Você está na página 1de 8

Tema 2 (parte 1): Movimento, Transporte e Localização

Button J.K. 1993 [Traduzido]

1. O desejo pelo movimento;


2. O problema sobre o que surgiu primeiro: a galinha ou o ovo?
3. Transporte e localização industrial;

1. O Desejo pelo Movimento

Poucas pessoas viajam pelo simples prazer de viajar, apesar de alguns modos de
transporte, de facto, provocarem sentimentos de animação, romance ou emoção.
Naturalmente que também há pessoas que empreendem férias de turismo onde a
vista panorâmica dum carro ou autocarro é parte integrante do divertimento.
Contudo, a maior parte dos indivíduos viaja porque deseja tirar benefícios que só
são possíveis através do movimento, tais sejam, benefícios sociais, recreativos,
educacionais, de emprego e outras oportunidades. De igual modo, o transporte de
carga abre oportunidades para uma maior eficiência na produção e permite uma
extensiva especialização geográfica com os benefícios da maior divisão de
trabalho que o acompanham. Dito de modo mais simples, o transporte permite a
redução das desvantagens espaciais.

Com mais detalhe, Thomson1 apresenta sete principais razões porquê as pessoas na
sociedade moderna desejam transportar a si ou as suas propriedades:

 A heterogeneidade da superfície da terra significa que nenhuma parte dela é


capaz de fornecer todos os produtos que as pessoas desejam. Um cesto
aceitável de tais bens só poderá ser obtido através do movimento para a sua
colecta ou quando alguém os traz para si.

 A continuação da sociedade moderna e os seus altos níveis de bem-estar


material dependem dum grau de especialização produtiva. A indústria
requer uma multiplicidade de insumos que devem ser recolhidos de
diversas fontes e, também, para permitir o nível necessário de
especialização, extensas áreas de mercado devem ser usadas e servidas.

 Para além da especialização, a alta qualidade do transporte permite a


exploração de outras maiores economias de escala. Existem essencialmente
técnicas económicas associadas com altos níveis de produção e incluem a
automação, manuseamento em massa, actividades de pesquisa e

1
Thomson, J.M. (1974), Modern Transport Economics, Harmondsworth, Penguin.

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 1
desenvolvimento, marketing em massa, equipamento de construção
específica, etc.

 O transporte sempre serviu propósitos políticos e militares. Internamente,


um país procura o transporte de mercadorias tanto para permitir uma defesa
efectiva das suas fronteiras como para melhorar a coesão política da nação.
Com o exterior, o transporte de mercadorias permite a um país dominar
quaisquer províncias subversivas, ao passo que estados mais agressivos
requerem o transporte para prosseguirem as suas políticas expansionistas.
Politicamente, a posse de infra-estruturas de transporte caras (especialmente
aviões ou marinha mercante) é também tratado como um símbolo de poder.

 Sem o transporte, as relações sociais e os contactos são normalmente muito


restringidos. O transporte permite o contacto social, e com ele poderá vir
uma maior compreensão dos problemas e atitudes de vários grupos
geograficamente distantes.

 Os transportes modernos alargaram as oportunidades culturais, permitindo


as pessoas examinar o tesouro artístico de outros países e a explorar os seus
próprios espectáculos desportivos, concertos, paradas e feiras que
estimulam novas tendências e inovações nas esferas culturais e desportivas.

 O transporte é desejado para permitir que as pessoas possam viver e


trabalhar em locais distintos; especialmente, ele permite a separação
geográfica do emprego e o laser. Ele aumenta as opções de estilo de vida
abertas para as pessoas, dando-lhes uma escolha entre as localizações
residenciais longe das cidades mas envolvendo um pesado cometimento às
viagens, ou as mais próximas dos seus centros de trabalho mas envolvendo
jornadas de comutação curta. O transporte simplesmente alarga as escolhas
de locais disponíveis às famílias.

O que se torna aparente nesta listagem é a estreita ligação entre as decisões sobre
as localizações (tanto de pessoas como das firmas) e o sistema dos transportes. É
sobre esta ligação que agora passamos a descrever.

2. O problema sobre o que surgiu primeiro: a galinha ou o ovo?

Dum modo geral, as estatísticas mostram que existe uma ligação entre mobilidade
e prosperidade. Quanto mais rica uma nação (pessoa) é, maior é a mobilidade
(expressa como uma combinação de passageiros por milhas por ano de automóvel,
viagem de avião ou comboio, número de camiões, e por ai em diante). Enquanto
que a correlação é aparente, o que é menos claro é a direcção causal envolvida.

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 2
Será que o alto rendimento leva a, ou resulta dos mais altos níveis de mobilidade?
A resposta não é imediatamente aparente.

Num outro nível, reconhece-se a importante ligação entre o transporte e os


modelos de uso da terra (especialmente os que dizem respeito a localização
urbana). Os efeitos das mudanças no sistema de transportes sobre o uso da terra
tendem a ser de longo prazo (que muitas vezes se designam de “alteração de
actividade”), mas, dada a longevidade da maior parte das infra-estruturas dos
transportes, tais interacções devem, até certo ponto, preocupar aos policy-makers.
As mudanças que ocorrem no uso da terra irão por sua vez, através da mudança da
natureza e tamanho da população residencial local e da base industrial, exercer
uma enorme influência na procura futura de transporte. Por exemplo, um grande
sistema metropolitano irá imediatamente atrair passageiros que vinham usando
outros meios de transporte para além de encorajar outros que dantes não viajavam.
No longo prazo, só locais próximos das terminais dos metropolitanos tornar-se-ão
mais desejáveis ao passo que os locais distantes serão menos atractivos. Haverão,
então, importantes implicações para os modelos residencial e de emprego. Além
disso, a mudança de modelos e dos modos de viajar irá alterar as decisões de
posse de carro.

Apesar destas interacções serem bem reconhecidas, é praticamente difícil construir


uma teoria compreensiva que reflicta por completo todas as ligações. O problema
é ainda ampliado pelo facto das mudanças de transporte e uso de terra serem
modificações em curso para a economia espacial. Existem ciclos contínuos de
causa e efeito, e é impossível decidir sobre um ponto sensível onde seja possível
quebrar esta mudança contínua. Consequentemente, dum ponto de vista
pragmático deve-se fazer uma análise cuidadosa para se saber se o uso da terra é
influenciado pelo transporte ou vice-versa. Até certo extremo, a decisão final
deverá depender das questões a serem consideradas. Os cientistas urbanos e
espaciais tende a tratar o transporte como a variável influente porque o foco de
atenção é a dimensão espacial. Por exemplo, as questões são postas em termos do
porquê de certas densidades populacionais ocorrerem ou o porquê da interacção de
certas economias urbanas. Pelo contrário, os economistas dos transportes
geralmente aceitam um dado modelo de uso da terra e olham para métodos
eficientes de fornecer serviços de transporte dentro deste constrangimento. As
questões centram-se, por exemplo, sobre os problemas de alinhamento de rotas ou
do controlo de fluxos de tráfego.

A maior parte deste curso está preocupada exclusivamente com o sector dos
transportes e com as decisões de viagem de curto prazo. Assume-se
implicitamente que as ligações causais correm do uso da terra para os transportes
e, geralmente, o uso da terra está predeterminado. Contudo, seria pouco apropriado
ignorar por completo a metodologia dos cientistas espaciais daí que passamos a

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 3
apresentar um breve sumário da teoria moderna , fundamentalmente sobre aquele
aspecto da teoria que dão um papel central aos transportes.

3. O Transporte e a Localização Industrial

As mais antigas teorias económicas da localização industrial argumentam que os


transportes desempenham um papel chave nas decisões que dizem respeito a
localização das actividades industriais. Como vimos, a provisão do transporte de
bens permite aos produtores estarem separados tanto das suas fontes de novas
matérias assim como dos seus eventuais clientes. Weber (1929) desenvolveu um
dos primeiros modelos para infra-estruturas móveis em que os custos de transporte
determinam a localização das indústrias manufactureiras. Na Figura 1 abaixo todos
os potenciais clientes estão localizados em A1 ao passo que as duas matérias-
primas requeridas pela indústria manufactureira estão localizadas precisamente em
A2 e A3. Os ds representam distâncias reais entre os pontos de fornecimento das
matérias-primas e a procura final.

Assume-se que todos os outros factores de produção estão livremente disponíveis


em todos os potenciais locais de produção e que, topograficamente, todas as
actividades estão localizadas num plano uniforme. Os custos de transporte são
assumidos como proporcionais com respeito tanto à distância coberta como ao
peso dos bens carregados. A localização da infra-estrutura manufactureira irá
desse modo depender da relativa atracção das várias localizações das matérias e do
mercado. O problema é, então, o de achar o local, Z, para a manufactura que
minimiza os custos totais. Em outras palavras o local que minimiza T onde:

Figura 1 Modelo de Weber da localização industrial

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 4
T = a1rA1 + a2rA2 + a3rA3

a1 é o montante físico dos bens finais consumidos em A1;


a2 é o montante físico de matéria-prima disponível em A2 requerida
para a produção de a1 do bem final;
a3 é o montante físico de matéria-prima disponível em A3 requerida
para a produção de a1 do bem final; e
rA1, rA2, e rA3 são as distâncias dos respectivos locais A1, A2 e A3 respectivamente.

É fácil ver que se quaisquer dois parâmetros a1, a2, a3 forem superados pelo
terceiro, então a localização da produção é determinada no local associado com a
terceira variável (por exemplo, se a a2 > a1 + a3, então a produção da mercadoria
final deverá ser realizada no local A2). Se nenhum dos locais for dominante, então
podem ser usados métodos gráficos para se encontrar o local que minimiza os
custos. Um segundo triângulo é desenhado com os lados proporcionais a a1, a2 e a3
e medem-se os três ângulos. Denota-se o ângulo oposto a a1 por α1 o oposto a a2
por α2 e finalmente o oposto a a3 por α 3. Estes ângulos então formam a base para
se erguerem triângulos similares em volta do triângulo de localização original (ver
Figura 1). Desenham-se círculos que tocam os pontos de cada triângulo e o local Z
da óptima produção é então encontrado no local onde todos os três círculos se
intersectam (se Z se encontrar fora do triângulo de localização original, então é
fácil provar que uma das soluções de canto, A2, A2, ou A3 é preferível.) Este local
minimiza os custos de transporte tal como é definido na equação anterior.

Esta análise simples assume implicitamente que os custos de transporte são


linearmente relacionados com a distância, mas existe uma ampla evidência de que
muitas vezes existem deseconomias associadas com o transporte de curto percurso
e com as cargas parcialmente cheias. Embora Weber tenha originalmente sugerido
que os lados do triângulo de localização podem ser ajustados para que este facto
possa ser capturado, a situação requer modificações bastante complicadas. A
dificuldade reside no facto de, em tais circunstâncias, a localização e os custos de
transporte serem conjuntamente determinados; sem o conhecimento da localização
final (isto é, Z) é impossível avaliar a magnitude, se é que existe alguma, de
economias de transporte de longo percurso. Contudo, existe uma sugestão segundo
a qual, tudo o resto constante, taxas de transporte decrescentes (isto é, quando a
taxa por milha declina com a distância) tendem, nalgumas circunstâncias, a trazer
a indústria ou para a fonte da matéria-prima ou para o mercado dos produtos
finais.

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 5
Supõe que uma só matéria-prima seja requerida para produzir o produto final (ou
que a gama de matérias-primas requeridas estejam localizadas num ponto único) e
que este esteja no ponto A na Figura 2. Assuma ainda que não haja perda de peso
no processo de manufactura requerido para a produção do produto final que
eventualmente será vendido em M. Ou o sistema de transportes oferece um serviço
completo de A para M custando $10 por ton. Ou, como alternativa, há serviços de
A para um local intermediário B custando $6 por ton., e um de B para M custando
$6 por ton. Uma vez que assumimos a não existência de perdas na produção, o
manufactureiro, ciente do custo, fica claramente indiferente entre A e M mas não
irá escolher o local B (porque AB + BA) > AM em termos de custo).

$6 $6

A B M

$10

Figura 2 Os efeitos de taxas decrescentes sobre a localização industrial

Relaxando o pressuposto de não perda de peso na manufactura não remove a


desvantagem sofrida por B relativamente a A que agora é preferível do que a
localização M. (É possível nesta situação que B seja preferido que M se uma
localização em A é impraticável por razões técnicas ou de planeamento, mas isto
dependeria da importância relativa do encurtamento vis-à-vis a perda de peso na
manufactura.) A perda de peso irá somente influenciar a escolha entre A e B, e isto
pode mesmo vir a ser verdade se diferentes taxas forem cobradas pelo
cumprimento do percurso mas também por tipo de mercadoria. Mesmo que seja
mais caro por ton. transportar o produto final poderá ainda ser preferível localizar
a facilidade de produção na fonte da matéria-prima do que no mercado final.

Naturalmente que as firmas não se localizam em isolamento das outras. Lösch


(1954) demonstrou que quando todas as firmas enfrentam esquemas de produção e
custos de transporte idênticos, e são confrontadas por um mercado espacialmente
uniforme, o mercado é dividido de tal modo que cada firma serve uma área de
mercado hexagonal. O número de firmas do equilíbrio, e a área servida por cada
uma, seria determinado pelos custos de transporte. Neste modelo, a existência dum
número de mercados diferentes mas independentes iria tender a encorajar a
concentração de firmas em determinados locais.

A discussão detalhada destes modelos de localização e de outros modelos está para


além do alcance deste curso mas deverá estar cada vez mais aparente o
reconhecimento de que os custos de transporte são apenas alguns dos muitos

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 6
factores que influenciam a localização industrial. Os factores que ainda
influenciam a localização incluem (para além das considerações dos transportes) a
estrutura do mercado, elasticidades de procura, economias externas de
concentração geográfica, expectativas sobre mudanças futuras do mercado e
custos de processamento.

Embora os modelos teóricos da localização industrial forneçam uma análise útil


sobre o papel desempenhado pelo transporte, a sua relevância real no mundo real
requer um estudo empírico detalhado. Em muitos casos os custos de transporte são
uma porção tão menor dos custos de produção globais que se torna mais oneroso
obter a informação necessária para encontrar o local de menor custo sendo
preferível até sofrer as ineficiências duma situação sub óptima.

Evidências empíricas mostram que o transporte interurbano, boas ligações de


transporte internacional e alta qualidade do transporte local (necessário para reter a
escassa mão de obra qualificada) são, por exemplo, particularmente importantes
para s indústria moderna de alta tecnologia.

Estudos mais localizados sugerem que boas facilidades de transporte de


passageiros poderão influenciar a localização industrial muito mais do que a
qualidade de de transporte de longo curso ou do transporte de carga. Na indústria
de retalho e noutras actividades este argumento é ainda mais estendido a incluir o
desejo das firmas de se tornarem acessíveis aos clientes.

Torna-se também claro através de várias pesquisas de que a disponibilidade de


uma força de trabalho adequada é um factor chave na escolha da localização de
indústrias tanto as de alta tecnologia como as mais tradicionais. Há também
evidência de que o transporte local pode influenciar na atracção ou retenção de
mão-de-obra. O transporte e as considerações relacionadas com o transporte
parecem, deste modo, serem muito relevantes nas decisões das indústrias
modernas embora os atributos específicos do transporte possam, de certo modo,
mudar ao longo dos anos.

Para além da apreciação de que o transporte não é muitas vezes o factor dominante
na escolha da localização, há agora a crescente visão entre os economistas de que
as firmas nem sempre são motivadas pela noção da minimização do custo. Assim,
mesmo que alguém consiga isolar os factores de interesse para as firmas ainda não
é claro se estes são tratados dentro do quadro da minimização do custo. Muitas
vezes as firmas adoptam políticas de ‘satisfação’ na selecção do local ao invés de
tentar maximizar o lucro, a receita ou minimizar o custo. Sob estas condições
torna-se quase impossível definir o papel desempenhado pelos custos do
transporte, mas parece provável que uma vez escolhido o local, seria necessário

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 7
uma maior subida nos custos de transporte para ultrapassar a inércia básica que
parece acompanhar o objectivo de gestão.

Texto baseado em Button, J.K. 1993, Transport Economics, 2nd ed. The University Press: Cambridge 8

Você também pode gostar