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2005
RESUMO: Cada vez mais se buscam alternativas para garantir a sobrevivência das camadas mais atingidas da
população. Dentre as estratégias já realizadas, cabe destacar a ampliação e o desenvolvimento de organizações
populares, fundadas nos princípios da solidariedade, constituindo, assim, alternativas de trabalho e geração de
renda para trabalhadores excluídos do mercado de trabalho formal ou informal. Dentro deste contexto, este
trabalho buscou evidenciar novas possibilidades de atuação da psicologia social e do trabalho junto a estas
organizações fundadas nos princípios gerais da autogestão. Para isso propôs-se a realização de uma discussão
sobre a economia solidária hoje e a delimitação do papel da psicologia neste setor. Assim, efetuou-se um breve
levantamento sobre o significado e os conceitos de economia solidária, autogestão, cooperativas e associativismo,
e sua historia no Brasil de forma a integrar este conhecimento com a psicologia visando evidenciar possibilida-
des de um novo campo de atuação.
PALAVRAS-CHAVE: Economia solidária, cooperativismo, psicologia social do trabalho
ABSTRACT: More and more often, alternatives to provide the survival of the most needy part of the Brazilian
population have been searched. Amongst these strategies, solidary organizations accomplish an outstanding
work. Recently, these organizations have been developing and increasing in popularity, as well as providing
alternatives in employment and income for workers excluded from the formal and the informal labour market.
Given this scenario, there are contributions which social and occupational psychology can make to these self-
managing organizations. This article begins proposing a discussion about the current situation of solidary
economies and the definition of the psychologist’s role in this sector. This discussion is based on a research
regarding the history of solidary economies in Brazil, its meaning and related concepts, such as self-management,
cooperatives and associative organizations. The combination of the knowledge acquired through the research
and the psychology provides a new field of possible interventions.
KEY-WORDS: solidary economy, cooperatives, social and occupational psychology
dárias em geral operam sob alguns princípios, como solidação das cooperativas no Brasil. Uma das prin-
liberdade de adesão, gestão democrática participativa cipais estratégias do movimento para fazer com que
e igualdade de participação econômica, isto é, cada as áreas assentadas se tornem economicamente viá-
membro contribui igualmente para o capital da coo- veis é organizar diferentes tipos de cooperativas. Singer
perativa, cujos excedentes, se for este o caso, terão (ibid.) também cita as Incubadoras Tecnológicas de
seu destino estabelecido através de decisões democrá- Cooperativas Populares (ITCP), que funcionam liga-
ticas feitas pela cooperativa. Todas as ações das coo- das a universidades como fortalecedoras do
perativas devem primar pela segurança do controle cooperativismo no Brasil. As incubadoras têm por
democrático e autonomia. As cooperativas devem pro- objetivo organizar grupos de trabalhadores em torno
mover a contínua educação e formação de seus mem- de cooperativas de trabalho ou de produção dando
bros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores apoio administrativo e jurídico.
de forma que estes possam contribuir eficazmente para Atualmente, não há dados claros sobre o nú-
o desenvolvimento das mesmas. mero de empreendimentos autogeridos em nosso país.
A sobrevivência das cooperativas requer atu- Mas está evidente que seu número vem aumentando e
ação conjunta, através de suas representações locais, já é bastante significativo. Esse aumento se deve, prin-
regionais, nacionais e internacionais, facilitando a tro- cipalmente, as diversas formas de precarização do tra-
ca de produtos e serviços que possibilitem a subsistên- balho e ao aumento vertiginoso do desemprego. Po-
cia e desenvolvimento dos empreendimentos coopera- rém pode-se perguntar por que os empreendimentos
tivos em geral e criação de novas cooperativas. Con- autogeridos ganharam força nos últimos anos, já que
tudo, é preciso que se esteja atento a um mecanismo a precarização do trabalho e o desemprego estão pre-
utilizado por empresas que, para não terem de arcar sentes há muito mais tempo em nossa sociedade. Ocor-
com encargos sociais de seus empregados, alteram re que o tempo de retorno dos trabalhadores ao mer-
seus registros legais de forma a apresentarem uma cado formal está muito mais longo e muitos deles
“fachada” de cooperativa enquanto continuam funci- não tem possibilidade de voltar ao mercado formal
onando como empresas, isto é, calcadas na relação por diversos motivos como baixa escolaridade, faixa
patrão-empregado e sustentadas no lucro. São as cha- etária entre outros.
madas “cooperativas-gato”, que dão à sociedade uma
imagem falsa das cooperativas solidárias ou popula- O ENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA:
res, prejudicando os grupos que se mostram engajados CONTEXTUALIZAÇÃO E POSSIBILIDADES
em empreendimentos legitimamente solidários, que Buscando auxiliar os trabalhadores nesta di-
acabam esbarrando no preconceito e na escassez de fícil realidade, acreditamos que a psicologia social e
políticas públicas e linhas de crédito para esse tipo de do trabalho pode ser de grande valia para a consoli-
iniciativa. dação destes empreendimentos, atuando de diversas
maneiras, seja com a organização como um todo, seja
UM POUCO MAIS SOBRE OS com cada trabalhador. Priorizaremos aqui as inter-
EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS NO BRASIL venções de caráter coletivo, porém, faz-se necessário
Os primeiros empreendimentos solidários no adaptar técnicas tradicionais, como as dinâmicas de
Brasil começaram a ganhar mais destaque na década grupo, às características dos membros da comunida-
de 19804 e se tornaram mais comuns a partir da me- de, revendo referências de tempo, espaço, escolarida-
tade da década de 90. Eles são resultantes de vários de etc.
movimentos sociais que se mobilizaram diante da crise A psicologia do trabalho aplicada às organi-
de desemprego que passou a assolar o país a partir de zações passou por várias etapas desde o seu surgimento
1981 e se agrava no início dos anos 90 com a abertu- como instrumento das indústrias que seguiam os pres-
ra de mercado para os produtos importados. Segundo supostos tayloristas. A psicologia industrial, classifi-
Singer (2000), os primeiros empreendimentos são re- cada por Sampaio (1998) como a primeira face da
sultado do apoio de assessores sindicais a operários psicologia no campo, tinha como função realizar se-
que se apossaram da massa falida de empresas assu- leção e colocação profissional, ou seja, se integrava
mindo seu controle administrativo com o objetivo de ao princípio taylorista de colocar o sujeito na função
manter os empregos e a renda dos trabalhadores. Es- que melhor se adequasse às suas características. Além
sas empresas se uniram para formar a Associação disso, fazia orientação profissional e avaliava as con-
Nacional de Trabalhadores de Empresas dições de trabalho com o objetivo de aumentar a pro-
Autogestionárias e de Participação Acionária dutividade.
(ANTEAG). O mesmo autor classifica a segunda face da
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem psicologia aplicada ao trabalho como psicologia
Terra (MST) também tem papel fundamental na con- organizacional, argumenta que essa face não foi uma
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Coutinho, M.C.; Rodrigues, H.B.C.; Beiras, A.; Picinin, D.; Lückmann, G.L. “Novos caminhos, cooperação e solidariedade:
a Psicologia em empreendimentos solidários”
ruptura com a primeira, mas sim a incorporação de Ao resgatarmos os conhecimentos acumula-
novas atividades como treinamento, classificação de dos pela psicologia comunitária, buscamos incorpo-
pessoal e avaliação de desempenho, além de passa- rar um saber construído a partir da perspectiva das
rem a discutir as estruturas das organizações de tra- camadas menos favorecidas da população. Pretende-
balho. Nesse período foram incorporadas as novida- se, assim, ampliar o campo de pesquisas e interven-
des do estruturalismo e da teoria sistêmica da admi- ções da psicologia do trabalho, tradicionalmente vol-
nistração. Fica claro que essa passagem não repre- tada para a adaptação dos trabalhadores ao modo
sentou mudanças nos objetivos da psicologia, pauta- capitalista de produção. Neste sentido, fizemos uma
dos no aumento da produtividade nas empresas. proposta de intervenção articulando as abordagens
Muitas críticas foram feitas à psicologia teórico-metodológicas da psicologia comunitária e da
organizacional enfatizando sua orientação psicologia do trabalho.
tecnocrática e sua falta de interesse pelo simbólico. Em nossa experiência nas atividades de ex-
Chanlat, citado por Sampaio (1998), coloca que a tensão universitária, encontramos grupos bastante
pesquisa e o desenvolvimento da psicologia heterogêneos, principalmente no que diz respeito à
organizacional foi orientada pela busca de eficácia, faixa etária. O trabalho foi feito em uma Associação
desempenho e produtividade. de Recicladores de Lixo, a partir de um levantamento
Sampaio (1998) critica o caráter instrumen- inicial das associações e cooperativas existentes na
tal da disciplina, mesmo quando da introdução de região da grande Florianópolis e de posterior apre-
novas teorias, como a teoria contingencialista. Esta sentação de uma proposta de intervenção. Nossa prá-
teoria, introduzida pela Administração nos anos 70, tica procurou tornar o grupo consciente de suas difi-
buscava compreender os fenômenos produtivos a par- culdades e conquistas, bem como de seu próprio pro-
tir dos condicionantes externos, mas mantinha o foco cesso grupal. O grupo levantou problemas a serem
no aumento da lucratividade. O questionamento dos resolvidos, tais como: a falta de conscientização do
objetivos da psicologia organizacional originou a ter- uso do material de segurança, a desvalorização do
ceira face da psicologia do trabalho, que busca com- trabalho e das condições fornecidas pelos próprios as-
preender o trabalho humano nos seus significados e sociados e pela população em geral.
em todas as suas manifestações. Diferencia-se das fa- “Compete, portanto, aos psicólogos/as comu-
ces anteriores por se voltar para a saúde e bem-estar nitários/as trabalharem na construção de uma cons-
dos trabalhadores, não priorizando o lucro e a produ- ciência crítica, de uma identidade coletiva e individu-
tividade. al mais autônoma e de uma nova realidade social
Diferente das práticas tradicionais, a psico- mais justa.” (Neves & Bernardes, 2001, p.242). Sendo
logia do trabalho voltada para as organizações soli- que, esta busca do desenvolvimento da consciência
dárias visa o desenvolvimento da autonomia e da so- crítica, da ética, da solidariedade e de práticas coo-
lidariedade, buscando re-significar a identidade pro- perativas ou autogestionárias, a partir da análise dos
fissional do trabalhador/cooperado, fortalecendo o problemas cotidianos da comunidade, marca, de acor-
vínculo grupal. Para a realização destes objetivos, o do com Freitas, citado por Campos, (1996), a produ-
resgate da psicologia comunitária mostra-se de gran- ção teórica e prática da psicologia social comunitá-
de valia, considerando que, historicamente, esteve ria.
voltada para os grupos populares. Na mesma linha Utilizando teoria e métodos da psicologia em
de pensamento de Campos (1996), procura-se traba- trabalhos feitos em comunidades de baixa renda, como
lhar com estes grupos para que eles assumam pro- em experiências em bairros populares, favelas, asso-
gressivamente o papel de sujeitos de sua própria his- ciações de bairro, comunidades eclesiais de base e
tória, conscientes dos determinantes sócio-políticos de movimentos populares, esta prática visa a melhoria
sua situação e ativos na busca de soluções para os das condições de vida da população trabalhadora,
problemas enfrentados. partindo de um levantamento das necessidades e ca-
Para Lane (2003), a psicologia comunitária rências vividas por cada grupo.
no Brasil surge no período posterior ao golpe militar
de 1964 como um questionamento dos profissionais E COMO ESSE TRABALHO PODE SER FEITO?
de psicologia a respeito da sua atuação junto à maio- Os métodos tradicionais da psicologia do tra-
ria da população. A autora também salienta que os balho, construídos nos setores de recursos humanos
grupos são o espaço privilegiado para uma análise das organizações de grande porte, não são compatí-
teórico-prática do desenvolvimento dos indivíduos e veis com as organizações solidárias, daí decorre ne-
que o psicólogo inserido em comunidades trabalha- cessidade de desenvolvimento de metodologias oriun-
rá, fundamentalmente, com as relações grupais, vín- das da psicologia comunitária e centradas nos pro-
culo essencial entre indivíduos e a sociedade. cessos grupais.
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Psicologia & Sociedade; 17 (1): 17-28; jan/abr.2005
BRASIL, República Federativa. Código Civil. São Pau- ZANELLA, A.V. & PEREIRA, R.S. Constituir-se enquan-
lo: Saraiva, 2002. to grupo: a ação de sujeitos na construção do coleti-
vo. In: Estudos de Psicologia, v.6, n.1, p.105-114, jan./
CAMPOS, Regina Helena de Freitas. A psicologia Social jun., 2001.
Comunitária In.: CAMPOS, Regina Helena de Freitas.
Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à
autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996.
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