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Funções da linguagem

• Função referencial: função centrada no referente.


Valoriza fundamentalmente o que se informa. É
marcada pelo uso da denotação, de terceira pessoa,
verbos impessoais, voz passiva, dados que exprimem
objetividade, como números, nomes de lugares.
• A ciência, o noticiário jornalístico, as comunicações
empresariais privilegiam essa função em seus
comunicados.
• Função emotiva ou expressiva: está centrada no emissor da mensagem. Ex-
prime essa função a atitude do destinador em relação ao conteúdo. A
linguagem ganha características de subjetividade, revelando emoções e
atitudes interiores. O emissor ocupa-se sobretudo consigo mesmo,
deixando o receptor em segundo plano. São características dessa função:
uso de primeira pessoa, de exclamações, de interjeições, de pronomes
possessivos, de diminutivos afetivos, adjetivação farta, advérbios de modo,
uso de modalizadores, como eu acho que, eu considero que e outros,
prolongamentos de vogais, pausas, acentos enfáticos, hesitações. Esses
procedimentos criam o efeito de subjetividade e de emotividade ou de
presença ou proximidade do emissor. O sujeito não relata fatos, mas um
ponto de vista sobre eles, os seus sentimentos e emoções sobre os
acontecimentos.
• Função conativa: é a função que se orienta para o destinatário,
constituindo o receptor o centro de interesse da mensagem. O
conteúdo tem destino preestabelecido, deduzindo-se, portanto, daí, a
necessidade de prender a atenção do receptor. As marcas linguísticas
mais evidentes são os vocativos, os imperativos, utilização dos
pronomes tu, você, vós, o uso do verbo dever e outros que
transmitem essa mesma modalização, perguntas, respostas. Esses
procedimentos produzem o efeito de interação com o destinatário, ao
qual se procura persuadir, ou do qual se espera uma resposta, um
comportamento, uma atitude.
• Função fática: está centrada no contato psicológico. Tudo o que numa mensagem
serve para estabelecer, manter ou cortar o contato corresponde a essa função,
que apenas aproxima receptor e emissor. Serve essa função para testar o canal,
prolongar ou interromper uma conversa, um telefonema. São expressões caracte-
rísticas: alô, é, então, aí, hem, entende?, evidentemente, hum, pois não e outras
que são vazias de significado, mas servem para testar o contato, fórmulas prontas
para estabelecer ou interromper contato e verificar se o contato está ou não
estabelecido. Produz essa função o efeito de aproximação e interesse entre
destinador e destinatário. Para Jakobson, é a primeira função da linguagem que a
mãe utiliza na conversa com o bebê (gu, gu, gá, gá...'). Pessoas que têm
necessidade mais de contato que de informação utilizam essa função. São outras
manifestações da função fática: aperto de mão, sorrisos, inclinação do corpo,
olhares trocados, uma pergunta muitas vezes repetida, que tem em vista fazer o
interlocutor continuar falando, a repetição de algumas expressões do analista
que tem em vista manifestar que está prestando atenção ao paciente. Exemplo:

• Função metalinguística: está centrada no código e serve para dar
explicações ou precisar o código utilizado pelo emissor. O efeito de
sentido é o de linguagem que explica outra linguagem, ou seja, de
circularidade da definição e da comunicação. Tem por objeto a
própria língua. São exemplos os verbetes de dicionário, uma peça
teatral ou filme que aborda o próprio teatro ou o próprio filme, um
poema que se faz do poema.
• Função poética: utiliza procedimentos no plano da expressão, como
reiteração de sons, ritmo, isto é, explora as possibilidades estruturais da
língua; a estrutura da mensagem supera em importância o conteúdo das
informações que ela veicula. A função poética promove rupturas: em vez
de promover a transparência do conteúdo, chama a atenção para a
expressão opaca. A intenção é produzir um texto que emocione, que fuja
ao terra-terra da linguagem denotativa. Produz o efeito de sentido de coisa
extraordinária, de novidade, de estranhamento, de beleza. Essa função não
está presente apenas na poesia; ela ocorre no dia a dia, na publicidade.
Exemplos:
• "Amor aos pedaços" (nome de uma loja de doces)
• "Lilica Ripilica" (nome de loja de roupas de crianças)
Elemento de destaque Função

Emissor Emotiva
Receptor Conativa
Referente Referencial
Código Metalinguística
Canal Fática

Mensagem Poética
Saber ouvir
• Saber ouvir é mais que escutar:
• - é compreender a pessoa que se expressa;
• - é entender a mensagem que ela transmite;
• - é assimilar o que é dito por palavras, atitudes, gestos ou silêncio;
• - é perceber a grandeza da essência da comunicação e do diálogo;
• - é alcançar a plenitude do relacionamento humano;
• - é dar e receber informações e emoções.
• Ouvir é uma qualidade essencial para aperfeiçoar qualquer tipo de
relacionamento, entre casais, pais e filhos, amigos, profissionais,
vendedor e comprador, empresa e clientes internos (colaboradores) e
externos (governos, fornecedores, sindicatos e a sociedade como um
todo).
Aprender a ouvir
• Para aprender a ouvir, recomendam-se as seguintes práticas:
• (1) não se irritar com opiniões contrárias e respeitá-las;
• (2) não considerar a própria opinião inquestionável;
• (3) ter paciência com a exposição do pensamento alheio;
• (4) não pensar na resposta enquanto o outro está falando, ou seja, deixar
que ele conclua seu pensamento;
• (5) ser flexível para rever conceitos e ter capacidade para colocar-se no
lugar do outro;
• (6) evitar comentários negativos;
• (7) manter a atenção focada no emissor
• (8) reconhecer o direito de livre expressão das pessoas.
Eficácia da comunicação
• A eficácia da comunicação é obtida quando a fonte se ocupa de
examinar quem será o receptor da mensagem, preocupa-se em
utilizar um código fechado (não ambíguo, não passível de várias
interpretações), elabora uma mensagem fria (com informações
objetivas e suficientes apenas; de preferência poucas informações a
muitas e com a utilização de ilustrações, histórias) e adiciona
elementos de persuasão.
LINGUAGEM E LÍNGUA
1 Linguagem
• Entre as expressões linguísticas utilizadas normalmente que merecem
cuidado com relação ao conceito, destacam-se:
• linguagem,
• sistema,
• língua,
• norma,
• variação,
• variedades,
• língua escrita,
• língua oral.
• Em primeiro lugar, LINGUAGEM é um sistema de signos
utilizados para estabelecer uma comunicação. A linguagem
humana seria de todos os sistemas de signos o mais
complexo. Seu aparecimento e desenvolvimento devem-se à
necessidade de comunicação dos seres humanos. Fruto de
aprendizagem social e reflexo da cultura de uma
comunidade, o domínio da linguagem é relevante na
inserção do indivíduo na sociedade.
• Para Dubois (1988, p. 387), linguagem é a
capacidade específica à espécie humana de
comunicar por meio de um sistema de signos
vocais, que coloca em jogo uma técnica corporal
complexa e supõe a existência de uma função
simbólica.
• A LINGUAGEM VERBAL é uma faculdade que o
homem utiliza para exprimir seus estados mentais por
meio de um sistema de sons vocais denominado
língua. Esse sistema organiza os signos e estabelece
regras para seu uso. Assim, pode-se afirmar que
qualquer tipo de linguagem desenvolve-se com base
no uso de um sistema ou código de comunicação, a
língua.
• A LINGUAGEM é uma característica humana universal,
enquanto a LÍNGUA é a linguagem particular de uma
comunidade, um grupo, um povo.
• Embora a linguagem verbal seja a mais importante de
que se utiliza o homem, a não verbal é largamente
utilizada e não destituída de relevância, como gestos,
postura, cores, vestuário.
• As LINGUAGENS NÃO VERBAIS oferecem maior
dificuldade de interpretação, visto que seus
significados não são universais. Por exemplo, um
gesto como balançar a cabeça pode ter significados
diferentes, conforme o lugar em que é feito; a figa,
que no Brasil significa desejo de boa sorte, é
entendida na Holanda e na Tunísia como um gesto de
conotação fálica.
2 Língua
• LÍNGUA: foi estudada no passado em sua realidade estrutural, um
sistema. A Europa, onde se desenvolveu esta concepção, reproduziu a
concepção de língua que identificava a língua com a norma-padrão.
Faraco (2008, p. 33) afirma que a língua tornou-se, aí, “assunto de
com políticas linguísticas homogeneizantes”. Assim, a linguísticacuida
da língua homogênea e outras disciplinas estudam a
heterogeneidade, como a dialetologia, a sociolinguística, a linguística
histórica.
• Para Saussure, A FALA é a atualização da língua pelo
indivíduo, resultado da necessidade de comunicação.
Em virtude de sua realização oral ocorrer sobretudo
em situações informais, a LÍNGUA FALADA é mais
dinâmica que a ESCRITA. A ausência de censura
favorece o surgimento de uma variedade rica em
possibilidades expressivas.
• A FALA é anterior à escrita, mas tem sido relegada a uma
condição de inferioridade por causa das circunstâncias
modernas em que informações e documentos escritos
constituem o mundo das relações humanas e de produção.
• No entanto, ensina Saussure (1977, p. 196) que “nada entra
na língua sem ter sido antes experimentado na fala, e todos
os fenômenos evolutivos têm sua raiz na esfera do
indivíduo”.
• Segundo o pai da linguística, as características
diferenciadoras entre LÍNGUA e FALA são: a língua é
sistemática, tem certa regularidade, é potencial,
coletiva; a fala é assistemática, nela se observa certa
variedade, é concreta, real, individual.
• Para Oliveira (2011, p. 32), a forma como se vê a língua
determina a maneira de ensinar português. Algumas teorias:
• a concepção estruturalista, entende que “a língua é um
sistema formado por estruturas gramaticais inter-
relacionadas”. Nesse conceito fica excluído o uso linguístico,
o sujeito usuário da língua e as variações linguísticas que
sujeitos diferentes produzem.
• Chomsky ocupou-se de dois conceitos: o de competência
(conhecimento que o falante possui de sua língua) e o de
desempenho (uso efetivo da língua). Ele excluiu de sua
pesquisa o desempenho, por entender que no uso da língua,
há influência de fatores psicológicos e físicos, como cansaço,
irritação, sono, não reflete sua competência.
• A visão funcionalista da linguagem se ocupou
sobretudo com aspectos funcionais, situacionais,
contextuais e comunicacionais no uso da língua, e não
apenas com o sistema.
• A concepção de língua sociointeracionista ou
interacionista entende a língua como meio de
interação sociocultural e compreende elementos
como: sujeito que fala ou escreve, sujeito que ouve ou
lê, especificidades culturais desses sujeitos, contexto
de produção e recepção do texto, elementos que não
fazem parte do conceito estruturalista de língua.
• Segundo a concepção pragmática, defende o conceito de
competência comunicativa, segundo o qual o falante-
ouvinte, para ser competente em sua língua, precisa não
apenas ter conhecimento das regras gramaticais, mas
também a habilidade de usar essas regras, adequando-as às
situações sociais em que se encontra no momento em que
usa a língua (OLIVEIRA, 2011, p. 35).
• Para Marcuschi (2011, p. 19 s), o contexto atual dos estudos
de linguística enunciativa vê a “língua como um conjunto de
práticas enunciativas e não como forma descarnada”. Toda e
qualquer enunciação humana é organizada fora do indivíduo,
é sempre um ato social. A substância constitutiva da língua é
um fenômeno social de interação verbal realizado por meio
de enunciações, em que a realidade da língua se manifesta
na interação verbal.
• Bakhtin entende que fala (os enunciados) não é ato individual, mas
sempre um ato social. Se fosse individual, a compreensão seria
impossível.
• A noção de dialogismo seria o princípio fundador da linguagem, visto
que todo enunciado é um enunciado de alguém para outra pessoa.
Essa concepção de linguagem como atividade social e interativa pelo
que se entende a compreensão como atividade de construção do
sentido promovida por um eu situado em relação com um tu
igualmente situado, ambos mediados pela noção de gênero textual ,
que é uma forma de ação social.
• Marcuschi (2011, p. 22) afirma que o uso e o funcionamento
da linguagem dão-se “em textos e discursos produzidos e
recebidos em situações enunciativas ligadas a domínios
discursivos da vida cotidiana e realizados em gêneros que
circulam na sociedade”. E, adiante, enfatiza: “não existe um
uso significativo da língua fora das inter-relações pessoais e
sociais situadas”.
• Outros estudos: William Labov, que se ocupou da
sociolinguística, John Austin e John Searle, que se
dedicaram aos atos de fala, Robert-Alain de
Beaugrande e Wolfang Dressler, que contribuíram
decisivamente para os estudos da produção textual e
da leitura como atividades de interação sociocultural.
• Em relação ao sujeito, teríamos de considerar as seguintes posições:
• Predomínio da consciência individual no uso da língua. O sujeito da
enunciação é responsável pela produção dos efeitos de sentido dos
enunciados. A língua seria um código à disposição do indivíduo, que o
utiliza como se não fosse um ente histórico. É o sujeito dono de suas
palavras. A interpretação de seu texto implicaria tão somente
descobrir suas intenções. Koch (2002, p. 14) afirma: “Compreender
um enunciado constitui, pois, um evento mental que se realiza
quando o ouvinte deriva do enunciado o pensamento que o falante
pretendia veicular”.
• A segunda posição de sujeito é de assujeitamento e, nesse
caso, o indivíduo não é senhor de seu discurso nem de sua
vontade. É um sujeito anônimo, social, mas teria a ilusão de
que seus enunciados são originais e de que é livre para fazer
e dizer o que deseja. Todavia, só diz o que lhe é permitido
dizer na posição em que está, pois está inserido em uma
instituição e em uma ideologia; ele seria apenas um porta-
voz dessa outra voz. Possenti propõe uma teoria psicológica,
na qual o sujeito fosse ‘clivado pelo inconsciente’, mas não
fosse reduzido a uma peça que apenas sofre efeitos”.
• Uma terceira posição do sujeito advém da concepção
de língua como lugar de interação. E esta vê o sujeito
como ativo, participante; um sujeito social, histórica e
ideologicamente situado, que se constitui na interação
com o outro.
• Essa concepção de língua é fundamental para o
conceito de texto e de sentido.
• Se a língua é vista como representação do
pensamento e o sujeito é senhor absoluto de suas
ações e de seu dizer, o texto é meramente um produto
do pensamento do autor. Ao leitor ou ouvinte não
cabe senão captar essa representação mental, bem
como as intenções do autor. A ele caberia apenas um
papel passivo.
• Se a língua é instrumento de comunicação, código, e o
sujeito é determinado pelo sistema, o texto é resultado da
codificação que implicará um leitor ou ouvinte que o
decodificará. Basta-lhe possuir a chave do código, o
conhecimento do código, para ter acesso ao sentido.
Portanto, um papel de interlocutor também é passivo.
• Na concepção interacionista da língua, ou dialógica, locutor e
interlocutor são vistos como sujeitos, responsáveis pela
produção do sentido. Afirma Koch (2002, p. 17):
• Os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa
a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores,
como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são
construídos.
• A compreensão é uma atividade interativa complexa, realizada com
base em elementos linguísticos da superfície do texto, mas que
implica a mobilização de um conjunto amplo de saberes
(conhecimento de mundo, conhecimento enciclopédico).
3 Sistema
• SISTEMA é uma organização que rege a estrutura de uma
língua. Para Dubois (1988, p. 560), sistema é um conjunto de
termos estreitamente correlacionados entre si no interior do
sistema geral da língua. Exemplos: sistema do número no
português (singular vs. plural), do sistema fonológico, do
sistema vocálico,o sistema verbal.
• Diferença entre sistema e norma: Os chamados complementos
verbais quando constituídos por substantivos normalmente se
dispõem na ordem direto + indireto (Dei um livro ao primo), mas
quando aparece, numa dessas funções ou nas duas, pronome pessoal,
a norma é vir primeiro o indireto: (Dei -lhe um livro)/Dei-lho (lhe + o).
• Na fala prestigiada, hoje se diz: dei um livro para ele. E conclui que o
domínio da norma é muito complexo “e exige do falante uma
aprendizagem por toda a vida”.
4 Norma
• O conceito tripartite de SISTEMA/NORMA/FALA é de Coseriu
(1979). Para ele o falante, ao utilizar a língua (sistema) e sua
fala, seleciona modelos retirados da norma. Entende Faraco
(2009, p. 34) que a norma pode ser vista como “cada um dos
diferentes modos de realizar os grandes esquemas de
relações do sistema”. Assim, cada norma se organiza dentro
das possibilidades que lhe permite o sistema.
• A NORMA varia segundo a influência do tempo, espaço
geográfico, classe social ou profissional, nível cultural do
falante.
• Por isso, Camara Jr. (1975, p. 9) afirma que a língua é uma
unidade, uma estrutura ideal, que apresenta “os traços
básicos comuns a todas as suas variedades”.
• Mattoso Camara Jr., em Dicionário de linguística e
gramática (1978a, p. 177), afirma que norma é
“conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou
na classe social mais prestigiosa do país”.
• Norma nesse sentido se identifica com normalidade,
ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual,
recorrente (“normal”) numa certa comunidade de
fala.
• Uma norma convive ao lado de outra sem problema. Exemplos
• uso do pronome pessoal tu que é normalmente usado no Brasil com o
verbo sem s: tu vai, tu pode vs tu vais, tu podes.
• a mistura de você com teu (“você não viu a mancha na tua blusa? Vs “você
não viu a mancha na sua blusa?”.
• O uso de ter no sentido existencial: “não tem problema”, “não tem
ninguém na sala” vs “não há problema”, “não há ninguém na sala”.
• o uso de pega ele, veja ele, sem distinção de classe social.
• O uso de a gente no lugar de nós.
• A substituição do futuro do presente por dois verbos: “você vai estar
presente na reunião amanhã?” vs “você estará presente na reunião
amanhã?”).
• Norma é, pois, um conjunto de regras que regulam as
relações linguísticas.
• Resumindo, norma designa os fatos de língua usuais,
correntes, em uma comunidade de fala. Ela designa os
fatos linguísticos que caracterizam a fala de pessoas
de uma comunidade, incluindo os fenômenos em
variação.
• A NORMA CULTA é a linguagem praticada pela classe social
de prestígio, cujos indivíduos têm escolaridade superior
(graduação completa em alguma faculdade) e possuem
antecedentes biográficos culturais urbanos. Trata-se de uma
variedade social que nada tem de melhor em relação às
outras. Seu prestígio decorre da importância da classe social
a que corresponde.
• Enquanto a norma culta/comum/standard é a expressão viva
de certos segmentos sociais em determinadas situações, a
norma-padrão é uma codificação relativamente abstrata
(FARACO, 2009, p. 73).
• A norma-padrão é a norma gramatical. Não há,
propriamente, falantes que a utilizam tal como ela se
apresenta nos manuais, mesmo porque há divergência entre
os gramáticos e, muitas vezes, o que ali se encontra não é
seguido sequer pelos literatos.
• Espalhou-se entre nós, em consequência, o discurso de
que nosso português é cheio de erros, de que não
sabemos português, de que escrevemos mal a língua.
E difundiu-se, nas últimas três décadas do século XIX,
um discurso normativo que recusou as características
do português culto brasileiro e defendeu a adoção e o
ensino das características do português culto europeu
como norma de referência.
5 Português brasileiro
• O Português Brasileiro é um sistema linguístico que
abrange o conjunto das normas que se concretiza por
meio dos atos individuais de fala. Ele é um dos
sistemas linguísticos existentes dentro do conceito
geral de língua e compreende variações diversas
devidas a locais, fatores históricos e socioculturais,
estilo, que levam à criação de variados modos de usar
a língua.
• Em 1500, a língua que aqui chegou foi a língua falada pelos
colonizadores que iniciaram o povoamento do Brasil a partir de 1532,
com a divisão do Brasil em 15 capitanias hereditárias. De início,
portugueses e índios tiveram dificuldade de relacionamento. A partir
de 1590, os colonos começaram a substituir o trabalho escravo do
índio pelo africano. Durante o primeiro século após o Descobrimento,
nessa sociedade de brancos, índios e negros predominou A LÍNGUA
GERAL, um veículo de comunicação entre os nativos e os
portugueses.
• Após a segunda metade do século XVIII, a língua geral foi deixando de
ser utilizada, assim como os dialetos falados pelos negros, e a língua
portuguesa impôs-se. A língua geral foi proibida e obrigado o uso da
língua portuguesa pelo Marquês de Pombal, em 3 de maio de 1757,
em Portugal; em 17 de agosto de 1758, no Brasil. Outro fato: os
jesuítas, em 1759, foram expulsos de nosso solo. Eles eram os
principais defensores da língua geral. Além disso, em todo o tempo,
os contratos, os atos administrativos, os casamentos usavam o
Português.
• Ao final do século XVIII, o domínio da cultura dos brancos consolidou-
se. Surgiram as Academias, de 1724 a 1758. No início do século XIX, a
vinda da Família Real para o Brasil constituiu-se um fato relevante
para a vida social e cultural do país.
• Nesse tempo, o padrão lusitano foi tido como ideal linguístico, tanto
na língua oral, como na escrita literária.
• Todavia, com a Independência do Brasil em 1822, passou-se a
valorizar tudo o que nos distanciasse de Portugal.
• Com o Romantismo, toma vulto a questão da língua brasileira, que
reivindicava para o Brasil uma língua própria.
• A segunda metade do século XIX conheceria ainda a chegada dos
imigrantes italianos e alemães. No início do século XX, o Modernismo
(1922) novamente proporia a questão da língua brasileira, associado à
oralidade da língua, à diferença entre língua escrita e língua falada.
Como recebeu muitas contribuições, a língua nacional é o português
brasileiro, uma língua que alcançou independência linguística e
cultural em relação a Portugal. O percurso da língua portuguesa em
Portugal e no Brasil é muito diverso. Embora a língua de portugueses
e a de brasileiros utilizem o mesmo código linguístico e o mesmo
sistema, elas apresentam diferenças na norma usual (uso).
• Considerando a diferença entre a língua portuguesa falada em
Portugal e a falada no Brasil, destaca-se que a prosódia portuguesa
difere bastante da que vigora por aqui. Enquanto os brasileiros falam
morrer, correr, bondade, forçoso, corado, os portugueses falam
murrer, currer, bundade, furçoso, curado. Portugueses suprimem
vogais mediais: c’roa (coroa), impr’ador (imperador); brasileiros usam
/e/ e /o/ fechados em Antônio, demônio, gênio; portugueses falam:
António, demónio, génio.
• Em Portugal, morfologicamente falando, é comum madeiro, lenho,
horto, fruto, enquanto no Brasil prevalece madeira, lenha, horta,
fruta. Os brasileiros preferem o gerúndio no lugar de infinitivo regido
de preposição, como em estava a redigir, chegou a falar, está a
dormir, que são comuns em Portugal, e estava redigindo, chegou
falando, está dormindo, que são comuns no Brasil.
• Na sintaxe, a colocação pronominal tem sido campeã de discussões.
Enquanto portugueses preferem a ênclise (diga-me), os brasileiros
gostam da próclise (me diga).
No vocabulário, difere bastante a língua falada aqui e lá:
Brasil Portugal

Bala Confeito

Banheiro Casa de banhos

Calcinha Cueca

Carona Boleia

Carpete Alcatifa

Chiclete Pastilha elástica

Crianças Putos

Goleiro Guarda-redes

Moça Rapariga

Ônibus Autocarro

Pernilongo Melga

Trem Comboio

Xícara Chávena
6 Variedades linguísticas
6.1 Padrão vs. não padrão
• Segundo Tarallo (1994, p. 8), “em toda comunidade são
frequentes as formas linguísticas em variação”. A essas
formas em variação dá-se o nome de variedades, que estão
sempre em relação de concorrência:
• Padrão vs. não padrão; conservadoras vs. inovadoras; de
prestígio vs. estigmatizadas.
• A variante padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e que
goza de prestígio sociolinguístico na comunidade.
• As variantes inovadoras são quase sempre não padrão
e estigmatizadas. Por exemplo, no caso da marcação
de plural no português do Brasil, a variante [s] é
padrão, conservadora e de prestígio; a variante [0],
por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não
padrão (TARALLO, 1994, p. 12).
6.2 Variedades sociais
• No estudo da variação sociolinguística, os linguistas
observam que variedade “culta” pode ser assim definida: é
aquela que ocorre em usos da língua de forma mais
monitorada, que são realizados por segmentos urbanos, que
estão no meio para cima na hierarquia econômica e com
amplo acesso aos bens culturais, particularmente a educação
formal, e à cultura escrita.
• Trata-se de uma variedade difundida quer pela televisão,
rádio, jornais impressos, bem como pela escolarização de
longo alcance.
• A fixação de um padrão é resultado de um projeto político
que objetiva impor uniformidade. Foi esse o caso do Brasil no
século XIX em que certa elite letrada, diante das variedades
populares (em particular do que se veio a chamar
pejorativamente de “pretoguês”) e face a um complexo jogo
ideológico (em boa parte assentado em seu projeto de
construir um país branco e europeizado) trabalhou pela
fixação de uma norma-padrão (p. 172).
• O desejo de construir uma sociedade branca e europeizada
teria levado a elite a renegar as características linguísticas do
País. Inicialmente, impedindo, no século XVIII, o uso das
línguas indígenas e da língua geral e, posteriormente, na
segunda metade do século XX, impondo à sociedade uma
norma-padrão artificial que atormenta os brasileiros.
• O Brasil tem dificuldade de reconhecer sua cara linguística: não
admitimos que somos um país multilíngue, pois há centenas de
línguas indígenas e dezenas de línguas de imigração, que são
minoritárias, mas significativas para nosso patrimônio cultural.
• Essa diversidade não constitui problema, mas uma riqueza cultural de
que temos de nos orgulhar, e não de nos envergonhar: “o problema
está nas formas como lidamos com essa diversidade [...]. O problema
está nas imagens saturadas de valores negativos que temos de nós
como falantes” (FARACO, 2009, p. 181).
• Segundo Zilles, ainda, a norma linguística modelar
recebe diversas denominações: norma culta, norma-
padrão, norma gramatical, gramática, língua culta,
língua-padrão, língua certa, língua cuidada, língua
literária, entre tantas outras.
• Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 193), examinando a falsa
sinonímia norma-padrão = norma culta, fez levantamento
dos autores de livros didáticos e encontrou as seguintes
expressões: língua culta, língua formal, língua oficial, língua-
padrão, linguagem formal, modalidade culta, norma culta,
norma-padrão, padrão culto, padrão formal, português-
padrão, pronúncia-padrão, uso culto, uso formal, variação-
padrão, variante culta, variante-padrão, variedade culta,
variedade formal, variedade-padrão, variedades de prestígio.
• Em relação ao ensino da língua materna, Bagno (In: ZILLES; FARACO,
2015, p. 200) endossa o pensamento de Magda Soares, para quem as
camadas populares têm o direito “de apropriar-se do dialeto de
prestígio”. O objetivo desse tipo de ensino seria levar os alunos
pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem
às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que
adquiram um instrumento fundamental para a participação política e
a luta contra as desigualdades sociais.
• Toda língua é heterogênea, isto é, é constituída por um conjunto de
variedades; a realidade das línguas não é a unidade homogênea.
Segundo Castilho (2010, p. 197), as línguas, além de heterogêneas,
são voltadas para a mudança. Não há, pois, senão variedades
linguísticas e não, propriamente, uma língua superior às variedades,
visto que são estas que lhe dão sustentação, que a fazem ser uma
língua; nem há língua de um lado e variedades de outro; língua é o
conjunto das variedades.
• Faraco define então língua não como entidade linguística, mas como
entidade cultural e política, ou seja, critérios puramente linguísticos
não são adequados para definir língua, pois ela comporta tanto a
dimensão política quanto a cultural.
• Cada variedade segue uma norma. Ora, como toda norma apresenta
uma organização estrutural, não há consistência em afirmar a
existência de erro em língua. Isso significa que toda variedade possui
uma gramática. Falar em erro seria aplicar a organização estrutural de
uma variedade a outra variedade. E é por querer aplicar a estrutura
da variedade prestigiada à variedade não prestigiada (estigmatizada)
que são comuns, na sociedade brasileira, juízos depreciativos sobre
esta última: identifica-se erro quando se trata tão somente de
diversidade. E, em geral, apenas são percebidas como erro as formas
não usadas pela classe que desfruta de prestígio.
• Tradicionalmente, quando se fala em estudar ou
ensinar português, vem à mente o ensino da
gramática; daí a sinonímia, em nossa sociedade, entre
ensinar gramática e ensinar português. E ensinar
gramática também nunca esteve livre de distorções:
entendia-se ora que se tratava de ensinar
nomenclatura, conceitos, classificações, ora ensinar
usos que os gramáticos entendiam ser o “correto”.
• A escola tradicional negava a variação linguística em
seu ensino. Ela entendia que variação é equivalente a
erro e lhe caberia corrigir os desvios. Ora, embora o
tema da variação tenha sido ultimamente objeto do
discurso pedagógico, ainda não conseguimos
“construir uma pedagogia adequada a essa área”.
• Lembremo-nos de que há no Brasil um grande contingente de
alfabetizados que são funcionais: apenas sabem escrever o
próprio nome, ou leem e escrevem com muita dificuldade, mas
não são capazes de entender o que leem. Daí Faraco (2009, p.
27) afirmar que continuamos uma sociedade perdida em
confusão em matéria de língua: temos dificuldades para
reconhecer nossa cara linguística, para delimitar nossa(s)
norma(s) culta(s) efetiva(s) e, por consequência, para dar
referências consistentes e seguras aos falantes em geral e ao
ensino de português em particular.
Classificação das variedades
Classificação de Pretti
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Se a variação linguística ocorre entre períodos de
tempo, recebe o nome de diacrônica; se ocorre em
espaços geográficos diversos, recebe o nome de
variação diatópica, frequentemente conhecida pelo
nome de dialeto. Borba (1976, p. 63) ensina que um
dialeto apresenta “desvio em todos os planos da
língua: fônico, gramatical e vocabular”. Para Jota
(1981, p. 104), o dialeto caracteriza uma “variedade
regional de uma língua”.
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Para Castilho (2010, p. 198, 204-209, 211-213, 223), as variedades
linguísticas do português brasileiro organizam-se segundo os
seguintes eixos:
• Variação geográfica: compreende variações regionais. Indivíduos de
diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua,
particularmente com relação à realização fonética, escolhas
morfológicas (por exemplo, uso de tu ou de você), realização ou não
de plurais (“os meninos”, “os menino”), conjugações verbais: “você
pode”, “tu podes”, “tu pode”, “a gente pode”), uso de lhe como
objeto direto (“não lhe vejo há muito tempo”), uso do pronome ele
como objeto direto (“olhe ele aí”), uso de vocabulário e expressões
idiomáticas.
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Variação sociocultural: originada por idade, sexo, profissão, nível de
estudo, classe social. Pessoas altamente escolarizadas fazem uso da
variedade “culta”, mais prestigiada, aprendida na escola; já as pessoas
da área rural ou que praticam a variedade rurbana (mistura de rural
com urbano) praticam uma variedade estigmatizada, mas é de
lembrar que os colonos portugueses introduziram no Brasil tanto a
modalidade prestigiada quanto a não prestigiada; predominaram “os
falantes do português popular” (CASTILHO, 2010, p. 204).
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Seriam exemplos das variedades não prestigiadas para Castilho:
ditongação das vogais tônicas seguidas de sibilantes: mêis (mês), luiz
(luz); perda da vogal átona inicial: marelo (amarelo); nasalização das
átonas iniciais: indentidade (identidade), inzame (exame); queda das
vogais átonas pós-tônicas nas proparoxítonas: oclos (óculos), arvre
(árvore), cosca (cócega); monotongação: pexe (peixe), bejo (beijo);
ditongação: bandeija (bandeja); perda da nasalidade: viági (viagem),
os homi (os homens), reciclági (reciclagem); monotongação de
ditongos crescentes: ciença (ciência) negoço (negócio).
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Em relação à variedade “culta”, prevalecem: uso de tu nas regiões Norte e
Sul do Brasil; no Rio de Janeiro, é comum o uso de tu, mas com o verbo
sem s: tu sabe; também na variedade “culta” se pode observar o uso de a
gente em lugar de nós; o reflexivo se mantém seu traço de 3.ª pessoa
gramatical: ela se maquilou rapidamente; é comum a ausência do
pronome: eu [me] casei ano passado; eu [me] formei mês passado); na
língua “culta” falada é frequente a troca do pronome lhe por pra ele, pra
ela: falei pra ela não vir; uso de lhe no lugar de te: vou lhe contar uma
coisa. A redução dos pronomes possessivos a meu, seu, dele é comum
tanta na variedade prestigiada quanto na não prestigiada. Raramente,
ocorre teu: isso não é da tua conta. Deixa de haver distinção entre os
pronomes demonstrativos entre este e esse tanto na variedade dita “culta”
quanto na estigmatizada. O pronome cujo deixa de existir tanto na fala
“culta” quanto na estigmatizada
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Variação individual. Para Castilho (2010, p. 211), “a língua produzida
segundo esse eixo é denominada registro”; nessa variedade, podem-
se distinguir o português brasileiro mais espontâneo e o português
mais refletido. Todas as pessoas, sejam praticantes da variedade
estigmatizada, seja da variedade prestigiada, adaptam sua fala,
conforme a situação e o ouvinte. Em um e-mail ou um WhatsApp
entre amigos, é mais comum o uso de uma variedade menos
preocupada com a norma-padrão; se falamos com uma autoridade ou
escrevemos para ela, é possível que nos valhamos de uma variedade
mais preocupada com a gramática.
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Variação de canal. Varia nossa fala, conforme o canal que utilizamos.
Ao telefone, usamos uma variedade diferente daquela que usamos se
o interlocutor estivesse à nossa frente. É diferente a variedade que
utilizamos em um torpedo ou WhatsApp daquela de que nos valemos
em uma petição, por exemplo. Levamos em consideração também o
interlocutor, uma vez que a construção dos enunciados depende da
relação dialógica que com ele estabelecemos. Dentro ainda dessa
variedade, é de considerar a língua escrita e a língua falada (variação
diamésica).
Classificação das variedades
Classificação de Castilho
• Variação temática: diz respeito ao modo como
tratamos um assunto. Se discorremos sobre um
assunto do nosso cotidiano, usamos uma variedade
do português brasileiro mais espontânea; se tratamos
de um assunto mais técnico, a variedade que
utilizaremos será possivelmente mais elaborada.
Exemplificando: uma dor de barriga é uma dor
abdominal para um médico.
Classificação das variedades
6.3.3 Classificação de Bortoni-Ricardo
• Outra classificação de variedades linguísticas é de Stella Maris
Bortoni-Ricardo, que vê a diversidade do português brasileiro
distribuída em três continua:
• Continuum rural-urbano.
• Continuum de oralidade e letramento.
• Continuum de monitoração estilística.
Classificação das variedades
Classificação de Bortoni-Ricardo
• Bortoni-Ricardo e Rosário Rocha (In: MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014, p.
38) afirmam que o contínuo de urbanização “estende-se desde as
variedades rurais geograficamente isoladas até a variedade urbana
suprarregional, que passou pelos processos históricos de padronização”.
• No contínuo de oralidade e letramento, o foco deixa de ser o falante para
apoiar-se em práticas sociais, orais ou letradas: “consideram-se aí a
diversidade cultural de produção e a implementação dessas práticas.
• No contínuo de monitoração estilística, “podemos aferir a dimensão
sociocognitiva do processo interacional, em particular o grau de atenção e
de planejamento que o falante confere à situação de fala”. O grau de
planejamento relaciona-se com: acomodação do falante ao interlocutor,
apoio no contexto para a produção dos enunciados, complexidade
cognitiva que a produção linguística envolve e familiaridade do falante com
o objeto da comunicação.
Classificação das variedades
Classificação de Bortoni-Ricardo
• Considerando o contínuo de urbanização, verifica-se que os
usuários da língua da zona rural apresentam características
de traços fonéticos/fonológicos, como a ausência da palatal
lateral [λ]: velho dizem véiu, filho dizem fiiu (ou em
transcrição fonética: [vεyyw], [fiyu]..
• Tendência à redução das palavras proparoxítonas: “xícara” >
“xicra” (variável gradual)’; “bêbado” > “bebu”.
• Supressão do /S/, morfema de plural, nos casos de
redundância de marca: os livros = os livro.
Classificação das variedades
Classificação de Bortoni-Ricardo
• Neutralização das líquidas /l/ e /r/: “almoço” > “armoço”,
“bloco” > “broco”.
• Vocalização da lateral palatal /λ/: para joelho temos as
seguintes realizações fonéticas: [ʒuˈeʎy] > [ʒuˈejy] > [ʒuˈejjy]
> [ʒuej].
• Monotongação de ditongos decrescentes “outro” > “otro”,
“peixe” > “pexe; o apagamento de /S/ da primeira pessoa do
plural de verbos [-mos] é um traço que parece ser gradual:
“fazemus” > “fazemu>.
Classificação das variedades
Classificação de Bortoni-Ricardo
• Mudanças esporádicas das vogais: “direito” > “dereito”; “raiva” > “reiva”;
• Prótese de um /a/ em palavras iniciadas com consonante, como em:
“lembrar” > “alembrar”.
• Supressão de um fonema ou de uma sílaba (aférese) no início de uma
palavra: “espera” > “pera”; “José” > “Zé”; “você” > “ocê”, “cê”; “aguentar” >
“guentar”;
• Metátese do /r/ e, mais raramente do /s/: “porquê” > “pruquê”, “satisfeito”
> sastifeito”.
• Casos de hipercorreção, como “privilégio” > “previlejo”, “bandejão” >
“bandeijão”
Classificação das variedades
Classificação de Bagno
• Bagno (2015, p. 12-13) entende que a realidade
sociolinguística deva ser analisada sob os seguintes
focos:
• Norma-padrão: modelo idealizado de língua “certa”,
prescrito pela tradição gramatical: “não corresponde a
nenhuma variedade falada autêntica” nem à escrita
mais monitorada.
Classificação das variedades
Classificação de Bagno
• Um amplo continuum que compreende:
• (a) o conjunto das variedades prestigiadas: “faladas pelos cidadãos de
maior poder aquisitivo, de maior nível de escolarização e de maior
prestígio sociocultural”;
• (b) o conjunto das variedades estigmatizadas, “falada pela imensa
maioria da nossa população, seja nas zonas rurais, seja nas periferias
e zonas degradadas das nossas cidades, onde vivem os mais pobres,
sem escolarização de qualidade, desprovidos de muitos de seus
direitos mais elementares”.
Classificação das variedades
Classificação de Bagno
• São exemplos:
• Deixe eu ver/deixa eu ver = deixe-me ver.
• Entre eu e você = entre mim e você.
• Pega ela = pega-a.
• Tem coisa que só a Philco faz pra você (slogan da Philco que privilegia o uso
de ter em lugar de haver).
• Para mim fazer o que você pediu, vou demorar uma semana = para eu fazer o
que você me pediu, vou demorar uma semana.
• Aluga-se casas = alugam-se casas (aqui o plural é defendido até mesmo por
alguns estudiosos da língua, como Said Ali e Mattoso Camara).
Classificação das variedades
Classificação de Bagno
• Vejamos um texto do gênero forense, uma medida cautelar de justificação,
transcrita de Gediel Claudino de Araujo Júnior (2016, p. 697-698)):
• Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ Vara Cível da Comarca de
Mogi das Cruzes, SP.
• J.F. de O. brasileira, solteira, professora, portadora do RG 000.000 e do CPF
000.000.000-0, residente e domiciliada na Rua Frei Bonifácio Harink, n. 00,
apartamento 00-0, bloco 00, bairro Boturuju, nesta Cidade e Comarca, por seu
Advogado firmado in fine, mandato incluso, vem perante Vossa Excelência propor
ação de justificação, observando-se o procedimento previsto nos arts. 382 e 383
do Código de Processo Civil , pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:
Classificação das variedades
Classificação de Bagno
1. A requerente é mutuária de um apartamento da CDHU (Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), onde reside, com
prestação mensal estipulada no valor de R$ 382,76 (trezentos e oitenta e dois reais,
setenta e seis centavos). Tal valor foi estabelecido em função da renda da requerente
somada com a renda de seu companheiro, Sr. G.A.B. de Tal, conforme demonstram
documentos anexos.
2. De fato, a requerente viveu em união estável com o Sr. G. até o mês de julho de 0000,
quando, por motivos de foro íntimo, foi desfeita a relação, deixando o companheiro o lar
conjugal para não mais voltar. Tal fato alterou drasticamente a situação financeira familiar,
já que passou então a requerente a contar somente com seu ganho mensal, insuficiente
para arcar com o valor da prestação do referido imóvel.
Classificação das variedades
6.3.4 Classificação de Bagno
3. Diante de tal situação, a requerente procurou os representantes da mutuante, quando foi informada que a
diminuição no valor da prestação está condicionada à demonstração do término efetivo do estado de
concubinato entre os mutuários, bem como à demonstração de quem ficou residindo no imóvel.
•Ex positis, requer:
•. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
• Provará o que for necessário, usando de todos os meios permitidos em direito, em especial pela juntada
de documentos (anexos) e oitiva de testemunhas (Rol anexo). Dá ao pleito o valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais). Termos em que, p. deferimento.

•Mogi das Cruzes, 00 de setembro de 0000.
• Gediel Claudino de Araujo Júnior
•OAB/SP 000.000
• Acquaviva (1994, p. 11): a terminologia jurídica “é a mais antiga
linguagem profissional que se conhece”.
• Miguel Reale:
• ... Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho de
sua linguagem multimilenar, dignidade de que bem poucas ciências
podem invocar.
• Profissionais de outras áreas também fazem uso de linguagem
específica, como garimpeiros, pescadores, com a diferença, porém,
de que estes não fazem uso da variedade prestigiada.
• É relevante ter sempre em vista o público a que nos
dirigimos. Um jornalista e um publicitário experientes optam
em seu trabalho por uma variedade que se adapta a seu
público-alvo; em geral, valem-se da variedade “culta”, ou
seja, a língua que pessoas que têm curso superior completo
usam no cotidiano, e não da variedade chamada norma
padrão.
• Nesse sentido, o texto de Ceneviva a seguir transcrito tem
esse cuidado com a comunicação:
• Código Civil amenizará diferenças de sexo
• O Código Civil de 1916, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1917,
privilegiou claramente o masculino, como era uso ao seu tempo. O pai era o chefe
da sociedade conjugal, a mulher casada era relativamente incapaz, a gerência e a
administração dos bens era do marido e havia longuíssima enumeração dos
requisitos do dote, constituído pela noiva, por seus pais ou por estranhos, a ser
administrado exclusivamente pelo marido. O dote poderia compreender todos os
bens da noiva na data do casamento e os que ela, no futuro, viesse a adquirir. Se
tudo isso despertar a curiosidade do leitor, basta ler os artigos 278 e 309 do
Código Civil ainda [de 1916].
• Algumas discriminações foram desaparecendo ao longo do tempo, como
aconteceu com a chefia absoluta da sociedade conjugal, extinta em 1962. As
discriminações sociais resistiram muito para desaparecer. A mulher preferia
suportar os defeitos do esposo a deixá-lo, pois era ela que quase sempre pagava
pelo peso social de ser, como se dizia, “largada do marido”.
• O preconceito, porém, não terminava aí. A palavra homem foi tomada
na lei brasileira durante grande parte do século 20 como significando
a pessoa titular de direitos, enfim, o ser humano. A rigor, continuará a
existir até o fim deste ano [2002], quando terminará a vigência do
código de 1916, cujo artigo 2º diz: “Todo homem é capaz de direitos e
obrigações na ordem civil.” Uma forma de anulação do casamento
ainda está reservada exclusivamente ao homem. Está no parágrafo 1º
do artigo 178 do velho código, que prescreve “em dez dias, contados
do casamento, a ação do marido para anular o casamento contraído
com mulher já deflorada”.
• As mudanças que começarão a viger em 1º de janeiro próximo [2003]
eliminaram expressões impróprias e discriminadoras. Assim, o artigo 1º
passará a dizer que “toda pessoa é capaz de direitos e de deveres na ordem
civil”. O critério para a capacidade civil é o mesmo para homens e
mulheres. O artigo 21 dará a síntese do que há de mais importante para o
direito da personalidade: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o
juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias
para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma.”
• O novo artigo 1.565 dirá tudo a respeito da igualdade no casamento. O
homem e a mulher serão “consortes, companheiros e responsáveis pelos
encargos da família”. Nem mesmo subsistirá a tradicionalíssima imposição
de a mulher adotar o nome de família do marido ou, no máximo, manter o
nome de solteira. A contar do ano que vem, qualquer dos noivos, querendo,
poderá acrescer o sobrenome do outro ao seu. Seja o dele, seja o dela.
• A modernidade poderia ter vindo antes. A designação de masculino e
feminino varia de idioma para idioma. Nós, brasileiros, entoamos loas à
beleza romântica e prateada da Lua, doce e feminina, em contraste com o
Sol vigoroso. Pois, em alemão, a Lua está no masculino (der Mond) e o Sol
é a doce, mas quente donzela (die Sonne). Em francês, o erro é “a” erro, no
feminino. A mensagem jurídica transmitida por esta coluna é feminina no
Brasil. Se fosse na Itália, seria no masculino (il messaggio). Não é
necessário ir além nos exemplos. Basta dizer que o Código Civil de 2002,
mesmo não tendo atingido o ideal dos que o criticaram, eliminou muitas
discriminações, acompanhando, nessa parte, um salto vigoroso na
sociedade brasileira (CENEVIVA, Walter. Código Civil amenizará diferenças
de sexo. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 17 ago. 2002. p. C2).
7 Preconceito e intolerância linguística
• Quando se fala em preconceito, imediatamente nos lembramos do
preconceito contra cor de pele, do preconceito contra religiões, do
preconceito contra homossexuais e outros, mas raramente nos damos
conta de que o preconceito linguístico é tão maléfico quanto qualquer
outro. Para Leite (2008, p. 13), a intolerância linguística parece nem
existir, passa quase despercebida pela opinião pública:
• Contudo, a intolerância linguística existe e é tão agressiva quanto
outra qualquer, pois atinge o cerne das individualidades. A linguagem
é o que o homem tem de mais íntimo e o que representa a sua
subjetividade. Não é exagero, portanto, dizer que uma crítica à
linguagem do outro é uma arma que fere tanto quanto todas as
armas.
• Considerando o preconceito linguístico, Bagno (2015, p. 21-108)
elencou oito mitos:
• (1) o de que o português do Brasil tenha uma unidade;
• (2) o de que o brasileiro não sabe português e de que só em Portugal
se fala bem português;
• (3) o de que o português é uma língua muito difícil;
• (4) o de que as pessoas sem instrução falam tudo errado;
• (5) o de que o lugar onde melhor se fala português é no Maranhão;
• (6) o de que o certo seria falar assim porque se escreve assim;
• (7) o de que é preciso saber gramática para falar e escrever bem;
• (8) o de que o domínio da norma-padrão é um instrumento de
ascensão social.
• Cada um desses mitos é analisado, mostrando quão preconceituosas
são tais afirmações e destituídas de valor científico.
Níveis de linguagem
• Nível culto. A linguagem formal é burocrática, artificial, conservadora,
precisa, impessoal. A linguagem formal de nível culto corresponde à
variante padrão, que é utilizada por intelectuais, diplomatas e
cientistas, principalmente na forma escrita. Em termos de língua oral,
esse nível raramente é utilizado, mas dele se aproximam os discursos
de cerimônias ou de situações formais, como os que ocorrem em con-
gressos, reuniões, convenções. O vocabulário é diversificado, a sintaxe
é complexa e as normas gramaticais são orientadoras.
• Nível comum. O nível de linguagem comum foge às formalidades e
aos requintes gramaticais. Preti (2000, p. 35) afirma:
• Um dialeto social comum serviria como um meio-termo entre ambos
e teria uma aceitação ampla nas camadas de uma classe média
medianamente escolarizada, nos meios de comunicação e, também,
no próprio organismo escolar, pelo menos no ensino dito mais
moderno, que leva em conta essas variações socioculturais no
aprendizado da língua.
• O jornalista e o publicitário experientes optam por uma variante que
se adapta a seu público-alvo; em geral, utilizam o nível comum tenso,
ou seja, não redigem textos em linguagem só compreensível pelos
doutores, nem escrevem textos utilizando uma variante linguística em
que sejam frequentes agressões ao padrão culto da linguagem, ou
erros gramaticais.
• Linguagem popular. Constitui uma variante informal de pouco
prestígio se comparada com a culta; é espontânea e descontraída.
Seu objetivo é a comunicação clara e eficaz. Sua expressão é
subjetiva, concreta e afetiva. É funcional, sobretudo, porque se vale
de outros meios de expressão que não as palavras, como, por
exemplo, a entonação, na linguagem oral. Tal variante linguística
distancia-se da normatividade gramatical.
• Ela compreende: (a) vocabulário restrito; (b) construções que se
afastam do padrão gramatical ou simplificação sintática (utilização de
variantes não admitidas pela gramática, como: pega ele, namora com,
ou mistura de pronomes pessoais, possessivos e de tratamento - tu e
você, Sr. e V. S.a, teu e seu -, ausência de rigor quanto à concordância
verbal (eles foi); (c) repetições frequentes; d) uso de gíria ou de
linguagem obscena; (e) redundâncias.
• A variante popular é rica em frases-feitas, enfáticas, expressões da
gíria, clichês,

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