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MÓDULO I – Princípios de Economia Regional e Urbana

Para o início de nossa exploração na disciplina, escolhi como ponto de partida o texto de Julio
Manuel Pires escrito para o Manual de Economia dos professores da USP (PIRES, 2004). Este
material, além de bem estruturado, destaca-se por sua linguagem clara e didática. Ele nos guia
pelos conceitos e modelos fundamentais dessa área da economia de maneira compreensível,
garantindo que tenhamos uma base sólida sem se perder em complexidades desnecessárias.

No âmago da Economia Regional e Urbana, o conceito de "espaço" se revela em múltiplas


dimensões. Pires nos introduz a essa dualidade, contrapondo o "espaço geográfico", nossa
localização física, ao "espaço econômico", uma rede abstrata de relações que transcende a
mera geografia. Este espaço não é apenas um cenário físico, mas um entrelaçado de
interações econômicas, sociais e políticas. Em cidades inteligentes, essa dinâmica se
intensifica, com a tecnologia e inovação moldando e redefinindo continuamente essas
relações.

A partir dessa concepção de espaço, vemos que a distância – o espaço que se estende entre
dois atores – transcende sua natureza física, assumindo implicações econômicas profundas. Ela
pode simbolizar barreiras, sejam elas tangíveis, como os custos de transporte, ou intangíveis,
como diferenças culturais e regulamentações comerciais. Esses custos de transporte, em
particular, ilustram o delicado equilíbrio entre a concentração de atividades econômicas e sua
dispersão geográfica.

Dentro dos custos de transporte, cabe destacar o papel do que a economia chama de “custos
de oportunidade”. Além dos custos diretos, como combustível e desgaste dos meios de
transporte, o tempo investido no trânsito de mercadorias e pessoas também carrega um valor
econômico. Este valor é medido pelo que se poderia ganhar ao usar o tempo de outra forma,
seja em termos de lucro, prazer ou utilidade. Imagine um agricultor que opta por transportar
sua produção para um mercado distante em busca de preços mais altos. Ele não apenas
enfrenta custos de transporte, mas também o custo de oportunidade do tempo que poderia
ser usado para aprimorar suas técnicas agrícolas ou para estar com sua família. Os custos de
transporte, portanto, vão além dos gastos diretos e envolvem escolhas e compensações que
têm implicações econômicas mais amplas.

Outro fator relevante para a compreensão dos efeitos da distância na dinâmica econômica é o
conceito de economias de escala. As economias de escala, que permitem uma redução nos
custos médios de produção à medida que a escala de produção aumenta, têm um impacto
direto na configuração espacial das atividades econômicas. Quando uma empresa busca
maximizar suas economias de escala, ela é incentivada a centralizar sua produção em um local
específico, atendendo um amplo mercado consumidor ao seu redor. Essa centralização, por
sua vez, afeta a distância entre o local de produção e os mercados consumidores. Se os custos
de transporte são baixos, a empresa pode se dar ao luxo de estar mais distante dos mercados
consumidores, já que as economias de escala compensam os custos de transporte. No
entanto, se os custos de transporte são altos, a distância entre o local de produção e o
mercado consumidor torna-se um fator crítico, podendo até anular os benefícios das
economias de escala.

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Partindo dessas principais concepções sobre espaço e seus efeitos na atividade econômica, os
teóricos do campo da Economia Regional e Urbana vêm desenvolvendo uma série de modelos
matemáticos capazes de lançar luz nas dinâmicas de concentração e distribuição da produção
em sociedades capitalistas. Dentre os modelos destacados por Pires (2004), vale nos
debruçarmos sobre os mais essenciais: o modelo de Von Thünen focado na distribuição
espacial da produção agrícola; o modelo de Weber, que aborda a localização industrial
considerando custos de transporte e economias de escala; o modelo de Lösch, que combina
ambos os fatores, resultando em um padrão hexagonal de localização; e a teoria dos Lugares
Centrais de Christaller, que explica como cidades se organizam hierarquicamente em uma
região, fornecendo diferentes níveis de bens e serviços com base no princípio da centralidade.

Começando pelo modelo de Von Thünen, ele oferece uma visão sobre a organização espacial
da agricultura em relação a um mercado central. Imagine um mercado situado no centro de
um círculo. As terras mais próximas a esse mercado são mais valiosas, não apenas devido à
facilidade de acesso, mas também porque os custos de transporte são menores. Portanto,
culturas que são sensíveis aos custos de transporte ou que se deterioram rapidamente, como
produtos frescos, tendem a ser cultivadas mais perto do mercado. À medida que nos
afastamos do centro, encontramos culturas menos sensíveis aos custos de transporte, que
podem suportar distâncias maiores sem perder seu valor. Desse modo, as atividades agrícolas
devem se organizar em torno das cidades na forma de anéis concêntricos. Cada anel
representa um tipo de cultura ou atividade agrícola que é economicamente viável para aquela
distância específica do mercado central.

O modelo de Weber, por sua vez, nos introduz à decisão da localização industrial. Este modelo
sugere que a localização ideal de uma indústria é determinada por três fatores principais:
custos de transporte, disponibilidade de mão de obra e acesso a recursos. Uma indústria,
portanto, se estabelecerá em um local onde esses custos são minimizados, garantindo
eficiência e rentabilidade. Originalmente, o clássico modelo da localização de Weber dava
grande importância ao "peso" dos insumos na escolha da localização industrial. Mas as
reflexões mais atuais flexibilizam esse conceito de “peso”, adaptando-o para levar em conta
não apenas insumos físicos, mas também fatores intangíveis como know-how e informações
estratégicas. Isso significa que, além dos custos de transporte de materiais, o modelo
incorpora outros elementos que afetam os custos unitários e, consequentemente, a decisão de
onde localizar uma indústria. Essa capacidade de adaptação torna o modelo de Weber ainda
mais relevante em um mundo em constante mudança, onde fatores como inovação
tecnológica e mudanças sociais estão sempre redefinindo o que é considerado "importante"
na decisão de localização

O modelo de Lösch nos apresenta um cenário de concorrência espacial, onde produtores se


distribuem de forma equidistante em uma malha hexagonal para maximizar seus lucros. Este
arranjo permite que cada cidade, atuando como um centro de produção, sirva uma região
circular de igual área, mantendo um equilíbrio delicado entre economias de escala e custos de
transporte. A malha hexagonal emerge como a configuração ótima para minimizar a
sobreposição de zonas de influência e maximizar a cobertura de mercado.

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É interessante notar como que a redução dos custos de transporte, no contexto do modelo de
Lösch, pode reconfigurar a malha hexagonal de concorrência espacial entre produtores, com
implicações tanto positivas quanto negativas. A queda nos custos de transporte amplia a
eficiência do mercado, permitindo que produtores mais eficientes expandam suas zonas de
influência. Isso beneficia o consumidor, que passa a ter acesso a produtos a preços mais
acessíveis, similar ao efeito de uma redução nas tarifas aduaneiras. No entanto, essa eficiência
ampliada também possui um efeito adverso. Produtores em locais menos eficientes podem ser
superados por concorrentes mais eficientes que, aproveitando os custos de transporte mais
baixos, invadem suas zonas de influência. Isso resulta no fechamento de empresas e na perda
de empregos locais, afetando negativamente o mercado local, ampliando as desigualdades
regionais e exigindo uma maior mobilidade da força de trabalho.

Por fim, a teoria dos Lugares Centrais de Christaller postula que os espaços econômicos se
organizam segundo o princípio da centralidade. Neste modelo, cada núcleo urbano fornece
bens e serviços não apenas para si mesmo, mas também para regiões externas, estabelecendo
uma rede de interdependência entre diversas localidades. Esses núcleos urbanos podem ser
hierarquizados com base na oferta de bens e serviços de maior ou menor centralidade. Por
exemplo, uma cidade A é considerada mais central em relação a uma cidade B se A oferece
todos os bens e serviços encontrados em B, além de outros que B não oferece. Este modelo
também leva em consideração fatores como custos de transporte, tempo de viagem e outros
obstáculos naturais ou de infraestrutura, que influenciam a centralidade de um produto ou de
uma cidade. A ideia é que quanto menores forem os custos econômicos associados à distância,
maiores serão as possibilidades de um bem ou serviço se tornar central. Dessa forma, a teoria
dos Lugares Centrais nos ajuda a entender como as cidades e regiões se organizam em uma
malha de concorrência e cooperação, estabelecendo uma rede funcional que vai desde
pequenas cidades até grandes metrópoles.

Para refletir

Agora que exploramos esses conceitos e modelos fundamentais da Economia Regional e


Urbana, convido você a aplicá-los ao contexto da sua própria cidade ou região. Comece
observando o espaço ao seu redor: como as atividades econômicas estão distribuídas?
Existe uma centralização de certos tipos de indústrias ou serviços? Quais fatores você
acredita que contribuem para essa configuração? Considere as economias de escala em
jogo. Existem empresas ou indústrias em sua cidade que se beneficiam
significativamente de economias de escala? Como isso afeta a distribuição geográfica
dessas empresas e, consequentemente, o mercado de trabalho local?

Pense também nos custos de transporte e oportunidade em sua localidade. Como eles
afetam o dia a dia das pessoas e das empresas? Por exemplo, se sua cidade tem um
sistema de transporte público eficiente, isso pode reduzir tanto os custos diretos quanto
os custos de oportunidade associados ao deslocamento, permitindo uma maior
mobilidade social e econômica, ao mesmo tempo uma maior concentração de
atividades econômicas em regiões centrais. Não se esqueça de examinar a hierarquia
urbana e a centralidade em sua região. Quais cidades ou bairros servem como "lugares

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centrais" que fornecem uma ampla gama de bens e serviços? Como isso afeta o fluxo de
pessoas e recursos entre diferentes áreas?

Por fim, reflita sobre como a tecnologia e a inovação estão moldando a economia e o
espaço em sua cidade. Estamos vivendo em um mundo em rápida transformação, onde
a tecnologia frequentemente redefine as regras do jogo. Como sua cidade está se
adaptando a essas mudanças? Existem iniciativas locais que utilizam a tecnologia para
melhorar a eficiência econômica e a qualidade de vida?

Referências Bibliográficas

PIRES, Julio Manuel. Economia Regional e Urbana. In: PINHO, D. B.; VASCONCELLOS, M. A. S.
de (Orgs.). Manual de Economia. 5e. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 631-642.

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