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Questão 1) A transição para o capitalismo na Europa Ocidental foi um processo longo

e complexo que teve múltiplas pré-condições importantes. Faça um resumo das


interpretações de Marx e de Weber sobre a mesma. Compare-as e indique quais são
seus principais pontos de convergência e de divergência.

Marx engajou-se em elaborar uma teoria da história que se sustente através da


análise sobre os fatos concretos – contra uma história hipotética de “como deveria ter
sido o passado”, até então proposta pelos contratualistas, pelos economistas políticos e
filósofos idealistas (Marx, 2007). Ao fazê-lo, o autor detém-se para dois movimentos
que se apresentam ao longo de toda trajetória humana, defende: o avanço das forças
produtivas e a luta de classes1 (Marx, 2007 e Marx & Engels, 1998).

Para Marx, classe é um modelo de organização e relação social fundado pelo


conflito, pela dominação e disputa de hegemonia de um grupo sobre o outro. É esse
conflito entre classes dominantes e dominadas, reencarnadas em sujeitos históricos
diversos ao longo do tempo e do espaço, que move a engrenagem da história humana. O
antagonismo de classes adquire diferentes formas ao longo da História: senhor e
escravo, rei e súdito, senhor feudal e vassalo e, no capitalismo, condensa-se nas figuras
da burguesia e do proletariado2 (Marx & Engels, 1998).

No sistema feudal havia proprietários de terras, a quem os camponeses deveriam


prestar certo volume de trabalho forçado em determinados dias da semana como
pagamento para viver nas terras deste proprietário. Aos camponeses também lhes eram
concedidas terras comuns, sobre as quais poderiam habitar e produzir para seu próprio
sustento, além de áreas comunais nas quais poderiam conviver uns com os outros e
extrair meios de sobrevivência da natureza.

Com a mudança do sistema feudal para o capitalismo, houve uma transformação


radical na relação entre classe dominante e dominada. Nesse processo histórico, a
1
Quando o desenvolvimento das forças produtivas (toda a coletânea de instrumentos, materiais ou
imateriais, engajados na reprodução do mundo social) supera o conjunto das relações sociais de produção
(maneira pela qual os sujeitos se organizam material e coletivamente de modo a transformar o mundo e
produzí-lo) , tais relações precisam ser reestruturadas – é o momento de revolução social (1983).
2
Esse binômio, contudo, não é absoluto. Em suas análises políticas (ex: Marx, 2011), Marx leva em conta
a complexidade da burguesia e dos trabalhadores, identificando extratos de classe, que se comportam e se
organizam de formas distintas – produzem formas de se organizar politicamente e de se relacionar
distintas: burguesia industrial e financeira, senhores feudais, proletariado, campesinato,
lupemproletariado... na prática, tudo isso se mistura.
burguesia se apropriou dos meios de produção das classes dominadas. Marx descreve
esse processo no capítulo XXV de O Capital “Assim chamada acumulação primitiva”,
cercamento de terras (Marx, 2013). Separados de suas ferramentas de trabalho, aos
trabalhadores não resta opção para garantir sua sobrevivência a não ser vender sua
própria força de trabalho. Com isso, a força de trabalho humana transforma-se em
mercadoria. O processo de trabalho se torna caracterizado por uma nova divisão social
do trabalho e pela inserção de um sistema autômato de maquinaria na atividade
produtiva. Então o trabalho, que para Marx é entendido enquanto fundamento elementar
da condição humana, se esvai de sentido, de modo que a atividade produtiva e seus
frutos (as mercadorias por ela produzidas) passam a iludir e dominar o trabalhador
(Marx 2004, 2011, 2013)).

Weber por sua vez é um teórico engajado não em avaliar processos históricos em
macroescala, mas interpretar o sentido da ação humana (Weber, 2012). O autor se
preocupa em discernir fatos “econômicos”, “economicamente relevantes” e
“economicamente condicionados” (Weber, 2005). Tal distinção se faz presente em seu
trabalho seminal “Ética protestante e o espírito do capitalismo” (Weber, 2004). Nela,
Weber argumenta que o desenvolvimento de uma ética protestante, na qual se prega a
salvação em terra, se valoriza o trabalho e o enriquecimento, constitui elemento
fundamental para a consolidação do capitalismo. Aqui é possível perceber um ponto de
inflexão entre as teorias de Marx e Weber: enquanto o primeiro toma o componente
material como eixo prioritário de entendimento da realidade, Weber entende que
pensamento e materialidade, cultura e economia se confundem e elaboram mutuamente.
Além disso, Weber não defende que a emergência do protestantismo constitui a solução
para o entendimento do desenvolvimento do capitalismo, mas, sim, uma das muitas
chaves de entendimento possível para explicar esse processo. O próprio Weber mobiliza
outras. A modernidade – fundada com a emergência do capitalismo – está vinculada a
um processo de racionalização3 da vida, burocratização, secularização e
consequentemente, desencantamento do mundo (Weber, 2012 e Weber, 2016).

Questão 2) A Inglaterra passou entre, 1780 e 1840, por uma revolução tecnológica
radical.

3
Adoção de meios mais adequados para se alcançar determinados fins. A ação racional se contrapõe,
segundo o autor, àquelas de caráter afetiva (guiadas pela emoção), ou tradicional (que simplesmente dão
segmento às tradições vigentes), típicas de sociedades pré-modernas (pode-se também dizer, pré-
capitalistas).
• Quais foram as principais características dessa revolução, e quais os seus impactos
imediatos nas estruturas econômica e social inglesas?

• Como essa mesma transformação pode ser interpretada usando a moldura analítica
Schumpeteriana?

• OBS: Use os textos de Landes e Schumpeter como referências principais.

A revolução tecnológica que se deu no início do século XVIII na Inglaterra


marca um início de transformações sociais e econômicas não só para seu país, mas para
todo o continente europeu. Para a compreensão de tal fenômeno, é preciso também
entender a formação do sistema capitalista que a acompanhou. Primeiramente,
abordaremos sobre a ideia de “Destruição Criadora” elaborada por Schumpeter em seu
livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, cuja reflexões sobre o sistema capitalista
nos guiarão para em seguida analisar as transformações na sociedade inglesa nesse
período.
Em seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, Schumpeter aponta como
evidente e já dito por Karl Marx que o capitalismo se trata de um processo evolutivo,
que não é compatível com um “caráter estacionário”. O autor analisa que diversos
fatores continuam impulsionando tal sistema a se transformar, porém ressalta que “ O
impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista
procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos
novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa
capitalista.”( Pagina 110) . Este caráter mutável do capitalismo, segundo Schumpeter, é
o que torna seu estudo tão complexo. Analisar uma indústria ou firma específica e seu
comportamento ao longo do tempo não nos permite compreender a real natureza
destrutiva deste sistema, onde o que está realmente em transformação não é a
concorrência do mercado (onde a maximização dos lucros parece ser o fator mais
importante) e sim a concorrência das inovações, das novas formas de técnica e de
organização. O comércio retalhista, como exemplifica o autor, encontra seu principal
problema não em um crescente número de lojas do mesmo produto, mas sim nas novas
organizações, como as cadeias de lojas e os supermercados, que possivelmente tornarão
este comércio inviável. Esta seria de fato a transformação e onde residiria o caráter
evolutivo do capitalismo, constantemente destruindo as estruturas econômicas e socias
para reinventa-las em um ciclo constante, onde a “calmaria perene” que alguns autores,
segundo Schumpeter, usam para explicar o período entre transformações não teria
espaço. Isto porque se trataria de uma “tempestade eterna de destruição criadora”, ou
seja, para estuda-lo devemos olhar para as indústrias e buscar entender não seus
mecanismos de funcionamento, mas sim seu papel neste cenário de constante
transformação.
Ao nos voltarmos novamente para a Inglaterra, podemos observar, sob as lentes
de Schumpeter, que a Revolução tecnológica pode ser entendida como um processo de
“Destruição criadora”, em que os pilares que regem a sociedade são transformados e
começam a operar em uma nova lógica. Para tal, vamos antes analisar alguns aspectos
da sociedade inglesa nesse período, mais especificamente, seu modo de produção e sua
organização social. Dessa forma poderemos observar como essas mudanças afetaram o
alicerce da sociedade inglesa.
No início do século XVIII, o oficio de artesão, não era apenas comum na
Inglaterra, como também era um dos principais meios de gerenciar as atividades
manufatureiras. Dono de seu tempo e de sua força de trabalho, o mestre artesão também
era dono de todo processo de produção. Com a revolução tecnológica, esta dinâmica
começa a mudar. O surgimento da máquina, por mais rudimentar q fosse, começava a
substituir o trabalho do homem, esse com o passar das décadas, tende a se tornar um
mero operador desta ferramenta, distanciando-o do produto final. A maquinaria trás
com ela preços fixos de produção que o artesão já não pode mais financiar, o que lhe
resta, é vender sua força de trabalho para a burguesia, dona dos meios de produção, para
sustentar-se. Com a máquina, chega também a lógica da indústria moderna, já podemos
ver ali um trabalho que não é só divido em tarefas especificas para cada trabalhador,
mas também com uma disciplina imposta pelo burguês com intuito de aumentar ao
máximo a produção. Não podemos deixar de observar que a lei do cercamento dos
campos e o forte êxodo rural que lhe sucedeu teve um grande papel nesse processo.
Com uma agricultura capaz de sustentar uma grande população urbana, o crescimento
das indústrias e da vida nas cidades cresceu muitíssimo nesse período. Podemos
começar a observar nessa sociedade a formação de uma nova classe, o proletariado, e
com ela, a produção em série. Conforme seus meios de produção se transformam,
vemos a sociedade inglesa se transformar com eles. Sua economia, que adota uma
dimensão cada vez mais internacional, exporta produtos manufaturados e importa
produtos primários em uma escala jamais vista, a Inglaterra se transforma em uma
sociedade cada vez mais capitalizada, e Londres, o centro do comércio Europeu.
Vindo um “capitalismo agrário” como se refere Ellen Wood, em seu livro “A
origem do Capitalismo” a Inglaterra, pós Revolução Industrial se torna a sociedade mais
urbanizada até então. A organização da população em cidades cresce exponencialmente
com o passar das décadas, e essa, que consistia em maior parte de pessoas cuja única
propriedade era sua força de trabalho, se vê obrigada a adaptar-se a esse novo padrão de
vida industrial. Segundo a visão analítica de Schumpeter, podemos entender esses
eventos como um ciclo da “Destruição Criadora” do capitalismo. As transformações
econômicas e sociais que vieram a partir dos novos meios de produção destroem e
reinventam a sociedade inglesa e ditam um novo ritmo, tanto da vida como da
mentalidade das pessoas que ali se encontram.

Questão 3) Exponha sucintamente as características dos processos de reforma


institucional e industrialização da Alemanha entre a derrota de Iena (1806) e a
unificação em 1871.Destaque dois aspectos desse processo que possam ser
“encaixados” na moldura conceitual proposta por Gerschenkron.

Em primeiro lugar, antes de abordar características marcantes do processo de


reforma institucional e de industrialização da Alemanha entre 1806 e 1871,
apresentaremos de modo sucinto as teses do historiador econômico Alexander
Gerschenkron concernentes à ideia atraso relativo. A compreensão deste constructo
teórico é essencial, uma vez que, de acordo com Lívia Campos (2010), Gerschenkron
mostra ser possível a superação da situação de atraso econômico e tecnológico “sem
que, necessariamente, sejam reproduzidas as escolhas feitas pelos países pioneiros na
industrialização” (p. 8).

A ideia de atraso relativo proposta por Gerschenkron, construída a partir do


estudo de processos de industrialização de diferentes países europeus, demonstrou que
para a maioria dos países europeus conseguir fazer frente – competir com a Inglaterra –
nos mercados capitalistas, foram necessárias soluções institucionais que acelerassem as
mudanças capazes de saltar sobre o atraso. Para Jaques kerstenetzky (2015), heranças
históricas institucionais e culturais específicas ensejaram soluções próprias.

Gerschenkron promoveu, assim, uma importante crítica à boa parte das análises
sobre industrialização de países atrasados de seu tempo, bem como as teorias de
influência marxista. Para ele, ambas as correntes seriam marcadas pela ideia da
existência de pré-condições necessárias à industrialização, como a reforma agrária,
garantia de liberdade aos camponeses, acumulação de riqueza e etc., mas, que ele
considerava serem fatores indispensáveis apenas em parte. Como demonstra, o sucesso
de processos de industrialização dos países atrasados esteve sempre mais ligado à
capacidade que tiveram de criar substitutos para fatores escassos ou ausentes do que à
capacidade de seguir padrões engessados e provavelmente “irrepetível” de
desenvolvimento, como o do caso inglês.

Assim, quando olhamos para a situação política, social e econômica da


Alemanha – até então Prússia – após a “derrota de Iena” para o exército napoleônico em
1806, vemos que esta piora bastante. Sinalizando não somente fracassos políticos e
militares, mas tendo deixado a Alemanha falida e com grande parte da população em
situação de extrema pobreza.

Diante deste cenário, o padrão de desenvolvimento prussiano se deu, então,


impulsionado pelo Estado que mobilizou diversos grupos sociais e ampliou sua
intervenção na economia. Dois aspectos desse desenvolvimento são aqui enfatizados:

1) Wilhelm von Humboldt, ministro da Educação, a partir de 1809 é o principal


responsável por dar início a grandes reformas que iniciam uma nova era no
sistema educacional prussiano. “O bom funcionamento da universidade
inclusive dependia de ter alunos bem formados no curso secundário. Para
Humboldt, a Bildung do povo/nação alemão é um processo que envolve todo o
aparato cultural e político e deveria ser liderado pela Prússia” (TERRA, 2019, p.
141-142). As inovações implementadas pelo Estado, a partir da batuta de
Humboldt, criam o sistema educacional mais moderno da Europa, composto por
universidades públicas e de pesquisas voltadas para o interesse público, de
fundamental importância para o desenvolvimento tecnológico subsequente.

2) Também foi importantíssimo para a industrialização alemã o papel assumido


pelo sistema financeiro. Os bancos alemães conseguiram combinar a ideia de
bancos comerciais com a ideia de Crédit Mobilier, “cujo principal objetivo era
financiar a construção de estradas, minas, fábricas, portos, modernizar cidades,
entre outros” (CAMPOS, 2010, p. 11). Como resultado, os bancos ascenderam
entre as indústrias e passaram a participar ativamente das decisões importantes
das empresas. O que, por sua vez, produziu outro efeito sobre a nascente
estrutura produtiva industrial, que, regida por um sistema bancário cada vez
mais concentrado e fortalecido viu ocorrerem processos de cartelização gerais da
indústria que lograram em pouco tempo reerguer a economia Alemã.

Neste sentido, o processo de industrialização alemã, em contraponto à


experiência inglesa, além de um protagonismo muito maior do Estado seguiu caminhos
próprios capazes de recolocar a Alemanha na competição dos mercados capitalistas, o
que em boa medida confirma a tese gerschenkroniana de atraso relativo.

Questão 4) Faça o mesmo em relação ao ocorrido no Japão subsequentemente à


Restauração Meiji. Destaque o papel que o Estado desempenhou em relação à
industrialização e indique dois aspectos desse processo que possam ser analisados
moldura conceitual proposta por K. Polanyi.

Nossa referência será a obra “Chutando a Escada: estratégia do desenvolvimento


em perspectiva histórica”, de Ha-Joon Chang (2004). A partir dela iremos analisar a
influência do Estado Japonês, pós 1868, na industrialização e modernização do país,
papel este, que Chang considera como fundamental.

Após séculos de um sistema de governo marcado pelo isolamento, tanto


econômico quanto territorial, a Restauração Meiji, que se deu 14 anos após a abertura
forçada dos portos pelos Estados Unidos, marca o início de importantes transformações
rumo a modernização do país. O Japão, em relação aos países da Europa, estava muito
distante do processo de industrialização contemplado naquele momento, porém diversas
medidas foram tomadas pelo Estado para compensar esse atraso. Uma delas foi a
importação de modelos de instituições adotadas por outros países que o governo
Japonês considerava na época, como fundamentais para a industrialização. Chang fala
do surgimento de “uma verdadeira colcha de retalhos institucional” e cita diversos
exemplos. Destacamos um trecho que mostra as diversas influências estrangeiras nas
instituições japonesas: “A legislação penal teve a influência do direito francês, ao passo
que grande parte da comercial e da civil era alemã com alguns elementos britânicos.
Montou-se o Exército nos moldes alemães (com certa influência francesa); e a Marinha,
nos britânicos. O banco central foi plasmado a partir do belga, e o sistema bancário em
geral baseou-se no norte-americano. As universidades eram norte-americanas, as
escolas também, no começo, mas não tardaram a adotar os modelos francês e alemão, e
assim por diante” (CHANG, 2004, p. 89).

Podemos observar com esses dados o esforço governamental para colocar o


Japão dentro dos moldes estabelecidos pela Europa e Estados Unidos, compreendiam a
ideia de que se tornar um país industrializado, era reflexo de uma sociedade moderna.
Com as instituições vieram diversos outros incentivos à produção e a formação de uma
sociedade capitalista, tais ele como a criação de “fabricas estatais modelo” nos setores
como o da mineração, produção têxtil e militar, essas por mais que viesse a ser vendidas
para a iniciativa privada posteriormente ainda sim continuaram a receber subsídios do
governo. Além disso, promoveu uma reforma tarifaria com o intuito de “proteger a
indústria nascente, facilitar a importação de matéria-prima e controlar o consumo de
bens de luxo” (CHANG,2004, p.89). Chang ainda aponta que na década de 1920 o
Japão chega a sancionar a formação de cartéis sob a justificativa de “restringir a
concorrência predatória”. Nota-se que o papel do Estado Japonês no processo de
industrialização do país abrange uma influência muito maior do que simplesmente nova
estratégias econômicas que buscavam a indústria, se trata de uma verdadeira
transformação social e política. Espelhando-se em uma gama de países cujo processo de
industrialização vinha acontecendo no decorrer do século XVIII, não lhe faltou modelos
de organização governamental e institucional para seguir ou basear-se afim de atingir
esse objetivo.

Entendido este processo do ponto de vista histórico, vamos em seguida analisa-lo sob a
moldura conceitual proposta por K. Polanyi. Para isto, vamos elaborar um pouco suas
ideias afim de em seguida buscar os pontos de diálogo entre esses eventos que se deram
no Japão e as reflexões de Polanyi.

Em seu livro “A Grande transformação”, Karl Polanyi aborda o conceito de


“mercadorias fictícias” considera como essas, as mercadorias comercializadas que não
foram produzidas com esse intuito. Seriam essas, a comercialização da terra, do trabalho
e do próprio dinheiro, através da renda, do salário e dos juros. Polanyi aponta que a
formação de um mercado autorregulado é produto desta comercialização e não um
desenvolvimento natural das antigas formas de trocas. O Estado emergente, detentor de
um poder centralizado exerce um papel fundamental da formação de uma economia de
mercado ao comercializar essas “mercadorias fictícias”. Ao observarmos mais uma vez
a sociedade japonesa, levando em considerando os dados de Chang que aqui apontamos,
podemos ver

claramente que o processo de transição que se dá ali, de uma sociedade com ainda
muitos aspectos feudais no início do século XVIII até uma sociedade capitalista regida
pela economia de mercado, não é resultado de transição natural. Pelo contrário, foi
preciso uma forte influência externa para que tais eventos se desencadeassem.
Influencias essas de sociedades que já haviam ou estavam passando por um processo de
industrialização capitalista e voltavam-se cada vez mais para a economia de mercado

*
Polanyi, assim como Marx, realiza uma crítica a “construções hipotéticas de como o
mundo haveria sido” a partir de evidências históricas e etnográficas. O autor se dedica a
rebater a falácia de que um mercado autor regulável se desenvolveu autonomamente,
como que uma evolução natural das formas de troca, a partir do amadurecimento de
experiências de mercados sempre presentes na história humana. Não existe, segundo
Polanyi, uma única forma de orientar a ação econômica, mas diversas – reciprocidade
(circuito espontâneo de oferta e retribuição de presentes/dádivas), redistribuição
(acúmulo e redistribuição de riqueza realizado através de uma autoridade central) e
domesticidade. Cada uma dessas formas é capaz de produzir instituições econômicas
específicas; outros modos de gerir a vida material de uma sociedade que não através de
mercado. Além disso, Polanyi também argumenta que não é a partir de qualquer
mercado que a economia de mercado emerge. O autor apresenta evidências empíricas
que atestam o caráter incipiente dos mercados exteriores (trocas entre viajantes,
aventureiros, caçadores, piratas, as quais são comumente creditados como os
precursores do Mercado como a instituição que entendemos hoje) e dos mercados locais
(trocas individuais cotidianas). Ao contrário, a força inovadora e potente que emerge
com a Modernidade foi o desenvolvimento de um mercado interno através de um
Estado centralizado que fomenta, organiza e regula a economia nacional. Tal Estado
seria responsável por promover a criação de mercadorias fictícias, isto é, garantir a
transformação de terra, dinheiro e trabalho em mercadorias. A atuação do Estado
moderno culmina na emergência de uma economia de mercados autorregulada, que se
descola das demais esferas da vida social e exerce controle sobre os demais âmbitos da
vida.

CAMPOS, Lívia da Silva. A importância das instituições no processo de desenvolvimento


de países atrasados: uma comparação entre as contribuições de Alexander Gerschenkron
e Ha-Joon Chang. Monografia (bacharelado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
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