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3.3.

Os fatores determinantes da formação dos aglomerados urbanos 1

Quais são os fatores que permitem explicar a formação (crescimento e declínio) de


aglomerados urbanos? O que justifica a perenidade da cidade como forma de ocupação
do território?

Se numa perspetiva histórica a concentração da população num espaço restrito obedece


sobretudo a razões de sobrevivência/subsistência e de ordem política, administrativa e
religiosa, é ao nível económico que devemos procurar a razão fundamental para a
existência, crescimento (declínio) e localização de aglomerados urbanos.

Como referia Marshall (op. Cit.) a universalidade da cidade como forma de organização
territorial repousa nas vantagens económicas que oferece e que não podem ser obtidas se
a população se dispersasse no território.

3.3.1. Condições económicas para a existência de cidades


3.3.1.1. Formação e partilha de um excedente agrícola

Que condições são necessárias para a formação de aglomerados urbanos? Desde o seu
início, a cidade é o local de concentração de indivíduos especializados em funções não
agrícolas. Assim, a formação de cidades está associada à capacidade de os agricultores
produzirem alimentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades da população
agrícola e das populações não agrícolas.

A criação de um excedente agrícola é uma condição necessária ao aparecimento das


primeiras cidades. A produção agrícola deve ser mais do que suficiente para assegurar a
reprodução da força de trabalho agrícola. A existência de um excedente agrícola é
fundamental para explicar o aparecimento das grandes cidades. Não é por acaso que as
grandes cidades da antiguidade se encontram na proximidade de planícies férteis.

Contudo a existência de um excedente agrícola não é suficiente. É necessário que os


agricultores tenham interesse em partilhar esse excedente com os habitantes das áreas
urbanas. Ou seja, os habitantes das áreas urbanas têm que ter vantagens relativas na
produção de alguns bens (manufaturados) ou serviços.

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In Economia Regional e Urbana, Ana Paula Delgado e José da Silva Costa (com a colaboração de Isabel
Maria Godinho e Maria Isabel Mota), 2021, draft, para uso exclusivo dos estudantes.

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Essas vantagens têm que ser suficientes para cobrir os custos de transporte dos bens, pelo
que a existência de um sistema de transportes eficientes é uma condição para a troca de
bens e serviços entre as áreas não urbanas, especializadas na produção de bens do setor
primário, e as áreas urbanas, especializadas na produção de bens manufaturados e
serviços.

Note-se que os custos de transporte tiveram um papel fundamental na dimensão e forma


das cidades. Se os custos de transporte são elevados, as cidades têm uma área pequena,
uma dimensão reduzida e elevada densidade. O desenvolvimento dos transportes
terrestres, a partir da segunda metade do século XIX, permitiu o crescimento das cidades,
que se estendem para a periferia. Mas os custos de transporte influenciaram também a
localização das cidades. Para lá de questões de defesa, a proximidade ao mar, a rios
navegáveis ou lagos, traduziu-se, durante séculos, em vantagens no que concerne o
transporte longínquo de mercadorias, já que os transporte fluvial e marítimo tinha um
custo inferior ao transporte terrestre.

3.3.1.2. Origem das vantagens relativas

Como vimos a troca de produtos entre áreas urbanas e não urbanas (rurais) repousa, entre
outros, na existência de vantagens relativas na produção de bens manufaturados e
serviços, pelos habitantes das áreas urbanas. Qual a origem dessas vantagens?

Como demonstra Lösch (op.cit.) dois fatores parecem ser, em regra, determinantes:

a) a existência de recursos localizados;

b) a existência de economias de escala e de gama na produção e distribuição de bens


e serviços.

Como demonstra Lösch essas condições, excecionais, têm que se verificar


simultaneamente. Ou seja, todos os recursos têm que ser ubíquos e tem que se observar
rendimentos constantes à escala na produção e distribuição de todos os bens e serviços.
Se essas duas condições se verificarem, não haverá qualquer estímulo económico à
concentração espacial de atividades económicas. A terra seria igualmente fértil, os
recursos necessários à produção estariam disponíveis em todos os pontos do espaço e,
dada a situação de rendimentos constantes à escala, cada atividade produtiva poderia
operar num nível arbitrário, sem qualquer perda de eficiência, ou seja, com o mínimo

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custo médio de produção, qualquer que seja a respetiva localização. Sendo a terá
igualmente produtiva, o equilíbrio requer que o valor do respetivo produto marginal (e,
consequentemente a renda), seja o mesmo em todos os pontos do espaço.

Por conseguinte, em equilíbrio, todos os inputs e outputs necessários, direta ou


indiretamente, para satisfazer as procuras dos consumidores podem localizar-se numa
pequena área junto à residência dos consumidores. Deste modo, cada uma dessas áreas é
autossuficiente e evita-se o transporte das pessoas e dos bens. Mills, 1972 (Fujita e Thisse,
2000, 7).

Pelo contrário, a concentração, gerando concorrência pelo uso do solo induz custos
suplementares - subida das rendas - sem qualquer benefício adicional.

Sem se reconhecer a existência de indivisibilidades na pessoa humana, nas


residências, fábricas, equipamentos e transportes, os problemas da localização
urbana, mesmo no mais pequeno dos aglomerados, não podem ser compreendidos
Koopmans, 1957, p. 154, cit, Huriot e Thisse, op. cit. xii)

Basta alterar qualquer uma das condições anteriores (ubiquidade dos recursos e
rendimentos constantes à escala) para que se gerem mecanismos económicos conducentes
à formação de aglomerados urbanos.

(i) Não ubiquidade dos recursos

A localização dos recursos (recursos não ubíquos, isto é, disponíveis apenas em


determinados pontos do espaço) confere vantagens aos lugares que deles dispõem e
origina a especialização desses lugares nas atividades que usam intensivamente aqueles
recursos. Os custos de transporte decorrentes dessa concentração induzem a localização
nesses mesmos pontos de atividades a montante e a jusante das atividades baseadas nos
recursos localizados e de atividades que abastecem a população local, desde que não
dependentes de recursos localizados.

(ii) Rendimentos crescentes à escala na produção e na distribuição

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Comecemos por analisar o conceito de indivisibilidades ou rendimentos crescentes à
escala. A função de produção de uma firma exibe indivisibilidades ou rendimentos
crescentes à escala se uma alteração proporcional da quantidade utilizada de todos os
inputs, determina uma alteração mais do que proporcional da quantidade de output. Neste
caso, o aumento do volume de produção está associado a um custo médio de produção
(custo de produção por unidade de produto), decrescente (economias de escala).

Qual a relação entre economias de escala e concentração espacial? Ou, como é que a
existência de economias de escala cria um estímulo económico para a aglomeração e a
formação de aglomerados urbanos?

Se uma atividade exibe economias de escala, o aumento do volume de produção permite


obter custos médios de produção mais baixos e as vantagens competitivas que lhes são
inerentes. A concentração da produção gera estímulos à localização de atividades a
montante e jusante e de outras atividades complementares. Atrai também a esse local
fatores de produção, entre os quais mão-de-obra.

As economias de escala podem resultar da existência de inputs cuja dimensão mínima é


elevada (indivisibilidades dos inputs) ou da especialização do trabalho (especialização
dos fatores)

Economias de escala
Rendimentos /deseconomias de escala
crescentes à escala;
Custo médio
decrescente
Custo médio de produção

Rendimentos
decrescentes à
escala;
Custo médio
crescente

Volume de produção

Estão assim criadas condições para a formação de áreas urbanas e, simultaneamente, para
o aparecimento de outras áreas urbanas de dimensão semelhante e com a mesma estrutura
económica. De facto, o crescimento da cidade e a extensão do respetivo perímetro, pode

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implicar custos de transporte intraurbanos acrescidos. Além disso, aumentando a
dimensão da cidade, observa-se uma maior concorrência pelo uso do solo, pelo que se
espera que o preço do solo aumente. O aumento do custo de transporte e do preço do solo
limita as vantagens decorrentes da concentração espacial, gerando um estímulo
económico para o aparecimento de novas áreas urbanas que, nas condições do modelo,
serão semelhantes à área urbana inicial. Veja-se, como a existência de custos de transporte
limita a área de mercado do produtor.

Custo da
3 produção
doméstica

Custo de
2 transporte

Custo da
1 produção fabril

Fábrica
d

Fábrica

04-11-2008 1

As primeiras cidades são cidades comerciais que exploram as economias de escala


associadas ao transporte. Fornecem serviços de transporte e conexos, relacionados com o
comércio e exportação de produtos agrícolas, recursos naturais e bens manufaturados
intensivos nos anteriores. Para além destas as pequenas cidades fornecem serviços às
populações das áreas envolventes (áreas de influência) desenvolvendo também a
produção de bens manufaturados que são vendidos a essas mesmas populações.

Mesmo neste cenário é possível observar uma certa diversificação das áreas urbanas
(diferentes dimensões e diferentes funções) dado que:

• o nível de concentração não é o mesmo para todas as atividades;

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• os custos de transporte promovem a concentração de atividades diferentes num
mesmo ponto;

• a diferente dimensão das economias de escala induz aglomerações urbanas de


dimensão diferente

3.3.1. Economias de aglomeração

Para além das anteriores, autores como Marshall (1890), chamaram a atenção para um
“outro tipo de economias de escala”: Economias de Escala Externas ou Economias de
Aglomeração.

As economias de escala externas ou de aglomeração correspondem a vantagens da


concentração espacial que resultam da dimensão do aglomerado urbano e não da
dimensão de uma unidade de produção.

Economias de aglomeração
Sem economias de
aglomeração
Custo médio de produção

O efeito das
economias de
aglomeração

Volume de produção

As economias de aglomeração são economias externas, resultantes da concentração


espacial de atividades e de pessoas. Há vários tipos de economias de aglomeração. No
contexto deste manual vamos distinguir entre economias de localização e economias de
urbanização.

3.3.1. 1. Economias de localização

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As economias de localização traduzem a ideia de vantagens económicas (traduzidas na
deslocação da curva de custo médio na direção da origem) que resultam da concentração
espacial de atividades de um mesmo sector e de sectores afins. São específicas das
empresas desses sectores, ou seja, a deslocação da curva de custo médio na direção da
origem, significando que, para um dado volume de produção, as empresas desses setores
que se localizem no local onde se observam economias de localização terão custos médios
menores. Esses menores custos médios resultam do acesso a bacias de mão-de-obra
especializada, redes de fornecedores e de distribuidores, spillovers de conhecimento,
infraestruturas, entre outros. São externas à empresa mas internas à indústria e originam
cidades especializadas.

As economias de localização explicam porque determinadas atividades se concentram


numa dada região (Sillicon Valley e as atividades associadas às novas tecnologias de
informação, têxtil, vestuário n Vale do Ave, por exemplo), numa área urbana particular
(moda em Milão ou Paris, por exemplo) ou numa zona específica da cidade (serviços
financeiros no eixo Av. dos Aliados, Sá da Bandeira e D. João I, no Porto, nos anos
setenta, indústrias de conservas de peixe em Matosinhos Sul), originando especialização
desse local nessas atividades.

3.3.1. 2. Economias de urbanização

Falamos de economias de urbanização quando estamos perante vantagens económicas


que resultam de concentração de atividades diferentes e do aumento do volume de
atividade económica e da população da área. São externas à empresa e à indústria mas
internas à cidade. As economias de urbanização explicam a tendência para a concentração
de atividades e populações nas grandes cidades. Em particular, permitem perceber
porque, não obstante os elevados custos de localização, as firmas e as pessoas mostram
preferência por se localizar nas cidades de maior dimensão. As vantagens que retiram
dessa localização (em resultado das economias de urbanização) são superiores aos custos
de localização.

As economias de urbanização resultam, por exemplo, de acesso a um mercado de mão-


de-obra diversificado, proximidade a fornecedores especializados e a um mercado
alargado, de maior facilidade de acesso a informação (em particular face to face),

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infraestruturas, serviços intermédios e finais, entre outros. Estão assim associadas não
apenas à dimensão da cidade mas, também, à diversidade da sua base económica.

3.3.1. 2. Fontes de economias de localização e/ou de urbanização

Note-se que as economias de aglomeração resultam das vantagens que emergem da


concentração espacial de empresas de um mesmo setor e dos setores afins (de
localização), ou de empresas de diferentes setores de atividade (de urbanização). Essas
vantagens de aglomeração podem ter diferentes origens:

 A procura de um input por uma firma particular pode não ser suficiente para
explorar economias de escala;

 Custos de transporte e de comunicação elevados induzem a necessidade de


contactos face a face e a proximidade espacial entre clientes, fornecedores e
mesmo concorrentes;

 A concentração espacial da procura pode induzir a existência de fornecedores


especializados que exploram economias de escala (serviços jurídicos,
contabilidade, publicidade…);

 A produção de produtos não standardizados induz a necessidade de contacto


frequente entre produtores e clientes, de modo a adaptar as especificações do
produto às necessidades do cliente;

 Existem vantagens na partilha de infraestruturas e serviços públicos;

 Vantagens resultantes de mercados de trabalho densos, como por exemplo a maior


facilidade de mudança de emprego e de recrutamento ou de realizar o ajustamento
entre as qualificações requeridas pelos empregadores e as qualificações da mão-
de-obra.

3.3.1. 4. Funcionamento do processo de concentração espacial

Como é que a concentração espacial de atividades económicas e de pessoas é, por si


só, capaz de criar vantagens de localização para as atividades económicas que se
instalam no local onde ocorre essa concentração?

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As economias externas (de localização e/ou de urbanização) fundam um processo
cumulativo. A partir de uma vantagem inicial que funciona como motor de arranque
do processo de concentração espacial, as vantagens da concentração multiplicam-se e
reforçam-se mutuamente à medida que o número de atividades, empresas e pessoas
aumenta e se diversifica.

Do lado da procura a existência de um número elevado de empresas numa cidade,


implica que a cidade oferece uma grande variedade de bens e serviços. Esta maior
variedade torna a cidade mais atrativa para os consumidores de modo que mais
consumidores procurarão instalar-se na cidade. Por seu turno, o aumento da
população (aumento do mercado) atrai à cidade mais empresas, desencadeando um
processo cumulativo.

Forças semelhantes agem do lado da oferta. A existência de um número elevado de


empresas numa cidade, traduz-se no aparecimento de mais oportunidades de
emprego. Esta dinâmica da procura de trabalho atrai população. Tal permite uma
maior divisão do trabalho e o crescimento do output, atraindo mais empresas à
cidade, desencadeando um processo cumulativo. Externalidades informacionais
também são importantes: a aglomeração é uma força propulsora na circulação de
informação, acumulação de capital humano e criação de recursos intelectuais (Lucas,
1988)

Muitas Variedade Atrai Aumento


PROCURA

Firmas consumidores Pop. Res.

Atrai Vendedores
Muitas Maiores Atrai
Firmas Oportunidades População
OFERTA

Emprego
Maior facilidade de ajustamento entre as necessidades
de emprego e a qualificação da Mão-de-obra

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Os efeitos externos aceleram o processo de concentração das atividades e de
especialização das várias cidades e explicam porque é que os agentes económicos estão
dispostos a pagar rendas mais elevadas para se instalarem perto do centro da cidade, onde
esses efeitos são, em regra, mais intensos.

3.3.2. Amenidades e custos de congestão

Alguns desses efeitos estão associados à qualidade do meio urbano ou às amenidades.

Amenidades são itens de consumo coletivo, disponíveis para os agentes económicos que
se localizam num dado lugar, e resultantes das condições naturais (clima, qualidade do
ar, entre outros) ou construídas (sistema de ensino, saúde, animação cultural, segurança,
acessibilidades, por exemplo) e do estado dessas condições em resultado da ação de
outros agentes económicos. São portanto um conjunto de fatores, naturais ou não,
produzidos voluntariamente ou em consequência da ação de outros agentes económicos,
que determinam a qualidade do meio urbano, ou seja, a qualidade das condições
potenciais de vida

Em oposição, efeitos externos resultantes da concentração espacial, como a poluição ou


a criminalidade, bem como as rendas / preços do solo ou os custos de transporte mais
elevados limitam o crescimento urbano e favorecem a dispersão das atividades
económicas e da população. Estes efeitos aparecem referidos muitas vezes como custos
de congestão.

O crescimento das cidades pode ainda ser limitado por incompatibilidade entre atividades
económicas ou agentes económicos.

3.3.3. Nota conclusiva

Em suma, o crescimento da cidade (dos aglomerados urbanos) e de pontos de forte


concentração de atividades (clusters, distritos industriais) pode ser visto como resultante
de duas forças contrárias:

 uma força aglomerativa (centrípeta), em resultado dos efeitos de atração das


economias de aglomeração;

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 uma força de dispersão (centrífuga), explicada sobretudo pela existência de custos de
congestão.

Ou seja, os fatores que explicam o crescimento das cidades explicam também o seu
declínio.

Em conclusão, numa perspetiva económica, os fatores que determinam a formação, o


crescimento e o declínio das cidades, podem ser agregados em quatro grupos:

(i) existência de recursos localizados;

(ii) localização estratégica na rota de acesso a esses recursos ou aos bens e


serviços que eles permitem produzir;

(iii) economias de escala na produção e distribuição e as vantagens decorrentes da


especialização e do aumento das trocas;

(iv) existência de externalidades espaciais positivas (economias de localização


e/ou de urbanização) ou negativas (custos de congestão).

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