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Teoria do Fato Punível Capítulo 5

5.8. Tipos dolosos e imprudentes. Segundo a natureza do elemento


subjetivo, a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolo-
Capítulo 6
sas e imprudentes: a) as ações e omissões dolosas são produzidas pela Teoria da Ação
vontade consciente do autor; b) as ações e omissões imprudentes são
produzidas pela lesão do dever de cuidado ou do risco permitido em
ações socialmente perigosas. Essa classificação permite sistematizar os
tipos legais em estruturas típicas compreensivas de todos os tipos de I. Introdução
crimes: a) o tipo de injusto doloso; b) o tipo de injusto imprudente;
c) o tipo de injusto de omissão de ação (doloso e imprudente). Neste 1. A teoria da ação é um tema central da moderna sociologia, que
livro, o estudo das estruturas típicas fundamentais do Direito Penal trabalha com vários conceitos de ação, como mostram os modelos
brasileiro segue esse sistema de classificação. teleológico, estratégico, normativo, dramatúrgico e comunicativo
de ação, definidos pela teoria sociológica. Entre os conceitos de ação
desenvolvidos pela sociologia, apenas os modelos teleológico e comu-
nicativo de ação são utilizados na dogmática penal para definir a ação
como fundamento psicossomático do conceito de crime.
1.1. O modelo teleológico de ação – conhecido na dogmática penal
como teoria final da ação – define ação como realização de um fim
ou a ocorrência de uma situação desejada, na medida em que o ator
(a) seleciona os meios adequados e (b) emprega esses meios de modo
apropriado para produzir o resultado ou a situação pretendidos.1
1.2. O modelo estratégico de ação – uma ampliação utilitarista do
modelo teleológico de ação para áreas da economia, da sociologia e
da psicologia social, segundo a teoria dos jogos – define ação como
projeção de um resultado conforme expectativas de decisão dirigida ao
fim, de um ou mais atores, com seleção de meios adequados ao fim,
do ponto de vista da máxima utilidade ou expectativa de utilidade.2
1.3. O modelo normativo de ação não se relaciona, em princípio, ao

1
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1a edição,
1995, v. 1, p. 126-127 e v. 2, p. 306-307.
2
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1995, v.
1, p. 126-127.

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comportamento de um ator isolado, que encontra em seu meio outros a evitável não evitação do resultado tipico; o modelo pessoal de ação
atores, mas aos membros de um grupo social que orientam sua ação define ação como manifestação da personalidade humana. Existem
por valores comuns.3 ainda outras definições de ação, cujo interesse científico limitado ou
1.4. O modelo dramatúrgico de ação não se relaciona, primariamente, influência reduzida no Direito Penal não justificam descrição deta-
nem ao ator isolado, nem aos integrantes de um grupo social, mas lhada: por exemplo, o modelo lógico-analítico, que define ação como
aos partícipes da interação conforme representações do público, em emprego de regras da experiência, da lógica e da linguagem, conforme
que o ator representa o mundo subjetivo/objetivo de objetos sociais, HRUSCHKA6; o modelo de ação intencional, que define ação como
perante o qual se apresenta.4 atuação decisiva para o acontecimento, segundo KINDHÄUSER7; o
modelo de ação significativa, que define ação como o sentido de um
1.5. O modelo comunicativo define ação pela interação de dois ou mais substrato, conforme VIVES ANTON8.
sujeitos capazes de fala ou de ação numa relação interpessoal através
do discurso ou da linguagem como meio (a) de compreensão, (b) de Assim, considerando que os modelos de ação causal, teleológico,
coordenação da ação e (c) de socialização dos indivíduos5. social, negativo, pessoal e comunicativo estão vivos na literatura e na
jurisprudência contemporâneas, estruturando sistemas mais ou me-
2. No Direito Penal, a controvérsia sobre o conceito de ação também nos diferentes de fato punível, é necessário descrever cada uma dessas
é intensa, mas limitada a definições de ação específicas da dogmática definições do conceito de ação, bem como mostrar a importância
penal, cuja existência é restrita à ciência do Direito Penal – com exce- teórica e prática do conceito de ação para compreensão e aplicação
ção do modelo teleológico de ação e do modelo comunicativo de ação, do Direito Penal9.
desenvolvidos pela sociologia. Assim, por exemplo, o célebre debate
entre o modelo causal de ação, que define ação como modificação
causal do mundo exterior, e o modelo final de ação (ou teleológico),
que define ação como realização de atividade final, dominou a primeira II. Definições do conceito de ação
metade do século 20. Na segunda metade do século 20, o surgimento
de outras definições de ação, inviabilizou qualquer consenso na dog-
mática penal sobre o tema: o modelo social de ação, uma espécie de 1. Modelo causal de ação
tentativa de conciliação dos modelos causal e final, define ação como
comportamento humano dominado ou dominável pela vontade, do- O modelo causal de ação, elaborado por LISZT, BELING e
tado de relevância social; o modelo negativo de ação define ação como

3
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1995, v.
6
Ver HRUSCHKA, Strukturen der Zurechnung, 1976, p. 13; do mesmo, Strafrecht nach
1, p. 127. logisch-analytischer Methode, 1988.
4
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1995, v.
7
KINDHÄUSER, Intentionale Handlung, 1980, p. 202 s.
1, p. 128. 8
VIVES ANTON, Fundamentos del sistema penal, 1996.
5
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1995, v. 9
Para uma exposição crítica de alguns desses modelos, ver TAVARES, As controvérsias
1, p. 128. em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 13-30.

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RADBRUCH – os fundadores do sistema clássico de fato punível, uma tentativa, não pode desaparecer no fato consumado –, mostra que o
construção teórica baseada nas categorias do mecanicismo do século tipo legal não pode conter somente elementos objetivos; b) na teoria
19 –, define ação como produção causal de um resultado no mundo da antijuridicidade, a descoberta dos chamados elementos subjetivos do
exterior por um comportamento humano voluntário10. injusto (hoje, elementos subjetivos especiais, como intenções, tendências
O modelo causal de ação possui estrutura objetiva: a ação e atitudes especiais), revela uma dimensão subjetiva no injusto, então
humana, mutilada da vontade consciente do autor, determinaria o reservado exclusivamente aos elementos objetivos; c) na teoria da
resultado como uma forma sem conteúdo, ou um fantasma sem san- culpabilidade, a ausência de relação psíquica do autor com o fato na
gue, conforme expressão de BELING; a voluntariedade da ação indica imprudência inconsciente mostra uma falha no conceito psicológico
apenas ausência de coação física absoluta; o resultado de modificação de culpabilidade14.
no mundo exterior é elemento do conceito de ação – assim, não existe O sistema clássico de fato punível do modelo causal de ação
ação sem resultado11. Como afirmaria mais tarde WELZEL, a teoria evoluiu para o atual sistema neoclássico de fato punível15, um produto
causal da ação desconhece a função constitutiva da vontade dirigente da da reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins
ação e, por isso, transforma a ação em simples processo causal objetivo e valores do Direito Penal16: a) o conceito de ação deixa de ser apenas
desencadeado por um ato de vontade qualquer12. naturalista para ser, também, normativo, redefinido como comporta-
O modelo causal de ação estrutura o sistema clássico de crime, mento humano voluntário17; b) o tipo de injusto – ou antijuridicidade
assim concebido: a) a dimensão objetiva da antijuridicidade típica é típica – perde a natureza livre de valor para incluir elementos normati-
formada pelo processo causal exterior; b) a dimensão subjetiva da cul- vos, como documento, motivo torpe etc., e elementos subjetivos, como
pabilidade é constituída pela relação psíquica do autor com o resultado, as intenções e tendências especiais de ação e, até mesmo, o dolo na
sob as formas de dolo e imprudência. Como se vê, os elementos causais/ tentativa18; c) a culpabilidade estrutura-se como conceito psicológico-
objetivos integram a antijuridicidade típica, os elementos psíquicos/ -normativo, com a reprovação do autor pela formação de vontade
subjetivos integram a culpabilidade13. contrária ao dever19.
O sistema clássico de crime desintegra-se, progressivamente, a O sistema neoclássico de fato punível está presente em comen-
partir de descobertas científicas que revelam contradições metodo-
lógicas insanáveis: a) na teoria do tipo, a necessidade do dolo para 14
Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, III 2, p. 39-40.
caracterizar a tentativa de qualquer crime doloso – se presente na 15
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 7, III, 14-15, p. 151-2.
16
JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 22, III, p. 204-208. No
Brasil, ver TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 42-45, p. 42-43.
10
LISZT, Strafrecht, 1891, p. 128. 17
Assim, MEZGER, Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik, 1950, p. 12.
11
Nesse sentido, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, III 2, p. 39-42; ROXIN, 18
Na base dessas mudanças estão os trabalhos de FISCHER, Die Rechtswidrigkeit mit
Strafrecht, 1997, § 8, n. 10-16, p. 187-189. besonderer Berucksichtigung des Privatrechts, 1911, p. 138; HEGLER, Die Merkmale
12
WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, III 2, p. 40. No Brasil, ver a crítica de des Verbrechens, ZStW 36 (1915) p. 27; MEZGER, Die subjektiven Unrechtselemente,
MESTIERI, Manual de Direito Penal I, 1999, p. 111-112; também, ZAFFARONI/ GS 89 (1924), p. 207.
PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 203-204, p. 421-427. 19
Assim, FRANK, Uber den Aufbau des Schuldbegriffs, 1907, p. 11. No Brasil, ver
13
Ver TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 22, p. 20. TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 48, p. 45-46.

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tários famosos da legislação penal, como DREHER-TRÖNDLE20, possíveis da ação, propor diferentes fins e dirigir a atividade para reali-
ou em autores modernos como NAUCKE21, por exemplo, e na juris- zação do fim. Assim, na formulação clássica de WELZEL28:
prudência dominante dos tribunais alemães, com resultados muito “Ação humana é exercício de atividade final. Ação é, por
semelhantes aos demais modelos – o que demonstra que não existem isso, acontecimento final, não meramente causal. A finali-
métodos certos ou errados, apenas métodos melhores ou piores. dade ou o sentido final da ação se baseia no poder humano
de prever, em determinados limites, por força de seu saber
causal, os possíveis efeitos de sua atividade, propor-se dife-
2. Modelo teleológico de ação rentes fins e dirigir, planificadamente, sua atividade para
realização destes fins. (...) Porque a finalidade se baseia na
2.1. Conceito capacidade da vontade de prever, em determinados limites,
as consequências da intervenção causal, e, através desta,
dirigi-la de modo planificado para a realização do fim, a
O modelo final de ação, desenvolvido na sociologia como
vontade consciente do fim, que dirige o acontecer causal,
conceito teleológico de ação, foi introduzido na dogmática penal
é a espinha dorsal da ação final.”
por WELZEL22 como crítica ao modelo causal de ação, com as con-
tribuições posteriores de MAURACH23, ARMIN KAUFMANN24, O modelo final (ou teleológico) de ação parte da distinção entre
STRATENWERTH25, HIRSCH26 e outros. O modelo teleológico de fato natural e ação humana: o fato natural é fenômeno determinado
ação, no centro da teoria filosófica da ação desde ARISTÓTELES, de- pela causalidade, um produto mecânico de relações causais cegas; a
fine ação como realização de um fim, porque o ator produz uma situação ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do
desejada na medida em que escolhe os meios adequados para produzir o fim29. Na ação humana, a vontade é a energia produtora da ação,
resultado e os emprega de modo apropriado, como diz HABERMAS27. enquanto a consciência do fim é sua direção inteligente: a finalidade
Assumindo essa perspectiva, WELZEL define o conceito de ação como dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do
realização de atividade final, pela qual o saber causal, adquirido pela autor. Na teoria de WELZEL a vontade consciente do fim é a espinha
experiência e preservado como ciência, permite prever as consequências dorsal da ação30, enquanto o acontecimento causal é a resultante casual
de componentes causais preexistentes. A finalidade é, por isso – figu-
20
DREHER-TRÖNDLE, Strafgesetzbuch und Nebengesetze, 1995.
rativamente falando – vidente, a causalidade, cega31.
21
NAUCKE, Strafrecht, eine einfuhrung, 2000, n. 151-161, p. 258-261.
22
WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 33-34. 28
WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 33-34. No Brasil, ver a excelente
23
MAURACH/ZIPF, Strafrecht I, 1992, § 16, n. 38-42, p. 201-203. descrição do desenvolvimento do modelo final de ação, em TAVARES, Teorias do
24
ARMIN KAUFMANN, Zum Stand der Lehre vom Personalen Unrecht, Welzel-FS, delito, 1980, n. 57-64, p. 52-60.
1974, p. 393. 29
Assim, MAURACH/ZIPF, 1992, Strafrecht I, § 16, n. 41, p. 202; WELZEL, Das
25
STRATENWERTH, Strafrecht I, 1981, n. 140. Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 34.
26
HIRSCH, Der Streit um Handlungs- und Unrechtslehre, ZStW 93 (1981), p. 831. 30
Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 34; MAURACH/ZIPF, 1992,
27 HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1995, v. Strafrecht I, § 16, n. 41, p. 202.
1, p. 126-127 e v. 2, p. 306-307. 31
WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 33.

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2.2. Estrutura o dolo direto de segundo grau);


b) os efeitos colaterais representados como possíveis integram
A unidade subjetiva e objetiva da ação humana é o fundamento a consciência do autor, mas dependem da atitude pessoal deste para
real da estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto. A homogenia integrarem a vontade: b1) se o autor consente na produção dos efeitos
entre teoria da ação (substantivo) e teoria da ação típica (substantivo colaterais representados como possíveis (conforma-se ou concorda com
adjetivado) é um dos méritos do modelo final de ação. A dimensão eles), então esses eventuais efeitos colaterais integram também a vontade
subjetiva da ação (ou projeto de realização), cuja espinha dorsal é a do autor e, por extensão, a ação como acontecimento final (no tipo
vontade consciente do fim, compreende: subjetivo, constituem dolo eventual); b2) se o autor não consente na
produção desses efeitos colaterais representados como possíveis (não se
1) a proposição do fim, como conteúdo principal da vontade
conforma ou não concorda com eles) – ao contrário, confia em sua não
consciente, que unifica e estrutura a ação (no tipo subjetivo, constitui
ocorrência, ou espera, honestamente, poder evitá-los pelo modo concre-
o dolo direto de primeiro grau);
to de execução da ação –, então esses efeitos não integram a vontade do
2) a seleção dos meios de ação para realizar o fim, determinados autor, nem a ação como fenômeno estruturado pela finalidade (podem
regressivamente pela natureza do fim proposto (no tipo subjetivo, inte- ser atribuídos ao autor como imprudência consciente, se existir o tipo
gram o dolo direto de segundo grau, se configuram resultados típicos). respectivo). Efeitos colaterais necessários ou possíveis não representados
Como a utilização dos meios escolhidos pode determinar outros pelo sujeito não integram nenhuma vontade consciente do autor e,
efeitos diversos do fim, surge o problema da relação desses efeitos assim, estão excluídos da ação como realização do propósito (podem
colaterais ou secundários com a ação: objetivamente, em relação à ser atribuídos ao autor como imprudência inconsciente, se existir o
natureza dos meios, os efeitos colaterais podem ser necessários ou pos- tipo respectivo).
síveis; subjetivamente, em relação à vontade consciente do autor, os A dimensão objetiva da ação (ou realização do projeto) representa
efeitos colaterais podem ser (a) incluídos na vontade consciente, (b) sua materialização no mundo real: a utilização dos meios selecionados
incluídos na consciência, mas excluídos da vontade, ou (c) excluídos para realizar o fim proposto, com ou sem representação dos efeitos
da consciência e da vontade. Assim, a dimensão subjetiva da ação colaterais necessários ou possíveis32, constitui matéria do tipo objetivo.
compreende, secundariamente:
A teoria final da ação contribuiu para identificar o fundamento
3) a representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis psicossomático do conceito de crime: a unidade subjetiva e objetiva da
ligados causalmente aos meios selecionados: o autor pode dirigir a
ação humana, qualificada pelos atributos axiológicos do tipo de injusto
ação para incluir ou para excluir esses efeitos colaterais, conforme as
e da culpabilidade, como base real do conceito de fato punível. Além
seguintes alternativas:
disso, a estrutura final da ação parece pressuposta na função atribuída
a) os efeitos colaterais representados como necessários integram a às normas penais, que se dirigem à vontade humana como proibições
vontade consciente do autor, ainda que lastimados ou indesejados: se ou como determinações de ação: a estrutura final da ação humana seria
o autor os representa como necessários e realiza a ação, integram sua
vontade consciente e, portanto, a ação (no tipo subjetivo constituem Assim, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, I, p. 34-35.
32

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constitutiva para o Direito Penal, cujas proibições ou mandados não execução de ações proibidas, as ações imprudentes como execução
se dirigem a processos causais cegos, mas à vontade humana capaz de defeituosa de ação permitida e a omissão de ação como inexecução de
configurar o futuro33. A validade dessa tese é reconhecida por setores ação mandada, dolosa ou imprudente38.
significativos da doutrina moderna. MAURACH/ZIPF definem a
estrutura final da ação humana como o componente antropológico
da responsabilidade penal34; EBERT destaca a concordância entre o 2.3. O trabalho como novo fundamento teleológico da ação
conceito final de ação e a função das normas penais, como proibições
e determinações de ação dirigidas à vontade humana, acrescentando Assumindo tese de LUKÁCS,39 que define o trabalho como
que a inclusão do conteúdo da vontade no conceito de ação permite transição do ser biológico para o ser social, mediante proposição de
compreender o seu significado como ação típica e como ação injusta35. fins e seleção de meios para realizá-los, RENATO GOMES propõe, de
A crítica de que o modelo final – cuja capacidade explicativa da modo original, novos fundamentos filosóficos e sociológicos para o
ação dolosa é reconhecida por todos – teria dificuldades para explicar modelo teleológico de ação.40
a ação imprudente e a omissão de ação36, parece inconsistente. A ação O trabalho, como práxis social, possui natureza ontológica,
imprudente é definível como execução defeituosa de ação permitida: estruturado pelo método teleológico, que define a proposição de fins
o defeito da ação reside no modo concreto de sua realização, lesivo do para satisfação de necessidades humanas, e pelo método causal, que
dever de cuidado ou do risco permitido em ações socialmente perigosas, decide sobre a seleção dos meios para realizar o fim proposto – o que
porque o autor confia na evitação de consequências sociais indesejáveis, pressupõe (a) investigação das leis que determinam os objetos naturais
ou simplesmente não pensa nelas37. A omissão de ação, ao contrário da e (b) certo nível de conhecimento dessas leis naturais. A experiência
ação dolosa (que não deveria ter sido realizada) ou da ação imprudente prática do trabalho, possível pelo conhecimento científico das relações
(que deveria ser realizada de outro modo), deve ser pensada como meio/fim e pela consequente projeção e realização do fim mediante
ação mandada, um acontecimento social construído pela finalidade aplicação dos meios selecionados, é um processo teleológico (direção
de proteger bens jurídicos em situação de perigo: a inexecução da final da causalidade) sobre realidades ontológicas (emprego de meios
ação mandada por um sujeito capaz de agir para impedir o resultado sobre o objeto do trabalho), assim constituído: a) objeto do trabalho
e proteger o bem jurídico caracteriza a omissão de ação. Como se vê, – matéria da natureza para transformação; b) meios de trabalho – a
a teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como tecnologia, ou instrumentos de transformação da natureza; c) processo

33
Assim, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, II, p. 37. 38
Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, II, p. 38. No Brasil, também assim,
34
MAURACH/ZIPF, 1992, Strafrecht I, § 16, n. 48, p. 205. CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 41-42; MESTIERI, Manual de
35
EBERT, Strafrecht, 1994, p. 22-3. Direito Penal I, 1999, p. 113; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal
36
Nesse sentido, a crítica de JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, brasileiro, 1997, n. 202, p. 422.
§ 23, III, 2b, p. 221; também, ROXIN, Strafrecht, 1994, § 8, n. 18-25, p. 185-188. 39
LUKÁCS, György. Para uma ontologia do Ser Social. São Paulo: Boitempo, 2013.
37
Ver MAURACH/ZIPF, Strafrecht I, 1992, § 16, n. 40-41, n. 202; WELZEL, Das 40
GOMES, Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses. Rio de
Deutsche Strafrecht, 1969, § 8, II, p. 37-38 e § 18, p. 129 s. No Brasil, ver ZAFFARONI/ Janeiro: Revan, 2016, p. 295 s. (Trabalho apresentado como Dissertação para obtenção
PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 201, p. 421. do título de Mestre na UERJ, orientado pelo Prof. Dr. NILO BATISTA).

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de trabalho – aplicação dos meios aos objetos materiais para produzir adaptação à disciplina do trabalho e controle progressivo dos instintos
os resultados projetados.41 – no capitalismo, a conjugação da disciplina e do biopoder garantem
No processo de trabalho, a consciência humana constitui a a reprodução ampliada do capital, como mostra FOUCAULT43; b) o
apropriação psíquica do real natural (objeto do trabalho) e do real objeto do trabalho, como natureza transformada pela tecnologia para
transformado (resultado real ideado pelo trabalhador) – processos criar utilidades e satisfazer necessidades sob a forma de mercadoria,
psíquicos que reproduzem o real como concreto pensado, como dizia distribuída no mercado como valor de uso dotado de valor de troca
MARX sobre o método em economia política. Em outras palavras, a medido pelo tempo de trabalho social necessário.44
consciência humana é a reprodução da realidade por representações Em MARX, a descrição da natureza teleológica da ação de tra-
neurônicas de processos ontológicos determinados por causas naturais balho – portanto, do agir produtivo, poderíamos dizer – aparece na
(leis causais) e sociais (trabalho humano). célebre comparação com a atividade da aranha e das abelhas: a aranha
Assim, o binômio necessidade/satisfação que configura o ser realiza operações iguais às do tecelão, e a abelha envergonha muito
humano é mediado pelo trabalho, conforme a relação: necessidade arquiteto na construção de sua colmeia; mas o pior arquiteto supera a
– trabalho – satisfação da necessidade. O pressuposto da relação é a melhor abelha, porque projeta sua casa na própria cabeça, antecipando
correta reprodução psíquica das causalidades naturais e a consequente na representação psíquica o resultado final do processo de trabalho.
programação teleológica do trabalho, pela qual o sujeito transforma o Nesse processo, o homem não se limita a modificar a natureza, mas
mundo produzindo utilidades (valores de uso), cujo preço de mercado realiza seus fins na natureza, pelo conhecimento de modos de fazer
é medido pelo tempo (valor de troca). A práxis social, como manipu- conforme leis naturais, que permitem subordinar a atividade produtiva
lação teleológica da causalidade pelo processo de trabalho, é fundada à sua vontade consciente45, enquanto se transforma a si mesmo pela
na reprodução consciente das leis causais – origem da relação sujeito/ disciplina do trabalho e pelo controle dos instintos.
objeto –, pela qual os conceitos do real aparecem sob a forma de
linguagem, necessária à reprodução psíquica do real e à comunicação
social correspondente.42 3. Modelo social de ação
Eis a relação dialética sujeito/objeto: a) o sujeito, cuja ação
teleológica objetiva (processo de trabalho) produz o futuro como uti- O modelo social da ação, fundado por EBERHARD SCHMIDT
lidade, está em transformação ontológica subjetiva permanente pela e desenvolvido por JESCHECK, WESSELS e outros, é uma posição
de compromisso entre os modelos causal e final de ação e, talvez por
causa disso, parece ser a mais difundida teoria da ação humana – assim
41
CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. In: GOMES, Renato. Teorias da conduta:
antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2016, p.13-21. Compare,
GOMES, Renato. Teorias da condua antecedentes, tendências e impasses. Rio de
Janeiro: Revan, 2016, p. 304 s.
43
FOUCAULT, Michel. Il faut défendre la societé. Cours au College de France, Leçon 17
de março de 1976.
42
CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. In: GOMES, Renato. Teorias da conduta:
antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2016, p.13-21. Compare,
44
CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. In: GOMES, Renato. Teorias da conduta:
GOMES, Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses. Rio de antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2016, p.19.
Janeiro: Revan, 2016, p. 309 s. 45
MARX, Das Kapital. Berlim: Karl Dietz Verlag, 2007, v. 1, p. 193

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como apresenta os maiores problemas de definição de conceitos e de social de ação surge da busca de um conceito unitário superior com-
uniformização de linguagem. Nesse sentido, HAFT destaca as diversas preensivo da ação e da omissão de ação:
definições do conceito social de ação, ora apresentada como fenômeno “As formas em que se realiza o intercâmbio do homem
social, ora como comportamento humano socialmente relevante – sem com seu meio (finalidade no atuar positivo e dirigibi-
esclarecer em que consiste o fenômeno social ou a relevância social da lidade na omissão de ação) não são unificáveis ao nível
ação46. Essa relativa imprecisão do conceito parece inevitável, porque ontológico, porque a omissão mesma não é final, pois o
as teorias sociais da ação seriam teorias conciliadoras que não excluem, emprego esperado da finalidade não existe nela. Ação e
mas incluem as teorias causal e final da ação47. omissão de ação podem, contudo, ser compreendidas em
Não é estranhável que as ênfases recaiam em polos diferentes um conceito de ação unitário, se conseguirmos encontrar
desse conceito difuso, com resultados, às vezes, divergentes, como um ponto de vista valorativo superior, que unifique no
observa EBERT: o modelo social da ação é uma moldura preenchível, âmbito normativo elementos não unificáveis no âmbito
às vezes, pelo conceito causal de ação, como causação de resultados so- do ser. Esta síntese deve ser procurada na relação do
cialmente relevantes e, às vezes, pelo conceito final de ação, como fator comportamento humano com seu meio. Este é o sentido
formador de sentido da realidade social, ambos incluídos no conceito do conceito social de ação. Ação é comportamento
social da ação48. Essa característica permanece em definições atuais, humano de relevância social.” 50
com o acento sobre o componente final do conceito, qualificado pela A relevância social, introduzida como elemento valorativo superior
relevância social da ação, como WESSELS/BEULKE, por exemplo: para apreender ação e omissão de ação, é um atributo axiológico do
a ação constitui comportamento socialmente relevante dominado ou tipo de injusto, responsável pela seleção de ações e de omissões de ação
dominável pela vontade humana – um fator formador de sentido da no tipo legal – e não uma qualidade da ação. Como afirma ROXIN,
realidade social, com todos os seus aspectos pessoais, finais, causais e o atributo de relevância social designa uma propriedade necessária para
normativos49. JESCHECK/WEIGEND mostram como o modelo valorar o injusto, porque existem ações socialmente relevantes e ações
socialmente não relevantes – ou seja, a relevância social é uma proprie-
dade que a ação pode ter ou pode não ter e, ausente essa propriedade,
46
TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 100, p. 92, já indicava os problemas do modelo. não desaparece a ação, mas somente sua significação social51.
47
HAFT, Strafrecht, 1994, p. 31: “A teoria social da ação é, hoje, defendida por numerosos
autores, com ênfases diferenciadas, pelas quais existem muitas definições parecidas, geralmente Não obstante juízos complacentes de que a imprecisão do modelo
não muito compreensíveis, nas quais a ação, por exemplo, é definida como fenômeno social de ação deveria ser tolerada52 ou juízos críticos de que o modelo
social na sua produção de efeitos dentro da realidade social (Eb. Schmidt), ou como
comportamento humano socialmente relevante (Jescheck), pelas quais não se esclarece social de ação ainda não está definido como os modelos causal e final
imediatamente o que se deve entender por fenômeno social ou por relevância social. A coisa
fica mais clara quando se compreende que as teorias sociais da ação são teorias conciliadoras
que, em conclusão, não excluem, mas incluem as teorias causal e final de ação. Por este esforço
de mediação resulta inevitável uma certa imprecisão de conceito.” 50
JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 23, VI, p. 223.
48
EBERT, Strafrecht, 1994, p. 23. 51
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, n. 32, p. 196. No Brasil, ver a crítica de ZAFFARONI/
49
WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 91, p. 24-25 e n. 93, p. 26. No Brasil, PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 206, p. 429.
TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 30. 52
Nesse sentido, HAFT, Strafrecht, 1994, p. 32-33.

104 105
Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

de ação53, alguns autores – por exemplo, EBERT – são mais incisivos, ordenamento jurídico60, em que o autor realiza o que não deve realizar
afirmando a existência de somente dois sistemas de fato punível: o (ação), ou não realiza o que deve realizar (omissão de ação): um re-
sistema causal e o sistema final, porque o modelo social de ação não sultado é atribuível ao autor se o direito ordena sua evitação e o autor
desenvolveu um sistema próprio, vinculando-se ora com o sistema não o evita, embora possa evitá-lo.
causal, ora com o sistema final54. Seja como for, a única diferença O fundamento do modelo negativo de ação é o princípio da
entre os conceitos social e final de ação – pelo menos em relação às evitabilidade do tipo de injusto – definido no § 13 do Código Penal
definições de JESCHECK/WEIGEND e de WESSELS/BEULKE, os alemão61 – por um autor com o poder de evitar o tipo de injusto – ou
mais prestigiados representantes da teoria social da ação na atualidade seja, o autor tem o poder de influir sobre o curso causal concreto
– fica por conta daquela atribuída relevância social, uma característica determinante do resultado, mediante conduta dirigida pela vontade
normativa incorporada como elemento superior unitário compreensivo – mas não evita o tipo de injusto62.
da ação e da omissão de ação. Na verdade, não existe nenhuma razão
científica para rejeitar o modelo social de ação, que utiliza as mesmas A possibilidade de evitar o comportamento proibido constituiria
categorias conceituais e adota os mesmos princípios metodológicos o pressuposto da obrigatoriedade da norma penal, independentemente
do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível55. de ser norma de proibição ou norma de comando63: ação e omissão
de ação não seriam conceitos pré-típicos, elaborados por uma teoria
pré-jurídica ou ontológica da ação, mas conceitos pertencentes ao tipo
de injusto. O ponto de partida do conceito negativo de ação, portanto,
4. Modelo negativo de ação
seria o exame da ação dentro do tipo de injusto, para saber se o autor
teria a possibilidade de influenciar o curso causal concreto conducente
O modelo negativo de ação, elaborado por HERZBERG56, ao resultado, mediante conduta dirigida pela vontade64.
BEHRENDT57 e outros – cuja aplicação sistemática mais notável
parece ser a obra de HARRO OTTO58 –, define o conceito de ação O modelo negativo de ação, do ponto de vista teórico, inverte o
dentro da categoria do tipo de injusto, rejeitando definições ontológicas sinal da categoria positiva da ação, substituída pela categoria negativa
ou pré-jurídicas, como os modelos causal e final de ação. da omissão de ação – a evitável não evitação do resultado; do ponto
de vista metodológico, desloca a discussão de questões específicas do
Ação é a evitável não evitação do resultado na posição de garan- conceito pré-jurídico de ação para a categoria jurídica da ação típica
tidor , compreensível como omissão da contradireção mandada pelo
59
concreta. Essas inovações parecem criticáveis: conceitualmente, a

53
Assim, NAUCKE, Strafrecht, 1995, n. 240, p. 250. 60
BEHRENDT, Die Unterlassung im Strafrecht, 1979, p. 143.
54
EBERT, Strafrecht, 1994, p. 24. 61
§ 13 – Comissão por omissão. “Quem omite evitar um resultado que pertence ao tipo de
55
Ver, por exemplo, MAURACH/ZIPF, Strafrecht I, 1992, § 16, n. 68, p. 211. uma lei penal, somente é punível conforme esta lei, se ele é juridicamente responsável pela não
56
HERZBERG, Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip, 1972. ocorrência do resultado, e se a omissão corresponde à realização do tipo legal por um fazer.”
57
BEHRENDT, Die Unterlassung im Strafrecht, 1979. 62
Ver OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, § 5, n. 39-40, p. 50.
58
OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, IV, n. 32-42, p. 48-51. 63
Assim, OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, § 5, n. 39, p. 50.
59
HERZBERG, Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip, 1972, p. 174. 64
OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, § 5, n. 40, p. 50.

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Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

existência da ação humana independe da existência do tipo de injusto; reflexos etc., não constituem manifestação da personalidade; por outro
metodologicamente, é desaconselhável congestionar a área complexa lado, exclui pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico-
do tipo de injusto com problemas ou questões de natureza extratípica. -espiritual do ser humano porque não representam manifestação da
Uma variante psicanalítica do modelo proposta por BEHRENDT65 personalidade67.
relaciona o conceito da evitável não evitação do resultado com as ma- A ação como manifestação da personalidade constitui a mais
nifestações da destrutividade humana, que exprimem as pulsões instin- geral definição do conceito de ação, capaz de apreender todas as ob-
tivas do id sem o controle do superego. Na verdade, parece impróprio jetivações da personalidade – como diz ARTHUR KAUFMANN68 –,
reduzir os conceitos fundamentais da Psicanálise aos limites funcionais mas parece excluir o traço humano específico que distingue a ação de
do conceito de ação (ou de ação típica): as categorias psicanalíticas qualquer fenômeno natural ou social: a realização do propósito. Em
contêm um potencial teórico-explicativo de natureza criminológica outras palavras, a manifestação da personalidade como mera relação
que transcende os limites do conceito de ação (ou de ação típica), para entre pensamentos/emoções e acontecimentos exteriores parece ne-
tentar apreender o sentido concreto das ações humanas na plenitude do gligenciar a natureza constitutiva dos atos psíquicos para a estrutura da
significado incorporado por todos os atributos do conceito de crime. ação humana, conhecimento já incorporado à teoria científica da ação.
Em conclusão, o princípio da evitabilidade que fundamenta o con- Além disso, os limites incertos ou difusos do conceito de perso-
ceito negativo de ação integra todas as categorias do conceito de crime, nalidade69 não permitem atribuir todos os fenômenos definíveis como
constituindo, portanto, um princípio geral de atribuição que não pode suas manifestações ao controle do ego – a instância perceptiva cons-
ser apresentado como característica específica do conceito de ação66. ciente que controla o comportamento conforme exigências do superego
–, porque pulsões instintuais reprimidas do id podem assaltar o ego sob
a forma de obsessões, fobias e, mesmo, atos falhos ou sintomáticos, que
5. Modelo pessoal de ação são manifestações da personalidade independentes de controle do ego
e indiferentes às conveniências do superego70, na dinâmica das relações
O modelo pessoal de ação desenvolvido por ROXIN define ação entre os segmentos do aparelho psíquico que constituem a personali-
como manifestação da personalidade, um conceito capaz de abranger dade humana71. Em suma, nem a personalidade, cujas manifestações
todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquico-espiritual constituem ação, se reduz ao ego, nem todas as manifestações atribu-
do homem. A definição de ação como manifestação da personalidade íveis à personalidade “estão sob controle do ego, a instância de governo
permitiria excluir todos os fenômenos somático-corporais insuscetí-
veis de controle do ego e, portanto, não dominados ou não domináveis 67
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, n. 44, p. 202. No Brasil, ver TAVARES, As controvérsias
pela vontade humana: força física absoluta, convulsões, movimentos em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 27-29.
68
ARTHUR KAUFMANN, Die ontologische Struktur der Handlung, Skizze einer
personalen Handlugnslehre, H. Mayer-FS, 1966, p. 79.
BEHRENDT, Die Unterlassung im Strafrecht, 1979, 132.
65 69
Ver EYSENCK, Crime and Personality, 1977, p. 19.
Ver a crítica de ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, n. 40, p. 200. Outros detalhes,
66 70
Nesse sentido, FREUD, Inibições, sintomas e ansiedade, 1976, IMAGO, v. XX, p. 95-200.
TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, Rio, 1996, p. 23-26. 71
Ver FREUD, O Ego e o Id, 1976, IMAGO, v. XIX, p. 23-83.

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Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

psíquico-espiritual do homem”72, como afirma ROXIN. então o agir comunicativo (como linguagem) prevaleceria sobre o agir
Não obstante, é necessário reconhecer a simplicidade da definição teleológico (como realização de fins)74. Mas aqui surge o problema:
de ação como manifestação da personalidade, bem como a capacidade a subordinação da ação teleológica ao consenso linguístico da ação
dessa definição para executar as funções atribuídas ao conceito de ação comunicativa faz desaparecer a violência histórica externa (conquistas
no âmbito do conceito de fato punível. e subjugação de povos), as contradições sociais internas (proprietários
do capital versus força de trabalho) e os conflitos individuais (crimes).75
Em outras palavras, a racionalidade consensual da ação comu-
6. Modelo comunicativo de ação nicativa concebe a emancipação humana como produto da educação
– ao contrário da razão instrumental da teoria crítica, para a qual as
O modelo de ação comunicativa desenvolvido por HABERMAS instituições jurídico-políticas do capitalismo são formas ideológicas
define ação como interação de dois ou mais atores capazes de fala e estratégico-táticas que definem as condições históricas concretas da
de ação, em relação interpessoal através da linguagem/discurso, como luta de classes, no contexto da relação capital/trabalho assalariado.
meio de compreensão (renovação do conhecimento cultural), de co- E, como todas as teorias consensuais, a teoria da ação comunicativa
ordenação da ação (integração social) e de socialização (formação de legitima a ideologia punitivista do populismo penal contemporâneo,
identidades pessoais).73 comprometido com a defesa da ordem social capitalista.76

Como se vê, a teoria da linguagem está no centro da teoria Na verdade, os atos linguísticos locucionários, ilocucionários e
comunicativa da ação e, nesse sentido, pode representar o método da perlocucionários do agir comunicativo teriam significados curiosos
comunicação social (o como da comunicação), mas não é capaz de no Direito Penal: a) a relação locutor/ouvinte atribui ao autor do
apreender o conteúdo da comunicação (o que se comunica), somente crime um enunciado com pretensão de validade extraconsensual; b)
identificável pelo modelo teleológico. Assim, a ação comunicativa, a relação processual-penal confere ao convencimento do Juiz papel
processada pelos atos de fala da linguagem, assume natureza locucio- de manifestação jurisdicional de consenso; c) a relação sujeito/norma
nária, ilocucionária e perlocucionária, configurando um discurso de
consenso avaliado conforme a compreensibilidade, verdade, sinceridade 74
Como diz HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp,
e correção. A compreensão linguística das relações sociais pretende 1a edição, 1995, v. 2, p. 319: “Por isso, sem dúvida, aquelas interpretações e tomadas
subordinar o agir teleológico (atividade orientada pelo fim) ao agir de posição de sim/não entre partícipes da interação, que trazem um consenso de valor e
de reconhecimento de normas, seriam conduzidas ao centro da teoria da ação. No ponto
comunicativo (método de interação social), conforme a seguinte lógi- central estariam, não mais a estrutura de fim-meio do agir, mas a formação de consenso
ca: se a execução do plano pressupõe coordenação com outra pessoa, dependente da linguagem, como aquele macanismo que coordena os planos de ação de
diferentes atores e, somente assim, torna possível a interação social.” (tradução livre)
75
Compare GOMES, Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses.
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, III 1, n. 44, p. 202.
72
Rio de Janeiro: Revan, 2016, p. 192 s.
HABERMAS, Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt: Suhrkamp, 1a edição,
73 76
CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. In: GOMES, Renato. Teorias da conduta:
1995, v. 1, p. 128-129. No Brasil, JUAREZ TAVARES assume a teoria comunicativa antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2016, p.16. Ver GOMES,
de HABERMAS para definir o conceito de ação - assim, por exemplo, TAVARES, J., Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro:
Teoria do Crime Culposo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 212-213. Revan, 2016, p. 180 s.

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Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

explica a punição do sujeito pela violação de uma norma consensual. III. Funções do conceito de ação
Entretanto, no homicídio com arma de fogo, por exemplo, teríamos
um enunciado destituído de validade comunicativa consensual, excluí-
A literatura penal atribui ao conceito de ação, no sistema de fato
da na destruição da vida humana, em que o processo penal produz um
punível, funções teóricas, metodológicas e práticas de unificação, de
juízo estigmatizante. Assim, em situações sociais problemáticas como o
fundamentação e de delimitação das ações humanas, que não podem
crime (ou a propriedade privada dos meios de produção, na política),
ser cumpridas pelas categorias do conceito de crime79.
não existe espaço para o consenso inerente à ação comunicativa: ao
contrário, as situações problemáticas somente podem ser apreendidas 1. A função teórica de unificação pretende compreender a ação e a
por teorias teleológicas (ou estratégicas) da ação, caracterizadas pela omissão de ação (dolosa e imprudente) como espécies de comporta-
influência unilateral, que substitui o consenso do discurso comuni- mentos humanos. Em geral, o conceito de conduta é empregado como
cativo pelo conflito próprio das finalidades de violência, dinheiro, gênero de ação e de omissão de ação, mas esse conceito superior – cuja
poder ou sexo da criminalidade (ou pelo conflito político no âmbito busca engendrou o conceito social de ação, por exemplo – parece des-
das relações sociais de produção). A linguística, como teoria discursiva necessário: a ação realizada ou omitida é o núcleo positivo ou negativo
da verdade consensual, exclui a teoria ontológica da verdade como de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes e, portanto, cons-
correspondência entre representação do objeto e objeto representado, titui o objeto material exclusivo da pesquisa jurídico-penal. De fato,
assumida pelo modelo teleológico. Curto e grosso: o processo penal a pesquisa no processo penal não tem por objeto verificar a existência
como discurso de convencimento recíproco é inconvincente, porque a do gênero conduta, mas a realização de uma ação proibida ou a omissão
contradição do processo penal mostra que o convencimento da outra de uma ação mandada, dolosa ou imprudente.
parte é unilateral – e não recíproco, menos ainda consensual.77 2. A função metodológica de fundamentação consiste em configurar a
Enfim, o modelo consensual do agir comunicativo oculta o base psicossomática real do conceito de crime, como unidade subjetiva
conflito de classes do modo de producão capitalista e parece repre- e objetiva qualificável pelos atributos de tipo de injusto (objeto de
sentar um retrocesso na teoria do delito: se os elementos do mundo reprovação) e de culpabilidade (juízo de reprovação): a ação represen-
da vida estão em integração social, então a perturbação do mundo da ta a substância capaz de portar os predicados do conceito analítico de
vida pelo crime constitui anomia, como contradição entre o mundo crime, como tipo de injusto realizado por um sujeito culpável. Assim,
da vida (Lebenswelt) e o sistema social fundado na relação capital/ a teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível,
trabalho assalariado, que promove a desigualdade social e inviabiliza como ação dolosa ou imprudente, proibida ou mandada, descrita sob
a democracia real – que teorias consensuais costumam ignorar.78 as formas positiva ou negativa do tipo legal.
3. A função prática de delimitação consiste em identificar as ob-
77
Ver GOMES, Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses. Rio jetivações da subjetividade humana que realizam o conceito de
de Janeiro: Revan, 2016, p. 197 s. Ver também CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. ação – fenômeno exclusivo de pessoas naturais, independente de
In: GOMES, Renato. Teorias da conduta: antecedentes, tendências e impasses. Rio de
Janeiro: Revan, 2016, p.14 s.
78
CIRINO DOS SANTOS, J. Prefácio. In: GOMES, Renato. Teorias da conduta:
antecedentes, tendências e impasses. Rio de Janeiro: Revan, 2016, p.16. Assim, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 23, I, 2, p. 219.
79

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Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

idade ou saúde mental80 –, excluindo acontecimentos (fenômenos, movimentos reflexos desencadeados por estímulos sensoriais ou fisio-
movimentos ou comportamentos) que não apresentam os caracteres lógicos a partir do sistema nervoso periférico, em geral incorporados
desse conceito. filogeneticamente como reações motoras de defesa ou autoproteção,
3.1. As hipóteses que não atingem o status de ação – conhecidas como sem o concurso da vontade consciente do autor, não constituem ação.
ausência de ação na literatura – são as seguintes: b) Ações automatizadas (ou de curto-circuito): motorista de automóvel,
a) acontecimentos da natureza, tais como terremotos, inunda- em velocidade de 90km/h, vê animal do tamanho de cachorro 10 a
ções, tempestades, desabamentos, raios etc.; 15 metros à frente do veículo, gira o volante, bate na proteção lateral
de cimento e passageiro morre. Disposições automatizadas aprendidas
b) ataques de animais ferozes – que podem, contudo, ser usados constituem ação, independente de sua utilidade ou dano82.
como instrumentos de agressão;
c) Reações instintivas de afeto: em movimento compulsivo, vendedor
c) atos de pessoas jurídicas: somente as pessoas naturais, como beija e morde seios de mulher, súbita e involuntariamente expostos
órgãos representativos das pessoas jurídicas, podem realizar ações; próximos à sua boca, durante ajuste de medidas de vestido, na loja.
d) pensamentos, atitudes e emoções como atos psíquicos sem A satisfação de impulsos instintivos de afeto constitui ação segundo
objetivação; qualquer dos modelos.
e) movimentos do corpo como massa mecânica sem controle: d) Ações sob hipnose: cumprindo sugestão hipnótica, hipnotizado
estados de inconsciência, como desmaios, delírios ou convulsões epi- realiza fato definido como crime. A teoria dominante admite ação
lépticas (a mãe sufoca ou lesiona o filho na amamentação, ao sofrer porque o hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura
desmaio ou convulsão epiléptica); movimentos sob força física absoluta pessoal83, mas um segmento respeitável fala em ausência de ação84.
(A empurra B sobre uma vitrine, quebrando-a) – mas não sob força A questão da hipnose pode ser esclarecida por FREUD, iniciado
compulsiva, que não exclui a ação (B quebra a vitrine sob ameaça séria na arte da sugestão hipnótica por JEAN-MARIE CHARCOT, que
de agressão de A). descobriu as causas psicológicas de muitos distúrbios psíquicos, e
influenciado por HIPPOLYTE BERNHEIM, cujas experiências
3.2. Os movimentos reflexos, as ações automatizadas, as reações
sobre sugestão pós-hipnótica lhe inspiraram a idéia de um incons-
instintivas de afeto e as ações sob hipnose podem ser controvertidas.
ciente, responsável pela maioria das ações humanas. Na situação de
a) Movimentos reflexos: motorista protege com a mão olho atingido por hipnose, o hipnotizado não tem consciência do mundo exterior,
inseto em curva de rodovia, perde o controle do veículo e produz aci- apenas ouve e vê o hipnotizador, acredita em suas palavras e obedece
dente. Ação, segundo a teoria pessoal de ação: movimento de proteção seus comandos, de modo alucinado. Uma pessoa saudável pode ser
dirigido a finalidade psiquicamente intermediada constitui manifestação
da personalidade81; ausência de ação, conforme a teoria final da ação:
82
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, n. 67, p. 212.
83
Assim, MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, § 16, n. 19, p. 195; também, ROXIN,
Ver WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 94, p. 26-27.
80
Strafrecht, 1997, § 8, n. 71, p. 214.
ROXIN, Strafrecht, 1997, § 8, n. 66, p. 211-212.
81 84
WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 98, p. 27.

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Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Capítulo 6 Teoria da Ação

induzida a ver o que não existe (uma cobra), ou a não ver o que existe consciente que unifica os movimentos particulares em um conjunto
(uma pessoa), a sentir o cheiro de uma rosa imaginária ou a morder significativo, destrói a especificidade da ação como fenômeno exclu-
uma batata pensando ser uma pera, mas existem limites: uma jovem sivamente humano. Os critérios da causalidade, da relevância social,
decente não será induzida a despir-se em público, assim como um da evitável não evitação, da manifestação da personalidade ou da ação
cidadão educado não realiza a sugestão de furtar coisas. A explicação comunicativa não parecem possuir o poder definidor próprio do cri-
é simples: o ego do hipnotizado pode estar sob o poder alheio, mas tério da finalidade, que permite integrar qualquer sequência de atos
o superego continua ativo no papel de censura sobre as ações do isolados na unidade psicossomática da ação humana. A causalidade é
ego, sob a forma de resistências psíquicas contra ações censuráveis.85 uma lei geral da natureza, a relevância social pode existir ou não existir
na ação, a evitável não evitação é um nó conceitual, a manifestação
da personalidade parece transcender os limites do ego como persona-
lidade consciente (inclui fenômenos do id e do superego, dimensões
IV. Conclusão inconscientes da personalidade, cujas manifestações definem conflitos
psíquicos incontroláveis) e a natureza consensual da ação comunicativa
Considerando as funções teóricas, metodológicas e práticas do é incapaz de compreender fenômenos individuais (crime) ou sociais
conceito de ação, definido causalmente como causação de resultado (luta de classes) fundados no conflito.
exterior por comportamento humano voluntário, teleologiamente
como realização de atividade final, socialmente como comportamento
social relevante dominado ou dominável pela vontade, negativamente
como evitável não evitação do resultado na posição de garantidor,
pessoalmente como manifestação da personalidade e comunicativa-
mente como interação consensual de dois ou mais atores através da
linguagem, é possível concluir que a definição capaz de identificar o
traço mais específico e, ao mesmo tempo, a característica mais geral
da ação humana, parece ser a definição do modelo teleológico de ação.
A definição de ação como atividade dirigida pelo fim (nobre ou
abjeto, altruísta ou egoísta, legal ou criminoso) destaca o traço que
diferencia a ação de todos os demais fenômenos humanos ou natu-
rais, e permite delimitar a base real capaz de incorporar os atributos
axiológicos do conceito de crime, como ação tipicamente injusta
e culpável. Ao contrário, a exclusão da finalidade, como propósito

85
Ver FREUD, Psichische Behandlung. In: Schriften zur Behandlungstechnik. S. Fischer,
1975, vol. compl., p. 17-35.

116 117
Capítulo 7
Tipo de injusto doloso

I. Introdução
Os crimes dolosos representam o segmento principal da cri-
minalidade: compreendem a violência pessoal, patrimonial e sexual
e a fraude em geral, que exprimem a imagem estereotipada de crime
da psicologia social – as formas de comportamentos imprudentes e
omissivos não impressionam o sentimento popular e, afinal, são pu-
nidos por exceção.
O tipo de injusto doloso é estudado nas categorias de tipo objetivo
e de tipo subjetivo, introduzidas pelo modelo teleológico na estrutura do
fato punível. Do ponto de vista da gênese da ação típica, esse estudo
deveria começar pelo tipo subjetivo porque o dolo representa a energia
psíquica produtora da ação incriminada – portanto, o tipo subjetivo
precede funcional e logicamente o tipo objetivo. Contudo, porque o
crime manifesta sua existência como realidade objetivada, cuja con-
figuração concreta é o ponto de partida da pesquisa empírica do fato
criminoso, o tipo objetivo constitui a base do processo analítico de
(re)construção do conceito de crime1.

II. Tipo objetivo


Nos tipos dolosos de resultado, a atribuição do tipo objetivo

1
Ver JAKOBS, Strafrecht, 1993, 7/1, p. 183; também, WELZEL, Das Deutsche
Strafrecht, 1969, p. 63.

119

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