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Cibele Marcon1
Pedro Gustavo Pimentel2
Resumo:
Abstract:
This study aims to present possible reflections on the existence of factors of influence
on social agents by artificial intelligence algorithms, especially in relation to social networks.
In fact, the attempt to present the influences promoted by social networks will be
addressed and that determine, albeit unconsciously, forms of submission to what is specified
by these social networks and that could shape thoughts and behaviors, individually or
collectively, creating trends about how to interact with the world, including about the
possible form of domination over the convictions of individuals.
And, consequently, these influences would be admitted, from the perspective of the
thought related to symbolic systems developed by Pierre Bourdieu, as a legitimate means, so
that social agents began or began to act and behave in line with the interests inherent in the
context of these social networks.
3
Introdução:
De início, vale ser deixar registrado que não há efetivo consenso sobre a
conceituação de inteligência humana, não sendo o objeto do presente estudo promover sua
ampla discussão.
Contudo, para fins de introdução à inteligência artificial, é necessário, ainda que em
linha gerais, promover a abordagem, não exaustiva, de suas principais características, para
fins de demonstrar sua similitude com aquilo que foi criado para o auxílio de
desenvolvimento da humanidade.
Dentre as mencionadas características que se pode atrelar à inteligência humana,
merece destaque a possibilidade de aprendizado por meio das experiências vivenciadas,
capacidade de adaptação do indivíduo e sua interação com o ambiente, bem como a
capacidade de resolução de problemas.
E, dentre as características acima elencadas, será possível verificar, como já
mencionado, a efetiva semelhança que se empresta ao que atualmente se denomina como
inteligência artificial.
Pois bem, o significado de inteligência artificial não é, como se percebe, de fácil
elaboração, tendo em vista a abrangência altamente volátil e polissêmica que se pode atribuir
a tal expressão em virtude da constante agregação de novos elementos nascedouros da
modernidade, ou seja, configurando a sua multiplicidade 3 de sentidos ou a possibilidade de
adquirir um novo significado, assemelhado, evoluído ou diverso do seu sentido original, o que
determina a franca e regular continuidade de variação e adaptação do processo de formação
de sua conceituação.
Pode-se afirmar, na verdade, que sua conceituação deriva de uma classe variável 4,
3 VILLAS BÔAS FILHO. Orlando. Democracia: a polissemia de um conceito político fundamental. São
Paulo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v.108, p.651-696, jan/dez. 2013, pág.
669.
4 BOBBIO. Norberto. A Era dos Direitos. Apresentação de Celso Lafer, nova edição. Tradução Carlos Nelson
Coutinho. 29ª tiragem. Rio de Janeiro. Gen LTC. 2020, pág. 18.
5
expressão esta utilizada por Norberto Bobbio, ou, ainda, utilizando-se das lições de Reinhart
Koselleck, a inteligência artificial estaria dentro daquilo que denominou de conceitos de
movimento5, caracterizados por sua flexibilidade, baseados não apenas em experiências
comuns, mas, também, pelas expectativas constituídas ao longo do tempo e, assim, chega-se à
conclusão de que o conceito de inteligência artificial sofrerá efetiva modificação e evolução
pela constante alteração dos meios tecnológicos.
A inteligência artificial pode ser conceituada como o conjunto de algoritmos que são
programados para o cumprimento de objetivos específicos, cuja característica principal é a
“capacidade” de aprendizado e o poder de tomar decisões baseadas nas informações que nela
são implementadas6, bem como a sua capacidade de adaptação, esta configurada pela
possibilidade de promover ajustes, com finalidade assemelhada ou diversa de sua atribuição
original, de acordo com as informações inseridas ou já existentes.
Vale registrar que, o que diferencia a inteligência artificial da automação, decorre do
fato de que a primeira goza de autonomia para o exercício de atividades específicas de
conhecimento, assemelhando-se à inteligência humana, isto é, como dito, baseada na
característica de tomada de decisões, enquanto a automação possui atividade meramente
mecânica7, sem autonomia, sem a capacidade de aprendizado e adaptação, dependendo
efetivamente de funcionamento, em sua totalidade, de uma iniciativa humana.
De outro lado, os algoritmos de redes sociais, em breve síntese, são o conjunto de
diretrizes utilizadas para determinar a vinculação aos resultados de buscas de conteúdos que já
foram pesquisados pelos seus respectivos usuários e que promovem a visualização,
direcionamento ou destaque a novos acessos às páginas de conteúdo idêntico ou assemelhados
aos já pesquisados pelo usuário ou, ainda, estabelecendo quais páginas ou conteúdos ficarão
em destaque, identificando os interesses do público e os seus respectivos comportamentos nas
diversas redes sociais8.
É possível verificar que os algoritmos de inteligência artificial trabalham com a
capacidade de aprendizado9, supervisionado ou não, bem como busca a possibilidade de
5 Cf. KOSELLECK, Reinhart. Histórias de Conceitos. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Contraponto Editora. 2020,
págs. 90 e 91.
6 FREITAS, Juarez. FREITAS, Thomas Bellini. Direito e Inteligência Artificial em Defesa do Humano. 1ª
reimpressão. Belo Horizonte. Forum Conhecimento Jurídico. 2021, pág. 28.
7 Cf. Id. Ibid., pág. 28 e 29.
8 CAVALCANTI. Naira. O QUE SÃO E COMO SÃO OS ALGORITMOS USADOS NAS REDES
SOCIAIS? Rede Sociais – Naiara Cavalcanti. Disponível em: https://eixo.digital/como-funcionam-os-
algoritmos-das-redes-sociais/. Acesso em 14 de julho de 2021.
9 CARVALHO, André Carlos Ponce de Leon Ferreira de. FACELI, Katti. LORENA, Ana Carolina. GAMA,
João. Inteligência Artificial - Uma Abordagem de Aprendizado de Máquina. Rio de Janeiro. LTC – Livros
Técnicos e Científicos Editora Ltda. 2011, pág. 03.
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aumenta a compreensão e como ocorre o aprendizado do ser humano, visando apresentar uma
ou mais hipóteses que se ajustará ao elemento a ser solucionado.
Na verdade, pelo que se observa, o marco central é a capacidade de aprendizado e
evolução da “machine learning”, ou seja, da possibilidade de extrair e absorver informações e
aprender por si só, de maneira que os algoritmos se modificam de acordo com aquilo que
processado pela inteligência artificial, reconhecendo padrões, às vezes, com supervisão
humana para a inserção de informações, mas, muitas vezes, sem essa supervisão ou com
supervisão realizada por outra “machine learning”, e, ainda, com a possibilidade de interação
com o ambiente, sendo, por assim dizer de forma sintetizada, um sistema admite efetiva e
constante adaptação.
Com efeito, as redes sociais vinculadas à rede mundial de computadores atualmente
utilizam-se de algoritmos, que são ferramentas que promovem a análise e “observam” o
comportamento e interesses do seu usuário e das pessoas que com ele interage, passando a
identificar o conteúdo que mais se identifica com os respectivos usuários, de acordo com o
que já se verificou no seu histórico de acessos ou pesquisas, promovendo a formação de
classificação para fins de recomendações de novos conteúdos eventualmente assemelhados
àqueles que são de interesse do usuário ou que já foram pesquisados ou acessados por outras
pessoas vinculadas a este mesmo usuário, ou, ainda, estabelecendo os conteúdos que ficarão
em destaque de acordo com o que já foi explorado pelo usuário, de modo a promover uma
determinada correspondência entre os assuntos e interesses buscados, impondo, assim, que o
explorador sejam mantido o maior tempo possível na rede social de internet visada ou que se
encontra vinculado.
10 GRENFELL, Michael. Pierre Bourdieu Conceitos Fundamentais. Tradução Fábio Ribeiro. Petrópolis/RJ.
Editora Vozes. 2018, pág. 76
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sociedade ou seus mecanismos atuam sobre esses mesmos agentes sociais, ou seja, por tudo
aquilo que deriva de apreciações e atividades experimentadas costumeiramente, de situações
organizadas e não de circunstâncias meramente aleatórias.
Destarte, o habitus11, como reunião de disposições duráveis e transmissíveis, seria a
junção das experiência subjetivas e objetivas adquiridas pelo agente social, daquilo que é
vivenciado no plano individual e suas respectivas influências, no plano das relações internas
do indivíduo, com aquilo que ele experimenta nas suas relações externas, moldando, por
consequência, mas não como uma regra absoluta, sua personalidade e seu comportamento, de
modo que o agente social externar suas experiências e ao mesmo tempo incorporar aquilo que
experimentou no trato de terceiros, ou seja, no âmbito de suas relações sociais, políticos,
econômicos, culturais, etc.
Ao lado do habitus também há a influência do que o sociólogo francês chamou de
“campo”, determinando da sua reunião a “prática”, que poderia inclusive derivar de uma
relação não consciente.
Pierre Bourdieu tinha como propósito a descrição do funcionamento da sociedade
moderna em vários campos (econômico, acadêmico, jurídico, cultural, consumo etc.) e a
forma com cada um desses campos mostrava-se um lugar de disputas entre os agentes sociais,
o qual teria por finalidade a hegemonia do respectivo campo que se encontrava “atrelado”,
assim como, o reconhecimento de hierarquia entre os agentes sociais de cada campo
específico, ou por mecanismo específicos, hierarquia essa adquirida em seus respectivos
campos de acordo com o “capital social” especificamente adquirido em tal campo.
Vale registrar que na ideia do mencionado sociólogo francês, capital social não era
uma expressão vinculada necessariamente a uma natureza pecuniária, mas sim, a forma
destacada que sua expertise ou conhecimento aflorava no campo correspondente, observando-
se, para tanto, o modo como a sociedade, ou seus respectivos mecanismos, atuava sobre os
agentes sociais ou determinavam formas de convívio ou experiências sociais.
No que concerne à Teoria dos Campos Sociais, o sociólogo francês afirmou que se
trata de um espaço social não fixo, possuindo e admitindo volatilidade e novas adaptações de
acordo com os conhecimentos que são absorvidos, o que permite reconhecer as mudanças
ocorridas e que influenciam aquilo que passa a ser tolerado, ou não, no mundo fenomênico,
bem como reconhece que as condições do espaço social influenciam o comportamento e o
modo de pensar dos agentes sociais, tendo o propósito de descrever o funcionamento da
11 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 16ª edição. Rio de Janeiro. Editora
Bertrand Brasil. 2015, pág. 61.
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sociedade em suas diversas dimensões sociais com um campo de disputa entre os agentes
sociais, inclusive de acordo com a acumulação do mencionado “capital”, este entendimento
não apenas na sua natureza econômica, mas, também, pelos diversos meios existentes, a
exemplo do capital cultural, social e simbólico.
É inegável que se pode atribuir à ideia de habitus as influências geradas pelas redes
sociais de inteligência artificial, bem como seus respectivos algoritmos, formam, na realidade,
um novo campo social, pois passam a expor e ditar regras de funcionamento e conduto,
influenciado o comportamento dos agentes sociais, seja na sua esfera individual, seja nas suas
atividades e interação com a coletividade, passando a estabelecer novas experiências, que
passam a ser vivenciadas pelos agentes, amoldando suas respectivas personalidades,
influenciando e determinado novos comportamentos.
Pelo todo exposto, pode-se afirmar que as experiências práticas vivenciadas pelos
agentes sociais são o resultado que decorre da junção das disposições do indivíduo e sua
posição no campo social, ambos baseados nas influências absorvidas e daquilo que o agente
social passa a permitir, ainda que inconscientemente, como meio de submissão para se fixar
no meio social e aceitar aquilo que sistematicamente é admitido como legítimo e, assim,
chega-se ao necessário paralelo dos estudos às lições do filósofo francês Pierre Bourdieu 12,
sobretudo no que diz respeito às concepções relacionadas ao sistemas simbólicos, permitindo-
se afirmar que as influências geradas aos agentes sociais, agora especificamente pelos
diversos meios digitais existentes, em especial pelos algoritmos das redes sociais que indicam
ou levam, direta ou indiretamente, as novas buscas, pesquisas ou variações daquilo que se
acessou, criando novas expectativas, quiçá, na realidade, impondo a ideia de novas
necessidades, fixando, ainda que sem conhecimento concreto, em outras palavras, ainda que
forma não efetivamente consciente, a existência de sua submissão a tais ferramentas e àquilo
que se transmite ou propaga pelas informações que, em tese, por consequência lógica, geram
influências nos agentes sociais e seus respectivos estilos de vida e, por assim dizer, passam a
amoldar e a ditar a vida em sociedade.
O citado filósofo francês apresenta o entendimento que esse poder decorre da
convergência de vários fatores e ramos, até mesmo ideológico, que modelam a sociedade
(estruturas estruturantes), passando a submeter os seus agentes sociais a todas as formas de
influências, ainda que de maneira não perceptível, isto é, sem uma existência concreta e
visível, ou, ainda, não admitido conscientemente pelos membros do corpo social, em outras
palavras, por aqueles que se encontram a ele submissos e, possivelmente, por quem possui
13 Idem, pág. 9.
14 Idem, pág. 8.
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Conceito importante que se agrega às redes sociais, o capital social, como pretendido
por Pierre Bourdieu, possui dimensão individual e coletiva, uma vez que as relações sociais
privilegiadas são assim dimensionadas pelo próprio agente ou pela comunidade que o
percebe19, como aduzem Marteleto e Oliveira e Silva:
posiciona Castells:
A força entre a combinação do capital social e outros tipos de capital, ainda que
possibilite a produção de iniquidades, também promove maiores chances de obtenção de
conexões ao capital físico e humano, já que sua multiplicidade propicia incremento de
possibilidades de realização. O risco de segmentação e concentração do capital social, quando
inseridos em rede, possibilita a fragmentação e a polarização de discursos políticos e étnicos.
Os novos contornos das relações em rede interferem necessariamente no habitus dos
agentes, assim como o habitus dos agentes molda as conexões e o modo de trafegar na
internet, em um ciclo contínuo. Mais uma vez, nos socorremos de Marteleto e Oliveira e
Silva, que assim lecionam:
Ainda que muito se fale na cultura de convergência que agregam a internet e redes
sociais, são francamente claras a manutenção da dominação, divisão de trabalho e segregação
simbólicas existentes, mesmo que restem perspassados, por narrativas, experiências e práticas
de seus usuários, os campos e espaço sociais distintos. E é através da alteridade que os
agentes permeiam as narrativas uns dos outros, como colocam Marteleto e Oliveira e Silva:
22 CASTELLS, Manoel. A Galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de
Janeiro: Zahar, 2003.
23 MARTELETO, Maria Regina. PIMENTA, Ricardo Medeiros. Pierre Bourdieu e a produção social da
cultura, do conhecimento e da informação.pag.246. Garamond Universitária. Rio de Janeiro, 2017.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4952291/mod_resource/content/1/pierre_bourdieu_ebook.pdf,
consulta em 30 de junho de 2021.
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Ainda assim, sabe-se que a potencial proximidade por meio desses canais e fluxos
não “desmonta” a priori as classificações que compõem a própria gênese do
habitus ali partilhado. Habitus este que é também uma forma de classificação
socialmente e culturalmente reproduzida em dado espaço social. Essa mesma
proximidade poderia, ainda, “inflamar” as diferenças; e na internet isto é
razoavelmente perceptível.24
Vale destacar que, em tempos recentes, foi editada a Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, com prazos distintos de início de vigência,
consoante seu artigo 65, inciso I, I-A e II, sendo que tal legislação estabelece a forma de
tratamento e utilização de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou
por pessoa jurídica de direito público ou privado, tendo por objetivo a proteção dos direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como o livre desenvolvimento da
personalidade da pessoa natural.
Assim, verifica-se que a nova legislação preocupa-se com a privacidade do sujeito de
direitos, talvez não da forma com reconhecida anteriormente pelos juristas estadunidenses
Samuel D. Warren e Louis D. Brandei, quando apresentaram conceito relativo ao direito à
privacidade no artigo “The Right to Privacy” (“O Direito à Privacidade”) 25, relacionado ao
direito de ser deixado em paz, porém, a referida legislação apresenta traços que visam
reconhecer a proteção dos agentes sociais naquilo que possa ser nocivo ou abusivo como meio
de acesso à informação, promovendo uma certa controle da informação e do seu respectivo
acesso.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, logo no seu artigo 2º, apresentou um rol
de fundamentos, dentre eles, especificamente para o presente estudo, destaca-se o seu inciso
24 Idem.
25 WARREN, Samuel D. BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, 15 dez.
1890.
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3. Conclusão:
4.Referências bibliográficas:
BOBBIO. Norberto. A Era dos Direitos. Apresentação de Celso Lafer, nova edição.
Tradução Carlos Nelson Coutinho. 29ª tiragem. Rio de Janeiro. Gen LTC. 2020.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 16ª edição. Rio
de Janeiro. Editora Bertrand Brasil. 2015.
CARVALHO, André Carlos Ponce de Leon Ferreira de. FACELI, Katti. LORENA,
Ana Carolina. GAMA, João. Inteligência Artificial - Uma Abordagem de Aprendizado
de Máquina. Rio de Janeiro. LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda. 2011.