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1. A comunicação humana
A comunicação é inerente de todo ser humano. Comunicar é colocar em comum
(communicare, do latim). Na comunicação há uma partilha entre o emissor e o receptor,
portanto, implica bilateralidade. Mesmo na autocomunicação, há uma comunicação do
“eu” com o outro “eu”, o apreço.

O ser humano serve-se da linguagem para se comunicar. Há diferença entre


língua e linguagem. Língua é um tipo de linguagem. Linguagem é mais universal,
engloba várias ou inúmeras línguas ou formas de expressão. É tudo que se comunica por
signos.

Tipos de linguagem
• Mímica: facial, corporal.
• Sensitiva: tátil, auditiva, visual, olfativa, gustativa.
• Icônica: fotos, filmes, figuras, etc.
• Verbal: - falada: culta (formal, padrão) e coloquial (familiar e vulgar);
- escrita: literária, jornalística, científica, etc.
• Ritual: hora do almoço, final da aula, etc.
• Simbólica: sinais de trânsito, etc.
• Cibernética: fax, computador, televisão, etc.
• Índices: fumaça <=> fogo (tem relação convencional com o objeto).

No ato da comunicação há seis fatores intervenientes: um emissor (remetente ou


codificador) que envia uma mensagem a um receptor (destinatário, recebedor ou
decodificador), por meio de um canal. A mensagem, construída com um código comum
ao remetente e ao destinatário, refere-se a um contexto. Assim:
• mensagem é o objeto da comunicação, é a idéia veiculada; é o que é dito em um
texto ou discurso.
• contexto é aquilo de que se fala na circunstância que a mensagem é transmitida. Diz
respeito à realidade em volta do comunicador e recebedor, pois a palavra só tem sentido
na situação em que é usada;
• emissor é o responsável pela idéia a ser comunicada. É quem elabora a mensagem
de acordo com um código e transmite ao receptor por meio de um canal. Seu intento só
é eficaz, quando produz no receptor uma resposta. A principal forma de codificação é a
linguagem;
• receptor é quem recebe a idéia transmitida; a ele cabe a decodificação da
mensagem,
• canal, meio físico, é o instrumento do qual se serve o emissor, para fazer chegar a
mensagem ao recebedor. O canal possibilita e veiculação da mensagem através do
tempo e do espaço. A mensagem escrita não depende do tempo para ser recebida e
decodificada. Ainda hoje, Cristo, Platão, Camões, etc. comunicam-se conosco por meio
de suas mensagens escritas. Com relação ao espaço, emissor e receptor não necessitam
estar próximos. O telefone e outros meios de comunicação “anulam” a distância.
• código é o sistema de signos comuns ao transmissor e ao receptor que permite ao
primeiro codificar uma mensagem em um meio qualquer e, ao segundo, decodificá-la,
quando recebe.
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Qualquer interferência que possa atrapalhar a eficiência do ato comunicativo é


considerado ruído. O ruído pode ocorrer, por exemplo, com pronúncia e grafia
incorretas, numa mensagem ambígua, quando o código usado é desconhecido pelo
recebedor, excesso de barulho, linhas cruzadas, etc.

Resumindo, em um contexto, o emissor transmite ao receptor uma mensagem,


elaborada de acordo com um código, por meio de um canal.

Exemplo:

“Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você


E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não, Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
Cai fora”
(BANDEIRA, Manuel)

Emissor: eu lírico
Receptora: Teresa
Mensagem: é um conselho escrito como poema: os cuidados que Teresa deve ter ao
ouvir juras de amor
Código: língua portuguesa (um texto visual, linguagem escrita)
Canal: papel, tinta

Toda mensagem tem uma finalidade. Ela pode transmitir um conteúdo


intelectual, externar emoções, desejos, persuadir, incentivar, inibir, ou apenas servir
para evitar o silêncio. Assim sendo, a mensagem tem significados e funções.

Para atribuir um sentido a uma mensagem, é necessário compreender, antes, para


qual dos seis fatores a mensagem se dirige; ou seja, qual deles ela focaliza.

1. 2. Funções da linguagem

As funções da linguagem dizem respeito à sua finalidade, para que serve, em que
situação é usa determinada linguagem. O linguista JACOBSON (1969) relacionou as
funções da linguagem com os elementos da comunicação. Cada elemento dá origem a
uma função, de acordo com a predominância no discurso. As principais funções são:
referencial, metalinguística, poética, fática, emotiva e conativa.

A função referencial diz respeito à comunicação de informações. Está centrada


no conteúdo transmitido, dá informação sobre o contexto. É objetiva, sem
interferências, pura, fria. É centrada no conteúdo, assunto da mensagem. O texto é,
geralmente, elaborado na terceira pessoa.

Exemplos: ata, ofício, relatório, notícia, resumo, textos científicos e didáticos,


etc.
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Veja:

Freira brasileira morre em acidente de carro

TEGUCIGALPA, Honduras — A freira brasileira Dilva Stip, de 40 anos, e as gêmeas hondurenhas,


Elizabeth Aguilar Orellana e Elsa Margarita, ligadas à Igreja Católica, morreram na noite de sexta-feira
em um acidente em uma estrada (1) no norte do pais. Elas iam para a cidade de El Progreso, quando o
carro em que estavam perdeu o controle e bateu de frente em um outro veículo. Dilva trabalhava no
Projeto Cáritas, ajudando imigrantes hondurenhos deportados dos EUA. (EFE)”
(O ESTADO DE S. PAULO, p. C3, 06 ago 2001)

“O homem, ser aberto à comunidade dos outros homens, é essencialmente um ser social. E sua
tarefa primeira e fundamental será a construção de uma sociedade humana, alicerçada, moralmente, na
Justiça e no Amor. Sociedade onde todos tenham, de fato, a oportunidade de uma vida humana, digna e
fraterna. Sociedade donde sejam banidas a violência e a injustiça, e onde estruturas sociais desumanas e
peremptórias cedam lugar a novas formas de organização e de convivência, baseadas na igualdade
democrática.(...)
A Educação Cívica visa, desta forma, basicamente, à formação da criança, do adolescente e do jovem
para a Democracia. Entendendo-se a Democracia, à luz da Constituição do Brasil, como aquela forma de
convivência social “cuja essência é evangélica” (no dizer de Bergson), pois tem como fundamento a
igualdade de homens livres e como espírito o amor fraterno.”
(ROSA, 1978, p. 253)

A função metalinguística é centrada no código. É o uso da linguagem para


interpretar a linguagem (o código fala de si mesmo), como a propaganda que fala da
propaganda; o cinema que fala do cinema; a história em quadrinho que usa a sua
estrutura (o personagem pegar um balão ou linha limítrofe do quadrinho, falar com o
desenhista, etc.); peças de teatro que falam do teatro, etc.

Observe os seguintes exemplos:

“Desarmonia (desharmonia), s. f. Falta de harmonia; (fig.) discordância ou não disposição das partes para
um todo”
(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Pequeno dicionário da língua portuguesa)

“O que quer dizer cativar?


Cativar significa “criar laços”.
(SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe)

“A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras
ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um
duplo contato: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em
evidência um significado único que é “eu te desejo”, e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir
(...) por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo este roçar, me
esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação.”
(BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso)

A função poética focaliza a mensagem no que concerne à sua estrutura e


recursos empregados na sua elaboração. A preocupação de quem elabora e mensagem
está mais na forma do que em seu conteúdo, pois tem a intenção de produzir um texto
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que emocione pela sonoridade, ritmo e outras potencialidades linguísticas. Não aparece
apenas no poema, mas também na propaganda, letras de música, diálogos, etc.

Exemplos:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
(PESSOA, Fernando)

“Era uma casa


Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão.”
(MORAES,Vinícius de)

A função fática da linguagem é a que estabelece ou mantém diálogo, contato


social. É centrada no canal. Não há objetivo de transmitir informação. Por ela, emissor e
receptor entram em contato, prolongam ou interrompem uma conversa, testam o canal,
etc. É encontrada nos prefixos radiofônicos, na fala do radioamador, falas ao telefone e
em outras situações.

Exemplos:

– Alô! Você tá me ouvindo, Paulinho?


– Sim! Pode falar, papai!
–Tá tudo bem com você, não é?

“Alô, alô, marciano!


Aqui quem fala é da Terra.”
(LEE, Rita; CARVALHO, Roberto)

A função emotiva ou expressiva da linguagem tem como centro o comunicador.


É subjetiva, traduz e/ou incluiu atitudes, sentimentos, opiniões, emoções do falante no
que está transmitindo. O foco narrativo é na primeira pessoa. No contexto, percebe-se o
“eu” ou “meu (s) / minha (s)”. É encontrada em poesias líricas, livros de memória,
autobiografias, monólogos interiores, etc.

Exemplos:

“Você foi
o melhor de meus sonhos
de todos os abraços
o que eu nunca esqueci.
Você foi
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dos amores que eu tive


o mais complicado e o mais simples pra mim.”
(BRAGA, Roberto Carlos. Outra vez)

“Oh! Que saudades que tenho


Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais”
(ABREU ,Casimiro de. Meus oito anos)

A função conativa, também chamada apelativa, é a que investe diretamente no


receptor, objetivando persuadi-lo, seduzi-lo, convencê-lo a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa. É usada em sermões, propaganda, discursos e outros.

Exemplos:

“A hóspede
Não precisa bater quando chegares
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.
Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo,
o cão amigo.”
(ALMEIDA, Guilherme de)

“A arte
Ouça um bom conselho
Eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu gogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento na minha cidade
Vou para a rua e bebo a tempestade.”
(BUARQUE DE HOLANDA, Chico Buarque)

Em um texto, não encontramos apenas uma função da linguagem, assim como


não há todas as funções em um só texto. Elas podem aparecer sobrepostas, porque não
se excluem.
“Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo,
encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade resiste não no
monopólio de almas dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções”
(JACOBSON, 1969)
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No exemplo que segue, a função emotiva e a metalinguística podem ser


percebidas:

“Declaração de amor
Esta é uma declaração de amor; amo a língua portuguesa.Ela não é fácil. Não é
ma1eável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter
sutilezas e a de reagir às vezes com um pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa
linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para
quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa do
superficialismo.
Às vezes ela reage diante da um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com
o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-
lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo
todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastam para nos dar uma herança de língua já
feita.Todos nós que escrevemos, estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê
vida.
Essas dificuldades, nós a temos. Mas não falarei do encantamento de lidar com uma
língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente
claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras
línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.”
(LISPECTOR, Clarice)

1. 3. Linguagem oral e linguagem escrita

Dentre as formas de comunicação temos a realizada pela linguagem verbal, que,


por sua vez, poderá ser falada (oral) ou escrita. Embora sejam ambas usadas na
expressão de pensamentos, são distintas.

A escrita, através dos tempos, adquiriu status de mais prestígio, contudo, não há
nenhum conhecimento de sociedade humana que não tenha usado a linguagem oral
como forma de comunicação, por outro lado, ainda em nossos dias há línguas ágrafas.

O prestígio da escrita deve-se ao fato de, antes da existência do gravador e do


telefone, ser a escrita uma forma de comunicação confiável, mesmo assim, só
substituível, quando a falada era inviável.

A linguagem oral, além de ter aplicação muito mais ampla que a escrita, a esta
serve de suporte. A escrita depende das distinções de forma e sons da linguagem falada.
Em muitas línguas, na escrita, as letras correspondem a sons da oral. Contudo, nem
todas as combinações são aceitáveis, haja vista o fato de uma mesma letra corresponder
a vários sons (fixo, próximo, xarope); o uso dos dígrafos (passarinho, carro, queijo,
telha, chamada, guerra) e a não marca de nasalidade de som (muito = mui(n)to).

O meio natural que o homem utiliza para a comunicação são os sons. A criança,
portanto, adquire esse meio de comunicação de forma natural. A linguagem escrita, por
sua vez, depende de instrução e de conhecimento prévio da linguagem oral, embora raro
e possível aprender um linguagem escrita sem o conhecimento da oral.
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Gramaticalmente falando, as linguagens escrita e oral apresentam alguns pontos


diferentes.

linguagem oral linguagem escrita

- espontânea;
- apresenta entonação timbre, altura, ênfase, etc.; - estas características são
precariamente reproduzidas pela
acentuação e pontuação gráficas;
- emprego de gírias, onomatopéias e repetição - emprego de termos técnicos;
de palavras
- vocabulário mais restrito; -vocabulário mais amplo e erudito;
- não emprego de alguns tempos verbais ( por ex: - emprego irrestrito de tempos
verbais; pretérito mais que perfeito do indicativo);
- colocação pronominal livre; - colocação pronominal de acordo
com ditames da norma culta;
- uso de frases interrompidas, inacabadas; - uso de frases mais elaboradas;
- uso de formas contraídas e elisão de termos na - uso de frases bem construídas;
frase;
- emprego de chavões; - não emprego de chavões;
- predominância da coordenação. - emprego da coordenação e da
subordinação.

Há diferentes sistemas de escrita: o logofrásico (escrita de palavras → chinês), o


sistema silábico (japonês) e o alfabético (o símbolo representa o som → português)

Os primeiros a usar a escrita, pelo que se tem notícia, foram os sumerianos, por
volta de 3000 a. C.

A escrita egípcia, constituída, em parte, de palavras e conceitos completos


(ideogramas) e em parte de sílabas, desenvolveu-se sob a influência dos sumerianos.

Após a escrita egípcia, apareceram os sistemas silábicos dos semíticos, a partir


de 2000 a. C., o hebraico, o aramaico e o fenício, também com sistemas silábicos. A
escrita semita, provavelmente, por meio dos fenícios, propagou-se na Grécia. Ao grego
antigo deve-se o princípio da escrita alfabética.

O alfabeto latino e todos os outros sistemas de escrita alfabética desenvolveram-


se a partir do sistema grego.

O alfabeto latino foi adotado na Europa ocidental e no Novo Mundo.

À linguagem escrita deve-se a maioria das informações a serem conservadas e


transmitidas, entretanto a linguagem falada é, basicamente, a forma de comunicação
humana.

Exemplo de oralidade na escrita:

“A poesia, ela traz consigo esse caráter assim meio de, como é que eu vou dizer? uma coisa meio
masoquista. Você se dedicar dez anos a vender banana, montar uma banca para vender banana ou
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repolho, você vai ganhar muito mais do que fazendo poesia. A poesia não te dá nada em troca. Chego, às
vezes, a suspeitar que os poetas, os verdadeiros poetas, são uma espécie de erro na programação genética.
Aquele produto que saiu com falha, assim, entre dez mil sapatos um sapato saiu meio torto. É aquele
sapato que tem consciência da linguagem, porque só o torto é que sabe o que é o direito. Então, o poeta
seria, mais ou menos, um ser dotado de erro, e daí essa tradição de marginalidade, essa tradição moderna,
romântica, do século XIX pra cá, do poeta como marginal, do poeta como bandido, do poeta como
banido, perseguido, enfim, em condições, digamos, socialmente adversas, negativas.’ (LEMLNSKI, P.
Poesia: a paixão da linguagem. in: Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. pp.
284-285, apud ANDRADE; HENRIQUES, 1996)

1. 4. Níveis de linguagem

Ao elaborar um texto, o autor usa um tipo de linguagem. A língua é um tipo de


linguagem, entretanto, a língua possui variações.

Observe:
1. Nóis veio cá pidi um ajutório.
2. A gente veio discolá uma mãozinha.
3. Nós viemos solicitar-lhe uma colaboração.

As três frases têm a mesma eficiência comunicativa, mas ao ouvirmos/lermos a


nº 1, podemos inferir que seu usuário pertence a um grupo social economicamente mais
pobre, sem frequência à escola ou com frequência não adequada, pouco ou nenhum
contato com leitura, pouco ou nenhum contato com pessoas de nível cultural mais
elevado.

As variações linguísticas devem-se a razões:


• geográficas: há diferenças:
- na pronúncia (altura, timbre, intensidade do som);
- no vocabulário (aipim, mandioca, macaxeira);
- na estrutura frasal (não vou / vou não);
- na semântica (uma palavra pode ter significados diferentes conforme a
região)

Leia o texto abaixo e perceberá o regionalismo:

DE COMO VAL DESASNOU

Era dia de sexta-feira de tardinha. E Valdelício Bispo dos Santos, o Val, tava desnilingüido ali na janela
de sua casa no Bairro Machado, agoniado, seco pra comer água com a galera, mas enfusado dentro de
casa.
É que Floripes, a dona Encrenca, tratava ele na corda curta e às vezes na base do trompaço. A cada vacilo
ele caía na taca. E Flor pra ficar virada na porra era daqui prali, a bicha era carne-de-pescoço.
E tava Vai nessa consumição quando Flor, que bulia nuns caqueiros no quintal, gritou lá de dentro:
“Beinho, dê um salto ali na Feira de São Joaquim e compra uma corda de caranguejo pra eu fazer um
escaldado pra você mais eu!”.
“Oxente, beinho, só se for agora”, respondeu Val. E Flor de lá: “Mas ói sua, hem, não demorar não senão
lhe passo a porra, viu?” E Val saiu picado, pongou no primeiro humilhante e saltou na Feira de São
Joaquim.
Malmente ele chegou encontrou a raça: “Êta zorra, agora fudeu maria-preá”, pensou Vai.” E aí, corrente,
qual é a de mesmo?, saudou.
E tome a comer rama, dizer dixote um pro outro e olhar os balaios das meninas feito abelha de padaria.
De vez em quando uma passarinha ou um caldo de sururu pra dar sustança. (“Nada de tira-gosto. Tira-
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gosto pra quê? Eu bebo porque gosto!”).


Val ficou logo pronto, mas toda mão dizia que ia se picar. Ai Zé Mário (hum, Zé Mário é graça?) vinha
com urnas conversas de tomar a saideira, a antepenúltima, a de cortesia, a da dolorosa, a de
comemoração, e o tempo passando. Quando Val viu, já era de manhã. “Ai, meu São Longuinho, é hoje
que vou me campar! Aquela bozenga vai me engarguelar, tá rebocado!”
Meio azuado, comprou a corda de caranguejo e foi pra casa. “Hoje eu me lenho, com certeza, sem medo
de errar! A sacrista vai me picar a porra”, sofria Val.
Mas no que ele despongou do buzu ele desasnou. Ali defronte da oficina estrela de Vadinho Biela, de
junto de sua casa, ele desamarrou os caranguejos, arranjou uma varinha e foi guiando os bichinhos até em
casa, falando alto pra Flor ouvir; “Caranguejo, diabo, rumbora, ôxe, é por aqui!”. Flor, que já esperava na
porta, retada, foi logo dizendo “Seu descarado, filho de mulé dama, se prepare que vou lhe bater fixe! E
nem abra a boca, que você calado tá errado!” E Vai: “Oxen, beinho, você pensa que é moleza vir de São
Joaquim até o Bairro Machado, na paleta, tangendo essa ruma de caranguejo, fazendo o bicho andar pelo
passeio, descer meio-fio, atravessar rua, correr de cachorro, e parar em sinaleira? Demora como um
corno!”
Ô, retchado!...
(Desconhecemos o autor desse texto)

Veja, agora, algumas expressões sulinas:

abrir a barba: ir embora


desabar o tempo: chover
cabeça de passarinho: cabeça de vento
cerrar a noite: cair a noite
ganhar na estrada: ir embora
ir por um canhadão abaixo: desabar
juntar os trapos: casar
meter a viola no saco: sair
pagar a mula roubada: prestar contas
não aguentar carona: não se conter a uma provocação

• históricas: a língua, no decorrer do tempo, sofre modificações:


- na forma de pronunciar (pantano / pântano);
- na estrutura das palavras (germano > ermano > ermao > irmao > irmão);
- na grafia (philosophia, chímica);
- no sentido (formidável, antes, significava o que dava medo; hoje,
extraordinário, excelente).

Veja um texto do português antigo;

Testamento (1193)
(Segundo Leite de Vasconcetlos in TA.. p. 14.)

In Christi nominee. Amen. Eu Eluira Sanchiz offeyro o meu corpo áás virtudes de Sam Salvador do
rnõnsteyro de Vayrarn, e offeyro con o meu corpo todo o herdamento que eu ey en Centegãus e as tres
quartas do padroadigo dessa eygleyga e todo hu herdamento de Crexemil, assi us das sestas como todo u
outro herdamento: que u aia u moensteyro de Vayram por en secula seculorum. Amen.
Fecta karta mense Septembri era MCCXXXI. Menendus Sanchiz testes. Stephanus Suariz testes.
Vermúú Ordoniz testes. Sancho Diaz testes. Gonsalvus Diaz testes. 10
Ego Gonsalvus Petri presbyter notavi.
(HUBER, 1986, p. 321)

Observe, agora, os textos abaixo de Calos Drummond de Andrade:


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Antigamente
Antigamente as moças se chamavam mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas.
Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões,
faziam-lhe pés-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam
tábua, o remédio era tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para
colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa, O que não impedia que, nesse entrementes,
esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava,
dando às de Vila-Diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo a tomar a fresca; e
também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde
ao cinematógrafo, chupando balas de algéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano. Estes, de pouco siso,
se metiam em camisa de onze varas e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
Havia os que tomaram chá em criança e, ao visitarem uma família, da maior consideração,
sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes:
“Farei presente”. Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja
Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o cumprimentado respondia: “Para sempre seja louvado.”E os
eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram obrigados a exortar: “Dominus tecum”. Embora
sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar o padre-nosso ao vigário, e com isso
punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de
melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho
era artioso. É verdade que às vezes os meninos eram encapetados, e chegavam a pitar escondido atrás da
igreja. As meninas não: verdadeiros cromos, umas tetéias.
Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a
boca na botija, contavam tudo tintim-por-tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas
perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não
sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam
qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre “um cabrito”,
não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia
novidades “de baixo”, ou seja, do Rio de Janeiro. Ele vinha dar uma prosa e deixar de presente ao dono da
casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho
faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.
Acontecia o individuo apanhar uma constipação; ficando perrengue, mandava um próprio
chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença
nefasta era a phtysica e feia era o gálico. Antigamente os sobrados tinham assombrações, os meninos
lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa de goma, a casimira tinha de ser
superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam:
descansavam.
Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.

Entre Palavras
Entre coisas e palavras — principalmente entre palavras — circulamos. A maioria delas não
figura nos dicionários de há trinta anos, ou figura com outras acepções. A todo momento impõe-se tomar
conhecimento de novas palavras e combinações de (...)
Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual, pelo seu
ouvido, sem registrá-la. Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com seu avô; talvez ele não
entenda o que você diz.
O malote, o cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o linóleo, o
nylon, o nycron, o ditafone, a informática, a dublagem, o sinteco, o telex... existiam em 1940?
Ponha aí o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a motoneta, o Velo-Solex, o biquíni, o
módulo lunar, o antibiótico, o enfarte, a acupuntura, a biônica, o acrílico, o tá legal, o apartheid, o som
pop, a arte pop, as estruturas e a infra-estrutura.
Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a descapitalização, o
desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o mass media, o Ibope, a renda per capita, a mixagem.
Só? Não. Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o servomecanismo, as algias, a coca-cola, o
superego, a Futurologia, a homeostasia, a Adecif, a Transamazônica, a Sudene, o lncra, a Unesco, o Isop,
a OEA e a ONU.
Estão reclamando, porque não citei a conotação, o conglomerado,, a diagramação, o ideologema,
o idioleto, o 1CM, a IBM, o falou, as operações triangulares, o zoom e a guitarra elétrica.
(...) Olhe aí na fila — quem? Embreagem, defasagem, barra tensora, vela de ignição,
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engarrafamento, Detran, poliéster, filhotes de bonificação, letra imobiliária, conservacionismo, carnet da


girafa, poluição.
(...) Fundos de investimento, e daí? Também os de incentivos fiscais. Know-how. Barbeador
elétrico de noventa microrranhuras. Fenolite-Baquelite. LP e compacto. Alimentos supergelados. Viagens
pelo crediário. Circuito fechado de TV na Rodoviária. Argh! Pow! Click!
Não havia nada disso no jornal do tempo de Venceslau Brás, ou mesmo, de Washington Luís.
Algumas dessas coisas começam a aparecer sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para consumo
geral. A enumeração caótica não é uma invenção crítica de Leo Spitzer. Está aí, na vida de todos os dias.
Entre palavras circulamos, vivemos, morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que significado?
(DRUMMOND DE ANDRADE, 1988.)

• sócio-culturais: pela expressão, percebe-se a que grupo sócio-econômico


pertence o falante. A capacidade verbal é adquirida num meio ou classe social.
As características linguísticas diferençam-se entre membros pertencentes a
setores distintos. Conforme o nível sócio-econômico, o indivíduo tem maior,
menor, ou nenhum acesso à escola e hábitos de leitura. A diversidade linguística
social também se deve a grau de educação, idade, etc.

Basicamente, temos dois níveis de linguagem: a linguagem culta, também


chamada formal ou padrão, e linguagem coloquial.

A linguagem culta (sermo urbanus / sermo eruditus) caracteriza-se pela


“correção, segundo gramática normativa”, pois utiliza marcas de concordância, não
mistura pessoas gramaticais, há ausência de gírias, possui vocabulário mais rico e
pronúncia bem cuidada, frases bem elaboradas. É usada em situações formais e por
pessoas de mais instrução.

“(...) E lá o levei e deixei. A ausência temporária não atalhou o mal, e toda a arte fina de Capitu
para fazê-lo atenuar, ao menos, foi como se não fosse; eu sentia-me cada vez pior. A mesma situação
nova agravou a minha paixão. Ezequiel vivia agora mais fora da minha vista; mas a volta dele, ao fim das
semanas, ou pelo descostume em que eu ficava, ou porque o tempo fosse andando e completando a
semelhança, era a volta de Escobar mais vivo e ruidoso. Até a voz, dentro de pouco, já me parecia a
mesma. Aos sábados, buscava não jantar em casa e só entrar quando ele estivesse dormindo; mas não
escapava ao domingo, no gabinete, quando eu me achava entre jornais e autos. Ezequiel entrava
turbulento, expansivo, cheio de riso e de amor, porque o demo do pequeno cada vez morria mais por
mim. Eu, a falar verdade, sentia agora uma aversão que mal podia disfarçar, tanto a ela como aos outros.
Não podendo encobrir inteiramente esta disposição moral, cuidava de me não fazer encontradiço com ele,
ou só o menos que pudesse; ora tinha trabalho que me obrigava a fechar o gabinete, ora saía ao domingo
para ir passear pela cidade e arrabaldes o meu mal secreto.”
(MACHADO DE ASSIS, [sd], p. 149)

A linguagem coloquial é a utilizada no dia-a-dia. É mais descontraída, mais


espontânea, usada em situações informais. Aceita, gírias, regionalismos, a pronúncia é
mais descuidada, nem sempre utiliza marcas de concordância, mistura pessoas
gramaticais, etc.

A linguagem coloquial pode ser subdividida em familiar (sermo usualis), que é a


usada, geralmente, na televisão, ou por pessoas cultas em conversa informal e
descontraída com familiares, amigos, colegas.

Exemplo:

“Se um dia você for embora


Não pense em mim
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Que eu não te quero meu


Eu te quero seu

Se um dia você for embora


Vá lentamente como a noite
Que amanhece
Sem que a gente saiba exatamente
Como acontece

Se um dia você for embora


Ria se teu coração pedir
Chore se teu coração mandar
Mas não esconda nada
Que nada se esconde

Se por acaso um dia você for embora


Leva o menino que você é.”
( CAYMMI, Danilo; TERRA, Ana. Meu menino)

A linguagem coloquial vulgar (sermo plebeus) é usada por caboclos, por pessoas
de nível sócio-econômico menos privilegiado, que têm pouco ou nenhum acesso à
escola, que lêem pouco ou nada lêem.

Exemplo:

“As veis, a gente topava com uma aldeia ou maloca e depois de matar tudo os home, sobrava as
muié e as criança. Tinha arguma delas que eram mãe e, então, no desespero do apuro, apertavam os
filhinhos contra os peito... argum deles as veis tava mamando e, então, as mãe procurava sempre proteger
com o própro corpo delas as crianças que mamava.., a gente ia enchendo elas de bala, no meio daquela
gritaria delas e das criança e morriam tudo elas com cara de grande tristeza, chorando... como se fosse
gente... contando o senhor não acredita, mas quando os bugre iam morrê, pegavam um jeito triste de
gente... há de vê que até lágrima corria, tudo como se não fosse bicho, como se fosse gente mesmo...”
(Folhetim 116 — Folha de S. Paulo)

Quando um escritor elabora um texto, pode empregar, ao mesmo tempo, a


linguagem culta e a coloquial. A linguagem culta é empregada nas frases do narrador, a
linguagem coloquial, nas falas dos personagens, porque a forma de expressão é também
característica de personagens. Não é verossímil a fala de um caboclo usando a
linguagem culta, assim como a de um nordestino ou gaúcho não usando expressões
regionais.

Observe:

“ – Há-de-o! Agora abusar e arrastar mala, não faço. Não faço porque não paga a pena... De
primeiro, quando eu era moço, isso sim! ... Já fui gente! Gente. Pra ganhar aposta, já fui, de noite, foras
d’hora, em cemitério... (...) Quando a gente é novo, gosta de fazer bonito, gosta de se aparecer. Hoje não:
estou percurando é sossego...”
(GUIMARÃES ROSA. São Marcos)

Existe uma tendência a considerar “correta” ou “gramaticalmente correta” a


variante culta ou padrão, enquanto as demais variantes linguísticas são consideradas
“erradas”. Tudo em face do prestígio dado à classe social que usa, por situação sócio-
econômica. Entretanto, em princípio, não existe uma forma “certa” ou “errada” no uso
da língua. Há diferenças baseadas em critérios sociais e situações efetivas de uso.
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São Paulo – 21 – julho – 1925

Meu caro Nava

Versos, carta, a Revista... Vamos a ver se dou conta de tudo nesta manhã. Você também está
tentando por seu lado uma solução de língua brasileira que corresponda ao nosso caráter... Faz mais que
bem. Dou-lhe meus parabéns pela coragem de entrar na luta. Queria ter a idade de você. Principiei muito
tarde luto enormemente mas não desacorçôo. Se lembre sempre que é um trabalho dificílimo e que não
pode ser leviano sinão é contraproducente. Do abrasileiramento de linguagem de você tenho duas
observações: Você está acentuando todos os pras. Isso traz confusão Nava. Acentue só quando tiver
contração com artigo. Vou prá escola. Me dê pra mim. Não acha essa diferenciação razoável? A outra
observação é sobre estar que você escreve star. Realmente entre nós quase sempre pronunciamos assim
mesmo: tar. Não posso ir tou pronto, por estou pronto, sem dinheiro. Porém a gente não deve se esquecer
que não estamos fazendo uma fotografia do falar oral e sim uma organização literária. (Em todas as
línguas sempre teve um falar oral diferenciado da linguagem erudita) baseada apenas no falar comum que
inconscientemente condiciona a língua as precisões de raça clima época etc. D’aí o valor desse falar
popular. Mas fotografá-lo não é dar uma solução que tenha viabilidade literária nem siquer prática. Star
não é da índole tradicional da nossa língua doce e sensual um pouco lenta toda florida de vogais
abundandíssimas. Apesar disso eu ainda não me resolvi a escrever adimirar etc. porque em outros casos
idênticos porém de palavras que só a burguesia emprega como adjetivo eu não poderia botar o sem fugir à
realidade. Botar num e não botar noutro seria idiota. A generalização seria forçada. E não se trata de uma
organização apenasmente popular inculta regional porém duma geral que inclua todos os meios
brasileiros burgueses e populares. Acho que o nosso trabalho tem de ser principalmente por enquanto
empregar desassombradamente todos os brasileirismos tanto sintáticos como vocabulares e de todo o
Brasil e não da região a que pertencemos.

(ANDRADE, Mário de. Cartas a Pedro Nava)

À linguagem coloquial agrega-se a gíria que, quase sempre, é criada por grupos
sociais como: banhistas, funkeiros, adolescentes, etc.

Heavy metal do Senhor


O cara mais underground que eu conheço é o diabo
que no inferno toca cover das canções celestiais
com sua banda formada por anjos decaídos

enquanto isso deus brinca de gangorra no playground


do céu com os santos que já foram homens de pecado
de repente os santos falam “toca deus um som maneiro”
e deus fala “aguenta vou tocar um som pesado

e a banda cover do diabo acho que já tá por fora


o mercado está de olho é no som que deus criou
com trombetas distorcidas e harpas envenenadas
mundo inteiro vai pirar com o heavy metal do senhor.
(Zeca Baleiro)

Além dos níveis básicos da linguagem, cumpre-nos lembrar da linguagem


técnica, que é usada também por grupos sociais como: economistas, médicos,
advogados, etc. A linguagem jurídica a linguagem publicitárias são, pois, uma
linguagem técnica.
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1.5. Exercícios de variação linguística

1. (Unicamp-SP) No diálogo transcrito a seguir, um dos interlocutores é falante de


uma variante do português que apresenta uma série de diferenças em relação ao padrão
culto. Identifique, na fala desse interlocutor, as marcas formais dessas diferenças e
transcreva-as. A seguir, faça uma hipótese sobre quem poderia ser essa pessoa (sua
classe social e grau de escolaridade).
Interlocutor: Por que o senhor acha que o pessoal não está mais querendo tocar?

Interlocutor 2: É... a rapaziada nova agora não são mais como era quando nós ia, não
senhora. Quando nós saía com o Congo, nós levava aquele respeito com o mestre que
saía com nós, né? Então nós ficava ali, se fosse tomar arguma bebida só tomava na hora
que nós vinhesse embora.

2. (Unicamp-SP) O trecho abaixo foi extraído transcrição do debate que se seguiu à


palestra do poeta Paulo Leminski (“Poesia: paixão da linguagem”), proferida durante o
curso”Os Sentidos da Paixão” (Funarte, 1986). Observe que neste trecho é possível
identificar palavras e construções características da linguagem coloquial oral.
Reescreva-o de forma a adequá-lo à modalidade escrita culta.

"Estudei durante seis anos muito a vida de um paulista e fiz um filme sobre ele, que é
o Mário de Andrade, um puta poeta muito pouco falado pelas ditas vanguardas
modernistas. (...) Hoje em dia, felizmente, já existem vários trabalhos, há muita gente
reavaliando a poética do Mário, que ela é muito mais importante e profunda do que
aparentemente pareceu nestes últimos anos. Estudando o Mário, eu descobri que o
Mário foi um exemplo do cara que morreu de amor, mas de amor pelo seu povo, pelo
seu país, pela sua cultura. (...) Um outro cara que eu também fiz um filme é o Câmara
Cascudo. Um cara como o Câmara Cascudo morre, os jornais dão uma notinha desse
tamaninho, escondidinho, um cara que deveria ter estátua em praça pública, devia ser
lido, recitado.”
(Os sentidos da paixão, São Paulo, Funarte/Companhia das Letras,
1987.)

3. (Univ. Fed. Uberlândia-MG) Reescreva o trecho abaixo, adequando-o ao padrão


culto:

“Os nomes das frutas realmente não guardei porque são nomes muito, que tem assim
uma
influência muito indígena, né? O Norte, principalmente no Amazonas e no Pará a
influência indígena sobre a alimentação é muito grande.
O Amazonas é impressionante o número de frutas, e frutas assim tudo duro, tipo assim
cajá-manga.’

4. (Unicamp-SP) O jornal “Folha de S. Paulo” introduziu com o seguinte comentário


uma entrevista com o professor Paulo Freire:

A gente cheguemos’ não será uma construção errada na gestão do Partido dos
Trabalhadores em São Paulo.”
Os trechos da entrevista nos quais a “Folha de 5. Paulo” se baseou para fazer tal
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comentário foram os seguintes:

“A criança terá uma escola na qual a sua linguagem seja respeitada (...) Uma escola em
que a criança aprenda a sintaxe dominante, mas sem desprezo pela sua (...)
Esses oito milhões de meninos vêm da periferia do Brasil (...) Precisamos respeitar a
(sua) sintaxe mostrando que sua linguagem é bonita e gostosa, às vezes é mais bonita
que a minha. E, mostrando tudo isso, dizer a ele:
‘Mas para a tua própria vida tu precisas dizer a gente chegou’ em vez de ‘a gente
cheguemos’. Isso é diferente, ‘a abordagem’ é diferente. É assim que queremos
trabalhar, com abertura, mas dizendo a verdade.”

Responda de forma sucinta:

a) Qual a posição defendida pelo professor Paulo Freire com relação à correção dos
erros gramaticais na escola?

b) O comentário do jornal faz justiça ao pensamento do educador? Justifique a sua


resposta.

5. Leia o texto abaixo e diga em que nível ou variante de linguagem foi produzindo:
“É Drummond o poeta modernista mais popular. Inspira-se, principalmente,
no quotidiano, no dia-a-dia, na província, manifestando tudo isso com angústia.”

6. Observe o texto abaixo e diga em que nível ou variante linguística foi produzido:
“Assim está Guma que olha o bojo de prata das águas e ouve a música do negro que
convida para a morte. Ele diz que é doce morrer no mar, porque irão encontrar a mãe-
d’água, que é a mulher mais bonita do mundo.” (Jorge Amado)

7. Leia o texto abaixo e diga em que nível ou variante linguística foi escrito:
“Quando um home do sertão,
passando, vê uma frô,
não apanha a fulô com a mão!...
Apara e, despois, siguindo,
Leva a frô no pensamento
E o oroma no coração!”
(Catulo da Paixão Cearense)

1. 6. Exercícios de funções da linguagem

Dê a função da linguagem que predomina nos textos abaixo:

1. “Eu sei que vou te amar


Por toda a minha vida eu vou te amar. “.
Moraes, Vinícius de. “Eu sei que vou te amar”.

2.“Você que é tão avoada


Pousou em meu coração
Moça, escuta esta toada
Cantada em sua canção.”
Nascimento, Milton. “Canto Latino”.
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3.“Olá, como vai?


Eu vou indo e você, tudo bem?”
Paulinho da Viola. “Sinal Fechado”.

4.“O que quer dizer cativar?


Cativar significa “criar laços”.
Saint-Exupéry, Antoine de. O Pequeno Príncipe.

5.“e além do som e das dobras do que sobra ao olho nu


vem outro além, mas já sopra o verde alento do azul”.
Teles, Gilberto Mendonça. “Viagem”.

6. “Alô, Dona Maria, como vai sua tia”.


“Alô, Dona Aurora, como vai a senhora?”
(Chacrinha)

7. “- ‘Quadrada’ é uma gíria! Quer dizer que você é desatualizada! Uma ‘por fora’,
sabe?”
Então tenho que ficar por dentro? Por dentro do quê, hein?

8. “Agora não pergunto mais aonde vai a estrada


Agora não espero mais aquela madrugada.”
(Milton Nascimento. “Fé Cega”)

9. No dia 12 de junho, dê uma flor á sua namorada. Ela vai “vibrar” de emoção.

10. Amanhã não haverá aula.

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