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Tese Materialista

A primeira noção a compreender é que, para Marx, as ideias são produtos do


cérebro humano em transição sensível com um mundo suscetível de ser conhecido, ou
seja, as ideias não derivam de categorias superiores ou transcendentais, concedidas à
inteligência humana independentemente da experiência. Assim, a consciência humana
é condicionada, nas palavras de Anthony Giddens (Capitalismo e Moderna Teoria
Social), pela “relação dialética entre sujeito e objeto”, na qual o homem dá forma ao
mundo em que vive, sendo, por outro lado, por ele formado também, isto é, existe
uma lógica de dependência entre o homem (sujeito) e o mundo (objeto) que o rodeia,
estando até a nossa perceção condicionada pela sociedade.

A tese materialista, no entanto, tem um sentido mais profundo, tendo por foco
o estudo do desenvolvimento das sociedades (materialismo histórico). Para Marx a
história é um processo de criação, satisfação e recriação contínuas das necessidades
humanas; é precisamente isso que distingue o homem dos animais, cujas necessidades
são fixas e imutáveis: “Um produto histórico é o resultado da atividade de uma
sucessão de gerações, cada uma das quais como que subindo para os ombros da que
a precedeu, desenvolvendo a indústria e o comércio dessa geração anterior e
modificando a ordem que encontrou em função da alteração das necessidades. Até
os objetivos das mais certezas sensoriais só existem para o homem em função da
evolução social, do desenvolvimento da indústria e do intercâmbio comercial”
(Ideologia Alemã). Assim, o ser humano é, acima de tudo, um ser social, cujo mundo
que o rodeia é construído coletivamente, sendo as relações económicas de interesse
particular para Marx.

- Estádios Históricos

Cada um dos vários tipos de sociedade identificados por Marx ao longo do seu
estudo (mundo antigo, sociedade asiática, feudalismo, capitalismo) caracterizam-se por
uma dinâmica interna de evolução própria. No entanto, essas características só podem
ser identificadas e definidas mediante uma análise empírica. Esta é uma das razões de
crítica feita por Marx aos economistas do século XIX que, segundo ele, trabalham
conceitos como “capital”, “bens”, “preços”, etc., como se “tais abstrações tivessem
uma vida independente e não existisse apenas em função do homem” (IA), isto é,
como se se tratassem de conceitos materiais universais, intemporais e a quem o
homem se tem de sujeitar. Na realidade, os conceitos económicos não possuem essas
características, estando a sua evolução ou surgimento nas mãos dos homens, como
afirma Marx: “Os vários estádios de evolução da divisão do trabalho relacionam-se
com outras formas de propriedade, isto é, o estádio atual da divisão do trabalho
determina também as relações dos indivíduos entre si, no que se refere às
matérias-primas, aos instrumentos e ao produto do trabalho” (Ideologia Alemã). A
partir daqui compreendemos que o próximo passo a dar, no que toca ao estudo
sociológico, é compreender o sistema de classes.

- Sistema sem classes

Para compreender o estádio atual da divisão do trabalho é necessário


compreender os anteriores e, da mesma forma, consequentemente compreender a
divisão das classes nas sociedades que antederam às sociedades ocidentais capitalistas,
pois têm uma relação de dependência como veremos.

Todas as formas de sociedade humana pressupõem uma divisão rudimentar do


trabalho, sendo o tipo de sociedade mais simples de todas a sociedade tribal, onde
essa divisão é mínima, consistindo principalmente numa divisão ampla do trabalho
entre sexos (por um lado, os homens caçavam e defendiam o território, por outro, as
mulheres recolhiam plantas e cuidavam dos filhos). Para além disso, o homem é de
início um ser integralmente comunitário, sendo que a individualização é um produto
histórico, isto é, um resultado de transformações sociais e económicas (por exemplo, o
caso da propriedade privada), associado a uma divisão do trabalho cada vez mais
complexa e especializada, características do sistema capitalista. Esta divisão cada vez
mais complexa resulta, em paralelo, com a capacidade de produzir um excedente para
além do que é indispensável para satisfazer as suas necessidades básicas. E destas duas
dinâmicas (divisão de trabalho complexa e produção de excedentes) resultam dois
outros aspetos fulcrais da teoria marxista: a dominação de classe (por parte da
burguesia) e a alienação no modo de produção capitalista.

(1) Alienação
Ainda que já tenha referido as principais críticas de Marx à forma como as
teorias de economia política dos seus contemporâneos eram produzidas, vale a pena
fazer um resumo que nos servirá de base para estudar a alienação no trabalho.

A primeira crítica foca-se na forma abstrata como estes autores tratavam certos
conceitos que pertencem ao mudo material, isto é, que existem em função dos
homens. A segunda incide no facto de considerarem que as condições de produção
características do capitalismo possam ser generalizadas a todas as formas de
economia. Assim, a satisfação dos próprios interesses a procura de lucro são
considerados como características intrínsecas do homem (pensamento generalizado
ainda nos dias de hoje).

Portanto, os economistas ou generalizavam o sistema capitalista a todos os


outros sistemas económicas distintos ou reduziam tudo ao “económico -
posteriormente esta lógica de pensamento resulta na conceção do “homo
economicus”: ser cuja única motivação roda em torno da acumulação de capital, sendo
os prazeres individuais ou coletivos secundários ou inexistentes). Ora, na realidade,
todo o fenómeno económico é simultaneamente social. Ao considerarem irrelevante o
facto de os “objetos” reais serem os homens em sociedade, escondem algo que é
intrínseco ao modo de produção capitalista: uma divisão de classes entre o
proletariado ou classe trabalhadora, por um lado, e a burguesia ou classe capitalista,
por outro. Essas classes mantêm-se em conflito constante no que toca à distribuição
dos frutos da produção industrial (os salários, por um lado, e os lucros, por outro),
sendo que esta constatação final de Marx resulta na chama teoria do conflito de
classes.

- Idade Média e Alienação

Num sistema caracterizado pela servidão, como o caso do período feudal, o


grau de alienação entre o produtor e o seu produto é baixo, apesar de o trabalho ser
obrigado a entregar uma parte da sua produção ao senhor. Nesse sentido, o servo é o
patrão de si mesmo, somente em termos económicos (perspetiva do interesse do
autor), produzindo o suficiente para suprir as suas próprias necessidades. E já na sua
juventude Marx caracteriza a Idade Média da seguinte forma: “O senhor não pretende
tirar das suas terras um lucro máximo; limita-se a consumir os produtos delas,
entregando a tarefa da produção aos servos e aos rendeiros”. Podemos afirmar,
então, que a história dos estádios iniciais do capitalismo é a história da alienação
progressiva do pequeno produtor, que, ao ter perdido a sua propriedade devido à
competição do mercado é obrigado a mover-se para as cidades, perde o controlo sobre
o seu produto, ou seja, os seus meios de produção, tornando mais claro a razão pela
qual o autor considera o sistema capitalista singularmente distinto de os que lhe
antecederam.

- Alienação do proletariado

A análise da alienação no modo de produção capitalista parte do facto de que


quanto mais o capitalismo progride, mais pobre o proletariado. A enorme riqueza que
o modo de produção capitalista proporciona é apropriada pelos donos da terra e do
capital. Esta separação entre o trabalhador e o produto do seu trabalho não se reduz
somente à expropriação de bens que pertencem de direito ao trabalhador.

O ponto principal da teoria marxista é que neste sistema os objetos materiais


produzidos pelo trabalhador são tratados da mesma maneira que o próprio
trabalhador: “O trabalhador torna-se um bem ainda mais barato do que aqueles que
produz. A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta da
valorização do mundo das coisas” (EJ). Esse processo implica uma distorção a que
Marx dá o nome de “objetivação”: o ser humano modifica a natureza através do
trabalho; no entanto, o trabalhador neste sistema é assimilado ao seu produto (o
objeto/bem).

O processo de produção nestes moldes, assume assim o resultado de “uma


inferiorização e de uma escravização ao objeto”. A alienação do trabalhador na
economia capitalista deriva, portanto, dessa disparidade entre o poder produtivo do
trabalho, que se torna cada vez maior com a expansão do capitalismo, e a ausência de
controlo por parte do trabalhador sobre os objetos que produz. Esta alienação,
atenção, ocorre de diversas formas:

(1) O trabalhador não tem controlo sobre a distribuição do produto do seu


trabalho; aquilo que produz é apropriado por outros, pelo que o próprio
trabalhador não beneficia dele. Tal se deve ao facto de, na produção capitalista,
a troca (princípio básico da economia de mercado) e a distribuição dos bens são
controlados pelo mecanismo do mercado livre (a “mão invisível). O trabalhador
é considerado como um bem comprado e vendido no mercado, não tendo,
portanto, o poder de influenciar o destino da sua produção. Para além disso, o
mecanismo de mercado funciona de modo a promover os interesses do
capitalista, em detrimento dos do trabalhador: “quanto mais o trabalhador
produz, menos tem para consumir; quanto maior é o valor que cria, menos
valioso se torna” (EJ);
(2) O trabalhador é alienado da tarefa em si: “se o produto do trabalho é a
alienação, a produção em si tem de ser uma alienação ativa - a alienação da
atividade e a atividade da alienação” (EJ). Isto, porque a tarefa executada pelo
trabalhador não vai de encontro às satisfações intrínsecas que lhe permitem
“desenvolver livremente as suas energias mentais e físicas” (EJ), uma vez que
o trabalho lhe é imposto unicamente pela força das circunstâncias externas
(patrão e mercado livre). Assim, o trabalho deixa de ser um fim em si
(desenvolver determinadas competências), para se tornar um meio de atingir
um fim (o lucro);
(3) Uma vez que todas as relações económicas são também relações sociais, a
alienação do trabalho tem ramificações diretamente sociais, isto é, as relações
humanas tendem a reduzir-se ao mecanismo de mercado. O dinheiro promove
a racionalização das relações sociais, uma vez que fornece um padrão abstrato
para a comparação das qualidades mais heterogéneas (por exemplo, qualidades
intelectuais e artísticas) e para a redução dessas qualidades umas às outras:
“Do ponto de vista do seu possuidor, o dinheiro permite trocar todas as
qualidades e objetos por todos os outros, ainda que contraditórios” (EJ)
(trocar notoriedade ou um traço de personalidade como a valentia).
(4) Os homens vivem em inter-relação ativa com o mundo natural. Assim, a
tecnologia e a cultura constituem a expressão e a resultante dessa interação,
sendo as principais qualidades que distinguem o homem dos animais. No
entanto, o trabalho alienado reduz a atividade produtiva do homem ao nível da
adaptação à natureza, mais do que ao domínio ativo da mesma,
aproximando-se do comportamento dos animais caracterizado por ser
mecânico e adaptativo (por exemplo, o homem tem a capacidade de moldar
barro ou de produzir energia a partir das ondas do mar; no entanto, num
sistema capitalista, só o fará caso retire lucro desse trabalho, adaptando-se ao
sistema de mercado).

Ainda que o capitalista seja também um escravo do capital, no sentido em que


a lei da propriedade privada e do dinheiro domina a sua existência – “O seu
prazer é um assunto meramente secundário; o seu recreio está subordinado à
produção, sendo pois um prazer calculista, económico, pois considera os seus
prazeres como um dispêndio de capital e não pode esbanjar mais do que
possa ser reposto com lucro e pela reprodução do capital. O seu prazer está
pois subordinado ao capital…” (EJ) -, a alienação do homem em relação ao
“ser-da-espécie” (aquilo, “o ser”, que distingue a espécie humana das outras
espécies animais) é em grande medida assimétrica, isto é, os efeitos variam de
acordo com a posição do indivíduo na escala social, portanto, principalmente
sobre o proletariado.
(2) Estrutura de Classes

Sendo o homem um ser social, todos os sistemas de produção caracterizam-se


por um determinado conjunto de relações sociais que se estabelecem entre os
indivíduos implicados no processo produtivo. Assim, e tecendo uma crítica à economia
política e ao utilitarismo em geral da época, a conceção do “indivíduo isolado” é uma
invenção do individualismo, doutrina filosófica burguesa, que é utilizada para esconder
o carácter social da produção, ou seja, que o homem produz conjuntamente com
outros (como membros de uma determinada forma de sociedade) e,
consequentemente, não existe nenhum tipo de sociedade que não se baseie num
determinado conjunto de relações de produção.

- Domínio de Classe

Segundo Marx, as classes surgem quando as relações de produção implicam


uma divisão diferenciada do trabalho, divisão essa que permite a acumulação de
excedentes de produção que podem ser apropriados por uma minoria, estando uma
maioria numa relação de exploração.

Então, “o que é uma classe?”. Nos Escritos de Juventude, a resposta de Marx é


dada segundo uma definição negativa do conceito, isto é, segundo os critérios que não
definem a classe: tal conceção não pode ser definida a partir dos rendimentos ou da
posição funcional no interior do processo produtivo. Caso o fizéssemos iríamos cair no
erro de definir uma grande pluralidade de classes: colocar no mesmo saco dois
construtores civis (um empregado de uma grande firma e um gerente de uma pequena
firma) ou separar um médico de um engenheiro agrónomo, unicamente pelo facto de
trabalharem em áreas diferentes. Será, então, no Capital que a resposta é dada
segunda uma definição positiva: as classes derivam da posição em que os vários grupos
de indivíduos se encontram frente à propriedade privada dos meios de produção, o
que implica uma relação de conflito constante.

- Tipos de Classe

A sociedade burguesa da época de Marx é constituída da seguinte forma:

(1) Classes que, ainda que desempenhando um papel político e económico


importante na sociedade vigente, são marginais na medida em que derivam de
um conjunto de relações de produção que estão em vias de ser ultrapassadas
ou que, pelo contrário, se encontram em ascensão, como o caso do
campesinato livre que está em vias de ficar na dependência de agricultores
capitalistas e, assim, transformar-se em proletariado;
(2) Estratos que mantêm uma relação de dependência funcional com uma das
classes e que tendem consequentemente a identificar-se politicamente com
essa classe, como o caso de trabalhadores que desempenham na indústria
funções administrativas superiores;
(3) Grupos heterogéneos de indivíduos no Lumpenproletariat (“subproletariado”),
que estão à margem do sistema de classes, porque não se integraram na divisão
do trabalho; trata-se de um grupo composto de “ladrões e criminosos de toda
a espécie, que vivem das migalhas da sociedade, pessoas sem ofício certo,
vagabundos”.
É crucial fazer uma distinção entre a sociedade burguesa, especialmente
a previsão feita por Marx da sociedade burguesa consolidada, e, por exemplo, a
Idade Média. Nesta última, como vimos, as relações económicas não assumem
a forma de puras relações de mercado; o domínio ou a subordinação económica
confundem-se com os laços pessoais que existem entre os indivíduos. Assim, o
domínio do proprietário fundiário feudal (proprietário de terrenos agrícolas)
exerce-se por intermédio de relações pessoais de vassalagem e do pagamento
direto de dízimas. O servo mantém em grande medida o controlo sobre os seus
meios de produção, se bem que tenha de ceder uma parte do seu produto ao
senhor.
Com o surgimento do capitalismo as relações humanas tornam-se
determinantes na atividade produtiva humana, a partir do momento em que
ocorre a expropriação de uma massa de trabalhadores que passa a ter de
vender a sua força de trabalho a troca de meios de subsistência.
Podemos afirmar, portanto, que as relações de classes se simplificaram e se
universalizaram com o desenvolvimento do sistema capitalista, surgindo um
binómio burguesia/proletariado. Assim, o eixo principal da distribuição do
poder político centra-se nesta relação de poder económico de uma classe.
(4) Ideologia e Consciência
A extinção da comunidade e a expansão da propriedade privada que
provocaram os fenómenos atrás referidos estão igualmente na origem do
direito civil (criado pelo império romano). Neste a autoridade baseia-se em
normas racionalizadas e não mais em determinações religiosas predominantes
nas comunidades tradicionais. Assim, o sistema legal e judicial moderno é o
principal suporte ideológico do Estado burguês, ou seja, a partir deste sistema
são criados e partilhados determinados valores e conceções do mundo (por
exemplo, o individualismo). Este sistema, no entanto, não é mais do que
resultado do seguinte facto: a classe dominante inventa ou procura, nas
sociedades de classes, formas ideológicas que legitimem o seu domínio: “A
classe que tem ao seu dispor os meios de produção material controla
igualmente os meios de produção intelectual” (IA).
Segundo Marx a consciência enraíza-se na praxis humana (“prática
humana”), que é por seu turno social, ou seja, não é a consciência humana que
determina a sua existência, mas, pelo contrário, é a sua existência social que
determina a sua consciência. Por outras palavras, a consciência (todo o
conjunto de conceções relativamente ao mundo) é determinada pela atividade
humana em sociedade. E um dos casos mais óbvios é a linguagem, como
produto social, em que só na qualidade de membro da sociedade é que o
indivíduo pode adquirir as categorias linguísticas que constituem os parâmetros
da sua consciência, pois ninguém constrói uma forma de comunicação sozinho
numa ilha.
Podemos concluir que a ideologia integra-se na superstrutura (projeção
das relações de produção nos valores culturais, através do Estado, das
instituições como a Escola, os Tribunais, ou organizações como a Igreja, etc.): a
moral prevalecente em qualquer época, isto é, os valores que ditam o que é o
correto e o incorreto, o justo e o injusto, etc., legitima os interesses da classe
dominante. Nesse sentido, a consciência de classe trata-se do resultado de um
processo de conhecimento coletivo da ideologia de um dado modo de
produção e do seu posicionamento exato no processo económico e,
consequentemente, a sua superação que, segundo Marx, só pode ocorre a
partir da revolução socialista ou, em termos marxistas, da praxis revolucionária
(revolução que destrói o regime vigente e cria idealmente um sistema sem
classes).

(5) Teoria da Mais-Valia

O capitalismo, como inicia Marx no Capital, é um sistema de produção de bens,


em que os produtores não produzem apenas o indispensável para satisfazer as suas
próprias necessidades (ou as necessidades dos indivíduos com quem contactam
diretamente), ou seja, o capitalismo implica um mercado de trocas que abrange uma
nação, ou até mesmo ao nível internacional.

- Valor de uso
Refere-se às necessidades que podem ser satisfeitas pelas propriedades de um
bem, a partir de um processo de consumo, cujo valor é determinado pelas
características e pela utilização concreta que se faz dessas mesmas características.

- Valor de troca

Refere-se ao valor que o produto tem para a troca com outros produtos. Ao
contrário do que acontece com o valor de uso, o valor de troca pressupõe “uma
relação económica definida” e é inseparável de um mercado de troca de produtos. Tal
se deve ao facto de o valor de troca se basear numa característica quantificável do
trabalho: trabalho abstrato que pode ser medido em termo de quantidade de tempo
gasto pelo trabalhador na produção de um bem (tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção).

- Trabalho abstrato e Trabalho útil

O trabalho abstrato está na base do valor de troca, enquanto que o trabalho útil
está na base do valor de uso. Estes dois aspetos dos bens expressam o carácter dual do
trabalho – como força de trabalho (ou dispêndio físico de energia do organismo
humano) e como um tipo de trabalho definido por uma série específica de operações
que canaliza esta energia: “Por um lado, todo o trabalho é, em termos fisiológicos, um
dispêndio da força de trabalho humano e, na sua qualidade de trabalho humano
abstrato, cria o valor dos bens. Por outro lado, todo o trabalho é um dispêndio de
força de trabalho humano que se reveste de uma força especial e se propõe
determinada finalidade e, nessa qualidade de trabalho concreto e útil, produz o valor
de uso” (O Capital).

É preciso ter em atenção que o trabalho abstrato não pode ser medível em
termos de unidade de tempo ao nível do trabalhador individual (quanto tempo um
trabalhador demora a produzir uma determinado bem), mas sim em termos de
trabalho “socialmente necessário”, isto é, a quantidade de tempo necessária para
produzir um bem em condições normais de produção, tendo em conta o “grau médio
de perícia e intensidade” que se verifique numa indústria particular num período
específico, pois a evolução tecnológica faz diminuir o tempo de produção e,
consequentemente, o seu valor
- Mais-Valia

As condições de produção manufatureira e industrial moderna permitem ao operário


produzir muito mais do que é necessário para cobrir os custos da sua subsistência,
sendo a mais-valia a diferença entre a produção gerada pela classe trabalhadora
(proletariado) e o lucro do patrão. Deste modo, trata-se do trabalho do produto que
não é renumerado.

Podemos afirmar que existem dois tipos de mais-valia. A primeira corresponde


à mais-valia absoluta que corresponde a mais horas de trabalho, enquanto que o
ordenado fica igual. A segunda, a mais-valia relativa, corresponde a uma igualdade de
horas de trabalho com um salário menor (e um consequente aumento do lucro).

Tendo em conta que o trabalhador vende a sua força de trabalho, e existe uma
fluidez no valor dessa força num mercado competitivo, o próprio trabalho torna-se
numa mercadoria.

(6) Fetichismo da Mercadoria

O uso popular da expressão, influenciada área da psicanálise, leva-nos a supor


que o fetichismo da mercadoria se trata de um amor excessivo pelas mercadorias e a
adesão aos valores que elas representam (caracterizados pela sua superficialidade:
velocidade de um carro, estatuto, sucesso, beleza, etc.). No entanto, e ainda numa
perspetiva redutora, trata-se de uma “ideologia espontânea” que tem por objetivo
lançar um véu sobre o facto de a mais-valia ter a sua origem exclusivamente no
trabalho não pago do operário. Assim, o fetichismo constitui uma fraude ou uma
mistificação, sendo parte integrante da autojustificação da sociedade capitalista para a
acumulação constante de capital.

Através do primeiro capítulo de O Capital obtemos uma resposta mais


aprofundada, e que não contradiz a resposta anterior: a primeira centra-se na essência
do fetichismo, enquanto que esta trata a forma fenoménica, isto é, o processo do
fenómeno. Mais do que um fenómeno pertencente apenas à esfera da consciência
(isto é, não se limita à consciência que os agentes têm sobre as suas ações), faz parte
da realidade de base do capitalismo e é consequência direta e inevitável da existência
da mercadoria e do valor, do trabalho abstrato e do dinheiro. Neste sentido, a teoria do
fetichismo é idêntica à teoria do valor, porque o valor, tal como a mercadoria, são
categorias abstratas. “O fetichismo da mercadoria existe em todas as circunstâncias
em que existe uma dupla natureza da mercadoria e em que o valor mercantil, criado
pelo lado abstrato do trabalho e representado pelo dinheiro, forma o laço social e
decide, portanto, o destino dos produtos e dos homens” (Fetichismo da Mercadoria,
prefácio de Anselm Jappe, edição Antígona). Assim, o fetichismo constitui-se “nas
costas” dos participantes, de maneira inconsciente e coletiva, e tomou a aparência de
um facto natural e trans-histórico, algo que todos nós temos de considerar uma
inevitabilidade, algo intrínseco ao homem desde a sua génese.

(7) Contradições dentro do sistema capitalista

No sentido de explicar as causas das recorrentes crises globais que caracterizaram o


século XX e o início do presente, David Harvey tentou traçar uma perspetiva marxista
que se distinguia, nesse sentido, das restantes que que justificavam estes
acontecimentos ora com base nas diferenças culturais entre países ora através da
fragilidade da regulação financeira ou do comportamento humano. Na opinião do
autor um dos grandes defeitos do sistema capitalista assenta na denegação dos seus
problemas, o que resulta numa tentativa, do que ele chama, de “movimento
geográfico”, em que as soluções aplicadas resultaram numa massa de desempregados
e numa acumulação de dividia incomportáveis, que se foi propagando, como um sismo,
pelo globo (a grande crise de 1929, por exemplo, tem início nos EUA, mas afeta
posteriormente a Europa, especialmente a Alemanha que se encontrava numa situação
de crescimento económico exponencial).

Mais do que a escolha de más soluções, o autor considera que existem limites
intrínsecos ao sistema capitalista e que se centram no processo de acumulação de
capital financeiro. Ainda que a criação de lucro possa ser explicada através de um
sistema circular simples, o constante aumento de acumulação de capital depende do
que o autor denomina de “inovação financeira”, isto é, da criação de mecanismos que
estimulem esta acumulação. Esta dependência da economia a estes artifícios têm
como efeito o aumento de poder dos agentes financeiros, em que observamos os
lucros financeiros a aumentar exponencial à custa da descida exponencial dos lucros na
produção. E esta interpretação do sistema capitalista tem uma clara base marxista,
segundo a qual a evolução do capitalismo é caracterizada por uma disparidade relativa
crescente entre os salários dos trabalhadores e da classe capitalista; para além disso,
essa disparidade também tem por base uma estagnação dos salários que faz com que
os trabalhadores vivam no limite da subsistência. É também tido em conta os conceitos
de “concentração”, que consiste no processo pelo qual, à medida que o capital se
acumula, os capitalistas individuais conseguem aumentar a quantidade de capital que
se encontra sob o seu controlo (por um lado, nunca existiram o tantos milionários, por
outro, a acumulação de capital também ocorre em tempos de crise), e a
“centralização”, que consiste, pelo contrário, na fusão dos capitais existentes, sendo
esta promovida pelo sistema de crédito, que se caracteriza principalmente pela
existência de um sector bancário.

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