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educação
Este texto foi elaborado com objetivo de sistematizar as discussões teóricas e políticas que a
militância do PCB tem realizado no confronto ao desmonte educacional que o país vem
enfrentando, em especial com a reconfiguração do padrão de acumulação capitalista que, em
decorrência da pandemia de Covid-19, acelerou medidas ainda mais impactantes para a
precarização do trabalho e do estudo. A plataformização da educação já não é mais uma medida
paliativa para o período pandêmico, ela já é uma “solução” para as empresas educacionais privadas
que exploram a educação como setor econômico para acúmulo de riqueza e ampliação de sua
lucratividade; e para os governos cortarem ainda mais recursos da educação pública. As ações
políticas que desenvolvemos no confronto à estas medidas, bem como a insistência da burguesia e
seus governos subordinados, parlamentos e gestões de escolas e universidades (direções e reitorias
tanto de instituições públicas como privadas), nos levou a realizar um seminário de aprofundamento
do debate, em novembro de 2022, para instrumentalizar nossas ações políticas e de agitação e
propaganda para levarmos adiante o embate contra mais um dos mecanismos de destruição do
presente e do futuro: o ensino híbrido/remoto/EaD e o trabalho remoto/teletrabalho.
Nos atendo mais especificamente para o sistema de dominação do Estado moderno burguês,
Gramsci nos ajuda com um conjunto de conceitos que precisam ser compreendidos na sua
interconexão. Para Gramsci o Estado é constituído por aparelhos repressivos e coercitivos, mas
também se faz presente na sociedade civil, esta composta pelos aparelhos privados de hegemonia.
Para Gramsci (2014, p. 258), “isso significa que por Estado deve-se entender, além do aparelho de
governo, também o aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil”. Dessa compreensão deriva
o conceito de Estado integral ou ampliado que, organicamente, contém em si a sociedade política,
ou Estado restrito, e a sociedade civil, espaço no qual ocorre a luta de classes.
Portanto, quando nos propomos a analisar as políticas educacionais e sua estreita vinculação
à ordem do capital, é preciso desfazer a quimera ideológica da suposta divisão dicotômica na qual
estaria, de um lado, o Estado neutro, e, de outro, a sociedade civil que, se bem organizada – leia-se
organizações da sociedade civil e tutti quanti –, cumpriria seu papel na garantia do exercício da
cidadania.
Por essa razão Gramsci formula o conceito de Estado integral ou ampliado, que comporta
em si, de forma orgânica, tanto a sociedade política (Estado restrito) quanto a sociedade civil
(espaço de luta de classes em que atuam os aparelhos privados de hegemonia). Isso implica que o
poder do Estado como um órgão de dominação de classe se dá não apenas no âmbito da sociedade
política, mas, medularmente, nos espaços da sociedade civil nos quais estão presentes os aparelhos
privados de hegemonia e seus intelectuais orgânicos. Caberia então aos intelectuais orgânicos do
capital, a função de elaboração da ideologia da classe dominante.
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos (promovida pela UNESCO, UNICEF,
PNUD e BM), realizada em Jomtien na Tailândia em março de 1990, estabeleceu um pacto mundial
dos organismos internacionais com as nações subordinadas em torno de um projeto educacional que
visava, dentre outros aspectos, determinar a transformação da educação como direito em um
serviço, ou seja, em mercadoria ofertada e consumida. Os termos da Carta Compromisso desta
conferência utilizam palavras dóceis para ações violentas contra o povo trabalhador. Neste
documento, quando se fala em “fortalecer alianças” significa integrar o público e o privado para a
oferta do “serviço” educação; quando fala em “melhoria da qualidade” aponta indicadores nacionais
e internacionais como parâmetros educacionais abstratos que desconsideram a realidade dos
contextos desiguais e combinados do capitalismo; quando fala em “solidariedade internacional” se
refere à abertura política e legislativa para a inserção de conglomerados empresariais da educação
mundial e exploração dos recursos públicos e do patrimônio nacional para fins de lucratividade
capital-imperialista.
educacionais privadas - o sonho de FHC e dos Chicago Boys que Lula e Dilma realizaram -, tais
como: Prouni, Proies, Pronatec e restruturação do FIES que já havia sido criado no governo FHC.
E, além de transferir recursos da educação pública para a iniciativa privada, fomentou o
mecanismos da dívida pública através de negócios financeiros de títulos da dívida repassado à
empresas educacionais. Mesmo políticas como o REUNI de ampliação de cursos e matrículas no
Ensino Superior, são determinadas pela lógica destrutiva do trabalho e da educação, pois a
contratação de docentes e TAEs para as instituições públicas ampliaram a defasagem de pessoal em
relação à quantidade de horas e estudantes para atendimento, ou seja, o aumento da demanda foi
muito superior às contratações de pessoal para as instituições de ensino, intensificando o trabalho e
piorando as condições de estudo para a juventude. Sem contar que o Reuni não foi apenas um
programa de ampliação de vagas em instituições de ensino superior, as legislações educacionais
estabelecidas junto ao programa definem que o REUNI é uma concepção de universidade em que os
currículos de formação são aligeirados e determinados por competências, a qualidade da educação é
avaliada por formas de ranqueamento, o financiamento é condicionado à indicadores de avaliação
externa e captação de recursos de empresas privadas, dentre outros aspectos já amplamente
apontados em estudos e pesquisas sobre as políticas educacionais dos governos petistas. As políticas
privatistas do PT no governo federal se ampliaram também com outras políticas como: Lei de
Inovação Tecnológica, Lei das Parcerias Público-privadas, Marco Legal de Ciência, Tecnologia e
Inovação, Ebserh e outras.
O desmonte da educação pública para o expansão das empresas educacionais privadas teve
fortalecimento ainda maior no governo Dilma (PT), especialmente na elaboração do PNE
(2014-2024) que teve como principal protagonista o conglomerado empresarial chamado Todos
Pela Educação que vem, há décadas, definindo a política educacional que os governos
implementam. Um PNE privatista e gerencialista que estabelece a ampliação do acesso à educação
condicionado à programas de repasse do fundo público para a iniciativa privada. É também no
governo Dilma (PT) que as medidas de contingenciamento (que na prática são cortes
orçamentários) de recursos para a educação se tornam mecanismos constantes do Poder Executivo
para diminuir recursos para a educação pública federal. Desde 2013 que estas medidas vêm sendo
adotadas e, no governo do usurpador Michel Temer (MDB), se tornaram parte da Constituição
Federal através da EC 95/2016 que diminui drasticamente o orçamento da União para os direitos
sociais e serviços públicos.
É no governo Temer (MDB) que também se aprova a Reforma do Ensino Médio e a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), já gestadas nos governos anteriores, que estabelecem um
projeto de educação adequado para as transformações do mundo do trabalho do período de crise do
capital, portanto, precarizantes e alienantes da formação escolar na Educação Básica e no Ensino
Superior.
Além das políticas educacionais, outras determinações que precarizam a educação pública
dizem respeito às mudanças nos direitos sociais e trabalhistas que, ao longo de todos estes
governos, conformam a demanda do capital sobre o trabalho. Ou, como amplamente utilizamos
como palavra de ordem: o lucro acima da vida! Desde FHC, todos os governos desmontaram o
sistema previdenciário com as Reformas da Previdência que praticamente impedem trabalhadores e
trabalhadoras de acessarem a aposentadoria através do regime de previdência pública, fortalecendo
e criando fundos privados de pensão que somente servem para ampliar a destinação de recursos
públicos e de trabalhadores e trabalhadoras para o mercado financeiro.
As diferentes medidas de desmonte dos direitos trabalhistas também são impactantes para a
precarização do trabalho e estudo. Desde a ampliação das formas de terceirizações que não apenas
atribuem à empresas terceirizadas as “atividades fim”, que acabam por diminuir a realização de
concursos públicos e contratações para as instituições de ensino (que passam a contratar empresas
que oferecem serviços de gestão educacional e/ou de docentes remunerados pelo número de aulas
dadas). A ampliação da pejotização (pessoas contratadas como pessoa jurídica com registro em
CNPJ) que restringe o acesso do trabalhador e da trabalhadora a direitos previstos no regime
jurídico do serviço público ou da carteira assinada: como férias, décimo terceiro salário, licenças
maternidade e de saúde, dentre outros direitos que fazem parte da regulação social do trabalho
conquistadas com muitas lutas sindicais. O trabalhador e a trabalhadora, nessa forma de relação de
trabalho, prestam serviços. Portanto, assim como a pessoa entrega um lanche sendo moto-boy, faz
uma faxina como diarista, cuida de um cachorro como petsitter, também dá uma aula como docente.
E recebe por serviço prestado e não como trabalho com proteção social.
dos dez maiores milionários do mundo em 2022 tem sete destes vinculados à empresas de
tecnologias digitais de informação, ou seja, um setor da economia preponderante à demais setores
para enriquecimento de poucas pessoas. O que está em jogo nestas determinações para a educação
são: a formação docente e profissional, a gestão do tempo e do trabalho na sala de aula, a
responsabilização e a alteração na carreira de trabalhadores e trabalhadoras da educação.
Ainda sobre jornada de trabalho, a classe trabalhadora sempre luta pela regulamentação da
jornada como instrumento de proteção contra a superexploração, assim como a permanente luta pela
diminuição da jornada sem diminuir salários é uma luta histórica dentro do capitalismo na medida
em que o trabalho é vendido à um patrão que explora, portanto, o tempo de trabalho é um tempo
que não pertence ao trabalhador e à trabalhadora. Quanto menor for esse tempo vendido, mais horas
sobram para a autonomia de sua vida. Na jornada de trabalho docente, uma das lutas da categoria
tem sido, há décadas, a referência da Hora Aula ao invés da Hora Relógio, pois o tempo de um
período escolar não é o mesmo para a realização de uma aula, pois esta necessita ter preparação,
organização e produção de materiais didáticos, avaliação, atendimento antes e depois do período
etc. E se a forma remota/híbrida das aulas avançar ainda mais, possivelmente as lutas sindicais da
categoria em relação à jornada de trabalho será entre horas síncronas e assíncronas. Obviamente que
a burguesia e os governos quererão regular a jornada ampliando a intensificação do trabalho
docente e a precarização do mesmo.
desiguais do capitalismo, a grande maioria de estudantes tem acesso a única refeição diária de
qualidade na merenda escolar e nos restaurantes universitários do Ensino Superior garantidos pela
assistência estudantil.
Esse quadro ainda se agrava com a “substituição” de docentes e TAE por plataformas
gerenciais e educativas, inclusive com a aquisição de pacotes de cursos online pelas instituições que
descartam a necessidade de docentes e TAE para o trabalho pedagógico. A qualidade da formação
não é, nem de longe, a preocupação dos propagandistas das formas remotas de ensino e trabalho.
encontra nos espaços. As iniciativas tecnológicas apresentadas têm também o sentido de confrontar
as organizações da classe para dificultar sua mobilização e luta. Podemos traçar um paralelo em
relação à reestruturação produtiva neoliberal dos anos 1990 no Brasil que modificou a esfera
produtiva das grandes indústrias para polos atomizados de produção que colocava o povo
trabalhador em diferentes setores da produção e não mais em fábricas que reuniam um contingente
maior de trabalhadores e trabalhadoras que se organizavam em seus sindicatos e lutavam pela
conquista de direitos. Assembleias e reuniões em formato online não substituem, de nenhuma
forma, a luta presencial, coletiva e de mobilização da classe. Inclusive, se torna comum que “fura-
greves” se utilizem das plataformas online para ministrarem aulas ou realizar suas tarefas no
teletrabalho. A plataformização da educação, portanto, incide na luta de classes para desarmar a
classe trabalhadora nos instrumentos políticos que historicamente garantem direitos sociais.
Por todas estas razões e análises aqui desenvolvidas que entendemos a importante tarefa da
classe trabalhadora de combater todas as iniciativas de plataformização da educação e do trabalho.
Para garantir a qualidade da educação e da formação humana, para evitar o aumento do
desemprego, para garantir assistência estudantil de acesso e permanência e, principalmente, para
lutar por uma educação da classe e pela classe. Somente no presencial e coletivo conquistamos o
futuro da humanidade emancipada das amarras do capitalismo.
Referências
MARX, Karl. Parte terceira. Lei: Tendência a cair da taxa delucro. In:Marx, Karl. O capital. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 277-316. Livro 3. Volume 4.
MARX, Karl. A lei geral da acumulação capitalista. In: MARX, Karl. O capital: crítica da economia
política. 25. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. v. 2, livro II, p. 713-824.