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Teorias Sociológicas
SISTEMA DE ENSINO
Livro Eletrônico
CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Sumário
Teorias Sociológicas. . ...................................................................................................................... 3
1. Microssociologia e Macrossociologia.. .................................................................................... 3
2. Teorias do Consenso e do Conflito.. ......................................................................................... 4
3. Teorias do Consenso................................................................................................................... 6
3.1. Escola de Chicago. . .................................................................................................................... 6
3.2. Teoria da Anomia...................................................................................................................... 9
3.3. Teoria da Associação Diferencial.........................................................................................13
3.4. Teoria da Subcultura Delinquente...................................................................................... 18
4. Teorias do Conflito.................................................................................................................... 20
4.1. Labelling Approach. . ................................................................................................................21
4.2. Criminologia Crítica............................................................................................................... 27
Resumo.............................................................................................................................................49
Mapas Mentais............................................................................................................................... 57
Questões de Concurso.................................................................................................................. 62
Gabarito.............................................................................................................................................91
Referências...................................................................................................................................... 92
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Olá, bem-vindo(a) à nossa terceira aula. Antes de começarmos, deixo meu Instagram, para
quem tiver interesse: @profmaribarreiras.
Hoje vamos analisar o assunto de Criminologia mais cobrado em provas: as teorias socio-
lógicas, que são amplamente dominantes na Criminologia contemporânea. São teorias que,
como já expliquei para você, defendem a impossibilidade de se analisar o fenômeno criminal
prescindindo do estudo da sociedade onde o delito está inserido.
Antes de analisar as teorias sociológicas propriamente ditas, vamos conhecer algumas
classificações que são feitas sobre elas.
1. Microssociologia e Macrossociologia
Essa é uma classificação sobre a qual não há exatamente um consenso entre todos os
autores e bancas.
Teorias microssociológicas são aquelas que analisam os processos individuais de sociali-
zação relacionados à criminalização. Elas estudam a integração entre o indivíduo e a socieda-
de. Ou seja, elas analisam o meio social, mas o foco principal é o indivíduo, ou melhor, o modo
como o indivíduo interage nessa sociedade. Como estão mais focadas em compreender essa
interação do indivíduo com a sociedade – e não a sociedade em si como um todo –, têm viés
fortemente empírico e menor nível de abstração.
As teorias macrossociológicas, por sua vez, estudam a estrutura da sociedade como um
todo. O foco deixa de ser a interação entre o indivíduo e sua sociedade, e passa a ser a pró-
pria sociedade criminógena. São teorias que elevam a sociedade ao patamar de fator crimi-
nógeno. O fator empírico aqui perde um pouco de força e os estudos adquirem maior nível de
abstração. Naturalmente, isso não significa que a criminologia, de modo mais amplo, deixa de
ser empírica no seio dessas escolas. Trata-se, apenas, de uma mitigação do empirismo, pois
nem todas as pesquisas necessitam ser experimentais para que a criminologia seja conside-
rada como tal.
Parte considerável dos manuais de Criminologia considera que as orientações macrosso-
ciológicas podem ser subdivididas em teorias do consenso e teorias do conflito (classificação
que analisaremos no próximo item). E de fato, podem. O que falta é dizer que as teorias micros-
sociológicas também podem ser subdividas dessa maneira, como se observa nessa pequena
polêmica que passarei a descrever.
Em geral, os manuais se abstêm de dizer se uma escola sociológica é micro ou macrosso-
ciológica. Mas, como acabei de dizer, são comuns as afirmações de que as teorias macrosso-
ciológicas se subdividem em teorias do consenso e teorias do conflito. Dito isso, os manuais
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Teorias Sociológicas
• Cada sociedade se mantém graças ao consenso dos seus membros sobre determina-
dos valores comuns (tese do consenso).1
• As principais teorias do consenso são:
• Escola de Chicago
• Teoria da Anomia
• Teoria da Subcultura Delinquente
• Teoria da Associação Diferencial
DICA
Recurso de memorização!
CONSENSO: Chicago, Anomia, Subcultura, Associação
É CONSENSO que todo mundo quer CASA
As teorias do conflito, por outro lado, partem do pressuposto de que há força e coerção
na sociedade. Somente existe ordem porque há dominação de uns e sujeição de outros. A
produção legislativa serviria para assegurar o triunfo da classe dominadora. A sociedade está
sempre sujeita a processos de mudança e cada elemento da sociedade contribui, de certa for-
ma, para sua desintegração. Para essas teorias o crime faz parte da luta pelo poder. Assim, em
lugar de uma visão de cunho funcionalista, tem-se uma visão de cunho argumentativo.
Dahrendorf, ao tentar simplificar as teorias do conflito, elenca os seguintes postulados:
• Toda sociedade – e cada um dos seus elementos – está a todo tempo submetida à mu-
dança (tese da historicidade);
• Toda sociedade é um sistema de elementos contraditórios em si e explosivos (tese da
explosividade);
• Cada elemento dentro da sociedade contribui para a sua mudança (tese da disfunciona-
lidade e da produtividade);
• Toda sociedade se mantém graças à coação que alguns dos membros exercem sobre
os demais (tese da coação).2
Para Dahrdendorf, aliás, a tese da coação é a mais apropriada para explicar os conflitos
sociais que são, no limite, conflitos que repousam sobre a desigualdade de divisão de poder
entre os membros da sociedade. Para os teóricos dessa linha, os conflitos possuem efetivida-
de criadora (eles causam mudanças) e é necessário se afastar do pensamento utópico de um
sistema social equilibrado.
A teoria do labelling approach – também chamada de interacionista, interacionismo simbó-
lico, teoria da rotulação ou do etiquetamento – e as teorias críticas – também denominadas
radicais ou dialéticas – se encaixam na categoria de teoria do conflito. Perceba, portanto, que
o Modelo de Reação Social é o modelo típico das teorias do conflito.
1
DAHRENDORF, Ralf. Sociedad y Libertad: hacia un análisis sociológico de la actualidad. Madri: Tecnos, 1971, p. 190.
2
DAHRENDORF, Ralf. Sociedad y Libertad: hacia un análisis sociológico de la actualidad. Madri: Tecnos, 1971, p. 190.
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DICA
Recurso de memorização!
CONSENSO: Chicago, Anomia, Subcultura, Associação
CONFLITO: Crítica, Interacionismo Simbólico ou Etiquetamento
É CONSENSO que todo mundo quer CASA
O CONFLITO é que estamos em CRISE
3. Teorias do Consenso
Como acabamos de analisar, as teorias do consenso também são chamadas de funciona-
listas, estrutural-funcionalistas ou integralistas. Elas partem do pressuposto de existência de
objetivos comuns a todos os cidadãos, que aceitam as regras vigentes. Essas teorias são con-
sideradas conservadoras, porque acreditam na coesão social e querem garanti-la, preservando
o status quo, ou seja, o estado vigente das coisas.
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Teorias Sociológicas
Grandes condomínios de luxo, que se assemelham a cidades, com ruas, enormes áreas de
lazer e até lojas, mais populosos que muitas cidades, cercados de muros, constantemente
vigiados, e afastados do centro da cidade são realidades bastante comuns nas metrópoles
brasileiras. Alphaville em São Paulo (e presente também em outras cidades brasileiras) e con-
domínios da Barra da Tijuca (Rio de Janeiro) são citados como exemplos que se encaixam na
descrição da zona V de Burgess. O aumento da tensão social e a decadência de certos bairros
da cidade faz com que as pessoas queiram se agrupar em comunidades fechadas, em que
fiquem distantes da confusão. Iniciativas como essa acabam por fragmentar o espaço social,
criando a cidade dual. Esse conceito de dual city aumentar a distância social entre os dois gru-
pos. Os moradores dos condomínios não veem os pobres, não convivem com eles. E quanto
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Clifford Shaw e Henry McKay são outros dois nomes importantes na Escola de Chicago.
Com base na teoria das zonas concêntricas, eles se dedicaram a analisar as áreas de delinqu-
ência e a delinquência juvenil. A obras mais conhecidas deles é Delinquency Areas.
Eles foram responsáveis por demonstrar que, quanto mais perto do loop, maior a degrada-
ção e as taxas de criminalidade dos bairros. Concluíram, também, que nas áreas criminais, o
controle social informal é pouco eficiente na formatação do comportamento dos jovens, já que
familiares, amigos e vizinhos geralmente aprovam condutas antissociais. Para Shaw e McKay,
a delinquência começaria cedo, como jogo das ruas e alguns bairros ofereceriam oportunida-
des ao crime, como pessoas dispostas a adquirir bens roubados.
Não se deve, no entanto, entender que há um determinismo ecológico, ou seja: a pessoa
cometerá crimes apenas por habitar uma região. O que ocorre é que o fato de estar localizado
em uma área da cidade é um vetor criminógeno, ou seja, um fator que pode contribuir com a
prática de um delito.
A escola de Chicago percebe que é mais apropriado falar em “cidades”, no plural, pois cada
parte do Município tem sua cultura própria, sua dinâmica particular, com estatutos, usos, cos-
tumes. A cidade não é apenas um amontoado de pessoas, ruas, bairros. O complexo cultural
determina o que é típico de cada cidade e mais, de cada parte da cidade. Essas culturas são
transmitidas e aprendidas dentro dos respectivos grupos.
As formas de adaptação das pessoas à cidade fazem com que haja um processo de per-
manente interação. As interações são tantas que se fala em sobrecarga ou saturação. E ao
mesmo tempo em que há interação, é comum, nas cidades, que haja anonimato: as pessoas
têm mais liberdade de ação de modo que os freios exercidos pelas instâncias de controle so-
cial se afrouxam. As pessoas, nas cidades, se distanciam, são seletivas em seus processos
de aproximação, competem pelos escassos recursos da cidade, tudo isso resultando em uma
postura individualista que tem impacto na criminalidade.
Dentro dos bairros, dos quarteirões, dos edifícios, as pessoas se aproximam por serem
similares. Os vizinhos controlam, informalmente, as atividades uns dos outros, numa espécie
de polícia natural. Nas chamadas “regiões morais”, um grupo de habitantes se identifica. Em
cidades com muitos imigrantes, como era Chicago, havia áreas morais formadas por pessoas
de uma mesma raça ou origem, que ali vivem ou convivem (pode ser um local de residência ou
de encontro) de maneira segregada do restante da população. Há, por exemplo, regiões morais
de pobres, viciados, desajustados, criminosos.
3
FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de Chicago. São Paulo: IBCCRIM, 2002,
p.121 e ss.
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Teorias Sociológicas
Como as cidades são dotadas de mobilidade, há grande fluidez de pessoas pelas regiões,
o que tende e confundir e desmoralizar as pessoas, pois o controle social informal é tanto
menor quanto mais a pessoa se distancie de suas raízes. A mobilidade dificulta que a família,
a vizinhança, a igreja ou os grupos comunitários imponham inibições a condutas de vício, pro-
miscuidade e delinquência. Assim, a mobilidade está relacionada com criminalidade.
Os estudiosos de Chicago notaram que as taxas de doença mental estavam distribuídas
diferencialmente por bairro da cidade. Os bairros mais pobres apresentavam maiores taxas de
criminalidade e maiores índices de distúrbios mentais. As precárias condições das famílias,
a falta de intervenção estatal e as dificuldades de adaptação decorrentes da imigração e do
isolamento contribuíam enormemente para as altas taxas de insanidade mental.
A pessoa recém-chegada à cidade passa por um processo de desorganização social. Há
um sentimento de perda pessoal, rejeição de regras sociais, perda de raízes. A desorganização
social causa aumento de doenças, prostituição, insanidades, suicídios e crime.
Clifford Shaw é autor, também, de The Jack-roller: a delinquent boy’s own story. Shaw utiliza
o relato da história de vida (autobiografia) de um delinquente de Chicago, denominado Stanley,
que viveu em diferentes áreas de cidade. A ideia foi demonstrar como a vida em diferentes
áreas da cidade, convivendo com diferentes culturas, tinha impacto na criminogênese.
Por tudo isso, as propostas de Escola de Chicago para equacionar a questão criminal pas-
sam, necessariamente, por alterar as condições de vida nas cidades, sobretudo as condições
econômicas e sociais das crianças, diminuindo as condições para as carreiras delinquentes. O
enfoque da intervenção proposta pelos autores Clifford Shaw e Henry McKay no Chicago Area
Project era a maximização do controle social informal (famílias, vizinhanças, igrejas, clubes,
escolas). Deve haver macrointervenção na comunidade e reconstrução da solidariedade so-
cial. Os projetos devem ser feitos levando em consideração cada vizinhança e devem incluir
atividades recreativas, artesanais, culturais e melhorias nas condições sanitárias e de conver-
sação predial de alguns bairros e edifícios.
Como definitiva contribuição, a Escola de Chicago utilizou largamente os social surveys,
inquéritos sociais que consistem em interrogatório direto feito a um número considerado de
pessoas sobre itens criminologicamente relevantes. Trata-se de técnica empírica de observa-
ção da realidade até hoje utilizado largamente pela criminologia. Além disso, implicou toda
a comunidade no enfrentamento do crime. Alargou o objeto de estudo da ciência, para nele
incluir os mecanismos de controle social. Ademais, a Escola de Chicago propugnou uma inter-
venção preventiva e não repressiva.
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Émile Durkheim
Émile Durkheim foi um sociólogo francês do final do século XIX. Ele é considerado um dos
principais teóricos da anomia. Sua teoria sociológica considera que um ser vivo só pode ser
feliz e até mesmo viver se suas necessidades forem compatíveis com os meios para satisfa-
zê-las. No animal, o equilíbrio entre necessidades e meios depende de condições puramente
materiais: é o organismo, o corpo que dita quais são as necessidades (respirar, se alimentar, se
hidratar). No ser humano, a maioria das necessidades não depende do corpo. Afinal, para os
seres humanos, além do mínimo necessário para a sobrevivência, existe o desejo de condições
melhores, de situações de bem-estar. Esse apetite por conforto em algum momento tem que
encontrar limites, até mesmo porque desejos ilimitados são insaciáveis por definição e geram
um perpétuo estado de desconforto. E como esse limite não é dado pelo corpo, ele somente
pode vir da sociedade.
Para Durkheim, então, a força reguladora externa ao indivíduo que limita os desejos é a
sociedade, único poder moral superior ao indivíduo. A sociedade regula, ainda que nem sem-
pre por meio de norma jurídica, o máximo de bem-estar que cada classe social pode legitima-
mente procurar obter e cada um percebe vagamente o ponto extremo até onde podem ir suas
ambições. O contentamento com essas regras gera prazer de existir e viver. O trabalhador não
estará em harmonia com sua função social se não estiver convencido de que é mesmo aquela
a função que deve ter. Ou seja, essa disciplina que a sociedade exerce só é útil se for considera-
da justa pelos povos submetidos a ela, se for reconhecida como equitativa pela grande maioria
das pessoas.
Há momentos, explica Durkheim, em que a sociedade atravessa transformações. Nesses
transtornos, a sociedade perde a capacidade de exercer seu papel de freio moral. Não importa
se se trata de uma crise dolorosa ou de uma transformação boa, afortunada, com pujança
econômica. Em qualquer caso, como as condições de vida mudam, a escala segundo a qual
as necessidades eram reguladas já não pode permanecer a mesma. Leva tempo até que seres
humanos e coisas sejam novamente classificados pela consciência pública.
A anomia é esse estado de desregramento ou desintegração das normas sociais, produzin-
do uma situação de transgressão ou de pouca coesão4. São, por exemplo, aquelas situações
em que não se sabe quais as normas vigentes ou em que uma norma positivada deixa de ser
amplamente observada pela sociedade. Para Durkheim, o crime se torna um problema quando
existe uma situação de anomia. Caso contrário, o crime é um fenômeno relativamente normal.
Afinal, ele ocorre em todas as sociedades, de todos os tipos e muitos índices criminais vêm
aumentando significativamente ao longo da história social. Por isso, ele diz:
Não há fenômeno que apresente de maneira mais inconteste todos os sintomas da normalidade.
(...) Sem dúvida, pode ser que o crime tenha formas anormais; é o que ocorre quando, por exemplo,
ele atinge uma taxa exagerada5.
4
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Edipro, 2014, p. 249.
5
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Edipro, 2014, p. 82-83.
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Teorias Sociológicas
Para Durkheim, além de normal, o crime é útil. Para entender esse ponto é importante com-
preender suas ideias sobre a consciência coletiva, que é um conjunto de crenças e sentimen-
tos comuns à média dos membros de uma sociedade e que tem vida própria. A consciência
coletiva não é simplesmente a soma de todas as consciências individuais. Ela depende das
consciências individuais, mas não se confunde com elas. Nas sociedades arcaicas, em que as
pessoas diferem pouco umas das outras, existe uma solidariedade por semelhança, mecânica.
Nessas sociedades, os membros têm sentimentos parecidos e por isso diz-se que a consci-
ência coletiva abrange a maior parte das consciências individuais, ainda que com elas não se
confunda. Nas sociedades contemporâneas, os indivíduos são menos parecidos entre si. Cada
um age de acordo com sua liberdade de crença e ação. Aqui, Durkheim fala em solidariedade
orgânica. Nessas sociedades, a consciência coletiva tem sua amplitude reduzida. O crime é
útil porque permite que a consciência coletiva evolua.
O crime é, portanto, necessário; ele está ligado às condições fundamentais de toda vida social, mas
por isso mesmo, ele é útil. Pois estas condições são indispensáveis para a evolução normal da
moral e do direito. (...) A liberdade de pensar de que gozamos atualmente jamais poderia ter sido
proclamada, se as regras que a proibiam não tivessem sido violadas antes de serem solenemente
revogadas.6
Do mesmo modo como o crime é algo natural, a sanção também é algo normal. A função
da pena é satisfazer a consciência coletiva, ferida com o crime, mantendo intacta a coesão
social. Assim, o castigo do condenado age nas pessoas honestas, já que serve para curar a
ferida feita nos sentimentos coletivos que somente residem nos indivíduos corretos. Mas a
pena segue sendo, ao menos em parte, uma vingança, pois é uma reação passional institucio-
nalizada – e que reforça a coesão social.
Robert Merton
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Os objetivos são as metas, propósitos, interesses (Ex.: comprar uma casa; ter um carro;
viajar para o exterior todo ano). Eles são social e culturalmente ordenados em uma escala
de valores.
Os meios, por sua vez, definem, regulam e controlam as maneiras consideradas aceitáveis
para o atingimento dos objetivos (Ex.: trabalhar em troca de um bom salário para poder adquirir
seus bens; praticar fraudes).
Segundo Merton, os meios são sempre limitados pelas normas instituídas. Ou seja: nem
todas as maneiras de se atingir um objetivo são toleradas, lícitas.
Os objetivos culturalmente definidos e os meios considerados válidos pelas normas ins-
tituídas operam em conjunto. Mas a relação entre os objetivos e os meios é uma relação in-
constante. Às vezes, a cultura de uma sociedade coloca muita ênfase na importância de que
se atinja um certo objetivo, mas não fornece os meios correspondentes para que o êxito se dê.
Isso é particularmente visível nas situações em que a estrutura cultural impõe aos cidadãos
padrões de consumo e riqueza, mas a estrutura social não fornece condições para que os indi-
víduos enriqueçam ou consumam do modo como se espera.
Os objetivos e meios têm, entre outras, a função de fornecer uma base de previsibilidade e
regularidade do comportamento das pessoas em sociedade. Quando esses elementos estão
dissociados, a efetividade dessas funções fica limitada. No limite, quando a previsibilidade
das condutas num grupo social é minimizada, por esse espaçamento entre os objetivos e os
meios, está configurada a anomia, que também pode ser chamada de caos cultural.
Para lidar com os objetivos e meios, os indivíduos procedem a adaptações individuais, que
podem ser de cinco tipos7:
Conformidade + +
Inovação + -
Ritualismo - +
Retração - -
Rebelião ± ±
• Conformidade: os indivíduos se adaptam (+) aos objetivos culturais e (+) aos meios exis-
tentes. Quando temos uma sociedade estável, esse é o tipo mais comum de adaptação.
• Inovação: a ênfase cultural muito forte no objetivo de sucesso convida a esse tipo de
adaptação, que ocorre pelo uso de meios proibidos, porém efetivos, para se alcançar ao
7
MERTON, Robert K. On Social Structure and Science. Chicago: The University of Chicago Press, 1996, p. 139.
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menos um simulacro do sucesso, ou seja, riqueza e poder. Esses indivíduos aceitam (+)
a meta “sucesso”, mas não aceitam (-) se valer dos meios permitidos, regulados pelas
normas. Aqui reside um tipo de delinquência. É aqui, especificamente, que se fala em
anomia, como não aceitação das regras que limitam os meios para o alcance das metas.
• Ritualismo: os indivíduos abandonam ou diminuem gradualmente (-) as metas de suces-
so pecuniário e mobilidade social para um ponto em que podem ser atingidas; e, ao mes-
mo tempo, continuam obedecendo (+) quase compulsivamente às normas instituídas.
• Retração: esses indivíduos rejeitam (-) tanto os objetivos culturais como (-) os meios
instituídos. Eles abdicam dos objetivos estabelecidos pela sociedade e adotam compor-
tamentos em desacordo com as normas instituídas, de modo que estão em constante
escapismo da realidade. É o caso, segundo Merton, dos psicóticos, autistas, marginais,
mendigos, pedintes, alcóolatras crônicos, viciados em drogas.
• Rebelião: essas pessoas não aceitam a estrutura social reinante, mas imaginam e pro-
curam dar vida (±) a uma estrutura modificada. A rebelião envolve necessariamente
ação, transformação dos valores, também chamada de transvaloração. É uma espécie
de adaptação coletiva, em que se deseja instalar uma estrutura social onde haveria cor-
respondência entre mérito, esforço e recompensa.
Esse esquema de Robert Merton foi, posteriormente, ampliado e aprofundado por Talcott
Parsons, que, em 1951, criou a teoria do sistema social. Ele substituiu as duas variáveis de
Merton (objetivos e meios) por outras três duplas de fatores: atividade e passividade; predomí-
nio conformativo e predomínio alienativo; e orientação para objetos sociais e orientação para
normas. A combinação desses fatores ditará qual o tipo de resposta – delitiva por exemplo –
que uma pessoa dará a uma situação em que há uma perturbação no quadro de expectativas.
A teoria de Parsons é complexa e nunca foi cobrada em detalhes em provas. O que as bancas
cobram é que o candidato saiba que ela é uma teoria da anomia e, portanto, do consenso.
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classe social aprendem a conduta desviada e se associam com outras pessoas tendo por base
essa conduta. O processo de comunicação, que permite a aprendizagem, é fundamental para
a prática criminal.
Associação Diferencial significa, em resumo, se associar para aprender a fazer coisas dife-
rentes do que é a regra, ou seja, imitar alguém que é desviante, que comete crimes.
Segundo Sutherland, a pessoa se torna criminosa quando as definições favoráveis à viola-
ção da norma superam as definições desfavoráveis, tudo no âmbito de um processo de imita-
ção. Esse processo é tanto mais intenso quanto mais íntimas as relações estabelecidas pelo
indivíduo. As pessoas, então, interagem, aprendem umas com as outras, se associam, mas não
para seguir os padrões da sociedade, e sim para agir de modo diferente (praticando delitos).
Daí o nome associação diferencial.
Uma das causas fundamentais para a existência de associação diferencial é o conflito
cultural: na sociedade existem diversos grupos culturais, e a cultura criminosa pode prevalecer
por diversos fatores. Outra causa básica para o comportamento criminoso é a desorganização
social, que já havia sido bem explicada pela Escola de Chicago. Quando há desorganização
social, os mecanismos de controle social informal são precários em virtude da perda de raízes,
e isso pode facilitar a escolha pelo caminho do crime.
Sutherland elencou nove princípios da Teoria da Associação Diferencial:
1. A conduta criminosa se aprende, como qualquer outra atividade.
2. O aprendizado se produz por interação com outras pessoas em um processo de
comunicação.
3. A parte mais importante do aprendizado tem lugar dentro dos grupos pessoais íntimos.
4. O aprendizado do comportamento criminoso abrange tanto as técnicas para cometer o
crime, que às vezes são muito complicadas e outras, muito simples, quanto a direção específi-
ca dos motivos, atitudes, impulsos e racionalizações.
5. A direção específica dos motivos e impulsos se aprende de definições favoráveis ou
desfavoráveis a elas.
6. Uma pessoa se torna delinquente por efeito de um excesso de definições favoráveis à
violação da lei, que predominam sobre as definições desfavoráveis a essa violação.
7. As associações diferenciais podem variar tanto em frequência como em prioridade, du-
ração e intensidade.
8. O processo de aprendizagem do comportamento criminoso por meio da associação
com pautas criminais e anticriminais compreende os mesmos mecanismos abrangidos por
qualquer outra aprendizagem.
9. Se o comportamento criminoso é expressão de necessidades e valores gerais, não se
explica por estes, já que o comportamento não criminoso também é expressão dos mesmos
valores e necessidades.
Essas ideias foram importantes para demonstrar que o crime pode ser cometido por qual-
quer pessoa na sociedade, independentemente de fatores biológicos, de pobreza, de déficit de
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inteligência ou falta de inserção social. A teoria da associação diferencial foi a primeira a co-
locar o foco na criminalidade dos poderosos, estudando a forma distinta como a justiça penal
os tratava.
Como crítica, costuma-se delinear que a teoria de Sutherland não explicava por que, con-
vivendo no seio de uma mesma cultura, certas pessoas aprendiam ou optavam pelo com-
portamento criminoso, enquanto outras não. Ademais, a teoria da associação diferencial não
considerava, como relevantes para a prática de um crime, fatores impulsivos, ocasionais, pas-
sionais, calamitosos. Em casos onde esses fatores se apresentam, muitas vezes não há que
se falar em aprendizado, mas sim em reação isolada.
Sutherland cunhou a expressão crime de colarinho branco (white collar crime). Utilizou-a
por primeira vez em um discurso de 1939. Trata-se do crime cometido no âmbito da profis-
são por uma pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social. Em seu livro que leva esse
nome – Crime de colarinho branco: versão sem cortes –, ele analisa decisões da justiça e das
comissões administrativas relativas a 70 grandes empresas americanas para defender a tese
de que as pessoas da classe socioeconômica mais alta estão engajadas em muitos comporta-
mentos criminosos e que este comportamento criminoso difere do comportamento criminoso
da classe econômica mais baixa principalmente por conta dos procedimentos administrativos
– mais brandos – para lidar com os infratores. A diferença entre a criminalidade dos poderosos
e a criminalidade das pessoas mais pobres não é, no entanto, significativa do ponto de vista
da causação do crime: a razão pela qual os crimes são cometidos é a mesma, o aprendizado
somado a definições favoráveis à violação da lei8.
São crimes que, em geral, não podem ser explicados pela pobreza ou educação de má qua-
lidade. São, ademais, crimes difíceis de se detectar ou mesmo de se sancionar.
A própria população tem, em muitos momentos, dificuldade de classificar tais condutas
como criminosas. Há um sentimento de admiração e respeito aos grandes empresários, ban-
queiros, homens de negócio, políticos. É como se houvesse uma “imunidade do negócio”. A
concessão de prisão especial para os possuidores de diploma de nível superior costuma ser
citada como exemplo de imunidade do negócio.
Sutherland relatava que costuma haver, em relação aos crimes de colarinho branco, a pre-
visão de penas não muito elevadas e de penas pecuniárias e restritivas de direito em substi-
tuição à pena privativa da liberdade, pois o pensamento dominante é que os autores desses
crimes não precisam ser ressocializados, já que têm boa situação econômica e estão integra-
dos na sociedade.
Os efeitos dos crimes de colarinho branco costumam ser significativos, porém difusos.
Não é uma pessoa particular que sente o efeito danoso da conduta, e sim uma coletividade.
8
SUTHERLAND, Edwin H. Crime de colarinho branco: versão sem cortes. Rio de Janeiro: Revan, 2015, p. 33.
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Essa característica também contribui para a leveza das penas e para as baixas taxas de perse-
cução do crime.
Apesar de tudo isso, defende Sutherland, o crime do colarinho branco é, por diversas ra-
zões, um tipo de criminalidade organizada praticada pelos homens de negócio. É um tipo de
crime organizado porque são condutas deliberadas, com unidade relativamente consistente. É
uma criminalidade persistente, pois grande parte dos criminosos é reincidente. Mas os crimi-
nosos do colarinho branco não se veem como criminosos, até mesmo porque não são tratados
com os mesmos procedimentos oficiais destinados aos criminosos comuns; e porque, como
são oriundos de outra classe social, não se relacionam de forma pessoal e íntima com aqueles
que se definem como os criminosos típicos.
Cifras da Criminalidade
Vou falar um pouco sobre as cifras da criminalidade, porque o crime do colarinho branco
está intimamente relacionado com esse conceito. O conceito de cifras da criminalidade deriva
da percepção de quem nem todos os crimes chegam ao conhecimento das autoridades. Ao
lado da criminalidade real – isto é, da totalidade de delitos praticados – existe a criminalidade
revelada, ou seja, a parcela da criminalidade real que chega ao conhecimento do Estado.
Trata-se do chamado efeito de funil, também conhecido como mortalidade de casos crimi-
nais. Isso é natural e a criminologia reconhece que o processamento de todos os casos (total
enforcement) levaria à falência do próprio sistema penal.
Cifra Negra
Uma das consequências do efeito de funil é a existência da denominada cifra negra, aquela
parcela de crimes que não integra as contagens oficiais. São os crimes que não chegam ao co-
nhecimento das autoridades, pelas mais diversas razões. Quantas vezes, por exemplo, somos
assaltados ou furtados e deixamos de registrar ocorrência? Quando fazemos isso, estamos
inflando a cifra negra, que nada mais é, portanto, do que a diferença entre a criminalidade real
e a criminalidade revelada.
Os crimes do colarinho branco apresentam alta cifra negra, já que são delitos de difícil de-
tecção e punição. Outro tipo de delito que apresenta altíssimas taxas de subnotificação são os
crimes sexuais. Acredita-se que a diferença entre os crimes sexuais praticados e aqueles que
são comunicados chega a 90%. Às vezes a própria vítima sente vergonha e não denuncia; às
vezes a vítima quer denunciar, mas não se sente acolhida nos contatos com a polícia e acaba
desistindo de levar adiante seus relatos; às vezes a própria família acoberta o caso, para evitar
que se torne um escândalo, já que a maior parte dos crimes sexuais contra menores são co-
metidas por parentes próximos à vítima. Esses são apenas alguns exemplos de motivos que
estão na base desse descompasso entre a criminalidade real e a criminalidade conhecida.
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Por tudo isso, as estatísticas criminais não refletem a criminalidade real, mas apenas uma
parte dela, restando a cifra negra, oculta, difícil de decifrar. As pesquisas de vitimização, ou
seja, realizadas com a população em geral questionando se foram vítimas de algum crime,
procuram suprir essa lacuna.
Cifra Dourada
Cifra negra é o nome mais genérico para designar essa diferença entre a criminalidade
real e a criminalidade conhecida. Ao longo dos anos, subclassificações das cifras negras têm
aparecido. Já disse a você que os crimes do colarinho branco possuem alta taxa de subnoti-
ficação, porque são delitos de difícil detecção. Criou-se, então, um nome específico para essa
diferença entre criminalidade real e conhecida dos poderosos: é a chamada cifra dourada.
A cifra dourada diz respeito, portanto, aos delitos cometidos pelos poderosos que são
desconhecidos e ficam impunes. Pode-se dizer que ela é um subtipo da cifra negra. Quando
alguém dos altos estratos sociais comete um crime contra o sistema financeiro ou um crime
tributário, por exemplo, é possível que fique sem punição porque o sistema penal é desenhado
para selecionar a criminalidade de rua, cometida pelos pobres.
Obs.:
Já houve questões da Vunesp considerando que o conceito de cifra dourada equivale ao
conceito de crime do colarinho branco. Tecnicamente, não é isso, como acabamos de
ver. Aos crimes do colarinho branco (crimes dos poderosos cometidos no âmbito labo-
ral) que permanecem desconhecidos ou, segundo algumas definições, em relação aos
quais há uma indulgência do sistema persecutório penal, dá-se o nome cifra dourada.
Outras Cifras
• Cifra cinza: crimes que são de conhecimento das instâncias policiais, porém que não
chegam a virar um processo penal. São casos, por exemplo, solucionados pelos pró-
prios policiais em sua atividade rotineira; ou na própria delegacia de polícia; ou com a
renúncia da vítima ao direito de queixa ou representação. A cifra cinza demonstra que
as polícias têm papel conciliador de conflitos e é, nesse aspecto, dotada de muito poder,
pois exerce suas competências de tratar o fenômeno delitivo longe da supervisão direta
das instâncias que seriam as intervenientes subsequentes do sistema de persecução,
como ministério público, defensoria pública, poder judiciário.
• Cifra amarela: casos em que as vítimas sofreram algum tipo de violência praticada por
servidor público e deixaram, por temor, de denunciar o ilícito às unidades competentes
pela apuração.
• Cifra verde: delitos que têm por objeto o meio ambiente e que não chegam ao conhe-
cimento policial ou não são processados porque impossível tentar descobrir a autoria.
• Cifra rosa: crimes de caráter homofóbico que não chegam ao conhecimento das autori-
dades.
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Por ter focado na criminalidade juvenil dentro desses grupos de meninos, uma das críticas
mais frequentes que a teoria da subcultura recebe é exatamente a de não ter conseguido for-
necer uma explicação mais abrangente da criminalidade.
Robert Park
Ernest Burgess Desorganização social das grandes
Escola de Clifford Shaw cidades.
Chicago Henry McKay Controle social informal enfraquecido.
(1920-1930)
Émile Durkheim
Crime é normal e útil, a não ser quando
(fim séc. XIX)
Anomia ultrapassados certos limites.
Robert Merton
Descompasso entre meios e objetivos.
(1938)
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4. Teorias do Conflito
Antes de mais nada, vamos recordar que os teóricos do conflito partem do pressuposto de
que há força e coerção na sociedade. Somente existe ordem porque há dominação de uns e
sujeição de outros. A sociedade está sempre sujeita a processos de mudança e cada elemento
da sociedade contribui, de certa forma, para sua desintegração. Para essas teorias, o crime faz
parte da luta pelo poder.
As teorias do conflito alteram profundamente a maneira de pensar as questões crimino-
lógicas. Alessandro Baratta, um dos principais teóricos da Criminologia crítica, explica que a
Criminologia consensual tradicional (e o Direito Penal) sempre se baseou em duas ideias: o
princípio do interesse social e o princípio do delito natural.
Para o princípio do interesse social, o núcleo central dos delitos previstos nos códigos re-
presenta ofensa aos principais interesses fundamentais da sociedade. A ideia de delitos natu-
rais defende a existência de crimes contra os quais toda sociedade civilizada se defende, inde-
pendentemente de época ou cultura. Assim, para a ideologia penal oficial e para a Criminologia
tradicional, a criminalidade é uma qualidade objetiva, ontológica de certos comportamentos.
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As teorias do conflito possuem forte tradição nos Estados Unidos, sobretudo em virtude
do contexto social de pós-guerras, em que disputas internas (raciais, de classe, de desempre-
go, de marginalização, estudantis, feministas) assumiram prevalência se comparadas a con-
flitos externos. Elas partem do pressuposto da existência, na sociedade, de uma pluralidade
de grupos e subgrupos que, eventualmente, apresentam discrepâncias em seus valores. Para
as teorias do conflito, portanto, a sociedade não é monolítica, unitária. Ela está em constante
mudança, cenário que é decorrente de visões diferentes de uma mesma situação por grupos
antagônicos que coexistem.
Assim, para as teorias do conflito, não é o contrato social que garante a manutenção do
sistema e que faz com que os grupos sociais evoluam. Esses papeis devem ser – e são –
atribuídos ao conflito. É, portanto, o conflito que promove as alterações necessárias para o
desenvolvimento dinâmico da sociedade. Por isso, diz-se que essas teorias são progressistas,
e não conservadoras.
Os teóricos do conflito demonstram, por exemplo, que o sistema penal trata os suspeitos
de forma diferenciada com base em sua raça, etnia ou classe social, já que a sociedade não
é hegemônica e que os agentes do controle social e outros grupos poderosos podem impor
definições de desvio que atendem a seus objetivos9.
Os principais postulados da Criminologia conflitual são:
• A ordem social da sociedade industrializada não tem por base o consenso, mas sim o
conflito;
• O conflito não é patológico, senão a expressão da própria estrutura e dinâmica da mu-
dança social;
• Os interesses protegidos pelo direito penal não são interesses comuns a todos os cida-
dãos;
• O Direito representa os valores e interesses das classes ou setores sociais dominantes;
• O crime é uma reação à desigual e injusta distribuição de poder e riqueza na sociedade;
• A criminalidade é uma realidade social criada por meio do processo de criminalização;
• A criminalidade e o direito penal têm natureza política.
Com esses postulados, já adiantamos como pensam as escolas do conflito. Vamos, agora,
analisar especificamente cada uma delas. Ao final da aula, falarei brevemente sobre a Crimino-
logia cultural, que é um desenrolar mais contemporâneo da Criminologia crítica e que começou
a aparecer em algumas provas.
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• teoria da rotulação;
• teoria do etiquetamento;
• teoria da reação social;
• teoria interacionista;
• interacionismo simbólico.
Você deve estar lembrado(a) de que, ao longo das nossas aulas, venho falando pouco a
pouco dessa teoria. Já na nossa primeira aula, eu disse que o controle social formal se conso-
lidou como objeto da Criminologia justamente em virtude dessa escola, que floresceu a partir
dos anos de 1960, nos Estados Unidos.
Rompendo com o ideal consensual de sociedade, o labelling propugnava que estudar a
realidade social implicava estudar os processos de interação individual ocorridos no seio da
própria sociedade. Isto é, não se pode compreender o crime prescindindo do entendimento
da própria reação social. Por isso se diz que um dos postulados da teoria é o interacionismo,
ou interacionismo simbólico, ou construtivismo social. A desviação não é uma qualidade in-
trínseca da conduta, mas um atributo que lhe é conferido por meio de complexos processos
de interação social. É decisivo, então, para compreender o crime, analisar como funcionam os
mecanismos sociais que atribuem o status de delinquente a alguém.
Conforme os teóricos interacionistas, para cada uma das ações desviadas é possível en-
contrar inúmeras ações similares que não serão rotuladas de criminosas, por não serem leva-
das em consideração ou por não se apresentarem de maneira evidente como desviadas. Dian-
te de cada fato, as instituições atuam como filtros, definindo sua natureza. Frente às condutas
humanas, portanto, as agências formais de controle social atuam como uma grande peneira, a
separar quais devem ser etiquetadas como criminosas e quais não merecem o rótulo.
Assim, o labelling approach reconhece o caráter constitutivo do controle social formal, con-
siderado instrumento seletivo e discriminatório. Deixa-se de questionar por que um indivíduo
comete crimes, e passa-se a indagar a razão de certa conduta ser etiquetada com o rótulo de
desviada. O labelling approach abandona o paradigma etiológico (busca da causa do crime),
substituindo a busca das causas da criminalidade pela análise das reações das instâncias
oficiais de controle social. Nesse questionamento, as agências de controle social adquirem
enorme importância e passam a ser estudadas criteriosamente. Se hoje é comum que haja
capítulos sobre a polícia, o Ministério Público, as instituições prisionais, o sistema judiciário
nos livros e manuais de Criminologia, isso, em grande parte, deve-se ao paradigma de controle
inaugurado pelo labelling approach, que tanto valor atribuiu aos respectivos papéis na consti-
tuição do delito.
O labelling defende que os estudiosos defendem a adoção da introspecção simpatizante,
isto é, a aproximação da realidade criminal para compreendê-la a partir do ponto de vista do
delinquente, tentando entender qual é o seu ponto de vista.
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Howard Becker
Obs.: Os interacionistas, como Becker, evitam termos tradicionais como crime, criminoso,
bandido, dada a carga valorativa pejorativa que possuem. Preferem utilizar a nomen-
clatura deviance, que podemos traduzir como desviação. A conduta desviante é criada
pela sociedade, ao reagir a certas práticas, rotulando-as.
Em seu livro Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance, de 1963, Becker relata o resul-
tado da análise de grupos de usuários de maconha e de músicos de jazz que fez na década de
1950. Ele explica que todos os grupos sociais constroem suas próprias regras. A pessoa que
quebras essas regras não é aceita como membro de um grupo. Ela é considerada uma estra-
nha, ou melhor, é etiquetada como outsider, e começa, a partir daí, a sofrer um processo de es-
tigmatização. O quanto alguém é considerado um outsider varia de caso a caso. Por exemplo:
uma pessoa que infringe as regras de trânsito é, em geral, menos outsider que um assassino
ou estuprador.
Becker defende que quando perguntamos “por que alguém quebra as regras?” ou ainda “O
que essas pessoas têm de especial que as leva a fazer coisas proibidas?”, estamos: aceitando
que há algo inerentemente desviante nesses atos que quebram as regras; partindo do pressu-
posto de que essa pessoa possui características que a levem a fazer isso; e, mais do que tudo,
aceitando os valores do grupo que faz o julgamento. Ao fazer isso, podemos deixar de fora
uma variável importante, que é exatamente esse processo de julgamento.
As regras são o produto da iniciativa de alguém e Becker denomina essas pessoas moral
entrepreneurs, ou seja, empreendedores morais, e aí se encaixam tanto aqueles que fazem as
regras como aqueles que as aplicam.
Dentre os criadores de regras existem os reformistas de cruzada moral (moral crusading re-
former ou moral crusader). Aqui, ele emprega o termo cruzada referindo-se às cruzadas medie-
vais em nome de Deus. Esses reformistas, explica Becker, estão preocupados com um mal (o
crime), que tem que ser eliminado a todo preço. Eles acreditam que a missão deles é sagrada
e querem, a todo custo, forçar a moral deles para outros grupos de pessoas. Nesse processo,
preocupam-se mais com os fins do que com os meios. É comum que os reformistas requeiram
o serviço de um profissional que possa redigir e embasar apropriadamente uma minuta de
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projeto de lei. Becker cita especificamente que juristas costumam fazer esse papel e que cada
vez se torna mais comum que psiquiatras sejam empregados em alguma parte do processo. O
reformista moral passa essa parcela técnica do trabalho – que não lhe interessa – nas mãos
dos outros, e parte para a descoberta de um novo mal que ele possa resolver. Ele se torna um
descobridor profissional de erros a serem corrigidos, de situações que necessitam de novas
leis. Os crusaders que têm sucesso, criam novas regras e, com isso, novos grupos de outsiders.
Dentre os aplicadores da lei (rule enforcer), temos a força policial, que é o resultado final
de uma cruzada moral. A existência de leis a serem aplicadas dá aos policiais um trabalho,
uma profissão. Então, a polícia dedica-se a demonstrar que o problema de infrações às leis de
fato existe e é um problema sério. Eles insistem muito na existência do problema, já que isso
fornece uma boa razão para a manutenção da posição que eles ocupam. No trabalho policial,
é importante ganhar respeito da população e isso, explica Becker, significa que uma pessoa
pode ser etiquetada como desviante não por ter efetivamente desrespeitado uma lei, mas por
ter mostrado falta de respeito com os policiais. Existe uma enorme margem de discricionarie-
dade no trabalho policial: o policial estabelece prioridades, pois sabe que não pode lidar com
o todo o mal que encontra. Assim, os enforcers aplicam as leis e criam outsiders de maneira
seletiva. Para que uma pessoa que cometeu uma desviação seja etiquetada como desviante,
muitos fatores estranhos ao seu comportamento são levados em consideração, tais como: se
o policial acha que deve agir naquele momento; se o ofensor mostrou deferência ao policial; se
o desviante conta com a ajuda de algum facilitador (um advogado ou um parente influente, por
exemplo); se o policial tem aquela conduta em sua lista de prioridades etc.
Nos grupos e organizações, explica Becker, existe conflito político. As decisões sobre quais
regras devem ser criadas, quais condutas devem ser consideradas desviantes e quais pessoas
devem ser etiquetadas como outsiders são, em sua visão, decisões políticas.
Por tudo isso, ele entende que a desviação é criada pela sociedade. Vamos ver textualmen-
te o que ele diz, em tradução livre:
Essa visão sociológica que eu acabei de discutir define a desviação como a infração de regras sobre
as quais há acordo. (...) Parece-me que essa suposição ignora o fato central sobre a desviação: ela
é criada pela sociedade. E eu não quero dizer com isso aquilo que é normalmente compreendido, ou
seja, que as causas da desviação estão localizadas na situação social do desviante (...). Ao contrá-
rio, eu quero dizer que os grupos sociais criam a desviação fazendo regras cuja infração constitui a
desviação, e aplicando essas regras para pessoas em particular e etiquetando-as como outsiders. A
partir desse ponto de vista, a desviação não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma
consequência da aplicação, pelas outras pessoas, de regras e sanções para um ofensor. O desviante
é alguém em quem aquela etiqueta foi aplicada com sucesso; o comportamento desviante é um
comportamento que é assim etiquetado pelas pessoas10.
Assim, se a desviação é uma consequência da resposta dos outros ao ato de alguém, não
podemos supor que haja homogeneidade no grupo dos etiquetados como desviantes. Nem
todos que foram etiquetados, infringiram uma regra. E nem todos os que quebraram regras, fo-
10
BECKER, Howard S. Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. Nova Iorque: The Free Press, 1963, p. 9.
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ram etiquetados. Não é possível, então, ficar procurando traços de personalidade ou situações
de vida que expliquem a desviação. O importante, para Becker, é entender a desviação como
o produto de uma transação que ocorre entre um grupo social e aquele que é visto por esse
grupo como um transgressor (rulebreaker).
No processo de estudo da desviação, não devemos encará-la como algo depravado ou
como algo muito diferente das demais condutas. A desviação é apenas um tipo de compor-
tamento que algumas pessoas desaprovam, enquanto outras valorizam. O correto é tentar
entender o processo pelo meio do qual ambas perspectivas são construídas e mantidas, e aí
reside a importância de manter contato próximo com os objetos de estudo.
Para Becker, as pessoas de classe média com padrão mínimo de bem-estar e conforto não
seguem os impulsos criminais que todos têm porque elas teriam muito a perder: os laços es-
treitos com amigos e parentes; o emprego; a carreira estudantil; o conforto. Quem, no entanto,
não tem muito a perder, pode se arriscar.
E praticado o ato inicial, explica Becker, começam as cerimônias degradantes, que são
processos desmoralizantes a que é submetido o réu e que atingem sua autoestima. Tem iní-
cio, também, o processo de estigmatização. A sociedade seleciona essa etiqueta – criminoso,
ladrão – para designar o indivíduo, mesmo que ele só tenha gastos alguns minutos da sua
existência praticando o crime.
Estigmatizado e segredado da sociedade, o delinquente se aproximará de outros crimino-
sos e acabará se identificando com eles pela situação de vida em que se encontram. Começa,
então, o processo de desviação secundária: novos atos desviantes são cometidos como fruto
do processo de reação social à desviação primária. O agente mergulha no papel de delinquen-
te, num processo que se chama de role engulfment, e tem início sua carreira criminal. A profe-
cia se autocumpre: tanto diziam que ele era um criminoso, que agora de fato o é.
Becker demonstra que os estudos interacionistas fazem com que os sociólogos percebam
que um grupo muito maior de pessoas e eventos têm que ser levados em consideração no
estudo da desviação. Nesse sentido, a desviação é um ato coletivo. É preciso, diz ele, estudar
o acusado, mas também o acusador. É preciso considerar que há pessoas, situações ou atos
suficientemente poderosos ou legitimados a impor definições (a colar as etiquetas). E ao fazer
isso, ou seja, ao tornar os empreendedores morais objetos de estudo, os estudos interacionis-
tas violam a hierarquia de credibilidade da sociedade, pois questionam o monopólio da verda-
de sobre a desviação. É mais ou menos como se, pela primeira vez, a Criminologia colocasse
em dúvida a palavra da Polícia, do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Administração
Penitenciária. Por isso, diz-se que o labelling inaugura um paradigma novo na Criminologia,
aquilo que em nossa terceira aula chamamos de Modelo da Reação Social.
Erving Goffman
Outro nome de peso no labelling approach é o do canadense Erving Goffman, que realizou
suas pesquisas nos Estados Unidos. É autor, entre outros, de Estigma: Notas sobre a Manipula-
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Implicações Político-Criminais
11
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 271.
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William Chambliss
William Chambliss é o principal nome da Criminologia Crítica nos Estados Unidos. Autor
de Law, Order and Power, de 1971, foi ao mesmo tempo pioneiro e sistematizador da Crimi-
nologia Crítica em seu país. Resumidamente, Chambliss explica que as ciências sociais são
dominadas por duas grandes perspectivas de trabalho: o modelo funcional, ligado ao trabalho
de Durkheim, e o modelo dialético, derivado da obra de Karl Marx.
Para a visão funcionalista, o crime ofende a moralidade do povo, mas é útil porque une e
concentra as consciências íntegras. Assim, o crime estabelece e preserva os limites morais da
comunidade. É o típico pensamento de Durkheim.
Para a visão dialética, os atos são criminosos porque é do interesse da classe dominante
assim defini-los. A rotulação de pessoas como criminosas serve aos interesses da classe do-
minante. É o típico pensamento derivado de Karl Marx.
Para compreender qual modelo explica mais corretamente a distribuição do comporta-
mento criminoso, Chambliss analisa e compara a aplicação de leis criminais na Nigéria e nos
Estados Unidos, países que herdaram o direito consuetudinário britânico. Ele utiliza o método
de observação participante e de aplicação de entrevistas de informantes de todo os aspectos
do direito criminal: criminosos, prostitutas, policiais, empresários, servidores públicos etc.
Analisando especificamente dados de Ibadan (Nigéria) e Seattle (EUA), ele percebe que em
ambos os países muitas leis são sistematicamente violadas impunemente por aqueles que
detêm os recursos políticos e econômicos da sociedade.
Em Ibadan, a sistemática de suborno e propinas era virtualmente universal e contribuía de-
cisivamente para o florescimento de um grande e altamente lucrativo comércio de vícios, como
jogatina, prostituição e bebida. Quadrilhas de ladrões profissionais operavam impunemente
em virtude de suas ligações com a polícia. No gueto do grupo étnico Hausa, por exemplo, havia
poucas prisões, não obstante a existência dos mais eficientes grupos de ladrões profissionais.
Um sistema individual de pagamento de extorsões estava em funcionamento. Ia preso, na Ni-
géria, quem não dispunha de dinheiro ou influência política para eliminar a acusação criminal.
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Teorias Sociológicas
A mais óbvia conclusão é que esses sistemas de aplicação da lei não eram organizados para reduzir
o crime ou para reforçar a moralidade pública. Eles eram antes organizados para dirigir o crime pela
cooperação com os grupos mais criminosos e aplicando as leis contra aqueles cujos crimes eram
uma ameaça mínima para a sociedade. Fazendo isto, os aplicadores da lei acabam como produto-
res do crime. Por prometer lucros e segurança àqueles criminosos que se envolvem em atividades
criminosas organizadas, das quais os sistemas políticos e legais podem se beneficiar, as práticas
da aplicação da lei produzem o crime por selecionar e encorajar a perpetuação das carreiras crimi-
nosas.12
Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, em seus livros A nova Criminologia, de 1973, e Crimi-
nologia crítica, de 1975, criticam as posturas tradicionais da Criminologia do consenso. Defen-
dem que o fenômeno criminal depende do modo de produção capitalista: a lei penal nada mais
é do que uma superestrutura dependente da infraestrutura do sistema de produção. O direito
não é uma ciência, mas uma ideologia que deve ser analisada no contexto de luta de classes.
Aceitar a definição burguesa de crime equivale a aceitar a ficção da neutralidade do direito.
A sociedade criminaliza atividades desenvolvidas a partir das contradições de sua eco-
nomia política. Por isso, é necessário superar a Criminologia Fabiana, ou o Fabianismo da
Criminologia.
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Taylor, Walton e Young explicam que a meritocracia é uma falácia, porque as pessoas par-
ticipam do jogo capitalista com fortes desigualdades de acesso. O Fabianismo, criticam eles,
reconhecia isso, mas, em lugar de tentar destruir esse sistema, empenhava-se em racionalizar
a meritocracia, tentando dar condições iguais de acesso ao jogo capitalista. Para eles, o Fabia-
nismo tentou o impossível: criar uma sociedade verdadeiramente meritocrática sem transfor-
mar as relações de propriedade que trabalhavam continuamente para obstruir o igualitarismo
competitivo. Nessa tentativa de conceder igualdade de condições, o Partido Trabalhista inglês,
na época do pós-guerra, engajou-se em compromissos de bem-estar social e recrutou, para
isso, exércitos da classe média, como peritos, professores e assistentes sociais. As agências
de assistência social proliferavam, com a missão de ajudar aqueles cuja vida familiar os inca-
pacitasse de participar na luta meritocrática. A preocupação primária era atacar a privação e
os fatores sociais e ambientais, que estavam, aliás, na base da criminalidade.
Ocorre que essas agências de saneamento (as instituições de assistência social) se valiam
de tratamentos que, apesar de descritos como de interesse do próprio cliente, resultavam em
espirais de rotulações espúrias, posterior internamento e canalização irreversível de indivíduos
em direção a carreiras na prisão, em hospitais psiquiátricos e em áreas marginais. Ou seja, a
assistência social refletia a ideologia da cúpula: é necessário estimular o ajuste, encorajar a boa
cidadania. Com isso, a assistência social ajudava a canalizar contingentes da população rumo
a carreiras na prisão. Segundo Taylor, Walton e Young, a Criminologia ortodoxa dessa época
era uma tentativa de corrigir e controlar os piores excessos de um sistema judicial conservador
punitivo e repressivo, com melhoramento do ambiente e fortalecimento da assistência social.
A Criminologia tradicional, portanto, chancelava o sistema judicial, sem tentar alterá-lo.
A Criminologia Crítica, por sua vez, é uma tentativa de realçar os excessos do sistema
de controle social que substitui cuidado por punição. Não se trata, nesse novo enfoque, de
dar condições de igualdade para jogar o jogo meritocrático. O enfoque radical é um enfoque
materialista, ou seja, de uma Criminologia que esteja normativamente comprometida com a
abolição de desigualdades em riqueza e poder e de uma sociedade em que não se criminalize
tudo aquilo que é diferente. É preciso questionar não somente as causas dos crimes, mas tam-
bém as causas das normas. Ser radical, explicam eles, é compreender as coisas pela raiz, e o
homem é inseparável da sociedade em que vive.
É central, na Criminologia Crítica, parar de aceitar o sistema legal sem questionamentos. É
fundamental compreender como as autoridades se tornam autoridades e como elas transfor-
mam legitimidade em legalidade.
Alessandro Baratta
Alessandro Baratta foi um filósofo, sociólogo e jurista italiano. Seu pensamento, em grande
parte desenvolvido na Alemanha, onde recepcionou a teoria o labelling approach, é central para
a Criminologia Crítica e, posteriormente, para as teorias de direito penal mínimo. Em 1982, pu-
blicou Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal.
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Nesse livro, ele defende que o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo
de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo. Para ele, a luta por uma socieda-
de democrática e igualitária passa pela superação do sistema penal.
Ele retoma a ideia de que a história do sistema punitivo é a história das relações entre ricos
e pobres. Na sociedade capitalista, há uma drástica repartição desigual de acesso aos recur-
sos e às chances sociais. A mobilidade social é um mito: raramente as pessoas das classes
mais baixas conseguem ascender.
O sistema escolar – assim como o sistema penal – ajuda a refletir a estrutura vertical e
hierarquizada da sociedade. As sanções escolares negativas, tais como repetição de anos, no-
tas baixas em provas, expulsões etc., são muito maiores quando se desce aos níveis inferiores
da escala social. Começa-se a perceber que as técnicas de seleção baseadas em testes de
coeficientes de inteligência ou no conceito de mérito não são neutras. Afinal, os alunos prove-
nientes de classes mais baixas têm enorme dificuldade de se adaptar ao mundo escolar, que
é estranho a eles, em função, por exemplo, do uso de regras de comportamento e linguagem
bastante diferentes das normas de seus grupos de origem. E aí, diante dessas dificuldades,
advêm sanções negativas que refletem o quanto a escola é um instrumento de transmissão da
cultura dominante.
Os professores partem, ainda que inconscientemente, de estereótipos e preconceitos no
dia a dia de contato com alunos de grupos marginalizados. Algumas pesquisas têm demons-
trado que a cota de erros desconsiderados pelo professor é menor no caso de maus alunos
que no caso de bons alunos. Ou seja, aquele aluno que tem dificuldade de se adaptar e é con-
siderado um mau aluno, é tratado com mais rigor nas correções.
Além disso, o fenômeno da profecia autocumprida do labelling approach – também conhe-
cida como self-fullfilling profecy – se aplica ao mundo escolar.
Assim, os alunos que vêm de classes sociais marginalizadas encontram um ambiente for-
mado por pessoas que os encaram com estigmas e preconceitos. Desse modo, entendem que
há uma expectativa para que eles sejam maus alunos e que essa expectativa determina, de
largada, o comportamento.
Confirmada a expectativa, o mau aluno sofre com o distanciamento de colegas, que pas-
sam a rejeitá-lo e a isolá-lo. E a maioria dos alunos, que segue os modelos de comportamento,
se sente integrada e coesa, distante desses maus exemplos.
Seguindo essa lógica, a escola não facilita a mobilidade social. Ao contrário, ela ajuda a
diferenciar as classes, econômica e socialmente.
A ideia central de Baratta é demonstrar que o sistema escolar e o sistema penal são com-
plementares e ajudam a reproduzir e assegurar as relações sociais verticalizadas. Ambos os
sistemas criam contraestímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do
proletariado.
Baratta utiliza os conceitos de criminalização primária e secundária para explicar o proces-
so seletivo de criminalização. A criminalização primária é o ato de aprovar ou sancionar uma
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lei penal que tipifica condutas. A criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre
pessoas concretas.
A criminalização primária – as leis penais em abstrato – reflete o universo moral próprio da
cultura burguesa individualista, dando total ênfase ao patrimônio privado e se orientando para
atingir as formas de desvio dos grupos marginalizados. Os crimes dos poderosos – como os
crimes do colarinho branco – tendem a ficar impunes até mesmo em razão da fragmentarieda-
de do direito penal, que não é neutra.
A fragmentariedade do direito penal segue uma lei de tendência, que leva a preservar da
criminalização primária as ações antissociais realizadas por integrantes das classes sociais
hegemônicas ou que são mais funcionais às exigências do processo de acumulação do ca-
pital. Criam-se, assim, zonas de imunização de condutas cuja danosidade se volte contra as
classes subalternas.
Já os processos de criminalização secundária – punição no caso concreto – desenrolam-
-se de uma maneira muito parecida com aquela que narrei ao falar do professor e seus maus
alunos oriundos das classes mais baixas: preconceitos e estereótipos guiam a ação dos re-
presentantes das agências de controle social formal. Policiais, delegados, promotores e juízes
procuram a verdadeira criminalidade naqueles estratos sociais em que é normal encontrá-la.
A pessoa etiquetada com o rótulo de criminosa tem a sua identidade social alterada. Ele não
é visto mais da mesma maneira e nem se vê mais do mesmo modo. Fica muito fácil que se
instale, então, a delinquência secundária (reincidência) e que nasça uma carreira criminosa.
Baratta relembra o conceito de sociedade dividida de Dahrendorf: só metade da sociedade
extrai de seu seio os juízes e eles têm, diante de si, predominantemente indivíduos provenien-
tes da outra metade. A justiça, então, não é neutra. Existe uma justiça de classe: a distância lin-
guística separa julgadores e julgados; e a menor possibilidade de desenvolver um papel ativo
no processo e de se servir do trabalho de advogados prestigiosos desfavorecem os indivíduos
das classes mais baixas.
Os juízes desconhecem a vida das pessoas marginalizadas e são incapazes de compre-
ender as nuances de um cotidiano de pobreza. Muitos dos julgamentos ocorrem com base
no senso comum. Ou seja, os juízes tendem a esperar um comportamento conforme à lei dos
indivíduos pertencentes aos estratos médios e superiores e condutas contrárias à lei de indiví-
duos provenientes de estratos inferiores. E tendem, ademais, a aplicar mais penas detentivas
em desfavor dos marginalizados, pois considera-se que ela é menos comprometedora para o
status social já baixo dos pobres do que se comparamos à sua aplicação, por exemplo, a um
acadêmico. Essa tendência de julgar conforme o senso comum é chamada, por alguns auto-
res, de teoria de todos os dias.
Voltando aos pressupostos do labelling com que iniciamos nossa aula, Baratta usa a ideia
de que as instâncias de controle social formal criam a criminalidade, constituem o delito e que,
nesse processo, selecionam a população carcerária nos estratos mais baixos da população.
A desigual distribuição de definições criminais – muito maior entre os pobres e muito menor
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entre os ricos – ocorre não de maneira fortuita, mas seguindo regras próprias, que Baratta
chama de second code. Esse segundo código social, portanto, revela que o direito penal de-
senvolve um importante papel de reprodução das relações sociais, especialmente na circuns-
crição e marginalização de uma população criminosa recrutada nos setores mais débeis do
proletariado.
Essas ideias todas questionam a neutralidade do direito, demonstram a importância que a
estigmatização produz no indivíduo e colocam em xeque a função educativa da pena.
No mundo criminal, mais uma vez tem o lugar o fenômeno da profecia autocumprida, de
que tanto falou a teoria do labelling approach. A expectativa de criminalidade dirigida aos gru-
pos mais marginalizados faz com que, ainda que haja a mesma quantidade de condutas ilí-
citas nos diferentes estratos sociais, elas sejam mais facilmente detectadas e punidas nos
estratos mais baixos da sociedade.
O sistema penal age, então, de forma bastante similar à da escola, reproduzindo a estra-
tificação e operando no sentido de mantê-la. Por isso a existência, em diferentes países, de
mecanismos de internação de menores delinquentes e por isso, também, o intercâmbio entre
internos dessas instituições e dos presídios. São a mesma população, submetem-se à mesma
lógica. Apesar de as instituições de internação de menores infratores pretenderem ressocia-
lizar, não é isso que ocorre. A cada sucessiva passagem do menor por uma instituição de as-
sistência corresponde um aumento, em lugar de diminuição, das chances de ser selecionado
para uma carreira criminal.
Os efeitos da intervenção estatal nos criminosos são tão determinantes que, aqueles que
foram submetidos às instâncias de controle social formal (investigados, processados, presos,
condenados) revelam uma criminalidade secundária mais alta do que aqueles que puderam se
subtrair a essa intervenção.
Baratta é absolutamente crítico do cárcere. Ele diz que têm se mostrado infrutíferas as
tentativas de socialização e de reinserção através dessas instituições. Os institutos de deten-
ção são o momento culminante do mecanismo de marginalização. Neles, chamam a atenção
o constante regime de privações a que são submetidos os condenados e o processo negativo
de socialização. Trata-se de um processo de socialização em que há:
• desculturação, isto é, desadaptação às condições necessárias para a vida em liberdade; e
• aculturação ou prisionalização, que é a assunção de atitudes e modelos de comporta-
mento típicos da subcultura carcerária. Na prisionalização, que também pode ser cha-
mada de prisionização, o condenado é educado tanto para ser um criminoso (copiando
os criminosos com forte orientação antissocial) como para ser um bom preso, passivo,
conformista e oportunista.
A educação para ser um bom preso acaba se tornando o verdadeiro objetivo da instituição,
enquanto a função educativa real é excluída desse processo.
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batalha cultural e ideológica para reverter a hegemonia cultural e desenvolver, com crítica ide-
ológica, produção científica e informação, uma consciência alternativa sobre a criminalidade.
Vamos falar agora e no próximo item de autores que escreveram obras fundamentais para
o pano de fundo da Criminologia Crítica. O livro dos alemães Rusche e Kirchheimer, Punição
e Estrutura Social, foi escrito entre 1938 e 1939, mas somente foi “descoberto” na década de
1970. Ele foi fundamental para o livro que abordaremos no próximo item (Vigiar e Punir, de
Michel Foucault).
Georg Rusche foi o primeiro pensador marxista a sistematizar a questão criminal e a ana-
lisar historicamente as relações entre condições sociais, mercados de trabalho e sistemas
penais. O livro foi complementado por Kirchheimer após a morte de Rusche.
Eles demonstraram que, no século XV, com mão de obra abundante, o sistema penal se
dirigia contra as massas empobrecidas, com execuções, mutilações e açoitamentos.
No mercantilismo dos séculos XVI e XVII, nasce a exploração da mão de obra na prisão,
pois havia escassez de trabalhadores. Nascem leis que punem a vadiagem e que tornam úteis
os camponeses expulsos das terras. A pena de degredo auxilia países na colonização de ter-
ras “descobertas” e a pena de galés (trabalho forçado) demonstra grande funcionalidade. As
casas de correção começam a ser lucrativas, pois conjugam nenhum ou baixos salários ao
adestramento de trabalhadores desqualificados.
Com a Revolução Industrial do século XVIII, surge o processo de acumulação de capital,
caracterizado por exploração intensa de mão de obra e miséria da classe trabalhadora. O capi-
talismo gera um exército de reserva e o mercado se encarrega de oprimir as pessoas.
No século XIX, com o crescimento da rebeldia popular, das revoluções e dos delitos contra
a propriedade, a prisão se converte na pena mais importante de todo o mundo ocidental. Rus-
che e Kirchheimer demonstram que as prisões são uma forma especificamente burguesa de
punição, que se disseminam com a passagem para o capitalismo. A construção da ideologia
burguesa de trabalho é acompanhada pelo surgimento de uma concepção burguesa de tempo,
que tornará possível o princípio fundamental da proporcionalidade da pena.
Eles defendem que:
O sistema penal de uma dada sociedade não é um fenômeno isolado sujeito apenas às suas leis
especiais. É parte de todo o sistema social, e compartilha suas aspirações e seus defeitos. A taxa de
criminalidade pode de fato ser influenciada somente se a sociedade está numa posição de oferecer
a seus membros um certo grau de segurança e de garantir um nível de vida razoável. A passagem de
uma política penal repressiva para um programa progressista de reformas pode, então, transcender
o mero humanitarismo para tornar-se uma atividade social verdadeiramente construtiva. (...) A futili-
dade da punição severa e o tratamento cruel podem ser testados mais de mil vezes, mas enquanto
a sociedade não estiver apta a resolver seus problemas sociais, a repressão, o caminho aparente-
mente mais fácil, será sempre bem aceita.13
13
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 282.
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Michel Foucault
Michel Foucault foi um filósofo francês que, em 1975, lançou Vigiar e punir: Nascimento da
Prisão. É um estudo sobre a evolução histórica do cárcere e da legislação penal. Seu pensa-
mento surge na mesma época em que a Criminologia Crítica se desenvolvia e apresenta, com
ela, bastante conexão. A obra de Foucault foi uma das responsáveis por descobrir o pensa-
mento de Rusche e Kirchheimer.
As bancas gostam muito de fazer perguntas sobre o pensamento de Foucault. E mais, as per-
guntas sobre Foucault são, em geral e por algum motivo nebuloso, muito exigentes. Então vou
me alongar nesse item, seja porque sua obra é extensa, seja porque os examinadores têm al-
guma predileção por complicar o que já não é muito simples. Vou tentar resumir e simplificar.
Se, ao final da aula, você sentir dificuldades nas perguntas sobre Foucault, não desanime. Para
ser vítima das questões sobre Foucault basta estar vivo!
Foucault explica que, até o século XVII, as penas eram verdadeiro suplício: esquartejamen-
to, exposição do condenado em praças públicas, execução em palanques montados a céu
aberto – chamados de patíbulos –, torturas, marcas no rosto, amputação. Eram penas despro-
porcionais, bárbaras e ostentosas. São rituais pensados para restituir a soberania do príncipe.
Posteriormente, o Iluminismo desqualifica o suplício, reprovando sua atrocidade. Surgem
agitações e protestos contra essa teatralização das penas. Ao mesmo tempo, a criminalidade
violenta, de sangue, passa a dar lugar a uma criminalidade de fraude, mais complexa, relacio-
nada com a concentração de riquezas. Essa alteração da criminalidade somada à desqualifica-
ção do suplício leva ao surgimento da ideia de penas proporcionais aos crimes. Aqui situa-se,
por exemplo, a obra de Beccaria.
Fala-se, então, da reforma humanista do século XVIII: os suplícios dão lugar a penas pro-
porcionais. O castigo deve ter a humanidade como medida (e atente-se que a prisão ainda
não era a forma por excelência de castigo). Pouco a pouco, o corpo esquartejado, amputado e
dado como espetáculo começa a desaparecer. O rito de punição que, muitas vezes, ultrapas-
sava o próprio crime em sua selvageria, vai sendo abandonado. Em suas próprias palavras, “a
melancólica festa de punição vai-se extinguindo.”14
Portanto, com uma série de reformas ocorridas em diversos países no final do século XVIII,
o suplício vai, pouco a pouco, sendo deixado de lado. Foucault fala em penalidade suaviza-
da, em que deve haver humanidade, proporcionalidade (medida), individualização das penas
e classificação dos crimes e castigos. Aliás, a partir do século XVIII, difunde-se a ideia de
que a punição das ilegalidades deve ser regular. Pune-se com menos severidade, mas com
mais universalidade. É necessário controlar a codificar as práticas ilícitas, principalmente se
14
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 13.
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se considera que passou a incomodar muito à nova burguesia a ascensão dos crimes contra a
propriedade. É que antes as principais ilegalidades eram dirigidas a direitos, mas com o desen-
volvimento da sociedade capitalista, elas se dirigiam aos bens. O roubo se torna mais comum
e incômodo, de modo que os códigos começam a separar e a classificar as ilegalidades. De um
lado, as ilegalidades dos direitos, e de outro, as ilegalidades dos bens, sobre as quais há menos
tolerância e que exigem, portanto, vigilância constante.
As reformas penais inserem novos princípios para regularizar e universalizar a arte de cas-
tigar; para diminuir o custo econômico e aumentar a eficácia da pena. Elas constituem uma
nova economia e nova tecnologia do poder de punir. O direito de punir não é mais decorrência
da sede de vingança do soberano. Ele é, agora, instrumento de defesa da sociedade. Mas isso
não significa que ele seja verdadeiramente mais suave, pois, como se verá, ele será posterior-
mente dotado de elementos tão fortes que se torna quase mais temível.
Com essa reforma dita humanista, a partir do século XIX, sobretudo entre 1830 e 1848, a
punição torna-se a parte mais velada do processo penal. A publicidade se volta para os deba-
tes e para a sentença, mas a execução fica escondida, pois é algo que a justiça tem vergonha
de impor ao condenado. É pouco glorioso punir. As práticas punitivas se tornam pudicas, e que-
rem tocar no corpo o mínimo possível, para atingir nele algo que não é o próprio corpo. O que
se quer, no sistema penal moderno, é atingir a liberdade, e não provocar dor em um corpo. O
que se quer é suspender direitos. “O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis
a uma economia dos direitos suspensos”15. É, em teoria, uma penalidade incorpórea.
Como já dissemos, essas mudanças são tradicionalmente descritas como consequências
de uma reforma humanista, que visava conferir mais dignidade ao cumprimento de penas. Mas
Foucault questiona essa explicação simplista e defende que permanece um fundo supliciante
na pena moderna, mas com mudança de objetivo. Não se quer mais supliciar diretamente o
corpo, mas sim a alma, o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Constrói-se uma nova
economia e nova tecnologia do poder de punir. A reforma “humanista” não pretende punir me-
nos, mas sim punir melhor. A alma do criminoso é levada ao tribunal e o juiz não julga sozinho,
mas sim em companhia de uma série de instâncias anexas, como peritos, psicólogos, psiquia-
tras, funcionários da administração penitenciária etc. Eles são chamados de juízes anexos, que
fracionam o poder de punir. Essa operação de incorporar, no julgamento, elementos extrajurí-
dicos, escusa o juiz da responsabilidade de castigar. É a pretensa “suavidade penal” aplicada
como técnica de poder.
Na época dos suplícios, o exemplo (a punição) era uma réplica do crime. Após as refor-
mas, considera-se que é preciso empregar a máxima economia. É preciso punir exatamente
o suficiente para impedir novos crimes. A punição passa a ser discreta. Não é mais um ritual
manifesto, é um sinal, um sinal que cria obstáculo. A semiotécnica (método para identificar
sinais que constroem um significado) do poder de punir nesse momento de reforma, explica
Foucault, repousa sobre as seguintes regras:
15
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Ligia Pondé Vassalo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes,
1984, p. 16.
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• Regra da quantidade mínima: o crime é cometido porque traz vantagens. Se, à ideia do
crime, é ligada a ideia de uma desvantagem minimamente maior, ele deixa de ser dese-
jável.
• Regra da idealidade suficiente: a eficácia da pena está na ideia de uma dor, de um des-
prazer. Não é tanto a sensação de sofrimento que importa, mas sim a representação
(idealização) da pena. A representação da pena, e não sua realidade corpórea, deve ser
maximizada.
• Regra dos efeitos laterais: a pena deve ter efeitos mais intensos naqueles que não come-
teram a falta, para que se comportem conforme as regras.
• Regra da certeza perfeita: é preciso que haja um laço forte unindo crime e castigo, pois
nada torna mais frágil o instrumento das leis que a esperança de impunidade.
• Regra da verdade comum: a verdade do crime somente poderá ser admitida uma vez in-
teiramente comprovada. É uma transformação importante, já que na fase dos suplícios,
frases arrancadas pelo sofrimento (confissão sob tortura) tinham valor de autenticação.
• Regra da especificação ideal: todas as infrações têm que ser classificadas e reunidas
em um código, que tenha pretensões exaustivas e generalizantes, mas que consiga, ao
mesmo tempo, individualizar a pena.
São, segundo Foucault, regras que, de modo geral, exigem a suavidade como economia
calculada do poder de punir.
Acontece que, quando as reformas foram feitas, não se imaginava e nem se pretendia
conferir à pena de prisão o caráter quase universal de pena. Naquela época, a prisão não era
sinônimo de pena como é para a gente hoje. Mas esse movimento de transformar a detenção
na forma essencial de castigo tem lugar logo após as reformas, sobretudo no século XIX. E é
por isso, explica Foucault, que o corpo (que tinha sido substituído pela alma) volta a ser o per-
sonagem principal. Há uma nova política do corpo.
Então, vamos resumindo: saímos do suplício, rituais bárbaros e ostensivos que evocavam
o poder do Monarca; passamos, a partir do século XVIII, pela reforma pretensamente humanis-
ta, que incorporou uma ideia de suavidade penal, com a humanização e universalização das
penas, já nas mãos de um juiz que divide seu poder com os juízes auxiliares; e chegamos, a
partir do século XIX, à universalização da pena de prisão.
Ou seja, agora relacionando com as escolas criminológicas: Foucault faz uma análise da
suposta suavização penal passando pelos momentos históricos dos suplícios, das penas pro-
porcionais ao delito (conectadas à Escola Clássica, direcionadas à alma) e, por fim, da dissemi-
nação do cárcere como punição por excelência (conectada ao pensamento positivista, como
veremos, e com um regresso de direcionamento ao corpo do homem delinquente).
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Quando o emprego da prisão se dissemina, ainda que não sejam empregados castigos
violentos e sangrentos, trata-se, novamente, do corpo do condenado: da sua utilidade, da sua
docilidade, da sua submissão. Há uma tecnologia política do corpo: uma microfísica do poder
que sabe muito sobre o corpo (bem a cara do positivismo!) e que controla suas forças. O dis-
curso de que a nova punição é sobre a alma não consegue mascarar que continua (ou volta) a
haver, sobretudo com a disseminação da pena privativa de liberdade, uma pesada tecnologia
do poder sobre o corpo.
É que, em realidade, já na segunda metade do século XVIII, ainda na Era Clássica, surge
uma preocupação em controlar o corpo em larga escala. Não se trata de cuidar do corpo, mas
de esquadrinhá-lo detalhadamente, de exercer sobre ele uma coerção sem folga. Essa é a
ideia do corpo dócil: um corpo que se analisa, que se manipula, que se modela, que se treina,
que obedece ao adestramento. Para que isso funcione, é necessário atentar aos detalhes:
inspeções minuciosas, regulamentos detalhados e controle das mínimas parcelas da vida e
do corpo começam a ter lugar. Ganha força, então, a ideia de poder disciplinar e de sociedade
disciplinar, que vai se fortalecendo nos séculos seguintes.
No poder disciplinar, algumas ideias são centrais. Os indivíduos são distribuídos no espa-
ço, e para isso: podem ser utilizadas cercas que fecham um grupo de pessoas em um local
(presídio, por exemplo, mas também pode ser uma escola, um quartel); pode ser determinado
que cada indivíduo deva permanecer em uma parte determinada desse local (cela, por exem-
plo); e pode ser determinado que cada local da construção tenha sua função (pátio, refeitório).
Além da distribuição espacial, existe controle das atividades: horários para as atividades, ges-
tos a serem empregados, utilização crescente do tempo. Quando fala do nascimento do poder
disciplinar, Foucault não se refere especificamente às prisões. Ele exemplifica com a vida nos
quarteis, instituições médicas, escolares e industriais. Mas ele demonstra que, com o passar
do tempo, o cárcere se revela uma importante e útil ferramenta para implementar o poder
disciplinar.
Ao falar especificamente das prisões, ele retoma a ideia do panóptico, que já havia sido em-
pregada pelo inglês Jeremy Bentham na virada do século XVIII para o século XIX. O panóptico
é um sistema arquitetônico para presídios: de uma torre central, todos os corredores radiais
seriam observados. Os presos poderiam ser monitorados facilmente, com um simples virar de
cabeça dos guardas alocados na torre. Ademais, a construção arquitetônica ideal de panóptico
não permitiria a definição, pelos detentos, do ponto a partir do qual se realiza a vigilância, e
tampouco a identificação de quem os vigia. O panóptico ideal é uma máquina de dissociar o
par “ver” x “ser visto”. A ideia era utilitarista: ter a maior vigilância dos detentos com o menor
emprego de recursos. Vamos dar um exemplo:
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[...] induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funciona-
mento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo
se descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exer-
cício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder
independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de
poder de que eles mesmos são os portadores16.
Quem quer que passe pelo cárcere leva consigo as marcas dessa coerção máxima estatal
consubstanciada na pena privativa de liberdade. Afinal, a prisão deixa traços no corpo, impõe
hábitos, determina comportamentos, envolve disciplina.
A disciplina é feita com o adestramento dos corpos, por meio de:
• vigilância hierárquica: redes verticais de relações de controle, em que os controladores
operam vendo tudo o que acontece. São verdadeiros observatórios da multiplicidade
humana.
• sanção normalizadora: sistema de recompensa e de punição instituído para corrigir des-
vios, especialmente mediante micropenalidades baseadas no tempo (atrasos, ausên-
cias), na atividade (desatenção, negligência), e em maneiras de ser (grosseria, desobedi-
ência). Trata-se de uma microeconomia de penalidade perpétua, de cálculo permanente,
que, no final das contas, deixa de julgar atos, mas passa a diferenciar os indivíduos entre
bons e maus, de acordo com sua natureza, sua virtualidade. Essa penalidade perpétua,
ao controlar todos os instantes das instituições disciplinares, compara, diferencia, hie-
rarquiza, homogeniza e exclui, e isso tudo Foucault resume em uma palavra: ela “norma-
liza.”
• exame: os exames altamente ritualizados sobre os corpos são cerimônias de poder e
demonstração de força. Os corpos são analisados, as celas são revistadas e formam-
-se verdadeiros arquivos com documentos sobre detalhes e minúcias dos corpos e dos
dias. O indivíduo é mensurado, descrito, comparado e isso se constitui em renovação
constante do ritual de poder. O exame, com todas suas técnicas documentárias, faz de
cada indivíduo um caso.
16
Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Ligia Pondé Vassalo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 116.
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A prisão, declara Foucault, é um duplo erro econômico: pelo custo (direto) de sua organiza-
ção e pelo custo (indireto) da delinquência que ela não reprime.
Como resposta a essas críticas, sempre sobrevêm reformas penitenciárias, que reforçam
os princípios da técnica penitenciária e que, portanto, querem resolver a prisão com a própria
prisão. Esses princípios da técnica penitenciária são:
• Princípio da correção (a prisão deve ter por função a transformação do comportamento
do indivíduo);
• Princípio da classificação (os detentos devem ser isolados de acordo alguns critérios,
como a gravidade de seus atos, idade etc.);
• Princípio da modulação das penas (o desenrolar da pena deve ser modificado de acordo
com os resultados obtidos, os progressos, as recaídas);
• Princípio do trabalho como obrigação e como direito (o trabalho penal deve ser uma das
peças essenciais da transformação);
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Teorias Sociológicas
Mas o emprego desses princípios não vai resolver os males do cárcere. A prisão, seu fra-
casso e sua reforma não são momento sucessivos na história, mas momentos simultâneos,
de forma que a prisão é uma invenção desacreditada desde o seu nascimento. Ou seja, há 150
anos o fracasso da prisão acompanha sua manutenção. E isso ocorre porque o fracasso da
prisão tem uma utilidade. Afinal, a prisão não se destina a suprimir infrações, mas sim a distin-
gui-las, distribuí-las e utilizá-las. A penalidade é uma maneira de gerir as ilegalidades, de traçar
limites de tolerância, deixando algumas pessoas dentro da economia geral das ilegalidades,
e excluindo outras. Ela demarca qual a forma particular de ilegalidade sobre a qual quer jogar
luz. A delinquência (aqui usando o conceito específico de Foucault, que contrapõe delinquente
e infrator; que separa a delinquência, como sinônimo de vida criminosa, da infração, sinônimo
de ato criminal isolado) é a ilegalidade que o sistema carcerário recortou e organizou. É o que
ele chama de ilegalidade dominada, que funciona, aliás, como um agente para a ilegalidade
dos grupos dominantes. Para que a ilegalidade dos grupos dominantes funcione e tenha seus
lucros, seja na prostituição, no tráfico de armas e de drogas, controla-se e maneja-se a ilegali-
dade dos “delinquentes”. A criminalidade de necessidade (dos pobres, dos necessitados) mas-
cara, com os holofotes que atrai, a delinquência de cima. A delinquência da riqueza é tolerada
pelas leis, pelos tribunais e pela imprensa.
Assim, para Foucault, se há um desafio global em torno da prisão, ele reside na alternativa:
prisão ou algo diferente da prisão?
No Brasil, Roberta Lyra Filho chegou a ser citado pelo Ministro Nelson Jobim como o mais
crítico de nossos juristas críticos. Em seu livro Criminologia dialética, de 1972, ele defendia que
a Criminologia não podia andar a reboque do formalismo jurídico. A integração da Criminologia
e do direito penal precisa passar pelo reexame da filosofia jurídica e da antropologia filosófica,
para que se repense o próprio conceito de direito. Afinal, o conceito de crime é historicamente
determinado pelas manifestações específicas da cultura e das subculturas. Por isso, traçar
um novo conceito de crime é parte dos afazeres criminológicos. A gênese das normas deve
ser estudada, para que se compreenda como o fenômeno delituoso é um capítulo da dialética
de valores.
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Outro nome importante para a Criminologia Crítica brasileira foi Juarez Cirino dos San-
tos, professor paranaense, que fez ecoar o pensamento da Criminologia Crítica em seu livro
A Criminologia Radical, escrito entre 1979 e 1981. O autor explica que se embasou no que ele
considera a linha de frente de um movimento universal de Criminologia Crítica, composto por
Foucault; Taylor, Walton e Young; e Rusche e Kirchheimer. Juarez Cirino mostra que a Crimino-
logia Radical tem por objeto as relações sociais de produção (estrutura de classes) e de repro-
dução político-jurídica (superestruturas de controle) da formação social, e que as contradições
de classes vinculam o controle do crime às relações capitalistas da estrutura econômica. A
Criminologia está ligada à economia, e ambas, à política.
Para Juarez Cirino, o processo de criminalização, tanto na produção como na aplicação
das normas, protege seletivamente os interesses das classes dominantes, pré-selecionando
os indivíduos estigmatizáveis distribuídos nas classes sociais subalternas. A punição é admi-
nistrada pela posição de classe do autor, uma variável independente que determina a imunida-
de das elites e a repressão das massas miseráveis. O Direito não é neutro. Ele reflete o modo
de produção da sociedade. O Estado, por sua vez, é organização política do poder das classes
hegemônicas.
Assim, a Criminologia Radical nota que o sistema punitivo possui objetivos aparentes e
objetivos reais. Os objetivos ideológicos aparentes do sistema punitivo são, por exemplo, a
repressão do crime, a ressocialização, a diminuição das taxas criminais. Os objetivos reais
ocultos, por sua vez, são a reprodução das relações de produção e da massa criminalizada.
(...) o fracasso histórico do sistema penal limita-se aos objetivos ideológicos aparentes, porque os
objetivos reais ocultos do sistema punitivo representam êxito histórico absoluto desse aparelho de
reprodução do poder econômico e político da sociedade capitalista17.
Ainda no Brasil, mas agora no Rio de Janeiro, Nilo Batista explica, tanto em Introdução Críti-
ca ao Direito Penal Brasileiro, de 1990, como em Matrizes Ibéricas do Sistema Penal no Brasil, de
2000, que há marcante congruência entre os fins do Estado e os fins do Direito Penal, de modo
que o conhecimento das reais e concretas funções históricas, econômicas e sociais do Estado
é fundamental para a compreensão desse ramo do direito. Nilo Batista, que foi Promotor de
Justiça e Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, escreveu Direito Penal
Brasileiro em companhia do argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, de que falaremos mais adiante.
Continuando no Rio de Janeiro, Vera Malaguti Batista em Difíceis Ganhos Fáceis: Drogas e
Juventude Pobre no Rio de Janeiro, de 1998, e em Introdução Crítica à Criminologia Brasileira,
de 2011, também defende que as escolas criminológicas prévias tentavam classificar e hierar-
quizar, desistoricizar, despolitizar as lutas dos pobres do mundo que são, sempre, o alvo dos
sistemas penais capitalistas. Para ela, é necessário destrinchar e desnudar os mecanismos
de inflição de dor e sofrimento às histórias tristes dos pobres e isso significa, por exemplo:
mudar a política criminal de drogas, produzindo políticas coletivas de controle pela legalidade;
17
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2006, p. 128.
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despenalizar os crimes patrimoniais sem violência contra a pessoa; abrir os muros das prisões
para sua comunicação com o mundo externo; diminuir o número de policiais, desarmando-
-os e transformando-os em agentes coletivos de defesa civil; ampliar as defensorias públicas;
acabar com a exposição de suspeitos na mídia e reduzir o noticiário emocionalizado de casos
criminais.
Na Argentina, o nome de Eugenio Raúl Zaffaroni tem muito destaque no campo da Crimi-
nologia Crítica. Ele defende, em Em Busca das Penas Perdidas, de 1991, e outras obras, que os
sistemas penais não detêm legitimidade, já que são seletivos e reprodutores da violência. Zaf-
faroni incorpora dados da realidade social para demonstrar essa deslegitimação, que se mani-
festa no que ele chama de “perda” das penas, ou seja, penas como inflição de dor sem sentido.
As penas perdidas são, portanto, penas carentes de racionalidade. E a esse procedimento, de
incorporar dados da realidade para demonstrar a deslegitimação penal, ele dá o nome de rea-
lismo jurídico-penal. Como ele faz essa análise a partir de um ponto de vista da América Latina,
uma região marginal do poder planetário, ele denomina sua análise, mais especificamente, de
realismo jurídico-penal marginal.
Roberto Bergalli, também argentino, radicado em Barcelona e falecido em maio de 2020,
dedicou grande parte da sua vida ao estudo do controle social punitivo na América Latina. Ele
foi fundador de um dos primeiros cursos de pós-graduação em Criminologia Crítica na Espa-
nha, onde se exilou após ter sido perseguido pela ditadura argentina. Publicou diversas obras
nos campos da Criminologia, da sociologia jurídica e política, da teoria e filosofia do direito, e
assim se consagrou como um dos maiores nomes contemporâneos do pensamento sobre a
questão criminal, em especial, da Criminologia, que ele denominava “sociologia do controle
penal”. Bergalli defendia a importância de uma sociologia jurídica do controle penal, que ana-
lisasse tanto a etapa de criação das normas como a de sua aplicação. Seria fundamental que
essa sociologia estudasse, por exemplo, como os funcionários públicos atuam para colocar
em marcha o controle penal. Desvendar os mecanismos do interior dos aparatos policiais, ju-
diciais e penitenciários ajudaria a aprofundar a democracia.
Na Venezuela, Lola Aniyar de Castro publicou em 1987 a obra Criminologia da Libertação.
O nome Criminologia da Libertação advém da premissa de que uma discussão sobre domina-
ção leva a uma discussão sobre libertação. E toda dominação requer o que se chama controle
social. Assim, para Lola, na Criminologia deve ser analisada a atuação dos controles ideoló-
gicos, que começam como processos de socialização, passam por modelos educacionais e
logo se transformam em modelos de intervenção penal. Por isso, seria importante analisar a
fundo não apenas as agências de controle social formal, mas também as de controle social
informal, com intensa pesquisa sobre a educação, a religião e os meios de comunicação. O
controle social serve para construir hegemonia ou, em sua falta (da hegemonia), para permitir
a submissão forçada daqueles que não se integram à ideologia dominante.
Outra importante criminóloga venezuelana foi Rosa del Olmo, autora de América Latina e
sua Criminologia, de 1981. Nessa obra, analisa a subordinação da economia e do pensamento
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Criminologia Cultural
Em tempos mais recentes, sobretudo a partir de meados dos anos 90, surgem muitos tex-
tos e obras sobre Criminologia Cultural. Alguns autores abordam os cultural studies dentro da
Criminologia Crítica, e por isso vou falar brevemente sobre eles.
A Criminologia Cultural é um ramo da Criminologia que se debruça sobre a criminalização
da cultura diferente, como a de grafiteiros, punks, neonazistas, roqueiros, mendigos, prostitu-
tas etc. Trata-se, então, de um grupo de teóricos preocupados com a subcultura de que falava
Albert Cohen, mas agora dentro de um enfoque conflitual da sociedade.
Jeff Ferrell, nos Estados Unidos, relatou sua experiência com grafiteiros de Denver no livro
Crimes of Style e no artigo Urban grafitti: crime, control and resistance. Em 2008, Jeff Ferrell,
Keith Hayward e Jock Young lançaram Cultural Criminology.
No Brasil, Salo de Carvalho publicou Criminologia cultural e rock em 2011 e Saulo Ramos
Furquim, A Criminologia cultural e a criminalização cultural periférica, de 2016. Salah H. Khaled
Jr. e Álvaro Oxley da Rocha traduziram a obra de Jeff Ferrell e Keith Hayward e complementa-
ram suas análises. Juntos, esses quatro autores conceberam o Instituto Brasileiro de Crimino-
logia Cultural, fundado em abril de 2019, que assim define a Criminologia Cultural:
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
É uma Criminologia que busca entender as mudanças da sociedade e da sua cultura. Vi-
vemos em uma sociedade líquida, em que há um fluxo infinito, instantâneo e globalizado de
imagens e informações na televisão, em nossos celulares e computadores, proporcionando
possibilidades infinitas. De todos os lados surgem modelos a serem seguidos, pensamentos
a serem observados, tecnologias novas a serem dominadas. As redes sociais ajudam a propa-
gar essa miríade de culturas e vão substituindo as mediações cotidianas por mediações tecno-
lógicas. Surgem novas línguas, novas etnias, novos conflitos. Como diz Shecaira, “chegamos
a um hiperpluralismo de identidades e orientações culturais que, por sua vez, é matéria-prima
que alimenta o individualismo e grande parte dos crimes estudados por esta nova área da Cri-
minologia”19.
A Criminologia Cultural, sem se preocupar com classificações pormenorizadas dos grupos
subculturais, parte da ideia de que o mundo é desigual e injusto, e procura entender como o
poder é exercido, como ele é resistido pelos grupos culturais, e como se dá o mecanismo de
criação de regras, de violação de regras e representação do crime.
O foco, na Criminologia Cultural, é o estilo, a linguagem, os significados simbólicos do cri-
me para esses grupos, e o modo empregado pelas autoridades para criminalizar essas condu-
tas diante da existência de múltiplos sistemas válidos de valores.
19
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 7ª ed. São Paulo: RT, 2018, p. 369.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
RESUMO
Teorias Sociológicas: para compreender o fenômeno criminal é necessário analisar a so-
ciedade onde o delito está inserido.
Microssociologia x Macrossociologia
Teorias do Consenso
Escola de Chicago: Se propôs a discutir múltiplos aspectos da vida humana, todos relacio-
nados com a vida na cidade. Entre os anos 1920 e 1930, Robert Ezra Park, Ernest W. Burgess
e seus alunos produziram mais de 20 obras sobre a ecologia urbana da cidade de Chicago. Os
bairros de Chicago são divididos e analisados de acordo com seus problemas sociais. Burgess
desenvolve a teoria das zonas concêntricas. Clifford Shaw e Henry McKay são outros dois
nomes importantes na Escola de Chicago. Preocupados com a delinquência juvenil, na obra
Delinquency Areas, demonstraram que, quanto mais perto do loop, maior a degradação e as
taxas de criminalidade dos bairros. Concluíram, também, que nas áreas criminais, o controle
social informal é pouco eficiente. A pessoa recém-chegada à cidade passa por um processo
de desorganização social. Há um sentimento de perda pessoal, rejeição de regras sociais, per-
da de raízes. A desorganização social causa aumento de doenças, prostituição, insanidades,
suicídios e crime.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Teoria da Anomia
Émile Durkheim: sociólogo francês (final séc. XIX). Há momentos em que a sociedade atra-
vessa transformações e perde a capacidade de exercer o papel de freio moral. A anomia é esse
estado de desregramento ou desintegração das normas sociais, produzindo uma situação de
transgressão ou de pouca coesão. O crime se torna um problema quando existe anomia. Caso
contrário, o crime é um fenômeno relativamente normal e útil, porque permite que a consciên-
cia coletiva evolua.
Robert Merton: sociólogo (EUA), final dos anos 30. Adaptou a teoria do Durkheim para o
American Dream. As estruturas sociais e culturais apresentam objetivos e meios que têm, entre
outras, a função de fornecer uma base de previsibilidade e regularidade do comportamento
humano. No limite, quando a previsibilidade das condutas num grupo social é minimizada, pelo
espaçamento entre os objetivos e os meios, está configurada a anomia ou caos cultural. Os in-
divíduos procedem a adaptações individuais, que podem ser: conformidade; inovação (anomia
propriamente dita); ritualismo; retração e rebelião.
Talcott Parsons: sociólogo (EUA), 1951. Teoria do sistema social, aprofundando as ideias
de Merton. Considerou três duplas de fatores: atividade e passividade; predomínio conforma-
tivo e predomínio alienativo; e orientação para objetos sociais e orientação para normas. A
combinação deles ditará qual o tipo de resposta que uma pessoa dará a uma situação em que
há uma perturbação no quadro de expectativas.
Teoria Da Associação Diferencial: se insere nas Teorias da Aprendizagem Social. O princi-
pal autor foi Edwin Sutherland, sociólogo norte-americano. No começo dos anos 40, Suther-
land defendeu que o crime não é cometido somente por pessoas menos favorecidas. As pes-
soas aprendem a conduta desviada e se associam com outras pessoas tendo por base essa
conduta. O processo de comunicação, é fundamental. A pessoa se torna criminosa quando as
definições favoráveis à violação da norma superam as definições desfavoráveis, em um pro-
cesso de imitação.
Crime do colarinho branco (White-collar crime): Sutherland cunhou a expressão (white
collar crime) em 1939. É o crime cometido no âmbito da profissão por uma pessoa de respei-
tabilidade e elevado estatuto social. A razão pela qual esses crimes são cometidos é a mesma
da criminalidade dos pobres: aprendizado somado a definições favoráveis à violação da lei.
Crimes difíceis de se detectar ou sancionar, em virtude da “imunidade do negócio”. Crimes com
efeitos significativos, porém difusos. É um tipo de criminalidade organizada praticada pelos
homens de negócio.
Cifras da Criminalidade
Cifra negra: crimes que não chegam ao conhecimento das autoridades, pelas mais diver-
sas razões.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Robert Park
Ernest Burgess Desorganização social das grandes
Escola de Clifford Shaw cidades.
Chicago Henry McKay Controle social informal enfraquecido.
(1920-1930)
Émile Durkheim
Crime é normal e útil, a não ser quando
(fim séc. XIX)
Anomia ultrapassados certos limites.
Robert Merton
Descompasso entre meios e objetivos.
(1938)
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
lógica, mas um status social atribuído por meio de processos de definição e mecanismos de
reação. Possuem forte tradição nos Estados Unidos, sobretudo em virtude do contexto social
de pós-guerras, em que disputas internas (raciais, de classe, de desemprego, de marginaliza-
ção, estudantis, feministas) assumiram prevalência. A sociedade não é monolítica, unitária.
Labelling Approach
No Brasil, a Reforma Penal de 1984, a Lei de Execução Penal e a Lei dos dos Juizados Es-
peciais Cíveis e Criminais são citadas como reflexo das ideias do labelling.
Howard Becker: Norte-americano, da Universidade de Chicago. Outsiders: Studies in the So-
ciology of Deviance, de 1963. Relata a análise de grupos de usuários de maconha e de músicos
de jazz feita na década de 1950. Todos os grupos sociais constroem suas próprias regras. A
pessoa que quebras essas regras é etiquetada como outsider, e começa, a partir daí, a sofrer
um processo de estigmatização. Tem início o processo de desviação secundária. O agente
mergulha no papel de delinquente, num processo que se chama de role engulfment e profe-
cia autocumprida. As regras são o produto da iniciativa dos moral entrepreneurs. Existe uma
enorme margem de discricionariedade no trabalho policial. O policial estabelece prioridades.
Assim, os enforcers aplicam as leis e criam outsiders de maneira seletiva. As decisões sobre
quais regras devem ser criadas, quais condutas devem ser consideradas desviantes e quais
pessoas devem ser etiquetadas como outsiders são decisões políticas. A desviação é criada
pela sociedade.
Erving Goffman: Canadense, realizou suas pesquisas nos Estados Unidos. É autor. Estig-
ma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, de 1963, e Manicômios, Prisões e
Conventos, de 1961. Introduziu o conceito de instituição total, que possuem barreiras à rela-
ção com o mundo externo. Nelas, todos os aspectos da vida do condenado são realizados
no mesmo local, sob uma autoridade única e diante de um grupo de pessoas razoavelmente
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Criminologia Crítica
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Quando o emprego da prisão se dissemina, o corpo (que tinha sido substituído pela alma)
volta a ser o personagem principal. Há uma nova política do corpo. Ainda que não sejam em-
pregados castigos violentos e sangrentos, trata-se, novamente, do corpo do condenado: da
sua utilidade, da sua docilidade, da sua submissão. Com o passar do tempo, o cárcere se
revela uma importante e útil ferramenta para implementar o poder disciplinar, sobretudo se
empregado o modelo panóptico, que permite vigilância constante. Faz-se distinção entre in-
frator (ou condenado) e delinquente. O aparelho penitenciário efetua uma substituição: das
mãos da justiça ele recebe um condenado (infrator), mas no lugar do condenado ele coloca o
delinquente, que é o indivíduo a ser conhecido, analisado, retreinado. A disciplina é feita com o
adestramento dos corpos, por meio de: vigilância hierárquica; sanção normalizadora e exame.
A prisão é um duplo erro econômico: pelo custo (direto) de sua organização e pelo custo (indi-
reto) da delinquência que ela não reprime. Elas não diminuem a taxa de criminalidade, provo-
cam reincidência, fabricam delinquentes, favorecem a organização de delinquentes e fabricam
indiretamente mais delinquentes ao fazer cair na miséria a família do detento. A prisão, seu
fracasso e sua reforma não são momento sucessivos na história, mas momentos simultâneos.
O fracasso da prisão tem uma utilidade. A prisão não se destina a suprimir infrações, mas sim
a distingui-las, distribuí-las e utilizá-las. A penalidade é uma maneira de gerir as ilegalidades,
de traçar limites de tolerância, deixando algumas pessoas dentro da economia geral das ilega-
lidades, e excluindo outras.
Roberta Lyra Filho, Criminologia dialética, de 1972. Criminologia não pode andar a reboque
do formalismo jurídico. O conceito de crime é historicamente determinado pelas manifestações
da cultura e das subculturas. Traçar novo conceito de crime é parte do afazer criminológico.
Juarez Cirino dos Santos, professor paranaense, A Criminologia Radical, 1981. O processo
de criminalização (produção e aplicação das normas) protege seletivamente os interesses das
classes dominantes, pré-selecionando os indivíduos estigmatizáveis das classes subalternas.
O fracasso histórico do sistema penal limita-se aos objetivos ideológicos aparentes. Os objeti-
vos reais ocultos do sistema apresentam êxito absoluto.
Nilo Batista, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, 1990, e Matrizes Ibéricas do Siste-
ma Penal Brasileiro, 2000. Há marcante congruência entre os fins do Estado e os fins do Direito
Penal. O conhecimento das reais e concretas funções históricas, econômicas e sociais do
Estado é fundamental para a compreensão desse ramo do direito.
Vera Malaguti Batista, Introdução Crítica à Criminologia Brasileira, 2011. Não se pode de-
sistoricizar e despolitizar as lutas dos pobres do mundo que são o alvo dos sistemas penais
capitalistas. Necessário: mudar a política criminal de drogas; despenalizar os crimes patri-
moniais sem violência; abrir os muros das prisões; diminuir o número de policiais; ampliar as
defensorias públicas; acabar com a exposição de suspeitos e o noticiário emocionalizado de
casos criminais na mídia.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Eugenio Raúl Zaffaroni, argentino, Em Busca das Penas Perdidas, 1991. Os sistemas penais
não detêm legitimidade, já que são seletivos e reprodutores da violência. As penas perdidas são
penas carentes de racionalidade. Denomina sua análise de realismo jurídico-penal marginal.
Roberto Bergalli, argentino, radicado em Barcelona. Importância de uma sociologia jurí-
dica do controle penal, que analisasse tanto a etapa de criação das normas como a de sua
aplicação.
Lola Aniyar de Castro, venezuelana, Criminologia da Libertação, 1987. Deve ser analisada
a atuação dos controles ideológicos (processos de socialização, modelos educacionais, que
logo se transformam em modelos de intervenção penal). Importante analisar o controle so-
cial informal.
Rosa del Olmo, venezuelana, em América Latina e sua Criminologia, 1981. Subordinação da
economia e do pensamento latino-americano às estratégias da geopolítica norte-americana
para o continente.
Criminologia cultural: início na década de 1990. Criminalidade e seu controle analisados no
contexto da cultura. Criminalização da cultura diferente (grafiteiros, punks, neonazistas, roquei-
ros, mendigos, prostitutas). Não é uma nova teoria: incorpora para o mundo contemporâneo,
multicultural, orientações teóricas da Criminologia, tais como subculturais, interacionistas, crí-
ticas. Compreender a convergência de processos culturais, criminais e de controle do crime.
Nomes de destaque: Jeff Ferrell (EUA); Keith Hayward (DIN). No Brasil, Salah Khaled Jr., Álvaro
Oxley da Rocha (Instituto Brasileiro de Criminologia Cultural); Salo de Carvalho (Criminologia
cultural e rock, 2011) e Saulo Ramos Furquim (A Criminologia cultural e a criminalização cultural
periférica, 2016).
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MAPAS MENTAIS
Criminalidade que não integra
as estatísticas oficiais
Crimes de caráter homofóbico que não
chegam ao conhecimento das autoridades Cifra Cifra Diferença entre criminalidade
rosa negra real e criminalidade conhecida
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
Funcionalistas
Integralistas
Teorias do Conservadoras
Consenso Existência de objetivos
comuns a todos os cidadãos
Teorias
Sociológicas Argumentativas
Teorias do Existência de dominação,
Conflito coerção, coação
Escola de Chicago
Teorias da Anomia
Teorias do
CASA Subcultura Delinquente
Consenso
Associação Diferencial
Teorias
Sociológicas
Teoria Crítica
Teorias do Labelling Approach (Interacionismo
CRISE
Conflito Simbólico, Etiquetamento)
Teorias
Sociológicas
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
América Latina Eugenio Raúl Zaffaroni Em Busca das Penas Perdidas, 1991
Argentina Roberto Bergalli
(radicado em Barcelona) Sociologia Jurídica do Controle Penal
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Controle social é seletivo, discriminatório e criminógeno
Labelling Approach
Howard Becker Outsiders, 1963
Teoria da Reação Social
Teoria da Rotulação Manicômios, Prisões e Conventos, 1961
Erving Goffman
Teoria do Etiquetamento Estigma, 1963
Teoria Interacionista
Descriminalização
Interacionismo Simbólico
Diversão
(Déc. 60) Política dos 4Ds
Devido Processo Legal
Desinstitucionalização
Edwin Sutherland
Crime do Colarinho Branco
Teoria da Associação Crime é aprendizado, interação que se
Diferencial (1940) dá nos grupos sociais mais íntimos
Poderosos também cometem crimes
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Robert Ezra Park
Ernest W. Burgess
Clifford Shaw
Escola de Chicago
Henry McKay
(1920-1930)
Desorganização social das grandes cidades
Controle social informal enfraquecido
Consenso Anomia
Talcott
Parsons (1951)
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
QUESTÕES DE CONCURSO
001. (FCC/2012/DPE-PR/DEFENSOR PÚBLICO) Com o surgimento das Teorias Sociológicas
da Criminalidade (ou Teorias Macrossociológicas da Criminalidade), houve uma repartição
marcante das pesquisas criminológicas em dois grupos principais. Essa divisão leva em con-
sideração, principalmente, a forma como os sociólogos encaram a composição da sociedade:
Consensual (Teorias do consenso, funcionalistas ou da integração) ou Conflitual (Teorias do
conflito social). Neste contexto são consideradas Teorias Consensuais:
a) Escola de Chicago, Teoria da Anomia e Teoria da Associação Diferencial.
b) Teoria da Anomia, Teoria Crítica e Teoria do Etiquetamento.
c) Teoria Crítica, Teoria da Anomia e Teoria da Subcultura Delinquente.
d) Teoria do Etiquetamento, Teoria da Associação Diferencial e Escola de Chicago.
e) Teoria da Subcultura Delinquente, Teoria da Rotulação e Teoria da Anomia.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
A Escola de Chicago insere as instâncias de controle social informal no rol de objetos da Cri-
minologia e defende o fortalecimento desses freios comunitários. A diminuição da pobreza e
do desemprego é igualmente propugnada por reduzir a desorganização social. A política de
tolerância zero; a prevalência de controle social formal; o aumento de pena para delitos sim-
ples; o controle rígido sobre cada indivíduo; e o fracasso das estratégias por vizinhança não
são corolários da Escola de Chicago.
Questão difícil. O interacionismo se insere no modelo teórico da reação social. A ideia princi-
pal do interacionismo é considerar que, como o ser humano interage a todo tempo, qualquer
estudo que se debruce sobre somente um dos lados da interação, é incompleto. Ou seja, não
se pode estudar o delito prescindindo do estudo das instâncias que reagem ao delito. A Cri-
minologia deixa de perguntar por que alguém comete um crime e passa a perguntar como
funcionam as instâncias de controle que decidem, definem que alguém é criminoso. Nisso, o
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
enunciado está correto. O erro estaria, conforme a banca, na catalogação dessa perspectiva
como macrossociológica. A imensa maioria dos autores insere o interacionismo simbólico
(e a teoria do labelling approach a que ele deu origem) nas teorias do conflito que, por sua
vez, segundo parte dos manuais de Criminologia, seriam uma espécie das teorias macros-
sociológicas (a outra espécie seriam as teorias do consenso). Mas, como já explicamos, as
teorias macrossociológicas e as microssociológicas podem ser do conflito ou do consenso.
JUSTIFICATIVA DA BANCA: A afirmativa está errada apenas no tocante à perspectiva do in-
teracionismo como macrossociológica, quando, ao contrário, trata-se do enfoque conhecido
como microssociológico, com menor nível de abstração, atenção à empiria e aos processos
individuais relacionados à criminalização, bem como à complexidade dos conflitos sociais.
As teorias da anomia, ou estruturais-funcionalistas e as chamadas estruturalistas, estas sim,
são macrossociológicas, com maior nível de abstração e déficit empírico.
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Teorias Sociológicas
Na letra “e”, o labelling surge na década de 1960 nos Estados Unidos e defende que a crimina-
lização decorre da reação seletiva às ações desviantes.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
As teorias conflituais não falam de patologia. Elas partem do pressuposto de que há força e
coerção na sociedade. Somente existe ordem porque há dominação de uns e sujeição de ou-
tros. A sociedade está sempre sujeita a processos de mudança e cada elemento da sociedade
contribui, de certa forma, para sua desintegração. Para essas teorias o crime faz parte da luta
pelo poder.
As teorias criminológicas têm adotado, cada vez mais, um enfoque sociológico. A Sociologia
criminal entende que o crime é um fenômeno social causado por variados fatores e que guar-
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
da relação com situações ordinárias da vida cotidiana. A Sociologia criminal entende que o
crime é um fenômeno social causado por variados fatores (como família, educação, pobreza,
costumes, moral) e que guarda relação com situações ordinárias da vida cotidiana.
Edwin Sutherland é o principal autor da teoria da associação diferencial. Ele produziu seus
estudos nos Estados Unidos. Para Sutherland, o crime não é cometido somente por pessoas
menos favorecidas. Ele cunhou a expressão crime de colarinho branco (white collar crime).
Trata-se do crime cometido no âmbito da profissão por uma pessoa de respeitabilidade e
elevado estatuto social.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
A teoria da anomia se insere no ramo das teorias estruturais funcionalistas, que se caracteri-
zam por considerar o crime um fenômeno social, normal e funcional. Émile Durkheim e Robert
Merton foram importantes pioneiros da teoria da anomia. O termo anomia advém do grego e
significa “ausência de lei”.
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Teorias Sociológicas
e) Anomia.
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Teorias Sociológicas
A teoria da subcultura delinquente defende a existência de uma subcultura que faz com que
alguns grupos (como os de delinquentes juvenis) passem a aceitar um sistema alternativo
de valores e crenças, que tem origem na interação com outros adolescentes em situação
semelhante e que soluciona os problemas de adaptação causados pela cultura dominante.
A criminalidade desses subgrupos possui características como o não utilitarismo da ação,
malícia, versatilidade, negativismo, hedonismo de curto prazo e autonomia de grupo. Duas
observações, portanto: os fatores do enunciado (não utilitarismo, malícia e negativismo) es-
tão incompletos; e eles não caracterizam a teoria, mas sim a delinquência dos subgrupos.
Para a teoria da associação diferencial, surgida no começo da década de 1940, o crime não
é cometido somente por pessoas menos favorecidas. As pessoas de qualquer classe social
aprendem a conduta desviada e se associam com outras pessoas tendo por base essa con-
duta. O processo de comunicação, que permite a aprendizagem, é fundamental para a prática
criminal. Essas ideias foram importantes para demonstrar que o crime pode ser cometido
por qualquer pessoa na sociedade, independentemente de fatores biológicos, de pobreza, de
déficit de inteligência ou falta de inserção social.
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Teorias Sociológicas
d) da anomia
e) da subcultura delinquente
Edwin Sutherland é o principal autor da teoria da associação diferencial. Para ele, o crime não
é cometido somente por pessoas menos favorecidas. As pessoas de qualquer classe social
aprendem a conduta desviada e se associam com outras pessoas tendo por base essa con-
duta. O processo de comunicação, que permite a aprendizagem, é fundamental para a prática
criminal. Essas ideias foram importantes para demonstrar que o crime pode ser cometido
por qualquer pessoa na sociedade, independentemente de fatores biológicos, de pobreza, de
déficit de inteligência ou falta de inserção social.
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CRIMINOLOGIA
Teorias Sociológicas
a) Subcultura Delinquente.
b) Anomia
c) Teoria Ecológica do Crime.
d) Labeling approach ou “etiquetamento”.
e) Associação Diferencial.
A alternativa B é a única que contém duas teorias da Sociologia Criminal, ou Criminologia So-
ciológica. A teoria multifatorial se debruçava preferencialmente sobre a delinquência juvenil e
defendia que a criminalidade nunca é resultado de único fator ou causa. A Escola de Chicago
era uma teoria sobre a ecologia urbana da cidade de Chicago, e abordava problemas como
falta de moradia, desorganização social, guetos, zonas residenciais ricas e pobres, distribui-
ção de doentes mentais na cidade, entre outros.
Émile Durkheim foi um sociólogo francês do final do século XIX. Ele é considerado um dos
principais teóricos da anomia. A anomia é o estado de desregramento, de ausência ou desin-
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Teorias Sociológicas
tegração das normas sociais, produzindo uma situação de transgressão ou de pouca coesão.
Para Durkheim, o crime se torna um problema quando existe uma situação de anomia. Caso
contrário, o crime é um fenômeno relativamente normal. Sua teoria se afastava da patologiza-
ção do delito defendida, por exemplo, pelos positivistas. A criminologia sociológica se conso-
lidou como uma importante alternativa às teorias biológicas e psicológicas (sobre o caráter,
caracterológicas) do delito.
Questão difícil. O gabarito é letra C porque o foco da narrativa está nas consequências deli-
tivas da demissão de Paulo. Ele, integrante da classe média-alta, pensava nas dívidas a pa-
gar, na sensação de frustração, impotência e medo. Naquele momento, seus objetivos (suas
metas, suas compras, suas contas) não podiam mais ser satisfeitos pelos meios disponíveis
(seu salário), já que ele deixava de ter uma renda. E esse é o eixo central da teoria da anomia
de Robert Merton.
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Teorias Sociológicas
c) indica que é mais apropriado falar em criminalização e criminalizado que falar em crimina-
lidade e criminoso.
d) afirma que a criminalidade tem natureza ontológica.
e) pode ser chamado, também, de labbeling approach, etiquetamento ou paradigma etiológico.
Surgido nos Estados Unidos, o paradigma da reação social começa a abandonar os questio-
namentos etiológicos (estudo das causas do cometimento de crimes). Também conhecido
por labelling approach ou teoria do etiquetamento, tenta se distanciar da nomenclatura crime-
-criminoso, substituindo o enfoque dos estudos. Ao enfocar os processos de criminalização,
procura entender por que a alguém é satisfatoriamente atribuído um rótulo estigmatizante,
ou seja, porque algumas condutas e pessoas são selecionadas pelos mecanismos de reação
social – são criminalizadas – e outras não.
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d) tem o interacionismo simbólico na sociologia como forte influência para seu desenvolvi-
mento em ruptura aos modelos de consenso até então imperantes na Criminologia.
e) tem sua raiz na sociologia marxista do conflito.
O controle social formal se consolidou como objeto da Criminologia a partir dos anos de 1960,
nos Estados Unidos, com o labelling approach, também conhecido como teoria do etiqueta-
mento, teoria da rotulação social ou teoria interacionista. Trata-se de uma teoria do conflito.
Rompendo com o ideal consensual de sociedade, o labelling valia-se das ideias do interacio-
nismo simbólico para defender que estudar a realidade social implicava estudar os processos
de interação individual ocorridos no seio da própria sociedade.
A teoria da reação social ou do labelling approach também é conhecida por teoria do etique-
tamento ou da rotulação social porque, entre outros aspectos, estuda o processo de reação
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Teorias Sociológicas
do controle social formal ao crime e se debruça sobre a questão de como uma etiqueta de
criminoso é aplicada, colada, atribuída com sucesso a certos delinquentes.
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Teorias Sociológicas
d) São relações sociais baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das quais os in-
divíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de submissão e de exploração.
Para Baratta, as relações entre o preso e a sociedade são perversas, porque reafirmam e apro-
fundam a marginalização social, num mecanismo egoísta, fruto de uma sociedade capitalista,
e violento, permeado de privações e ilegalidades. O sistema penal ajuda a reproduzir e asse-
gurar as relações sociais verticalizadas. Ele cria contraestímulos à integração dos setores
mais baixos e marginalizados do proletariado e é orientando para atingir as formas de desvio
desses grupos socialmente mais débeis. Na letra “a”, Baratta é absolutamente crítico do cár-
cere. Ele diz que têm se mostrado infrutíferas as tentativas de socialização e de reinserção
através dessas instituições. Nas prisões, chamam a atenção o constante regime de privações
a que são submetidos os condenados e o processo negativo de socialização. Trata-se de
um processo de socialização em que há desculturação, isto é, desadaptação às condições
necessárias para a vida em liberdade, e aculturação ou prisionalização, que é a assunção de
atitudes e modelos de comportamento típicos da subcultura carcerária. Na letra “b”, o mais
importante para Baratta é modificar a sociedade capitalista excludente. Na letra “c”, os insti-
tutos de detenção são o momento culminante do mecanismo de marginalização, refletindo,
portanto, as características negativas da sociedade.
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Teorias Sociológicas
rizados os valores dessa nova subcultura, menor são as chances de reinserção na sociedade
posteriormente.
Questão difícil! Todas as afirmações estão corretas. No item I, a Criminologia Crítica tem forte
apelo marxista e, portanto, considera que há relação direta entre o modo de produção ca-
pitalista e o funcionamento dos modos punitivos. Não se trata mais de descobrir as razões
da delinquência ou de lutar contra o crime, mas sim de abolir as desigualdades sociais para
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equacionar o fenômeno delitivo. No item II, a Criminologia Crítica entende que os problemas
decorrentes das condições sociopolíticas e econômicas deterioradas têm reflexo no proces-
so de criminalização e, portanto, devem ser analisados. No item III, o conceito de crime para
a Criminologia requer que haja inequívoco consenso sobre a necessidade de criminalizar
uma conduta e, ademais, a Criminologia Crítica denuncia a imunidade penal dos poderosos.
O sistema legal é um instrumento a serviço da classe dominante para oprimir a classe tra-
balhadora. A justiça penal possuiria administradores: os funcionários não estão lá para lutar
contra o crime, mas sim para realizar a administração do fenômeno, recrutando a população
desviada dentre as classes trabalhadoras que são sua clientela habitual. Por isso fala-se que
é necessário formular uma definição proletária de crime. No item IV, a prevenção especial po-
sitiva (ressocialização) da pena é questionada porque o cárcere é o momento culminante do
processo de marginalização social, refletindo as desigualdades e agravando-as. No item V, a
Criminologia Crítica, a partir da década de 1990, sobretudo no aspecto específico da Crimi-
nologia Cultural, abarca o conceito de subculturas para questionar a existência de um único
sistema de valor oficial. A partir desse ponto de vista, a reprovabilidade (culpabilidade) da
conduta pode passar a ser questionada.
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Teorias Sociológicas
Os alemães Georg Rusche e Otto Kirchheimer, em 1939, na obra Punição e Estrutura Social,
estabelecem uma relação entre mercado de trabalho e cárcere. Nela, defendem exatamente
que a pena de prisão é relacionada ao surgimento do capitalismo mercantil, com a conse-
quente necessidade de disciplina da mão de obra para beneficiar interesses econômicos. A
letra “a” contém erro ao afirmar que a ressocialização é trazida para o centro do sistema pu-
nitivo: para Rusche e Kirchheimer a sociedade capitalista depende da existência de excluídos
e por isso a ressocialização pelo trabalho não consegue ter sucesso. São ideias conflitantes.
Na letra “b”, o erro existe porque o nascimento da prisão não foi uma conquista humanista.
Ele se deu porque era necessário encontrar mão de obra para o sistema capitalista. Ou seja,
não em função da necessidade de humanizar as penas, mas por uma razão econômica. Na
letra “c”, o erro está em enquadrá-los como pertencentes à Escola de Chicago. E na letra “d”,
o erro está em colocá-los como opositores da Criminologia Crítica, quando em realidade são
precursores dela.
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A reforma humanista do direito penal busca mudar o poder de punir. São reformas penais que
inserem novos princípios: para regularizar e universalizar a arte de castigar; para diminuir o
custo econômico e aumentar a eficácia da pena. Elas constituem uma nova economia e nova
tecnologia do poder de punir. O direito de punir não é mais decorrência da sede de vingança
do soberano. Ele é, agora, instrumento de defesa da sociedade.
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Teorias Sociológicas
O trecho acima, extraído de Vigiar e punir, sintetiza uma importante conclusão de Michel Fou-
cault decorrente de suas análises sobre a prisão como uma instituição disciplinar moderna.
Para o autor, a prisão permite
a) objetivar a delinquência por trás da infração e consolidar a delinquência no movimento das
ilegalidades.
b) classificar a delinquência em suas categorias e erradicar a delinquência do meio social.
c) reduzir a delinquência através do controle e controlar a delinquência por meio da repressão.
d) combater a delinquência por meio da punição e erradicar a delinquência do meio social.
e) controlar a delinquência por meio da repressão e diferenciar a delinquência da periculosidade.
Para Foucault, o sistema penitenicário revela a delinquência por trás da infração. O panoptis-
mo penitenciário é um sistema de documentação individualizante e permanente sobre o pre-
so: tudo é visto, registrado e se transforma em saber sobre aquele corpo, saber que regula a
prática carcerária. A partir do momento em que o infrator é condenado, ele passa a ser objeto
desse saber. O aparelho penitenciário efetua uma substituição: das mãos da justiça ele rece-
be um condenado (ou infrator), mas no lugar do condenado ele coloca o delinquente, que é o
indivíduo a ser conhecido, analisado, retreinado. O condenado ou infrator é caracterizado pelo
ato que cometeu. O delinquente, pela sua vida. Ou seja, por trás da infração (um ato), existe
a delinquência (uma vida), que o aparelho penitenciário desvenda. Além disso, para Foucault,
a prisão serve para demarcar a delinquência no campo maior das ilegalidades. A prisão não
se destina a suprimir infrações, mas sim a distingui-las, distribuí-las e utilizá-las. A penalida-
de é uma maneira de gerir as ilegalidades, de traçar limites de tolerância, deixando algumas
pessoas dentro da economia geral das ilegalidades, e excluindo outras. Ela demarca qual a
forma particular de ilegalidade sobre a qual quer jogar luz. A delinquência é a ilegalidade que
o sistema carcerário recortou e organizou. Nas letras “b” e “d”, a prisão não permite erradicar
a delinquência do meio social. Na letra “c”, a prisão não permite reduzir a delinquência. Fou-
cault, ao explicar que a prisão tem sido denunciada como o grande fracasso da justiça penal,
recorda que elas não diminuem a taxa de criminalidade e fabricam delinquentes. Na letra “e”,
a delinquência e a periculosidade estão conectadas para Foucault. As tipologias positivistas
foram cruciais na dinâmica de criar o delinquente, uma unidade biográfica, núcleo de pericu-
losidade, dotado de anomalia. Por isso, para Foucault, a técnica penitenciária e o homem de-
linquente são irmãos gêmeos, que surgiram juntos e que ajudam a formar, nos subterrâneos
do aparelho judiciário, a delinquência, em substituição à mera infração.
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A sanção normalizadora advém do poder normalizador. Ela é um dos pilares da disciplina (ao
lado da vigilância hierárquica e do exame) e é fortemente visível nas micropenalidades como
as que estão descritas no texto. A sanção normalizadora é um sistema de recompensa e de
punição instituído para corrigir desvios, especialmente mediante micropenalidades basea-
das no tempo (atrasos, ausências), na atividade (desatenção, negligência), e em maneiras de
ser (grosseria, desobediência). Trata-se de uma microeconomia de penalidade perpétua, de
cálculo permanente, que, no final das contas, deixa de julgar atos, mas passa a diferenciar
os indivíduos entre bons e maus, de acordo com sua natureza, sua virtualidade. Essa pe-
nalidade perpétua, ao controlar todos os instantes das instituições disciplinares, compara,
diferencia, hierarquiza, hogomeniza e exlcui, e isso tudo Foucault resume em uma palavra: ela
“normaliza.”
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O histórico das penas descrito por Foucault demonstra que há uma passagem das penas físi-
cas, de suplício, bárbaras, de execução nos patíbulos; para penas proporcionais aos crimes; e,
enfim, para a consolidação das penas privativas de liberdade no século XIX. Ele faz uma análi-
se da suposta suavização penal passando por esses três momentos históricos das punições.
Na reforma humanista do século XVIII, fala-se em uma penalidade suavizada, em que deve
haver humanidade, proporcionalidade (medida), individualização das penas e classificação
dos crimes e castigos. É necessário controlar a codificar as práticas ilícitas, principalmente
se se considera que passou a incomodar muito à nova burguesia a ascensão dos crimes con-
tra a propriedade. É que antes as principais ilegalidades eram dirigidas a direitos, mas com o
desenvolvimento da sociedade capitalista, elas se dirigiam aos bens. O roubo se torna mais
comum e incômodo, de modo que os códigos começam a separar e a classificar as ilegalida-
des. De um lado, as ilegalidades dos direitos, e de outro, as ilegalidades dos bens, sobre as
quais há menos tolerância e que exigem, portanto, vigilância constante.
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Para Baratta, o sistema escolar – assim como o sistema penal – ajuda a refletir a estrutura
vertical e hierarquizada da sociedade. As sanções escolares negativas, tais como repetição
de anos, notas baixas em provas, expulsões etc., são muito maiores quando se desce aos ní-
veis inferiores da escala social. Começa-se a perceber que as técnicas de seleção baseadas
em testes de coeficientes de inteligência ou no conceito de mérito não são neutras. Afinal,
os alunos provenientes de classes mais baixas têm enorme dificuldade de se adaptarem ao
mundo escolar, que é estranho a eles, em função, por exemplo, do uso de regras de compor-
tamento e linguagem bastante diferentes das normas de seus grupos de origem. E aí, diante
dessas dificuldades, advêm sanções negativas que refletem o quanto a escola é um instru-
mento de transmissão da cultura dominante.
O argentino Eugenio Raúl Zaffaroni denomina de realismo jurídico-penal marginal a sua análi-
se da deslegitimação do direito penal a partir do ponto de vista da América Latina, uma região
marginal do poder planetário. Na letra “a”, a Criminologia Dialética foi desenvolvida somente
por Roberto Lyra Filho. Na letra “b”, a Criminologia da Liberação (ou Libertação) foi desenvol-
vida somente por Lola Aniyar da Castro. Na letra “c”, a ideia de fortalecimento da Sociologia
do Controle Penal é somente do argentino Roberto Bergalli. E na letra “e”, As Matrizes Ibéricas
do Direito Penal Brasileiro é obra de Nilo Batista, somente.
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GABARITO
1. a 38. b
2. d 39. a
3. C 40. e
4. E 41. C
5. a 42. c
6. d 43. d
7. e 44. d
8. b 45. a
9. E 46. e
10. C 47. a
11. c 48. c
12. a 49. b
13. a 50. d
14. e
15. e
16. b
17. d
18. e
19. d
20. d
21. c
22. d
23. b
24. a
25. b
26. C
27. c
28. a
29. C
30. b
31. c
32. a
33. d
34. c
35. e
36. c
37. d
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