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DIREITO

PENAL

TEORIAS DA CONDUTA

Outras teorias da conduta: teoria social; conceito


negativo (Jakobs) e conceito pessoal (Roxin)

1. Introdução

Caro(a) leitor(a), nesta unidade de aprendizagem estudaremos algumas teorias da


conduta que, embora doutrinariamente menos mencionadas nos livros e manuais,
podem ser objeto de interesse nas provas. A teoria social da ação (ou, com mais
precisão, a gama de teorias sociais da ação), cuja paternidade é geralmente
atribuída a autores neokantianos, e as teorias pessoal e negativa, geralmente atribuídas
a autores funcionalistas, procuram conceituar a conduta penalmente relevante a partir
de perspectivas teóricas distintas.

Recomenda-se conglobar o estudo com outros tópicos da parte geral, a fim de obter
uma investigação aprofundada e contextualizada de cada uma dessas teorias. Dessa
forma, é altamente indicado cotejar o estudo das teorias sociais da ação com o estudo
dos modelos/sistemas do fato punível; e, da mesma forma, cotejar o estudo das teorias
pessoal e negativa com o estudo das teorias do funcionalismo penal.

Mãos à obra!

2. As teorias sociais da ação

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Iniciemos o estudo, pois, percebendo que, tal qual mencionado na introdução, não há
propriamente um único conceito social de ação, mas, em verdade, uma plêiade
enorme de construções que se amoldam em maior ou em menor medida a essa rubrica.
Não obstante, as diferentes abordagens, as mais célebres das quais são as propostas
por Eberhard Schmidt, Hans-Heinrich Jescheck, Johannes Wessels e Werner Maihofer,
possuem muitos pontos de convergência.

A essa concepção, que levará o título de teoria social da ação, a muitas vezes se
chega partindo de premissas típicas do modelo clássico do fato punível (Eberhard
Schmidt, por exemplo, assim o faz); mas também se parte de premissas do modelo
finalista (é Hans-Heinrich Jeschek, por exemplo, quem assim procede).

O ponto central de todas essas formulações deve ser circunscrito ao fato de que, na
teoria social, a ação sempre teria uma relevância ou um sentido social.

Atenção!

Nessa perspectiva, todo comportamento humano, ante sua característica


de comportamento social, não poderia ser delimitado de maneira
apenas subjetivamente, por meio dos patamares psicológicos dos
elementos cognitivo e volitivo do agente, mas, em verdade, pressuporia
um juízo de compreensão que dependeria de seu sentido estabelecido
objetivo-socialmente.

Nas palavras do próprio Eberhard Schmidt (1983, p. 182), a quem, na


grande maioria das provas, se costuma atribuir a paternidade da
teoria social da ação – embora, como vimos, essa postura teórica teve
uma gama de autores diferentes, o que pode eventualmente ser
mencionado nas provas discursivas e/ou orais em que haja espaço para
demonstrar conhecimento mais aprofundado do tema e, assim, se
destacar de outros candidatos: “Para a comunidade social, as acções
apresentam-se como unidades de sentido social funcionais, a ser,
antes de mais, compreendidas de maneira como têm de ser interpretadas
em função das concepções, experiências e hábitos da existência
social” (grifos nossos).

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O ponto nodal da ação, então, passa a ser o seu significado sociológico (ou sentido
social), e o resultado produzido, por isso – já que é pelo resultado que a ação se
manifestará –, é dotado de grande relevância.

Essa perspectiva teórica, logo se vê, se afasta das teorias eminentemente


naturalistas/causalistas, como as que vigoravam no modelo clássico do qual foram
expoentes Franz von Liszt e Ernst von Beling, e se aproxima de um modelo
eminentemente valorativo de ação, no qual prevalecerá o seu significado, ou seja, o
valor atribuído ao processo de externalização da finalidade.

O afastamento das teorias naturalistas/causalistas se dá em razão do fato de que essas


construções se baseavam no positivismo científico, e não admitiam qualquer tipo de
inserção de elementos e categorias axiológico-valorativas no cerne dos estratos da
dogmática penal. Havia, assim, uma pretensão de neutralidade, que seria
completamente incompatível com um conceito valorado de ação penalmente
relevante.

É por esse motivo que a teoria da ação social se mostrou fecunda entre muitos autores
típicos do sistema/modelo neokantiano/neoclássico, em razão da ampla preferência
pelos teóricos dessa época por elementos valorativos.

O conceito “teoria social da ação”, então, acaba por designar uma espécie de moldura,
dentro da qual cabem inúmeras construções, sempre permeadas pela ideia de
significado social, significado sociológico, transcendência social e outros. Como
palavras-chave, poderemos encontrar, por exemplo, as seguintes:

AÇÃO COMO FENÔMENO SOCIAL


AÇÃO COMO COMPORTAMENTO HUMANO SOCIALMENTE RELEVANTE
AÇÃO COMO CONDUTA VALORADA SOCIALMENTE
AÇÃO COMO TRANSCENDÊNCIA SOCIAL DA CONDUTA
AÇÃO COMO CONDUTA DE SIGNIFICADO SOCIAL

Essa vagueza – falta de critérios seguros para designar a ação penalmente relevante (o
que é o fenômeno social, o comportamento humano socialmente relevante, a conduta
valorada socialmente etc.?) – leva grande parcela da doutrina a tecer críticas severas
ao modelo. Juarez Cirino dos Santos (2018, p. 110-111) aponta, por exemplo, no sentido
de que essas teorias são propostas conciliadoras, que não visam excluir, mas incluir

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as premissas teóricas das teorias causalista e finalista. Assim sendo, acabam por
redundar em um mar enorme de incertezas, não sendo um critério hábil para prover
segurança jurídica nem limitar adequadamente a incidência do poder punitivo.

Como exemplos de uma conduta não abarcada pela teoria social da ação, a doutrina
tende a apontar manifestações de ação que não transcendem o âmbito do próprio autor,
como as autolesões, o barbear-se ou não se barbear etc. No âmbito das teorias de ação
mais difundidas atualmente entre nós – sobretudo a teoria finalista –, essas categorias
seriam tratadas majoritariamente no âmbito dos princípios da insignificância e/ou da
adequação social; e, eventualmente, no âmbito da tipicidade conglobante de Eugenio
Raúl Zaffaroni.

3. A teoria pessoal da ação

Difundida na obra de Claus Roxin, a teoria pessoal da ação conceitua a conduta


penalmente relevante como manifestação da personalidade. Essa conceituação, que
vai se valer de um conhecimento interdisciplinar – mesclando, por exemplo, alguns
conceitos típicos da teoria psicanalítica de Sigmund Freud –, seria capaz de abranger
todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquico-espiritual do homem.

Percebamos a análise de Juarez Cirino dos Santos sobre esse modelo de conduta.
Recomenda-se máxima atenção, pois os exatos dizeres desse importante professor
brasileiro já foram objeto de cobrança em diversas provas objetivas que abordaram o
tema:

A definição de ação como manifestação da personalidade permitiria


excluir todos os fenômenos somático-corporais insuscetíveis de controle
do ego e, portanto, não dominados ou não domináveis pela vontade
humana: força física absoluta, convulsões, movimentos reflexos etc., não
constituem manifestações da personalidade; por outro lado, exclui
pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico-espiritual do ser
humano porque não representam manifestação da personalidade
(SANTOS, 2018, p. 116 − grifos nossos).

A perspectiva teórica e muito particular de Roxin foi amplamente criticada na literatura


brasileira e internacional, sobretudo, em razão de sua abstração. É que esse importante
professor alemão recorre ao conceito e aos delineamentos da personalidade, que, de
acordo com a literatura especializada no tema, tem limites muito incertos e difusos, a

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maioria deles pouco comprováveis de maneira empírica.

Mais uma vez chamamos a atenção para as palavras de Juarez Cirino dos Santos, que, a
partir de uma análise crítica sobre o tema, já foram muitas vezes objeto de cobrança
literal em provas objetivas:

(...) os limites incertos ou difusos do conceito de personalidade não


permitem atribuir todos os fenômenos definíveis como suas
manifestações ao controle do ego – a instância perceptiva consciente
que controla o comportamento conforme exigências do superego –,
porque pulsões instintuais reprimidas do id podem assaltar o ego sob a
forma de obsessões, fobias e, mesmo, atos falhos ou sintomáticos, que
são manifestações da personalidade independentes de controle do
ego e indiferentes às conveniências do superego, na dinâmica das
relações entre os segmentos do aparelho psíquico que constituem a
personalidade humana. Em suma, nem a personalidade, cujas
manifestações constituem a ação, se reduz ao ego, nem todas as
manifestações atribuíveis à personalidade “estão sob controle do ego,
a instância de governo psíquico-espiritual do homem”, como afirma
ROXIN (SANTOS, 2018 − grifos nossos).

4. A teoria negativa da ação

Trata-se do modelo elaborado por Rolf Dietrich Herzberg, Hans-Joachin Behrendt e


Harro Otto, que define o conceito de ação penalmente relevante dentro de outra
categoria, a categoria do tipo de injusto.

Ao assim fazê-lo, a concepção negativa da ação se mostra construída sobre bases de um


extremo normativismo e rejeita, portanto, qualquer pretensão de se trabalhar a conduta
como um dado pré-típico. Rejeita, assim, um conceito de ação que não esteja vinculado
à norma e, por via de consequência, se afasta das tradicionais teorias causalista e
finalista da conduta penalmente relevante – nas quais aquelas viam na realidade um
objeto de incidência da norma, esta vê na própria norma o objeto a partir do qual será
extraído o dado da realidade.

Atenção!

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Partindo do princípio da evitabilidade do tipo de injusto, a teoria
negativa da ação pode ser conceituada da seguinte maneira – e
chamamos novamente a atenção do(a) leitor(a) para as exatas
palavras de Juarez Cirino dos Santos sobre o tópico, posto não
raras vezes objeto de cobrança literal em avaliações objetivas:

(...) é a evitável não evitação do resultado na posição de


garantidor, compreensível como omissão da contradição
mandada pelo ordenamento jurídico, em que o autor realiza o
que não deve realizar (ação), ou não realiza o que deve realizar
(omissão de ação): um resultado é atribuível ao autor se o direito
ordena sua evitação e o autor não o evita, embora possa evitá-lo
(SANTOS, 2018, p. 114 − grifos nossos).

Esses delineamentos nos permitem dizer que a teoria negativa da ação, de acordo com
o princípio da evitabilidade do tipo de injusto, acaba por transformar todos os
autores em garantidores, atribuindo a todos aqueles sujeitos à ordem jurídica um
dever de evitar o resultado, possível evitá-lo, dever este que, por óbvio, só pode ser
extraído da norma.

Atualmente, no ordenamento penal brasileiro, a figura do garantidor é extremamente


excepcional, somente se justificando para os delitos omissivos impróprios, com
fundamento no art. 13, § 2º, do Código Penal.

No contexto de seu funcionalismo radical, Günther Jakobs formula seu conceito de ação
em uma perspectiva vinculada ao extremo normativismo, fundamento também
estruturante dos modelos fundados na teoria negativa da ação. É interessante, sobre
isso, perceber que o próprio autor estabelece que, ao se discutir o conceito de ação,
discute-se o conceito de injusto (JAKOBS, 1997, p. 101-102).

Muito importante!
--
É interessante perceber que, a despeito da maioria esmagadora dos
autores vinculados às diversas espécies de ‘’teorias negativas/teorias
normativas de ação’’ tradicionalmente se vincularem às posturas teóricas
da prevenção geral positiva, em provas objetivas essa característica pode

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aparecer mais fortemente atrelada ao trabalho de Jakobs.

..

Essa característica de sua teoria da ação mostra-se importante para se compreender o


repúdio do funcionalismo radical a categorias ontológicas, pré-típicas. Essa perspectiva
será vista tanto na teoria da pena e em seus fundamentos quanto nas categorias do fato
punível para além da ação, como o dolo e a culpabilidade.

Mantendo coerência e harmonia com seu sistema fundado na ideia de que o direito
serve para que se reafirme uma determinada configuração social e arrimando-se
nessas mencionadas tentativas de normatizar todos os conceitos e institutos próprios
do direito penal, a literatura aponta, no seguinte sentido, as categorias centrais da
teoria da ação em Günther Jakobs:

A AÇÃO PARA GÜNTHER JAKOBS 1 – Deve articular sociedade e direito


penal.

2 – Deve possuir uma unidade


conceitual congruente e harmônica de
elementos.

3 – Deve ter clara a sua relação com a


responsabilidade por culpabilidade (ou
seja, repudia completamente a
responsabilidade objetiva/coletiva).

4 – Deve ser extraído do próprio


sistema normativo e se relacionar com o
próprio injusto penal, e não guardar
aspectos de uma categoria pré-jurídica
com estrutura ôntico-ontológica.

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“Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência
dos temas em provas de concursos públicos. A autoria dos e-books não se atribui aos
professores de videoaulas e podcasts. Todos os direitos reservados.”

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dos temas em provas de concursos públicos.
A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts.
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