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Projetos de Geração de Trabalho e Renda e a Consciência de Classe dos Desempregados

Deise Luiza da Silva Ferraz

Explicar a ordem do artigo; explicar a maneira na qual destrinchei o artigo e minhas extrapolações, que
podem estar incorretas.

Objetivo: analisar o processo de constituição da consciência de classe em desempregados que reivindicaram


a implantação de políticas públicas de geração de trabalho e renda, operado pelos múltiplos desdobramentos
contraditórios das práticas de trabalho nas periferias das cidades oportunizadas por tais políticas.

Conceito de Exclusão Social: condição dos trabalhadores que não possuem contrato estável de venda da
força de trabalho, ou seja, desempregados.

Desempregados, apesar de trabalharem (desempenhar outras atividades), se sentem excluídos > Relaciona-se
com status, com o conceito de trabalho produtivo de Marx.

Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) no Rio Grande do Sul:


- Passaram a ver o desemprego como algo além da exclusão social, para enxergar as contradições na relação
capital-trabalho (perceber que não há vagas para todos, que as condições de trabalho não são adequadas, que
o capitalismo alimenta a competitividade num ambiente em que não há oportunidades para todos).

Metodologia:
- Dados coletados em 2007 e 2008.
- 10 entrevistados no MTD, escolhidos por critério de participação política no movimento.
- Observação participante, para escolher os entrevistados.
- Análise documental.
- Foi percebido, pela triangulação dos dados, um alinhamento no discurso, na militância e na prática.

Análise de dados:
- Analisa os processos de resolução de dilemas que tencionam o movimento de se desenvolver consciência
de classe.
- Foco na superação das problematizações.

Materialismo dialético, orientação teórica do artigo:


- Basicamente, é uma análise das contradições internas da realidade.
- Implica em “percorrer o processo contraditório da constituição real do que se é mais imediato e atingir o
concreto ‘como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas às
observações’”.
- Princípios: contradição, totalidade, historicidade.
- Totalidade: permite entender a estrutura significativa, relação do todo com as partes, das partes entre si e
das partes com o todo. Implica que os aspectos da realidade estão entrelaçados, formando unidades
contraditórias.
- Contradições são produto da capacidade humana que são naturais ao ser social, condicionadas pelo que o
indivíduo é e foi, ou seja, de acordo com sua historicidade.
Referencial teórico:
- Conflitos sociais que modificam a realidade são relatados por historiadores como “grandes momentos da
história”. Após passar o período de instabilidade, as novas noções dadas pelos conflitos são
institucionalizadas, normalizadas. Pode-se relacionar com Berger e Luckmann.

- Entende-se esse processo de ruptura e normalização como algo que acontece por causa da consciência
humana, que determina o ser social e as classes.

- Consciência possui vários significados. Neste caso, o abordado é aquele elaborado por Marx.

- Consciência de classe deve ser compreendida ao analisar como as classes se manifestam num
determinado contexto sócio-histórico, porque tal consciência não está no indivíduo ou na sociedade, mas
sim, num conjunto de mediações que ligam as determinações particulares e genéricas do ser social.

- A consciência de classe determina ao mesmo tempo em que é determinada pelo ser social. Seria essa
uma relação dialética?

- O ser social está inserido numa classe. A consciência de classe está no movimento que une a vida
particular de indivíduos e conformações coletivas, construídas por várias ações particulares ao mesmo tempo
que ações particulares possuem um aspecto coletivo (da citação pág 126 e 127).

- Classe é, portanto, um agrupamento de pessoas com a finalidade de que estas apreendam os


movimentos do ser social.

- A primeira forma de consciência se dá a partir das relações de afetividade vivenciadas com a família,
criando no indivíduo os conceitos de senso comum.

- O controle social é entendido pelo indivíduo enquanto autocontrole e como repressão de impulsos, ou
seja, ele acredita que as ideologias partem dele mesmo, não de uma forma de controle.

- Indivíduo encapsulado: dado o grau de complexidade social, o indivíduo suprime a identidade-nós para
exercer mais autocontrole sobre si, e se torna cada vez mais individualizado.

- Se o indivíduo está encapsulado na sua própria individualidade, a consciência que ele assume é a
“consciência do eu”: essa consciência tende a reproduzir os parâmetros da primeira forma de consciência,
que provém da família e das relações de afetividade do indivíduo.

- Ainda que a consciência esteja encapsulada, ela é expressa coletivamente, pois a consciência é
relacional e permeada de contradições e antagonismos, assim como as relações sociais existentes no
capitalismo. Exemplo: “a ética liberal-burguesa do trabalho e da mobilidade social, subjetivada
afetivamente (ou seja, tratada pelo indivíduo como algo internalizado, pessoal), acarreta uma situação em
que o trabalhador enxerga na venda de sua força de trabalho a única possibilidade de deixar de fazer parte
da classe trabalhadora. Trabalhar mais horas por dia, mais dias por mês, mais meses por ano; trabalhar a
serviço de mais de um empregador, ser autônomo, procurar sempre novas oportunidades de emprego;
desenvolver competências, ser trabalhador flexível”.
O trabalhador acha que está se distanciando da classe trabalhadora, e isso gera duas consequências: (1) não
há trabalho para todos no capitalismo, então, a mobilidade social é atribuída à meritocracia, numa tentativa
de encobrir a questão determinante: é a posição ocupada pelo indivíduo no processo produtivo que o garante
qualificações, networks e postos de trabalho mais rentáveis; poucos tem essa chance de vencer na vida; (2)
o aumento da renda acompanha o aumento do desgaste físico e psíquico, diminuindo a “vida útil” do
trabalhador ao capital; ainda, quando ocorre o aumento da renda, o aumento da produtividade é cobrado, o
que diferencia a classe de trabalhadores entre si e tem cada vez menos probabilidade de alcançar vantagens
para todos, ou seja, a ascendência de uns acontece às custas do descarte de outros.

- O discurso de empregabilidade, difundido nas pesquisas em administração, sustenta que nem todos estão
aptos às exigências do mercado, e reforçam a estrutura de mercado existente que impede a maioria dos
trabalhadores de ter mobilidade social. Na tentativa de cada vez buscar um trabalho melhor e ter negada a
mobilidade social, cria-se e recria-se uma sociedade de indivíduos cada vez mais encapsulados.

- O senso comum é sustentado: (a) pelos valores da consciência encapsulada que deseja vencer na vida;
(b) pelas ideias aceitas pelo grupo sobre o que é vencer na vida; e (c) pelas poucas possibilidades
existentes no mercado, que dão esperança ao trabalhador de atingir o sucesso; empresas fazem propagandas
dessas possibilidades, para que uns ascendam às custas de outros, que trabalharão dobrado para atingir
também o sucesso. Quem ganha é sempre o capital, não há relação justa.

- A ruptura do senso comum se dá em momentos de crise em algum dos pólos de seu sustento.

- Para Sartre, a configuração da divisão social do trabalho, marcada pela concorrência generalizada entre
indivíduos encapsulados é uma pluralidade de solidões, onde indivíduos estão reunidos, mas não integrados,
e dá a isso o nome de serialidade.

- A consciência de classe é constituída quando o indivíduo se insere em relações sociais diferentes


daquelas que influenciaram sua consciência/socialização primária, por meio de um grupo que busca
ressignificar os elementos de formação da consciência por meio da reflexão.

Análise de dados:
- O MTD rompe com a primeira forma de consciência (do senso comum) porque: (1) está
desempregado, ou seja, o indivíduo não tem a chance de vencer na vida porque ele não está inserido no
mercado; e (2) dar continuidade ao projeto de negar as relações capital x trabalho atuais.

- Pautas: oposição ao movimento de acumulação de capital e ao modelo de desenvolvimento adotado pelo


estado, que causava desemprego. Para tanto, queriam um trabalho sem a figura do patrão.

- Houve ruptura na forma de pensar porque não havia oportunidade para os MTD no mercado capitalista
atual (crise, citada anteriormente). A condição de ‘marginalizado’ permitiu que eles vissem que o modelo
econômico capitalista não garante oportunidade a todos.

- Como forma alternativa de tentar vencer na vida, visto que vencer na vida a partir do trabalho não é uma
opção, o MTD passa a requerer do estado a defesa de seus interesses, ao negar a obrigação de trabalhar
para um capitalista para sobreviver. O objetivo era que eles fossem contratados pelo estado. O estado
efetivou a medida, chamada FETs após diversas manifestações.

- No primeiro ano das FETs, 2002, o estado contratou 500 MTDs para faxinar a cidade por 6 meses. No
entanto, ao analisar o contexto do trabalho, percebeu-se que não havia diferença do trabalho capitalista,
pois permaneciam subordinados ao capital agora pela mediação do estado.
- As atividades designadas ao MTD foram retiradas de trabalhadores terceirizados e serviram para desonerar
o estado, precarizando ainda mais o trabalho ao pressionar o salário para baixo e oferecer condições
trabalhistas inferiores às tidas pelos trabalhadores anteriores.

- A tentativa do MTD se mostrou limitada para superar o modo de sustento de seus integrantes e da
sociedade como um todo. Eles não queriam ser microempresários para não se tornarem opressores, o
trabalho vinculado ao estado não funcionou... O movimento enxergou a possibilidade de se tornar um
agente fornecedor de mão de obra barata e requalificada.

- Foi percebido que o problema social do desemprego não é eliminado pelo aumento da qualificação
individual nem por projetos assistencialistas ou políticas públicas paliativas.

- Nova proposta: foi proposta a construção de um aporte financeiro do estado para a organização de grupos
de produção. A pretensão era de criar organizações de produção coletiva e negar a exploração do trabalho
e não ter mais o estado enquanto representante de interesses gerais, mas sim, como uma entidade constituída
pela sociedade burguesa que não se opõe aos interesses do MTD. O projeto buscava o fim da venda da
força de trabalho.

- Em 2003, o MTD conseguiu com que o estado liberasse uma verba destinada ao Programa Coletivos de
Trabalho (PCT), que consistia em bolsas-auxílio para garantir as condições básicas da força de trabalho para
que os trabalhadores criassem grupos de trabalho sem patrão.

- O modelo de trabalho em grupos de produção não deu certo, porque, além de não haver infraestrutura
para a produção, foi criada uma tensão na tomada de decisões coletivas e o MTD tinha que se submeter ao
preço concorrencial de mercado e a concorrência em si.

- “A falta da infraestrutura e a concorrência foram condições concretas que negaram a possibilidade de


autonomia aos grupos de trabalho, que viabilizaram uma nova ruptura com a consciência coletiva
(consciência de segunda ordem)”.

- Os militantes do MTD compreenderam que não conseguiriam fugir da lógica capitalista enquanto
estivessem em um sistema capitalista e, portanto, seus interesses estavam de acordo com os interesses da
classe trabalhadora.

- Última proposta: Em 2008, o MTD cria os Pontos Populares de Trabalho (PPTs), que se baseiam nas
políticas de Economia Solidária do PT.

- Economia solidária é definida como o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição,


consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão.

- A economia solidária foi polêmica no movimento, mas possibilitou reivindicar a infraestrutura para
produzir, e a ideia era socializar esses meios de produção.

- Para Singer, a economia solidária se apresenta como uma alternativa ao capitalismo. Para outros autores,
uma alternativa no capitalismo.
- Foram criadas cooperativas especializadas em determinado produto, que fidelizaram outras empresas por
políticas de responsabilidade social. As decisões são tomadas em assembleias anualmente. Os salários
variavam entre 500 e 800 reais, com 8 a 10 horas diárias de produção.

- Foi percebido que, para que a economia solidária fosse sustentável, era preciso reduzir a cooperativa as
relações capitalistas de produção, mas esse não era o objetivo do movimento.

- Portanto, a economia solidária foi por eles considerada um meio para a sobrevivência, onde o fim era
uma nova forma de sociedade. A economia solidária não é capaz de superar o capitalismo, mas de
provocar uma nova maneira de enxergar as relações de trabalho. Eles continuam se utilizando da economia
solidária, mas as problematizações no campo de discussões da militância desejam potencializar a
consciência de classe para os trabalhadores de forma geral, fora do MTD.

Conclusões:
- A aplicação das propostas demonstra que há um interesse em superar o capitalismo e emancipar o
indivíduo, ao passo de que há a possibilidade de se manter a lógica capitalista caso essa superação não seja
bem formulada.

- No atual contexto sócio-histórico, superar as contradições de cada projeto tornou-se o meio de continuar
avançando rumo a superação da contradição capital-trabalho, tornando-se meio de organização da classe
trabalhadora.

- A consciência de classe é operada pelas práticas de trabalho nas periferias e na crítica às mesmas.

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