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Resumo
O
artigo analisa as possibilidades e limites de superação da
alienação do trabalho presentes na expansão das cooperativas
de produção no seio do modo de produção capitalista. Primei-
ramente, examina a categoria de alienação presente nas elaborações do
jovem Marx, atualizando-a com relação ao conceito do valor-trabalho,
introduzido em suas obras posteriores. Em seguida, estabelece uma
Rodrigo Straessli compreensão sobre o que se pode entender por trabalho emancipado,
Pinto Franklin
oposto à alienação. Por fim, identifica os pontos nos quais o cooperati-
Doutorando e Mestre em
Economia do Desenvolvimento vismo colabora para esse processo de emancipação e as limitações que
pelo Programa de Pós-Gradua- pode possuir caso seja adotado como estratégia isolada para a superação
ção em Economia da Universi- do capitalismo.
dade Federal do Rio Grande do
Sul – PPGE/UFRGS. Bolsista Palavras-chave: alienação do trabalho; cooperativismo; luta de classes.
do CNPq – Brasil.
Classificação JEL: B51, J54, P13.
Pollyanna
Paganoto Moura Abstract
Mestranda em Teoria
The article analyzes the possibilities and limits of overcoming alienation
Econômica do Programa de
Pós-Graduação em Economia of labor existing in the expansion of production cooperatives within the
da Universidade Federal do capitalist mode of production. First, it examines the category of aliena-
Espírito Santo – PPGEco/
tion present in the elaborations of the young Marx, updating it with res-
UFES. Bolsista da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Espírito pect to the concept of labor value, introduced in his later works. Then,
Santo - FAPES. it establishes an understanding about the emancipated labor, in contrast
to alienation. Finally, it identifies the points por meio de relações monetárias, alienando as
at which the cooperativism contributes to this relações sociais ao transformá-las em meras
process of emancipation and the limitations that relações materiais entre mercadorias.
it may contain in case of being adopted as an
E, assim, o próprio capitalismo deu início ao
isolated strategy to overcome capitalism.
movimento que geraria sua antítese. A classe
Keywords: alienation of labor; cooperatives; trabalhadora, ao ser pressionada pela exploração
class struggle. desumana do capitalismo – uma exploração, ao
mesmo tempo, aberta e dissimulada –, insur-
giu contra seus opressores, em uma tentativa
Introdução
de alcançar uma sociedade cuja base fosse o
O conflito de classes é o motor do desenvol-
trabalho livre e emancipado. Com isso nasceu o
vimento histórico da sociedade humana, que
novo conflito, ou melhor, a nova forma como se
segue um percurso dialético de sintetização
expressa o antigo conflito entre classes antagô-
entre diversas teses e suas antíteses. As condi-
nicas, que definirá a próxima síntese da socieda-
ções materiais do período histórico precedente
de humana.
são as bases em que se darão as transformações
históricas atuais, que por sua vez determinarão Muitas ideias, curiosamente a maioria prove-
as condições materiais das fases vindouras. niente de teóricos burgueses, surgiram com o in-
tuito de explicar o que seria e como se daria essa
É dessa forma que o capitalismo surgiu como
sociedade utópica. Neste contexto, surgiram os
uma síntese de um momento histórico anterior.
autores que mais tarde foram denominados de
Revoluções burguesas, acumulação primitiva
“socialistas utópicos”. Estes tinham como objeti-
de capital, migração de camponeses para as
vo a implantação, com o apoio e a iniciativa da
cidades, revolução industrial, enfim, todos esses
burguesia, de uma sociedade justa e igualitária,
processos, criados e/ou direcionados pelos cho-
através da criação de núcleos de produção geri-
ques de interesses, desembocaram em um novo
dos pelos próprios trabalhadores, que seriam os
modelo de acumulação que, ao mesmo tempo
proprietários dos meios de produção. A evolução
em que desnudou as relações de exploração, ao
das ideias destes autores resultou no surgimento
retirar destas as institucionalidades políticas e
do cooperativismo, um movimento baseado na
religiosas que lhe davam forma, as dissimulou
associação livre de trabalhadores, com o intuito
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do trabalho emancipado de acordo com a teoria “alienação do trabalho”, mas nem sempre com
marxista. Na segunda sessão faremos uma breve um mesmo conteúdo. Além disso, suas raízes
análise sobre as possibilidades de emancipa- hegelianas, as influências que sofreu de Feuerba-
ção do trabalho a partir das cooperativas de ch e a posterior ruptura com estes dois teóricos
1
produção. contribuíram para a complexidade da questão:
teria Marx desenvolvido um conceito em opo-
sição a Hegel, ou buscado a superação da teoria
1. A teoria da alienação em Marx
hegeliana no melhor dos termos do Aufhebung2
A alienação do trabalho humano está na essên-
alemão? Será que, para Marx, os diversos signifi-
cia do modo capitalista de produção e acumu-
cados do conceito de alienação estiveram sempre
lação. Entretanto, não é isso que aparenta o
conectados, ou teria ele atribuído diferentes
sistema baseado na exacerbação da “liberdade”
significados ao termo à medida que mudava sua
individual. De fato, muitos pensadores se propu-
concepção?
seram a desvendar o funcionamento das insti-
tuições capitalistas, e tantos outros o fenômeno A segunda polêmica que envolve a alienação do
da alienação do ser humano em sua pluridimen- trabalho é quanto ao papel reservado, por Marx,
sionalidade, mas sem estabelecerem qualquer para este conceito. Alguns autores acreditam
relação direta entre os dois temas. que a alienação do trabalho está por trás de todo
sistema econômico-filosófico de Marx, enquan-
Karl Marx foi o primeiro a estabelecer esta liga-
to outros argumentam vigorosamente que não
ção teórica entre os filósofos e os economistas po-
passa de um fruto de devaneios de um jovem
líticos. Ele mostrou que era uma tarefa necessária
Marx idealista, que foi superado pelo autor em
tanto para a economia compreender o processo de
sua maturidade.
alienação do trabalho, quanto para a filosofia des-
vendar os mistérios das relações sociais de produ- Como fica claro, ambas as questões concentram
ção. Contudo, o conceito marxista de alienação é, suas principais divergências na discussão sobre
até hoje, alvo de grande divergência entre os mar- uma possível ruptura na evolução do pensa-
xistas. Este debate divide-se em duas questões mento de Karl Marx, que colocaria de um lado
principais: quanto ao significado do conceito, e um jovem Marx com seu afã pela filosofia, e de
quanto ao seu papel na teoria marxista. outro um Marx maduro, com suas preocupações
voltadas para os fatos concretos da economia
A primeira dessas questões tem por base o fato
política. Faremos, então, uma breve sumarização
de que, durante toda a sua vida, Karl Marx pro-
deste debate.
duziu diversas obras em que utilizava o termo
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Esse humanismo, no entanto, logo cairia por dominaram a análise marxista. A mais-valia,
terra. Na obra A ideologia alemã, escrita em 1846 que passou a explicar os mecanismos de ex-
e com coautoria de Engels, Marx teria formu- ploração do capital, fez o papel que pertencia
lado uma autocrítica de seus trabalhos anterio- à propriedade privada nos pensamentos do
res na forma de uma crítica a Feuerbach. Essa jovem Marx.
crítica foi feita a fim de desqualificar todos os
Diante desta argumentação, a ruptura esta-
jovens hegelianos de seu período e o materialis-
va completa. Um era o Marx filosófico dos
mo contemplativo que os regia. Livre de Hegel,
Manuscritos, o outro era o Marx economista
Marx começou a traçar as bases para o seu
político d’O capital. Alienação versus valor-tra-
materialismo histórico, buscando na realidade
balho. Propriedade privada versus mais-valia.
concreta, ou seja, na realidade material das rela-
Filosofia versus economia política. Jovem
ções sociais, a base para seu pensamento.
Marx versus velho Marx.
O próximo passo teria sido dado com a publica-
Passamos agora a analisar o posicionamento
ção da obra Miséria da filosofia, publicada como
daqueles que não concordam com essa ruptura
crítica à obra Sistema das contradições econômicas
entre jovem e velho Marx, e que acreditam em
ou filosofia da miséria, de Pierre-Joseph Prou-
um desenvolvimento orgânico e coerente de
dhon. Em sua crítica, Karl Marx incorporou a
suas obras e ideias, dentre os quais poderíamos
teoria do valor-trabalho nos termos concebidos
destacar György Lukács, Leandro Konder e
por David Ricardo, que é a determinação do
István Mészáros. Longe de não reconhecerem
valor pelo tempo do trabalho. A teoria do valor-
uma evolução do pensamento de Marx, estes
-trabalho foi reconhecida como fundamento da
autores rejeitam “a idéia dramatizada de uma
economia política enquanto ciência, e o termo
inversão radical de sua posição depois dos Ma-
“alienação”, conforme ressalta Gorender (1982, p.
nuscritos de 1844”. (Mészáros, 1981, p. 210)
IX), nem foi citado.
As elaborações teóricas do “jovem Marx”
Posteriormente, em O capital, Marx teria, então,
foram nada mais do que seu ponto de partida.
elaborado um sistema livre do conceito de alie-
O próprio Marx deixou claro que as escreveu
nação, que só apareceria “despido de conotações
sem uma conclusão prévia em mente. Sendo
especulativas e em raras passagens” e, sobre-
obras incompletas, no sentido de não apre-
tudo, representado por sua “versão concretiza-
sentarem um sistema econômico-filosófico
da”: o fetichismo. (Gorender, 1982, p. XXVI) As
concluído, não devem ser analisadas separada-
relações sociais de produção e suas mistificações
mente. Deve-se buscar o entendimento de seus
Marx não teria abandonado o conceito de aliena- Levando em consideração o que foi exposto, nos
ção, nem quando identificou, mais tarde, a vali- parece apropriado analisar a alienação do traba-
dade da teoria do valor-trabalho. Na obra “Marx: lho como elemento central do sistema marxista.
a teoria da alienação”, István Mészáros levantou Todavia, não vemos motivo para crer que este
uma série de trechos de diversas obras pós- conceito, tal como foi desenvolvido nos Manus-
-manuscritos de Marx em que o termo alienação critos de Paris, tenha permanecido intacto du-
não só se fazia presente (na forma predicativa rante toda a evolução do pensamento de Marx.
da palavra alemã Entfremdung), como também A análise que Marx elaborou nos Manuscritos de
apresentava grande relevância na argumenta- 1844, por mais que tenha se aprofundado para
ção marxista. (ibidem, pp. 201-205) Destaco esta além do que os economistas políticos de sua
citação d’O capital: “[…] O capital cada vez mais época, trata dos fenômenos sociais em um nível
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tanto quanto superficial da realidade. À medida fundamento econômico, já que são as condições
que Marx alcançava uma elaboração mais próxi- materiais de vida, frutos da produção material,
ma da essência dos fenômenos sociais, surgiam que determinam a consciência humana. Lan-
novos conceitos que implicavam uma modifica- çamos mão da argumentação de Laymert dos
ção de seus escritos anteriores. Santos para explicar esta relação:
Esta evolução dialética do pensamento de Marx Ocorre que os homens pensam e, como seres
não pode ser negada. Afinal, como podem os pensantes, representam para si mesmos e para
os outros o que fazem. Essas representações, esse
Manuscritos de 1844 serem completamente com-
pensamento, são uma emanação direta de como
patíveis com, por exemplo, a teoria do valor-tra-
se comportam. Então os homens produzem e
balho, sendo que, naquele, esta não era aceita? O pensam, produzem materialmente e produzem
fato de Marx ter lançado nos Manuscritos a base representações, ideias, sobre a sua produção ma-
para toda a sua teoria não elimina a evolução de terial. Representações e ideias que também são
seu pensamento. condicionadas pelas mesmas condições materiais
de produção. Essas representações, essas ideias,
Partindo de tais concepções, apontamos para
formam a consciência; uma consciência que é
uma necessidade de atualização do conceito de determinada pela produção, que vem se sobrepor
alienação do trabalho da forma como foi apre- a ela […]. (Santos, 1982, p. 47)
sentado nos Manuscritos para o modo que foi
Uma vez que a consciência é derivada direta da
utilizado n’O capital.
realidade material, é exatamente no momento
1.1. Alienação do trabalho revisitada em que ela se desprende dessa realidade que a
alienação se torna potencial, o que ocorre com o
A alienação é, em suma, um processo de estra-
surgimento da divisão social do trabalho. Isso
nhamento e de escravização.4 Neste processo, o
significa dizer que com a divisão social do tra-
ser humano objetiva parte de si e passa a vê-la
balho, a consciência do homem deixa de se rela-
como um objeto autônomo, com vontades pró-
cionar diretamente com aquilo que a originou.
prias. Assim, o homem perde o controle de algo
que faz parte dele, e passa a ser controlado por Vejamos: enquanto a produtividade da socieda-
esse algo, agora estranho a ele. de humana se encontra em tal nível que uma
pessoa não seja capaz de produzir além do
O que, a princípio, passaria por um mero proble-
suficiente para a própria subsistência, todos os
ma de consciência, por se tratar da forma como
indivíduos precisam inevitavelmente se envolver
o homem se relaciona com parte de si mesmo,
no processo de produção material da sociedade,
deve ser compreendido como um problema de
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produção material), e nem de superar, portanto, ordem de exposição apresentada por Marx, visto
as demais formas de alienação das quais são que agora partimos de uma concepção teórica
vítimas (política, religiosa etc.). diferente. Em suas digressões sobre a alienação
do trabalho nos Manuscritos, Marx começou
Da mesma forma, o capitalista, não-produtor,
com o seguinte parágrafo:
por mais que esteja livre para realizar plenamen-
te suas capacidades intelectuais, enquanto tais O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto
capacidades permanecerem separadas do proces- mais riqueza produz, quanto mais sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador
so de produção material, não será ele capaz de
torna-se uma mercadoria tanto mais barata,
pensar de acordo com a sua realidade material,
quanto maior número de bens produz. Com a
e da mesma forma permanecerá alienado em valorização do mundo das coisas aumenta em
todos os sentidos. proporção direta a desvalorização do mundo dos
Por esse motivo, a alienação do trabalho, a sepa- homens. O trabalho não produz apenas mercado-
rias; produz-se também a si mesmo e ao traba-
ração entre consciência e prática, determinada
lhador como uma mercadoria, e justamente na
pelas condições materiais de produção do perí-
mesma proporção com que produz bens. (Marx,
odo atual, é o conceito-chave para a resolução 1989, p. 159 [grifos nossos])
de todas as outras formas de alienação dentro
Com o foco na propriedade privada, Marx vai
do pensamento marxista.6 Nos Manuscritos
desenvolver a categoria de alienação a partir da
econômico-filosóficos, Marx desenvolve os quatro
expropriação do produto do trabalho humano.
aspectos que a alienação do trabalho apresenta
Todavia, acreditamos que, se tivesse elaborado
no capitalismo: alienação da natureza; alienação
tal análise n’O Capital, ele tê-la-ia concebido a
do indivíduo; alienação da condição humana; e
partir da transformação do trabalhador em mer-
alienação das relações sociais.
cadoria, ou seja, a partir da alienação mercantil
Como dito anteriormente, não acreditamos da força de trabalho.
que a adoção do valor-trabalho tenha invalida-
do qualquer um destes aspectos, mas isso não 1.1.1. Alienação do indivíduo
significa que eles tenham sobrevivido incólumes Esse processo de transformação do trabalha-
do aprofundamento do pensamento marxiano. dor em mercadoria só é possível devido a duas
Faremos uma atualização dos aspectos apre- premissas: primeiro, o trabalhador tem que
sentados nos Manuscritos de Paris a partir de ser proprietário livre de sua força de trabalho;
elementos presentes n’O capital. segundo, o trabalhador não pode ser capaz de
Antes, porém, sugerimos uma inversão da satisfazer as suas próprias necessidades através
Durante esse tempo, o trabalhador deixa de per- Em nenhum sentido a máquina aparece como
tencer a si mesmo e passa a pertencer ao capita- meio de trabalho do trabalhador individual. A
sua differentia specifica não é de forma alguma,
lista. O trabalhador sai de seu corpo, se desliga,
como no meio de trabalho, a de mediar a ativi-
fica ausente, sente as cordas que amarram seus
dade do trabalhador sobre o objeto; ao contrá-
membros de forma que possa ser manipulado rio, esta atividade é posta de tal modo que tão
como uma marionete. O trabalhador não pensa, somente medeia o trabalho da máquina, a sua
não sente, apenas faz. ação sobre a matéria-prima – supervisionando-a
e mantendo-a livre de falhas […]. A atividade do
O trabalhador não se reconhece no processo de
trabalhador, limitada a uma mera abstração da
produção porque não se pertence durante o
atividade, é determinada e regulada em todos os
processo. Ele deixa de existir enquanto indiví- aspectos pelo movimento da maquinaria, e não o
duo quando trabalha, e passa a existir somente inverso. (Marx, 2011, p. 580)
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O trabalhador, que objetivou sua força de tra- expresse sua vontade perante o ambiente que o
balho, não é capaz de reconhecer a sua própria cerca, perante o mundo dos sentidos. Mas o ho-
participação no processo de produção, que agora mem não só expressa, como se impõe e domina
o domina em nome do capitalista. O trabalhador a matéria sobre a qual age – em outras palavras,
está alienado de si e do processo produtivo. Essa através da produção material o ser humano
separação entre trabalhador e processo de produ- domina a natureza. Em suma, o homem modifi-
ção é o primeiro aspecto da alienação do trabalho ca o ambiente ao seu redor através do trabalho,8
no capitalismo: a alienação do indivíduo. que se concretiza no produto.
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A atividade produtiva passa a ser apenas um de trabalho e da mercadoria, mais próximo da
meio do trabalhador garantir a sua existência natureza humana? Este modo de produção, que
física. Ele abre mão da sua participação na cons- aliena os trabalhadores, não faz menos com os
trução material da sociedade e passa a exercê- não-trabalhadores, afinal, “tudo que aparece
-la simplesmente pela vontade de outro. A vida no trabalhador como atividade de alienação se
genérica, realização da natureza humana, passa manifesta no não-trabalhador como condição de
a ser apenas um meio para a vida individual. O alienação”. (ibidem, p. 171).
trabalhador busca sua realização enquanto ser
1.1.4. Alienação das relações sociais
não na esfera pública da produção, mas na esfe-
ra privada individual do consumo. “Na medida Por fim, à medida que o trabalho alienado afasta
em que o trabalho alienado subtrai ao homem o o ser humano de sua vida genérica, de seu ser
objeto da sua produção, furta-lhe igualmente a social, ele afasta o homem de sua relação com o
sua vida genérica, a sua objetividade real como próprio homem. (ibidem, p. 166) O ser humano
ser genérico”. (ibidem, pp. 164-166) não é capaz de compreender as relações sociais
por trás do processo de produção de mercado-
Graças ao seu trabalho alienado, o trabalhador
rias. Para ele, tais relações são estranhas, obscu-
estranha a sua própria natureza, a sua própria
ras ou até inexistentes.
condição humana. O ser universal é agora algo
fora do homem. Objetivada pelo processo de Como os trabalhadores estão podados de suas
produção, a vida genérica deixa de pertencer ao relações com o mundo exterior, eles consequen-
trabalhador. Vai para longe dele, junto com seu temente estão podados de suas relações com os
produto e com a atividade de produção, pois a outros trabalhadores. Dessa forma, dominados
vende junto com sua força de trabalho. pela mercadoria, apenas com ela podem se
relacionar.
O trabalhador despojado torna-se mais uma vez
um escravo. Desta vez, ele é dominado pelas suas Para o indivíduo de uma sociedade capitalista,
próprias necessidades materiais. Afinal, é em be- as relações sociais de produção, que são relações
nefício das suas necessidades materiais, da sua entre pessoas, são transformadas em relações en-
realização como ser individual, que o homem tre coisas, relações entre meras mercadorias. Isto
aliena sua própria natureza. ocorre devido ao fato de as mercadorias encerra-
rem nelas mesmas um mistério, um fetiche.
Uma vez que o trabalhador se encontra afastado
da condição humana, estaria então o capitalista, A mercadoria é misteriosa simplesmente por
proprietário dos meios de produção, da força encobrir as características sociais do próprio
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A alienação das relações sociais ganhou mais humanização das relações sociais, e, neste pro-
profundidade com o desenvolvimento da teoria cesso, as condições materiais de vida deverão ser
de Marx. Apesar de ser a forma menos desen- modificadas para que possam reproduzir essa
volvida nos Manuscritos econômico-filosóficos, ela condição de trabalho emancipado, i.e., para que
se faz presente por trás de quase todo O capital. o produto do trabalho reflita as relações deriva-
A teoria do valor de Marx alcançou elementos das do processo produtivo.
fundamentais para a adequada compreensão
De acordo com a concepção do materialismo
desse aspecto da alienação – como, por exemplo,
histórico de Marx, o capitalismo, enquanto
o trabalho abstrato e o fetichismo da mercado-
modo de produção historicamente localizado,
ria. Nos Manuscritos, Marx buscou partir do que
chegará necessariamente a um fim. Porém, nada
chamou de “fatos econômicos contemporâneos”,
se pode concluir sobre que sistema irá sucedê-
e podemos perceber que se manteve fiel aos
-lo. A mobilização da classe trabalhadora será
fatos como os observou naquele período. Acre-
decisiva para a superação do capitalismo, visto
ditamos que as mudanças em suas conclusões
que o movimento histórico é determinado pela
deveram-se exclusivamente ao aprofundamento
luta de classes.
de suas pesquisas, sem apresentar uma ruptura
A questão fundamental é que, sendo a alienação
de sua posição político-filosófica.
um conceito sócio-histórico, a sua superação
1.2. A emancipação do trabalho também deve ser. Disso decorre primeiramente
que a transcendência da alienação deve compre-
Tendo claro o conceito de alienação do traba-
ender um desenvolvimento histórico necessário,
lho, devemos nos aprofundar no debate sobre
que se dará a partir das instituições e condições
as formas de sua superação, ou seja, da eman-
materiais capitalistas. Essa transformação social
cipação do trabalho. Se as divergências sobre o
deve consistir em um movimento de superação
tema anterior já são muitas, o debate sobre sua
dialética da alienação, em que ocorra tanto
superação é ainda mais complexo.
a supressão de seus determinantes, quanto a
Em suas obras, Karl Marx coloca, de forma
preservação e superação de alguns elementos
categórica, que o homem só se tornará comple-
fundamentais para sua transcendência. E como
to, ou seja, livre dos fenômenos da alienação,
um processo histórico, ela não poderá nunca
no comunismo, pois “nele o homem será capaz
ser considerada definitiva, visto que, como
de se reconciliar consigo mesmo, com o gênero
fenômeno histórico, sempre será passível de
humano e com a natureza”. (Santos, 1982, p.
modificação.
41) O comunismo é o resultado do processo de
Além de representar uma alternativa ao desem- A exploração do trabalho nas cooperativas ainda
prego e às precárias condições de trabalho, um é uma realidade. Uma vez inseridas em um
dos objetivos relacionados ao cooperativismo contexto capitalista, não são necessariamente
é o de apresentar uma alternativa ao próprio os trabalhadores associados que absorvem a
30
que, por isso mesmo, se aliena). Esses proprietá- tornam-se mais próximos do próprio processo
rios dos meios de produção precisam trabalhar produtivo, e com isso, aproximam-se de si mes-
nas cooperativas das quais fazem parte e, para mos enquanto indivíduos envolvidos no pro-
isso, organizam-se na forma da autogestão. cesso produtivo. E ainda, são os associados em
conjunto que decidirão sobre a forma em que
A autogestão permite a convergência entre pro-
devem ser distribuídos os produtos e as receitas
priedade, gestão e execução. Em uma empresa
do empreendimento, permitindo que estes rom-
capitalista comum, cabe aos proprietários dos
pam com a própria lógica do valor ao decidirem
meios de produção (por exemplo, os acionistas
por formas alternativas de distribuição.15
majoritários) decidirem sobre os objetivos do
empreendimento, as linhas estratégicas gerais Não obstante, também é preciso reconhecer
e outras decisões de longo prazo, enquanto os limites que a expansão do cooperativismo
cabe a um corpo de funcionários especializados dentro do capitalismo enfrenta no sentido de
a gestão propriamente dita – otimização dos estabelecer a emancipação do trabalho humano.
recursos, tendo em vista os objetivos definidos, Um primeiro ponto que deve ser levantado diz
e algumas decisões de curto alcance tomadas no respeito ao domínio do processo produtivo por
dia-a-dia –, cabendo aos trabalhadores apenas a parte dos trabalhadores. Por mais que a autoges-
13
execução da atividade produtiva. Nas coopera- tão permita o controle da produção no interior
tivas de produção, essa divisão não ocorre, pois da cooperativa, ela não direciona esforços para
os associados são ao mesmo tempo proprietá- inverter a desumanização do modo de produção
rios, gestores e trabalhadores. capitalista,16 ou seja, as cooperativas não buscam
criar um modo de produção condizente com sua
Essa comunhão permite que a unidade entre
natureza, o que as impedem de prosseguir com
consciência e produção material seja restabeleci-
um plano efetivo de emancipação do trabalho.
da. A partir do momento em que quem toma as
Pelo contrário, a fim de competirem com empre-
decisões são os mesmos indivíduos envolvidos
sas capitalistas, as cooperativas reproduzem o
no processo de produção material, as decisões
mesmo modelo produtivo e as mesmas estraté-
passam a ser tomadas tendo em vista a realiza-
gias de redução de custos, que apenas favorecem
ção do trabalho.
a exploração e a alienação do trabalho.
Os indivíduos são capazes, assim, de identificar
Isso significa que não só a divisão do trabalho é
seu papel ativo na construção da cooperativa,
similar, como que os instrumentos de trabalho
pois veem que a adequação desta às suas von-
utilizados são os mesmos. Como ressaltamos na
tades depende apenas deles.14 Os trabalhadores
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produzem formas reificadas das relações sociais, Conclusão
ou seja, fortalecem o fetichismo da mercadoria. O presente trabalho teve por objetivo avaliar as
Enquanto produzirem mercadorias, produzirão possibilidades que a expansão das cooperati-
alienação. Como vimos, a mercadoria é a forma vas de produção dentro do sistema capitalista
fetichista do produto, e ela ganha essa forma apresenta para se alcançar a emancipação do
quando, fruto de um trabalho alienado, recebe o trabalho humano e, por suposto, a superação do
poder de igualar as diferentes formas de traba- próprio capitalismo.
lho concreto em trabalho abstrato socialmente Para atingir tal objetivo, iniciamos nosso artigo
determinado. com uma análise sobre o conceito de aliena-
Ora, mas se o mercado é o ambiente onde a ção no paradigma marxista, com o intuito de
mercadoria é realizada, ele é em si “uma forma identificar os elementos necessários para a sua
social que produz alienação, que tem a lógica superação. Assim, compreendendo a alienação
de dar origem a leis que se impõem aos produ- do trabalho em quatro dimensões – do indiví-
tores”. (Borges Neto, 2003, p. 112) Portanto, para duo, da natureza, da condição humana e das
romper com esse fetichismo, além de adotar relações sociais –, apontamos que sua superação
formas de produção não-alienadas, é preciso depende, sobretudo, de se colocar os meios de
superar o próprio processo de circulação de produção sob o domínio dos trabalhadores, e
mercadorias, ou seja, o mercado. Faz-se necessá- de eliminar a mercadoria enquanto forma de
rio encontrar formas alternativas de estabelecer relação do trabalho humano.
essas relações de troca de maneira que expres- Apontamos que o cooperativismo apresenta
sem de forma transparente e racional as relações alguns elementos que afirmam e outros que
sociais entre os indivíduos. negam a alienação do trabalho. A coletivização
Mas inverter o atual modo de circulação de dos meios de produção, mesmo restrito à reali-
mercadorias significa inverter toda a lógica das dade da cooperativa, e a autogestão do processo
relações sociais. Porém, de nada adianta uma co- produtivo se mostram como pontos-chave para
operativa realizar sozinha esta inversão (ela nem a superação da alienação. Primeiro, por serem
poderia), caso a sociedade com que se relaciona passos decisivos para a união da consciência
não a tenha feito. com o processo produtivo; segundo, por colo-
carem à disposição dos trabalhadores todas as
ferramentas necessárias para a realização desse
processo.
de se obter lucro –, as cooperativas não serão _______. O capital: crítica da economia política. Livro 3. vol.
5. 4 ed. São Paulo: Difel, 1985c.
capazes de desnudar o fetichismo e mostrar o
_______. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições
que há de humano por trás das relações entre as
70, 1989.
mercadorias.
_______. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011.
Por fim, é importante frisar que, ao apontar MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São
os limites que a expansão das cooperativas no Paulo: Boitempo, 2007.
modo de produção capitalista apresenta para a ______________. Collected Works.Vol. 20, Marx and Engels:
1864-1868. London: Lawrence & Wishart, 1985.
superação da alienação do trabalho, não esta-
MÉSZÁROS, István. Marx: A teoria da alienação. Rio de Janei-
mos nos posicionando contra essa forma de ro: Zahar Editores, 1981.
organização enquanto estratégia do proletariado
SANTOS, Laymert Garcia dos. Alienação e capitalismo. São
na luta de classes em prol da implantação do Paulo: Brasiliense, 1982.
socialismo. O que queremos mostrar é que as
cooperativas só poderão ter um caráter real-
Notas
mente transformador se estiverem articuladas
1 A despeito da existência de cooperativas de naturezas
com outras iniciativas que busquem suplantar o diversas (cooperativas de consumo, de crédito, de habitação
controle do capital sobre o processo produtivo e etc.) e do devido papel que cada uma desempenha para a
superação da alienação, este trabalho possui foco nas coo-
acabar com as formas reificadas e fetichistas de perativas de produção, visto que são nelas que o trabalho
relações sociais. de produção material é realizado de forma autogestionária.
Portanto, sempre que utilizamos o termo “cooperativa”,
34
será exclusivamente a este tipo de cooperativa que estare- 10 Em contraposição à esfera privada, em que ele se rela-
mos nos referindo, salvo quando especificado o contrário. ciona consigo mesmo.
2 Aufhebung é um termo-chave, muito utilizado na literatura 11 Fica implícito o fim da segmentação da sociedade entre
marxista, que em alemão “[…] significa ao mesmo tempo capitalistas e trabalhadores.
‘transcendência’, ‘supressão’, ‘preservação’ e ‘superação (ou
12 O que não significa que o mesmo ocorreria se esti-
substituição) pela elevação a um nível superior’” (Mészáros,
vessem inseridas em outro modo de produção (como o
1981, p. 14).
socialismo, por exemplo).
3 “[…] a crítica do próprio Engels partia de princípios
13 É claro que isso varia de acordo com a empresa, sendo
humanistas antropocêntricos e moralizantes, inspirados na
que em algumas o trabalhador goza até de um certo grau
filosofia de Feuerbach. Com apoio no humanismo feuer-
de autonomia e de participação nas decisões (como é o
bachiano é que se desvenda a Economia Política como
caso do modelo de gestão japonês), mas em nenhuma
ideologia da propriedade privada, da concorrência e do
empresa nos moldes capitalista ocorre a fusão plena destes
enriquecimento sem limite […]”. (Gorender, 1982, p.VII)
três papéis.
4 Muitos teóricos consideram uma diferença entre os
14 Nas cooperativas são os próprios associados que defi-
termos alienação e estranhamento tal com utilizados por
nem a cadência do trabalho, as condições de segurança em
Marx. Nós, no entanto, nos posicionamos ao lado daqueles
que será realizado e até mesmo se e quando o realizarão.
que utilizam ambos como sinônimos.
Além disso, os cooperados podem, ainda, determinar os
5 Note que, ao mesmo tempo em que surge a divisão social meios de produção que serão utilizados, modificando as
do trabalho, surgem tanto a propriedade privada quanto a condições materiais de trabalho.
divisão da sociedade em classes (de diferentes ofícios).
15 Como, por exemplo, ao substituir a lógica de que cada
6 O fato de ver na alienação do trabalho o conceito-chave um recebe de acordo com a quantidade (e qualidade, para
para entender todos os fenômenos da alienação do homem adicionar o preconceito) de trabalho realizado, pela de que
não deve ser encarado como mero reducionismo. As de- cada um recebe de acordo com as suas necessidades.
mais formas de alienação merecem atenção específica dos
16 É muito ressaltado o fato de o cooperativismo acabar
teóricos marxistas. No entanto, não adianta tentar resolvê-
com a ditadura do capital nas empresas. Contudo, não
-las antes de modificar as bases materiais em que a vida dos
estamos nos referindo somente à desumanização do modo
indivíduos se assenta. Nem se deve imaginar que a resolu-
de organização da produção, mas à desumanização inerente
ção da alienação econômica seria suficiente para emancipar
às formas materiais de produção.
o homem em toda sua pluridimensionalidade. Cf.: Konder
(1965, pp. 28-29).
7 Uma mercadoria com uma capacidade especial: a de criar
valor.
8 Além de modificar o ambiente que o cerca, o trabalho
modifica o próprio homem.
9 Como disse Marx nos Manuscritos, “[…] a alienação do
trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho
se transforma em objeto, assume uma existência externa,
mas que existe independentemente, fora dele e a ele estra-
nho, e se torna um poder autônomo em oposição com ele;
que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e
antagônica.” (Marx, 1989, p. 160 [grifos nossos])