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NOTA DE AULA

RELAÇÕES SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL


PARTE I: PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-
METODOLÓGICA
CAPÍTULO I: UMA CONCEPÇÃO TEÓRICA DA REPRODUÇÃO DAS
RELAÇÕES SOCIAIS.
Antes de procurar compreender a profissão de Serviço Social, é preciso antes,
compreender o movimento em que ela se gesta, nesse ínterim, fala-se do capital.
A produção é uma atividade social, ou seja, ela só pode ser feita em sociedade.
“Para produzir e reproduzir os meios de vida e de produção, os homens
estabelecem determinados vínculos e relações mútuas, dentro e por intermédio dos quais
exercem uma ação transformadora na natureza”. (p. 17).
A produção social é essencialmente histórica!
O capitalismo é um modo historicamente determinado de reprodução das
condições materiais – e com isso, imateriais – da vida humana.
Produção social não se trata de produzir materiais, mas de relações sociais entre
pessoas e classes sociais. Na sociedade capitalista, ele próprio é o modo de produção
social, assim, dita as normas de produção e reprodução da vida individual e coletiva.
O capital está representado nas mercadorias e no dinheiro, mas sua existência
não encontra limites aí. Por estarem representados em coisas materiais, as relações
sociais nesse modo de produção aparecem mistificadas, esvaziadas de sentido e de
historicidade.
As mercadorias são objetos úteis, que atendem a uma necessidade social, elas
são produzidas a partir do trabalho útil concreto e se constituem valores de uso. O valor
de uso é a materialidade do objeto, sua finalidade.
“Os produtos assumem, historicamente, a forma de mercadoria porque são
produtos de trabalhos privados que necessitam ser trocados”. (p. 18).
O produto do trabalho privado precisa ser um trabalho útil, ou seja, seu resultado
precisa atender alguma necessidade social. E esse mesmo produto só poderá satisfazer
alguma necessidade social se ele puder ser trocado por outro trabalho útil, equivalente.
Para ser capital precisa ter o monopólio dos meios de produção e de subsistência
por uma parte da sociedade, nesse caso, a burguesia. Ao trabalhador, resta vender a sua
força de trabalho para sobreviver.
A função específica do capital é a produção de um sobrevalor ou de
um valor maior que aquele adiantado no início do ciclo produtivo.
Este sobrevalor ou mais-valia é o fim e o resultado do processo
capitalista de produção. Significa substancialmente materialização de
tempo de trabalho excedente, trabalho não pago pela classe capitalista.
(p. 20).
Para o mercado capitalista funcionar, ele precisa de trabalhadores livres (livres
de outras formas de exploração), que possam concorrer entre si de forma juridicamente
igual.
Mais-valia absoluta: aumento da intensidade e da jornada de trabalho.
Mais-valia relativa: aumento da produtividade do trabalho.
“A classe trabalhadora cria, pois, em antítese consigo mesma, os próprios meios
de sua dominação, como condição de sua sobrevivência”. (p. 25).
O trabalho não é uma mercadoria, ele não pode ser vendido separadamente de
seu produtor: o trabalhador. Nesse sentido, a mercadoria se coloca sob o trabalhador, e
não sob sua força de trabalho. Como esclarece Marx: “o trabalho, medida exclusiva do
valor (...) fonte de toda riqueza, não é uma mercadoria”.
A “igualdade” apregoada pelo sistema capitalista entre trabalhador e burguês é
uma mistificação da raiz do próprio sistema. Embora ambos ponham algo no mercado
de trabalho para adquirir seu meio de sobrevivência, o trabalhador vende a sua força de
trabalho, ou seja, vende a si mesmo em troca de salário, que é denominado como o
resultante de todo o processo de produção que estiver envolvido, mas na verdade,
responde apenas por uma parte de sua produção, sendo exigido pelo capitalista, que
produza mais do que o que irá receber, produzindo assim, a mais-valia. Sendo assim, de
forma alguma poderia se traduzir em uma relação de igualdade.
Esse mecanismo não é facilmente identificável por nenhum dos membros do
mecanismo do capital, nem pelo trabalhador, nem pelo capitalista.
O trabalhador só recebe o seu salário após ter ofertado o seu trabalho ao
capitalista, dessa forma, o trabalhador é pago com o produto de seu próprio trabalho, ou
seja, ele mesmo produz o capital variável que lhe será retornado posteriormente em
forma de salário.
Dinheiro e capital não são sinônimos. O dinheiro é uma moeda de troca,
precifica os produtos. O capital é um valor que se valoriza, valor que gera valor.
A reprodução é a continuidade do processo social de
produção, porém, uma continuidade que não se reduz à mera
repetição é uma continuidade no decorrer da qual o processo
de renova, se cria e recria de modo peculiar. As condições de
produção são, portanto, as de reprodução. (p. 25).
A classe trabalhadora é quem produz os seus próprios meios de dominação, pois
ela produz o “salário” do capitalista, assim como o seu próprio, a diferença é que o seu
salário paga apenas o necessário para sua sobrevivência, obrigando-o a retornar ao
mercado para vender sua força de trabalho, que é tudo que possui.
O trabalho não é uma mercadoria. Ele não pode ser separado do trabalhador, ou
vendido separadamente. Sua existência é intrínseca a do trabalhador.
“Considerando o processo de produção na sua continuidade, verifica-se que a
classe trabalhadora é paga com o produto de seu próprio trabalho, do trabalho efetuado
anteriormente pelo conjunto dos trabalhadores”. (p. 27).
“O salário, forma típica do mundo dos equivalentes, encobre a desigualdade
efetiva que se esconde sob a aparência de relações contratuais juridicamente iguais”. (p.
28).
A mistificação do processo de produção faz com que o trabalhador (a classe
como um todo) enxergue os frutos da produção como sendo do capital, e não como
resultado de sua própria força de trabalho.
“Ou seja, o trabalhador produz e reproduz o capital; produz e reproduz a classe
capitalista que o personifica, enfim, cria e recria as condições de sua própria
dominação”. (p. 29).
A sensação para o trabalhador, é de que o produto fruto de sua própria produção
não lhe pertence, nem a si mesmo se pertence, mas a outro.
O exército industrial de reserva é condição estrutural de existência do sistema.
Funciona como um mecanismo de pressão sobre os salários dos trabalhadores, e sobre
as condições de trabalho.
“Com a intensidade do processo de exploração do trabalho, a vida média do
trabalhador se reduz; o processo de envelhecimento se acelera. Tais condições exigem
uma rápida reprodução das gerações trabalhadoras”. (p. 32).
Há ainda, uma superpopulação intermitente, que é chamada ao mercado nos
momentos de pico econômico, e dispensada nos momentos de crise. Essa população
vivencia o pauperismo em condições ainda mais precárias do que a classe trabalhadora
ativa.
“A acumulação da miséria é proporcional à acumulação do capital”. (p. 33).
Para a classe capitalista a fonte de seu lucro não provém de
expropriação da vida humana da classe trabalhadora, mas sim, de um
mero mecanismo de mercado: comprar mais barato e vender mais
caro. A fonte seu lucro, na sua consciência aderida ao capital, provém
da circulação. (p. 33).
“[O capitalista] não percebe que seu lucro só pode originar-se do fato de poder
vender algo pelo qual nada pagou”. (p. 34).
A exploração vai além das condições físicas do trabalhador, abarcando também
as suas condições morais e intelectuais, invadindo “corações e mentes”, atingindo o
núcleo familiar e o ego.
De um modo geral, a classe que detém os meios de produção material, detém
também, os meios de produção e reprodução do mundo das ideias. Ou seja, o
trabalhador que está sujeito ao capitalista por sua sobrevivência material, é também
sujeitado em suas ideias e planos.
CAPÍTULO II
A reprodução das relações sociais é a reprodução de um determinado modo de
vida e de trabalho. “Trata-se, portanto, de uma totalidade concreta em movimento, em
processo de estruturação permanente”. (p. 38).
O Serviço Social não foge à lógica do trabalho alienado. Ele se encontra no
centro das tensões sociais entre as classes, tendendo a aderir a posição das classes
dominantes. Entretanto, pelos mesmos instrumentos profissionais que reafirma a
exploração da classe trabalhadora, responde pelas suas mazelas e luta por seus direitos.
O desenvolvimento das forças produtivas dentro do capital, criam situações
complexas na sociedade, de modo a fazer surgir novas necessidades sociais e novos
impasses que requisitam a existência de profissionais especialmente qualificados para
lidar com essa demanda.
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário
político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por
parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da
vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual
passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e
repressão. (p. 40).
O desenvolvimento da questão social apresenta duas faces: a primeira, diz
respeito a desigualdade peculiar a que submete a classe trabalhadora – processo
intrínseco do capital – e sua capacidade de organização diante dessa conjuntura; a
segunda, diz respeito as diferentes maneiras de interpretar e agir sobre ela.
A indefinição do que é e do que faz o assistente social, em muitas vezes visto
como um estigma, pode potencializar a autonomia profissional, abrindo possibilidades
para o profissional ofertar propostas de trabalho que extrapolem as demandas
institucionais.
Os assistentes sociais da gênese da profissão possuíam todas as características de
uma profissão baseada na vocação, que privilegiavam o primado do ser, sobre o
primado do saber.
O Serviço Social não está diretamente vinculado ao processo de produção de
criação de produtos e de valor, o que não significa que ele não faça parte do processo de
produção social. “Ora, o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e
sua família, elemento mais vital e significativo do processo de produção”. (p. 44).
Uma vez que os assistentes sociais estão inseridos na dinâmica do cotidiano da
classe trabalhadora, garantindo sua continuação e reprodução, ele também faz parte do
processo de produção.
“Embora não sejam geradoras de valor, tornam mais eficiente o trabalho
produtivo, reduzem o limite negativo colocado à valorização do capital, não deixando
de ser para ele uma fonte de lucro”. (p. 45).
Segundo Gramsci, o profissional intelectual: “trata-se do organizador, dirigente e
técnico que coloca sua capacidade a serviço da criação de condições favoráveis à
organização da própria classe a que se encontra vinculado”. (p. 45).
A ampliação da noção de cidadania propiciou o surgimento de vários serviços
sociais.
Assim é que tais serviços nada mais são, na sua realidade substancial,
do que uma forma transfigurada de parcela do valor criado pelos
trabalhadores e apropriado pelos capitalistas e pelo Estado, que é
devolvido a toda a sociedade (e em especial aos trabalhadores, que
deles mais fazem uso) sob a forma transmutada de serviços sociais. (p.
48).
Em simples palavras: os serviços sociais são uma forma de devolução do que foi
produzido pela própria classe trabalhadora sob uma nova roupagem.
No Estado moderno brasileiro, o seu papel é o de novo coronel, por
desempenhar o papel e ofertar os serviços sociais sempre atrelado a perspectiva de
favor.
O Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho,
atuando junto à reprodução das relações sociais, auxiliando e subsidiando o controle
social e a difusão da ideologia dominante junto à classe trabalhadora.
Embora o Serviço Social possa filiar-se livremente a uma ou outra posição
diante da luta de classes, historicamente, essa profissão tem reforçado os mecanismos de
poder econômico, político e ideológico da burguesia sobre a classe trabalhadora.
Os serviços sociais são – para a burguesia – uma forma de investimento:
“Contribuem para manter um equilíbrio psicofísico do trabalhador, canalizando e
antecipando a emergência de focos de tensão, que afetem a paz social necessária à
potencialização do processo de exploração do trabalho”. (p. 52).
Considerando que não existe sociedade baseada na pura violência, o Estado
moderno precisou – e ainda precisa – desenvolver mecanismos de coesão e de consenso
social entre as classes, entre esses mecanismos se encontra o Serviço Social.
“O modo capitalista de reproduzir e o de pensar são inseparáveis, e ambos se
expressam no cotidiano da vida social”. (p. 56).
À medida que, no capitalismo, o modo de viver e de produzir é
permeado pela forma mercadoria esta torna-se mediadora, por
excelência, das relações sociais, transformando-se na aparência de
relações entre coisas. É, portanto, historicamente impossível que as
representações reflitam de modo límpido e cristalino a vida social, já
que a própria consciência é permeada pela mercadoria e seu fetiche.
(p. 57).
O assistente social atua dentro de setores estatais e paraestatais, fornecendo
serviços sociais à classe trabalhadora. Sendo assim: “[...] o profissional é solicitado a
intervir como “fiscalizador da pobreza”, comprovando-a com dados objetivos e in loco,
quando necessário, evitando assim que a instituição caia nas “armadilhas da conduta
popular de encenação da miséria”. (p. 58).
O principal instrumento de trabalho do assistente social é a linguagem, através
dela o profissional consegue garantir sua persuasão e controle com o mínimo de
violência possível.
Para romper com o cunho educativo da classe dominante, é preciso refletir
criticamente sobre o cotidiano da classe trabalhadora. “O cotidiano é o “solo” da
produção e reprodução das relações sociais”. (p. 59).
O assistente social, ao aderir a visão burguesa de mundo e aplicar essa visão em
sua atividade profissional, torna-se “moderno filantropo da era do capital”.
PARTE II – ASPECTOS DA HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
CAPÍTULO I – A questão social nas décadas de 1920 e 1930 e as bases para
implantação do Serviço Social
Na década de 1930, o capitalismo já se encontrava em fase avançada nos
grandes centros urbanos, ainda que no país não tenha se dado da forma tradicional de
implementação desse sistema, o capital se solidificou, se estabelecendo sobre um
mercado de trabalho escravagista.
O desdobramento da Questão Social e também a questão da formação
da classe operária e de sua entrada no cenário político, da necessidade
de seu reconhecimento pelo Estado e, portanto, da implementação de
políticas que de alguma forma levem em consideração seus interesses.
(p. 65).
É nessa conjuntura que o Serviço Social é implantado. Não se dá por iniciativa
do Estado, mas de pequenos grupos burgueses que atuam por intermédio da Igreja.
As Leis Sociais que surgem na época são resultados da pressão da classe
trabalhadora pelo reconhecimento de sua cidadania, já o surgimento do Serviço Social
se dá pela lógica contrária, trata-se de uma imposição posta pelos grupos da burguesia.
O desenvolvimento exorbitante nos grandes centros industriais mostra a avidez
do capital por mão de obra excedente. O mercado de trabalho brasileiro é composto
principalmente por imigrantes.
As condições de trabalho dessa época eram angustiantes. A jornada de trabalho
era de 10 horas (1920), embora pudesse superar esse tempo dependendo da necessidade
das empresas. As condições de vida e moradia eram insalubres, os salários eram
constantemente pressionados para baixo, além de contarem com uma parcela expressiva
de mulheres e crianças (de até 5 anos) trabalhando.
“Cidadãos de segunda linha”. Tudo que tinham direito era a resignação.
A organização da classe trabalhadora começa a se engendrar em decorrência das
condições que lhe são impostas. São duramente reprimidas, tendo suas sedes destruídas
e seus líderes presos ou deportados.
“A dominação burguesa implica a organização do proletariado, ao mesmo tempo
em que implica sua desorganização enquanto classe”. (p. 68).
A organização da classe trabalhadora exige que a burguesia desenvolva métodos
diferentes da repressão que possibilitem a integração e o controle das massas.
A luta operária não consegue se estabelecer na espera política. Logo, suas
vitórias serão bastante reduzidas.
Dois elementos são indispensáveis para a chamada do Serviço Social, sendo
eles:
 A crítica da burguesia quanto a inexistência de um mecanismo de
socialização da classe trabalhadora, ou seja, de instituições que tenham o
objetivo de produzir trabalhadores integrados física e psiquicamente à
fábrica;
 O conteúdo diversificado da política assistencialista desenvolvida pelo
empresariado. Se por um lado, a burguesia não reconhecia o movimento
dos trabalhadores como parte uma luta por integração à política, por
outro, aumentava exponencialmente as práticas caritativas.
Os mecanismos assistenciais do empresariado aparecem de forma
mais elaborada apenas nas grandes empresas. Nestas, são muito
comuns as vilas operárias, ambulatórios, creches, escolas, etc., aliadas
a certas atitudes pouco comuns na época, como não descontar o tempo
das operárias que amamentam seus filhos, etc. (p. 71).
A lógica da filantropia praticada pelo empresariado é a de “construir e não de
distribuir”.
Diante da organização e movimentação da classe trabalhadora, a Questão Social
é exposta a céu aberto para toda sociedade. É nesse período (1910) em que se encontram
as protoformas do Serviço Social, entretanto, sua institucionalização como profissão
levará cerca de duas décadas para se efetivar.
A Igreja Católica perde o seu centro ideológico junto às classes dominantes, o
que fortalece o seu declínio perante toda a sociedade, esse processo força os líderes
religiosos a reagir, estimulando a criação de sua própria Ação.
A primeira fase da Reação Católica inicia-se a partir de 1920. Embora tenham
havido outras figuras que tentaram provocar a hierarquia da Igreja e seus fiéis, dom
Leme será o de maior êxito, sua petição, é para que a Igreja retome o seu lugar acima do
Estado, para que sua intervenção ganhe legitimidade jurídica, erguendo-se enquanto
soberana: “universidade católica, jornais católicos, eleitorado católico organizado, ação
social católica, etc.” (p. 72).
Para isso, a Igreja inicia a organização e mobilização do seu laicato, de onde
surgirá o Serviço Social, em uma abordagem muito semelhante – e inspiradora – da
Itália e França.
Cria-se o jornal A Ordem, onde alguns artigos são publicados com o intuito de
capturar a sociedade novamente, entretanto, os artigos não reconhecem a Questão
Social, limitando comentar sobre questões morais dentro da classe trabalhadora.
Na década de 1930, o Estado passa a implementar algumas políticas, muito
relacionadas ao trabalho, de cunho controlador, mas que reconhece alguns direitos da
classe trabalhista.
A relação entre Igreja e Estado é uma relação de recíproco interesse de se validar
perante a sociedade. Além disso, ambos buscam o controle social das massas, pois são
contrárias as movimentações e acreditam na convivência harmônica entre as classes.
“Deus é a fonte de toda justiça, e apenas uma sociedade baseada nos princípios
da cristandade pode realizar a justiça social”. (p. 81)
CAPÍTULO II – PROTOFORMAS DO SERVIÇO SOCIAL
O mercado de trabalho urbano – nascente do capital – foi formado pelos
imigrantes Carlistas ou Scarlabrinianos, formados principalmente por italianos.
A Igreja, na pessoa do clero, desempenhava um papel assistencial que tinha o
objetivo de controlar as massas trabalhadoras através do processo de cristianização.
A classe trabalhadora se organizava e se movimentava, ainda que contrariados
pelas classes dominantes e pela hierarquia católica. “Na imprensa operária independente
são frequentes as críticas à posição patronal e divisionista desses movimentos, cujos
aderentes e mentores são ironicamente qualificados de amarelos e urubus”. (p. 85).
As instituições que surgem a partir da Primeira Guerra vão configurar as
Protoformas do Serviço Social. Em decorrência do alcance do debate quanto à Questão
Social, trazida para o centro pelas classes trabalhadoras, que cobravam formar de
solucioná-la ou minorá-la.
A Sra. Estella de Faro, por exemplo, considerada como a grande
pioneira do Serviço Social no Rio de Janeiro e figura preeminente da
Ação Social na década de 1930, é, em 1922 – na qualidade de
elemento de confiança de dom Sebastião Leme – a primeira
coordenadora do ramo feminino da Confederação Católica. (p. 85).
O Centro e Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS) surge em 1932. Seu
objetivo era dar maior rendimento as iniciativas filantrópicas promovidas pela burguesia
sob o patrocínio da Igreja.
Nesse mesmo período, cresce o interesse das senhoras católicas pelo destino da
nação, especialmente em São Paulo. Isso leva as mulheres a estudarem e a se
envolverem com as expressões da Questão Social.
As vantagens dos Centros (como o CEAS), são três:
 São campos de observação e prática para a trabalhadora social;
 São Centros de educação familiar;
 São núcleos de formação de elites para agir na classe operária.
As mulheres são sujeito privilegiado para essa atuação, pois ela é vista como a
única que pode desenvolver o trabalho educativo que lhe é exigido, em todas as classes
sociais.
As mulheres burguesas desenvolviam o trabalho motivadas por um profundo
sentimento de justiça social e caridade cristã, além de dispenderem de tempo disponível
para exercer a caridade.
A primeira escola de Serviço Social do Brasil surge em São Paulo em 1936. A
partir disso, novas demandas começam a surgir, de natureza estatal.
Em 1935 surgiu a primeira iniciativa de Assistência Social pelo Estado. Tinha o
objetivo de desenvolver todo o serviço de assistência e proteção social, etc.
A posição da Igreja, ao se instituir a Ação Social no Rio de Janeiro é de tutela do
Estado sobre o operariado, na contramão de sua liberdade de ação e desenvolvimento de
sua ação social.
A necessidade de formação técnica especializada da assistência é vista
não apenas como uma necessidade particular ao movimento católico.
Tem-se presente essa necessidade, enquanto necessidade social que
não apenas envolve o aparato religioso, mas também o Estado e o
empresariado. (p. 94).
A crítica sob a prática assistência versava sobre sua pouca eficiência e a
reincidência de sua prática.
A demanda por assistentes sociais excede o número de profissionais disponíveis,
o que leva as escolas a recrutarem mulheres de outras classes sociais, alargando as
possibilidades do perfil em formação para a pequena burguesia urbana.
O trabalho desenvolvido por uma das instituições que empregavam os
assistentes sociais da época eram: “separar as famílias das classes operárias, prevenindo
sua desorganização e decadência e procurando elevar seu nível econômico e cultural por
meio de serviços de assistência e educação”. (p. 97).
A atuação prática desenvolvida pelos primeiros assistentes era voltada para a
organização da assistência, educação popular e pesquisa social. Para famílias operárias,
com foco em mulheres e crianças.
O aparecimento das escolas de Serviço Social se justificam pela complexificação
dos casos atendidos, pelas novas exigências do Estado, e pela compreensão da Igreja
quanto a essa necessidade.
“Sempre haverá indivíduos fracos; e este é o campo principal do Serviço Social,
ajustando-os ao quadro normal da vida, através de uma ação personalizada”. (p. 103).
Os assistentes sociais da época reconhecem a necessidade de conhecer melhor a
realidade para melhor intervir nela. Entretanto, embora aja uma vasta produção
acadêmica sobre a pobreza e o pauperismo na época, negam a sua utilidade se não se
tratam de um estudo inicialmente empírico. Desconfiam até da legislação social.
Não creditam as leis sociais às lutas do proletariado, mas as veem como uma
benesse do Estado.
Embora critiquem veementemente as práticas da filantropia tradicional, ao
procurar reajustar a família à sociedade, através de práticas moralizantes e
conservadoras, chegam muito perto dessa mesma filantropia.
A visão que têm do proletariado, em função de sua própria visão do
mundo, é apresentada cruamente: as péssimas condições de habitação
se devem ao “desapego ao lar”, denotam a “falta de formação
doméstica da mulher”; quanto ao desejo de morar próximo ao centro,
explicam que o proletariado prefere a maior possibilidade de
“distração, em detrimento do conforto e da higiene”. O povo “logo se
acostume ao ambiente decaído”. (p. 105).
Acreditam que a educação e reeducação alimentar trata mais efeito sobre as
populações vulneráveis do que a abertura de Institutos de Alimentação (Restaurantes
Populares).
A força de trabalho feminina e infantil é considerada uma “anomalia social”, se
dá pela incapacidade do homem em manter os recursos financeiros necessários para
subsidiar a família. Pior ainda é a mulher que trabalha par aspirar sua própria liberdade
financeira.
Os assistentes sociais não fazem esforços em desenvolver suas técnicas
importadas adequadas à realidade brasileira, o que dificulta o processo de efetividade
nos resultados dos casos.
[...] ao atuarem sobre a reprodução material do proletariado – a partir
dessas representações – atuam também na sua reprodução enquanto
classe, transmitindo e buscando a adesão para sua visão de mundo e,
consequentemente, negando qualquer perspectiva desviante de
comportamento. (p. 108).
O Serviço Social não surge de forma isolada, ela é fruto das transformações
sociais pelas quais o país passa, fomentada pelos grupos, classes e instituições que
engendram essas transformações.
Ele surge dentro do bloco católico, onde permanece por um longo tempo, tendo
este o seu quase monopólio do seu processo de formação.
O Serviço Social surge como um departamento especializado da Ação Social e
da Ação Católica, em um momento ímpar da movimentação da Igreja para o seu retorno
à hegemonia da sociedade brasileira.
A forma como os assistentes sociais enxergam e intervém, está intimamente
relacionada com a influência da Igreja e sua influência europeia, entretanto, também é
preciso considerar:
Esse comportamento faz parte da própria ideologia das classes
dominantes, pela origem, fortuna familiar ou capital cultural, que lhe
confere uma superioridade natural em relação as populações pobres e
legitima a forma paternalista e autoritária de sua intervenção. (p. 110).
O desempenho profissional e as formas de comportamento das assistentes são
definidos pela sua origem junto ao bloco católico, pela ação de caridade e benevolência,
ou seja, pela relação entre a teoria e metodologia do Serviço Social com a doutrina
social da Igreja.
Logo a preocupação com o processo de formação começa a surgir, entretanto,
essas preocupações giravam em torno de definir um perfil de aluna “perfeita” para se
engajar na carreira de assistente social, para além disso, se aproximou
significativamente da perspectiva franco-belga.
“Teoriza-se assim no sentido da seleção e preparação de uma pequena elite
virtuosa, escolhida em meio à boa sociedade, e que vê por missão redimir os elementos
decaídos do quadro social”. (p 113).
A formação técnica se remete à prática, portanto, é insuficiente. O currículo é
tão variado que não consegue contribuir com uma formação sólida o suficiente para
justificar a existência do Serviço Social enquanto área de produção de conhecimento.
Os futuros assistentes sociais deverão, assim, estar imbuídos de
esquemas de percepção e apreensão, e de intervenção junto à
população ciente, através dos quais possam reproduzir as formas de
exercício de controle social e de legitimação da estrutura social, objeto
da ação das pioneiras. (p. 114).
A compreensão dos males sociais do capitalismo pela Igreja não gira em torno
do sistema, mas sim, de uma apreensão moral dos fenômenos sociais, possivelmente
corrigíveis através de valores e exigências.
“A miséria, o pauperismo do proletariado urbano, aparecerão como situação
patológica, como anomia, cuja origem é encontrada na crise de formação moral desse
mesmo proletariado”. (p. 118).
A vocação pessoal para a prática do Serviço Social é uma exigência e um
determinante do processo de formação e atuação profissional, cooperam para obscurecer
os reais motivos da existência da própria profissão.
CAPÍTULO III – INSTITUIÇÕES ASSISTENCIAIS E SERVIÇO
SOCIAL
1. O Estado Novo e o Desenvolvimento das Grandes Instituições Sociais
O momento econômico a partir de 1930 é totalmente voltado para o processo de
industrialização, buscando a reversão dos mecanismos da agro-exportação.
O Estado busca de diversas formas incentivar as indústrias básicas –
tornando-se em última instância produtor direto através de empresas
estatais e de economia mista – que viabilizem a expansão do setor
industrial, organizando o mercado de trabalho, assim como a partir das
políticas financeira e cambial, apoiar a capitalização e a acumulação
desse setor. (p. 119)
A estrutura corporativa da inserção da burguesia nas atividades estatais e na sua
própria participação na economia é ajustada ao crescimento do proletariado urbano,
acompanhado de sua intensificação e organização enquanto classe.
“[...] A legislação social [...] não pode ser desvinculada da crise de hegemonia
que se abre com a Revolução de 30”. (p. 120).
O intenso processo de organização da classe trabalhadora, aliado a necessidade
pungente de legitimação pelo Estado Novo forçam a visualização da necessidade de
atender algumas das reinvindicações dos trabalhadores, especialmente, se considerar
que a repressão e a violência policial não eram suficientes para conter a movimentação.
A legitimação social se constitui de dispositivos legais que coíbem os
maiores excessos e formas “primitivas” de extração de trabalho
excedente, mas, em última instância, representa a reafirmação da
dominação do capital e nunca seu contrário. Incorpora objetivamente
reivindicações históricas do proletariado, para torna-las um acelerador
da acumulação através da regulamentação e disciplinamento do
mercado de trabalho ao capital. (p. 121).
Fetichização dos direitos: o feitiço sobre a “outra face” da legislação social,
que impede que os trabalhadores percebam que ela também funciona como um meio de
mantê-los submissos diante da exploração.
A legislação social, assim como as instituições delas derivadas, aparecem em
prol do equilíbrio de forças. Ao se instituir um processo organizado e cada vez mais
crítico da classe trabalhadora, algo é concedido em prol dessa paz social.
“O desenvolvimento da Legislação Social e as Instituições de Previdência e
Assistência Social são ilustrativas desse processo”. (p. 121).
As políticas assistenciais e previdenciárias, assim como suas respectivas
instituições, vão surgir por parte da ação estatal a partir da década de 1920 e se
adensarem ao longo da década de 1930.
As políticas sociais, ao pretenderem atuar sobre as sequelas da
exploração capitalista através de benefícios indiretos impostos e
organizados burocraticamente através do Estado, atuam como
deslocadoras das contradições que se dão no nível das relações de
produção, reproduzindo e projetando essas contradições ao nível das
instituições assistenciais e previdenciárias, isto é, do próprio aparelho
do Estado. (p. 123).
Durante a década de 1940 houve um intenso processo de burocratização das
relações de trabalho pelo Estado, especialmente no que diz respeito ao sindicalismo, ao
qual atribuiu instituições encabeçadas pelo próprio Estado, que impossibilitava a livre
manifestação dos trabalhadores, tendo total domínio sobre essas manifestações.
A queda do governo Vargas faz erguer-se o movimento operário, agora com
iniciativas mais definidas de democracia e antifascismo. O governo Vargas busca apoiar
e se aliar a essas iniciativas para não perder sua iniciativa primária de continuísmo.
“A primeira referência explicita na legislação federal com respeito a Serviços
Sociais consta na Carta Constitucional de 1934”. (p. 126).
A LBA, que surge em 1938, fornece os serviços sociais relacionados à
Assistência Social, em troca, além da compensação aos soldados convocados e sua
família, está a busca por apoio ao governo.
O SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) surge em 1942, seu
objetivo é a organização e administração das escolas industriais. É uma das primeiras
instituições a aderir o Serviço Social, e não como uma profissão que gesta serviços
assistenciais, mas enquanto “processos postos em prática, para a obtenção de fins
determinados”. (p. 128).
O empresariado vê o SENAI como um investimento futuro, que trará melhorias
ao processo de produção, assim como um refinamento da mão de obra de suas
empresas.
Há o estabelecimento de uma elite técnica entre os trabalhadores, adensando a
divisão social e técnica do trabalho.
“A qualificação da Força de Trabalho se dá como processo de constituição do
trabalhador ajustado à formação capitalista, isto é, também como formação de sua
personalidade básica capitalista”. (p. 131).
“O SENAI será assim um misto de dois processos históricos de qualificação da
Força de Trabalho. Combinará [...] a violência simbólica do sistema escolar com a
coerção e o autoritarismo das unidades de produção”. (p. 131).
A prática de uma pedagogia integral, como foi denominada, se dará o processo
de formação desses jovens, sob a responsabilização de individual das mazelas da
Questão Social que enfrentam.
Esse processo de formação coopera para a formação de um jovem para quem a
idade não passa de um número, culmina num amadurecimento precoce, sob
responsabilidades não condizentes com seu desenvolvimento.
Os assistentes sociais, a partir dessa lógica, são convocados para: “radicar no
espírito dos meninos aprendizes a noção de autoridade associada harmoniosamente a
uma forte disciplina e para despertar o espírito de iniciativa e de liberdade refletida, que
nada tem em comum com os desvios libertários a que os adolescentes são
particularmente sujeitos”. (p. 134).
O desenvolvimento das forças produtivas é também o desenvolvimento das
relações sociais capitalistas. Quanto mais refinada for o processo de produção, mais
complexas e enlameadas na lógica do capital as suas relações sociais são.
A instauração de uma perspectiva mais “social” do capital, permite ao assistente
social aderir essa lógica e soma-la a sua lógica de formação cristã-católica.
Em 1946 surge o SESI (Serviço Social de Indústria), a ele está incumbida a
missão de “estudar, planejar e executar medidas que contribuam para o bem-estar do
trabalhador na indústria”. (p. 136).
Além da luta pela minimização das expressões da Questão Social, pela luta para
a harmonia entre as classes sociais, o objetivo do Serviço Social de Indústria era de
reduzir as possibilidades democráticas que se alastravam na época.
A Fundação Leão XIII surge em 1946 com o objetivo explícito de atuar junto às
comunidades que se encontravam em número expressivo nos grandes centros urbanos.
O âmbito de atuação dessa instituição – resultado do convênio entre a
Prefeitura do Distrito Federal, Ação Social Arquidiocesana e
Fundação Cristo Redentor – serão as favelas da cidade do Rio de
Janeiro (capital federal à época), principal grande centro urbano onde
o Partido Comunista do Brasil se torna força política majoritário nas
eleições de 1946. Deverá “trabalhar pela recuperação das populações
das favelas do Distrito Federal”, tendo em vista “a extrema
precariedade material e moral” que estas atravessam. (p. 143).
Acreditavam que os “males” que assolavam as comunidades eram provenientes
da falta de educação, não questionavam a estrutura que fomentava a própria existência
dessas comunidades.
“A educação popular constará de educação sanitária, educação alimentar,
educação sexual, educação religiosa, profilaxia das doenças venéreas, cursos de
imunização contra doenças infecciosas, [...] a educação democrática”. (p. 145).
A Lei Eloy Chaves (1923), que cria as Caixas de Aposentadoria e Pensões, é a
promessa da Previdência Social do Brasil. Movendo sob o prisma do Seguro Social,
essa Lei estabelece a garantia de benefícios básicos, sendo eles: medicina curativa,
aposentadoria (por tempo de serviço, velhice ou invalidez), pensão por morte e ajuda
para funerais.
As Caixas se mantém pela cooperação entre a empresa, o operariado e o Estado.
A filiação se dá de forma obrigatória.
Influenciados pelo Plano Beveridge, o ano de 1943 é marcado pela ampliação da
lógica do Seguro Social, com uma maior diversidade de benefícios previdenciários, o
que não ocorre sem uma intensa oposição.
A inserção do Serviço Social nas instituições da Previdência Social se dará de
forma muito lenta e com grandes dificuldades. Os primeiros assistentes sociais veem o
Seguro Social com desconfiança por acreditarem se tratar de iniciativa da classe
trabalhadora.
“[...] esses pioneiros reclamarão a participação do Serviço Social na estrutura
previdenciária. A fim de humaniza-la, dar-lhe conteúdo social, de reconciliar a máquina
administrativa com a massa segurada, incorporando-a à instituição”. (p. 149).
O papel do assistente social dentro das instituições da Previdência será o de
esclarecer e “reconfortar” o trabalhador associado. Inclusive quanto a finalidade e
destinação dos descontos advindos nos salários.
Quanto as funções exigidas do profissional:
1. Plantão e técnicas de entrevista: triagem, informações e reclamações;
2. Reeducação sistematizada, educação social;
3. Seleção econômico-social;
4. Distribuição de auxílios;
5. Casos de desviança, fiscalização e conflito.
“Há, assim, esquematicamente, um primeiro nível de contradição entre as
imensas carências da população e o âmbito seletivo e restrito do seguro”. (p. 54).
“O modo capitalista de produzir supõe um modo capitalista de pensar”. (p. 55).
É necessário que sejam desenvolvidas outras estratégias de coesão e de consenso
que não a violência, uma vez que, não existe sociedade baseada na pura violência. A
burguesia dispõe dos aparelhos ideológicos do Estado para garantir a sua hegemonia.
Parte dessas estratégias, está o desenvolvimento do Serviço Social.
A consciência é um processo, uma construção, ela nunca encontra seu fim.
“À medida que, no capitalismo, o modo de viver e de produzir é permeado pela
forma mercadoria, esta torna-se a mediadora, por excelência, das relações sociais,
transformando-se na aparência de relações entre coisas”. (p. 57).
As representações – os modos de pensar – não podem refletir de modo confiável
a vida social, uma vez que estão corrompidos pela mercadoria e pelo fetiche.
O Assistente Social exerce atividades vinculadas a todo tipo de serviços sociais,
sejam eles prestados pelo Estado ou pelo setor privado. Se coloca na “linha de frente”
junto à população, que demanda os serviços ou carece deles. Possui o poder de
selecionar o público mais vulnerável para ter acesso aos serviços dentre todos os demais
– que juridicamente possuem o mesmo direito de acesso.
Esse profissional se insere na sociedade como um “fiscalizador da pobreza”,
dificultando ao usuário a sua “encenação da pobreza” e garantindo o uso devido e bem
feito dos recursos despendidos.
[...] a estratégia de individualização dos atendimentos possibilita
aliviar tensões e insatisfações, efetivas ou potencialmente existentes,
canalizando-as para sua neutralização dentro de medidas oficialmente
estabelecidas, isto é, submetendo-as ao controle institucional. (p. 57-
58).
O instrumento de trabalho privilegiado do AS é a linguagem. O profissional
invade a privacidade dos seus usuários, de certa forma, em maior ou menor grau:
“Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o Assistente Social é chamado a constituir-se no
“moderno filantropo da era do capital””. (p. 60).
A utilidade do Serviço Social para a burguesia pode ser compreendida como
parte das tecnologias colocadas a serviço da reprodução da força de trabalho, do
controle social e da permeação da ideologia dominante entre a classe trabalhadora.
PARTE II
CAPÍTULO I
O surgimento da Questão Social está diretamente relacionado com o surgimento
do trabalho livre, isto – no Brasil – em uma sociedade marcada profundamente pela
escravidão.
A relação entre os trabalhadores livres e seus patrões se constituem em uma
“verdadeira guerra civil” para garantir ampliar os seus meios de subsistência.
O desdobramento da questão social é também a questão da formação
da classe operária e de sua entrada no cenário político, da necessidade
de seu reconhecimento pelo Estado e, portanto, da implementação de
políticas que de alguma forma levem em consideração seus interesses.
(p. 65).
O Serviço Social no decorrer do processe histórico de constituição das classes
antagônicas, sendo elas mais do que a simples oposição entre ricos e pobres. Essa
profissão surge da iniciativa de grupos das classes dominantes que se expressam por
intermédio da Igreja Católica.
“Se as Leis Sociais são, em última instância, resultantes da pressão do
proletariado pelo reconhecimento de sua cidadania social, o Serviço Social se origina de
uma demanda diametralmente oposta”. (p. 65).
A chegada do capitalismo no Brasil demonstra uma intensa necessidade da
burguesia em adquirir proletariado excedente. Os trabalhadores que conformavam o
mercado de trabalho da época eram compostos por imigrantes e conformavam a parcela
minoritária da população. Eles viviam em condições angustiantes.
O proletariado vai se ampliando, não acompanhado pelos postos de trabalho, o
que conforma ume crescimento exacerbado do exército industrial de reserva.
As décadas de 1910-1920 são marcadas pela organização dos trabalhadores e por
algumas legislações que irão buscar proteger – mal e de forma insuficiente – os
trabalhadores.
A Questão Social não é reconhecida pelo Estado, o proletariado não é
reconhecido como classe social. Para que o proletariado seja reconhecido como classe,
tanto pelo Estado quanto pela burguesia, precisaria reconhecer sua condição de
espoliação e a necessidade de intervenção. Entretanto, o que há de intervenção a ser
desenvolvida são novas formas de integração e controle das classes trabalhadoras.
Na Primeira República, a resposta do Estado às movimentações sociais será a
repressão policial.
Dois elementos estão relacionados com a implantação e o desenvolvimento da
profissão: a crítica do empresariado à inexistência de mecanismo de socialização do
proletariado, ou seja, a falta de instituições que objetivam a produção de trabalhadores
entregues física e psiquicamente ao mundo do trabalho; o segundo se refere ao caráter
muito diversificado da política assistencialista no âmbito da empresa.
O fim da Primeira Guerra Mundial é acompanhado pelos movimentos sociais
protagonizados pela classe trabalhadora, é nesse mesmo período em que se encontram
as Protoformas do Serviço Social.
A Igreja perde o centro hegemônico junto as classes dominantes, ao Estado e a
Sociedade Civil, tendo que desenvolver estratégias de adesão dos seus fiéis, montando
um “verdadeiro partido da Igreja”, em busca de apoio político para sua causa.
O fim do Império é o grande responsável pela perca de apoio da Igreja, em
meados da Primeira República ela buscará retornar esse apoio, em meio a todo o caos
político do momento.
Dom Sebastião Leme será o “príncipe” que conseguirá maior apoio e adesão da
hierarquia da Igreja para seus projetos. Critica a vulgarização das práticas católicas, a
falta de fé, o privilegiamento de outras questões que não a Igreja, etc. O documento que
contem essas críticas, contém também o receituário para tornar o Brasil, uma nação
católica.
O primeiro passo da Reação Católica foi de montar um grupo de intelectuais
subordinados à figura da Igreja.
As soluções apontadas para o país são antinacionais e antidemocráticas. A
palavra de ordem será a de combater todo tipo de rebelião.
A Questão Social não será pauta privilegiada entre as questões debatidas pela
Igreja, sendo poucas as menções a respeito dela, estando limitadas às condições de
trabalho de mulheres e crianças e posição contrária aos atos de promiscuidade nas
oficinas, etc.
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