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Comunicação

Disciplina: Português Instrumental Jurídico


Professor: Max Ferreira Barbosa
Comunicação

• QUE É COMUNICAÇÃO?
• Comunicar é um processo de interação,
de entendimento, de compreensão. É
contato, ligação, transmissão de
sentimentos e de ideias.
Comunicação

Para que haja comunicação, é preciso que uma pessoa ou um grupo de pessoas tenham algum objetivo
ou alguma razão para quererem se comunicar, correto?

E essa atividade de comunicar-se será materializada por um conjunto de signos, códigos, que formarão
uma mensagem.

Essa mensagem necessitará de um veículo, de um canal que a faça chegar ao seu destino. É certo que
você sabe que qualquer situação de comunicação compreende a produção de uma mensagem por
alguém e a recepção dessa mensagem por outra pessoa.

Sempre que escrevemos, desenhamos, falamos, etc., pensamos em nossa audiência, isto é, naquele para
quem a comunicação se destina.
PROCESSO DA COMUNICAÇÃO

O processo de comunicação consiste A mensagem é o significado que o


em um comunicador (emissor, comunicador transmite ao recebedor,
transmissor ou codificador), uma o qual, orientando-se por
mensagem e um recebedor (receptor determinados sinais do texto (oral ou
ou de(s)codificador). escrito), consegue interpretá-la.

Exemplo: Enquanto no Ocidente a cor


Nessa operação de construção do preta representa tristeza, luto, na
sentido, locutor e interlocutor, emissor Índia, ao contrário, o signo
e destinatário participam ativamente. representativo desse sentimento é a
cor branca.
Elementos da comunicação
ELEMENTOS DO PROCESSO
DA COMUNICAÇÃO -
Emissor
• Fonte: é a origem da mensagem. Exemplo: o
redator de um e-mail é a fonte, a origem dele.
• Emissor: é quem envia a mensagem através da
palavra oral ou escrita, gestos, expressões,
desenhos etc. Pode ser também uma organização
informativa, como rádio, TV, estúdio
cinematográfico. Exemplo: ao enviar pela internet
um pedido de compra, o emissor é o consumidor.
• Geralmente, a fonte coincide com o emissor.
Exemplo: num diálogo, o falante é fonte e
emissor, ao mesmo tempo.
ELEMENTOS DO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO - Mensagem
ELEMENTOS DO PROCESSO
DA COMUNICAÇÃO -
Receptor
• Recebedor: é a pessoa que lê, ou ouve, um pequeno
grupo, um auditório ou uma multidão. Ao recebedor cabe
colaborar na constituição do sentido; dele depende
também o êxito da comunicação. Temos que considerar,
nesse caso, os agentes externos que independem do
recebedor (ruídos, entropia). Exemplo: o empregado de
uma empresa que recebe um pedido de compra pela
internet é o recebedor da mensagem.
• Destinatário: é a pessoa a quem se dirige a mensagem.
Exemplo: ao enviar um e-mail, o destino será o
destinatário.
• Geralmente, o destinatário coincide com o recebedor.
Exemplo: num diálogo, o ouvinte é o destinatário e o
recebedor ao mesmo tempo.
ELEMENTOS DO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO - Canal
ELEMENTOS DO PROCESSO
DA COMUNICAÇÃO - Código

• Código: é um conjunto de sinais estruturados. O código


pode ser
❑ O código verbal é o que utiliza a palavra falada ou
escrita. Exemplos: português, francês, inglês etc.
❑ O código não verbal é o que não utiliza a palavra.
Exemplos: gestos, sinais de trânsito, expressão facial
etc.
• O código não verbal não é só visual ou sonoro, mas
plurissignificante. Apresenta-se fragmentado,
imprevisto, não linear, ao contrário do código verbal,
que é discursivo e nele, geralmente, predomina a
lógica. Alguns códigos não verbais, pela sua própria
natureza, dificultam a decodificação.
Interferência na
efetividade da
comunicação
• Ruídos, redundância e excesso de
informação nova ou desorganização
da mensagem (entropia) podem
interferir na efetividade da
comunicação.
RUÍDO, ENTROPIA,
REDUNDÂNCIA
• Ruído: é toda interferência indesejável na transmissão de uma mensagem.
➢ Exemplo: um borrão na mensagem escrita, uma sirene durante um diálogo etc.
• Entropia: é a desorganização da mensagem.
• Na comunicação, controlamos a entropia, para que o interlocutor ou destinatário da mensagem possa entendê-la.
Equilibramos informações dadas, já conhecidas, com informações novas, desconhecidas.
• Exemplo: “Deputados e senadores votaram favoravelmente a algumas alterações introduzidas na CLT pela Lei
n. 13.467/17, que entrou em vigor em novembro de 2017.” Nesse caso, temos dados que já são do
conhecimento do leitor: deputados e senadores têm competência para legislar e a Consolidação da
Legislação do Trabalho existe. Constitui informação nova: a Lei n. 13.467/17, que alterou a CLT, e sua entrada
em vigor em novembro de 2017.
• Redundância: é a repetição, que nem sempre é negativa, uma vez que pode objetivar a clareza do sentido.
Confere à comunicação certo coeficiente de segurança.
• Exemplo: “Aqui, neste lugar, onde tu te encontras com a tua família, aconteceram fatos que mudaram o
mundo.”
LINGUAGEM

Linguagem é o exercício oriundo da faculdade, inerente ao homem, que lhe possibilita a comunicação, a
interação.

Com ela, estabelecemos “relações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar,
comportamentos que queremos ver desencadeados” (KOCH, 2016, p. 13).

Para Saussure (1973, p. 16), “a linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber
um sem o outro”. E, ainda: “A cada instante, a linguagem implica, ao mesmo tempo, um sistema estabelecido e
uma evolução”.

Por outro lado, sem o convívio social, essa predisposição se atrofia. Assim, tudo indica que a aprendizagem, na
criança, se dá por imitação (característica adquirida).
LÍNGUA

Três conceitos de língua sobressaem hoje:

Língua como representação do pensamento. o sujeito constrói uma representação mental e deseja que ela seja compreendida pelo
interlocutor tal como foi mentalizada. (um código)

Língua como estrutura. Essa concepção leva a postular que o sujeito seja submetido ao sistema. Seu comportamento baseia-se na
consideração do sistema, linguístico ou social.

Língua como lugar de interação: é uma concepção dialógica da língua. Os sujeitos agora são entendidos como atores, como construtores do
sentido. A compreensão passa a ser vista como atividade interativa complexa de produção de sentidos: apoia-se nos elementos linguísticos da
superfície textual, mas requer também a mobilização de saberes enciclopédicos (cf. KOCH, 2015, p. 14-18).

Se a língua não se esgota no código, nem é concebida como mero sistema de comunicação, em que se privilegia a informação, podemos
entender o mundo, a realidade, não como reproduzidos pela linguagem, mas construídos por ela.
FALA
• A fala, ao contrário da língua, é um ato intencional, em nível
individual, de vontade e de inteligência.
REPERTÓRIO
• Para que haja comunicação, é necessário que o emissor utilize o mesmo código do recebedor.
Mas só isso não basta. É preciso também ajustar-se ao repertório dele. Definimos repertório
como o conjunto vocabular de que se serve cada falante para expressar-se. Dessa forma, como é
fácil deduzir, o repertório vai variar muito de indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, de
região para região.
• Assim, nem sempre emissor e recebedor se comunicam, pois, se o repertório do destinatário não
for respeitado, mesmo que utilizem a mesma língua, a comunicação não se efetivará.
• Alguns excertos de diálogos reais nos quais há desigualdade nos níveis de língua (ver p. 36-40):
• – Comi uma salada maravilhosa na festa de casamento.
• – Que salada era?
• – Salada mística (= mista).
• – Aquele apartamento é muito bom: tem independência de empregada (= dependência).
• – Não fizeste a tua molecagem hoje? (= maquilagem).
• A patroa, dirigindo-se à empregada:
• – Também, você não descortina nada...
• No outro dia, vendo as janelas sem cortinas, a patroa lhe perguntou:
• – O que foi que você fez, menina?
• – Ué, a senhora mandou descortinar... (= ver além, ter alcance =
retirar as cortinas).
• Alguém, vindo da Europa, disse:
• – A cidade de que mais gostei foi Antenas (= Atenas).
• – Que maravilha! Colocaram uma antena paranoica! (= parabólica).
FUNÇÕES DA LINGUAGEM
• A linguagem, como instrumento de comunicação, não é exercitada
gratuitamente.
• Segundo Karl Bühler, um enunciado estabelece uma relação tríplice
com:
• ■o emissor (primeira pessoa);
• ■o receptor (segunda pessoa);
• ■as coisas sobre as quais se fala (terceira pessoa).
• Fundamentando-se nesse esquema, Bühler encontrou três funções na
linguagem: expressiva, apelativa e representativa.
• Roman Jakobson, outro estudioso da linguagem, apoia-se nessas
funções, desdobrando-as com nova terminologia: emotiva, conativa e
referencial. Acrescenta, ainda, outras três:
• ■o canal (função fática);
• ■o código (função metalinguística);
• ■a mensagem (função poética).
Vejamos então as seis funções da linguagem
de Jakobson:
1. Função referencial (ou denotativa ou cognitiva): aponta para o sentido real das coisas e dos seres:
• À noite, vemos a Lua no céu.
2. Função emotiva (ou expressiva): centra-se no sujeito emissor e tenta suscitar a impressão de um sentimento
verdadeiro ou simulado:
• Que lua maravilhosa!...
3. Função conativa (ou apelativa ou imperativa): centra-se no sujeito receptor e é eminentemente persuasória:
• Inspira-me, ó lua!
4. Função fática (ou de contato): visa a estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação e serve para testar a
eficiência do canal:
• Alô, alô, astronautas na Lua, vocês conseguem me ouvir?
5. Função metalinguística: consiste numa recodificação e passa a existir quando a linguagem fala dela mesma.
Serve para verificar se emissor e receptor estão usando o mesmo repertório:
• Lua é o satélite natural da Terra.
6. Função poética: centra-se na mensagem, que aqui é mais fim do que meio. Opõe-se à função referencial
porque nela predominam a conotação e a subjetividade:
• “... a lua era um desparrame de prata.” (Jorge Amado)
REGISTROS OU NÍVEIS DE LÍNGUA(GEM)
• A comunicação não é regida por normas fixas e imutáveis. Ela pode
transformar-se, através do tempo, e, se compararmos textos antigos com
atuais, perceberemos grandes mudanças no estilo e nas expressões.
• Por que as pessoas se comunicam de formas diferentes? Temos que
considerar múltiplos fatores: época, região geográfica, ambiente e status
dos falantes.
• Há uma língua-padrão? O modelo de língua-padrão é uma decorrência dos
parâmetros utilizados pelo grupo social mais culto. Às vezes, a mesma
pessoa, dependendo do meio em que se encontra, da situação
sociocultural dos indivíduos com quem se comunica, usará níveis diferentes
de língua. Dentro desse critério, podemos reconhecer, num primeiro
momento, dois tipos de língua: a falada e a escrita.
Língua falada
• Na língua falada, temos as seguintes variedades:
• 1. Língua culta
• Língua culta é a língua falada pelas pessoas de instrução, niveladas pela escola. Trata-
se de uma variedade de língua que difere da variedade linguística padrão, a da
gramática normativa, embora dela busque aproximar-se. É mais restrita, pois
constitui privilégio e conquista cultural de um número reduzido de falantes. Exemplo:
• Alguns casos de delinquência juvenil no mundo hodierno decorrem da violência que
se projeta, através dos meios de comunicação, em programas que enfatizam a
guerra, o roubo e a venalidade.
• 2. Língua coloquial
• Língua coloquial é a língua espontânea, usada para satisfazer as necessidades vitais
do falante sem muita preocupação com as formas linguísticas. É a língua de uso
cotidiano. Exemplo:
• – Cadê o livro que te emprestei? Me devolve em seguida, sim?
Língua falada
• 3. Língua vulgar
• Língua vulgar é própria das pessoas sem instrução. É natural, colorida,
expressiva, livre de convenções sociais. É mais palpável, porque envolve o
mundo das coisas. Distancia-se das convenções gramaticais. Exemplo:
• Nóis ouvimo falá do pograma da televisão.
• 4. Língua regional
• Língua regional, como o nome já indica, está circunscrita a regiões
geográficas, caracterizando-se pelo acento linguístico, que é a soma das
qualidades físicas do som (altura, timbre, intensidade). Tem um patrimônio
vocabular próprio, típico de cada região. Exemplo:
• A la pucha, tchê! O índio está mais por fora do que cusco em procissão – o
negócio hoje é a tal de comunicação, seu guasca!
Língua falada
• Língua grupal (gíria e técnica)
• Língua grupal (gíria e técnica) é uma língua hermética, porque pertence a grupos
fechados. Ela pode ser vista do ponto de vista de grupos que se valem de expressões
técnicas ou de grupos que utilizam expressões da gíria.
• Língua grupal (técnica): a língua grupal técnica desloca-se para a escrita. Existem tantas
quantas forem as ciências e as profissões: a língua da Medicina (como é difícil entender
um diagnóstico...), a do Direito (restrita aos meios jurídicos) etc. Só é compreendida,
quando sua aprendizagem se faz junto com a profissão. Exemplo:
• O materialismo dialético rejeita o empirismo idealista e considera que as premissas do empirismo
materialista são justas no essencial.
• Língua grupal (gíria): existem tantas quantos forem os grupos fechados. Há a gíria dos
policiais, dos jovens, dos estudantes, dos militares, dos jornalistas etc. Exemplo:
• O negócio agora é comunicação, e comunicação o cara aprende com material vivo, descolando um
papo legal. Sacou?
• Quando a gíria é grosseira, recebe o nome de calão.
Língua escrita
• Na língua escrita, podemos observar as seguintes variedades:
• ■Variedade não literária: a variedade linguística não literária escrita apresenta as mesmas
características das variantes da língua falada, tais como língua culta, coloquial, vulgar, regional,
grupal, gíria, técnica.
• ■Variedade padrão ou norma culta: para Faraco e Zilles (2017, p. 19), norma culta “designa
tecnicamente o conjunto das características linguísticas do grupo de falantes que se consideram
cultos (ou seja, a ‘norma normal’1 desse grupo social específico). Na sociedade brasileira, esse
grupo é tipicamente urbano, tem elevado nível de escolaridade e faz amplo uso dos bens da
cultura escrita”. A língua culta escrita busca aproximar-se da norma gramatical, denominada
norma-padrão. Exemplo:
• O problema que constitui objeto da presente obra põe-se, com evidente principalidade, diante de
quem quer que enfrente o estudo filosófico ou o estudo só científico do conhecimento. Porém
não é mais do que um breve capítulo de gnoseologia (Pontes de Miranda).
• ■Variedade coloquial: registro na escrita das nossas manifestações linguísticas espontâneas. É
variedade que não se preocupa com os rigores da gramática normativa. Suponhamos um bilhete:
• – Me faz um favor: vai ao banco pra mim.
Língua escrita
• ■Variedade vulgar: para os que criticam o uso da língua vulgar, nunca é demais lembrar que a língua portuguesa originou-se não do latim clássico,
mas do latim vulgar, o latim falado, em geral, por pessoas de pouca instrução. Imaginemos uma situação de alguém que escrevesse algo como uma
lista de compras:
• – assucar (= açúcar)
• –basora (= vassoura)
• –qejo (= queijo)
• ■Variedade regional: a língua regional escrita pode aparecer nos mais diversos tipos de textos, inclusive, na literatura de determinados autores
regionalistas. Exemplo:
• Deu-lhe com a boleadeira nos cascos, e o piá correu mais que parelheiro em cancha reta.
• ■Variedade grupal: os exemplos apresentados para a língua falada ilustram também a escrita de pessoas que se servem da gíria ou de expressões
técnicas.
• Quando redigimos um texto acadêmico (dissertação de mestrado, tese de doutorado), ou administrativo (e-mail comercial, memorando, relatório de
vendas), normalmente, mantemos a uniformidade de uso da variedade linguística padrão (a gramatical), excetuando casos em que a situação permite
a variação. Assim, um texto expositivo ou argumentativo para uma autoridade, geralmente, é escrito observando o rigor gramatical. Não podemos
passar dessa variedade linguística para outra, como a gíria, por exemplo.
• ■Variedade literária: a língua literária escrita é regida pela busca de efeitos de sentido estético. Dependendo do autor e da época, o texto pode
apresentar as mais diversas variedades linguísticas. Esse o caso, por exemplo, de autores brasileiros do nosso Modernismo: Exemplo:
• “Macunaíma ficou muito contrariado. Maginou, maginou e disse prá velha...” (Mário de Andrade)
Textos que exemplificam os níveis de língua
• 1. Variedade regional
• OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ
• Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé – segundo ele, ‘mais prestimosa que mãe de noiva’ – tem sempre uma chaleira com
água quente pronta para o mate. O analista gosta de oferecer chimarrão a seus pacientes e, como ele diz, “charlar assando a cuia
que loucura não tem micróbio”. Um dia entrou um paciente novo no consultório.
• – Buenos, tchê – saudou o analista. – Se abanque no más.
• O moço deitou no divã coberto com um pelego e o analista foi logo lhe alcançando a cuia com erva nova. O moço observou:
• – Cuia mais linda.
• – Côsa mui especial. Me deu meu primeiro paciente. O coronel Macedônio, lá pras banda de Lavras.
• – A troco de quê? – quis saber o moço, chupando a bomba.
• – Pues tava variando, pensando que era metade homem e metade cavalo. Curei o animal.
• – Oigalê.
• – Ele até que não se importava, pues poupava montaria. A família é que encrencou com a bosta dentro de casa.
• – A la putcha.
1. Variedade regional
• O moço deu outra chupada, depois examinou a cuia com mais cuidado.
• – Curtida barbaridade.
• – Também. Mais usada que pronome oblíquo em conversa de professor.
• – Oigatê.
• E a todas estas o moço não devolvia a cuia. O analista perguntou:
• – Mas o que é que lhe traz aqui, índio velho?
• – É esta mania que eu tenho, doutor.
• – Pos desembuche.
• – Gosto de roubar as coisas.
• – Sim.
1. Variedade regional
• Era cleptomania. O paciente continuou a falar mas o analista não ouvia
mais. Estava de olho na sua cuia.
• – Passa – disse o analista.
• – Não passa, doutor. Tenho esta mania desde piá.
• – Passa a cuia.
• – O senhor pode me curar, doutor?
• – Primeiro devolve a cuia.
• O moço devolveu. Daí para diante, só o analista tomou chimarrão. E cada
vez que o paciente estendia o braço para receber a cuia de volta, ganhava
um tapa na mão.
• (VERÍSSIMO, Luís Fernando. Outras do analista de Bagé, p. 73-74)
2. Variedade vulgar
• A língua vulgar, quando transposta para a literatura, nem sempre reproduz
com fidelidade essa variedade. O exemplo que apresentamos apenas se
aproxima dessa variedade:
• Mas a última flor do Lácio, inculta e bela, poucas vezes tem sido tão
venerada como naquele relato que a cozinheira de minha irmã lhe fez, do
mal de que foi acometida na sua ausência:
• – Comecei a sentir uma zombaria na minha cabeça e de repente, pá! dei
um taque. Chamaram a insistência e me levaram pro Pronto Socorro.
Chegando lá o médico doutor disse que eu tinha de operar os alpendres.
• Então eu caí numa prostituição...
• (SABINO, Fernando. Zero Hora, Caderno D, 29 maio 1988, p. 2)
3. Gíria
• É próprio da gíria a efemeridade: é usada por um tempo e substituída depois. Em
geral, funciona como língua de um grupo. Se ultrapassa as fronteiras do grupo,
tende a ser trocada por outra ainda não conhecida. Tem função identificadora do
grupo. Além da gíria dos grupos fechados já referida, vejamos a dos jovens, que
dela se valem muitas vezes para criar uma imagem de descontração, de rebeldia,
de não conformidade à formalidade. Eis alguns exemplos:
• Atucanado = atrapalhado, cheio de problemas, estressado
• Bagulhete ou troço = alguma coisa, um objeto
• Bater um lero = ter uma conversa séria
• Cuiudo/rabudo = cara de sorte
• Da hora = muito bonito, da moda
• Dar um perdido = despistar-se de alguém
PROCESSO SIMBÓLICO E ARBITRARIEDADE DO
SIGNO
• O homem arbitrariamente pode fazer qualquer coisa representar outra, e a
isso chamamos processo simbólico.
• Charles Morris (1946, p. 26), estudioso da linguagem, afirma que “signo é
toda coisa que substitui outra, de modo a desencadear – em relação a um
terceiro – um complexo análogo de reações”.
• A linguagem, nesse processo, é a mais complexa forma de representação.
Podemos usar vários símbolos para apontar um conceito. O signo é, pois,
totalmente arbitrário e convencional.
• Para representar o animal cão, usamos dog, cane, chien, perro. Não existe,
portanto, nada no animal que se relacione com o signo verbal, empregado
para designá-lo. É pelo uso que essa representação vai se consagrar.
• Essa não relação do signo com a coisa significada não se aplica à linguagem
onomatopaica, uma vez que ela tenta reproduzir os sons emitidos pelo referente:
• cricri, tique-taque, quero-quero
• Exemplo de texto com expressões onomatopaicas:
• Em certos lugares, pelo interior,
• a vida como que passou cansada.
• Pegou no sono.
• É tudo quieto.
• É tudo igual.
• É tudo sempre a mesma coisa.
• Só, de vez em quando, ao longo dos caminhos abandonados, passam burros
chocalhando campainhas no pescoço:
• blem-blem-blem...
• Passam depressa.
• Depois fica o silêncio ecoando:
• blem... blem... blem...
• Que diferença da cidade!
• Aqui, por exemplo, a gente não sabe nunca
• quando é que os burros vêm.
• Se ninguém tem campainha...
• Se ninguém faz blem-blem-blem...”
• (MOREYRA, Álvaro. O circo, p. 58)
DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO
• Nenhum texto é transparente. As palavras possuem significados diversos para diferentes pessoas.
Há o sentido denotativo, que é, mais ou menos, igual para todas as pessoas que falam a mesma
língua, que é o sentido objetivo, aquele que aparece nos dicionários. E há, também, o sentido
conotativo, que é subjetivo, ou seja, emocional ou avaliativo, de acordo com as experiências de
cada um. Exemplos:
• Estrela
• A estrela brilha no céu. (= denotação)
• A ministra foi a estrela da equipe governamental. (= conotação)
• Vi estrelas quando bati com o pé na porta. (= conotação)
• Cabeça
• No acidente, ele fraturou a cabeça. (= denotação)
• Ele foi o cabeça da greve. (= conotação)
• O movimento hippie fez a cabeça dos jovens dos anos sessenta. (= conotação)
• Caldo de galinha e cabeça fria fazem bem. (= conotação)
• Uma palavra não possui um só significado: ela tem uma gama rica de significações, que apenas o
contexto pode determinar. Assim, sem verificar o contexto em que aparece, não podemos
traduzir, com segurança, seu significado. Exemplificando: o verbo contrair muda de significado,
conforme o contexto:
• Contrair o músculo (= endurecer o músculo).
• Contrair uma dívida (= dever).
• Contrair uma doença (= adoecer).
• Contrair matrimônio (= casar).
• O poema que vemos a seguir explora a plurissignificação. A polissemia serve ao poeta para
desvencilhar-se da realidade, criar mundos, universalizar reflexões. A começar pelo título, ele nos
remete ao tema da morte: criamos uma expectativa sombria, mas o poeta, ao final do texto, alivia
nossa dor, ampliando o sentido de cova/buraco em que nos metemos todo dia. Além da oposição
de presente e passado (faz, fez), fugir dos outros bichos/fugir de si, da terra/céu, homem/bicho, a
repetição do verbo fugir, quando referida ao próprio eu (fugir de si), conota maior profundidade à
dor humana. A metáfora socorre-o então: fez um buraco no céu, que conota uma válvula de
escape, um alívio para sua dor.

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