aquilo certamente ocorrerá. Se não investirmos
100 milhões de dólares na luta contra o comunismo na Nicarágua, os EUA serão logo invadidos pelas forças soviéticas. Proposições tolas
como esta são a cada dia a base da ação de milhões de pessoas e, mais embaraçoso ainda,
CAUSA E EFEITO «215
de altas autoridades do governo. Tais simplismos são um contra-senso, propaganda retórica, e usualmente reconhecidos como tais por
aqueles que os promovem. Considerando a credibilidade humana, especialmente como tem sido condicionada e canalizada pela mídia
comercial, este raciocínio de causa e efeito fornece estratégias eficazes de persuasão e manipulação. Ele explora a fraqueza humana, o medo
do desconhecido, a paranóia, as inseguranças, as dúvidas e todas as outras instabilidades emocionais. O medo do desconhecido ou do
incognoscível normalmente leva as pessoas às mãos ambiciosas de videntes que fingem conhecer o futuro. Estranhamente, as profecias e o
conhecimento interior servem somente aos intereses dos profetas.
Para todo efeito, fosse o mundo real tão lógico quanto as palavras dão a impressão, deveria de fato haver uma causa. Poderia haver
mesmo múltiplas causas. Mais ainda, há muito provavelmente causas incognoscíveis que não podem ser definidas verbalmente. O pior cenário
possível envolve situações com uma combinação de múltiplas causas desconhecidas e incognoscíveis e a situação mais comum que os
homens encontram. Além disso, percepções de casualidades podem ser inconscientemente motivadas. Uma racionalização de causa e efeito
simplística poderia construir o mais perigoso mito da humanidade. Quando a causalidade é relacionada com fantasias de realidade objetiva
para criar uma finalidade — uma conclusão suprema para não ser desfeita ou alterada —, a conexão pode ser letal.
A existência dessas estruturas mentais inatas e tidas por certas — através das quais conclusões, avaliações e análises desastrosas são
regularmente formadas — é algo geralmente desconhecido ou, pior ainda, reprimido. A necessidade humana instintiva de tirar conclusões tipo
causa- e-efeito simplísticas permanece oculta, porque as pessoas não querem conscientemente conhecer sua vulnerabilidade a erros e más
interpretações. Nas palavras imortais do corajoso capitão do Titanic, “nem Deus poderia afundar este navio! ”
O EMBUSTE DO “PORQUE”
O filósofo escocês David Hume acreditava que o conceito verbal porque era totalmente inverificável e inexplicável como parte da linguagem e
do
pensamento. Não se pode, de acordo com o raciocínio de Hume, assumir que um avião chocou-se porque os motores falharam, mesmo que
tais acidentes sejam relatados desta maneira todos os dias na mídia de todo o mundo. Tais relatos somente confirmam que jornalistas e
leitores têm necessidade de perceber o mundo segundo relações simplísticas de causa e efeito. Esses relatos dizem muito mais a respeito dos
repórteres e de seu público do que sobre os eventos descritos. Tudo o que se poderia afirmar confiavelmente sobre o choque do avião, sobre a
base dos fatos conhecidos, desconhecidos e incognoscíveis, é que os motores falharam, o avião se chocou. A causa real ou as causas reais —
conhecidas, desconhecidas e incognoscíveis — estão indisponíveis e podem continuar assim. Hume argumentava que o conceito verbal
porque era, de fato, errôneo, ilógico, tolo, mitológico e em geral altamente perigoso. Uma medicina tipo causa- e-efeito, por exemplo, é um
contra-senso simplístico. Os organismos respondem como entidades totais, integradas — a partir de causas conhecidas, desconhecidas e
incognoscíveis.
Assunções causa-e-efeito simplísticas são questionáveis, mesmo quando empregadas com aparente sucesso num contexto prático e de
senso comum. Qualquer um que acompanhe o desenvolvimento de suas decisões com base em considerações conscientes tipo causa-e-efeito
descobrirá um alto índice de destroçamento do ego. As pessoas não levam em conta esses índices, é lógico. Elas conscientemente notam uma
preponderância de vitórias, reprimindo ou negando as derrotas. A causa e o efeito são formados verbalmente após o fato, como uma
racionalização, não antes. Por exemplo, a aceitação popular de que a órbita da Lua causa o movimento das marés é falsa. A relação complexa
e apenas parcialmente compreendida entre a Terra e a Lua sugere que as marés terrestres na verdade fazem diminuir o ritmo da órbita da Lua.
Outra idéia falsa, embora lucrativa, nos EUA é que as indústrias têm sucesso porque os consumidores têm preferências. Contudo — como este
livro mostra — os consumidores são manipulados pelas indústrias, num sistema de mídia complexo e culturalmente integrado que engendra
nos consumidores a fantasia de que eles é que decidem. Na psicologia experimental, acredita-se que os ratos se comportam de determinada
maneira por causa dos controles espertos dos experimentadores, mas raramente se discute que as limitações do comportamento dos ratos são
uma fonte principal de determi
CAUSA E EFEITO • 2 1 V
nação dos procedimentos experimentais. As limitações inerentes às assunções, comportamentos e observações humanas também não são
virtualmente nunca consideradas uma parte do método científico, enquanto a cada ano chovem assunções simplísticas, verbais, de
causa-e-efeito, em nome da ciência, do progresso e do lucro.
O dilema do porque parece ser um produto da aprendizagem evolu- cionária realizada por muitas espécies na medida em que evoluíam.
Reflexos condicionados são a única explicação plausível, mas tenha sempre cuidado com explicações tipo causa-e-efeito sobre causa e efeito.
Onde quer que eventos ou coincidência se repitam com a freqüência suficiente, a pessoa tem a expectativa de que eles continuarão. Na
verdade mesmo uma coincidência relativamente infreqüente pode bastar para que uma relação preditiva seja estabelecida.
O físiologista e prêmio Nobel Ivan Pavlov ensinou cães a salivarem na expectativa de receber comida quando ouviam o som de uma
campainha. Para os animais, a campainha tornou-se uma representação simbólica da comida. As pessoas podem do mesmo modo ser
treinadas para salivar ao ouvirem sinos, campainhas, ou trompas. Elas podem também ser condicionadas para salivar diante de imagens dos
comerciais do rádio e da televisão. Elas inclusive salivarão, como um efeito retardado, dias ou semanas depois de assistirem a um comercial
na TV, quando encontrarem o produto num supermercado (efeito Poetzle). Este treinamento desenvolve facilmente comportamentos rituais
relacionados ao estímulo. Os cães de Pavlov se comportavam de maneira semelhante a lobos. Uma vez que a comida era dada ao animal
dominante, os cães subordinados pediam uma parte. Eles ganiam, balançavam a cauda, rastejavam bajuladoramente, abaixavam a cabeça e
expunham a garganta para o animal dominante, tudo isso como um ritual. O comportamento animal ritualizado depois de certo estágio já
ocorria apenas com o som da campainha. Os animais tinham aprendido relações simples de causa e efeito estabelecendo uma relação entre a
campainha, os comportamentos rituais e a comida.
O psicólogo de Harvard, B. F. Skinner encerrou pombos num ambiente fechado no qual a comida era dada em intervalos aleatórios. Os
pombos relacionaram seus próprios movimentos com o surgimento da comida. A coincidência puramente aleatória com a chegada da comida
no fim das contas iniciou um processo de aprendizagem. Quando um
2 1 8 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
movimento particular era percebido como parte de um intervalo de alimentação, os pombos de Skinner confirmavam sua expectativa de que
ganhassem os grãos por terem feito alguma coisa. Eles não podiam aceitar a realidade de que sua comida era controlada por forças externas
sobre as quais eles não tinham influência ou controle. Eventos como o movimento de uma asa, do corpo, de um pé que fossem coincidentes
com a chegada do grão aos poucos se transformaram num comportamento aprendido, uma relação de causa e efeito. A expectativa de uma
conexão entre seu movimento particular e a comida aumentava e se intensificava, independentemente do que ocorria no ambiente.
Skinner descreveu o comportamento que parecia produzir comida como o de “um grupo de pombos loucos — um girando constantemente
para a esquerda, outro abrindo e fechando sua asa direita, outro movendo sua cabeça de um lado para o outro”. Estes comportamentos
repetidos, é lógico, pareciam no fim das contas produzir a comida, que teria vindo com ou sem o comportamento. O comportamento apenas
dava aos pombos a fantasia de que eles é que estavam controlando a situação. A idéia de causa e efeito, para os pombos, tornou-se uma
profecia que eles mesmos cumpriram. Uma vez o comportamento ritual tendo-se estabelecido, é muito difícil mudá-lo, seja em animais ou em
pessoas.
Qualquer um que duvide do poder de expectativas de causa e efeito ritualizadas pode observá-lo em sua família ou entre os amigos.
Pode-se discernir os padrões quando eles bebem, comem ou mantêm comportamentos reprodutivos. Nós somos ensinados a ver o consumo
de vários produtos — fumar, beber, comer, vestir-se e assistir à TV — como causas com efeitos fantasiados.
Depois da Segunda Guerra Mundial, tribos das montanhas da Nova Guiné desenvolveram um culto religioso que adorava aviões. Os aviões
de guerra que haviam em certo momento trazido a prosperidade tribal tinham desaparecido. Grupos tribais construíram santuários a partir de
peças de velhos aviões e ferragens abandonadas. Os trastes eram fabricados para parecerem grosseiramente com um avião. Certo tempo
depois alguns aviões sobrevoaram ocasionalmente o local, mais frequentemente em certos momentos do que em outros. Os santuários
tornaram-se cada vez mais elaborados, e a participação no culto aumentou na medida em que o poder e a validade do culto eram confirmados.
Uma nova religião havia nascido.
CAUSA E EFEITO *219
Comportamentos rituais freqüentes e tidos por certos são facilmente observáveis — recitar Ave-Marias, rosários, preces noturnas, bater na
madeira, ler o horóscopo diário, jejuar em certos dias especiais, colocar o garfo do lado esquerdo do prato, palavras ou números mágicos,
carregar um amuleto da sorte, raramente perder certo programa de tevê, ler cuidadosamente os anúncios, as notícias, a página do tempo, etc.
Seja na campainha de Pavlov, num avião-santuário da Nova Guiné ou assistindo a fantasias de anúncios criados por muito dinheiro, o
simbolismo da causa- e-efeito promete gratificação sexual, segurança, boa sorte, aceitação social, amor, felicidade, vida eterna. Os anúncios
lhe prometem qualquer coisa. Cânticos, encantamentos, maldições e bênçãos estão tão presentes no dia-a-dia atual quanto estavam nas
sociedades primitivas. “Winston tem o sabor que um cigarro deve ter! ”
MAGIA VERBAL
Ernest Cassirer escreveu em Linguagem e Mito que a identificação entre rótulos ou nomes e pessoas ou coisas é o mecanismo fundamental da
elaboração de mitos. Ali Babá abriu a porta mágica em uma montanha dizendo “Abre-te Sésamo!” Rumpelstiltskin foi derrotado em seu
trabalho pelo mal quando a princesa aprendeu a pronunciar o seu nome. Como foi exaustivamente documentado por J. G. Frazer em seu livro
The Golden Bough, os povos primitivos se cercam por intermináveis palavras-tabu. Como contrapartidas modernas, eles manufaturam
amuletos verbais ou preces para protegê-los dos maus-espíritos, como, por exemplo, “Ban ta- kes the worry out of being close! ” Os índios
norte-americanos, cujo terror da morte era intenso, nunca falavam os nomes dos mortos — muitos dos quais derivavam de animais ou objetos
naturais. Assim, eles tinham constantemente de inventar novas palavras para os objetos comuns, e seus vocabulários se tomaram
interminavelmente confusos, com diferentes nomes para as mesmas coisas, junto com cerca de cem dialetos e linguagens tribais. J. P.
Harrington, do Smithsonian Institute, escreveu: “Quanto mais guerras, mais mortes, mais novos nomes, mais dialetos, mais forasteiros, mais
guerras, mais mortos...”
Consciente e inconscientemente, as pessoas ainda são vitimadas pe
220 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
la magia das palavras, pelos comportamentos rituais e pela imersão em um oceano de ilusões fantasiosas de causa-e-efeito. Pessoas
modernas e instruídas pensam que estão livres da superstição e da ignorância. Contudo, elas aceitam sem refletir palavras ou frases
intencionalmente inventadas para camuflar a realidade. A mídia comercial norte-americana evita cuidadosamente descrições factuais e
mensuráveis das qualidades de um produto; eles enfatizam descrições bajuladoras do consumidor. Uma lista de palavras e frases mágicas
pode facilmente ser acumulada a partir de qualquer publicação comercial. Palavras mágicas vendem produtos, pessoas, ideologia política, fé
religiosa e tudo o mais que é vendido nos EUA.
Squeezably soft Charmin (O apertadamente suave Charmim)
Be a Pepper (Seja um Pepper)
Almost home cookies (Biscoitos Quase Caseiros)
Brawny paper towels (Toalhas de papel Vigorosa)
Purina tender vittles (Refeição tenra Purina)
Chiquita pops (Refrigerante Chiquita)
Just my sizepantyhose (Meia-calça Meu Tamanho)
Fantastik cleanor (Removedor Fantástico)
Thespint ofMarlboro (O espírito de Marlboro)
The taste ofMerit (O sabor de Merit)
An american revolution—Dodge (Dodge: uma revolução americana)
INeed to be accepted: in touch cards (Eu preciso ser aceito: cartões em contato)
Dashingly suave cuei-vo tequila (Tequila Cuervo: arrojadamente suave) Nocturnes de Caron Perfume (Perfume Nocturnes de Caron)
Thefriendly skies of United (Os Céus Amigáveis da United)
A publicidade e a manipulação dos anúncios geram um sistema filosófico difuso que domina o pensamento e as emoções de milhões. O
consumo, como um fim em si mesmo, torna-se um substituto para o idealismo democrático. A liberdade de escolher o que vestir, dirigir ou
comer substitui alternativas sociais, econômicas ou políticas que tenham um sentido. A ilusão comercial oculta muito do que é corrupto,
autoritário, injusto, e cruelmente explorador. Essa ilusão também abafa e distorce percepções claras do resto do mundo.
CAUSA E EFEITO «221
Liberdade é um Datsun!
China e Oriente, prazeres pessoais, tesouros nacionais, banquetes, aventuras, com a Royal Vilking Line
Quando você parte pela mundo, você não está sozinho com American Express
Descanse do mundo real (Real World) para explorar o mundo do cinema/ (Real World) com a Moviebreak
Camel Filters, é um mundo novo!
O Espírito do Império, Cerveja Bass!
Liberdade é um Maxi-Pad!
Revolucionária, a meia-calça Perfeita!
Consciente ou inconscientemente, os homens e as mulheres contemporâneos são tão prudentes com relação a palavras por temor de
revides sobrenaturais quanto seus antepassados pré-históricos. Eles agem como se as próprias palavras tivessem poder de controlar questões
humanas. Num sentido trágico, as palavras realmente têm um poder de iniciar profecias que se auto-realizam. Durante inúmeros governos dos
EUA, encontros com diplomatas soviéticos se constituíram em intermináveis disputas sobre definições de desarmamento nuclear, numa fé
infantil de que formulações verbais corretas trariam magicamente a paz e a segurança eterna. Como qualquer diplomata sabe, as palavras são
quase sempre irrelevantes, a menos que haja entre os participantes uma vontade de fazer os acordos funcionarem.
Durante muitos séculos, os números da sorte três e sete exerceram uma fascinação supersticiosa sobre os homens. O sete é mencionado
muitas vezes na Bíblia; o três simboliza a Trindade. O mal é associado com o 666. Deus fez supostamente o mundo em seis dias e descansou
no sétimo. Durante muitos séculos, houve apenas sete planetas conhecidos. Ainda se acredita que o sétimo filho tem talentos especiais. O
treze é considerado tão azarento que muitos hotéis não numeram o décimo-tercei- ro andar. Virtualmente todos os números têm tido, num
período ou outro, uma significação mágica. Os números ímpares eram considerados masculinos, os pares femininos. Números da sorte são
usados nos jogos de azar, em placas, números de telefone ou bilhetes de loteria. Os consumidores em geral pagam mais por eles”.
2 2 2 • A DA MANIPULAÇAUma breve visita aos cassinos de Nevada ou Atlantic City confirma como está difundida a crença em números
mágicos. Os funcionários e os proprietários dos cassinos sabem, é lógico, que qualquer um que acredita em tal absurdo é um perdedor. Um
comentário freqüentemente ouvido entre empregados de cassino é: “a sorte é para os perdedores! ” Publicamente, é claro, eles contam a
história que são pagos para contar. Quando trocam dinheiro, os jogadores recebem sempre os votos fervorosos: “Boa sorte!” Se fosse para
eles terem sorte, o cassino perdería dinheiro.
Por toda a evolução, as pessoas — de maneira não muito diferente dos pombos de Skinner — insistiram em que nada acontece por si
mesmo. Ameaças estão por todo lugar, escondendo-se no escuro, invisíveis para as vítimas. A necessidade de apaziguar os deuses, de
controlar o destino, explicar o inexplicável ou o incognoscível, forneceu uma base sobre a qual se edificaram culturas, línguas, religiões, leis e
milhares de superstições. Esta necessidade humana constante de ter explicações de causa e efeito fez fortunas para a mídia comercial. Como
dizia um famoso comentário de P. T. Barnum: “Há alguém nascendo a cada minuto! ” A mídia comercial moderna continuou de onde Barnum
parou, expandindo enormemente a população crédula.
As incertezas da ciência, da filosofia e das realidades percebidas no cotidiano podem ser substituídas por uma fé inquestionável na
predestinação, num maior poder, na profecia, ou mesmo uma ideologia política endossada pelo Céu. Muitos líderes nacionais trabalham
diligentemente para ter Deus ao seu lado. O processo é também um meio conveniente de fazer bodes expiatórios ou responsabilizar o destino,
a má sorte ou a punição divina por desgraças — expedientes para escapar da responsabilidade individual por falhas.
A exploração comum, pela mídia, do nacionalismo chauvinista, em busca de poder e lucro — uma das principais atividades nos EUA—é
alimentada por palavras e símbolos mágicos. Cerimônias com a bandeira, hinos nacionais e uma interminável retórica simplística de
causa-e-efei- to disfarçam o egoísmo, a exploração dos desamparos, a ganância e o comportamento vicioso que viola todos os padrões
humanos de conduta decente. O patriotismo, à semelhança do fanatismo religioso, freqüentemente obscurece, torna difusas e reprime as
percepções orientadas para a realidade quanto ao que realmente está acontecendo. Atroci
CAUSAE EFEITO • 223
dades desumanas têm sido justificadas pela afirmação de que “alguém tinha de fazer isto”. A vulnerabilidade humana à manipulação da mídia
persiste, prolifera e aumenta a cada ano com um potencial sempre mais devastador.
PREDIZENDO O IMPREDIZÍVEL
Outro aspecto da mitologia da explicação tipo causa-e-efeito é a predição do futuro. A profecia foi substituída pelas fantasias modernas
relativas à possibilidade de predição — que soam mais científicas. A necessidade de predizer tem sido discutida como um sistema de
motivação geneticamente herdado. Nada no mundo é predizível! Nadai Qualquer um que pudesse com precisão prever uma única coisa que
fosse podería com o tempo obter ou realizar quaisquer riquezas ou poderes que desejasse. A possibilidade de predizer o futuro é um mito, um
mito construído a partir de identificações verbais, matemáticas, ou estatísticas, excluídas as opções intermediárias e ignoradas as
contradições. O mito, é claro, despreza universalmente os níveis macro, micro e submicro de percepção e a dinâmica perceptiva
consciente-inconsciente.
A probabilidade estatística não tem nada a ver com predição. As estatísticas tentam apenas descrever resultados prováveis. Elas não
fazem predições — absolutamente. Uma empresa de pesquisa de grande porte sobrevive de deturpações lucrativas de interpretações da
probabilidade. Todo jogador profissional já apostou com uma vantagem de 99 a um a seu favor — e perdeu. Durante muito tempo, bolas de
cristal, borras de chá, tabelas astrológicas e tábuas para mensagens mediúnicas serviram à necessidade de predição. Elas eram baratas e
fáceis de conseguir. A predi- • ção quase sempre reduz a tensão gerada pela incerteza. Infelizmente, estas técnicas foram por fim percebidas
como não-científicas. As borras de chá e coisas do gênero foram substituídas por computadores, estatísticas de probabilidade, videntes PhD
ou tanques de pensamento. As predições modernas são normalmente defendidas por evasivas ou ambigüidades. A indústria da predição
conseguiu o sucesso. Aqueles que levaram predições a sério em sua maioria não o conseguiram. Tanto o Salão Oval da Casa Branca quanto o
Kremlin estão cheios de adivinhos que são chamados
« Oeconomistas, assessores de segurança e política, cientistas militares, analistas de população, etc.
O emprego da lógica silogística aristotélica é engenhosamente buscado. Se isto acontece, e isto acontece, e isto acontece, então isto
acontecerá. Afirmações deste tipo podem ser elaboradas em cenários complexos e aparentemente lógicos. Infelizmente, elas invariavelmente
não passam de pensamento positivo. E normalmente impossível estabelecer uma ligação consistente entre predições e especificidades fatuais.
Um ponto é importante. As predições podem contribuir para resultados desejados como profecias auto-realizadas, se as pessoas puderem ser
manipuladas a aceitá-las como verdade. Como inúmeros autores já indicaram, a função suprema da predição ou da profecia não é predizer o
futuro, mas construí-lo.
Áreas como a economia, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a história, e as ciências política, militar e da computação têm uma
história cômica de predições que deram errado e foram rapidamente esquecidas. Mesmo os serviços de previsão do tempo não predizem
confiavelmente as condições climáticas. Eles só prevêem sob certas condições favoráveis, altamente qualificadas e prováveis. O tempo é uma
ocorrência aleatória impredizível. Como os horóscopos de jornal, as reportagens do tempo veiculadas pela mídia são muito bem patrocinadas e
lucrativas, conferindo credibilidade àqueles que as publicam ou transmitem. Todas têm como base o mesmo serviço de meteorologia nacional,
mas são interpretadas de acordo com diferentes públicos. Tais interpretações visam antes dizer às audiências o que elas querem ouvir, em
proveito dos patrocinadores, do que informar as condições do tempo reais.
Qualquer tentativa de predizer o futuro é uma busca do desastre. As pessoas instruídas cercam as predições cuidadosamente. Se as
predições se mostrarem verdadeiras, ou puderem ser interpretatadas como verdadeiras, elas validam aquele que as fez. Se a predição era
falsa ela é esquecida, ignorada ou realizada verbalmente. Como sistemas preditivos são construções perceptivas humanas, o sistema é
usualmente protegido quando os resultados não funcionam.
Quando as pessoas entendem e aceitam a subjetividade da percepção humana, elas adquirem um enorme poder sobre suas vidas. Elas
podem se proteger da manipulação ou—como muitos parecem fazer—entrar no ramo de administrar as percepções dos outros. O famoso
editor
CAUSA E EFEITO • 225
Henry Luce deu ordens à sua equipe editorial para “desprezar o contra- senso da objetividade”. Ele lhes disse que eles eram “pagos para tirar
conclusões e conclusões, e que era melhor que eles o fizessem”. A afirmação chocou um pouco o meio editorial da época, mas era
provavelmente corajosa. A maior parte da concorrência de Luce ainda enganava os leitores ingênuos com a mitologia da verdade objetiva.
Muitos ainda perpetuam o mito. Qualquer um que esteja disposto a aceitar o simplismo da “verdade não-enviesada” está preparado para
acreditar que “o McDonald’s faz tudo isto por você! ”
OS CONTROLADORES DE CAUSAS E EFEITOS
Catástrofes ambientais lançam milhares de espécies animais no ferro velho da extinção. Nenhuma espécie conhecida, contudo, levou a si
mesma em direção a esse derradeiro desastre. A extinção das espécies, na medida em que se pode determinar, foi sempre o resultado de
forças externas — clima, doenças ou desastres ambientais. Os seres humanos podem ser a exceção. Por meio de percepções fabricadas pela
linguagem e pela cultura, instrumentos de educação e progresso considerados de forma apenas superficial, as pessoas podem já ter-se
condenado à extinção. Elas mostram extrema vulnerabilidade à persuasão, à bajulação, às fantasias de causa e efeito, a profecias
auto-realizadoras. A manipulação destes elementos pode resultar em lucro e poder, mas eles constituem o calcanhar de Aquiles da civilização.
Dia após dia, ano após ano, década após década, a população dos EUA é doutrinada com idéias e expectativas de que para cada efeito
deve haver uma causa. Cada anúncio transmite uma idéia de causa e efeito inerente e simplística. Os anúncios nos ensinam muito sobre a
lógica e os processos de pensamento, bem como sobre valores. A causalidade é também uma das principais preocupações de fontes de
notícias e informação, livros, novelas de TV e comédias de costumes, letras de rock, discursos políticos e mesmo da formação universitária. É
praticamente impossível encontrar uma relação de causa e efeito qualificada como conhecida, desconhecida, incognoscível, ou em.
combinações destas três classificações.
Um trabalho literário voltado para a realidade pode fazer sucesso
• AOnuma peça encenada fora do circuito da Brodway ou numa novela publicada para uma elite leitora, mas nunca o faria junto à corrente
principal, voltada para a fantasia. Uma apresentação cuidadosamente qualificada destruiría as transmissões comerciais ou a mídia impressa. O
público tem sido treinado para esperar mensagens simples e diretas com o mínimo possível de distrações por dados da realidade. Quando
essa orientação cultural se traduz na seleção da liderança política, na delineação da política externa, nos gastos com armas, nas questões de
segurança nacional, nas políticas sociais e de saúde pública, na educação e no planejamento e estratégias econômicas, a sociedade funciona
no nível intelectual de um filme de John Wayne, Clint Eastwood ou Sylvester Stallone. Respostas simples e geralmente violentas para questões
enormemente complexas estão prontamente disponíveis, com respostas de múltipla escolha limitadas a um punhado de alternativas verbais
simplísticas.
O pensamento unidimensional, simplístico, de causa e efeito, é uma das mais perigosas forças da Terra. Através da tecnologia da mídia
hoje disponível, os ideólogos podem manipular qualquer decisão ou política para que apareça como vontade coletiva do povo. O prêmio Nobel,
filósofo e matemático Bertrand Russel concluiu: “A razão de a física ter deixado de buscar causas é que, na verdade, essas coisas não
existem”. A única certeza real ao alcance da percepção humana é a incerteza.
A incerteza podería se tornar a fonte de alegria, inovação, criatividade, excitação e múltiplas perspectivas humanas intermináveis, e o
desafio da aventura intelectual. A única certeza real na vida humana é a morte. Contudo, na medida em que a incerteza for temida as pessoas
continuarão sendo títeres submissos na luta por lucro e poder.
O MT.NOSPRF.7AnO INCOGNOSCÍVEL
Numa tentativa de estudar o raciocínio simplístico de causa e efeito, foram dados a certo número de sujeitos vários dilemas simples e
interpessoais. Menos de 10% conseguiu qualificar a causalidade como desconhecida ou incognoscível. Sua auto-segurança era espantosa
enquanto eles definiam e delineavam a causa de cada efeito afirmado. A certeza sobre a causalidade geralmente é arrogante. Os poucos que
se mostraram preo
CAUSA E EFEITO • 2 2 7
cupados com elementos desconhecidos de causalidade eram pessoas voltadas para a ciência ou a matemática.
Curiosamente, contudo, somente 1% dos sujeitos lidou com a noção do incognoscível. A cultura norte-americana parece ignorar a realidade
percentual de que muito, se não a maior parte, de tanto uma causa quanto um efeito continuará incognoscível, ao menos verbalmente
incognoscível. Pouco do que parece evidente sobre realidades biológicas, físicas e psicológicas é conhecido e entendido ou mesmo pode
sê-lo. O processo perceptivo através do qual o conhecimento é possível é em si mesmo pobremente entendido. A maior parte deste grande
desconhecido é muito possivelmente incognoscível, ao menos em termos do conhecimento que prevalece neste momento.
Quando as pessoas pensam que elas sabem por que eventos, situações ou ações acontecem à sua volta, elas podem estar em grande
perigo. A estrutura simplística de causa e efeito está por toda parte nas ilustrações deste livro. A premissa básica de um anúncio é sempre
universal — comprar produtos, marcas, idéias e pessoas. O que você percebe sobre os benefícios (efeito) daquela compra normalmente não
tem nada a ver com a marca ou o produto real (causa). O efeito principal de um anúncio é na verdade a promessa de realização. Isto inclui
intermináveis gozos sensuais e indulgências da carne, fantasias escapistas e auto-adulação — “Espelho, espelho meu, há alguém mais bela
do que eu?”
Uma conseqüência da fantasia da causa-e-efeito é que absolutamente nada acontece realmente, a promessa não é nunca cumprida — a
causa é sem efeito. Nenhum efeito perceptível resulta da causa. Como predições não realizadas, um efeito faltante pode ser camuflado
conúnuando-se à procura das causas, até que a pessoa descobre uma que se ajusta ao efeito desejado.
Como uma grande parte dos anúncios para as motivações mais básicas, as verdadeiras conseqüências do efeito são freqüentemente o
oposto do efeito prometido — a síndrome do perdedor. O dr. William Masters, pioneiro na pesquisa sobre a sexualidade humana, uma vez
comentou: “Quando o motivo principal na vida de uma pessoa é ‘transar’ (screw), ela normalmente termina mesmo é parafusada (screwed) ”. A
promessa de ter uma relação sexual é a premissa motivadora básica nos anúncios.
O anúncio do gim Tanqueray (fig.5) promete subliminarmente aumentar sua ereção. Infelizmente, o álcool é um agente de depressão que
• realiza o oposto — uma castração quimicamente induzida. O anúncio da mistura para bolo Betty Crocker Super Moist (fig.6) promete
supero-me- decer a vagina da dona-de-casa. Tristemente, contudo, qualquer um que consome aquela massa com alto teor de gordura e sódio
pode ganhar tanto peso que as experiências sexuais reais tornar-se-ão poucas e espaçadas. O anúncio do Chivas Regai (fig.7) promete qúe o
homem terá seu pênis docemente afagado, mas ou por ele mesmo ou por outro homem. A promessa dos anúncios de Soloflex (fig. 10-12)
também parece ser uma adu- lação de homens por outros homens. Compre a Time, promete-se na capa (causa), e salve-se de um Gaddafi
(fig.9) sexualizado, que quer matar (kill-efeito). O número da Time continha como apoio a essa mensagem várias histórias sobre o crescimento
militar dos EUA, seu apoio militar a objetivos de política externa e a nobre cruzada contra o terrorismo — tudo isso financiado pelo dinheiro dos
que pagam impostos fluindo maciçamente para os cofres de grandes companhias que anunciam.
CAPÍTULO OITO
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS
A minha expectativa quanto à sua expectativa quanto à minha expectativa quanto à sua expectativa deveria nos fazer sair gritando em direções
opostas. Anônimo
Bem-aventurados os que nada esperam, pois eles nunca serão desapontados. Alexander Pope, Letterto Gay
O remédio nos EUA não é menos liberdade, mas uma liberdade real—e um fim à intolerância brutal das associações de desordeiros e de
patriotas demagógicos, e de todo o resto de pequenos mas sanguinários déspotas que fizeram da palavra americanismo um sinônimo de
coerção e crime institucionalizado.
Archibald MacLeish, TheNation, 4 de dezembro de 1937
A expectativa básica comunicada pela mídia comercial é a de sexo. Os anúncios nas revistas femininas se concentram quase que
exclusivamente em sexo, escapismo, comida e mais sexo. As revistas masculinas se concentram em sexo, escapismo, poder, domínio e
status— coisas que, em sua maior parte, como na mídia feminina, remetem ao sexo. A TV é a força educativa mais penetrante nos EUA. Um
estudo de 1987 sobre as três redes de TV, por Louis Harris, encontrou 65 mil referências sexuais transmitidas em anúncios e programas
durante o começo da tarde e as primeiras horas de noite. Referências sexuais atingem uma média de 27 por hora, incluindo nove beijos, cinco
abraços, dez insinuações sexuais, e uma ou duas referências diretas à relação sexual e a práticas sexuais pervertidas. É claro que o sexo
vende os anúncios que vendem os produtos dos comerciais.
Por outro lado, Harris teve de usar frações para contar referências por hora ao controle de natalidade (menos de 1/50 por hora), doenças
sexualmente transmissíveis (1/1 Opor hora) e educação sexual (1/17 por hora). O estudo não encontrou nenhum anúncio ou comunicação de
produtos ou serviços anticoncepcionais, exceto pelas muito poucas propagandas sobre a Aids. As apresentações do sexo eram
excessivamente romantizadas e irrealísticas. Poucas mensagens foram passadas sobre responsabilidade, conseqüências do comportamento
sexual e prevenção da gravidez. Cerca de oito de cada dez adultos entrevistados acreditavam
que a TV deveria transmitir alguma coisa sobre controle de natalidade. Um telespectador típico teria visto cerca de 14 mil casos de material
sexual por ano, mas somente 165 referências à educação sexual, doenças sexuais, controle de natalidade e aborto — à razão de uma em cada
85. O sexo vende comportamentos de compra, bem como comportamentos sociais. Harris estudou somente o conteúdo sexual
conscientemente óbvio. Se ele tivesse investigado as dimensões subliminares, os números teriam sido muito mais arrasadores. A mídia
comercial controla claramente sistemas de valores e expectativas das pessoas com relação aos comportamentos reprodutivos da nação.
A mídia impressa nos dá a oportunidade de estudar a tecnologia mais sutil da manipulação sexual. Luzes e sombras, linhas curvas, texturas
de pele e cabelos, posição dos olhos, traços sutis e diminutos são me- ticulosamente detalhados. A percepção humana é extremamente
sensível ao menor detalhe de figuras — muito mais sensível do que qualquer um suspeita. Um simples anúncio impresso pode custar US$ 50
mil em produção de arte e levar meses para ser feito, e anúncios para a TV custam de ÜS$ 50 mil a US$ 250 mil — tudo, no fim das contas,
pago pelos consumidores. As fotografias raramente são publicadas sem um amplo trabalho de retoque, mesmo fotos de notícias. A reprodução
final da reprodução da reprodução não tem nada a ver com a fotografia original. Inúmeros detalhes afetam a expectativa com a qual os
consumidores inconscientemente se identificam. A maior parte do aspecto de expectativa da percepção é subliminar.
O anúncio de Kent (fig. 23) apareceu nas contracapa da Time e de várias outras publicações norte-americ',nas. A Time cobra cerca de US$
175 mil pela contracapa de sua edição nacional. O modelo representa um homem de negócios bem-sucedido em seu restrito clube de tênis. No
fundo, à esquerda, aparece uma pasta do executivo e uma raquete de tênis, à direita um armário de vestiário. Um elegante terno e gravata
esperam por trás do modelo. Ele se secou com uma toalha boa e felpuda, depois de jogar tênis e tomar banho, e um cigarro aceso há pouco
pende de sua boca. A parte inferior de seu corpo, nua, está fora da figura mas é projetivamente preenchida por quem olha. Este preencher é
um processo perceptivo tanto consciente quanto inconsciente, muito estudado pelos psicólogos da Gestalt, e os observadores são sempre uma
parte da construção perceptiva de um anúncio.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 233
A postura do modelo é de ostentação. Seu olhar é fixo, aparentemente perdido no espaço, pensativo; seus olhos foram retocados, as
pupilas aumentadas, como ficam durante excitação emocional ou sexual. O artista também acrescentou um toque de dissonância, o
estratagema principal da informação subliminar. Os olhos esquerdo e direito do modelo estão dirigidos a diferentes pontos do espaço. O cigarro
não pende passivamente, nem aponta para cima numa posição ereta. O ângulo sugere os primeiros estágios de excitação, agora que o
trabalho e o exercício estão feitos. O modelo é bronzeado, atlético, e seus cabelos ainda estão molhados do banho, a face mostra leves rugas
sugerindo maturidade, uma pessoa que conhece a vida. Os cabelos crespos se identificam com pelos pubianos. A expectativa do modelo foi
sutilmente trabalhada na figura. Depois que ele tiver fumado seu Kent, relaxado e se vestido, sua expectativa imediata é de um encontro
sexual. A palavra SEX aparece repetidamente embutida em seu cabelo, em seu corpo, na textura da toalha. Retoques com aerógrafo são
perceptíveis nos detalhes do rosto — especialmente as sobrancelhas, as linhas sob os olhos e a linha do maxilar direito.
Os detalhes descritos acima são sutis, extremamente importantes para o artista que trabalhou a figura, para o fabricante dos cigarros, e
para o potencial de vendas do anúncio. Os consumidores lêem o anúncio numa olhadela ou, no máximo, em alguns segundos. Estes detalhes
— que custam caro — não são nunca registrados conscientemente. Os leitores homens podem inconscientemente reagir em duas diferentes
direções, ou talvez nas duas ao mesmo tempo. Eles podem se identificar com a expectativa aparente do modelo: “Eu sou como ele, somos
iguais. Gos^ to de sexo depois de fazer exercício. O Kent é uma maneira de relaxar. Vamos fazer isto juntos, antecipando o sexo.” Ou eles
podem sentir uma atração homossexual latente e inconsciente pelo modelo. Seu pescoço, tórax e órgãos genitais estão expostos para o leitor
homem. Como bem sabem e muito estudaram os editores de revistas de cultura física, os homens são fortemente atraídos pelos corpos de
outros homens. Esta atração pode ser consciente ou inconsciente. Uma estratégia similar foi utilizada nos anúncios de Soloflex (figs. 10-12). A
atração poderosa visa tendências homossexuais latentes ou reprimidas compartilhadas pela maioria dos homens, se não por todos.
O anúncio foi somente uma experiência momentânea para a maior parte dos cerca de 25 milhões de leitores da Time. A estratégia manipulado-
ra, contudo, atingiu poderosamente muitas pessoas—inclusive não-fuman- tes. Para justificar o investimento de milhões de dólares, um
número suficiente de Kents teve de ser vendido pelo anúncio para gerar lucro para a empresa. Se houvesse a menor dúvida sobre o potencial
de vendas do anúncio, ele podería não ter sido nunca publicado.
Expectativas fantasiosas são também usadas em anúncios dirigidos a mulheres. Assim como os homens, as mulheres são
implacavelmente manipuladas para o uso de determinados produtos, para a preferência por certas marcas, e para a identificação com o
anúncio através do apelo para expectativas de comportamento reprodutivo. Estas às vezes assumem formas cu iosas. Muito pouco é o que
parece ser. A constante manipulação pode evocar grande confusão, insatisfação e mesmo desconforto físico consciente.
O anúncio do mousse para modelar cabelos Alberto mostrado na figura 24 apareceu na Cosmopolitan e em outras publicações femininas.
As expectativas comunicadas pelas três modelos são libidinosas. O ménage à trois inclui uma mulher com cabelo masculino e enfeites
retangulares e masculinos na orelha. Ela parece enamorada pelo homem, acariciando amorosamente seu pescoço com sua mão direita; a mão
esquerda está escondida à visão, mas sua posição é preenchida perceptivamente em nível inconsciente. O modelo olha convidativamente para
o leitor enquanto afaga os cabelos da modelo em primeiro plano. Esta olha diretamente, quase desafiadoramente, para o leitor. Sua expressão,
cuidadosamente trabalhada, é convidativa e desafiadora. ‘"Venha!”, é o que diz sua expressão. “Se você se atreve!” Os modelos estão vestidos
formalmente para uma noite cara na cidade. O ménage à trois, ou a quatro, se se inclui o leitor, parece uma expectativa lógica para qualquer
um que compre um frasco fálico do mousse da moda, Alberto Mousse European. La mousse, em francês, significa espuma — uma imagem
seminal.
Aquele anúncio tão caramente produzido foi cuidadosamente retocado. As expressões faciais foram construídas, os cabelos retocados, a
mão direita do homem foi pintada. Se tapamos a mão deixando de fora apenas o polegar, este parece um pênis ereto, apontando para cima,
não para uma das duas modelos, mas narcisicamente para o próprio homem.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS «2 35
O brinco cúbico da mulher masculinizada também foi pintado na figura. Sua caixinha pende de sua orelha, aberta para todos. A questão de
quem faz o que para quem no ménage podería fazer uma leitora da Cosmopolitan fantasiar toda a noite se os detalhes fossem percebidos
conscientemente. Eles não o são. As horas gastas no caro processo de produção e planejamento da arte tiveram como objetivo uma
percepção instantânea, inconsciente. Sem percepções inconscientes, os anúncios são um desperdício de tempo, de recursos e dinheiro. As
expectativas das três modelos cuidadosamente projetadas, venderam milhares de galões de mousse sem que ninguém compreendesse o jogo.
O que todo este ardil inflige sobre a personalidade, a saúde emocional e as expectativas de vida real da leitora, é terrível.
As expectativas propostas pelos anúncios permanecem insatisfeitas, exceto em fantasia. Muitos anúncios se dirigem especificamente a
fantasias masturbatórias, colocando continuamente expectativas novas e mais bizarras diante de consumidores ingênuos. O comportamento
reprodutivo, para muitos consumidores, permanece em níveis imaturos de fantasia por toda sua vida. A fantasia sexual põe em movimento as
máquinas de venda da mídia comercial. As realidades sexuais, por outro lado, crescem em direção a uma sobremesa de expectativas não
satisfeitas e não passíveis de serem satisfeitas.
A FORÇA DA EXPECTATIVA
O que dissemos acima é típico do meio milhão de anúncios percebidos anualmente por todo no país. Seria tolo acreditar que esta imersão
constante e profunda na sexualização da fantasia não tem nenhum efeito sobre quem as pessoas pensam que são, aonde elas se percebem
indo, e o que elas têm se tornado enquanto nação ou cultura. Os anúncios condicionam as pessoas a ver os outros como estereótipos, não
como pessoas. A ar- regimentação desumanizada de expectativas com relação a si mesmo e aos outros faz dos relacionamentos da vida real a
mercadoria mais perecível da sociedade norte-americana. A realidade não pode nunca competir com a fantasia em um mundo no qual as
fantasias controlam sistemas de valores básicos.
Não existe nenhuma comunicação entre seres humanos que não tenha um objetivo. Tudo o que transparece perceptivamente — a maior
parte no nível inconsciente — afeta os relacionamentos humanos. Nós interagimos sensivelmente e continuamente em níveis conscientes e
inconscientes. Na cultura dominada pela mídia, as expectativas interpessoais são modeladas a partir de estereótipos.
A comunicação interpessoal envolve uma série enorme de táticas e estratégias^ representações de papéis, tentativas de manobrar outros
em papéis complementares ou subsidiários, e variações freqüentes na maneira segundo a qual as pessoas se retratam. Todo comportamento
humano, seja por motivos conscientes, está basicamente buscando um objetivo. O interesse pessoal está envolvido mesmo no comportamento
mais altruístico. A questão dos motivos é essencial para que se possa ver um sentido na comunicação humana. O motivo dos anúncios é
simples e singular— vender, vender, vender, ad infinitum, tanto em nível consciente quanto em nível inconsciente. O que manipuladores
comerciais tentam fazer pode ser avaliado por este simples motivo. O sucesso ou o fracasso é empírica, rigorosa e cientificamente avaliado
pelo esforço, pelos gastos e pelas vendas.
Na literatura e nas belas artes — por outro lado — a motivação não é nunca simplística. Os motivos do artista são extremamente
complexos. Em certo sentido, os grandes artistas e escritores queriam também vender — seu trabalho, suas habilidades, suas reputações. Mas
outras forças motivadoras fortes aparecem. DaVinci, de acordo com Sigmund Freud, refletiu sua homossexualidade em seu trabalho criativo.
Pablo Picasso foi durante toda a vida comunista (embora multimilionário), e em seu trabalho transparece um forte comentário social sobre a
ganância, a conformidade e a arregimentação da sociedade capitalista. Picasso também teve enormes dificuldades com as mulheres; isto se
refletiu em muito de sua produção criativa. Os motivos por trás da pintura de Picasso são difusos, complexos, geralmente contraditórios, e
espelham a percepção singular que o artista tinha do mundo e de seus povos. A maior parte do que é considerado arte e literatura significativa
é complexa. Talvez seja por isto que a arte sobrevive durante os séculos como uma experiência humanâ significativa.
Embora a tecnologia dos anúncios e das estratégias de relações-pú-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 237
blicas seja aterradora e as estratégias sejam brilhantes, complexas, sinuosas, exaustivamente pesquisadas e custosamente executadas, os
motivos permanecem simplísticos. O motivo é sempre a manipulação com vistas ao poder e ao lucro, não a uma iluminação ou a um insight
mais profundo sobre a condição humana.
As expectativas na comunicação humana são em grande parte influências inconscientes recíprocas. Somos todos influenciados pela
expectativa em níveis de percepção sobre os quais temos pouco controle ou dos quais temos pouca consciência. Sempre que alguém é
categorizado, rotulado ou tem seu papel definido — estereotipado —, comportamentos, características e ações são esperados. Dentro de todo
sistema cultural, espera-se que vários grupos se comportem de certa maneira mais ou menos específica. Se eles falham em corresponder,
uma variedade de reações pode ser antecipada — surpresa, raiva, desapontamento, temor ou mesmo desgosto. Se as expectativas forem
respondidas de forma inconsciente, a reação é imprevisível, mas provavelmente será agressivamente negativa.
Em vez de se preocupar inutilmente em ser amadas ou respeitadas, as pessoas deveríam se preocupar com o que os outros esperam
delas. As expectativas governam o futuro dos relacionamentos. Quando as expectativas são conscientemente conhecidas, deliberadas e
utilizadas, as pessoas conseguem maior controle sobre as situações.
Há normalmente sanções aplicadas àqueles que são percebidos como violadores de expectativas conscientes e inconscientes. Os que se
desviam ou quebram as regras são punidos, algumas vezes severamente (as penalidades são menores se os violadores têm um reconhecido
status elevado). A maior parte das pessoas em qualquer cultura procura relacionamentos previsíveis, nos quais as expectativas sejam
confiavelmente atendidas. Os que se desviam das normas são evitados.
Nas competições, atléticas ou intelectuais, a manipulação das expectativas do oponente é vital para o sucesso. Nos esportes populares, os
jogadores bem preparados opõem força bruta, perseverança e raciocínio unidimensional uns aos outros até que fiquem exaustos, sejam
sobrepujados e vencidos. Uma brutalidade irrefletida e destruidora é representada interminavelmente nos estádios norte-americanos.
E curioso que a cultura dos EUA, de modo quase exclusivo, conside
re as confrontações atléticas que testam força, brutalidade e dedicação cega como um retrocesso cultural a experiências antigas próprias de
regiões pouco civilizadas. Mais curiosamente ainda, nossas relações internacionais tradicionalmente se baseiam mais em ameaças, no
emprego da força, na política do porrete, do que nas habilidades mais sofisticadas de arbitragem, persuasão e compromisso ou na aplicação
jeitosa de estratégias de manipulação de expectativas. Os EUA parecem anti-intelectuais para a maior parte do mundo.
Por outro lado, as estratégias de manipulação de expectativas tor- nam-se altamente sofisticadas entre mestres artesãos. Uma tentativa de
transcrever o que está acontecendo numa confrontação de expectativas tornar-se-ia pedantemente complexa. Tais táticas competitivas são
não-verbais e não-conscientes, em sua maior parte. Quando as estratégias funcionam eficazmente entre dois oponentes habilidosos, o
confronto torna-se uma obra de arte. As investidas e as defesas, os ataques e os retrocessos, os movimentos e os contramovimentos operam
intuitiva e rapidamente. Os jogadores parecem psicanalizar as expectativas do outro num nível sutil, não observável, inconsciente. Cada um
tenta atrair o outro para as armadilhas da ação antecipada — uma expectativa fingida ou real é contraposta a uma expectativa fingida ou real.
Cada jogador tenta confundir os outros, a próxima ação e impedi-los de saber se fingida ou real. Oponentes intelectualmente habilidosos
podem transformar um embate físico numa experiência intelectual e estética intensa.
Um carateca faixa preta 5S dan descreveu a competição nas artes marciais como as percepções sensíveis inconscientes de um oponente
confrontadas com as percepções inconscientes de outro. Neste nível, o jogo é demasiado complexo, rápido e sutil para ser decidido
conscientemente. As pessoas trocam continuamente informações das quais não estão conscientes, e estas informações afetam
poderosamente o comportamento. Cada comunicação de dados limita o número de possíveis movimentos subseqüentes. Os motivos e as
estratégias para realizar os objetivos se reduzem rapidamente do geral para o específico. As regras subjacentes ao jogo não são nunca
afirmadas explicitamente, e poderiam deixar de ser impositivas ou significativas se expressas num contrato exaustivamente verbalizado.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 239
O STRESS DA EXPECTATIVA
As expectativas influenciam nossa suscetibilidade às doenças. Praticamente todas as doenças são afetadas pela percepção que o paciente
tem da situação de sua vida. A suscetibilidade aumenta quanto mais se desce no nível sócio-econômico — especialmente no caso daqueles
que têm pouco acesso à medicina. As doenças freqüentemente se relacionam a condições de vida em locais superpopulosos, a más condições
de higiene e nutrição deficiente, a empregos mais estressantes, à baixa perspectiva de sucesso e â utilização crescente da mídia comercial. A
doença não é distribuída aleatoriamente pela população. Os mais suscetíveis parecem ver suas vidas como difíceis, exigentes e insatisfatórias.
Mudanças drásticas — morte na família, divórcio, perda do emprego, aposentadoria etc. — também aumentam em muito a suscetibilidade à
doença. A consciência de ter opções e estar livre para escolhê-las reduz significativamente o stress.
Nenhuma doença, é lógico, é causada exclusivamente por problemas advindos de condições precárias de vida. As expectativas de uma
pessoa — de adaptação ou ajustamento social — são, contudo, um fator principal no desenvolvimento de muitas enfermidades, inclusive de
problemas do coração, do rim, de pressão alta, eclampsia, artrite reumática e reumatóide, doenças inflamatórias da pele e olhos, infecções,
doenças alérgicas ou de hipersensibilidade, câncer e disfunções metabólicas.
O stress, é claro, é um produto de expectativas — o que pensamos de nós mesmos e o que sentimos que os outros pensam de nós. Estas
expectativas normalmente determinam se teremos de suportar o stress ou escaparemos dele. Vários estudos sobre o stress descobriram
mudanças bioquímicas — como respostas endócrinas — relacionadas a situações estressantes. Em resposta ao stress, o corpo normalmente
passa por três estágios:
1. Reações iniciais de alarme — o nível de anticorpos cai abaixo do normal.
2. O corpo mobiliza seus recursos para resistir.
3. Se o stress não se reduz, ocorre a exaustão final e o nível de anticorpos cai muito abaixo do normal.
A maneira de perceber o stressvaria muito de uma pessoa para outra. O stress em si mesmo não pode nos fazer mal. Os problemas advêm
da percepção de estar numa situação estressante: a suspeita de não ser capaz de vencê-lo aumenta a suscetibilidade à doença. As influências
subliminares podem iniciar ou manipular as percepções tanto das perspectivas quanto do stress.
O efeito da expectativa sobre a saúde é demonstrado em experimentos com placebos. O placebo é uma substância não medicamentosa e
inerte que o paciente acredita ser um remédio. Placebo significa “agradar”. Até cerca de cem anos atrás, quase todas as medicações e terapias
eram placêbicas. Elas funcionavam, durante algum tempo. Os efeitos do placebo envolvem as expectativas do paciente — fé, esperança e
antecipação da cessação do sofrimento. Muitos remédios modernos são apenas placebos cuja propaganda faz aumentar as expectativas de
eficácia.
Em numerosos estudos, placebos funcionaram entre 25% e 40% do tempo como analgésicos pós-operação. Os placebos, ou as
expectativas, chegam por si mesmos a produzir mudanças fisiológicas. A eficácia dos remédios verdadeiros é aumentada ou diminuída pelas
expectativas do paciente, e pelo grau de entusiasmo de uma equipe médica.
As expectativas têm sido relacionadas também à chegada e ao momento da morte. A maioria das pessoas de idade vê a aposentadoria
como fim da linha. A mortalidade, tanto para os homens como para as mulheres, dobra depois de sua aceitação. Sabe-se que a desistência
psicológica nos campos de concentração nazistas era algo fatal. A desistência envolve uma percepção de impotência, de incapacidade de lutar
e vencer, uma vontade de viver diminuída — geralmente uma sentença de morte auto- imposta.
Estudos de mortes por meio do vudu também demonstram efeitos psicogênicos fatais da expectativa de morte por maldição. Indivíduos
amaldiçoados normalmente olham para seu destino como algo que lhes escapa ao controle — uma perda de volição. Não é infreqüente que
mortes preditas venham de fato a acontecer. Expectativas negativas são também aspectos fundamentais de comportamento suicidas.
As expectativas de sucesso são extremamente importantes. Em tarefas com as quais não se está familiarizado, a percepção de si mesmo
como capaz de ser bem-sucedido normalmente deriva de uma comparação com
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 241
outros. As percepções de si mesmo evocam profecias auto-cumpridoras. Uma grande expectativa de provável sucesso melhora o
desempenho; uma expectativa reduzida — ou pior, o pessimismo — produz um desastre mo- tivacional. Uma avaliação negativa das
possibilidades de sucesso pode provavelmente garantir o fracasso, destruindo a vontade da pessoa de responder com esforço e vigor
sufícentes ao desafio da realização.
Em estudos sobre disfunções sexuais, Masters e Johnson descobriram que o sucesso orgásmico é freqüentemente baseado na expectativa
quanto ao próprio desempenho e na percepção das expectativas do parceiro. A capacidade das mães de amamentar suas crianças é
fortemente influenciada por suas expectativas com relação a si mesmas e aos outros. Se as mães acreditam que serão bem-sucedidas em
amamentar seus filhos, elas provavelmente o serão. Se uma pessoa pensa que os outros pensam que ela vai falhar, este próprio fato contribui
para o fracasso.
Quando as pessoas se envolvem em situações indefinidas ou buscam metas não-familiares, elas tratam primeiro de aprender como os
outros no sistema se relacionam entre si e no tocante às suas respectivas metas. A hierarquia social é extremamente importante para os
recém-chegados assumirem sua posição de entrada. A metacomunicação, uma sinalização complexa sobre o significado de outros atos de
comunicação (cf. Bate- son, A Theory ofPlay) acontece como um esforço premeditado tanto consciente como inconsciente. Os
recém-chegados querem garantir que avaliações impróprias de papéis dirigidos aos objetivos não ocorram acidentalmente, através de lapsos
de linguagem ou como produto de métodos impróprios. Informar o nome, a posição e a experiência é o método usado para legitimizar tanto o
papel quanto a credibilidade da informação. No fundo, eles dizem indiretamente: “Acredite no que eu digo por causa do que eu sou”. As
pessoas se comportam dessa maneira diante das expectativas que têm de si mesmas e dos outros em praticamente todos os sistemas
culturais conhecidos.
O jogo parece ser universal. As estratégias são tanto verbais como não-verbais. Negar que estas estratégias existem é em si mesmo uma
estratégia. As expectativas são comunicadas por posturas sutis, tonalidade e inflexão, mudanças mínimas nos músculos faciais, pela troca de
olhares ou pelo evitar fazê-lo, pela escolha de roupas e, em situações estressantes, pelos estímulos olfativos. O que parece transparecer em
níveis conscientes pode ser completamente contraditado em níveis inconscientes, ou ambos os níveis podem se reforçar mutuamente.
As pessoas trazem em suas cabeças descrições estereotipadas de grupos que incluem russos, chineses, japoneses, latino-americanos,
árabes, judeus, cristãos, mulçumanos, budistas, católicos, republicanos, democratas, comunistas, socialistas, anarquistas, caubóis; a lista é
interminável. As descrições são fictícias, falsas; no que tange aos fatos são um puro con- tra-senso sem sentido, em termos das realidades
complexas descritas pelos rótulos. Muito da educação formal é dirigida para a destruição dos estereótipos. Eles no entanto persistem. Os
estereótipos são fabricados mais intensamente em certas culturas do que em outras.
As culturas treinam e disciplinam seus membros para esperar que certas características se reúnam tanto em pessoas como em grupos. A
expectativa com relação aos outros normalmente inclui categorias amplas usadas para descrever as habilidades, atitudes, interesses, traços
físicos, traços de personalidade e comportamentos conscientemente percebidos — ou antecipados — nos outros. São crenças sobre quais
características se agrupam melhor na expectativa relativa a uma personalidade, e quais não. Por exemplo, no momento em que uma
personagem é introduzida numa história jornalística, num anúncio ou numa novela, toda uma hierarquia de expectativas estereotipadas surge
no público. Alguns dados sobre uma pessoa ou um grupo evocam características do arquivo cultural ou das expectativas estereotipadas do
público. Percepções conscientes e inconscientes projetam expectativas de comportamento e as características que produzem esse
comportameato.
A FANTASIA DA SINCERIDADE
Uma expectativa cultural básica transmitida pela mídia comercial é a de sinceridade. Modelos, noticiaristas de TV, heróis e mesmo vilões
estabelecem coletivamente um estereótipo nacional da sinceridade. A sincerida-
r
de fabricada pela mídia é um exemplo de como as palavras e as imagens, além, de informar, escondem. A sinceridade é verbalizada como a
suprema realização no desenvolvimento da personalidade. Os líderes não têm de ser realmente sinceros, mas eles devem parecer sinceros.
Parecer con-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS *243
vincentemente sincero requer uma sinceridade da mais alta magnitude. Pessoas medianas destreinadas e despreparadas não poderiam atingir
tal aparência.
Pessoas, gravatas, roupas e incontáveis artefatos, bem como situações sociais cuidadosamente preparadas, reforçam nossas expectativas
de sinceridade. Expectativas estereotipadas de sinceridade erigem um ideal perceptivo para relacionamentos interpessoais. A população é
constantemente admoestada, verbalmente e não-verbalmente, para ser sincera. Esta é uma preocupação cultural tão grande que sugere um
temor da insinceridade profundamente arraigado. Qualquer suspeito de insinceridade é evitado. Se, no entanto, uma percepção voltada para a
realidade entrasse na avaliação, pessoas excessivamente sinceras seriam abordadas com extremo cuidado.
A sinceridade é geralmente encarada como uma postura ou imagem honesta, amigável, correta, pacífica e transparente. A sinceridade
perceptiva nos ajuda a sentir que tudo é aquilo que parece ser. Nada é ocultado ou camuflado. A consistência é uma exigência indispensável
da sinceridade. Pessoas incoerentes não devem ser dignas de confiança, mesmo se elas apesar disso parecem sinceras. E, contudo, uma das
poucas generalizações válidas que se pode fazer a respeito dos seres humanos é sobre sua incoerência. Nós sofremos constantes mudanças
em resposta a condicionamentos, a eventos, a novas informações, a valores, a processos fisiológicos etc. Tenha cuidado ao lidar com qualquer
um que tente projetar a coerência como um aspecto da sinceridade!
A sinceridade não pode se tornar um valor social significativo sem um ímpeto fornecido pela insinceridade. É inerente à verdade esconder a
mentira. Valores inversos podem ser percebidos só inconscientemente, mas estão sempre lá — escondidos, esperando uma oportunidade para
emergir. Para que os profissionais de venda possam fingir convincentemente, para que os apresentadores do rádio e da TV possam mentir e
iludir, para que os líderes políticos possam manipular, eles devem em primeiro lugar aprender como as audiências percebem a sinceridade.
Várias disciplinas em cursos superiores ensinam como falar e escrever com aparente sinceridade, um esforço realizado com uma insinceridade
calculista. E possível ser bastante sincero sobre a insinceridade, especialmente quando dinheiro ou poder estão envolvidos.
A percepção estereotipada da sinceridade é um padrão cultural fácil de descobrir. Qualquer comercial na TV ilustra o conceito. Vozes
suaves, articuladas, calorosas, amigáveis surgem de atores agradáveis, que passam uma sensação de segurança e sorriem com a solene
integridade e o ar de sacerdotes e cirurgiões. Observe as roupas cuidadosamente selecionadas, coordenadas com o produto e com a situação
fictícia, a postura de autoconfiança e de autoridade no assunto, e acima de tudo o constante contato visual. Os atores são mentirosos muito
bem treinados, preparados e remunerados. Quanto mais convincentemente eles mentem, melhor é sua remuneração. Um ator habilidoso
podería mesmo terminar como presidente.
Na cultura dos EUA, olhar nos olhos é essencial para a credibilidade. Alguém que o olhar diretamente nos olhos é visto como dizendo a
verdade. No Oriente Médio ou nas culturas latinas, por outro lado, um olho-no- olho firme é considerado' geralmente como rudemente
agressivo. Nos EUA, as crianças aprendem primeiro a mentir com seus olhos — um comportamento que será reforçado pela mídia por toda a
sua vida. Se as pessoas aprendem a olhar os outros no olhos longamente e sem hesitações, elas podem contar impunemente mentiras
colossais, que de outro modo seriam rejeitadas de imediato. Os noticiaristas da TV parecem estar olhando diretamente nos olhos de cada um
dos telespectadores (é claro que o que eles estão realmente fazendo é ler o script em frente à câmera).
O arremedo de sinceridade da mídia é raramente desafiado. Como visitantes estrangeiros geralmente comentam, os norte-americanos são
extremamente desconfiados dos outros. Nós somos relutantes para confiar mesmo em nossos vizinhos, e contudo raramente questionamos a
validade das mensagens que jorram da mídia.
Uma companhia dos EUA realizou um demorado processo seletivo para a vice-presidência de uma nova e importante divisão subsidiária.
Cinco finalistas foram por fim selecionados por um executivo. Todos eram homens de cerca de cinqüenta anos, com importantes realizações e
muitos diplomas, e gozavam de uma substancial confiança pública e privada em sua integridade. Pelo currículo, todos pareciam igualmente
especiais, realizadores e capazes. Escolher o melhor comparando os dotes — ao menos como eles apareciam no papel — era difícil, se não
impossível. Cada um deles era também habilidoso para exercer o
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS *245
papel de candidato com habilidade e sensibilidade, sempre agindo em função das expectativas percebidas no comitê.
Um candidato, bem mais do que os outros, parecia mais apropriado para o cargo — alto, forte, elegante, grisalho —, o arquétipo visual do
executivo importante. Visualmente ele transmitia uma síntese do que Gregory Peck, Charton Heston e Henry Fonda teriam parecido em papéis
de executivos de meia-idade. Em comparação, a aparência física dos outros candidatos não impressionava nem um pouco. O comitê o
contratou.
O novo vice-presidente organizou com sucesso a divisão subsidiária. No fim do segundo ano, contudo, ele pediu demissão e logo fundou
uma companhia rival da qual ele próprio era o presidente. Ele pirateou cerca de uma centena de engenheiros e cientistas, recrutados para se
juntarem à empresa criada. Tentando descobrir o que acontecera, membros do comitê executivo concluíram dolorosamente que eles tinham
sido iludidos pela esperta manipulação que o candidato havia feito de suas expectativas. Eles não investigaram, é claro, o porquê de terem se
deixado iludir em vez de terem questionado suas próprias posições.
TRABALHANDO A EXPECTATIVA
Esse tipo de desastre é comum em instituições sociais e econômicas de todo o mundo. Uma vez que situações ou pessoas são definidas
perceptiva- mente como reais (elas existem), para todos os fins elas são reais—até que no fim provem o contrário, o que geralmente acontece.
Uma estratégia muito mais confiável adiaria avaliações definitivas até que o próprio comportamento confirmasse ou negasse impressões
preliminares. Mesmo depois, uma avaliação e uma testagem contínua das próprias impressões deveria ser mantida.
As expectativas influenciam o comportamento tanto da pessoa que tem a expectativa quanto da pessoa a respeito de quem se cria um
expectativa. Não importa muito se as expectativas são positivas ou negativas. Expectativas negativas na verdade encorajam ainda mais
comportamentos ilusórios. Expectativas positivas levam as pessoas a ignorar fatos, impressões ou riscos negativos. Não importa quanto sejam
planejadas, as expectativas humanas são construções fictícias que podem levar ao desastre se não forem constantemente postas à prova.
Muitos gerentes de pessoal se educam para desprezar as aparências, ao mesmo tempo em que sabem que isto não é nunca totalmente
possível.
Para aumentar a probabilidade de suas expectativas serem satisfeitas, as pessoas comunicam-nas através de olhares, evitando olhar nos
olhos, chamando o outro pelo nome e revelando o próprio nome, cooperando, competindo e fazendo movimentos faciais e corporais tão
ínfimos quanto um quinto de milímetro. Comportamentos verbais e não-verbais deixam os outros saberem como estão sendo percebidos em
relação a nós mesmos. A comunicação sutil de expectativas já fôra documentada em experimentos que remontam no mínimo a 1904. Clever
Hans foi o “cavalo falante” alemão que ficou mundialmente famoso. Ele parecia conversar dando respostas a questões batendo no chão com a
pata dianteira — uma batida para A, duas para B etc. Ele tinha, segundo parecia, aprendido o alfabeto. Um grupo de treze cientistas e
especialistas — membros da Academia de Ciência da Prússia e da Universidade de Berlim — relataram que seus estudos tinham excluído a
possibilidade de fraude ou comunicação não-intencional do proprietário. Conferiram-se honras a Clever Hans, que foi proclamado uma
respeitável e importante descoberta científica.
Vários meses depois o único cético do comitê descobriu que Clever Hans não conseguiu responder às questões sem observar seus
questiona- dores. O cavalo lia—como de fato a maior parte deles é capaz de fazer — sinais que as pessoas constantemente transmitem, sobre
os quais elas normalmente não têm nenhum controle e dos quais elas estão normalmente inconscientes (esta é uma das razões de os cavalos
serem tão amados por seus donos).
A sensibilidade de Clever Hans às expectativas dos especialistas é que era responsável pelos notáveis feitos de inteligência. O cavalo
parava de bater a pata quando sentia que era isso o esperado. Os especialistas estavam totalmente inconscientes de que estavam enviando
sutis mensagens de expectativa. O fenômeno Clever Hans já foi demonstrado experimentalmente com cavalos, porcos, cães e outros animais.
Se os seres humanos fossem tão sensíveis perceptivamente como os animais, eles poderiam evitar desastres aos quais cegamente se
submetem.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 247
Indivíduos estigmatizados, contudo, estão mais aptos para captar as expectativas dos outros, às vezes apenas inconscientemente. Existem
três amplas áreas de estigma: afiliações étnicas ou religiosas; desvios de personalidade ou de comportamento; e deficiências físicas.
As pessoas geralmente se sentem desconfortáveis perto de indivíduos estigmatizados, e tentam esconder este fato demostrando uma
delicadeza benevolente ou condescendente. Este tipo de comportamento é normalmente claro para os estigmatizados, mas qualquer resposta
direta à hipocrisia percebida seria interpretada como ingratidão. Eles terminam por se sentir frustrados e entristecidos com um relacionamento
fraudulento. Praticamente qualquer negro, latino-americano, árabe, asiático ou deficiente físico que viva nos EUA pode discutir este dilema com
considerável detalhamento.
Os estigmatizados normalmente desenvolvem uma auto-expectati- va que se conforma às expectativas dos outros. Têm consciência de não
serem amados, ou serem considerados inferiores. As expectativas estereotipadas podem evocar comportamentos que refletem o estereótipo, o
que usualmente provoca e reforça ainda mais a rejeição e a discriminação, ou o tratamento insincero. O mecanismo é perpétuo, em grande
parte inconsciente e mortal em seu potencial de destruição.
E impossível esconder dos outros as nossas expectativas. Pessoas percebidas por outros não podem evitar comunicar-se em muitos
níveis. Além disso, todos estão constantemente correndo o risco de expressar lapsos e informações não esperadas. Não é nunca o que foi dito
que conta, mas o que foi percebido como tendo sido dito. Ninguém pode optar por deixar o jogo, a menos que queira viver sozinho numa ilha
deserta. É mais sábio tentar entender as estratégias e aumentar a chance de ter sucesso. Ojogo não pode ser encerrado, mas ele pode ser
vencido por meio de um conhecimento do que está acontecendo.
Há várias limitações, contudo, cercando a possibilidade de trabalhar conscientemente uma comunicação interpessoal complexa.
Desempenhar um papel para alcançar um determinado objetivo é normalmente algo detectável. Embora possam reprimir uma consciência de
fraude, é provável que mais cedo ou mais tarde as audiências respondam negativamente. Vários comerciais de TV de âmbito nacional foram
testados com pessoas cegas de nascimento. Nas pessoas normais, a percepção vi-
suai domina e suprime a sensibilidade dos outros sentidos. Os cegos invariavelmente descreviam os atores como “insinceros”, “indignos de
confiança”, “fingidos”, “hipócritas”, “falsos”, “desonestos”, “trapaceiros”. Depois de assistir e ouvir o mesmo comercial, pessoas não-cegas
descreveram os atores em termos positivos e elogiosos.
Tanto os cegos como os normais ouviram as mesmas vozes. Num nível inconsciente, indivíduos normais devem ter percebido o que os
cegos perceberam conscientemente. Mas os normais reprimiram a consciência de serem manipulados e permitiram a predominância de uma
projeção visual agradável e interessante, e de truques de identificação. A consciência de ter sido enganado normalmente emerge mais tarde
em questões de confiança, honestidade e integridade.
As aulas dos cursos superiores nas áreas de propaganda, relações públicas, marketing e administração são muito piores do que apenas
sem valor. Elas oferecem ao estudante pouco mais do que uma manipulação unidimensional das pessoas, como uma tecnologia consciente
dirigida para a realização de um objetivo (lucro). Esta formação produz pessoas que não sabem se comunicar de forma eficaz. Sem o respeito
pela integridade, dignidade, compaixão, amor, pelos sentimentos, fraquezas e mesmo pela loucura, uma comunicação eficaz e significativa
será sempre questionável. Pode-se sempre subornar, seduzir, coagir, argumentar, manipular, iludir e persuadir até um determinado limite, mas
sempre existiu o perigo da descoberta e do revide. A verdadeira habilidade de se comunicar eficazmente é produto de honestidade, de
experiência de vida, e de preocupações humanistas amplas e genuínas, não simplesmente de um desejo de dinheiro e poder.
A COMPETIÇÃO PELO ESQUECIMENTO
Em uma série de estudos, pessoas com fortes tendências competitivas foram comparadas com outras que se mostravam fortemente
cooperativas. As pessoas normalmente assumem de maneira cega que a competição é o objetivo mais desejável que os seres humanos têm
ao seu alcance. Os dois grupos tinham impressões muito diferentes um do outro. Os cooperado- res tinham consciência de que algumas
pessoas são fortemente competiti-
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 249
vas e outras fortemente cooperativas. Os competidores, contudo, se mostraram inconscientes da diferença. Os competidores forçam a maior
parte das pessoas com quem se relacionam a competir. Além disso, aqueles que devotam uma fidelidade irrefletida aos ideais da competição
livre não conseguem reconhecer os efeitos sociais e humanos de sua obsessão.
As expectativas de uma pessoa com relação a si mesma — diferentes das expectativas dos outros — envolvem percepções de força,
fraqueza e capacidade, ou o que é popularmente chamado nos EUA de self-image (au- to-imagem). A auto-imagem tem muito a ver com o
sucesso. Uma bem-sucedida tomada de decisões, numa situação estruturada em função de objetivos, depende das expectativas que as
pessoas têm com relação ao seu sucesso. Se alguém acredita que será bem-sucedido, ou que a probabilidade de ter sucesso é boa, a
probabilidade real é bastante intensificada.
Essa probabilidade é avaliada através da comparação com os outros. A maior parte das pessoas acredita que é um pouco melhor do que a
média. As percepções de qual é a “média” são normalmente baseadas em parceiros, amigos, vizinhos e parentes — pessoas com as quais se
tem relacionamentos pessoais regulares. Para a maioria, tais fontes de auto-imagem são provavelmente saudáveis e baseadas em realidades
percebidas na experiência da vida cotidiana.
Quando, no entanto, a mídia comercial entra em cena, a auto-esti- ma derivada da associação com pessoas semelhantes deteriora
rapidamente. Os anúncios são projetados para evocar no público um sentimento de inferioridade por comparação com as personagens da
mídia — o beautiful people. Mesmo os que não são bonitos, os perdedores, aparecem geralmente na mídia como vencedores, quando o
público os compara si mesmo. As personagens fictícias da mídia parecem cultas, rodeadas por pessoas interessantes, bonitas, talentosas,
geralmente ricas e poderosas, que podem a qualquer momento se entregar ao desfrute dos prazeres e das riquezas do mundo. Estas vidas
superiores tornam-se o objetivo fantasiado do público, tanto consciente como inconscientemente. O mecanismo foi projetado para encorajar a
compra dos produtos divulgados pelos comerciais — a razão de ser essencial da mídia comercial. A promessa implicada no consumo gerado
pelos anúncios é a igualdade, a aceitação e a participação na boa vida do beautiful people da mídia—uma promessa que nunca será cumprida
e uma expectativa que nunca será satisfeita.
A realidade, como percebida pela maioria das pessoas, é um desespero silencioso — geralmente uma batalha penosa e calada pela
sobrevivência contra a doença, o tédio, a solidão, a ansiedade, o desespero e incontáveis ameaças reais ou imaginárias à segurança e ao
bem-estar. As celebridades da mídia, e os papéis nos quais elas são promovidas, raramente parecem cercadas por tais problemas. Através da
identificação, as fantasias da mídia fornecem ao público uma válvula de escape projetiva. Bajulado pelos anúncios, o público é ensinado a ver o
mundo como um lugar no qual todos os outros parecem estar conseguindo tudo aquilo —, todos, menos eles mesmos. O consumo torna-se um
mecanismo de libertação, liberação, o caminho para a verdadeira vida, a nova religião.
Pessoas que estejam profundamente integradas nas identificações da mídia geralmente abandonam seus próprios objetivos sem fazer
nenhum esforço de realizá-los. Seu pessimismo resultante dessa sujeição à mídia é extremamente prejudicial. Alguns podem argumentar que
as personagens da mídia foram sempre vistas pelo público como casos especiais, ao menos desde os primórdios do drama grego. Talvez seja
verdade, mas as caracterizações literárias ou dramáticas tradicionais eram percebidas como incorporando toda uma variedade de
comportamentos, da vilania ao heroísmo, em vez dos estereótipos simplistas que agora dominam a cena. Hoje, a mídia comercial é nosso
meio-ambiente, onipresente, uma parte ativa de todas as horas. Se Karl Marx escrevesse hoje em dia, é de se duvidar que ele atacasse a
religião. A mídia comercial há muito tempo substituiu a religião como o ópio das sociedades de alta tecnologia.
Por volta dos dezoito anos, o norte-americano médio já terá visto cerca de 18 mil horas de televisão, muito mais do que as horas gastas
com preocupações escolares. Esses participantes passivos absorvem inconscientemente uma lavagem cerebral exaustiva que no fim se
tornará seu sistema cultural. Somente 15% da audiência da tevê nos EUA assistem a documentários ou outros programas sérios. A televisão é
vista como educacionalmente insignificante, como um mero entretenimento. Os efeitos cumulativos a longo prazo são esquecidos.
A mídia condiciona as audiências a toda uma série de comportamentos desajustados. Psiquiatras e psicólogos clínicos e conselheiros têm
seus consultórios inundados por pacientes que chegaram a se ver como perdedores, que perdem ou não chegaram a desenvolver a
auto-estima, a confiança e a
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 251
identidade individual. Osjovens seguem o exemplo de cantores de rock, atletas ou atores ricos—qualquer um que tenha atingido a fama e a
fortuna com pouco esforço, sacrifício ou dedicação. “Divirta-se, fique rico e descanse o mais que puder” tornou-se a filosofia da mídia comercial
do século XX. Os anúncios vendem! Eles manipulam! Eles também esmagam as pessoas trans- formando-as em patéücas vítimas da
obsessão pela fantasia.
MITOS DE PERSONALIDADE ESTEREOTIPADOS
O conceito de personalidade — como definido por fatos individuais, chamados de científicos, pela testagem, e por grupos e culturas — é uma
ficção monstruosa. As descrições de personalidade são construídas para acomodar conscientes e inconsientes. Toda pessoa tem crenças
(generalizações) a respeito de como as pessoas são. As descrições de personalidade agrupam aquelas características humanas que são
vistas como combinando-se entre si e com o sujeito enquanto opostas às que não entram nessas combinações.
As pessoas possuem aparentemente a predisposição inata para avaliar e julgar os outros baseados em impressões gerais de bondade ou
maldade. Essas percepções não são geralmente passíveis de descrição como arquétipos simbólicos e estereótipos. A avaliação da
personalidade vem de generalizações. A personalidade, por mais que possa ser explicada em qualquer momento ou lugar, reside estritamente
nos olhos dos que a percebem, e depende dos valores correntemente aceitos ou rejeitados pelos sistemas culturais.
As pessoas sustentam teorias de personalidade similares àquelas sustentadas por outros em seu grupo ou sua cultura. Quando estilos
visíveis de vestimentas, modos e aparências se conformam ao que é considerado como “média” ou “normal” (ficçõesperceptivas) em
determinado tempo e espaço, estas normas fantasiadas tornam-se uma base para a avaliação da personalidade. Características que servem
como critérios de avaliação incluem roupas, carro, gosto musical, atividades, níveis cultural, rendimentos, linguagem, postura, preferências de
cores — tudo, na verdade, que os sujeitos fazem ou não fazem. Mas qual das muitas possibilidades de cada categoria é considerada “boa”?
Parece que não existem padrões uni
2 5 2 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
versais de beleza e bondade. Elas têm sido tudo o que se pode conceber em diferentes momentos e lugares. De fato, os conceitos de beleza e
bondade devem ser vendidos ou comunicados para atingir uma aceitação — o importante papel cultural da mídia comercial.
As pessoas normalmente antipatizam com alguém — ou sentem hostilidade para com esta pessoa — quando sentem terem-se exposto
demais. A hostilidade aparece por razões nunca especificadas, reações inconscientes a uma comunicação aparentemente casual. Ninguém
pode ser visto completamente sem preconceito. Quando as percepções são distorcidas num sentido contrário à pessoa, esta pessoa é evitada.
Sua companhia é considerada tacitamente como não valendo a pena. O evitá-la reforça a antipatia, de modo que há menos oportunidades de
descobrir-lhe traços positivos. Por outro lado, quando se sente simpatia por alguém, é recompensador estar com esta pessoa. Gasta-se mais
tempo avaliando-a, descobrindo-se no fim traços negativos. Aspectos negativos são normalmente compensados por uma reação inicial
positiva. Ou podem provocar no fim das contas desilusões, rejeição e inimizade.
A avaliação da personalidade é uma das noções mais fracas e duvidosas num mundo de muitas noções fracas e duvidosas. As
características de personalidade podem ser acondicionadas para parecerem razoáveis, naturais ou mesmo científicas. Qualquer coisa,
contudo, que seja tida por certa como razoável, natural e científica deveria — no interesse de sobrevivência e da adaptação — disparar luzes
de alerta. Cuidado! A maior parte das novas idéias significativas — durante a história da ciência, da erudição, da arte e da inovação intelectual
— desenvolveu-se como forma de resistência a idéias ou posições tidas por certas. Geralmente um insight, uma descoberta, uma teoria ou
uma posição muito estimada se encaixam tão bem no que o senso comum e a experiência perceptiva cotidiana confirmam que é difícil acreditar
que alguém algum dia pensou de outro modo. Estas são em geral as posições mais perigosas de se assumir.
As imagens trabalhadas por relações públicas ou pela publicidade são às piores ficções estereotipadas. Elas causam dano se dirigidas para
o interior como parte da auto-imagem. Elas são auto-exploradoras quando projetadas no exterior como imagens fictícias de líderes,
celebridades, amigos ou inimigos. Ao longo dos anos, a população tem sido cuidadosamente doutrinada para aceitar imagens (estereótipos)
como substitutos
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 253
para percepções orientadas para a realidade. A realidade ocasionalmente se infiltra por entre as barreiras construídas pelos manipuladores
per- ceptivos para preservar as ficções de seus clientes. Imagens fantasiadas de onipotência, contudo, são popularmente preferidas às
complexas e normalmente contraditórias qualidades humanas.
O ex-presidente Lyndon Johnson costumava brincar com seu círculo íntimo dizendo que seria uma experiência saudável e
psicologicamente desintoxicante para o público ver seu presidente ao menos uma vez por ano sentado num vaso sanitário. Ele explicou que
essa exposição podería evitar que os presidentes se deixassem arrebatar por suas imagens públicas, e o público podería amadurecer se
periodicamente relembrasse que seu líder, que tem sempre à mão os livros com os códigos para um ataque nuclear, é apenas ser humano.
Nos EUA, contudo, dominados como o são pela mídia, tal esvaziamento da propaganda da mídia em favor da realidade parece improvável.
Todas as pessoas são influenciadas por desvios perceptivos. Elas preferencialmente ignoram dados factuais, excluem coisas das
definições, e interpretam de perspectivas subjetivas. Quanto mais “objetivas” elas se imaginam, maiores e mais ocultas são suas distorções.
Ninguém é mais perceptivamente distorcido do que aquele que se considera objetivo. Sem uma consciência das limitações perceptivas — e
dos desvios a elas inerentes — as pessoas confundem inferência com fato, teoria com verdade, fantasias com realidades, e se baseiam
emjulgamentos deformados por influências conscientes e inconscientes. Isto parece ser um aspecto inato da condição humana. Seria preferível
admitir a falibilidade e evitá- la o máximo possível, em vez de ficar tropeçando em ilusões fraudulentas e perigosas de “realidade objetiva”.
Nossas verdades podem nos destruir!
A MORALIDADE REQUER INFRATORES
Qualquer comportamento visto como normal será percebido como anormal em outro contexto ou padrão grupai. Os comportamentos se tornam
desviados mais na percepção do que em si mesmos. Quando determinados atos são percebidos como desvios negativos das expectativas
usuais de um grupo, os que os perpetram serão punidos de alguma ma-
neira. As culturas de alta tecnologia, como os EUA, a União Soviética e o Japão, parecem mais sensíveis aos desvios do que as outras, e
portanto mais punitivas. Grupos de classe média são geralmente mais intolerantes para com os desvios do que as populações de classe alta
ou baixa. Os pobres não têm nada a perder, e os ricos estão protegidos contra a perda.
Além disso, os devotos religiosos são mais intolerantes do que os que são indiferentes em matéria de religião. As crenças religiosas são o
principal instrumento social para definir o comportamento desviado. Um desvio percebido dá início a uma reação que isola, ameaça, corrige ou
pune os desviados. O comportamento em si mesmo pode ter poucas conse- qüências. Noções de normalidade e desvio percebidas permeiam
todas as culturas e subculturas conhecidas.
Muitos grupos demonstram padrões duplos quando lidam com estranhos. Espera-se que recém-chegados se conformem rigidamente às
expectativas do grupo, enquanto que membros mais antigos normalmente têm maior liberdade. As normas de comportamento esperadas
raramente se aplicam uniformemente a todos os membros de um grupo. Muitos grupos ou culturas na verdade criam o desvio fazendo regras
que alguns indivíduos se sentirão compelidos a violar. Os desvios podem ter sido a fonte original da coesão grupai. Tais estruturas de regras
dão ao grupo um sentimento de exclusividade, unicidade e validade. As regras a respeito dos desvios da norma geralmente têm um patrocínio
econômico poderoso que reforça o status quo.
A elaboração das regras usualmente envolve um elenco de personagens fictícias, perceptivamente projetadas, que incluem os
elaboradores das regras, os executantes e, é lógico, os próprios desviados. Não faz sentido criar e impor regras que ninguém viola. Muitos
grupos não poderíam sobreviver sem os transgressores. Se os transgressores não existem, devem ser criados. Um método de criar
transgressores é através da este- reotipia projetiva.
Os sistemas de regras podem ser formais ou informais, conscientes ou inconscientes. As regras de desvios quase sempre incluem
características morais — ingredientes vitais à coesão do grupo. Num mundo em que ninguém violasse expectativas morais, tais expectativas
se desvaneceríam. A moralidade percebida depende inteiramente da imoralidade percebida. O desvio fornece um dos principais mecanismos
por meio dos quais as pessoas
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS • 255
podem inventar ou construir seus amigos e inimigos, deuses e diabos, leal- dades e deslealdades, amores e ódios. A moralidade, utilizada para
definir os transgressores, é um produto perceptivo, cuja elaboração é uma das atividades principais da mídia nas nações de alta tecnologia do
mundo.
Isto traz ao jogo uma percepção baseada numa percepção baseada numa percepção, ad, infmitum— todas interligadas, um Ouroborus. A
cobra morde novamente sua cauda. As percepções da transgressão operam sem um propósito consciente por parte dos jogadores envolvidos.
Para que o jogo possa ser executado eficazmente, contudo, os líderes devem ter uma certa consciência de sua dinâmica. Sem esta
consciência, é difícil manipular o mecanismo de transgressão durante um tempo longo. O sistema pode, não obstante, ser operado
intuitivamente, com o risco de uma perda de controle abrupta. O sistema funciona somente na medida em que a manipulação permanece
reprimida pelos membros do grupo. A manipulação habilidosa de ameaças de transgressão pode ser observada na retórica dos evangelistas
mais ricos da TV. As máquinas de ordenhar dinheiro de sua mídia extasiam suas vítimas, que raramente descobrem conscientemente sua
vitimização.
Um grupo que seja maioria e não conheça a transgressão provavelmente desaparecerá em sua atual forma. Ele será absorvido ou
sintetizado por outro grupo mais agressivo. Mas se o grupo impõe regras de forma rígida, sua posição é fortalecida. Teorias políticas
democráticas de governo são baseadas na manipulação cuidadosa do desvio. E surpreendente que tantas pessoas nas sociedades
democráticas continuem inconscientes quanto ao significado da transgressão. Na União Soviética, aperes- troika (reestruturação) de
Gorbachev demonstra uma tentativa de manipular politicamente a transgressão, depois de setenta anos de supressão e coibição. A
perestroika, supondo que ela continue e sobreviva ao turbilhão, é um dos mais importantes eventos políticos da história soviética.
A transgressão é difícil de compreender quando a pessoa cai na armadilha da lógica aristotélica da realidade objetiva. Gorbachev já
descobriu que uma parte substancial de sua população é fortemente oposta à perestroika. Numerosos políticos, tanto nos EUA como na União
Soviética, têm feito longas e lucrativas carreiras na briga entre o comunismo e o capitalismo. Os meios de comunicação de massa são também
os principais beneficiários da repressão à transgressão.
Nos EUA, já é esperado que certas categorias de pessoas sejam transgressoras — músicos, atores, homossexuais, comunistas,
socialistas, ateus, intelectuais, delinqüentes juvenis, beneficiários da Previdência Social, minorias étnicas e criminosos — não necessariamente
nesta ordem. No topo da lista estão os pretensamente doentes mentais. A doença mental está normalmente implicada no comportamento
transgressor.
As vítimas quase nunca descobrem conscientemente os jogos feitos com sua transgressão. As regras conscientes, ou em sua maior parte
ins- concientes, da transgressão estão pi'ofundamente enraizadas na história e nas tradições dos grupos. Estas regras são tidas como certas
pelos membros do grupo e geralmente atribuídas à palavra de Deus ou à ciência — as mais elevadas fontes de informação de alta credibilidade
disponíveis. Estas tradições têm se tornado a tal ponto uma parte da realidade percebida, especialmente em sociedades de alta tecnologia,
que as violações parecem bizarras ou perversas. Muitas das regras existem em atitudes residuais, não-verbais e indefinidas.
Este livro e seu autor serão percebidos por muitos como transgressores, por alguns mesmo como perigosamente transgressores —
ameaçando avida, a verdade e a razão como são popularmente percebidas. Em entrevistas ou conferências, este autor tem sido
freqüentemente atacado como insano, subversivo, ingrato, radical, controvertido, ameaçador e — a suprema transgressão nos EUA —
comunista. Uma das principais instituições sociais, a máquina cultural da mídia comercial, parece ser ameaçada. A mídia provê legitimização e
verificação cultural para muitos aspectos da sociedade.
Um ataque particularmente causticante contra os livros deste autor foi publicado na AdvertisingAge (17/9/1984), publicação da máquina
publicitária. Escrito por um intelectual da área publicitária, a matéria de capa, com 3.500 palavras de extensão, ignorou as mais de quinhentos
pesquisas publicadas que confirmam os efeitos dos estímulos subliminares sobre o comportamento, os muitos exemplos ilustrados nos livros, e
o testemunho autorizado sobre o assunto de respeitados cientistas, acadêmicos e administradores públicos. A crítica negava a existência da
percepção subliminar, atacava a sanidade e a credibilidade deste autor e denunciava esta “exploração lucrativa” da indefesa máquina
publicitária.
AS EXPECTATIVAS DOS ESTEREÓTIPOS -257
O ataque era uma tentativa de gerar uma pressão pública sobre a transgressão perceptiva. O jornalista e o editor da matéria estavam
presumivelmente conscientes de que um mês antes dela ser publicada na AdvertisingAge, a Divisão do Álcool, Fumo e Armas de Fogo do
Departamento do Tesouro dos EUA havia divulgado uma nova regulamentação proibindo o emprego de estímulos subliminares nos anúncios
de bebidas alcoólicas {verApêndice). A transgressão perceptiva causou e continua a causar considerável desconforto e gastos à máquina
publicitária comercial.
A MANIPULAÇÃO DA TRANSGRESSÃO
Muitas variáveis parecem definir conjuntamente se a transgressão de regras será negada ou ignorada por um grupo. A maioria dos grupos
concorda que a punição deve ser adequada ao crime. O poder, o status e a riqueza do transgressor são também variáveis importantes. Quanto
mais alto o status dos transgressores, maior será a probabilidade de o grupo permitir que eles saiam ilesos de sua transgressão. Basta
considerar como Ri- chard Nixon ou vários evangelistas da TV sobreviveram a enormes escândalos.
A proporção da tolerância para com a transgressão normalmente está relacionada ao nível de pressão que um grupo sente vinda do
exterior. Para diminuir a tolerância, os líderes geralmente fazem aumentar as percepções do grupo relativas às ameaças exteriores. Este
mecanismo pode ser observado nas justificativas governamentais para gastos militares e intervenções no estrangeiro. Ameaças da União
Soviética e de outros parecem flutuar de acordo com a oposição por parte do Congresso ou da opinião pública a políticas ou destinações de
verbas.
As maiorias morais, como muitos notaram nos últimos anos, usualmente acabam por não ser nem uma coisa nem outra. Os ideais sociais
percebidos têm invariavelmente um lado oculto, o inverso, a realidade escondida pelo ideal. Os defensores da lei e da ordem normalmente
terminam transformando-se em criminosos convictos. Aqueles políticos que mais vilipendiam o desperdício da destinação de verbas têm
esbanjado o dinheiro público em níveis que excedem de longe o esbanjamento dos maiores dissipadores de fortunas da história. Os mais
sinceros fre-
qüentemente se transformam em totalmente insinceros. Intenções santas geralmente ocultam avareza, criminalidade e crueldade. Rótulos
estereotipados usualmente dizem muito mais a respeito do rotulador do que a respeito do rotulado. Pessoas que não conseguem pensar por
fora e além de expectativas estereotipadas estão fadadas a repetir ritualmente as tragédias do passado enquanto seguem seus líderes no
caminho do esquecimento.
CAPÍTULO NOVE

PROFECIAS QUE SE
AUTO-REALIZAM

i

Por que e com que direito uma nação ou uma classe de pessoas prende, tortura, exila, fustiga e destrói outras pessoas quando elas mesmas
não são melhores (oupiores) do que aquelas que torturam?
Leon Tolstoy, Guerra e Paz
Nossos medos mais profundos estão logo atrás do cotidiano e da meiguice. John Berger, The Sense ofSight
A principal fonte de desordem na sociedade é a hipocrisia daqueles que fingem ser virtuosos, de um lado, enquanto agem o tempo todo de
maneira contrária às crenças que professam.
Platão, A República
O psiquiatra suiço Carl Jung relatou o caso de um paciente que, logo depois de uma temporada de férias, sonhou estar caindo de uma
montanha até morrer. Uma semana depois, o paciente caiu realmente da montanha e morreu. Coincidência? Pouco provável. As profecias que
se auto-reali- zam (SFP — Self-FulfillingProphecies) são pressuposições ou predições que parecem fazer com que um evento ocorra,
confirmando assim sua própria exatidão. O processo de efetuar um vaticínio pode ser consciente, inconsciente, ou ambos.
Se as pessoas assumem que não são amadas, o próprio pressuposto faz com que ajam de maneira hostil, defensiva, suspeita e agressiva.
Estas atitudes, por sua vez, provocam reações similares nas outras pessoas. Deste modo, os pressupostos iniciais são confirmados. Os
indivíduos acabam não sendo amados. As pessoas raramente se dão conta do poder que possuem para se autovitimarem mediante
pressuposições, convicções e predições.
A vida raramente é, para melhor e para pior, tão simples quanto parece. Boas causas freqüentemente têm efeitos ruins e vice-versa. As
complexas contradições das realidades verbais fazem com que nada seja o que parece ser na superfície, especialmente para aqueles que têm
uma fé irracional nas definições simplistas. Os anunciantes incorporam subliminarmente aos anúncios o lado oculto dos pressupostos de
causa-efeito, de uma maneira que os consumidores ficariam aterrorizados se suspeitas-
sem o que está acontecendo. As técnicas de propaganda dos EUA foram exportadas para o mundo todo. O anúncio do Paris Match (fig. 25)
parece uma simples proposição de causa-efeito. As cores brilhantes das cuecas Eminence vão aumentar o seu sucesso sexual. O texto diz:
“Vista-se cada manhã com as cores que cantam”. Os modelos foram fotografados, o resto da página é pintado. O jovem atraente domina a
ilustração. Sua expressão é de machão, auto-satisfeito, arrogante mesmo, olhando para o vazio com um sorriso divertido mas vago. Ele é
fisicamente atraente, mas encantado com a própria beleza e autoconfiança. Um leitor poderia especular que ele gastou meia-hora penteando
seu cabelo antes da foto. A mensagem superficial é que as cuecas coloridas irão torná-lo ainda mais irresistível às mulheres. Ele parece um
homem apaixonado por si mesmo. Sua mão esquerda repousa condescendentemente no ombro da moça. Qualquer pessoa que ingenuamente
acreditar na promessa da cueca Eminence construiu para si mesma uma SFP de fracasso em sensíveis e complexas relações humanas.
A modelo, no entanto, parece muito mais interessante. Ela está de joelhos, o corpo escondido atrás do peitoril da janela. Esta posição
estabelece uma relação entre sua cabeça e a região pélvica do homem. Ele é claramente dominador, ela é submissa. Agora, o que está por
detrás: a modelo está pedindo ao leitor que não conte o seu segredo, com o indicador sobre os lábios, psssiul Qual é o seu segredo?
Do outro lado da página aparece um convencional anúncio em branco e preto, de eletrodomésticos. São nove itens: uma torradeira, um
liquidificador, um aquecedor, um abridor etc. Não é nada de muito excitante no mundo colorido dos anúncios sexualizados (fig. 26). Com nove
itens, o anúncio está abarrotado. A lógica de venda é questionável. E pouco provável que os leitores percam seu tempo com um grupo de
produtos tão familiares.
O Paris Match é impresso em papel fino. Ao virarmos as páginas, a luz penetra de um lado para o outro. A Figura 59 mostra o anúncio da
cueca Eminence segurado contra a luz, fazendo com que o anúncio de eletrodomésticos vaze através dele. Agora entendemos o segredo da
mulher: a faca elétrica suspensa sobre a área genital do homem. Os dois anúncios permeáveis, dirigidos principalmente aos homens,
tornam-se profündamente emo- cionalizados pelo enxerto subliminar. O medo da castração é um denomi
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM • 263
nador comum unindo os consumidores masculinos. Uma lógica verbal poderia ser construída para justificar o simbolismo, mas ela acabaria
num raciocínio simplista de causa-efeito. É provavelmente mais sábio reconhecer simplesmente que os mecanismos simbólicos não-verbais
funcionam o suficiente para justificar sua ampla utilização, do mesmo modo que as tesouras ocultas no logo da Playboy (ver Kay, Subliminal
Seduction, pp. 123-25).
Do ponto de vista estatístico, existiam duas chances, no total de 120 páginas do Paris Match, para que os dois anúncios aparecessem por
acaso em páginas opostas e uma chance em nove de que a faca aparecesse sobre a área genital masculina. É extremamente improvável que
estas posições tivessem sido um acidente do acaso. Mais improvável ainda quando a agência e os artistas envolvidos têm conhecimento sobre
enxertos subliminares.
As SFPs são bem conhecidas na área científica. O filósofo da ciência Paul Feyerabend conclui que “não são as suposições conservadoras
mas as antecipatórias (aquilo que queremos que aconteça) que guiam a pesquisa científica”. As SFPs são muito discutidas na psiquiatria e
psicologia, mas raramente são consideradas como um aspecto normal do cotidiano dos indivíduos, dos grupos ou mesmo das nações.
Muitas SFPs são atribuíveis a pressuposições derivadas da mídia de publicidade. Geralmente as SFPs derivam de pressuposições de
causa- efeito nas quais acredita-se piamente. Nestes casos, a relação entre causa e efeito torna-se circular e autoconsolidadora ao invés de
linear e com um fim claro — o Ouroborus mais uma vez. A SFP é um mecanismo inconsciente através do qual os homens involuntariamente
preparam-se para uma conseqüência que as suas pressuposições tornaram possível acontecer. Estas conseqüências podem ser boas ou más
para o indivíduo envolvido, às vezes ambas as coisas. Se forem boas, elas parecem ser o produto de uma sábia decisão, de um palpite feliz ou
de uma intuição profunda sobre os mecanismos da causalidade. A SFP aparentemente envolve tomadas de decisões simples e diretas, nas
quais avaliam-se os efeitos futuros de um ato em vista das conseqüências mais vantajosas.
O processo parece natural, respeitável, lógico e defensável. As conclusões de causa-efeito raramente são questionadas. Todas estas
decisões consideram o futuro e acabam por provar que foram corretas, incorretas ou ambas as coisas por variadas racionalizações construídas
perceptiva-mente. A SFP pode, a princípio, não ser nem verdadeira nem falsa, mas ela produz uma verdade ou uma falsidade por sua
existência como parte do processo de raciocínio.
SFPs curiosas ocorrem nas relações das pessoas com o Fisco. As leis do imposto de renda são infames, contraditórias e arbitrárias,
bastante abertas às interpretações. Para compreender a miríade de leis em constante mudança é necessária uma equipe de profissionais
especializados trabalhando em período integral. Os funcionários da Receita Federal (IRS) reconhecem que os contribuintes mentem e
procuram evitar declarar honestamente suas rendas. Qualquer pessoa que tenha passado por uma auditoria do IRS sabe como suas idéias
pré-concebidas influenciam a investigação. Os funcionários do IRS investigam o estilo e vida, as propriedades e os divertimentos para estimar
a renda. Ao contrário da doutrina legal para as ações civis ou criminais, os contribuintes são obrigados a provar sua inocência frente â
pressuposição do IRS de que são culpados.
A pressuposição, ou predição, obriga o contribuinte a evitar as declarações de renda simples e verídicas. A desonestidade, ou talvez a
fronteira da honestidade, torna-se um imperativo para escapar de impostos vistos como injustos. Os pressupostos do IRS criam de fato a
situação prevista. É irrelevante saber se os pressupostos iniciais eram falsos ou verdadeiros. O que se presumia ser o efeito acaba sendo a
causa. A causa produz o dilema. A profecia da situação causa a situação da profecia.
Muitos encarregados de pessoti de grandes firmas podem recordar situações onde empregados tinham a impressão de que estavam
prestes a ser demitidos, reagindo com insegurança em procedimentos normais da rotina de trabalho ou com culpa sobre alguma deficiência
pessoal real ou imaginária. Agindo de maneira errática ou prejudicando seu trabalho, eles progressivamente preparavam-se para a demissão
que, de fato, tornava-se realidade.
Loucura e Civilização, a brilhante história da insanidade de Michel Foucault, documenta uma estarrecedora variedade de definições
contraditórias para a insanidade. Ele demonstra que a insanidade é um conceito socialmente criado, mudando através dos séculos conforme
as sociedades vão procurando novos meios de lidar com seus desviados. A sanidade,
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «265
por outro lado, raramente foi definida. De fato, a sanidade deve ser inde- finível. Assume-se tacitamente que a sanidade sejam aquelas
práticas, políticas e comportamentos comumente aceitos como normais por uma determinada sociedade em um determinado tempo. A
normalidade é um belo conceito até você se lembrar que já foi considerado normal queimar feiticeiras, hereges e outros desviados após
submetê-los a torturas brutais. Atualmente, é considerado normal viver a um passo da devastação nuclear. Do ponto de vista de um continuum
histórico em constante mutação, muito do que é hoje considerado são e normal seria algo insano e anormal em outro tempo e lugar.
As civilizações forjaram e ratificaram inúmeras definições de insanidade, e continuam elaborando esta idéia num ritmo cada vez mais
rápido. Um dos critérios da psiquiatria moderna para determinar a sanidade é a capacidade de adaptação à realidade, geralmente definida
como ajustamento, ou a capacidade de discenir entre fantasia e realidade. O senso comum, reforçado pelos estatutos judiciais, assume que a
sanidade é uma realidade objetiva: real, apta a ser examinadr, medida e compreendida. A comunidade psiquiátrica discute incessantemente
sobre as definições verbais dentro do quadro geral da insanidade. O quadro em si raramente é questionado. Deveria ser! Como as definições
de personalidades, os rótulos de insanidade evocam injustamente as profecias autoconsumadas.
Os diagnósticos psiquiátricos, ao contrário do que acontece nas outras especialidades médicas, definem e, ao fazer isto, criam condições
patológicas. O diagnóstico ou definição torna-se parte da doença, e cria uma série de profecias que se auto-realizam. Uma vez feito um
diagnóstico institucionalizado, inventa-se uma realidade na qual até o comportamento normal parece desequilibrado. Depois do diagnóstico,
percepções que o tornam válido são fabricadas. O processo rapidamente ultrapassa o controle dos pacientes, atingindo os médicos, a família,
a administração e a equipe dos hospitais. Todos participam da construção de uma realidade que sustenta o diagnóstico. Um repórter foi
internado num hospital para doentes mentais para colher material para um artigo. Os funcionários que o viram escrevendo num bloco,
observaram auspiciosamente em sua ficha: “Comprometido por um comportamento de fazer anotações”.

2 66 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
O processo também ocorre regularmente nas relações humanas cotidianas onde, por qualquer motivo, os indivíduos são rotulados,
categorizados e estereotipados. Os hospitais estão superlotados de pessoas pobres, velhas e abandonadas, geralmente vindas das minorias,
que foram admitidas apenas porque embaraçavam, atrapalhavam, chocavam ou aborreciam alguma pessoa ou algum grupo. Os rótulos
estereotipados dos diagnósticos confirmam e legitimam a sabedoria da sociedade.
A esquizofrenia, um dos diagnósticos mentais mais freqüentes, des-r creve supostamente uma psicose que inclui uma incapacidade de
discernir entre a fantasia e a realidade. Pelas ilustrações deste livro, deveria ficar claro que muitas pessoas supostamente normais não podem
discernir entre fantasia e realidade. Elas não podem nem mesmo diferenciar entre cubos de gelo reais e de mentira. Os diagnósticos clínicos
freqüentemen- te resultam em profecias que se auto-realizam com dois ingredientes básicos. Os pacientes experimentam um grande
desconforto e aceitam o diagnóstico como uma explicação para este desconforto. O diagnóstico clínico constitui uma verificação de muita
credibilidade dos sintomas numa autorização para o tratamento destes.
O paciente rotulado é pego num labirinto de expectativas clínicas, interações e padrões de desajustamento. Isto o isola ainda mais o
paciente, gerando novas fantasias. Estas fantasias, é óbvio, confirmam ainda mais o diagnóstico, que evoca outras fantasias mais, que o
confirmam mais ainda, ad infinitum. De novo a cobra morde seu rabo, um outro Ouroborus.
Um estudo sobre esquizofrenia da Yale Medicai School realizado em dezembro de 1985 descobriu que mais de dois terços dos pacientes
diagnosticados como esquizofrênicos recuperaram-se completamente e, a partir de então, tiveram vidas normais e produtivas. Não obstante, o
Diagnostic Criteria, DSMIII, da American Pshychiatric Association — a referência básica das definições nas quais são baseadas as internações
em instituições psiquiátricas — define a esquizofrenia como uma deficiência permanente da qual é impossível recuperar-se. De fato, a longa,
abrangente e interconectada definição do DSM III para a esquizofrenia encarceraria qualquer pessoa numa carreira vitalícia de doente mental.
A Social Security Administration aceita o DSM IIIcomo base para as determinações de deficiências.
A paranóia, outro diagnóstico popular, significa uma conduta social
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 267
percebida como suspeita, agressiva, hostil, teimosa, ciumenta e gananciosa — adjetivos que descrevem a maioria dos homens de negócios
bem-sucedidos. Uma vez iniciado o processo de exclusão social e arregimenta- ção, o paciente definido como paranóico tem uma razão para o
seu comportamento. Ser simplesmente são num mundo insano pode, razoavelmente, evocar os sintomas paranóicos acima descritos.
Os pacientes rotulados afastam-se cada vez mais de suas famílias e grupos sociais. As relações tensas evocam outras definições
estereotipadas como esquisito, excêntrico, maluco, irremediável e finalmente o estigma final, insano. A porta se fecha, com freqüência
permanentementfe. A armadilha do “senso comum” pega a todos. Sejamos nós os jogadores, ativos ou passivos, ou os espectadores desta
farsa, a armadilha tem o potencial de justificar o desastre final.
As SFPs são beni ilustradas no celebrado romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, assim como em estudos concretos. Num estudo
do psicólogo David Rosenham, oito pseudopacientes voluntários foram admitidos em doze hospitais para doentes mentais em cinco estados do
país. Cada um dos pacientes declarou falsamente que ouvia “vozes” para conseguir admissão. Os pseudopacientes foram diagnosticados
como esquizofrênicos, com a exceção de um diagnóstico de maníaco-depressivo. Eles foram instruídos a agir normalmente após a admissão, e
a tentar sair do hospital convencendo os médicos de que eram sãos. O tempo das internações variou de sete a cinqüenta e dois dias, com uma
média de dezenove dias. Quando foram finalmente dispensados, foram designados não como curados, mas como esquizofrênicos ou
maníaco-depressivos “em remissão”.
As assim chamadas doenças mentais eram apenas construções perceptivas criadas pelas equipes institucionais, cujos interesses velados
eram encontrar clientes. Os membros da equipe pareciam acreditar que qualquer coisa que já foi alguma vez nomeada ou rotulada deve existir
na realidade. Eles obrigavam a realidade (o paciente) a con- formar-se a suas expectativas perceptivas. De fato, eles percebiam o mundo tanto
quanto as definições (palavras) permitiam, conformando suas percepções da realidade às definições, ao invés de ajustar as definições às
observações diárias de cada paciente.
Os pseudopacientes descobriram rapidamente que existiam rótulos cuidadosamente definidos para os comportamentos patológicos, anor
mais. Por outro lado, os comportamentos normais eram difíceis — se não impossíveis — de serem definidos uma vez que os rótulos do
diagnóstico tornavam-se firmemente atrelados aos pacientes. Mesmo quando se percebia que um paciente estava pronto para ser dispensado,
ele não era considerado são ou em alta, mas “em remissão”. Uma concordância com o que foi construído era então imposta aos pacientes.
Curiosamente, uma experiência comum a todos os voluntários foi o reconhecimento como normais pelos outros pacientes.
QUEM REALMENTE ESTÁ DENTRO, E FORA?
Esta experiência, onde pessoas sãs foram designadas como insanas, pode ser revertida, especialmente quando as percepções de prestígio,
integridade profissional e a habilidade de diagnosticar correm risco. Em outro hospital, cuja equipe estava ciente das embaraçantes revelações
de Rosenhan, os profissionais foram unânimes em duvidar que tais erros pudessem ocorrer em seu hospital, demonstrando claramente a cega
confiança que depositam na ciência, nas autoridades e na integridade institucional.
O hospital foi informado de que nos três meses seguintes um ou mais pseudopacientes tentariam ser admitidos. Cada membro da equipe,
incluindo atendentes, enfermeiras, psiquiatras, médicos e psicólogos, avaliou 193 pacientes. Quarenta e um foram considerados como
claramente pseudopacientes por pelo menos um membro da equipe. Vinte e três foram considerados suspeitos por pelo menos um psiquiatra.
Dezenove foram considerados suspeitos por um psiquiatra e um outro membro da equipe.
O grupo de pesquisa não mandou nenhum pseudopaciente para este hospital durante os três meses.
No estudo de Rosenhan, comportamentos normais foram interpretados erroneamente e desse modo conformaram-se ao rótulo de
anormais. Tais rótulos produzem suas próprias realidades, causas, efeitos e profecias que se auto-realizam. É raro que os diagnósticos
psiquiátricos sejam, mais tarde, dados como errados, em contraste com outros diagnósticos médicos, onde os erros são lugar-comum e são
constantemente
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 269
corrigidos, geralmente sem consequências estigmatizantes. Os rótulos psiquiátricos são como uma tatuagem que afirma nitidamente:
“Inadequado!” É quase impossível você provar que é são, mas é relativamente fácil ser considerado insano.
Há várias SFPs na vida cotidiana. Considere os efeitos das SFPs de um rótulo judicial — com o julgamento quase que divino de uma corte
considerando a pessoa culpada — por virtualmente qualquer crime. A , prisão sob o estereótipo de “criminoso” põe em movimento todo um
complexo de SFPs que sem dúvida serve aos interesses da sociedade.
A psicologia dos testes, uma grande indústria, continua absurdamente a acreditar que pessoas e animais podem ser testados com
objetividade científica. Estereótipos estigmatizantes com potencial de SFP são constantemente estabelecidos por meio de testes realizados
pelos orientadores de escolas, administradores de pessoal e — o mais devastador per- petuador dos rótulos estereotipados — pelos meios de
comunicação de massa. Em um estudo, os professores foram comunicados de que certos alunos (na verdade escolhidos ao acaso) haviam
sido testados como crianças bem-dotadas. Observou-se que os professores dedicavam uma atenção especial para estes alunos, o que por sua
vez provocava desempenhos superiores. Por outro lado, rótulos de “dificuldades para aprender” criaram e sustentaram na prática a condição
que presumiram descrever.
As SFPs são algo desconfortável de se examinar. Elas podem ameaçar as auto-imagens de sanidade, juntamente com a fé supersticiosa
na ciência, na razão, na autonomia individual, na verdade e em Deus. A descoberta de que os homens criam suas próprias realidades — ou
que a mídia o faz por eles — pode ser perturbadora para aqueles imersos em fantasias, o que, em certas culturas, inclui quase todas as
pessoas.
As SFPs não ocorrem apenas aos espectadores inocentes. Elas são utilizadas deliberadamente, com uma intenção específica
premeditada. No entanto, para que o mecanismo funcione eficazmente, deve-se acreditar nas SFPs, elas devem ser percebidas como factuais
por uma fonte de grande credibilidade, e devem ser apresentadas como um aspecto funcional da realidade. Só assim uma SFP pode ter um
efeito claro no presente e, desta forma, ter sucesso.
Os rótulos estereotipados vitimam tanto a pessoa na qual são aplicados quanto a pessoa que os aplica. Sejam eles étnicos, imagens de
celebridades, 270 • A DA MANIPULAÇAO
generalizações sobre produtos ou marcas, ou diagnósdcos psiquiátricos, os rótulos desumanizam todos que são tocados por eles. Eles
evocam medo, inveja, desconfiança e fazem com que os indivíduos sejam tratados como objetos desumanizados. A desumanização é de fato o
objetivo planejado de muitas das publicidades de celebridades, nas quais uma pessoa é vendida como um objeto sexual, um modelo
supermoral de virtude ou um profeta econômico ou religioso onisciente. Imagens manipuladoras com freqüência são criadas para os líderes
políticos, religiosos, militares ou empresariais. Qualquer pessoa que for feita para parecer honesta demais, ou “demais” em qualquer aspecto,
deveria ser objeto de desconfiança imediata.
A pioneira clínica psiquiátrica Menninger, em Topeka, Kansas, acabou com os diagnósticos rotuladores dos pacientes. Em seu lugar,
iniciou- se um sistema com um conjunto de avaliações usadas para desenvolver os diagnósticos e prognósticos operacionais: definições
hipotéticas, que mudavam continuamente durante os programas de tratamento em resposta às mudanças nas necessidades dos pacientes.
Como era de se esperar, Menninger foi criticada por sua recusa em cooperar com a psiquiatria institucional. O psiquiatra inglês. R. D. Laing fez
uma tentativa similar para lograr os diagnósticos rotulatórios em sua London Tavistock Cli- nic, durante os anos 1960.
A Diagnostic Criteria, DSMIII, publicada pela American Psychiatric As- sociation, é um catálogo de absurdos e insensatezes prejudiciais. E
difícil encontrar uma cópia do DSM III, que com freqüência é mantido na lista de livros com restrições nas bibliotecas das faculdades de
Medicina, escondido dos pacientes e do público em geral. O segredo, é claro, torna o livro irresistível aos pacientes, que eventualmente o
encontrarão. De fato, este dicionário de estereótipos projetivos e estigmáticos tem suas funções administrativas e legais. O DSM III tem muito
pouco a ver com as chamadas desordens mentais e seus tratamentos. Se forem levadas a sério, suas definições prenderão tanto o médico
quanto o paciente num sistema de expectativas mútuas, do qual ambos podem achar impossível se livrar.
Como descendentes psicológicos do drama grego de Edipo, que realizou a trágica profecia enquanto tentava evitá-la, continuamos
realizando profecias por meio das tentativas de escaparmos delas. As sociedades se armam para evitar a guerra, garantindo assim a
inevitabilidade da guerra. As lucrativas indústrias de guerra proporcionam empregos tem-
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM *271
porários e benefícios econômicos. Os armamentos, no entanto, significam um desastroso esgotamento econômico num mundo de recursos
finitos cada vez menores. Eles exaurem os recursos de qualquer sociedade aumentando, dessa forma, a possibilidade do conflito. O
investimento é mais prejudicial do que o mero gasto de matéria-prima. Um caminhão terá o retorno de seu investimento várias vezes durante
sua existência. Um tanque, um míssil ou um avião de guerra, depois de um curto período de uso não-econômico, tornam-se obsoletos e devem
ser descartados em favor de um novo modelo mais anti-econômico ainda.
A megatonelagem atual do estoque mundial de armas nucleares é suficiente para matar 58 bilhões de pessoas — doze vezes todas as que
hoje vivem. Num mundo que gasta 800 bilhões de dólares anuais em programas militares, um em cada três adultos não sabe ler nem escrever,
e uma pessoa em cada quatro passa fome. Nos quarenta anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, as guerras causaram quatro vezes mais
mortes do que nos quarenta anos anteriores (ver Sivard, p. 5).
A armadilha da SFP é uma poderosa e mortal areia movediça — a fonte de grande parte do medo paranóico propositadamente engendrado
para abastecer a lucrativa indústria de armamentos. O mecanismo incrivelmente simples ainda é invisível para a maioria das pessoas porque o
que elas percebem como interesses ocultos provém da repressão, e não do conhecimento. Na verdade, é bastante difícil não saber de algo,
mas sempre é possível fazê-lo se pagarmos o preço.
PENSAMOS, PENSAMOS, PENSAMOS...
A propaganda e as relações públicas são especialmente viciosas em seu potencial de inventar realidades a serviço de produtos, idéias, do
lucro ou de indivíduos. Surpreendentemente, muito poucos sabem a que ponto têm sido sistematicamente levados a pensar que pensam por si
mesmos. Em sua autobiografia, Mein Kampf, Adolf Hitler resumiu o papel ideal da propaganda: “Toda propaganda deve ser tão popular e ter tal
nível intelectual que até mesmo o mais ignorante daqueles para qual ela é dirigida irá entendê-la. Pode-se fazer com que as pessoas percebam
o paraíso como o inferno e, no sentido oposto, que considerem a forma mais
vil de vida como o paraíso”. Conversas similares podem ser ouvidas em virtualmente qualquer agência de propaganda ou relações públicas. E
isto o que elas fazem para viver.
Quando os homens acreditam inquestionavelmente que pensam por si mesmos, suas posturas críticas e de proteção relaxam. Eles podem
ser condicionados em qualquer direção, para qualquer construção da realidade. Enquanto as vítimas balbuciam entre si sobre a liberdade de
escolha, o individualismo, a verdade, os fatos, a realidade e até sobre a vontade de Deus, conformam-se inconscientemente aos padrões de
consumo e profecias que se auto-realizam, criados pela mídia. Proteger-se a si mesmo é na verdade bem simples. As percepções
programadas da realidade podem ser bastante perigosas à sua saúde, mas isso só ocorre quando acredita-se nelas com uma fé e convicção
cegas. Cuidado com a fé cega em qualquer coisa ou em qualquer pessoa, incluindo você.
Há sempre três alternativas no conhecimento: o que você conhece, o que você não conhece mas podería conhecer e — a maior e mais
importante alternativa — o incognoscível. Os homens inventam compulsiva- mente verbalismos ou rótulos que substituem o conhecimento, e
mantêm a farsa de que sabem mais do que na verdade sabem. As instituições perpetuam o nonsense por conveniências legais,
administrativas, ligadas aos seguros ou às reservas monetárias. A mídia o faz para vender, persuadir e controlar a percepção dos mercados.
Além disso, há uma questão de adaptação do comportamento às circunstâncias ambientais. Os pacientes psiquiátricos freqüentemente
parecem sãos fora do hospital, mas insanos dentro dele — talvez em razão de sua adaptação forçada a um ambiente estranho e
despersonalizado. Nunca é fácil parecer são num mundo insano, como sabe qualquer pessoa que já se opôs às armas nucleares, à
degradação do meio ambiente e à exploração das vítimas da pobreza, ambição, desonestidade e fanatismo ideológico.
No entanto, um outro catch-22 aparece nesta tentativa de avaliar criticamente as construções perceptivas com potencial de SEP, de
diferenciar entre fantasia e realidade. A destruição de uma construção percepti- va resulta apenas em outra construção. O melhor que se pode
esperar são construções aprimoradas, com maiores potenciais de bondade, tolerância, sobrevivência e ajustamento humanos. Qualquer
construção percep-
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «273
tiva permanece sendo uma visão bastante hipotética da realidade em constante mudança.
Os homens detestam a incerteza. As incertezas provocam ansiedades. Para reduzir a ansiedade, se não tiverem nenhuma estrutura factual
à mão, os homens simplesmente inventarão uma ou aceitarão uma estrutura de realidade já pronta pela mídia. As pessoas comparam-se
constantemente com outras, as quais percebem como semelhantes a si mesmas. Estas percepções, é claro, são construções fictícias.
A convicção pessoal de que você poderá cumprir um objetivo aumenta a possibilidade de que este objetivo seja atingido. A percepção de
uma vontade ou da liberdade para decidir entre várias opções constitui uma poderosa influência motivadora, mesmo quando — ou
particularmente quando — tal liberdade não existe de fato. Os homens lutam para impor ordem, significado e estrutura sobre o mundo que
percebem ao seu redor. Tentam controlar os eventos e as relações em que estão imersos, mas quanto mais se percebem no controle das
opções, menos controle têm de fato.
Para otimizar os resultados, mantenha o maior número possível de opções abertas pelo maior tempo possível, em toda situação. O
comportamento pode ser visto como uma seqüência infinita de escolhas entre ações, não ações, alternativas, pensamentos e futuros,
focalizados na busca consciente de um objetivo. As potencialidades inconscientes tampouco devem ser ignoradas.
A CERTEZA INCERTA
As profecias que se auto-realizam aparecem regularmente nas relações entre nações. Raramente são percebidas, obscurecidas por fantasias
e ilusões que emanam do chauvinismo nacionalista ou ideológico, das representações promovidas por interesses ocultos ou de estratégias
conscientes para manipular a realidade em busca de lucro e poder. Tomemos, por exemplo, a relação entre os EUA e a Nicarágua, onde a
esquerda inicialmente moderada dos sandinistas depôs a ditadura de quarenta anos da família Somoza. Os sandinistas nacionalizaram muitas
empresas norte-americanas, que apoiaram e financiaram a cruel ditadura. A lista incluía a infame
274 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
United Fruit Company, uma subsidiária da W. R. Grace Corporation, uma das principais sustentadoras e beneficiárias do governo Reagan.
Desde o início do governo Reagan, em 1981, a política norte-americana foi a de derrubar a Frente Sandinista com suas tendências
socialistas. Depois do modo com que o governo dos EUA apoiou Somoza, os ni- caragüenses colocaram-se contra outras intervenções
americanas. A opinião pública anti-americana era previsível e, se tivesse sido manejada adequadamente pelos esforços diplomáticos, poderia
ter sido afinal amainada. No entanto, nos seis anos seguintes, os EUA aumentaram as pressões econômicas e militares sobre a Nicarágua,
uma nação empobrecida de cerca de três milhões de habitantes — mais ou menos igual à população da cidade de Chicago. O ódio
nicaragüense pelos EUA cresceu, assim como cresceu conseqüentemente o poder dos sandinistas.
O objetivo declarado era evitar que a Nicarágua formasse alianças com o bloco comunista. Portos foram minados por terroristas financiados
pela CIA, a reputação financeira internacional do país foi demolida e as fronteiras foram submetidas a constantes ataques de rebeldes
financiados pelos EUA e liderados por remanescentes da odiada Guarda Nacional de Somoza. Cada ato de agressão e terrorismo uniu ainda
mais a liderança sandinista e fortaleceu sua autoridade perante a população. Os sandinistas também foram forçados a uma dependência cada
vez maior às alianças com o bloco comunista, e a uma alienação cada vez maior dos EUA. Se os EUA tivessem realmente desejado salvar a
Nicarágua do comunismo, o dinheiro gasto com o terrorismo, as sabotagens e as tentativas de desestabilização poderia ter sido usado para
reconstruir a economia nicaragüense e ainda sobraria o suficiente para que cada estudante nicaragüense passasse um ano em Harvard.
As políticas norte-americanas — e sua intervenção declarada — na verdade fizeram surgir as condições que supostamente deveríam
prevenir. Uma a uma as opções disponíveis foram se reduzindo. Definições estereotipadas rígidas sobre a “ideologia revolucionária
marxista-comunis- ta”, ao lado de fantasias simplistas sobre causa-e-efeito, fecharam as portas em ambos os lados do conflito.
O governo Reagan bombardeou a opinião pública norte-americana com a fantasia de que se os contra não fossem apoiados, a América
Central rapidamente se tornaria um satélite soviético. Esta é uma previsão de cau
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM • 27 5
sa-e-efeito insustentável fatualmente. A SFP, é claro, tinha pouco a ver com o comunismo, mas foi um estratagema útil para apoiar os
crescentes gastos com defesa e a dominação econômica das empresas na América Central.
Profecias que se auto-realizam similares ocorreram em períodos anteriores, na Guatemala de Arbenz, na Cuba de Castro e no Chile de
Allen- de. Vietnã, Cambodja e Laos foram talvez as mais trágicas profecias que se auto-realizaram dos EUA. A predição de um domínio
comunista foi virtualmente garantida pela intervenção cruel e violenta dos EUA. Uma vez cumprida a profecia, seus perpetradores confirmam a
extraordinária exatidão de seu julgamento por terem previsto a causa e o efeito. A afirmação final, “Nós lhes avisamos sobre isso”, sempre
oculta a seqüência, “porque nós fizemos com que isso ocorresse”.
Líderes que afirmam que iniciarão mudanças raramente mudam grande coisa. Eles simplesmente re-rotulam o velho com novas palavras
ou frases. Qualquer tentativa de uma mudança sócio-econômica e política abrupta aciona inevitavelmente uma contra-reação. Mudanças reais,
ou o que é perceptivamente medido como uma mudança, ocorreram constantemente com indivíduos, grupos e nações. Mas as variáveis
extremamente complexas da mudança social tornam-na totalmente imprevisível, completamente acima de nossa capacidade de controlá-la,
entendê- la ou mesmo reconhecê-la conscientemente.
Por exemplo, a crítica ao comunismo não é uma luta contra o comunismo. As palavras não podem levar à mudança. As palavras na verdade
podem tornar a mudança mais improvável. A crítica produz uma defesa que de fato serve para fortalecer a decisão dos dissidentes.
Consideremos, por um momento, os efeitos da retórica presidencial numa época de sérias tensões mundiais.
Ronald Reagan, durante toda a sua carreira política, difamou a URSS a cada oportunidade que teve. Num discurso muito citado de 1983 ele
chamou a URSS de “o Império do Mal, o foco do mal em nosso tempo (aludindo à popular fantasia cinematográfica Guerra nas Estrelas). Estão
nos dizendo que podemos sentar e negociar com este nosso inimigo, que ambos os lados estão um pouco certos e um pouco errados. Como
fazer um acordo entre o bem e o mal? Como dizer a este inimigo que podemos conciliar nossa fé em Deus com seu determinismo dialético
(jargão filosófico para aquilo que os soviéticos chamam de método científico)? Co
mo podemos fazer um acordo com homens que dizem que não temos alma, que não há vida depois da morte e que Deus não existe?”
Numa demonstração do poder dos estereótipos na vida política dos EUA, o ex-presidente Richard Nixon freqüentemente exortava, “Os
comunistas são ratos! Quando você tenta matar um rato, deve saber atirar bem!” Tais declarações de Nixon e Reagan não têm nada a ver com
o comunismo, mas têm muito a ver com a credulidade do público americano, para o qual eles falam.
Este tipo de retórica tem servido a muitos interesses políticos internos, entre eles o aumento dos impostos, as apropriações militares e
desviar a opinião pública dos assuntos reais e significativos. Não estão entre os de menos importância. Quando os 280 milhões de soviéticos
ficaram sabendo do discurso de Reagan — e a liderança soviética não é nada burra — eles se uniram a seu governo. A decisão de opor-se aos
EUA foi fortalecida. Tal retórica, que tem continuado por mais de meio século, na verdade fortalece o comunismo e o poder da liderança
soviética, e sustenta o perigoso status quo entre as duas nações.
Esta e outras fantasias de “quando-então-porque” similares poderíam ser exemplos bastante engraçados de auto-ilusão, não fosse o fato
de que pessoas morrem inutilmente a cada ano em razão disso. Durante uma conversa sobre as SFPs com um diplomata de carreira, eu
perguntei: “Se temos conhecimento das SFPs, como nos deixamos ser manipulados em tais situações?” Ele respondeu: “Simplesmente porque
nós geralmente ganhamos. Nós inventamos e controlamos as SFPs, e somos suficientemente poderosos para colocá-las em movimento.
Mesmo quando parecemos estar perdendo, estamos ganhando. Quando por exemplo pareceu que Castro ganhava, ele estava realmente
perdendo. Sua presença a quarenta milhas da costa da Flórida justificou a contínua escalada de apropriações econômicas e militares
realizadas pelos EUA. Tais recursos nunca seriam liberados pelo Congresso se Fidel Castro não existisse”. Sempre aparece mais uma camada
na “cebola” perceptiva.
Não é muito consolador saber que qualquer estudante de política soviética pode descobrir uma grande safra de SFPs nas políticas interna e
externa da URSS da última metade do século. O que é assustador de fato é perceber que os líderes mundiais não são mais sofisticados ou
mesmo esclarecidos sobre as SFPs do que qualquer homem ou mulher comuns.
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM « 27 7
SFPS DA MÍDIA DE PUBLICIDADE
Como fabricante dos sistemas de valores culturais, a mídia comercial programa a sociedade para um pesadelo de expectativas não realizadas
e ir- realizáveis, trágicas profecias que se auto-realizam e para uma miríade de premissas que se autoconfirmam. Uma estimulação constante
pela manipulação sensorial desvaloriza, desumaniza e sexualiza mecanicamente tudo que é vendido ou comprado. As profecias que se
auto-realizam da mídia são, no entanto, o oposto do que parecem ser. O lado oposto, ou negativo, da expectativa, é realizado. Os anúncios
falam pouco sobre os anúncios ou as marcas. O ataque baseia-se nas descrições aduladoras, condescendentes e idealizadas dos
consumidores e do que o produto fez por eles. Os consumidores são continuamente estereotipados como felizes, realizados, bem-sucedidos,
disponíveis e desejáveis sexualmente, independentes, jovens, esclarecidos e seguros emocionalmente — uma mensagem lisonjeira. “Espelho,
espelho meu, existe alguém no mundo mais belo do que eu?”
A “Narcose de Narciso” (Narcisus Narcosis) foi a descrição que Marshall McLuhan deu para o estupor induzido pela mídia, que faz o público
sentar-se sem pensar em frente ao televisor, projetando a si mesmo na tela de TV. Narciso foi o deus grego que apaixonou-se por seu reflexo
num espelho d’água. Ele acabou sendo destruído pela criatura sábia, nobre, gentil, boa, honesta e bela que sorria amavelmente para ele
através do reflexo. Nunca descobriu que estava apaixonado por si mesmo.
Os lugares-comuns autolisonjeiros da publicidade são uma constante anestesia contra a intrusão da realidade na vida diária. A recompensa
implícita na causa-e-efeito das compras é uma vida saudável, bela e boa, com inexauríveis oportunidades sexuais e abundantes fontes de
gratificação sensual, retratadas pelos bem-pagos e idealizados modelos de sucesso — as mais belas das pessoas. Infelizmente, para os
desafortunados consumidores estas recompensas são ou inexistentes ou inalcançáveis. A vida real, como qualquer um pode muito bem
percebê-la, nunca é assim tão simples ou consistente. A modelo de seios grandes não pode ser sexualmente desfrutada ou obtida junto com a
graxa de sapatos que ela foi contratada para anunciar. Se os consumidores fossem realmente capazes de pensar por si mesmos, como eles
acreditam fazer, evitariam qualquer pro
duto exaltado por grandes glândulas mamárias como algo mentiroso. A única indulgência sensual disponível numa ilustração de anúncio só
pode ser uma fantasia masturbatória.
Alegria, amizades e uma aceitação social como um homem ou mulher forte e independente não ocorrem magicamente com a compra de
uma cerveja light. O oposto exato está mais perto da realidade. A maioria dos bebedores de cerveja, especialmente aqueles que encontramos
nos bares, são indivíduos solitários, dependentes e inseguros. Os modelos de publicidade são pagos para que pareça que uma bebida ou um
cigarro estejam realçando sua consumada popularidade social. Estas fantasias geralmente são o oposto da realidade do consumidor. É por
esta razão que elas funcionam. Os anúncios prometem que se você comprar o produto ele vai compensar suas deficiências. Indivíduos
indecisos que caem na armadilha dos anúncios freqüentemente são conformistas que buscam constantemente a adulação fantasiosa e a
aprovação que a conformidade supostamente traz. Na próxima vez que surgir uma oportunidade, observe alguém revelar suas apreensões
sociais e dependência com um cigarro usado como escora social. Durante o período de suspensão do vício as clínicas anti-tabagismo utilizam
como reforço videoteipes mostrando os pacientes fumando. Os pacientes acham estas fitas bastante perturbadoras emocionalmente. Uma vez
que o fumante percebe o que as outras pessoas já perceberam — o comportamento ansioso, dependente, nervoso, e de sucção infantil
envolvido no ato de fumar — torna-se mais fácil largar o hábito.
O papel estereotipado dos modelos de anúncios, filmes de cinema e tevê ou rock — talvez imagens desejáveis na superfície —
desintegra-se num pesadelo de expectativas humanas inatingíveis quando examinado de perto. A imagem da mídia é uma mentira, mas se não
for examinada com muito cuidado ela promete fantasias erotizadas muito mais encantadoras e entorpecedoras do que qualquer coisa
disponível na realidade.
Os consumidores acabam descobrindo que suas fantasias são meros exageros, mas culpam a si mesmos por suas deficiências. A boa vida
nunca se materializa, mesmo após infinitas compras e lealdade a um produto. A promessa não cumprida deve então ser interiorizada. Os
consumidores adquirem aos poucos a autopercepção de perdedores. Preso pela armadilha das síndromes dos impulsos consumistas, o
consumidor bem
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM » 279
treinado vai comprar algo quando estiver deprimido, frustrado, nervoso, rejeitado, solitário e aborrecido, pois foi justamente treinado à exaustão
para lidar com os problemas de ajustamento emocional mediante o consumo. Mas as expectativas promovidas pelos anúncios nunca se
realizam. No melhor dos casos, causam um breve período de alívio. Os efeitos tornam-se indistinguíveis das causas — novamente a cobra
morde seu rabo. O consumidor bem integrado percebe um mundo onde todas as pessoas podem tirar o máximo. Isto é, todas as pessoas
menos o leal, generoso, confiante e obediente consumidor, que foi metamorfoseado numa máquina de comprar. Um outro produto ou marca
são experimentados, um outro amante é escolhido, um outro grupo social é descoberto, um novo corte de cabelo experimentado, um novo
emprego encontrado, uma outra casa é comprada, uma outra fantasia perseguida, e um outro, uma outra, um outro... As percepções da
realidade desvanecem-se e se sobre- põem-se uma às outras mais e mais nas fantasias da mídia.
As falsas expectativas garantem a frustração e o fracasso final — o exato oposto daquilo que a mídia apresenta. Para o anunciante,
consumidores realizados são indesejáveis. Os consumidores satisfeitos podem afastar-se, desengajar-se do sistema, parar de comprar.
O SÍSIFO DO SÉCULO XX
O consumidor vai se transformando aos poucos num Sísifo moderno, treinado a empurrar a pesada pedra da esperança em busca de uma
identidade, um objetivo, aceitação, felicidade e realização, até o topo de uma íngreme colina. Então a pedra rola, mais uma vez, para baixo. O
consumidor a empurra novamente para o topo: de novo, de novo e de novo, até o fim. O lema de uma sociedade de consumo é “Consumo, logo
existo!” As expectativas lançadas pela publicidade, que levam às profecias que se au- to-realizam, enfatizam as fraquezas e defeitos que os
indivíduos percebem em si mesmos. Uma auto-avaliação negativa é constantemente reforçada. O consumidor evolui de um perdedor para um
superperdedor.
A dependência à droga e ao álcool tem suas raízes nos anúncios. Por quase um século, a população norte-americana foi educada pelos
anúncios a buscar soluções químicas para seus problemas de ajustamento
emocional. Bebidas, cigarros, remédios, entorpecentes — todos servem ao mesmo objetivo. Não há razão, ensinam os anúncios, para
sentirmos o menor desconforto, depressão ou dor. Seja feliz, bem ajustado, sempre otimista, tranqüilo, seguro, aceito socialmente e amado —
no topo do mundo. Se você não puder chegar lá com o álcool, tente o cigarro, ou escolha analgésicos, antidepressivos, tranqüilizantes ou
pílulas da felicidade de inúmeros tipos. Há uma bebida ou um comprimido para cada pequeno ou grande sintoma. Uma vez integrado, você não
precisa do sintoma, apenas da expectativa do sintoma. Os anúncios introduzem, racionalizam, aprovam e autorizam o consumo de drogas
químicas em um nível aterrorizador. É um negócio muito lucrativo, exceto para os usuários — muito dos quais acabam se tornando viciados.
Durante o último século, todo governo americano tem tomado, ao menos em palavras, uma posição firme contra o uso de drogas. E algo
comparável a ser contra o pecado, o abuso de crianças e fraudes contra o bem-estar. As drogas legais, este lucrativo negócio, são ignoradas.
A distinção entre legal e ilegal é outra das ficções perceptivas, mas é uma boa fonte de votos. Nos níveis perceptivos inconscientes, onde os
anúncios têm seu impacto mais poderoso, os consumidores são bombardeados pela propaganda sobre a boa vida que podem obter através
das drogas químicas. Os benefícios percebidos no produto, e não as distinções legais, são o que motiva e captura os consumidores. Enquanto
os fabricantes e os políticos fazem jogos sobre a legalidade, os anúncios tornam os consumidores dóceis para que aceitem e integrem o
consumo de drogas químicas na cultura norte-americana.
Enquanto o consumo de drogas legais — álcool, tabaco e produtos farmacêuticos — proliferou na última metade desde século, o mesmo
ocorreu com as drogas ilegais: maconha, heroína, LSD e, mais recentemente, cocaína e crack. Estima-se que o consumo atual de drogas
ilegais nos EUA movimente um comércio de 220 milhões de dólares diários, segundo o National Institute of Health. É curioso que nenhuma
figura pública tenha notado o aumento paralelo das drogas legais e ilegais. As distinções jurídicas não têm nada a ver com as distinções
psicológicas. O desejo de morte é constantemente manipulado em nível subliminar pelos anúncios de álcool, cigarro e produtos farmacêuticos.
A simples designação de ilegal proporciona um poderoso apelo ao consumo para muitos
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZAM «281
indivíduos. O consumo ilegal é percebido romanticamente como um ato de liberação às restrições impostas, de desafio à autoridade. Em 1986,
havia uma estimativa de 4 milhões de viciados em cocaína, com 5 mil novos usuários acrescentados diariamente à população.
O anúncio “What’s News” do Chivas Regai foi publicado por mais de cinco anos em várias revistas — Time, U.S. News &f World Report,
Newsweek, Business Week etc. (fig. 27) — a um custo estimado entre 4 e 5 milhões de dólares por espaço. Com o texto “Você pode pensar em
algo que dê melhor retorno ao seu investimento?”, o objetivo do anúncio era introduzir o Chivas Regai como um complemento aos negócios,
que supostamente são em grande parte realizados com o acompanhamento de uísque. O retorno de seu investimento em tempo, esforço e
lazer será ampliado com o Chivas Regai, um uisque escocês envelhecido doze anos. A profecia implícita é sucesso, dinheiro, poder — os
objetivos aprovados dos negócios. Quem podería argumentar contra a lógica, veracidade e bom senso de tal anúncio, mesmo quando
colocado num contexto de frívolos apelos à sensualidade, indulgência e às distrações superficiais? Os bebedores de Chivas são líderes que
apreciam o melhor. Beber scotch aplaina a subida ao topo, ajuda a garantir o sucesso. A profecia parece clara, pelo menos em um nível da
percepção.
O Wall Street Journal, com sua característica coluna da primeira página, What’s News? é um ícone dos negócios. A garrafa de Chivas ao
lado do jornal está aberta e não totalmente cheia. Presumivelmente, o uísque sobre os cubos de gelo acabou de ser despejado. Curiosamente,
a réplica pintada do jornal, não a coisa real, está com as palavras indistintas, como se fora de foco. Com exceção das palavras Business
andFinance e World, as letras são obscuras. No entanto, leve um momento para observar a imagem do jornal. Veja se pode ler alguma outra
palavra.
A palavra vagabundas pode ser percebida na terceira linha da manchete na coluna da esquerda. Parte de um parágrafo na coluna esquerda
é distinto e legível, outra parte é indecifrável. Uma palavra sobressai no texto, excomunhão. Estas palavras parecem, a princípio, isoladas e
irrelevantes, mas elas foram cuidadosamente desenhadas na réplica do jornal. As palavras nunca seriam conscientemente percebidas pelo
leitor. Inconscientemente, no entanto, até mesmo o menor e mais imperceptível dos detalhes pode ser muito importante.
Várias caveiras estão pintadas obscuramente nos cubos de gelo e no copo. Uma está à esquerda, no meio do copo, distorcida
anamorficamen- te (flg. 53). Outra caveira aparece de cabeça para baixo, sob a superfície do líquido, logo a esquerda do centro. Caveiras e
outras imagens ligadas à morte são comuns nos anúncios de bebidas alcoólicas. Elas apelam ao desejo de morte.
Logo à esquerda da caveira anamórfica, aparece uma figura de pé, vestida com um manto e usando um chapéu em ponta (fig. 54). Poucas
pessoas usam este tipo de chapéu — só os bispos católicos, os cardeais e o Papa. Uma mulher aparece ajoelhada em frente à figura. Os
cabelos longos rodeiam sua face, seus ombros estão nus, como se o vestido tivesse escorregado. A cintura do vestido aparece acima da saia
rodada. O braço direito da mulher está projetado para frente e seu antebraço está ligeiramente elevado. Parece que ela está segurando algo
com sua mão direita, voltado para sua boca aberta.
Fellatio com o Papa num cubo de gelo: uma estratégia subliminar bizarra para manipular os consumidores a comprarem o Chivas Regai. A
maioria dos leitores achará a obscenidade enxertada perturbadora, para dizer o mínimo. Considerando o tipo de mundo que foi construído em
nome dos empreendimentos desenfreados, com cada vizinhança se gabando de sua assim chamada “livraria para adultos”, a felação no cubo
de gelo pode ter se tornado uma expectativa normal.
Uma surpresa adicional aparece no whisky on lhe rocks. Logo à direita aparece uma versão familiar do Cristo (fig. 55), observando
pacientemente a ação no cubo de gelo ao lado.
Embora bastante pequenas em proporção à garrafa e ao copo, e imperceptivelmente colocadas, estas imagens serão percebidas
instantaneamente em nível inconsciente por qualquer pessoa que olhar mesmo que de relance para o anúncio. Em nenhum ponto do processo
per- ceptivo o significado e a mensagem poderiam emergir para a percepção consciente. As representações obscenas e tabus têm um efeito
inconsciente poderoso e duradouro naqueles que percebem o anúncio por um instante que seja. Este anúncio teria um efeito motivador mais
poderoso sobre os indivíduos com grandes inibições em relação ao sexo, conjugadas a convicções religiosas conservadoras. As duas
perspectivas em geral andam juntas.
PROFECIAS QUE SE AUTO-REALIZ AM » 283
O nome verdadeiro deste jogo é obviamente indulgência sensual, a recompensa do sucesso tanto nos negócios como no uísque de
qualidade. O scotch fornece um transporte para os “excomungados” e as “vagabundas” mencionadas no Wall Street Journal. O mundo tabu do
sexo, da morte, da figura de Cristo, das caveiras e da autodestruição é um fim para a hipocrisia e o conflitante sistema de valores da vida
moderna. Se acontece de o homem de negócios estar caminhando neste sentido, como muitos parecem fazer, Chivas Regai — como o
anúncio sugere — é o caminho. Chivas leva até lá!
Em um nível, a estrada convencional para o sucesso: trabalho, preocupação com negócios e finanças. Noutro nível, indulgência autodestru-
tiva e levada pela culpa, que invariavelmente destrói o sucesso ou a realização. Qualquer pessoa no mundo dos negócios, das finanças, no
governo ou nas profissões liberais que é vista como um bebedor aciona o sinal de alerta nas cabeças de seus pares e superiores. Ao contrário
das representações enganosas, o alcoólatra é percebido como um patético perdedor e não como um grande sujeito.
As noções simplistas de causa e efeito, quando os homens crêem nelas, levam às profecias que se auto-realizam. Uma vez estabelecida a
SFP, ela adquire vida própria, cria sua própria realidade, que não teria sido desenvolvida sem os pressupostos de causa e efeito iniciais. As
expectativas da SFP freqüentemente fazem surgir o que foi mais temido e antecipado. O matemático Nigel Howard oferece uma
contra-estratégia às SFPs: se uma pessoa toma consciência de uma teoria em relação a seu comportamento, ela não está mais presa por esta
teoria. Ela está livre para desobedecer. A melhor das teorias é impotente frente a sua antiteoria.
CAPÍTULO DEZ

O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE


Um mundo verdadeiramente objetivo, totalmente destituído de toda subjetividade, não podería ser—por esta mesma razão — observável.
Werner Heizsenberg, prêmio Nobel de Física
Qualquer forma de duplo sentido recorda-nos que as palavras, assim como as pessoas, podem ter significados ocultos, que a própria
linguagem que usamos para nos comunicar com os outros não é sempre totalmente “sincera A sinceridade na verdade serve para ocultar
ironia, explicações incompletas, s agacidade e enganação.
Martin Evans, America: The View fromEurope
O grande inimigo da verdade não é a mentira: deliberada, tramada e desonesta, — mas o mito: persistente, persuasivo e realista. Muito
frequentemente ficamos enganchados nos clichês de nossos antepassados.
John Fitzgerald Kennedy, discurso de formatura da Yale, 1962
Muito do que é conhecido sobre a comunicação humana foi aprendido nas clínicas psiquiátricas e psicológicas. O sintoma mais comum das
desordens mentais conhecidas é a diminuição da capacidade de utilizar a linguagem corretamente. Como acontece com outros sistemas, a
linguagem revela-se mais profundamente através de suas disfunções do que de seu uso mais ou menos normal. Na verdade, os
comportamentos em relação à linguagem percebidos como normais podem ser bastante anormais em termos de sobrevivência e ajustamento.
Para entendermos a nós mesmos, devemos de alguma forma entender os outros. Mas, para compreender os outros, devemos primeiro
aprender a entender a nós mesmos. A compreensão só pode ser alcançada através da linguagem. E claro que esta lei da comunicação é um
paradoxo, um Ouroborus. Muito, talvez a maior parte, de nossa linguagem verbal e não verbal funciona sem a nossa percepção consciente.
Mesmo as atitudes mais sutis e diminutas comunicam informações que definem e modificam certas relações. Os homens são muito mais
sensíveis em nível perceptivo do que eles querem acreditar ser. Informações importantes são constantemente trocadas, num processo do qual
nem o emissor nem o receptor têm consciência. Com freqüência existe um desejo inconsciente de excluir ou não lidar com o que está
realmente acontecendo. Os homens podem sentir ou pressentir, agir ou reagir, sem as palavras. O pensamento, no entanto, requer uma
linguagem verbal ou matemática, com sintaxe, estrutura, definições, significados declarados e implícitos. Tudo isto é percebido tanto em nível
consciente quanto inconsciente. Para tornar o processo ainda mais complexo, não existe nenhum sistema universal de linguagem, um sistema
simples através do qual qualquer pessoa possa se fazer entender. As linguagens estão emaranhadas com os sistemas culturais nos quais elas
se desenvolveram. Todas têm similaridades, assim como diferenças. O estudo de qualquer sistema lin- güístico-cultural é uma tarefa
formidável.
Descobrir o que está acontecendo num dado momento em um sistema de linguagem, especialmente aquele em que você participa, é
extremamente difícil. Os observadores nunca podem ser isolados de suas observações. Os homens são uma parte daquilo que percebem,
abstraem na linguagem e comunicam aos outros. A relação entre a linguagem e as realidades que a linguagem tenta descrever — tanto quanto
ela pode ou não ser percebida conscientemente — é mais uma questão de mais ou menos do que um ou outro.
Além disso, os homens vivem à mercê de influências das quais não têm consciência e sobre as quais não têm nenhum controle, mas que
afetam profundamente suas atitudes e seus destinos. Embora algumas pessoas possam manejar as relações com mais sensibilidade do que
outras, sempre existirão mais coisas que são desconhecidas e incognoscíveis do que aquelas que são seletivamente percebidas como
conhecidas. Não obstante o quando cautelosos possam ser, os homens influenciam os outros e são influenciados por estratégias e motivações
inconscientes que seriam inaceitáveis se fossem consideradas conscientemente.
A ilusão humana mais destrutiva e perigosa é a presunção de objetividade — uma realidade, uma verdade, uma perspectiva através da qual
o mundo deve ser percebido. As percepções individuais da realidade têm similaridades e diferenças. Mesmo assim estas variações são
lingüisticamente ignoradas, suavizadas e fundidas numa ilusão simplista. Os mitos da objetividade tornam-se ainda mais ameaçadores quando
ligados ao zelo ideológico que exige que o mundo seja esclarecido seja este esclarecimento desejado ou não. A objeüvidade é um mito tanto
na ciência quanto na vida diária, uma fantasia que freqüentemente controla as relações cotidianas.
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE » 289
Preconceitos inconscientes, crenças tradicionais e pressupostos tácitos influenciam fortemente as percepções e as decisões. Os
preconceitos tornam-se críticos quando as pessoas convencem a si mesmas que são completamente objetivas e que descobriram a ‘Verdade
absoluta”. A presunção de objetividade enreda o indivíduo em preconceitos desconhecidos e incognoscíveis, dos quais, uma vez que se está
preso, é difícil libertar-se. As conclusões alcançadas através da ignorância, cegueira ou indiferença aos processos perceptivos deveríam
assustar qualquer pessoa. Na prática, no entanto, as fantasias preconceituosas, as ilusões e as mitologias são freqüentemente aceitas
popularmente de forma compulsiva como sendo a coisa real.
As ilusões podem ser altamente contagiosas. Uma vez que uma explicação vinda de fonte de alta credibilidade é aceita, as informações
contrárias geralmente produzem explicações defensivas e racionalizadas do mito. Tais explicações tornam-se parte das conjecturas
autolacradas, encontradas nas posturas ideológicas, religiosas ou políticas extremistas ou fanáticas. Elas são pressupostos que não podem ser
refutados. As refutações serão ou ignoradas ou rejeitadas. As conjecturas baseadas em fantasias tornam-se superstições pseudocientíficas
que podem levar indivíduos ou grupos a comportamentos neuróticos ou mesmo psicóticos. As conjecturas irrefutáveis têm sido responsáveis
por uma enorme variedade de tragédias, atrocidades e catástrofes no decorrer da história do mundo. As premissas autolacradas levam a
certezas absolutas em questões tais como a superioridade ou inferioridade racial, as mentiras ideológicas e as visões preconceituosas em
relação a comunistas, capitalistas, judeus, mulheres, católicos, presbiterianos, ateus, homossexuais, feiticeiras e outras pessoas percebidas
como divergentes em dada cultura. Em vários momentos as sociedades têm considerado tragicamente estas construções perceptivas
preconceituosas como algo são, não obstante elas levem fre- qüenteménte a atitudes insanas.
ARMADILHAS IDEOLÓGICAS
Quando os indivíduos ou grupos comprometem-se com premissas autolacradas são compelidos a resistir, freqüentemente com ferocidade, à
contra-informação. Eles atacam compulsivamente seus críticos. As solu-
ções simples aos problemas complexos encontradas pelo ideólogo militante foram alcançadas ao custo de expectativas frustradas e/ou
ansiedade. O investimento psicológico na premissa é bastante alto. O risco de que estas soluções sejam comprometidas, sacrificadas ou
modificadas torna-se uma ameaça à auto-estima, ao prestígio social e até mesmo à identidade. Uma profecia que se auto-realiza, predita a
partir de uma ilusão de causa-e-efeito perceptivamente fixa, foi acionada. A estrutura toda é uma fantasia perceptiva, uma construção que tem
muito pouco a ver com a percepção voltada para a realidade. A premissa autolacrada surge frequentemente como um sintoma precoce de
algum distúrbio emocional.
Isto descreve, por exemplo, o que tem ocorrido por décadas entre os EUA e a URSS. Os adversários estão presos em profecias
autolacradas e que se auto-realizam e, mais cedo ou mais tarde, provavelmente destruirão a civilização mundial.
A mídia de publicidade cria incessantemente investimentos comerciais viáveis aos anunciantes que, a seu turno, criam mundos de fantasia
nos quais as populações emergem como aquilo que foram persuadidas a acreditar que gostariam de perceber em si mesmas. Para otimizar os
retornos dos investimentos em marketing, as sociedades são divididas e subdividas em categorias demográficas e psicográficas, cada uma
criando mercados separadamente ou em combinações. O processo cria um modo tribal de autopercepção e comportamento. A percepção que
a sociedade tem de si mesma polariza o que éineo que é out— eles são a favor ou contra nós, amigos ou inimigos, morais ou imorais. A peça é
apresentada diariamente no rádio, na TV, nos jornais e nas revistas. A tribo recusa-se a tomar parte em metas que reflitam objetivos comuns ou
mútuos. A tribo temerosa pode, por exemplo, tornar-se cada vez mais resistente aos apelos para um controle do crescimento populacional. Ela
pode inclusive correr para tornar-se mais populosa do que outras sociedades.
O mecanismo é atualmente aparente nas campanhas anti-aborto mascaradas de cruzada da moralidade. As crenças anti-aborto não estão
em questão; elas são apenas a fachada das manifestações. As pessoas que protestam estão curiosamente alinhadas com um espectro de
questões: fanatismo religioso, anticomunismo, e a sensação de estarem sendo ameaçadas por fora. Elas representam uma pequena minoria
na população dos EUA.
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE «29 1
A tribo procura tipicamente controlar recursos internos e externos politicamente, militarmente ou diplomaticamente. Ajustiça e a liberdade
diminuem quando o medo de intrusos ou hereges se intensifica ou é perceptivamente intensificado pela mídia. As ameaças, reais ou
fantasiosas, fortalecem a identidade do grupo. A tribo mobiliza seus recursos para a ação. A xenofobia torna-se uma virtude política. Os
não-conformistas dentro da tribo são punidos ou restringidos mais severamente.
A terrível história das civilizações mundiais, nenhuma das quais escapou da extinção final, proporciona uma crônica assustadora do
processo tribal. Cedo ou tarde a tribo vai à guerra, freqüentemente de forma desastrosa tanto para o vencedor quanto para o vencido.
Nenhuma nação ou sociedade jamais foi imune ao processo. O comportamento tribal deve ser uma predisposição humana inconsciente,
herdada biologicamente. Os envolvidos, no entanto, raramente descobrem conscientemente o que está sendo feito a eles ou o que estão
fazendo a si mesmos e aos outros.
As percepções cotidianas da realidade, que sustentam as perspectivas culturais tradicionais, são apenas construções perceptivas —
ilusões que devem ser continuamente escoradas e fortalecidas. Uma porção substancial da energia diária deve ser devotada a este fim. As
premissas autolacradas, se elas devem ser sustentadas, geralmente exigem que os fatos sejam adaptados para se encaixarem com as
percepções à realidade, ao invés de ocorrer o inverso.
Por exemplo, ser anti-URSS é ser pró-EUA nos Estados Unidos, e vice-versa na União Soviética. Todas as nações que estão no meio das
duas também são presas pelo sistema. Se você não está conosco, é contra nós. Tais construções geralmente são criadas por pessoas
espertas que sabem mais coisas, para serem ditas às pessoas ingênuas que não sabem muito. Elas são simplesmente uma técnica de
manipulação de massas. Você não pode confiar na URSS, nos EUA e em qualquer um não comprometido com um ou outro. Os golpes
soviéticos competem incessantemente com os golpes norte-americanos ou vice-versa. Nunca se esqueça do vice-versa. Todas as fantasias
verbais são reversíveis, intercambiáveis e reforçam-se mutuamente. Elas são também nonsenses absolutamente infantis — muito embora
mortais.
O CAÇA-NÍQUEIS AMISTOSO
O jogador de caça-níqueis é um outro exemplo de alguém adaptando os fatos para que se encaixem nas percepções da realidade, um
mecanismo do comportamento comum à maioria dos indivíduos, grupos e mesmo nações. O mecanismo tem uma origem antiga e
desconhecida na evolução humana, e pode ser parte da herança genética humana.
Os caça-níqueis não podem ser vencidos. Eles são artifícios mecânicos elétricos impessoais e inexaustíveis, que operam estritamente em
termos de probabilidade estatística. A indústria dos jogos de cassino, através de inteligentes manipulações da mídia, perpetua a fantasia de
que “qualquer um pode ganhar”. Só se requer sorte. Sorte, como qualquer pessoa familiar à indústria dos jogos sabe, é para os perdedores! Os
fatos empíricos e estatísticos sobre os caça-níqueis estão bem escondidos. A chance estatística de um indivíduo sair do cassino ganhando é
uma pequena fração de 1 %. Nenhum jogador profissional aceitaria uma vantagem tão grande contra a sua vitória. Os cassinos não apostam.
Numa aposta, os resultados são indeterminados. Num cassino os resultados são sempre certos, sempre os mesmos. Os cassinos sabem
exatamente o que estão fazendo. Os clientes iludidos e sem sorte realmente pagam para perder. A única questão num cassino é a quantidade
de tempo necessária.
Sob uma intensa expectativa de ganhar controlada pela mídia, o jogador de cãça-níqueis começa a perceber padrões nos desenhos de
frutas dos mostradores. Parece haver padrões regulares nas aproximações de vitórias, freqüências combinatórias entre as cerejas, as laranjas,
os limões e as barras. A fantasia perceptiva é bastante parecida com aquela das pombas loucas do dr. Skinner. As aproximações de vitórias
tornam-se tão re- compensadoras quanto as vitórias reais, que devolvem moedas. Os jogadores constroem estes padrões perceptivamente,
inventam-nos, fazem uma projeção fantasiosa de seus significados. Para encorajar e reforçar o processo, os novos caça-níqueis incluem
melodias eletrônicas, recompensas simbólicas que tocam quando certas aproximações de vitórias ocorrem. As melodias reforçam ou
sugestionam as percepções fantasiosas — como o riso eletrônico das comédias de televisão. Quando ocorre uma das raras vitórias de
verdade, ojingle eletrônico torna-se uma virtual sinfonia.
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O caça-níqueis é a máquina de fazer dinheiro elementar. Curiosamente, elas são vistas por suas vítimas como adversários leais, objetivos e
até mesmo amistosos. Alguns jogadores personalizam as máquinas nas quais enfiam seu dinheiro com nomes ou atributos humanos. As
projeções antropomórficas são encorajadas pelos anúncios dos cassinos. Um grande cartaz da Reno jacta-se: “Os caça-níqueis mais quentes
do Oeste!” Um atraente modelo foi colocado sobre a mesa ao lado do caça-níqueis com as pernas sugestivamente abertas e sua área genital
exposta.
Sistemas sociais, políticos e econômicos inteiros são do mesmo modo organizados a partir do sistema de recompensar a aproximação de
vitória. Vendedores, executivos de publicidade, políticos e outros que têm algo para vender, freqüentemente programam estes sistemas de
recompensa, que funcionam como a cenoura pendurada na vara que faz com que o asno (o perdedor) continue andando. Onde quer que as
recompensas sejam raras, os objetivos dos administradores concentram-se em manter os jogadores na partida.
A inteligência militar é programada de forma semelhante. Nós os observadores observando-nos a observá-los tentando controlar as cerejas,
limões e laranjas que eles esperam que nos pareçam informações reais. Eles, a seu turno, nos observam observando-os observarem-nos
tentando controlar as cerejas, limões e laranjas que esperamos que lhes pareçam informações reais. Enquanto isso, os dois lados pulam de um
lado para outro como as pombas de Skinner: as ações absurdas de um lado para as reações absurdas do outro. O problema extremamente
perigoso deste jogo tolo é o fruto conhecido, desconhecido e incognoscível que sempre vem à tona. Cada lado sacode a sua fruta para lograr o
outro, e acaba logrando a si mesmo. As pessoas que levam a CIA e a KGB a sério, provavelmente também acreditam que podem ganhar em
Las Vegas, que coca-cola é “o que é” e que Wheaties ê “o café-da-manhã dos campeões”.
No caça-níqueis, os padrões de frutas e barras são totalmente aleatórios e sem sentido. As máquinas simplesmente seguem suas regras
estatisticamente programadas. Qualquer coisa a mais percebida sobre um caça- níquel é pura fantasia. Entre os jogadores compulsivos — o
jogo é altamente viciante — as máquinas parecem possuir vida interior e funcionar com uma previsível regularidade. Estes indivíduos,
comprometidos por premissas autolacradas às quais chegaram com um grande custo em an
siedade e expectativas, não podem ser persuadidos do contrário. Suas convicções autolacradas são suficientemente recompensadas por
recompensas reais ou simbólicas, apenas o suficiente para mantê-los jogando. Recompensas reais em dinheiro são, não obstante, apenas
minúsculas porções do investimento do jogador.
A necessidade de buscar consciente e inconscientemente padrões de causa-e-efeito e regularidades dentro do meio perceptivo jaz fundo
no mecanismo e na química do cérebro. Os indivíduos, inconscientes da infinita variedade de opções ou realidades perceptivas que estão
sempre disponíveis, assumem que há apenas uma realidade, uma causa, uma interpretação, uma opção, um objetivo, umrumo de ação. Suas
premissas lacradas geralmente são apoiadas por outras pessoas presas na mesma armadilha.
Qualquer pessoa que apresentar opções alternativas corre o risco de ser considerada danosa, insana ou subversiva. É quase impossível
explicar a um jogador viciado como um caça-níqueis funciona. Sua explicação, não importa o quão bem intencionada, provocará uma
agressividade defensiva.
Parece virtualmente impossível convencer um burocrata do governo de que o único meio de vencer a perigosa batalha entre o comunismo e
o capitalismo — uma batalha perceptiva construída para obtenção de poder e lucro — é simplesmente não jogar o jogo. Esta conclusão rear-
ranjaria drasticamente as estruturas de poder e lucro de ambos os lados. O conflito persiste porque certos grupos dos dois lados servem-se
dele. As razões conscientemente percebidas, ou alegadas, não têm nada a ver com o que realmente está acontecendo.
No curso de mais de trezentos projetos de pesquisa que este autor coordenou para empresas privadas e para governos, tornou-se aparente
que a solução de problemas raramente era uma tarefa simples e objetiva. A noção de que a “verdade” resolvia os problemas era extremamente
ingênua. As instituições contratavam caros consultores e especialistas em pesquisas para confirmar ou rejeitar decisões, perspectivas e
realidadesjá aparentes. Muitas instituições aceitarão a falência e mesmo a aniquilação antes de concordarem em reconceitualizar seus dilemas
e paradoxos. Durante as crises de empresas, este autor geralmente tentava fornecer pelo menos três — preferivelmente mais — soluções
alternativas para ca
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da problema sob estudo, cada uma das quais igualmente construtiva e aplicável. Uma quarta opção geralmente era acrescentada às três
básicas sem custo adicional: “Não faça nada! Permita que o problema, ou a percepção do problema, trabalhe por si mesmo”. A quarta opção
nunca foi aceitável. Raramente era uma opção que alguém quisesse bancar, mesmo que pudesse resolver o dilema. Os administradores
insistiam compulsiva- mente nas soluções corretas e mais lucrativas. Tais conclusões perceptivas simplistas continuam sendo responsáveis
por inúmeras falências nos negócios, nas indústrias e nos governos de todo o mundo.
Uma estrutura ou um padrão percebido torna-se facilmente uma ilusão que se auto-reforça. Uma vez que uma premissa aparentemente
racional e “científica” é aceita, as ilusões se seguem através das deduções lógicas. A premissa autolacrada freqüentemente passa a ter vida
própria. No entanto, em temos de realidade, ou de percepções voltadas para a realidade, geralmente não é a verdade ou falsidade de uma
ilusão que é importante; a ilusão tem sucesso por causa de sua mera existência ou recompensas aparentes.
Para se manipular a realidade em favor de um objetivo, a simples suspeita sobre a validade de uma alternativa geralmente já é poderosa o
suficiente. Na competição da mídia por consumidores ou na competição dos candidatos políticos por eleitores, um grande esforço é empregado
para criar-se suspeitas críveis em relação aos oponentes. Até mesmo a mínima dúvida, uma vez estabelecida, pode expandir-se eficazmente.
Uma grande mentira, é claro, realimenta outra grande mentira. A manipulação da realidade é uma indústria em grande crescimento. A
evidência factual é geralmente desnecessária e com freqüência indesejável. Quanto mais exagerada for a história, mais crível ela pode se
tornar se for legitimada apropriadamente. As percepções voltadas para os fatos tornam-se massa de modelar nas mãos de qualquer pessoa
que entenda as vulnera- bilidades perceptivas e saiba como explorá-las.
As pessoas em geral não acreditam que possam ser tão facilmente manipuladas e controladas. É precisamente por isso que elas são tão
fáceis de manipular e controlar.
Os sistemas culturais e ideológicos são construídos como os caça-ní- queis dos cassinos. Uma vez estabelecida, a convicção de que os
membros têm livre escolha e vontade torna-os ainda menos conscientes das contradi-
çoes, qualificações e paradoxos. Uma substancial maioria dos cidadãos, tanto nos EUA quanto na URSS, por exemplo, acredita que suas
sociedades são livres, democráticas e preocupadas com os direitos humanos. A questão é em si mesma um artifício de condicionamento,
muito embora seja um completo nonsenseem qualquer percepção voltada para a realidade. As duas sociedades ignoram ou observam os
direitos humanos quando fazer isto serve a algum objetivo interno ou externo. A questão é um problema de mais ou menos e não ou um ou
outro. Um conjunto completo de fatos pode ser gerado para tornar válida ou desacreditar a visão de qualquer uma das duas sociedades.
Mesmo assim, cada lado acredita com fervor religioso que o seu mundo é superior. A discussão é comparável a de dois garotos discutindo
quem tem o pênis maior e finalmente se a comparação será feita no estado flácido, tumescente ou em algo intermediário.
A REALIDADE É UMA DRAGA
A história humana revela uma perturbadora inabilidade dos homens para lidarem com as percepções voltadas para a realidade — para
compreenderem os dados empíricos, a natureza retórica das questões e a complexa rede de motivos conscientes e inconscientes subjacentes
às discussões.
Parece muito mais fácil para os homens fantasiar e projetar a responsabilidade das decisões em algum princípio místico, alguma ideologia,
no destino, em algum poder mc ^afísico secreto, em Deus, em um profeta de Deus ou em algum líder onisciente e carismático. Os homens
raramente consideram que a sorte ou a probabilidade, em conjunto com um punhado de necessidade humanas básicas e os recursos sempre
limitados controlados pela elite no poder, guiam os destinos do mundo, sempre fizeram isso durante a história e provavelmente continuarão a
fazê-lo num futuro previsível. A moralidade e a justiça geralmente dependem mais do poder para serem postas em prática do que do discurso
intelectual, e o mesmo acontece com as realidades perceptivas.
Como já foi exposto, as realidades perceptivas parecem ocorrer em pelo menos três níveis: macro, micro e submicro. Em cada nível, as
percepções podem ser medidas e verificadas por escalas, aferições, esquemas, re-
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lações matemáticas, todas mais ou menos padronizadas e com um acordo consciente sobre estes padrões. As propriedades físicas e
biológicas podem ser estabelecidas através de provas ou refutações experimentais, re- petíveis e verificáveis. Muito poucos problemas entre
os homens não podem ser resolvidos neste nível de percepção da realidade voltada para os fatos. Os pesadelos na comunicação humana
surgem da incapacidade de acordo em relação aos significados, valores, avaliações perspectivas, sínteses e análises. As regras são
completamente arbritrárias. A fantasia de uma verdade eterna aparece com freqüência. Discussões absurdas surgem sobre o que realmente
ée não ée, uma vez solucionadas verbalmente, uma premissa auto-lacrada assume o comando.
O dilema da objetividade humana tem sido freqüentemente retratado pelas artes. O excelente Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrel,
conta a estória de uma exótica mulher do Oriente Médio a partir das realidades perceptivas singulares, e bastante diferentes entre si, de seu
amante, de seu marido, de seu médico, de seus amigos e de seus inimigos. A obra-prima Rashomon, do cineastajaponês Aldra Kurosawa,
também pers- cruta a subjetividade na estória de um estupro contado a partir das perspectivas dos quatros indivíduos envolvidos. Franz Kafka,
o mestre do paradoxo, fez das variações perceptivas da realidade a base de grande parte de seu trabalho literário. Seu romance O Processo é
uma das exposições mais pertubadoras da relatividade perceptiva, do paradoxo e das ligações duplas. Um homem está sendo julgado por um
crime mas nunca descobre quais as acusações, as testemunhas ou as razões de sua condenação. Ele finalmente acaba convencido de sua
própria culpa sem ter descoberto a natureza de seu crime.
Uma das exposições mais pertubadoras da realidade perceptiva aparece no século XVIII, nos trabalhos do infame embora curiosamente
(talvez insanamente) brilhante Marquês D. A. F. de Sade. Os textos de Sade nunca esclarecem o leitor se estão refletindo a fantasia ou a
realidade, ou onde uma se funde com a outra. Em Justine, seu trabalho mais conhecido, ele escreve, “o espelho vê o homem como belo, o
espelho ama o homem; um outro vê o homem como assustador e o odeia; e é sempre o mesmo ser que produz as impressões.” Os ataques de
Sade à realidade objetiva e à sabedoria convencional de sua época escandalizaram a França. Seus livros foram queimados. Sua ruína foi
garantida pelo tratamento literário dado ao
sadismo e ao masoquismo, os temas literários mais proibidos. (A moderna palavra sadismo derivou de seu nome.) Sade percebeu que as
potencialidades sadomasoquistas eram inerentes à maioria dos homens. Embora a história não prove sua participação real nestes
comportamentos bizarros, Sade foi condenado a viver a maior parte de sua vida em hospícios.
A despeito de informações voltadas para a realidade, mesmo vindo de fontes de alta credibilidade, os homens relutam persistentemente em
abandonar as percepções tradicionais da realidade. Como tem sido fre- qüentemente demonstrado através dos séculos, as culturas
agarram-se às fantasias perceptivas até a morte. Na história do mundo, poucos homens foram intimidados pela força, pela ameaça de uso da
força ou mesmo da morte. Apesar disso, as nações continuam acreditando que a força bruta é o melb or meio para controlar os dissidentes e a
oposição. As sociedades persistem nesta fantasia mesmo quando a única recompensa concebível é a auto-aniquilação.
O SEU HOSPÍCIO OU O MEU
Todas as atitudes comunicam-se mutuamente. Os problemas surgem quando as mentiras, informações ou representações errôneas são
introduzidas no sistema, consciente ou inconscientemente, proposital ou acidentalmente. Já que as metas significativas raramente são
alcançadas sem a confiança, a consciência da manipulação é freqüentemente reprimida. No nível inconsciente, no entanto, é difícil esconder
as menüras. Os manipulados geralmente sabem que estão sendo manipulados em algum nível da percepção.
Se certa ilusão é percebida apenas por uma pequena minoria sem status, a maioria a considerará como desviados: maus ou insanos. Não
importa o quão prováveis sejam suas alegações sobre a fraude, os desviados provavelmente serão considerados como pessoas que precisam
de uma terapia, de punição ou exclusão. Em situações onde a fraude é demons- trável em termos de percepções voltadas para a realidade,
interrogatórios ou terapias acarretam distorções da realidade, refocalizando as percepções do desviado para que adaptem-se às da maioria.
Se o comportamento da maioria for insano, tentar-se-á levar os desviados da sanidade
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para a insanidade. O processo é aparente nas instituições militares, sociais, econômicas e políticas, e aparece com freqüência como uma
expectativa normal da vida diária.
O consenso da maioria é uma força social esmagadora. O consenso é cortejado por todas as estruturas do poder do mundo e é manipulado
pelas técnicas dos meios de comunicação de massa e de relações públicas. A necessidade humana de ser aceito — não importa o quão
absurda ou destrutiva esta aceitação possa ser — está profundamente arraigada em um imperativo básico: sobrevivência e ajustamento.
Parece haver uma disposição inata para comprometer as percepções individu ds em favor do que aparenta, ou é construído para aparentar, ser
o consenso do grupo. Infe- lizmente, no entanto, os sistemas sociais, econômicos e intelectuais conseguem suas novas idéias, seu
crescimento e sua sobrevivência à custa dos inovadores dissidentes, dos não-conformistas.
O famoso dilema insolúvel é outro veículo, geralmente consciente, que leva ao desastre comportamental. Na situação de dilema, você está
perdido se faz alguma coisa e igualmente perdido se não faz. O dilema insolúvel é produto de premissas autolacradas que geralmente
funcionam num nível não consciente.
O antropólogo Gregory Bateson relata a história de uma tribo da Nova Guiné que comemorava uma festa anual com as tribos vizinhas,
durante a qual os homens vestiam-se de mulher, tomavam-se bebedeiras ho- méricas e havia um relaxamento das restrições sexuais. Era
aparentemente uma festa e tanto. Quando os bem-intencionados missionários cristãos chegaram, eles viram a orgia anual como algo
pecaminoso, o trabalho do demônio. Persuadiram a tribo a abolir a festa. Logo em seguida, a tribo iniciou conflitos mortais com as outras tribos.
A orgia anual serviu, durante anos, para resolver as tensões intertribais. Agora os nativos estavam condenados pelos missionários se
continuassem com a festa, e condenados aos conflitos homicidas se não a fizessem.
O dilema insolúvel é um paradoxo sem vencedores no qual uma quantidade impressionante de homens gasta parte de sua vida, enquanto o
problema não é reconhecido conscientemente. Em algumas nações economicamente desenvolvidas, algumas vítimas dos dilemas insolúveis
acabam nos hospitais psiquiátricos. No mundo subdesenvolvido, elas freqüentemente tornam-se insurgentes.
A maior ironia de Deus foi infligida no Jardim do Éden. Ele equipou generosamente os humanos para gozarem os prazeres e a realização
sensual erótica. Então ele caprichosamente expulsou Adão e Eva do Paraíso, e os proibiu de brincarem livremente com seus prazerosos
brinquedos, sob a ameaça de danação eterna. O pecado original descrito no Gênesis deve ter sido o primeiro dilema insolúvel. Nós ainda o
carregamos.
Pelo menos quatro variações do dilema insolúvel aparecem regularmente nas relações humanas. Elas são perpetuadas pela mídia de
publicidade e evoluíram como aspectos da cultura que não são percebidos conscientemente.
A VALIDADE PERCEPTIVA QUESTIONADA
Os indivíduos ou os grupos têm, com freqüência, uma percepção voltada para a realidade válida no geral em relação ao seu mundo, e são no
entanto punidos por uma autoridade de grande credibilidade. Estes dilemas insolúveis geralmente ocorrem entre marido e mulher, pais e filhos,
empregadores e empregados, mídia e público, líderes e seguidores. Os homens, condicionados por interpretações perceptivas contraditórias,
acham difícil agir apropriadamente. As percepções ilusórias e auto-im- pingidas geralmente prevalecem.
A mídia e outras fontes de autoridade dizem-lhe repetidamente que não mentiríam para você, que sempre dizem a verdade. Então você as
pega repetidas vezes dizendo mentiras, fazendo representações enganosas e manipulações fraudulentas. Sua primeira opção — se você
continuar no jogo — é aceitar as mentiras como verdades, adaptar sua percepção às suas realidades fraudulentas. No entanto, você pode
acabar confuso e perturbado.
A repressão da realidade contraditória pode ser a salvação. O conhecimento consciente da mentira desaparece da superfície. A segunda
opção é o confronto, que é algo difícil se quem está mentindo são os seus pais, seu companheiro, presidentes, mídia de publicidade confiável e
outras fontes de informação bem cotadas: algo bem difícil, de fato.
Alguns indivíduos rejeitam a fonte de alta credibilidade que es
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tá mentindo, vão embora e buscam outras relações potencialmente menos danosas. Qualquer um que afirme que nunca mentiría para você
está blefando. Há, é claro, mentiras de omissão, mentiras por “cumprir ordens”, mentiras de interpretação. Os indivíduos mentem sem parar,
mesmo que apenas para si mesmos sobre o fato de não mentirem.
Optar contra a sistema pode ser extremamente difícil, se não impossível. Incapazes de dissociar, os indivíduos gastam um longo tempo
tentando descobrir como a realidade deve ser percebida, de qual perspectiva — a busca incessante nunca realizada pela verdade. Diga-me, o
que ê “amor”, “verdade”, “vida”, “fé”, “democracia”, “liberdade”, a melhor pasta de dentes, o melhor carro, cigarro, desodorante etc? A busca
freqüen- temente aparece nos rituais evangélicos e de renascimento religioso: “Deus me disse...”
A SANIDADE NUMA SITUAÇÃO INSANA
Um outro exemplo de dilema insolúvel aparece com freqüência nas situações dos reféns de seqüestro. Durante a prisão, os reféns que
tentarem cooperar e entender as percepções de seus seqüestradores (não importa quão psicóticos possam ser os terroristas), são rotulados
como traidores, covardes sob lavagem cerebral e bajuladores servis, após serem libertados. Não obstante, seu comportamento e percepção da
situação são bastante saudáveis, voltados para a realidade no sentido de sobrevivência e ajustamento dentro de uma situação totalmente
insana.
O comportamento racional do prisioneiro parece irracional para aqueles que estão de fora da situação. As organizações militares utilizam
um processo de submeter os prisioneiros libertados a interrogatórios. O interrogatório é uma reorientação sistemática para uma percepção de
realidade — sobrevivência (sanidade talvez) consistente com as percepções dos que estão de fora. Mesmo assim, os que estão de fora nunca
podem compreender realmente o medo, a exaustão, a ansiedade, desesperança e o desejo intenso de sobreviver que os prisioneiros podem
ter enquanto estão capturados.
SEJA GRATO
Um terceiro tipo de dilema insolúvel ocorre quando se espera que as pessoas tenham sentimentos diferentes dos que têm de fato. A culpa e a
au- tocondenação são os resultados quando espera-se que as pessoas sintam algo que não sentem ou sentem algo que não é esperado que
sintam. Ao invés de ganharem a aprovação por aquilo que vêem como sentimentos honestos, elas são punidas. O paradoxo pode ser expresso
como: “Depois de tudo que eu (ou nós) fiz por você... Você devia ao menos ser grato, estar alegre, ter orgulho, ser leal, amoroso, fiel, sexual,
patriota, devoto, confiante, obediente, cordato”... adinfinitum. Este paradoxo, como aquele do comportamento apropriado-inapropriado do
prisioneiro ou refém, pode resultar em depressão ou algo pior. Quando os indivíduos sentem- se responsáveis por comportamentos sobre os
quais têm pouco controle, inconscientes com as expectativas ao seu redor, eles podem adoecer. O dilema insolúvel pode evoluir para uma
perturbadora neurose, como uma reação normal a uma situação anormal. Na mídia são abundantes tais armadilhas ocultas, inconscientes.
FAÇA, MAS NÃO FAÇA
Quando autoridades de alta credibilidade: líderes, patrões, pais, esposas, amigos, governos, sistemas ideológicos ou culturais ao mesmo
tempo exigem e proíbem ações, políticas, pensamentos ou comportamentos, os indivíduos caem na armadilha do dilema insolúvel. Eles só
podem obedecer desobedecendo. Este paradoxo toma formas tais como:
Ganhe de qualquer jeito, mas seja sempre honesto!
Faça o que eu digo, não o que você acha que deveria fazer!
A honestidade é sempre a melhor política, mas negócios são negócios!
O individualismo, a sobrevivência do mais adaptado, é uma lei básica da natureza. As restrições à liberdade matam a iniciativa e são anti-
americanas. Mas as pessoas devem trabalhar para o bem comum e permanecer lealmente unidas.
Os indivíduos não devem viver apenas para si mesmos!
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE • 303
Tenha sucesso, mas o tipo de pessoa que você é importa mais do que o sucesso!
A família é a instituição básica e sagrada da América, mas o bem-estar nacional depende dos negócios; portanto as outras instituições
devem conformar-se aos negócios!
A democracia é a base da liberdade e da igualdade; mesmo assim nada será feito se deixado à mercê do voto popular. Nenhum homem de
negócios ou patrão toleraria as decisões coletivas.
Os seres humanos são racionais e pode-se confiar que farão as coisas certas; mas alguns homens são mais brilhantes do que os outros,
portanto, podemos esperar que estes decidam pelos outros.
A religião e a busca de uma vida melhor são nossos objetivos últimos, mas devemos a nós mesmos ganhar o máximo de dinheiro possível!
Acreditamos no progresso e nas novas idéias, mas os princípios antigos são os melhores. A mudança rápida deve ser evitada!
O grande desafio do capitalismo/comunismo é escapar das regras deste modo de vida.
O capital e o trabalho são parceiros, mas evite pagar salários mais altos do que o necessário.
A educação é uma coisa boa, mas as pessoas práticas é que conseguem fazer as coisas!
As mulheres são sagradas, mas não são muito práticas e são inferiores em suas capacidades e em seu raciocínio.
O patriotismo e o bem público são os ideais mais elevados, mas os indivíduos devem cuidar de si mesmos!
As exigências dos dilemas insolúveis não podem ser cumpridas. Considere tais ordens: “Seja espontâneo!” (a espontaneidade não pode ser
ordenada); “Seja sexual!” (a fisiologia não está sujeita às ordens verbais) ; ou “Trate todas as pessoas como iguais” (uma instrução de um
superior) ; “Seja permissivo! ” (obedecer é ser obediente.)
Considere o seguinte provérbio Zen:
Pensar que não irei
Pensar mais em você
Ainda é pensar em você.
Deixe-me não pensar
Que não irei pensar mais em você.
Mas isto, é claro, ainda é
Pensar em você.
Os artistas comerciais tradicionalmente jogam com as percepções de objetividade e realidade do público. Seus objetivos geralmente são
dinheiro, lucro, fama, status, poder, tudo isso junto. A Madison Avenue tornou este jogo mais refinado, com enormes investimentos e alta
tecnologia, mas ela não o inventou. Norman Rockwell, o artista comercial por excelência, criou seus trabalhos sobre cada premissa autolacrada
que permanecia viva entre a população mais velha, classe média, WASP, conservadora, sentimental e conformista dos EUA. Ele conhecia
intimamente seu público e explorou suas ilusões sem piedade.
As ilusões de si mesmo não são voltadas para a realidade; elas podem na verdade contradizer frontalmente as percepções da realidade.
Rockwell construiu engenhosamente um mundo que nunca existiu, mas que seu público precisava desesperadamente idealizar e acreditar que
havia alguma vez existido. As fantasias projetivas têm apelo para as pessoas cujas realidades sejam sem brilho e sem romance. Afantasia é
criada por regressão, um caminho de volta a um passado idealizado. E claro que em períodos anteriores as pessoas idealizavam um tempo
ainda mais longínquo.
Com um apelo sentimental aos valores tradicionais da classe média, o artista mais rico do mundo criou um caro prato de porcelana para o
Dia das Mães (fig. 28). Como toda criança sente certa culpa em deixar a mãe após a maturidade, o símbolo da maternidade tem sido usado há
bastante tempo para manipular o comportamento do consumidor. O catálogo de vendas descreveu a pintura na porcelana — Benção de Mãe
— como “Uma cena rara de Rockwell, que nunca será vista nas capas de revistas, posters ou ilustrações de livros. Sua iluminação e contraste
são remanescentes das obras-primas da Renascença. Mas as feições são inconfundivelmente Norman Rockwell. Talvez o mais sensível Dia
das Mães já produzido pela arte”. O bonito catálogo de vendas é projetadõ paraarrancar uma fortuna considerável dos consumidores treinados
a aceitar não-critica- mente a mídia por seu valor nominal. O barroco texto do anúncio pode até evocar lágrimas. A sentimentalidade piegas,
como no jargão em inglês da mídia, é uma arma poderosa.
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE » 305
Na pintura de Rockwell, a mão esquerda da mãe repousa não no topo, mas na parte de trás da cabeça de sua filha. Em termos de
movimento, ela parece estar dirigindo o olhar da menina em direção aos braços do garoto, presumivelmente seu irmão mais velho. As mãos do
menino estão unidas para rezar, seus olhos estão fechados, seus antebraços formam um V. Se a pintura for virada para o lado esquerdo, os
antebraços do menino parecem construídos de forma curiosa. Isole os outros detalhes da pintura e estude cuidadosamente o antebraço direito
do garoto isoladamente (fig. 56). O genital ereto não está detalhado tão dramaticamente como no anúncio do ginTanqueray (fig. 31), mas o
objetivo é similar—vender, vender, vender, vender...
O Bigallo Crucifixo com Santos (fig. 29), têmpera sobre madeira, foi pintado cerca de 1240-70 por um italiano anônimo. O enxerto, que
deveria ser imediatamente percebido, é similar àquele do anúncio do gin Tan- queray (fig. 31), embora não tão engenhosamente construído; o
aerógra- fo não seria inventado antes de se passarem sete séculos. O Bigallo Crucifixo está atualmente no Art Institute de Chicago. E curioso
como o tempo pode aumentar o valor de algo que percebemos como arte. A arte religiosa sempre foi grosseiramente comercializada em todo o
mundo. E notável que este exemplo tenha sobrevivido 750 anos, acabando num dos museus de mais prestígio do mundo. O leitor deve ter em
mente que este crucifixo (um símbolo) não tem nada a ver com cristianismo, catolicismo ou com Jesus Cristo. Ele foi pintado apenas para
vender e é isso mesmo que tem feito — por mais de três quartos de século. O ícone é atualmente avaliado em mais de meio milhão de dólares.
O Bigallo Crucifixo está tão longe do cristianismo quanto a pintura de Rockwell. Na verdade, os dois trabalhos são travestis, piadas pessoais
sobre a credulidade perceptiva humana. Mas eles venderam, venderam, venderam, e ainda vendem.
Verticalmente, no corpo torturado da figura de Cristo, aparece um genital masculino enxertado (fig. 57). A face demonstra uma resignação
sofrida, como se Ele estivesse carregando o peso do mundo (fig. 58). Se o genital tivesse sido percebido conscientemente, é duvidoso que o
trabalho sobrevivesse sete séculos e meio. O artista teria terminado sua vida executado como herege se o enxerto reprimido tivesse se tornado
consciente a seu público. O santo da esquerda olha diretamente para o pênis ereto com uma expressão de reverência e humildade, talvez de
inveja.
Considerando-se a energia que atualmente é gasta no estudo da comunicação humana, é surpreendente que as técnicas subliminares
sejam tão pouco conhecidas por outras pessoas que não os artistas que as utilizam. As razões para que tais ardis permaneçam ocultos dizem
mais coisas sobre a presunção e a avareza humanas do que a maioria das pessoas gostaria de saber conscientemente. As pessoas
manipuladas são em geral vítimas voluntárias por causa de suas expectativas de ganho.
“Pensávamos saber o que estávamos fazendo, mas havia este pequeno problema das motivações e percepções subliminares! ” Este
podería ser o epitáfio da civilização mundial, enxertado na última explosão nuclear.
LACRADO PELA ETERNIDADE
Os passageiros já estavam acomodados em seus assentos para o vôo de três horas de Houston até Los Angeles. O major da Força Aérea dos
EUA na poltrona ao lado sorria amavelmente enquanto pedia um dry martini Homem grande, com um rosto rude e um sorriso franco,
lembrou-me um personagem das pinturas de Norman Rockwell.
“Sua base é em Los Angeles?”, perguntei.
“Em Lompoc, cem milhas ao norte”, ele respondeu.
Notei o míssil de duas polegadas e meia pregado em seu uniforme. “Comandante de mísseis”, arrisquei.
Ele sorriu com orgulho e aquiesceu. Nas duas horas seguintes, a conversa foi agradável, cordial e interessante. Mostramos um ao outro
fotos de nossas esposas, de nossos filhos e até de nossas casas. Nós dois éramos mais ou menos da mesma idade, com o mesmo nível de
vida e de instrução. Eu havia passado quatro anos e meio na Força Aérea durante a Segunda Guerra Mundial.
Desde o começo de nossa conversa, eu perguntava a mim mesmo sobre o trabalho do major. Hesitava em levar uma conversa casual entre
dois estranhos para um assunto tão carregado com questões de segurança. Mas eu nunca havia conhecido alguém que tivesse passado sua
vida numa ogiva subterrânea, treinando incessantemente para o dia em que apertaria um botão que lançasse mísseis dirigidos a populações
humanas a milhares de milhas de distância. O major trouxe o assunto à tona.
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE « 307
“Terei uma aposentadoria precoce no ano que vem. Vinte anos no exército é o suficiente para uma vida”. Ele contou sobre uma oferta para
um emprego executivo numa companhia aérea.
“Alguma vez se arrependeu de estar na Força Aérea?” perguntei.
“Todos nós o fazemos de vez em quando”, respondeu. “Mas foi uma vida boa, especialmente com os mísseis. Eles não nos transferem por
toda parte, como fazem com os outros. A pensão e a residência são boas, as promoções são virtualmente automáticas. Eles preferem homens
que tenham família: mais estabelecidos, confiáveis, mais dedicados ao trabalho. Eles nos dão bastante horas livres.”
“E as responsabilidades de estar num bunkeràe controle?”, perguntei, tentando parecer o mais natural possível enquanto tocava na questão
de seu trabalho.
Houve apenas um traço de apreensão momentânea em sua face após a questão. Ele falava em tom prosaico. “Não são muitas. Realmente!
Desde que você memorize os procedimentos, mantenha-se a par das mudanças e dos novos inventos. Tudo o que você precisa é uma boa
memória.”
“Você alguma vez teve dúvidas sobre apertar o botão de lançamento?” perguntei, mantendo um tom de voz natural, medianamente
interessado.
“Não, nunca mesmo”, ele respondeu. “Se eles tivessem alguma dúvida sobre nós, nunca seríamos designados para os mísseis. Quando as
ordens chegam, nós lançamos os mísseis. É simples assim! Além disso, neste ponto você está tão ocupado que não tem tempo para pensar
em alguma outra coisa além do trabalho. Eles nos treinam para não pensarmos nas pessoas. Não tem sentido se preocupar. É apenas um
trabalho. Somos simples técnicos. Fazemos o que nos mandam fazer.”
Continuamos a conversa até o avião começar a descer para aterrizar em Los Angeles. Conversamos sobre problemas mundanos como
criar adolescentes, o custo de vida e a comida de avião. Foi uma conversa leve, amigável, relaxada e somente alguns tópicos beirando a
controvérsia foram tocados. Nos despedimos com um aperto de mão na saída do aeroporto.
Por vários meses após o encontro com o comandante de mísseis não consegui tirá-lo da cabeça. Eu havia trombado com um dilema
insolúvel cultural. O major provavelmente seria descrito por seus vizinhos como uma pessoa comum, nada que fosse remotamente destacável,
espetacu
lar ou incomum sobre ele. Ele parecia ser um pai devotado a sua família, um bom marido em todos os aspectos — sóbrio, trabalhador,
modestamente ambicioso, uma pessoa aparentemente amável e respeitável, cuja moralidade, sanidade e lealdade ao seu país nunca seriam
contestadas — nem pelo próprio major, nem por seus empregadores e nem pelo mundo no qual vive.
A violenta contradição entre o que sociedade foi doutrinada para perceber como um cidadão notável e o horror que este homem foi treinado
para iniciar sob a ordem de alguma autoridade superior anônima, comunicada através de um computador que não vê e não sente, ilustra a
questão central da sobrevivência humana nos dias de hoje. Os indivíduos nos EUA, na URSS e em várias outras nações têm sido
exaustivamente submetidos a lavagens cerebrais para que escondam de si mesmos a realidade de suas vocações. Esta realidade está
escondida por detrás de associações da realidade cuidadosamente reprimidas, rótulos tecnológicos, eufemismos cuidadosamente
selecionados e slogans patrióticos: “dissuasão nuclear”, “mantendo a paz”, “guardiões da liberdade” etc.
Não é fácil comparar os comandantes de mísseis dos EUA e da URSS com os burocratas insensíveis que dirigiam os campos de
concentração nazistas. Os julgamentos de Nuremberg, e mais recentemente o julgamento de Adolf Eichmann em Tel Aviv, deram um
importante esclarecimento que poucos observadores reconheceram na época. Os oficiais da SS e da Gestapo, pelos mais altos padrões de
lealdade, honra e patriotismo de sua época, eram super-patriotas. Sua dedicação e sacrifício eram qualidades legitimadas pela sociedade
alemã, por uma população não- çrítica e preocupada consigo mesma que se favorecia, pelo menos nos primeiros anos, de percepções da
realidade reprimidas. Os membros da SS eram considerados corajosos, nobres e até mesmo patriotas profundamente religiosos que serviam a
sua nação, a seus líderes, a sua ideologia e a sua missão que percebiam como sagrada, até o fim. Patriotas como estes existem em todas as
nações, certamente nos EUA e na URSS. Isto deveria apavorar as pessoas, mas não é o que acontece enquanto o mundo insiste em perceber
os criminosos de guerra não como tolos simplórios e obedientes, mas como um tipo especial de vilão ou psicopata.
O paradoxo é invariavelmente a mentalidade da plebe treinada para avaliar apenas superficialmente o óbvio. Quando forem apertados os
O AUTO-LOGRADO MUNDO DA OBJETIVIDADE » 309
botões nos centros de controle de mísseis, não fará nenhuma diferença, é claro. As “realidades objetivas” em que todos acreditam jus,tificam
que este sacrifício final não precisará ser feito novamente. Não será permitido a nenhum homem perceber objetivamente a realidade. As
premissas auto-lacradas foram finalmente lacradas por toda a eternidade.
Um homem que se especializa em matar outros homens — não importa a ideologia — é um assassino! (Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos
Aires)
CAPÍTULO ONZE

A MENTE
PERMANENTEMENTE FECHADA
r

A realidade não é nada além da livre escolha de uma das muitas portas que estão o tempo todo abertas.
Hermann Hesse, O Lobo da Estepe
Devemos nos lembrar de que nós não observamos a natureza como ela existe de fato, mas a natureza exposta a nossos métodos de
percepção (modos de ver j.
Ai teorias determinam o que podemos e o que não podemos observar.
Albert Einstein, The Meaning ofRelativity
O ceticismo e a convicção científica existem no homem moderno lado a lado com preconceitos fora de moda, hábitos de pensamento e
sentimento ultrapassados, deturpações obstinadas e ignorância cega.
Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos
A sofisticação da tecnologia de persuasão no último meio século modificou as velhas regras da comunicação humana. À medida em que a
indústria de publicidade e relações públicas tornava-se cada vez mais hábil em controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os
sistemas de valores, foi tornando-se um imperativo manter o segredo e capacitar a população a reprimir a consciência daquilo que os
manipuladores estão tramando. O controle da percepção não pode ser alcançado se for reconhecido, o que fez com que proliferassem os
controles perceptivos em níveis conscientes e inconscientes. As pesquisas sobre a linguagem e a cultura foram eficazmente postas de lado,
em direções intelectualmente estéreis e irrelevantes. O behaviorismo nas ciências sociais e compor- tamentais servia bem aos interesses
ideológicos da mídia comercial. O behaviorismo, como uma doutrina científica ou quase religiosa, foi uma garantia de que as ciências sociais
iriam exaurir-se a si mesmas em pesquisas triviais e inconseqüentes que raramente entravam em conflito com o status quo — o melhor dos
mundos possíveis. A psicologia, a sociologia e a antropologia cognitivas tornaram-se as perspectivas acadêmicas dominantes. O behaviorismo
negou a existência do inconsciente, cha- mando-a de “mentalista”. O inconsciente virtualmente desapareceu da América do Norte como tema
de estudos fora da indústria de comunicação de massa.
A tecnologia de manipulação da mídia e as ciências sociais passivas, mudas e preocupadas com trivialidades são características culturais
que se reforçam mutuamente. Enquanto a sociedade norte-americana foi se tornando cada vez mais saturada de mídia comercial
manipuladora, os acadêmicos legitimaram a fantasia de que tal manipulação era impossível, de que os EUA, tão amantes da liberdade, eram
invulneráveis à propaganda. A população pensava, como foi ensinada a pensar, que pensava por si mesma. A contradição e o paradoxo nesta
lógica simplista eram menosprezados ou ignorados. Além disso, a mídia bombardeava a população com promessas de contos-de-fadas de que
nunca mentiríam, que sempre poderiamos confiar nela, de que ela estava livre de preconceitos e interesses ocultos, e que servia
diligentemente a causa da liberdade e da democracia.
Todas as partes de um sistema cultural são magnificamente complementares, como os belos mecanismos de precisão de um caro relógio
mecânico. Cada pequena parte ou função está inextrincavelmente integrada e apoiando todas as outras partes e funções. No entanto, as
culturas integram a si mesmas em modos que são freqüentemente não lineares, não verbais, extremamente complexos e sutis e muito difíceis
de serem percebidos conscientemente. Há também o atraso no tempo. Valores que aparecem hoje podem não se tornar visíveis
nacionalmente por dez a quarenta anos.
Os sistemas educacionais nacionais geralmente refletem valores dos sistemas sócio-econômicos dominantes. Se a ambição, a ganância, o
egoísmo e a auto-indulgência são fundamentais à economia, a educação adapta seu foco de acordo com isso. A mais dramática mudança na
educação nos últimos 35 anos tem sido o constante crescimento de cursos voltados exclusivamente para obter-se empregos, lado a lado com a
decadência de cursos que ensinam a ler, escrever, fazer matemática e pensar. Desde a Segunda Guerra Mundial, a educação nos EUA foi
encarada como um agente de mudanças sócio-econômicas-culturais. Ensaios de ilustres educadores dos anos 1930 e 40 — tais como o
trabalho The Higher Learning in America de RobertM. Hutchin (sobre o ensino de humanidades) — parecem hoje idealismos anacrônicos que
não acompanham o ritmo das realidades contemporâneas. Hoje, a comercializável mercadoria de educação é superficial e simplista. A
auto-indulgência e a auto-exal- tação são agora as premissas filosóficas fundamentais. O status quo, o me
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «315
lhor dos mundos possíveis, tornou-se o modelo para a mudança. Os sistemas escolares tornaram-se centros de doutrinação onde os
estudantes são treinados, mais do que educados, para se encaixarem, encontrarem o seu lugar, e certamente não para desafiarem o sistema
ou o desconhecido. O estudante universitário norte-americano, educado pela mídia e au- to-indulgente, é quase um caso único no mundo. A
educação ainda é um privilégio altamente competitivo na Ásia, na Europa e especialmente na URSS.
Num importante estudo de 1986 da Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching revelou-se que 90% dos estudantes
universitários e 88% de seus pais encaravam a principal razão do ensino superior de uma perspectiva carreirista: empregos, dinheiro e
sucesso. Apenas 28% dos pais e 27% dos alunos de universidades encaravam a educação como um meio de ir ao encalço de erudição, de
uma cidadania séria e de uma educação impecável como os fundamentos para as experiências de vida. O estudo foi intitulado Colleges: the
undergracluate experience in America (Universidades: a experiência dos não-formados na América). Ele revelou que apenas 19% dos
estudantes de humanidades teve empregos garantidos depois da formatura, contra 90% dos que se especializaram em negócios. A
preocupação com o emprego dos estudantes é tola, mas é usada para recrutá-los ou como uma estratégia de marketing pelas escolas. Um
reitor da University of Texas comentou que eles não poderiam publicar um catálogo com os nomes e descrições dos cursos se eles não
parecessem estar diretamente relacionados a empregos. Durante suas vidas, as pessoas com diploma superior terão dúzias de empregos. As
habilidades para os empregos mudam constantemente e rapidamente se tornam obsoletas. Gastar os valiosos e caros anos de faculdade
estudando para um emprego, que muitas vezes não existe, é um desperdício de recursos preciosos e uma tolice.
Não obstante, o número de bacharelados em assuntos ligados aos negócios dobrou de 114.865 em 1971 para 230.031 em 1984. O número
de bacharéis em artes, em inglês e literatura caiu de 57.026 para 26.419. Várias universidades acabaram com cadeiras como línguas clássicas,
geologia e educação musical. Muitas reduziram os cursos de filosofia, línguas, literatura e história em favor de trivialidades como cursos de
hotelaria.
3 1 6 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
O estudo da Fundação Carnegie citou numerosas deficiências na experiência do não-formado típico:
1. Uma ausência de visão ou uma visão limitada e confusa sobre erudição, ciência, pesquisa, as tradições do conhecimento e o
enriquecimento da vida humana através dos estudos.
2. Uma grande e generalizada inabilidade dos estudantes universitários para ler, escrever e pensar.
3. Estruturas de cursos fragmentadas e desarticuladas, onde as especializações tópicas e superficiais tomam o lugar do aprofundamento das
visões.
4. Uma aquiescência difundida por todas as faculdades na legitimação de cursos e currículos banais. A excelência do ensino crítico e analítico
geralmente é ignorada em favor da conformidade, que freqüentemente está atrelada às promoções e obtenções de títulos.
5. Uma separação e queda de nível da formação básica requerida pelas cadeiras obrigatórias de cada curso, que são encaradas de forma
bastante estreita. Os cursos de cultura geral são freqüentemente dados pelas faculdades menos qualificadas e menos re- compensadoras.
6. Os objetivos da educação superior estão se tornando confusos e degradados. As metas raramente são discutidas; se chegam a ser
mencionadas, elas são expressas em termos das oportunidades de trabalho em voga: empregos, dinheiro e sucesso.
Críticas similares sobre a educação nas universidades norte-americanas foram feitas recentemente por fontes tão autorizadas como a
Asso- ciation of American Colleges, o National Institute of Education e o gabinete do secretário da Educação dos EUA. A educação superior
converteu a si mesma num sistema abertamente mercantilizado de escolas de comércio. As instituições de orientação de carreira geralmente
são deficientes no que diz respeito aos cursos de línguas, artes, histórias, estudos das instituições sociais e políticas e na área das ciências
naturais e físicas, onde a mera tecnologia é considerada ciência. Estudos sobre questões são virtualmente inexistentes.
As universidades são em geral prisioneiras da cultura de marketing dominada pela mídia. Afagando o público para obter sua aprovação, a
mídia de publicidade encara a inteligência que se sobressai como
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA *317
algo anormal. Deve-se fazer com que a inteligência pareça burrice. A burrice é freqüentemente celebrada como uma inteligência notável. O
intelectual confuso e não prático é um estereótipo bastante difundido e publicado. Os indivíduos de moral são do mesmo modo tratados como
simplórios. Nulidades tornam-se modelos de virtude. Aqueles que lutam por novas verdades são encarados como ingênuos ou sediciosos.
A educação nos EUA certamente não equipou o cidadão para lidar com a tecnologia manipuladora da mídia no meio em que passará a vida.
E justamente o oposto: o sistema educacional condicionou a população para tornar-se vítima, treinada para encaixar-se na cultura comercial
como um consumidor obediente e passivo. A mídia de publicidade modificou na surdina as regras da lógica, da razão e a percepção das
pessoas sobre a percepção humana. Poucas tentativas foram feitas para investigar o que estava acontecendo. De qualquer modo, as críticas
provavelmente não seriam levadas em conta. A façanha, difícil de ser exposta, foi feita com astúcia e foi um ótimo negócio. A mídia manteve as
ilusões do público de que tudo estava bem, de que nada havia mudado a não ser para melhor, com todas as pessoas se tornando mais
inteligentes, melhor informadas, mais perceptivas e mais capazes de pensarem por si mesmas.
UMA MENTE BEM LAVADA
Em 1989, uma pessoa nos EUA enfrentava uma saturação cultural de quase 150 bilhões de dólares em propaganda. Este investimento na
mídia geralmente cresce entre 10% e 15% anualmente. O investimento na propaganda cultural não inclui as enormes quantias gastas nas
promoções, relações públicas e outras tecnologias manipuladoras da mídia.
Nenhuma nação na história do mundo foi tão exaustivamente submetida à propaganda em qualidade, quantidade, intensidade e inovações
tecnológicas. O indivíduo que procura sobreviver a esta super fraude confronta um adversário formidável. Depois de conseguir mudar os
produtos e as marcas que são comprados, este investimento anual maciço sustenta um sistema de valores culturais integrado e fechado em si
mesmo.
Para alguns poucos, pode existir a possibilidade de um paraíso tropical isolado e desprovido de meios de comunicação de massa. Mas a
3 1 8 «A ERA DA MANIPULAÇÃO
maioria das pessoas simplesmente não tem dinheiro para cair fora. Elas precisam achar um meio de manter a sanidade no hospício da mídia.
As estratégias de defesa contra a lavagem cerebral são relativamente simples. No entanto, elas provavelmente funcionarão melhor se forem
iniciadas na primeira infância.
AJA SEMPRE PARA AUMENTAR O NÚMERO DE
OPÇÕES DISPONÍVEIS
A maioria dos indivíduos foi educada desde a infância para diminuir o número de opções, para tentar obter a verdade. Qualquer compromisso
com uma visão específica tem significado ideológico, serve de aditivo para vender-se uma pasta de dentes, uma religião ou um candidato
político. Existem múltiplas respostas para cada questão, problema ou objetivo. Procure-as. Encontre pelo menos três, preferivelmente cinco e
até mesmo dez ou mais. Escolha hipoteticamente a opção que parece mais provável de alcançar o objetivo que você deseja. Esteja preparado
para descartá-la a qualquer momento em favor de outra, se houver ameaça de desastre.
Lembre-se que o conteúdo de toda ideologia verbal, nos comportamentos religiosos, políticos ou de consumo não está relacionado com a
realidade. As premissas ideológicas geralmente são autolacradas. Elas estão em conflito com outras ideologias. Isto pode não ser uma questão
de vida ou morte quando alguém compromete-se com uma marca de sabonete, mas o comprometimento cego com as ideologias políticas,
militares, econômicas e religiosas tem infligido ao mundo uma devastação secular. As ideologias baseiam-se em visões estereotipadas tanto
do mundo como de si mesmo. Os estereótipos podem negar ou confirmar quaisquer perspectivas ideológicas e justificar atitudes injustas,
cruéis e desu- manizadoras que prometam sustentar a ideologia.
Curiosamente, as ações que sustentam uma convicção ideológica geralmente contradizem a ética desta ideologia. A determinação em
salvar o mundo do comunismo ou do capitalismo, mesmo que todas as pessoas devam ser destruídas neste processo, é um dos muitos
paradoxos deste tipo. As ideologias oferecem fantasias de solucionarem os problemas das existência humana: injustiça, ambição,
desigualdade, riqueza,

_________ A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «319


pobreza etc. —, mas apenas fantasias. As soluções simplistas geralmente intensificam os problemas que se propõem a resolver. No final, o
líder mais carismático vai alcançar o poder.
A suscetibilidade humana à persuasão ideológica é baseada na promessa eternamente não cumprida de sentido e ordem, uma resposta
estereotipada à solidão, à monotonia, ao medo e às ameaças de fome, doença, insegurança e caos político, moral ou social. Estas ameaças
são incessantemente suscitadas pela mídia comercial. A mensagem constante da mídia com estas ameaças mantém a busca compulsiva por
perguntas e respostas, causas e efeitos, e compromissos ideológicos. A mensagem da mídia indica a última direção de consumo, divertimento,
da política, dos negócios, da indústria, das questões militares e da religião, com suas relativas promessas de reduzir a ansiedade. Liberdade é
um Datsun, um Maxi-pad, um voto em um candidato político, uma contribuição para algum profeta religioso ou qualquer outra coisa que dê
lucro a um ladrão qualquer.
Uma vez iniciadas, as fantasias se auto-perpetuam. A meta final de toda ideologia é uma utopia mitológica e nunca alcançável. As utopias
devem manter-se inalcançáveis, a cenoura na ponta da vara que mantém o asno caminhando. O tempo, a quarta dimensão, continua sempre,
marcando a cada momento uma mudança nas condições que dão sentido às palavras e símbolos. As verdades “eternas” devem ser
continuamente reforçadas, reabastecidas, amparadas.
Questões cujas respostas são apenas sim ou não, verdadeiro ou falso, ou certo ou errado constituem uma linguagem distante da
inteligência humana. Elas são armadilhas armadas para homens primitivos. Dilemas construídos verbalmente não são dilemas reais. São
meras manipulações, geralmente construídas para que a pessoa que as responda e se comprometa com elas perca. Ganha quem fabricou o
dilema. Os anúncios e o conteúdo da mídia que eles controlam estão abarrotados destes dilemas artificiais. Eles geralmente parecem ser
solucionáveis atr avés das compras, de compromissos de fidelidade, votos, contribuições, preces ou qualquer coisa que você tenha para
oferecer. De preferência em dinheiro.
Ao invés de procurarem criativamente por soluções originais, voltadas para os fatos, para os problemas reais, as populações são ensinadas
a identificar os problemas que são resolvidos com as soluções que
320 * A ERA DA MANIPULAÇÃO
beneficiam os líderes no governo, os políticos, a indústria, os militares, a mídia e seus anunciantes — ou qualquer outro que possa pagar para
entrar no jogo. Eles criam o problema e depois criam e vendem a solução do problema.
Uma vez que as lideranças e os liderados estão presos na armadilha das ilusões que se reforçam mutuamente, das profecias que se
auto-reali- zam, e das premissas autolacradas, o comportamento e as tomadas de decisões tornam-se tragicamente previsíveis e sob uma
estreita perspectiva. Numa competição, qualquer pessoa que se torne previsível perde.
EVITE A POLARIZAÇÃO, A AFIRMAÇÃO OU A NEGAÇÃO
Fique fora das construções verbais de opostos que excluam o meio-termo. No momento em que os indivíduos caem em uma dicotomia, eles
perdem o controle — se eles realmente tiveram algum controle no início. Uma negação mais passiva do que ativa sempre leva a oposição para
o terreno da confusão. Espere e veja! Observe! Pense! Compare! Avalie! Jogue com opções e perspectivas alternativas! E acima de tudo,
relaxe. Aja somente quando é claramente de seu interesse agir. Considere uma das opções mais importantes e sempre disponível: não fazer
nada!
Evite os primitivos sim e não. Tente compreender tudo que pode ser compreendido sobre as múltiplas opções. Investigue o que é
incognoscí- vell Se parece não haver tempo para a reflexão, mude a aparência do tempo. O tempo é uma abstração perceptiva que pode ser
alongada ou condensada para adaptar-se a qualquer objetivo. Os estudantes de hipnose fazem experiência com a distorção do tempo: dez
minutos de relaxamento podem ser expandidos perceptivamente em oito horas de sono profundo.
Sensibilize a si mesmo contra o pensamento estereotipado. Os anúncios e a mídia comercial (incluindo as notícias) estão carregados de
estereótipos: estes são excelentes, campos para estudar-se as generalizações sem sentido. Eles oferecem as abstrações mais simplistas. Eles
não simplificam as realidades perceptivas ou os processos da vida, é claro. Os estpreótipos ou as imagens proporcionam uma tranqüilidade
momentânea. Eles afastam a necessidade de pensar, raciocinar e julgar criticamen
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «321
te. Eles também escondem bombas-relógios atrás de fachadas simplistas. Os estereótipos ou as imagens são universalmente errôneos,
danosos, au- tofrustrantes e flagrantemente desorientadores.
A população do mundo compreende indivíduos, cada um com um conjunto singular de semelhanças e diferenças perceptíveis. Todos são
distintos. Não há duas pessoas com a mesma fisiologia ou psicologia. A relação de vítimas do pensamento estereotipado inclui tanto os
rotuladores quanto as pessoas que são rotuladas.
QUESTIONE PARTICULARMENTE AS PRESSUPOSIÇÕES,
ESPECIALMENTE AQUELAS QUE LHE SÃO MAIS CARAS
A heresia pode tornar-se um excitante modo de vida. No entanto, é impossível haver heresia sem uma “verdadeira” doutrina. Sem a heresia, a
“verdadeira” doutrina atrofia-se e congela-se numa esterilidade irremediável. A heresia é essencial para a criatividade, a inspiração e o
progresso. Sempre que a heresia é silenciada, sobrevêm um grande sofrimento e mal. As pessoas fre- qüentemente ficam aliviadas quando a
heresia não é aparente, quando não há ninguém sacudindo o barco. A paz e o silêncio tranqüilizam, embora devessem ser assustadores. A
heresia e a divergência são os fundamentos de todo sistema democrático. Quase todo mundo pode aprender a amar os here- ges e opositores,
embora isto possa não ser fácil no princípio.
As perspectivas ideológicas são inerentemente hipócritas. A hipocrisia que toma a forma de uma negação da hipocrisia é hipocrisia ao
quadrado. “Acredite em mim! Eu não mentiría para você!” O anúncio da Associação Americana de Agências de Publicidade (fig. 8) é um
exemplo esplêndido. A discordância, a crítica ou qualquer oposição a uma ideologia estabelecida — tais como as deturpações da mídia de
publicidade, as imposturas das relações públicas e os exageros promocionais — são vitais à saúde de uma nação.
As falências ideológicas raramente fazem com que sejam procuradas as razões de tais falências ou um entendimento da natureza da
ideologia. Ao contrário, estas falências geralmente impulsionam o fanático numa busca frenética por uma nova teoria que possa ser
transformada em outra ideologia. Assim, o comunista desiludido transforma-se no fa
nático religioso de direita e vice-versa. A única saída parece a tomada de consciência de que ideologia é uma construção perceptiva, baseada
em percepções fantasiosas e generalizações estereotipadas. As ideologias geralmente evitam as percepções autônomas, que podem ser
confirmadas e voltadas para os fatos.
O poder da mídia de publicidade e das relações públicas transforma as teorias em ideologias e impõe as construções fantasiosas
resultantes. A resistência pública à mídia de publicidade pode evoluir para uma heresia que a princípio será atacada pela maioria. O sistema
dominante foi legitimado por forças poderosas, de grande credibilidade e que se reforçam mutuamente: as universidades, a burocracia
governamental, as empresas etc. A busca frenética por temas e problemas excitantes — embora na verdade triviais — desvia a atenção da
realidade. Trivialidade gera trivialidade. As trivialidades — programas de auditório, casos especiais, seriados cômicos — dominam o mundo da
mídia de publicidade. O conteúdo é considerado um folheto de propaganda de baixa audiência para agradar os críticos. Os sistemas de rádio e
TV públicos mantêm- se como meio para os sistemas de rádio e tv comerciais livrarem-se de uma audiência minoritária e não-lucrativa.
Torne-se um herege. A percepção humana provavelmente continuará sendo um jogo de dados cultural. É importante que os homens nunca
resolvam completamente seus dilemas perceptivos. As instabilida- des, inseguranças, surpresas, contradições e paradoxos podem se tornar
agradáveis, uma vez reconhecidos conscientemente. Considere a diversão e o desafio de lutar contra o exército de artistas mascates que
vendem, manipulam e exploram as fraquezas da percepção humana, de acordo com seus parasitas políticos.
VER NÃO DEVE SER CRER
Muito pouco na percepção humana é aquilo que parece ser. Quando abstraídas em linguagem verbal, pictórica ou matemática, as percepções
tornam-se ainda mais distantes das realidades iniciais percebidas. Os observadores nunca podem ser separados de suas percepções, a não
ser através das ficções verbais. Os níveis de subjetividade na percepção e na
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «3 23
linguagem continuam sendo uma questão de mais ou menos ao invés de um/ou outro. E finalmente, nenhuma consideração séria sobre a
percepção pode ignorar a informação que foi conduzida inconscientemente, a fonte das predisposições básicas que estão por detrás das
percepções conscientes.
Estas não são idéias novas. Elas remontam pelo menos a Protágoras e outros filósofos sofistas gregos do século V a.C., passam por Kant,
no século dezoito, e chegam até os modernos filósofos da ciência, como Kor- zybski, Russell, Malinowski, Einstein, e Wittgenstein. Há muito
pouco de novo no mundo das idéias — ou em qualquer outro mundo, no que diz respeito a isso. Existem apenas velhos conceitos, vestidos
com novos rótulos, em geral casados com estratégias promocionais. Tais estratégias, que sustentam as culturas de mercado, só podem dar
certo através da ignorância e da repressão. Os indivíduos treinados culturamente em percepções simplistas do mundo são vítimas fáceis,
vítimas que resistem em lidar com os processos perceptivos. Eles vociferam sobre a liberdade ao mesmo tempo em que se submetem e
obedecem como escravos.
Por exemplo, qualquer pessoa que perceba a esmeralda do Tanque- ray (fig. 5) como realidade — uma esmeralda real — demonstra uma
inabilidade perceptiva de distinguir entre a fantasia e a realidade. O fato do público ter sido cuidadosamente educado para não fazer esta
importante distinção ilustra uma forma de controle da mente muito mais avançada do que aquela concebida por Huxley ou Orwell. A mídia
educa a população a preferir a fantasia no lugar da realidade.
Carl Sagan, astrônomo da Cornell, comparou os EUA e a URSS com dois homens num quarto com gasolina até a altura de seus joelhos.
Cada um segura uma caixa de fósforos, ameaçando acendê-los para punir o outro pelas coisas que fez de ruim e de errado, e por atitudes
provocadoras. Sagan deveria ter acrescentado um fator nesta história.
O quarto está completamente escuro. Cada um dos homens alega passionalmente estar servindo a sua visão da realidade objetiva. Cada
um deles tem um arsenal de clichês lingüísticos-culturais, diagnósticos rotu- ladores, preconceitos, estereótipos, ilusões de objetividade e
premissas autolacradas. Como o sociólogo C. Wright Mills escreveu em seu livro, The Causes of World War Three, “não importa o quão
pequena seja a probabilidade de um acidente nuclear em relação ao tempo. E estatisticamen
te demonstrável que, à medida que o tempo passa, a probabilidade aproxima-se da certeza.”
/
O estrangulamento da percepção praticada pela mídia não deveria surpreender ninguém capaz de um julgamento independente. Os atores
têm empregos porque criam ilusões, fantasias e representações críveis de personagens geralmente estereotipados. Talvez não seja de se
estranhar o fato dos EUA terem eleito um ator para presidente. Nunca antes na história do mundo um ator havia se tornado um chefe de
estado. Muitos dos grandes líderes mundiais eram perfeitos atores, mas não por profissão; eles chegaram à liderança como homens públicos,
administradores, autores, militares, acadêmicos ou industriais.
A questão do analfabetismo verbal e visual vai muito além do mero aprendizado de ler e escrever. O mundo agora encara as questões do
analfabetismo ético. Se existem respostas aos dilemas colocados pela manipulação subliminar, elas parecem estar com os manipulados e não
com os manipuladores. Leis seriam pouco eficazes, a não ser no sentido de divulgar o assunto. Não obstante, os homens podem ser
ensinados, no interesse de sua sobrevivência, a aceitar a responsabilidade individual pelas construções perceptivas. Cada um tem o potencial
de defender a si próprio. Além disso cada um pode aprender a criar um relacionamento original e individualizado com as realidades percebidas.
Cada um pode desfrutar o máximo das ilusões, fantasias e projeções sem receio de ser pego na armadilha. O processo perceptivo humano tem
potencialidades excitantes, muito mal conhecidas nesta altura dos acontecimentos. As pessoas podem evitar serem logradas pelas respostas
simples a perguntas complexas, feitas para servir ao interesse de outras pessoas.
Infelizmente, as condições atuais do sistema lingüístico-cultural condicionam as pessoas não apenas a permitir que sejam manipuladas
mas a buscarem isto. Sempre haverá, parece, pessoas à procura de qualquer oportunidade de lucro que têm uma descrição plausível do que é
belo, divino, justo, engraçado, amável, fiel, confiável, sexy, bom e verdadeiro. São descrições úteis aos seus próprios interesses e não aos dos
seus seguidores.
Uma ciência de fantasia preencheu o vácuo ideológico quando os ideais religiosos, filosóficos e éticos tradicionais se eclipsaram.
Percepções da verdade objetiva tomaram o lugar da verdade baseada em supers
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA «325
tições. As ideologias devem ser absolutas, a verdade deve comprovar todas as coisas. As ideologias religiosas, políticas, sociais ou
econômicas são baseadas no mito do amanhã, em geral estendido à eternidade, mas normalmente focalizado não muito além do fim da
próxima geração. Quando você se aproximar de alguém carregando tal bagagem, corra na direção oposta.
O problema básico da sobrevivência da civilização moderna é como livrar-se do problema e das soluções apenas em interesse próprio ao
problema. A maioria das soluções percebidas logo se tornam o problema, mais um Ouroborus. Apenas nos colocando fora do círculo, a
sucessão sem fim de problema-solução-problema-solução ad infmitum, é que poderemos resolver os problemas. O problema da existência
humana é, com efeito, a existência humana. Encarada sob uma perspectiva evolucionária — se isto é possível com o tempo aparentemente se
esgotando — a consciência das limitações, das fragilidades e da herança de vulnerabilidade da percepção humana deveria, de alguma
maneira, tornar-se consciência do condicionamento cultural. Uma construção humanista, voltada para a sobrevivência e mais elaborada,
continua sendo uma construção, mas é mais apropriada à continuação da civilização e da vida.
OITO PASSOS PARA A SOBREVIVÊNCIA
Correndo o risco de simplificar os processos do pensamento, tão variados e únicos quanto os indivíduos que pensam ou mesmo aqueles que
apenas pensam que pensam, aqui estão alguns passos que podem diminuir a vulnerabilidade humana à manipulação da mídia.
1. Relaxe. Sob as pressões constantes da mídia moderna, isto deve ser aprendido ou reaprendido. As técnicas variam da simples respiração
profunda à auto-hipnose e meditação. O relaxamento aumenta a probabilidade de percepções da realidade bem-feitas e relacionadas aos
fatos. A tensão, o stress e a ansiedade aumentam a vulnerabilidade à manipulação. A redução do stress é o método mais eficaz de análise
dos estímulos subliminares e dos significados e motivações ocultos.
2. Protele. Testar as conclusões é imperativo. O tempo é uma abstra-
326 » A ERA DA MANIPULAÇÃO
ção, geralmente criada para vantagem de alguns e desvantagem de outros. Vá devagar. Dê tempo a si mesmo. A pressão do tempo em geral
aciona as defesas perceptivas.
3. Perceba. A análise do que é percebido, e o processo de abstração através do qual isto é descrito, pode aprimorar a percepção da realidade.
Compare suas reações às reações dos outros. Depois estude as reações dos outros em relação as suas. E, finalmente, examine suas
percepções sobre as percepções deles. Reflita conscientemente sobre o conceito perceptivo da comunicação. Isto pode ser divertido! Isto o
coloca imediatamente fora do alcance da maioria dos estímulos da mídia e dos anúncios. Compare as percepções de fantasia da mídia com
a realidade — o mundo real perceptível.
4. Descontextualize. Inverta o pensamento lógico-sintático. Expectativas normais freqüentemente parecem bastante anormais quando vistas
fora de contexto. Experimente percepções ilógicas, absurdas, de cabeça para baixo das palavras e imagens. Experimente com o que é
perceptivelmente ilógico. A criatividade pode com freqüência mantê-lo longe dos problemas e proporcionar respostas insuspeitas,
escondidas nas premissas autolacradas — tanto as suas quanto as dos outros.
5. Molecularize. Isole palavras e imagens. Procure os significados enterrados dentro de suas percepções. Examine os mínimos fragmentos.
Tudo, mesmo as coisas menores e menos visíveis percebidas pelos homens, tem um significado, especialmente aquelas que parecem
insignificantes. Olhe ainda mais cuidadosamente as percepções que sua mente diz serem irrevelantes. Não existe nenhuma percepção
humana insignificante e desprovida de sentido.
6. Simbolize. Os símbolos geralmente carregam significados múltiplos e inconscientes. Tudo o que é percebido é simbólico: palavras, coisas,
imagens e pessoas. Jogue com os símbolos. Procure as relações ou estruturas que sua mente consciente rejeita como tolas. Procure
significados múltiplos, significados sem sentido, os significados dos significados, o significado sob ou sobre o significado. Investigue
profunda e cuidadosamente.
7. Busque as motivações. Faça uma análise sobre as motivações. Toda
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comunicação envolve motivações, especialmente aquelas que negamos. As motivações tanto do emissor quanto do receptor são importantes.
As motivações existem aos níveis consciente e inconsciente. Relacione as possíveis motivações envolvidas. Procure motivações impossíveis
ou improváveis. Mantenha a questão das motivações em aberto. As motivações podem ser profundas, complexas, múltiplas, entrelaçadas e,
com freqüência, aparentemente contraditórias. Nenhuma forma de comunicação pode ser significativamente avaliada sem a consideração das
motivações. A motivação de vencer pode estar camuflando uma motivação para perder, e vice-versa. Aparentes vencedores podem estar
inconscientemente procurando um desastre apropriado para que possam perder espetacularmente.
8. Avalie. Certifique-se de que tem uma idéia clara sobre quem está falando com quem, e sobre quem e o quê está falando. As distinções que
os homens fazem verbalmente, as ideologias que eles perseguem, as avaliações que fazem, as teorias que abraçam, as decisões que
anunciam, os princípios que propõem e as discussões que provocam revelam o seu íntimo. Tudo isso revela muito mais coisas sobre o
indivíduo e os modos com que ele percebe o mundo do que sobre os tópicos que eles descrevem ostensivamente. Não aceite nada nem
ninguém por seu valor nominal.
O ALTO CUSTO DAS PERCEPÇÕES FRAUDULENTAS DA REALIDADE
A destruição dos conceitos mitológicos sobre a verdade objetiva incomoda de modo profundo as pessoas culturalmente doutrinadas. Alguns
indivíduos chegaram a reagir a essa idéia com a consideração de suicídio. Vale a pena viver sem uma verdade objetiva, absoluta? Vale e
sempre valeu. Albert Camus explorou a idéia do suicídio como uma resposta ao desaparecimento da verdade objetiva em sua parábola
moderna, The Myth of Sisyphus. Sísifo era o fraudulento rei de Corinto: um trapaceiro, manipulador e ladrão escolado. Ele trapaceava até a
morte, manipulando as percepções da realidade. Ele colocava uma verdade eterna contra outras
328 • A ERA DA MANIPULAÇÃO
verdades eternas por qualquer coisa que servisse aos seus objetivos imediatos, não muito diferentes do que fazem os demagogos políticos,
religiosos e econômicos atuais. Figura bastante popular na literatura homé- rica — assim como a geração de artistas canastrões populares que
se seguiram — foi finalmente punido pelos deuses pela eternidade no Hades. Sísifo foi condenado a empurrar uma grande pedra até o topo de
uma montanha, dolorosa e trabalhosamente, só para vê-la rolar para baixo assim que atingia o cume. E mais uma vez, mais uma vez, mais
uma vez, por toda a eternidade. Não tivessem as verdades objetivas eternas da Grécia antiga perecido com sua civilização, tal punição seria
bastante útil hoje em dia. Imagine os mascates da propaganda e da mídia, os políticos inte- resseiros, os pregadores manipuladores e os
vendedores mentirosos finalmente tendo um dia de trabalho honesto.
As questões sobre a verdade objetiva, no entanto, não são simples. Tampouco o são as respostas individuais a estas questões. Os homens
de alguma forma sobreviveram vários milhões de anos de evolução com os sistemas de crenças baseados nos conceitos da verdade objetiva.
Estas verdades, no entanto, mudaram dramaticamente no decorrer dos séculos, adaptando-se às novas tecnologias, linguagens, economias e
elites no poder. Os processos perceptivos humanos criaram engenhosamente verdades objetivas que servem tanto ao momento quanto podem
ser manipuladas verbalmente para se aplicar às percepções do passado e do futuro.
O filósofo da linguagem Ludwing Wittgenstein explorou os modos pelos quais os homens criam perceptivamente mundos em suas imagens
fantasiosas pessoais, e então criam perceptivamente a si próprios como parte de suas fantasias subjetivas. No fim das contas, eles permitem
que os meios sociais, econômicos, políticos, religiosos e culturais dirijam suas percepções da realidade. Em seu Philosophicals Investigations I,
Wittgenstein escreveu: “Alguém pensa que está rastreando os contornos da natureza mais uma vez. Mas este alguém está meramente
rastreando a moldura através da qual a vê. Um quadro nos torna prisioneiros. E não podemos escapar dele, pois ele baseia-se em nossa
linguagem, e a linguagem parece nos repetir inexoravelmente”.
As premissas e as mentes permanentemente fechadas, trancadas contra a intrusão da realidade ou a verificação dos pressupostos, são o
formidável resultado final de uma cultura dominada pela mídia. Os indi
A MENTE PERMANENTEMENTE FECHADA • 329
víduos que sabem, absolutamente por todo o tempo, quem são, aonde vão e por que, são perigosos tanto para si mesmos como para o mundo
em que vivem. As mentalidades fechadas em si mesmas também não podem tirar muito prazer da vida, porque têm poucas oportunidades para
criar ou inovar. Valéria a pena criar um exército da sobrevivência, organizado para refrear as personalidades dominadas pelas premissas
autola- cradas. Os candidatos seriam selecionados nos altos escalões do governo, das empresas, e das escolas. Os militares provavelmente
seriam dispensados como uma causa perdida.
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EPÍLOGO
“Não espere pelo julgamento final, ele ocorre todo dia!” Albert Camus, A Queda
No momento em que uma pessoa aceita uma realidade objetiva, uma verdade eterna, ela torna-se vulnerável, manipulável e eminentemente
explorá- vel. Ela deixou de agir como um indivíduo autônomo, criativo e pensante vivendo num mundo integrado e interdependente.
APÊNDICE
Secretaria daFazenda dos EUA, Divisão de Álcool, Tabaco e Armas deFogo. “Novas Leis e Regulamentações”. Registro Federal, 6 de agosto
de 1984, pp. 31670-76.
SUBLIMINARES
A Divisão de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF) propôs um parágrafo regulatório proibindo o uso de técnicas subliminares ou similares na
propaganda de bebidas alcoólicas. A ATF afirmou que técnicas subliminares ou similares são qualquer artifício ou técnica usados para
transmitir ou tentar transmitir uma mensagem a uma pessoa por meio de imagens ou sons de natureza muito fugaz, que não podem ser
percebidos no nível normal de consciência.
Foram recebidos vinte e dois comentários e várias testemunhas fizeram depoimento oral nas audiências públicas. Dos 22 comentários,
representando 52 indivíduos, todos com exceção de três apoiaram a proibição proposta. Os principais argumentos contra a regulamentação
proposta foram que as técnicas subliminares não eram usadas na propaganda, que as indústrias de publicidade e dos meios de comunicação
eram auto-regula- doras a este respeito, e que a Comissão Federal do Comércio (FTC) já havia proibido por regulamentação o uso de
subliminares.
A ATF acreditou que era necessária uma ação nessa área. Há uma crescente preocupação dos consumidores sobre a verdadeira natureza
da propaganda de bebidas alcoólicas. Além disso, existem precedentes de peso para a ação da ATF. A Comissão Federal da Comunicação
(FCC) declarou que o uso de técnicas subliminares é contrário ao interesse públi
co porque elas têm a clara intenção de ser enganosas. Além disso a FCC não viu necessidade em diferenciar entre a propaganda subliminar e
os conteúdos subliminares dos programas.
As técnicas subliminares ou similares podem tomar várias formas na propaganda. Estas formas incluem colocar um fotograma num filme
numa velocidade que o observador não possa perceber conscientemente, mas onde, subconscientemente, possa registrar palavra, frase ou
cena. Uma outra forma, ainda mais usada, é a inserção de palavras ou formas corporais (enxertos), através do uso de sombras ou
sombreamentos, ou a substituição de formas geralmente associadas ao corpo humano.
Embora as técnicas subliminares ou similares sejam proibidas pela FTC e pelos códigos voluntários da propaganda e dos meios de
comunicação, a ATF tem jurisdição sobre as propagandas de bebidas alcoólicas. As propagandas subliminares são inerentemente enganosas,
porque o consumidor não as percebe no nível normal de consciência, não lhe sendo portanto dada a escolha de aceitar ou rejeitar a
mensagem, como é o caso com a propaganda normal. A ATF sustenta que este tipo de propaganda é falso e enganador, e é proibido por lei.
Assim sendo, a ATF está publicando as regulamentações proibindo o uso de técnicas subliminares ou similares.

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