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Os Sistemas Económicos

Génese e Evolução do Capitalismo


A teoria dos sistemas económicos
A cada período e a cada lugar corresponde um certo sistema de organização económica e social. Na
verdade, toda a economia é um sistema, no sentido em que toda a economia é um conjunto de elementos, de
processos e relações interligados de acordo com um princípio orientador, um princípio de unidade, que assegura
uma certa coerência e estabilidade à estrutura constituída por aqueles elementos, processos e relações
económicas.
Sistema económico é capaz de integrar uma multiplicidade de economias concretas, distintas de outros
conjuntos históricos por determinadas características fundamentais.
Diferente é o conceito de forma económica, que se refere aos vários modos de manifestação de um
determinado sistema, modos que se distinguem segundo critérios como o grau de desenvolvimento das forças
produtivas, a forma e a dimensão das unidades de produção, a organização dos sujeitos económicos, o modo de
coordenação da economia, etc.
Particularmente importante é o modo de coordenação: em função dele que costumam distinguir-se as
várias formas históricas do capitalismo: capitalismo de concorrência, capitalismo monopolista, capitalismo
monopolista de estado.
O conceito de forma económica é, pois, uma qualificação do conceito de sistema económico, sendo certo
também que nenhum sistema económico existe em si mesmo: qualquer sistema económico apresenta-se sempre,
historicamente, sob determinada forma.
Na prática nenhuma economia concreta se apresenta como a realização de um único sistema económico
ou de uma única forma económica. Cada economia corresponde, ao invés, a uma determinada combinação de
vários sistemas, um dos quais emerge como sistema dominante, imprimindo carácter àquela economia, moldando
a sua estrutura ordenadora, definindo-a como ordem económica.
A Escola Clássica Inglesa via na ordem capitalista não uma fase transitória na marcha da humanidade, mas
a forma absoluta e definitiva da actividade económica e da organização social (fim da história).
Contra esta concepção reagiu a Escola Histórica Alemã e Karl Marx. A teoria dos sistemas económicos
surge, pois, como reacção contra a postura universalista a-histórica da Escola Clássica, à qual se contrapôs uma
visão evolucionista e historicista.

As Soluções
A teoria dos “estádios económicos”
A análise dos estádios de evolução constitui a preocupação fundamental dos autores que
integram a Escola Histórica Alemã. Os autores da Escola Histórica recusaram à Economia Política a natureza da
ciência teórica, reduzindo-a a uma ciência histórica. Passaram, por isso, a operar com base em critérios históricos,
pressupondo uma sucessão regular dos vários sistemas ao longo dos séculos, em conformidade com a sua
concepção evolucionista.
Várias fases que passariam, mais ou menos, obrigatoriamente, todas as sociedades humanas:
a) Friedrich List propôs o critério da actividade dominante. A vida económica desenvolver-se-ia,
historicamente, ao longo de quatro fases: agricultura; agricultura e indústria; agricultura,
indústria e comércio. Para esta última, correspondente à nação normal, tenderiam as
economias de todos os povos.
b) Bruno hildebrandt atende aos sucessivos instrumentos de troca como critério distintivo das
três etapas que distingue com base nele: a da economia natural (caracterizada por um
sistema de trocas directas); a da economia monetária (moeda como intermediário das
trocas); a da economia creditícia (vendas a crédito e ao empréstimo).
c) Karl Bucher, por sua vez, critério distintivo das várias fases da evolução histórica seria o
âmbito territorial dentro do qual se circunscreve a actividade económica. Nas palavras de
Bucher, o critério essencial é “a extensão do caminho que os bens percorrem, na passagem
do produtor ao consumidor”.
De acordo com este critério, a humanidade passaria por três fases na sua evolução: a
economia doméstica; a economia urbana; a economia nacional.
d) Gustav Schmoller acrescentou às anteriores a fase da economia mundial, que
corresponderia a um novo período de relações económicas estabelecidas entre as várias
comunidades nacionais.

A teoria dos modos de produção


A teoria dos sistemas económicos enquanto teoria dos modos de produção foi enunciada em primeiro
lugar por Karl Marx. Segundo esta concepção, a estrutura fundamental de cada sistema económico assentas nas
relações sociais de produção, ou seja, nas relações que entre si desenvolvem as várias categorias de agentes
económicos, podendo definir-se estas relações, no plano jurídico, pela relação que se estabelece entres os
trabalhadores e os meios de produção.
Em termos muito genéricos, poderemos ilustrar a afirmação anterior distinguindo estas três situações:
1) Se os produtores são eles próprios, simultaneamente, proprietários dos meios de produção, estamos
perante um sistema de produção de mercadorias simples ou sistema de produção independente: o
produto do trabalho produtivo pertence por inteiro ao produtor autónomo;
2) Se os meios de produção pertencem a pessoa diferente do produtor directo, esta circunstância vai
permitir ao proprietário dos meios de produção, em certas condições históricas, assumir a direcção
do processo produtivo, contratar trabalhadores assalariados e apropriar-se do sobreproduto social;
3) Se não existir propriedade privada dos meios de produção e estes pertencerem a toda a comunidade,
a esta caberá a direcção do processo produtivo, revertendo o produto social para a colectividade dos
produtores (essência do sistema socialista).

A concepção de Marx
O materialismo dialéctico ganha, em Marx, um sentido diferente do da dialéctica hegeliana.
Marx explica o processo histórico a partir do desenvolvimento das forças produtivas, ele mesmo fruto da
acção consciente dos homens para dominar a natureza, afeiçoando-a à satisfação das suas necessidades. E a
evolução histórica dos modos de produção assenta no facto de o desenvolvimento das forças produtivas conduzir,
a certa altura, a uma contradição entre estas e as relações sociais de produção, por tal forma que estas passam a
constituir obstáculos ao pleno desenvolvimento daquelas.
Para que um determinado sistema de organização económica e social seja um todo coerente, para que
um dado modo de produção, enquanto conjunto das relações de produção e das forças produtivas, possa
assegurar o livre desenvolvimento e o pleno aproveitamento da técnica e dos meios de produção, é necessário que
as relações sociais de produção estejam em correspondência com as forças produtivas. Se esta correspondência
deixar de se verificar, isto significa, nos quadros da teoria de Marx, que o sistema económico, essencialmente
caracterizado pelo modo de produção está prestes a desagregar-se, para dar lugar a um outro sistema económico.
É esta uma das leis fundamentais da teoria económica marxista: a lei da necessária correspondência entre as
relações de produção e o carácter das forças produtivas.
Meios de produção – conjunto dos objectos de trabalho e dos meios de trabalho.
Objectos de trabalho – tudo aquilo que vai incidir a força de trabalho do homem.
Meios de trabalho – todos os objectos de que os homens se servem para transformar a realidade física
sobre a qual actuam. Os mais importantes de entre eles são os instrumentos de produção, dos quais hoje depende,
fundamentalmente, o domínio do homem sobre a natureza.
Forças produtivas – conjunto dos instrumentos de produção, dos objectos de trabalho e ainda o próprio
homem, com a sua força de trabalho, os seus conhecimentos e a sua técnica.
Para o marxismo, as forças produtivas são o elemento mais dinâmico e revolucionário da produção,
embora reconhecendo que as relações de produção entre os homens, desenvolvendo-se em resultado do
progresso das forças produtivas, exercem, por sua vez, influência activa sobre estas.
Relações de produção – relações que os homens matem entre si no quadro do processo produtivo, as
quais se manifestam na relação entre os “sujeitos” ou “agentes” económicos e os meios de produção, e que têm a
sua expressão jurídica nas formas de propriedade sobre os meios de produção.
Segundo o entendimento de Marx, é a natureza da propriedade sobre os meios de produção que
determina a posição relativa dos homens no sistema de produção social, que marca a divisão da sociedade em
classes e define a natureza da relação entre elas.
A natureza das relações sociais de produção é que determina a titularidade do poder de direcção do
processo produtivo e explica o critério que preside a essa direcção, o móbil que orienta a actividade social de
produção e o critério segundo o qual se opera a distribuição do produto social, entendendo-se que produção,
distribuição, troca e consumo formam uma unidade cujo factor determinante é a produção.
Toda a produção pressupõe uma qualquer forma de propriedade, ou seja, uma forma social e
historicamente determinada de apropriação dos meios de produção. E a distribuição do produto social depende
exactamente da forma por que se apresenta essa apropriação dos meios de produção, embora se reconheças que
as formas de distribuição, troca e consumo actuam, por sua vez, sobre a produção, estimulando ou entravando o
seu desenvolvimento.
Assim se explica que Marx caracterize os sistemas económicos pelo modo de produção e distinga os
modos de produção pela natureza das relações de produção.

Visão económica da história, o marxismo é também uma visão histórica da economia, visão que faz da
luta de classes o motor do processo histórico, do processo de evolução das várias formações económicas e sociais
que a humanidade tem conhecido. Ao contrário dos autores da Escola Histórica Alemã que renunciam a explicar o
desenvolvimento histórico, Marx faz da histoire raisonée e traz a história para o seio da teoria económica,
convertendo a teoria económica em análise histórica.
Marx rejeita o carácter natural e a-histórico das categorias económicas e das leis da Economia Política
clássica, pondo em evidência o seu carácter de categorias históricas e das leis históricas, que só ganham significado
em relação a um determinado sistema económico e social, historicamente localizado.
A construção teórica de Marx pretende, acima de tudo, explicar o processo global da evolução social,
evolução que, a seu ver, resulta de uma interacção dialéctica de factores de vária ordem, e que se traduz num
movimento dialéctico, em que cada estádio do processo evolutivo é superior ao estádio que o antecede, e em que
cada novo modo de produção encontra o seu fundamento e a sua “explicação” no desenvolvimento histórico das
contradições imanentes ao anterior.
À luz da teoria marxista, a estrutura política faz parte da superestrutura, sendo esta determinada pela
base económica, a infraestrutura.
O que constitui o problema é a questão de saber em que consiste essa determinação e em que medida a
superestrutura é determinada pela base económica ou dela depende. Os estudos de Marx pressupõem a ideia de
que a estrutura política goza de uma autonomia relativa.
À visão economicista estreita opõe-se a concepção voluntarista, que atribui a autonomia e eficácia
absolutas à acção política e à luta de classes. Estes são os dois pólos extremos dentro dos quais se tem
desenvolvido a discussão no quadro do pensamento marxista.

A concepção de Sombart
Sombart propõe outro critério histórico, fazendo apelo a três elementos que, a seu ver, distinguiriam os
vários sistemas económicos:
1) O espírito (objectivo fundamental da produção);
2) A forma (ou seja, o conjunto dos elementos sociais, jurídicos e institucionais, que constituem o
quadro dentro do qual se desenvolve a actividade económica, as relações entre sujeitos
económicos);
3) A substância (que fundamentalmente se refere à técnica utilizada).
Com base neste critério, distingue Sombart três sistemas económicos: o sistema de economia
Fechada, o sistema de economia artesana e o sistema de economia capitalista.
“A ideia fundamental da minha obra é a de que nas várias épocas históricas tem predominado um espírito
económico diferente, sendo este espírito que dá uma forma apropriada e modela em conformidade a organização
económica”. A passagem da economia feudal-corporativa para a economia capitalista explicar-se-ia pela acção de
um conjunto complexo de factores que provocou a mudança do espírito da época e não pelas contradições entre o
desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção feudais.
No caso concreto do capitalismo, Sombart não procurou o elemento caracterizador fundamental em
qualquer dos aspectos da estrutura económica ou do funcionamento, nem considerou que a essência do
capitalismo reside na natureza das relações de produção que lhe são próprias. Na óptica de Sombart, o capitalismo
distingue-se essencialmente pelo seu espírito de busca do lucro.

A teoria dos “tipos de coordenação”


Eucken abstraindo da sucessão histórica, e negando mesmo a existência de uma sucessão
Regular, pretendeu construir, na esteira dos “tipos ideais” de Weber, os tipos abstractos de organização
económica, as “ordens económicas” puras, às quais seriam susceptíveis de reconduzir-se todos os sistemas ou
organizações concretas, passados ou presentes.
Eucken parte do princípio de que a actividade do homem enquanto produtor se desenvolve de
Acordo com um plano orientador daquela actividade e defende que o importante é saber quem dita o plano: se é o
mercado, onde se encontra a oferta e a procura dos vários sujeitos económicos, ou se é alguma entidade exterior
ao mercado e à economia. Assim chega à distinção entre economia de mercado e economia de direcção central.
Nas economias de mercado, os indivíduos traçam autonomamente os seus planos, cuja
Coordenação se opera no mercado, através da concorrência entre os vários operadores económicos. No mercado
formam-se os preços e é o sistema de preços relativos que vai servir de critério orientador das opções e das
decisões de cada um dos agentes económicos. É no mercado, portanto, que se define a lógica segundo a qual
funciona a economia. O mercado é o mecanismo que dita o plano segundo o qual funciona a economia.
Nas economias de direcção central, a economia é dirigida a partir do centro, com base num
plano único imposto pelo estado às unidades técnicas de produção e aos consumidores, cabendo ao estado
determinar os objectivos a prosseguir, os meios a utilizar, os preços a fixar.
Estes seriam os dois tipos de coordenação que, embora não se encontrassem na sua forma
pura, permitiriam explicar o funcionamento de qualquer economia, pois as economias concretas seriam sempre
uma composição daqueles dois tipos puros.

Apreciação Crítica
Escola Histórica
Segundo os autores da Escola Clássica, a maximização dos ganhos configurava uma fuga à realidade, uma
vez que os homens de carne e osso actuam não apenas em função do objectivo de maximizar racionalmente os
ganhos, mas também em função de sentimentos diversos, como o desejo de glória, o sentimento do dever, o amor
do próximo, o costume, etc.
Estes autores puseram em causa o carácter das leis absolutas, eternas e universais, que a Escola Clássica
atribuía às leis naturais reguladoras da vida económica e terem vindo defender que os estudos económicos devem
ser encarados numa perspectiva histórica: todas as instituições económicas e sociais são consideradas categorias
históricas, inscritas num certo tempo e num certo espaço, em permanente devir, que só podem compreender-se
se analisadas enquanto produtos históricos da evolução das sociedades humanas, variáveis conforme o tempo e o
espaço.
Os autores da Primeira Escola Histórica embora divirjam quanto à determinação do elemento definidor
dos vários estádios de evolução, eles partilham a ideia de que todas as economias passam por um processo
evolutivo de algum modo idêntico ao processo de crescimento de um corpo orgânico, podendo distinguir-se várias
fases nesse processo produtivo, apresentando-se cada um desses estádios como um novo marco do crescimento
orgânico, linear, da economia.
Tais critérios admitem uma evolução histórica, mas cortam essa evolução em fases, em secções,
esperando os autores que os propõem descobrir, para cada uma das fases, uniformidades ou “leis” que não seriam
válidas para as fases anteriores ou posteriores. Não podem servir, portanto, como método de abordagem da
evolução das sociedades humanas, uma vez que não fornecem qualquer explicação para a própria evolução
histórica. São critérios meramente descritivos, exteriores ao próprio processo evolutivo, incapazes de
compreender os factores que explicam a passagem de um sistema a outro e o sentido da linha evolutiva que a
história regista.
Os critérios de List, Hildebrandt e Bucher atendo-se apenas a elementos da estrutura económica da
sociedade, somente dão conta da evolução das forças produtivas, mas não podem apreencher o processo de
evolução da economia nem explicar a sua dinâmica.
Esta só resulta inteligível quando se tem em conta a relação dialéctica entre o desenvolvimento das forças
produtivas e a natureza das relações sociais de produção no seio das quais aquelas se desenvolvem e com as quais
entram em contradição. E é esta contradição que, acentuando-se, abre uma “época de revolução social”, no termo
da qual surgirá, a partir do anterior, um novo estádio superior de desenvolvimento.
Com efeito, o método histórico-genético praticado pela Escola Histórica renuncia à elaboração teórica,
limitando-se os seus autores à reunião, descrição e sistematização dos factos da vida económica e sua sequência
histórica, sem capacidade para apreender as mudanças qualitativas das formas de organização económico-social
ao longo do processo histórico. Cada autor propõe um esquema das várias fases pelas quais passariam mais ou
menos obrigatoriamente todas as sociedades. E cada uma dessas fases é considerada independente das outras, na
medida em que cada fase substitui inteiramente a fase anterior, sem consideração por aquilo que, em cada
“sistema”, permanece do “sistema” anterior e por aquilo que, em cada “sistema”, prenuncia elementos do
“sistema” futuro. Neste quadro, resulta impossível explicação do processo de passagem de um estádio a outro e a
compreensão das causas da evolução histórica.
Os adeptos da Escola Histórica limitam-se a uma história dos factos económicos.

Critério de Sombart
Ao incluir na forma certos elementos institucionais que não se confinam à simples estrutura económica,
ultrapassa algumas das dificuldades que se apontaram aos autores da Primeira Escola Histórica.
O problema da transição dos sistemas é por ele encarado numa perspectiva culturalista e explicado,
portanto, não a partir de factores económicos, mas de factores de ordem cultural ou espiritual: o que,
essencialmente, mudaria era o espírito da época, dentro de um processo de evolução cultural global. A ideia
fundamental da sua obra é a de que, “em épocas diferentes vigoraram sempre atitudes económicas diferentes, e
que esse espírito é que tem criado a forma adequada para si próprio e com ela uma organização económica”.
Assim como o homo oeconomicus deriva os princípios do seu comportamento da natureza humana, assim
também o homem feudal ou o homem capitalista extraem os seus princípios do seu “comportamento” do espírito
da época.
A esterilidade de tal debate é um pouco a imagem da esterilidade do critério de Sombart, ao sobrestimar
os elementos “espirituais” e ao subestimar os elementos materiais, os elementos económicos, que
verdadeiramente imprimem carácter aos vários sistemas. Ele revela-se, por isso mesmo, incapaz de detectar os
aspectos essenciais que verdadeiramente distinguem os sistemas económicos uns dos outros e as leis históricas
que regulam o processo social de produção e distribuição dos bens necessários à satisfação das necessidades
humanas, e incapaz de compreender a dialéctica da evolução das várias formações sociais e as leis que explicam o
processo histórico de passagem de uma forma de sociedade a outra.
Por nós, acompanhamos Teixeira Ribeiro quando defende que, mesmo que o socialismo aspirasse à
normalização de toda a vida social, não podem “confundir-se sob o mesmo nome doutrinas, movimentos e
sistemas que têm um sentido histórico muito diverso e cujas finalidades são muito diferentes”. A normalização de
toda a vida social foi sem dúvida uma aspiração do nazismo. Mas a verificação disto mesmo não pode autorizar a
conclusão de que, afirmando-se essa normalização como a característica essencial do socialismo, o nazismo podia
considerar-se também como socialismo.

A teoria dos tipos de coordenação


Tem a indiscutível vantagem de permitir o enquadramento de qualquer economia concreta em um dos
seus tipos, fornecendo assim indicações acerca da teoria do seu funcionamento.
Esta teoria poderá mesmo “ler-se” em paralelo com a teoria marxista. Na verdade, parece correcto
afirmar-se que a economia capitalista, embora compatível com uma certa planificação estadual, não comporta
uma economia inteiramente e imperativamente planificada pelo estado; do mesmo modo, uma economia
socialista pode consentir uma certa margem para o funcionamento do mercado e da sua lógica de direcção da
economia, mas não pode abdicar de uma planificação global da economia a cargo do estado, que se encarregue de
definir e assegurar o cumprimento dos critérios de direcção da economia.
Noutra perspectiva, uma economia de mercado, embora tolere um certo espaço de propriedade pública,
não pode dispensar o domínio da propriedade privada dos meios de produção, assim como uma economia de
direcção central pode tolerar uma certa área de propriedade privada, mas não pode dispensar a propriedade
colectiva dos principais meios de produção, solo e recursos naturais.
Isto significa que a teoria de Eucken subordina a propriedade dos meios de produção aos tipos de
coordenação, fazendo depender aquela destes: é o tipo de coordenação que determina o tipo de propriedade dos
meios de produção e, em último termo, o modo de produção. Ao invés, a teoria marxista subordina a
coordenação, a forma de organização, o funcionamento da economia aos diferentes tipos de relações de
produção: o tipo de coordenação é determinado basicamente pelo modo de produção.
Mas não parece correcto fazer do diferente modo de funcionamento de cada economia em concreto o
elemento distintivo dos sistemas económicos. A nosso ver, não é possível dizer-se, sem mais, que, se a economia
for uma economia de direcção central, estaremos perante um sistema socialista, do mesmo modo que, se a
economia for uma economia de mercado, estaremos perante um sistema capitalista.
É que o mesmo tipo de coordenação é compatível com sistemas económicos diversos.
A teoria dos tipos de organização não é capaz de fornecer um critério de distinção entre sistemas tão
diversos que podem incluir-se num dos dois tipos considerados. Nem parece que ela seja capaz de explicar por que
é que, em épocas tão diferentes e em circunstâncias tão diversas, foi idêntico o tipo de organização.
O critério de Eucken afasta, em suma, qualquer perspectiva histórica do desenvolvimento dos povos,
negando que da história possa colher-se qualquer sentido de desenvolvimento ou de progresso.
Por isso, enquanto a teoria do modos de produção é capaz de fornecer uma explicação para o
desenvolvimento histórico, o critério dos tipos de coordenação, como concepção anti-histórica, é incapaz de
esclarecer acerca das causas e do sentido da evolução de um sistema económico para outro, encarando o
problema numa perspectiva funcional, como se se tratasse de alternativas abertas à livre escolha, em qualquer
tempo e lugar, comparando-se “soluções técnicas” possíveis, à sua eficiência, nas suas dificuldades e facilidades,
nos seus prós e contras, como que na mira de esclarecer uma opção entre eles.
A teoria dos tipos de coordenação permite relevar, na análise das formas concretas em que os sistemas se
manifestam, certos elementos importantes para a compreensão da dinâmica interna do sistema e que poderiam
não ser devidamente ponderadas numa análise que apenas se ativesse às relações de produção. Mas não pode
substituir a teoria (histórica) dos sistemas económicos, pela simples razão de que “as formas económicas são
sempre formas de um determinado sistema”.
Teixeira Ribeiro
Utilizando a formulação de Teixeira Ribeiro, consideramos que “o que imprime carácter a qualquer
economia e a individualiza como tipo é o modo de produção e repartição dos bens”. Quer dizer, o que distingue os
sistemas é o modo de produção, isto é, a natureza das relações de produção e a forma de repartição do produto.
Só depois virá o móbil da actividade económica. Poderá mesmo dizer-se que é a natureza das relações sociais de
produção que, em último termo, distingue os sistemas.
Nesta lógica é que se fala do socialismo como sistema caracterizado pela propriedade colectiva dos meios
de produção e do capitalismo como sistema que assenta na propriedade privada dos meios de produção. Esta é
uma propriedade perfeita, absoluta, que exclui os não-proprietários do respectivo poder de disposição, vendo-se
estes obrigados a vender aos donos dos meios de produção a própria força de trabalho transformada em
mercadoria, assim se configurando as relações capitalistas de produção entre os produtores não-proprietários e os
donos do capital.
Conforme a natureza das relações de produção, assim varia a forma que assume o excedente social e a
titularidade do controlo desse excedente. No capitalismo, o sobreproduto social assume a forma de lucro que cabe
aos proprietários dos meios de produção, aos quais pertence também decidir do destino a dar-lhe, não só para
consumo pessoal dos próprios capitalistas mas também para investimento em novos meios de produção. No
socialismo, o excedente assume a forma de fundo social que será distribuído por consumo e investimento por
decisão da própria colectividade através das instituições políticas que a representem.
Já se vê a distinção dos sistemas económicos com base nos modos de produção, ou seja, a partir da
natureza das relações sociais de produção, permite caracterizar também, para cada um deles, o modo como se
processa a direcção da economia e o critério que preside à distribuição do produto social, a natureza e o destino do
excedente social, e permite ainda explicar o sentido da evolução histórica dos modos de produção. Esta teoria dos
modos de produção afigura-se-nos, por isso, a mais adequada para a análise dos sistemas económicos e da sua
evolução.
Os sistemas distinguem-se uns dos outros pela afirmação de determinadas forças produtivas e
determinadas formas de organização material da produção, a base económica no seio da qual se desenvolvem
determinadas relações sociais de produção e a partir da qual se erguem e instalam determinadas estruturas
políticas, jurídicas, culturais, ideológicas.
O que nos vai interessar aqui é a questão do saber quais os elementos estruturais que permitem distinguir
entre si os vários sistemas económicos, como se processou a evolução que a história regista e que factores a
podem explicar.

Do Comunismo Primitivo ao Capitalismo


Vamos acompanhar a evolução das sociedades humanas, desde as comunidades primitivas até aos nossos
dias, numa tentativa de esclarecer o sentido dessa evolução, do comunismo primitivo ao esclavagismo, do
esclavagismo ao feudalismo e deste ao capitalismo, com o propósito de tornar claro:
1) Que a transição de um sistema para o outro é fruto de “um processo contínuo de transformação”;
2) Que cada sistema económico que a história regista é produto da evolução dialéctica que o precedeu;
3) Que há uma racionalidade na ordem cronológica da sucessão: o capitalismo não poderia ter precedido o
feudalismo, do mesmo modo que o feudalismo não poderia preceder o esclavagismo, já que foi a
evolução do esclavagismo que, evidenciando as suas contradições, abriu o caminho à ordem feudal e ao
modo de produção feudal, e foi a evolução do feudalismo que, perante a impossibilidade de manter a
servidão pessoal, criou as condições para o desenvolvimento das relações de produção capitalistas;
4) Que a evolução que se tem verificado de tal modo que “nenhum sistema conseguiu substituir
integralmente o anterior”, em termos tais que, em cada época histórica, o dizer-se que em determinado
país ou região se nos depara o sistema capitalista ou o sistema feudal, por exemplo, só pode significar que
aí são dominantes os elementos definidores essenciais do capitalismo ou do feudalismo, sendo certo que
a predominância dos elementos que informam um dado sistema não afasta a sobrevivência de elementos
de sistemas anteriores e a emergência de factores que prenunciam já um estádio superior de evolução.
Em cada época histórica em cada país ou região, modo de produção dominante é aquele cujas
relações de produção caracterizam e enquadram o desenvolvimento económico e social.

O comunismo primitivo
A qualidade de produtor distingue o homem dos outros animais, na medida em que só o homem é capaz
de fabricar instrumentos que utiliza na actividade de produção, actividade inteligente que visa colocar a natureza
ao serviço das suas necessidades e dos seus objectivos.
Durante séculos, as forças produtivas foram muito rudimentares e as condições materiais de vida muito
precárias, pois os frutos do trabalho do homem mal bastavam para garantir a sobrevivência diária. O homem
começou por utilizar as pedras e os paus para procurar os seus meios de subsistência; só mais tarde passou a
confeccionar instrumentos muito simples, com a ajuda dos quais caçava e colhia os alimentos de origem vegetal, a
tanto se resumindo a actividade económica, neste período em que o homem era simples colector.
Nesses primeiros tempos do processo de domínio e adaptação da natureza, os homens viviam e
trabalhavam juntos, em comunidades que caçavam em grupo e partilhavam em conjunto os resultados da caça.
Esta forma comunitária de vida explica-se, aliás, facilmente, se tivermos presente que os homens primitivos
precisavam de se unir e de actuar em grupo, quer para se defenderem dos animais selvagens quer para poderem
prover à sua alimentação, tarefas que tinham de levar a cabo com instrumentos mais rudimentares.
Não fazia sentido, então, falar-se de propriedade dos meios de produção, que eram utilizados, bem como
as terras, por toda a colectividade, para satisfazer as necessidades de todos. Não havia, portanto, diferenciação
social, nem divisão da sociedade em classes, nem exploração de uma classe de homens por outra. Nestas
sociedades primitivas, em que a organização colectiva e a disciplina do trabalho resultavam da força do costume,
do prestígio e do poder que gozavam certos elementos da comunidade, que não raras as vezes eram mulheres.
Não havia, por isso, necessidade de qualquer aparelho de coerção destinado a garantir a “exploração do homem
pelo homem”, o domínio de uma classe social sobre outra classe social. Não havia lugar para o estado enquanto
aparelho de poder.
No período colector, a única divisão do trabalho conhecida era a que se fazia em função do sexo: os
homens, mais virados para o fabrico de armas e para a caça; as mulheres, encarregadas da defesa das habitações e
da colheita e confecção de alimentos vegetais.
Entretanto, a lenta acumulação de invenções foi aumentando a produtividade do trabalho. A invenção do
arco e da flecha como instrumentos de caça vieram permitir maior regularidade e maior abundância no
abastecimento de géneros, reduzindo-se a importância da simples colheita de frutos, que passou a ser uma
actividade meramente suplementar das demais.
Assim se foram criando as condições para que as comunidades primitivas produzissem, além do
necessário à sobrevivência, um excedente. Assim se puderam constituir reservas de alimentos, reduzindo o risco da
ocorrência de períodos de fome. Assim foi possível uma divisão do trabalho mais avançada e o consequente
aumento da população. Este aumento da população abre, por sua vez, novas possibilidades de especialização e de
divisão do trabalho, ampliando a quantidade e a eficiência das forças produtivas à disposição da humanidade.
A existência de um excedente regular e permanente de alimentos foi a base material necessária para que
pudesse acontecer a grande revolução económica e social do período neolítico. Foi o início da agricultura, da
domesticação e da criação de animais, actividades que pressupõem necessariamente a existência de uma certa
reserva de alimentos.
Em primeiro lugar, porque é preciso dispor de alimentos para se lançarem à terra e de animais para criar
com vista à reprodução, ou seja, é preciso dispor de alimentos que possam não ser consumidos no presente com
vista à obtenção de maiores quantidades de alimentos no futuro.
Em segundo lugar, porque são necessários alimentos para a comunidade subsistir no intervalo de tempo
que medeia entre as sementeiras e as colheitas. Daí que estas formas de actividade produtiva só progressivamente
fossem sendo adoptadas pelos povos, primeiro como actividades secundárias, em relação à caça e à colheita de
frutos, mais tarde como actividades principais.
A existência de um excedente agrícola e a capacidade de produzir esse excedente de forma regular e
permanente permitiram ao homem do neolítico iniciar a prática da agricultura, da domesticação e da criação de
animais, potenciando deste modo a capacidade de produção dos alimentos e, por isso mesmo, lançando as bases
da civilização.
Se as comunidades humanas fossem obrigadas a consagrar todo o seu tempo à obtenção dos meios de
subsistência dos seus elementos, seria impossível o desenvolvimento de qualquer outra actividade, uma vez que
todo o tempo de todas as pessoas tinha de ser dedicado à obtenção dos alimentos necessários à subsistência. Sem
a possibilidade de dispor regularmente de um excedente agrícola não seria possível a nenhuma sociedade garantir
a subsistência das pessoas que não produzissem elas próprias os seus alimentos.
O desenvolvimento implica, com efeito, a criação de um excedente social, ou seja, exige que a sociedade
produza mais do que aquilo que necessita para estar em condições de renovar a produção em períodos seguintes.
Quando esse excedente atinge proporções consideráveis, há saltos no desenvolvimento. Foi o que aconteceu com
a passagem do comunismo primitivo para o esclavagismo; foi o que significou, mais tarde, a revolução industrial.
Em certas condições históricas, o crescimento do excedente pode não resultar directamente do aumento
da produtividade. Ela pode verificar-se porque se sujeitam as populações a esquemas de acentuada poupança
forçada, recorrendo a formas de trabalho escravo ou de trabalho forçado, a políticas deliberadas de inflação, de
salários baixos e de congelamento de salários, ao pedido de sacrifícios por razões patrióticas ou por razões
revolucionárias.
Regressando à revolução neolítica. Ela trouxe pela primeira vez ao homem a possibilidade de controlar a
produção dos seus meios de subsistência, ao mesmo tempo que veio abrir novas perspectivas de desenvolvimento
do artesanato profissional, com o consequente aperfeiçoamento dos instrumentos de produção, acarretando
profundas modificações no modo de vida e nas relações entre os homens.
Então surgiu uma grande diferenciação entre as tribos que continuaram uma vida nómada, vivendo
essencialmente da caça, e aquelas que adoptaram uma actividade económica que permitiu a sedentarização, ao
mesmo tempo que surgiu a primeira importante divisão social do trabalho entre as tribos que se dedicaram à
pastorícia e as que se dedicaram à cultura da terra.
Com a sedentarização, começaram as famílias a reservar normalmente as mesmas terras para a sua
agricultura, assim se generalizando a utilização particular das terras na pose de cada família, embora, durante
muito tempo, esta pose continuasse a ter como pressuposto a existência da comunidade e a propriedade colectiva
da terra.
Mas, se cada homem pode produzir, com o seu trabalho, mais que o necessário para a sua subsistência,
ganha sentido a exploração do homem pelo homem.
O modo de produção e a organização social próprios do comunismo primitivo deram lugar a um novo
modo de produção e a uma diferente organização social: o esclavagismo.

O esclavagismo
O esclavagismo, enquanto modo de produção, assenta na exploração do trabalho forçado da mão-de-obra
escrava: os senhores alimentam os seus escravos e apropriam-se do produto do trabalho destes.
Com esta divisão da sociedade em classes surge o estado como aparelho permanente de coerção e de
domínio: sem ele não teria sido possível obrigar a maioria dos membros da sociedade a trabalhar
sistematicamente em benefício da classe minoritária dos donos de escravos e titulares dos outros meios de
produção.
A exploração do trabalho escravo tornou possível a produção de grandes excedentes e de uma enorme
acumulação de riquezas, estando, assim, na base do desenvolvimento económico e cultural que a humanidade
então conheceu.
Nas civilizações esclavagistas, não era pela via do aperfeiçoamento dos métodos de produção que os
senhores de escravos procuravam aumentar a sua riqueza; e os escravos, sem qualquer interesse nos resultados
do seu trabalho, não se empenhavam na descoberta de técnicas mais produtivas.
O aumento da riqueza realizava-se mediante a conquista de novos territórios, capazes de fornecer
escravos em maior número e mais impostos ao fisco.

O feudalismo
Caracterização geral
Na sociedade feudal toda a vida social era marcada por um elemento comum, a subordinação de
indivíduo a indivíduo, a relação de dependência pessoal, a circunstância de cada um “ser o homem de outro
homem”. Esta relação de dependência pessoal caracterizava todo o tecido da sociedade feudal,
independentemente da natureza jurídica exacta do vínculo e sem distinção de classes: o conde era o “homem” do
rei, do mesmo que o servo era o “homem” do senhor da terra onde vivia e trabalhava.
As formas deste laço humano apresentavam, porém, algumas singularidades, conforme os níveis sociais
em que se verificavam. No grau inferior, as relações de dependência encontraram o seu enquadramento natural
no senhorio rural, que é, fundamentalmente, uma terra habitada e os seus súbditos. No âmbito do senhorio, o
vínculo de dependência pessoal tinha no aspecto económico o seu campo de iniciativa primordial: o objectivo do
senhor era, preponderantemente, o de obter rendimentos, através da apropriação dos frutos do trabalho gratuito
dos servos.
Utilizaremos a designação de feudalismo no sentido de modo de produção feudal ou sistema económico-
social feudal, no qual a actividade económica assenta na agricultura e o poder político é exercido directamente
pela classe dos proprietários de terra.
No início da Idade Média as terras, na Europa Ocidental, encontravam-se divididas em três partes:
1) As terras que o senhor reservava para si e que explorava utilizando o trabalho não pago dos
servos e colonos obrigados à corveia;
2) As terras que os senhores colocavam à disposição dos camponeses para eles cultivarem com
vista à satisfação das suas próprias necessidades;
3) As terras comunais, utilizáveis livremente pelos camponeses e pelo senhor, que forneciam
essencialmente lenha, madeira para as construções e pastos para os gados.
Os proprietários da terra controlam, portanto, o processo produtivo, na medida em que
dispõem do poder de decidir qual a porção de terra a atribuir aos produtores directos e do poder de revogar esta
atribuição, bem como o poder de exigir uma renda pelo uso da terra, e ainda outros poderes, como o de impor ou
proibir certas culturas ou de reservar para si o monopólio dos moinhos e dos lagares para a produção de azeite ou
de vinho. Aos servos cabia apenas o domínio útil das terras que cultivavam, de acordo com a decisão do respectivo
senhor (domínio directo).
Enquanto os colonos podem abandonar as terras para ir servir outros senhores, os servos encontram-se
hereditariamente ligados às terras do seu senhor, não podendo abandoná-las. Mas estes deveres de servidão têm
como contrapartida o direito dos servos de permanecer nas terras do senhor e de cultivar uma parcela delas, para
aí proverem à satisfação das suas necessidades.
Este “direito” hereditário das famílias servas constitui um limite ao direito de propriedade do senhor. Por
isso se diz que a propriedade feudal é uma propriedade imperfeita: os proprietários da raiz não podem expulsar os
servos das terras que eles habitam e que lhes garantem o sustento. A relação de servidão pessoal é, sem dúvida, a
característica fundamental do modo de produção feudal.
Os poderes inerentes à propriedade da terra garantem aos senhores feudais a organização e o controlo do
processo produtivo e de todo o processo da vida social. Mas esta realidade não apaga esta outra: os servos não
estão separados dos meios de produção, uma vez que têm garantido o usufruto de uma certa porção de terra,
situação que lhes permite viver do seu trabalho utilizando os instrumentos de produção que lhes pertencem: eles
estão em condições de conseguir, por si próprios, os meios materiais necessários à sua existência. O que significa
que eles não são economicamente obrigados a trabalhar nas terras do senhor. São as várias coerções extra-
económicas decorrentes do estatuto jurídico-político da servidão que os obrigam a trabalhar gratuitamente nas
terras do senhor, limitando a sua liberdade e a sua propriedade de tal forma que nem a sua força de trabalho nem
o produto do seu trabalho são ainda mercadorias, porque não podem ser por eles trocadas ou vendidas.
Neste sentido, pode dizer-se que as relações de produção são, no quadro do feudalismo, relações entre os
produtores directos e o seu suserano, verificando-se a exploração dos produtores através de uma compulsão
político-legal directa: a apropriação do trabalho excedente pelos senhores feudais efectua-se directamente, por
coerção extra-económica, sem a mediação das leis económicas de troca de mercadorias.
Nos tempos feudais, a propriedade da terra era a fonte do poder económico e era também a origem e o
fundamento do poder político. O poder político era um poder descentralizado e fragmentado, disperso por uma
pluralidade de titulares, dando a ideia do desaparecimento do estado. Mas o poder político existe, exercendo-se a
sua autoridade de pessoa para pessoa.
A natureza de classe do estado aparece, nestas condições, sem qualquer dúvida nem disfarce: o poder
político e a violência que ele representa são exercidos pela classe dominante para garantir a apropriação do
sobreproduto criado pelos trabalhadores servos e, em último termo, para defesa dos seus interesses de classe, que
exige a manutenção do estatuto de servidão e das relações de produção servis.
Durante uma grande parte da Idade Média a produção era essencialmente produção para uso e não para
venda. As trocas eram essencialmente trocas internas, trocas directas de produtos e serviços entre os produtores.
Daí que a agricultura fosse a actividade dominante da economia feudal. Daí que a economia feudal fosse uma
economia fechada, em que o domínio senhorial era unidade de produção e de consumo, produzindo-se no seu seio
tudo o que se consumia e consumindo-se tudo o que se produzia.
Por outro lado, o modo de produção feudal criou as condições propícias à estagnação da técnica, que se
manteve rudimentar e rotineira.
Na óptica da classe senhorial, os senhores não têm interesse em promover o desenvolvimento da
produção nas suas terras para além do limite resultante da sua própria capacidade de consumo. Em virtude da
quase inexistência de mercado, os bens tinham apenas valor de uso e a acumulação teria de ser acumulação de
valores de uso ou assumir formas “irracionais”, improdutivas, do ponto de vista da sua utilização para aumentar a
capacidade de produção. Daqui deriva a ausência de incentivo ao desenvolvimento das forças produtivas. Daqui
deriva também o móbil da actividade produtiva, imposto pelo senhor, consistisse na satisfação das necessidades
elementares de consumo do senhor do domínio, dos que viviam na sua roda e dos que trabalhavam as terras do
senhor.

A desagregação da sociedade feudal


O problema da passagem do feudalismo ao capitalismo é um problema controvertido, desde logo quanto
à sua questão de saber se deve ou não reconhecer-se autonomia ao que Sombart chamou sistema de economia
artesana e quanto à relevância a atribuir ao período do chamado capitalismo comercial.
Ao contrário de Sombart, Marx não reconhece como modo de produção autónomo a economia artesana,
isto é, a economia industrial que se desenvolveu nas cidades em sentido económico, como agregados
populacionais cujos habitantes vivem apenas do seu ofício, sem trabalharem a terra. Com efeito, a economia
artesana nunca teve, verdadeiramente, um carácter dominante. Por outro lado, a verdade é que as cidades se
integravam na estrutura hierárquica da sociedade medieval.
As novas actividades económicas desenvolvidas nas cidades e a partir delas exigiam uma liberdade de
movimentos incompatível com as “regras da vida” feudal. Por isso os habitantes das cidades começaram a lutar, a
partir do século XII, pela obtenção de direitos e privilégios, contra a oposição dos senhores.
Os privilégios das cidades eram privilégios territoriais e eram de natureza idêntica aos que os senhores
feudais já tinham nas relações com o suserano, nos vários níveis da escala social. As cidades foram os primeiros
entes colectivos a adquirir o estatuto de sujeitos políticos dotados de um “estatuto jurídico-político diferenciado”.
Por outro lado, esta “revolução comunal”, apesar da importância adquirida pelas cidades, não foi
suficiente para alterar o modo de produção e as relações de produção nos campos, que permaneceram intocados.
Mas não se pode negar a importância do desenvolvimento da indústria urbana como elemento de
desagregação da ordem feudal: a liberdade das cidades atraía as populações camponesas e o território livre dentro
de muralhas oferecia refúgio seguro aos que fugiam dos campos.

Produção para uso/Produção para troca


A evolução do feudalismo veio traduzir-se na ocorrência de conflitos e dificuldades de vária ordem que
acabariam por minar as relações de servidão que constituíam a base da sobrevivência de toda a estrutura feudal. E
da interacção destes conflitos internos com factores externos ao sistema mas que condicionam o seu
desenvolvimento é que resultou o lento processo de desagregação ao feudalismo. Afasta-se assim a explicação
simplista e mecanista do declínio da sociedade feudal exclusivamente a partir daquelas contradições internas ou
exclusivamente como consequência da acção dos referidos factores externos.
Na verdade, não parece que seja correcta a tese dos autores que pretendem que a decadência do
feudalismo se deve ao facto de o comércio, acarretando o desenvolvimento das cidades e da economia urbana, ter
originado o aparecimento de um sistema de produção para troca que, entrando em conflito com o sistema de
produção para uso, terá causado a dissolução desta, uma vez que “produção de mercadorias e feudalismo são
conceitos que mutuamente se excluem”.
A nosso ver, a busca do que há de essencial num sistema não deve fazer-se ao nível das relações de troca
mas ao nível das relações de produção. O que importa averiguar, perante uma dada economia, não é a questão de
saber se nela se verifica a produção de mercadorias e se a moeda é utilizada, mas antes a questão de saber como
são produzidas as mercadorias e qual a função que a moeda desempenha.
Vem de muito longe, com efeito, o uso da moeda, mas só em certas circunstâncias históricas a moeda
passou a funcionar como capital. Por outro lado, a troca de mercadorias é compatível com a escravatura, com a
servidão, com o trabalho livre de trabalhadores independentes, com o trabalho assalariado.
Em síntese: o que caracteriza o feudalismo são as relações de produção de tipo servil, segundo as quais os
produtores imediatos se encontram ligados à terra que trabalham e da qual extraem os seus meios de subsistência
e se encontram obrigados a entregar aos senhores o sobreproduto que lhe garante a existência como classe
dominante. O feudalismo parece, pois, indissociável da servidão.

As contradições internas: a fuga dos servos


O que fez ruir o feudalismo foi a sua ineficiência como modo de produção, perante as necessidades
crescentes de rendimento por parte das classes senhoriais. A produtividade do trabalho era baixa e era miserável
a condição de vida dos trabalhadores camponeses. Como os senhores feudais viviam do sobreproduto que
cobravam da classe servil, o único modo de aqueles aumentarem os seu proventos era o do aumento do trabalho
excedente exigido dos servos. O teor de vida destes, porém, era já tão baixo de qualquer exigência suplementar os
colocava numa situação intolerável.
Ora a luta pelo domínio da terra provocava guerras frequentes entre os senhores feudais, de tal modo
que a guerra e o banditismo que lhe andava inerente foram uma característica marcante da Idade Média. Ao
mesmo tempo que a pilhagem e a destruição arruinavam os camponeses pobre e produziam a morte de muitos
deles, as exigências militares aumentavam as despesas dos senhores feudais, que por isso careciam de maiores
rendimentos.
Por outro lado, a necessidade de fortalecer o poderio militar dos grandes senhores levou à prática
corrente do sub-enfeudamento, que aumentou muito o número de vassalos, sobretudo na Europa Continental.
Assim aumentavam o número dos que não participavam na produção e tinham de ser sustentadas pelo
sobreproduto exigido à classe servil, dizimada e empobrecida pelas guerras.
Acresce que as Cruzadas constituíram uma “empresa” que exigiu grande dispêndio de rendas feudais e
desviou muita gente do trabalho dos campos, embora viessem a trazer riquezas importantes à Europa, fruto da
violência sobre as populações árabes, vítimas do saque e da pilhagem das suas cidades.
Estes foram alguns dos factores que contribuíram para acentuar as exigências feitas aos servos, cuja
situação se agravou para o final do século XIII. Esse agravamento não será alheio, aliás, à diminuição da população
que por essa altura se verificou, provocando a retracção das rendas feudais e abrindo a situação de crise aguda
que caracterizou a economia feudal do século XIV, crise acentuada pela ocorrência de pestes particularmente
destruidoras em virtude da subnutrição das populações camponesas e da carência de reservas alimentares.
A própria crise levou os senhores a agravar as exigências sobre as massas camponesas, obrigadas também
a pagar impostos aos novos estados modernos que então procuravam organizar-se. Incapazes de arcar com a
carga destas duas fiscalidades, por impossibilidade de desenvolvimento das forças produtivas, os camponeses
promoveram, em várias regiões da Europa, revoltas mais ou menos violentas.
Este movimento de fuga dos servos marca o início do processo que havia de subtrair ao modo de
produção feudal o elemento indispensável à sua sobrevivência: os trabalhos servis.
O declínio do feudalismo na Europa Ocidental deveu-se à incapacidade da classe senhorial dominante
conservar o controlo sobre a força de trabalho servil.

Factores externos: a expansão do comércio e o desenvolvimento das cidades


É claro que nesta “fuga aos campos” as cidades exerceram a função relativamente importante de centros
de atracção das populações servis desejosas de abandonar os domínios senhoriais e as suas penosas condições de
vida. Na verdade, este movimento de fuga dos servos decorre paralelamente ao desenvolvimento das cidades
medievais, por volta dos séculos XII e XIII. Por um lado, as cidades ofereciam melhores condições de vida e
ofereciam, sobretudo, liberdade. Por outro lado, os próprios burgueses que nelas habitavam, necessitando de mais
trabalhadores e de mais soldados, actuaram no sentido de incitar os servos a abandonar as terras senhoriais.
O aumento da população que se verificou nos países da Europa até ao século XIII é índice de que a
produtividade do trabalho agrícola ia aumentando também.
Como Marx sublinha, por alturas do início da “era capitalista” associada à revolução comercial do século
XVI, “a abolição da servidão era um facto consumado desde há muito, e o regime das cidades soberanas, glória da
idade média, estava já em plena decadência”. E sem dúvida que para o advento do capitalismo foi essencial “a
libertação dos trabalhadores da servidão e da coacção das corporações”.
No entanto, o factor que verdadeiramente abriu caminho à nova classe capitalista que haveria de liderar o
processo de afirmação do modo de produção capitalista foi “o esbulho das grandes massas camponesas dos seus
meios de produção e de existência tradicionais, oferecidos pela antiga ordem das coisas”. Foi esta expropriação
dos camponeses que os lançou no mercado de trabalho.

Síntese
A fuga dos servos não significou apenas mudança na condição dos que partiam, acelerou também o fim da
condição servil dos que ficavam nos domínios. Sob a pressão das dificuldades, o senhores foram obrigados a
conceder maior liberdade aos servos e a transformar em rendas em dinheiro as prestações de trabalho directo e as
rendas em espécie.
Com a maior liberdade, vinha também a separação dos produtores directos dos meios de produção. Os
servos, ao ganharem o direito de deixar as terras do seu senhor, perdiam, ao mesmo tempo, o direito de nelas
permanecer, começando assim a alterar-se a forma social de existência e de reprodução da força de trabalho típica
do feudalismo. Tendo agora perante si homens livres não adstritos à terra, os senhores começaram a poder dispor
desta última, recorrendo a contratos de arrendamento de duração relativamente curta, o que lhes permitia
aumentar a respectiva renda.
A renda em dinheiro continua a ser uma renda feudal, ou seja, o trabalho excedente é obrigatoriamente
entregue ao senhor, agora sob a forma de dinheiro obtido pela venda do produto excedente. Por outro lado,
conhecida que era a pouca produtividade do trabalho obrigatório prestado ao senhor, em comparação com o
trabalho efectuado pelos servos nas terras cujo domínio útil lhes era confinado, o sistema da renda em dinheiro
permitiu aos senhores beneficiar da maior produtividade do trabalho não compulsório, através do aumento das
rendas no momento da renovação dos contratos de arrendamento.
O pagamento das rendas em dinheiro trouxe consigo, porém, a necessidade de os camponeses venderem
os seus produtos no mercado, assim entrando a economia fechada dos domínios rurais na roda das relações de
comércio. A produção agrícola para uso começa a dar lugar a uma produção para venda. E o desenvolvimento do
comércio, melhorando as possibilidades de venda dos produtos agrícolas nos mercados locais, provocou um
processo de diferenciação social entre os pequenos produtores.
A exploração agrícola assente no trabalho servil foi substituída pela exploração feita pelo rendeiro, que
progressivamente iria recorrendo ao trabalho assalariado dos seus vizinhos mais pobres.
O desenvolvimento do comércio e das actividades artesanais nas cidades teve ainda a consequência de
trazer consigo uma quantidade e variedade cada vez maior de bens, despertando nas classes dominantes o desejo
de os adquirir.
O pagamento das rendas em dinheiro, para além de ter permitido o aumento das rendas, tornou mais
fácil o acesso ao mercado e a realização de grandes despesas em consumos sumptuários e improdutivos, que não
poderiam ter tido outra consequência que não fosse o empobrecimento da classe dos produtores e, porventura, a
acumulação de valores de uso, perfeitamente inúteis do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas.
O agravamento das suas condições internas estimulou a fuga dos servos. Esta conduziu, por um lado, ao
desaparecimento da servidão, forma específica de relações sociais que assegurava a manutenção do feudalismo
como modo de produção e dos senhores feudais como classe dominante nas condições do feudalismo. E conduziu,
por outro lado, à separação dos produtores da terra a que estavam ligados, criando deste modo o embrião de uma
classe de trabalhadores livres, que não têm outro meio de prover à própria subsistência que não seja a venda da
sua força de trabalho.
Por outra via, o desenvolvimento do comércio e a expansão e consolidação das cidades, além de
agravarem os conflitos internos da sociedade feudal, permitiram a acumulação de capitais que mais tarde seriam
aplicados na produção, mediante a contratação de trabalhadores assalariados. Quando isto se verifica, estamos
perante um novo tipo de relações de produção, as relações de produção própria do modo de produção capitalista.
Factores vários geraram no século XV um poderoso surto de progresso científico e de invenções
tecnológicas, pondo em marcha o processo que havia de levar a indústria ao primeiro plano das actividades
produtivas, deixando para trás a economia de base rural.

A transição para o capitalismo


A acumulação primitiva de capital
Adam Smith explicou, com base nas qualidades dos homens, a acumulação do capital serviu de base ao
arranque do capitalismo. À partida, todos têm o mesmo “direito” de enriquecer. Mas a verdade é que uns são
trabalhadores, frugais e inteligentes, enquanto outros são indolentes, perdulários e incapazes de gerir bem o
dinheiro que ganham. Assim se explicaria que uns tivessem ficado ricos e outros pobres.
É necessário recorrer à história para tentar explicar como se concretizaram as duas condições que
tornaram possíveis as relações de produção capitalista:
1) Por um lado, a acumulação de capitais na mãos de uma nova classe social;
2) Por outro lado, a separação dos produtores dos meios de produção e a emergência de
uma nova classe social de trabalhadores livres.

 Factores que contribuíram o enriquecimento da burguesia:


 Cruzadas
Foi com as cruzadas que se restabeleceram as relações entre o Ocidente e o Próximo Oriente
Desenvolvendo-se intenso tráfego comercial. Deste comércio de produtos de luxo provieram grandes lucros, de
que aproveitaram sobretudo os mercadores italianos e flamengos, que dominaram a vida económica europeia até
ao século XV. E foram os lucros deste comércio internacional de bens apenas ao alcance das classes dominantes
que propiciaram a primeira grande acumulação de capitais na Europa, capitais que fizeram a fortuna de uma nova
classe de comerciantes que assim se apropriava de uma parte do sobreproduto agrícola que os camponeses
entregavam à classe dominante dos senhores feudais.
 O capital usuário e a especulação
Foi sobretudo a partir dos séculos XIV e XV que esta acumulação primitiva de capital se
acentuou e, com ela, o enriquecimento e o poderio de açambarcadores, usuários, comerciantes, especuladores e
banqueiros. A acumulação de dinheiro provinha então do empréstimo a juros elevados aos camponeses pobres e
aos grandes senhores da nobreza.
Provinha da especulação com os preços dos produtos, perante os frequentes períodos de penúria. Nestas
alturas, os açambarcadores vendiam os cereais e os produtos alimentares acumulados a quem mais desse, a
preços elevadíssimos.
Lá para finais do século XV e século XVI, da especulação comercial propiciada pelo tráfego que se
estabeleceu com o Extremo Oriente e com a América. Os pequenos conquistadores e colonos pagavam somas
fabulosas em ouro e prata, em troca do azeite, do vinho e dos panos idos da Europa.
Os comerciantes e banqueiros não se comportavam antagonicamente em relação à nobreza, em vários
países, uma aproximação notória e estratégica entre a nobreza e a nova burguesia comercial.

 As viagens atlânticas dos portugueses e espanhóis. O comércio mundial. O


capital mercantil. A primeira onda de globalização.
As viagens atlânticas dos povos peninsulares, ao mesmo tempo que tornaram conhecidas novas terras e
novas gentes, abriram novos mercados para os produtos explorados pela Europa e trouxeram novos produtos para
a Europa. Criou-se um mercado mundial, que proporcionou ao comércio mundial fabulosas oportunidades de
lucro, transformando-o numa actividade próspera, rapidamente monopolizada por grandes sociedades por acções
então constituídas.

 A exploração colonial e a “revolução dos preços”


Como consequência imediata das viagens e das conquistas de portugueses e espanhóis, afluem
à Europa tesouros fabulosos. Grande parte dessas riquezas imensas foi gasta em despesas sumptuárias e em
aventuras militares, mas acabou por cair nas mãos dos grandes mercadores e banqueiros da época, que desde
cedo se tornaram poderosos intermediários dos negócios coloniais.
Além de utilizarem mão-de-obra escrava, as potências colonizadoras impuseram aos povos indígenas das
colónias pesados tributos, pagáveis em dinheiro, que apenas poderiam obter se trabalhassem para os
colonizadores.
A dureza das condições de trabalho impostas aos povos colonizados foi de tal ordem que populações
inteiras foram dizimadas e outras, destruídas as bases da sua civilização, foram forçadas a render-se. Era muito
baixo, nestas condições, o custo de produção do ouro e da prata, que afluíram à Europa, ao longo do século XVI,
em grande quantidade. Esta diminuição do poder de compra da moeda, paralelamente à acumulação de capitais
que propiciou, está, sem dúvida, na base da profunda crise social que abalou a Europa de então.

Síntese
O processo que tínhamos surpreendido no início da desagregação do feudalismo continuou o seu curso,
proporcionando a concretização das duas condições sem as quais não teria sido possível a emergência das relações
de produção capitalistas:
a) Por um lado, verificou-se uma grande acumulação de capitais por parte da nova
burguesia comercial;
b) Por outro lado, a rotura do vínculo de servidão pessoal deu origem a uma nova
classe de trabalhadores livres, sujeitos de direito, com capacidade para contratar, com capacidade para contratar,
com capacidade para comprar e vender. Estes trabalhadores livre constituíram grandes reservas de mão-de-obra
disponível para ser contratada em regime de salariato, uma vez que não dispunham de outro meio de subsistência.
A essência das relações de produção capitalistas reside na “separação radical do produtores relativamente
aos meios de produção”, e foi este, precisamente, o papel histórico do processo de acumulação primitiva do
capital: “separar o trabalho das suas condições exteriores”.
Só que “a acumulação primitiva do capital provoca a sua própria destruição”. Numa primeira fase, a
subida dos preços, o aumento dos impostos reais, os empréstimos vultuosos a que recorriam os reis e os grandes
senhores da nobreza, asseguraram ganhos fartos a usuários e especuladores. Depois, as perspectivas de
acumulação por via da usura esgotaram-se: quando o dinheiro circula em abundância é mais difícil exigir juros
elevados. Por fim, a realidade do mercado mundial saído da descoberta das rotas atlânticas reduziu as ocasiões de
grande especulação comercial: as taxas médias de juro e de lucro tendem a igualar-se e a diminuir.
Torna-se necessário encontrar novas vias de reprodução do capital, o que só virá a alcançar-se quando a
nova classe burguesa assegurar, a par do controlo da produção, o controlo do poder político.

A Revolução Francesa
O seu carácter exemplar como revolução burguesa
A Grande Revolução Francesa apresenta um carácter exemplar que explica a sua universalidade e a
distingue do jogo de compromissos que levaram a burguesia a partilhar o poder, em outros países.
No entanto, mesmo no caso da Revolução Francesa, a tomada das estruturas do poder político
representou apenas a conquista pela burguesia da única esfera do poder que ainda lhe escapava. Na verdade, a
burguesia era já a força económica dominante, era a classe mais rica e mais culta, as relações capitalistas e a
ideologia burguesa já eram dominantes no seio das sociedades feudais em profunda desagregação.
Diversa era a situação na França no Ancien Régime:
1) O desenvolvimento do comércio e da indústria artesana, a partir dos séculos X e XI,
Conferiram importância à riqueza mobiliária e esta veio promover socialmente a burguesia, que no século XIV seria
admitida por Estados Gerais. Em 1789, a burguesia era, em grande parte, constituída por grandes comerciantes
estabelecidos sobretudo nas cidades portuárias, pelos banqueiros e financeiros e pela elite culta dos membros das
profissões liberais. Menos importante era a burguesia industrial, num país onde a indústria principal era a indústria
têxtil e onde as modernas técnicas de produção nas minas e na metalurgia davam apenas os primeiros passos.
2) A propriedade das melhores terras encontrava-se fortemente concentrada nas mãos
da pequena minoria do clero e da nobreza, cabendo apenas 35% das terras aos 22 ou 23 milhões de camponeses
que viviam em condições particularmente duras, obrigados a pagar rendas em dinheiro e em géneros e a pagar
pela utilização dos fornos, moinhos e lagares, que permaneciam monopólio dos senhores.
3) A miséria desta grande massa de pessoas agravou-se ainda pelo aumento da
população que marcou o século XVIII francês e pela acentuada subida do custo de vida que então se verificou e
que provocou uma baixa de 25% no poder de compra das camadas populares.
4) Por sua vez, a nobreza, perante a crise que afectou a agricultura francesa durante toda
a década de 70 do século XVIII e perante a subida do custo de vida, aumentou as suas exigências junto dos
camponeses, muitos dos quais, arruinados e miseráveis, abandonaram os campos, constituindo grandes grupos de
vagabundos, que frequentemente se revoltaram, incendiando e saqueando os castelos senhoriais e executando
mesmo, em alguns casos, os senhores dos respectivos domínios.
5) Ao mesmo tempo, nas vésperas da Revolução de 1789, a burguesia dominava a
finança, o comércio e a indústria, fornecendo ao estado os quadros administrativos e os recursos financeiros de
que este carecia.
6) Entretanto, o comércio tinha-se desenvolvido, ocupando o comércio com as colónias
uma posição importante.
7) A indústria francesa adquiria também um certo relevo. Em 1785, os produtos
Industriais representavam metade do valor das exportações francesas. Nas vésperas da Revolução, Paris tinha mais
de 500 mil habitantes, dos quais cerca de 20% seriam operários assalariados.
8) Contudo, o sistema das corporações medievais mantinha-se de pé, com as suas
tradições conservadoras e técnicas rotineiras. Apesar do razoável desenvolvimento das manufacturas, estas eram
em geral de pequena dimensão e nelas predominava o trabalho manual. O tipo de organização mais corrente era
ainda o da indústria assalariada no domicilio, com centros de produção dispersos, utilizando trabalhadores que
muitas vezes não estavam ainda totalmente separados dos seus instrumentos de produção e que frequentemente
conservavam a posse de uma pequena porção de terra, situação que não tornava possível ao capitalista exercer
um controlo directo sobre a produção nem impor aos trabalhadores a sua própria disciplina.
Em conclusão. Com o desenvolvimento do comércio e da indústria, a agricultura tinha perdido
importância como fonte de riqueza e de poderio económico, que agora eram apanágio, não da nobreza rural, mas
da burguesia comerciante e industrial. A nobreza e o clero ocupavam o aparelho de estado e mantiveram até mais
tarde os seus privilégios, resistindo a todas as tentativas de os diminuir.
Durante muito tempo, a grande aspiração da burguesia francesa consistiu em alcançar um título de
nobreza, aspiração que, a partir do século VXI, muitos dos seus membros conseguiram concretizar, adquirindo os
cargos públicos que a monarquia vendia, atribuindo-lhes privilégios corporativos ou títulos de nobreza pessoais ou
hereditários.
Enquanto a nobreza feudal invocava os seus direitos históricos para reclamar, perante o absolutismo
monárquico, maior dose de poder e de liberdade, a fim de aumentar e consolidar os seus privilégios feudais, a
burguesia culta do século XVIII, inspirada na filosofia de John Locke, invocava a razão e o direito natural para
reclamar a abolição dos privilégios e a igualdade de direitos.
Perante a obstinada resistência das classes privilegiadas a qualquer compromisso que admitisse a
burguesia como sua associada no poder, à burguesia só restava, para sair vitoriosa, a aliança com as camadas
populares, predominantemente camponesas, unidas na sua miséria e no seu ódio à feudalidade.
Pois foi contra os privilégios da nobreza e do clero que se fez a revolução Francesa, esse “oceano
popular”, fruto do descontentamento da burguesia rica e culta e da revolta das camadas populares, obra do
Terceiro Estado, à frente do qual se colocou a burguesia revolucionária, a única classe que então estava em
condições de dirigir a luta contra a ordem feudal.
Anti-feudal, a Grande Revolução Francesa é, porém, essencialmente, uma revolução burguesa, levada a
efeito sob a liderança da burguesia revolucionária, um momento importante no longo processo que permitiu à
nova burguesia abolir os privilégios das antigas classes feudais, ocupar o poder e realizar, através do controlo do
poder de estado, as mudanças institucionais capazes de assegurar as condições favoráveis ao livre
desenvolvimento do capitalismo.
Na transição do feudalismo para o capitalismo, e comparadas com as demais revoluções burguesas dos
séculos XVIII e XIX, a Revolução Francesa representa a via realmente revolucionária, centrada no terreno
abertamente político da luta pela tomada do poder, luta que se arrastou até à derrota de um dos contendores e à
vitória do outro, que destruiu a base económica do poder dos senhores feudais e liquidou fisicamente uma boa
parte dos membros da velha classe dominante.
A revolução destruiu a propriedade feudal sobre a terra e libertou os camponeses de todas as sujeições,
abrindo o caminho da liberdade aos pequenos produtores e criando as condições para a divisão das massas
camponesas em proprietários capitalistas e trabalhadores assalariados. A liberdade pessoal é, com efeito, condição
do salariato. Só quando os trabalhadores adquiriram o estatuto de homens livre ficaram em condições de poder
contratar, podendo então vender a sua força de trabalho. A emergência de trabalhadores livres permitiu o
aparecimento da força de trabalho como mercadoria autónoma.
A Revolução Francesa foi favorável ao desenvolvimento de novas relações sociais de tipo capitalista.

Do Capitalismo de Concorrência ao Capitalismo Monopolista de


Estado
Capitalismo de concorrência
A economia, esfera de acção exclusiva dos particulares
A expressão capitalismo de concorrência costuma utilizar-se para referir a realidade económica
característica dos países onde, nos fins do século XVIII ou durante o século XIX, se verificou a revolução industrial.
Como características desse período do capitalismo, podemos referir:
a) Existência de um grande número de pequenas empresas, muitas vezes empresas
individuais ou familiares, gozando os empresários de absoluta liberdade de iniciativa com vista à obtenção do
máximo lucro tendo em conta o preço formado no mercado;
b) Livre concorrência entre empresas, pois, sendo pequenas, nenhuma delas poderia exercer
Influência sensível sobre a oferta e, sendo muito numerosas em cada indústria, não tinham possibilidade de
estabelecer acordos entre elas com vista ao controlo dos preços e do mercado; por outro lado, nenhuma das
empresas estava em condições de conquistar e conservar uma clientela própria e mais ou menos segura, porque
os bens produzidos e vendidos no mercado são homogéneos e porque se considera existir plena transparência no
mercado;
c) As condições em que essa concorrência se desenrolava faziam com que o mercado se
Apresentasse como um mecanismo por meio do qual os consumidores orientam a produção, de modo que se
produzem precisamente aqueles bens, daquela qualidade e naquela quantidade que corresponde à procura que
eles efectivamente fazem.
O consumidor era, pois, considerado o último detentor do poder económico: esta a essência da chamada
soberania do consumidor. O mercado era tido como o instrumento automático de controlo e direcção da
economia. Como as empresas eram pequenas, os capitais necessários para abrir uma nova fábrica não eram muito
avultados e como o mercado era aberto, sempre apareceriam novas empresas no mercado enquanto a indústria
fosse atractiva para os investidores em busca do lucro. O aumento do número de empresas provocava aumento
oferta e este conduzia à diminuição dos preços do mercado, eliminando os ineficientes e obrigando as empresas
que quisessem manter-se e aumentar os seus lucros a um permanente esforço de inovação técnica.
Assim, nas condições da concorrência perfeita, o mercado e o mecanismo dos preços eram tidos como os
garantes da eficiência social do sistema. O mecanismo dos preços forneceria aos agentes económicos a informação
necessária para que eles pudessem decidir racionalmente, e o respeito pelos princípios do cálculo económico
garantiria que as empresas que permanecem no mercado produziriam a maior preço possível, proporcionando o
grau máximo de satisfação das necessidades dos consumidores. Só o comportamento errado ou o desequilíbrio
das pessoas, não as deficiências do sistema económico, podem explicar os desequilíbrios, os desvarios ou as crises
do capitalismo.
d) A economia funcionaria por si, segundo as suas próprias leis, à margem da política. A
economia é a esfera de acção dos particulares, uma esfera da vida inteiramente separada da política, do estado.
Cada indivíduo actua com vista à realização do seu próprio interesse; mas, se assim fizer, “cada indivíduo
é guiado por uma mão invisível, a atingir um objectivo que ele não tinha de modo algum visado. Prosseguindo o
seu interesse particular, cada indivíduo serve o interesse social mais eficazmente do que se tivesse realmente o
objectivo de o servir”. Qualquer intervenção estranha só poderia ser fonte de perturbação e de desperdício.

O estado enquanto pura instância política, separada da economia


De acordo com o liberalismo, a economia funciona por si, segundo as suas próprias leis, à margem da
política: a economia é a esfera de acção dos particulares, inteiramente separada da política, do estado.
Assim se justifica a concepção liberal de rigorosa separação entre estado e a economia, entre economia e
a política. Só esta última diria respeito ao estado, cabendo aos cidadãos, em último termo, o poder político. A
esfera económica diria respeito apenas à esfera privada dos indivíduos, enquanto produtores/vendedores e
consumidores/compradores.
Assim se justifica a ideia de que o direito deve parar à porta das fábricas. O estado foi, por isso, remetido
para a posição de simples estado guarda-nocturno, apenas lhe cabendo intervir para garantir a defesa da ordem
social, para assegurar a cada um o pleno exercício da liberdade individual e para criar e manter certas instituições e
serviços públicos necessários à vida em sociedade e que o simples jogo dos interesses individuais não realizaria. O
estado deveria, pois, manter-se dentro dos limites do estado mínimo, intervindo o menos possível na economia e
reduzindo ao essencial o seu aparelho administrativo, para assim reduzir ao máximo as suas despesas e poder
cobrar a título de imposto aos seus cidadãos apenas o mínimo indispensável, na proporção dos haveres de cada
um.
A história ensina que a liberdade burguesa, utilizada no século XVIII como arma na luta contra os
privilégios feudais, se transformou, no século XIX, numa arma da ditadura da burguesia contra as reivindicações
operárias.
O que se passava nesses primeiros tempos do capitalismo era que a estrutura social apresentava, do lado
da burguesia, uma multidão de pequenos empresários, com fraca e igual capacidade de pressão. Por isso não havia
necessidade de o estado intervir a regular os conflitos de interesse entre o empresariado, que assegurava por si só
um certo equilíbrio de forças. O estado-polícia-sinaleiro não tinha que intervir de forma sistemática a regular o
trânsito; bastava que interviesse esporadicamente quando algum acidente mais grave o justificasse. O estado
podia manter-se neutro, limitando-se a defender a ordem capitalista, os interesses de classe da burguesia como
um todo, dos ataques do “inimigo interno”. A confiança nas virtudes do livre jogo das forças do mercado justificava
a separação estado/economia e a afirmação da neutralidade do estado no quadro da democracia liberal burguesa.

O estado de direito liberal


Esclarecido o significado e o alcance das representações liberais do estado e do direito, que reduziam o
estado ao papel de defensor da ordem, cometendo ao direito a função de sancionar as relações sociais decorrentes
do exercício da liberdade individual, podemos agora enunciar os três princípios essenciais sobre os quais assenta o
conceito de estado de direito:
1) O princípio democrático, que, por oposição ao princípio monárquico do estado absolutista,
pressupõe a soberania popular;
2) O princípio liberal, implicando a ideia da separação entre o estado e a sociedade;
3) O princípio do direito, que implica a sujeição do estado ao direito, ou seja, às leis aprovadas no
parlamento.
Daqui decorre o estatuto constitucional dos direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade
e a propriedade, sendo que a liberdade é entendida como a liberdade de adquirir e possuir sem entraves, a
liberdade do indivíduo enquanto agente económico, enquanto sujeito (privado) da economia.
Daqueles princípios decorre também a reserva da lei, a legalidade da administração, a separação dos
poderes. Os parlamentos dominados pela burguesia faziam as leis que o estado se limitava a executar.
Estas leis respeitariam também a ordem natural da economia privada, mantendo o estado e o direito
separados da economia, para que a economia, baseada na propriedade burguesa e nas relações de produção a ela
associadas, se pudesse desenvolver imune às interferências externas, assim se garantindo a “perenidade” da
ordem social das revoluções burguesas, pondo-se fim à história, conclusão inevitável perante o pressuposto de
que são leis naturais que regem a economia e de que o homem e as sociedades em que se inserem fazem parte da
natureza e estão sujeitos às mesmas leis naturais.
Em certo sentido, talvez possamos afirmar que, mesmo no período do chamado capitalismo liberal, o
direito nunca deixou de regular o mercado e a economia. O papel do direito na ordem jurídica burguesa foi
exactamente, desde o início, o de definir as regras do jogo, garantindo a segurança, a previsibilidade, a
calculabilidade e a racionalidade no trânsito dos interesses económicos privados.
As leis gerais aprovadas pelos parlamentos garantiam o cumprimento das obrigações assumidas através
de contratos livremente celebrados entre pessoas livres e iguais em direitos, gerando o clima de confiança
indispensável a uma ordem económica assenta na liberdade individual e na propriedade privada.
Este governo através das leis serviu também o objectivo ideológico de encobrir a natureza de classe do
novo estado burguês: este não governava por meio de actos individuais que visassem proteger os interesses de
determinados indivíduos ou grupos sociais, mas através de leis gerais não retroactivas, aplicadas a todos por igual.
O estado de direito foi a bandeira da burguesia na luta contra o estado aristocrático-absolutista, foi um
instrumento de que, em dado momento histórico, a burguesia revolucionária se serviu para conseguir o controlo
do poder político, afastando da esfera do poder as velhas classes dominantes do feudalismo. Mas ele foi também
um instrumento da ditadura da burguesia, empenhada, agora, em consolidar e perpetuar a sua posição de classe
dominante, numa sociedade em que novas relações sociais de produção assentam numa nova estrutura de classes,
a burguesia capitalista e os trabalhadores assalariados, o capital e o trabalho.

O capitalismo monopolista
No último quartel do século XIX, começa a ser notório o fenómeno da concentração capitalista e à
consequente monopolização da economia, que marca uma nova fase do capitalismo, o capitalismo monopolista,
que se prolongará até à Primeira Guerra Mundial.
A expressão capitalismo monopolista e o significado que em geral se lhe associa são originários da teoria
económica marxista. Esta nova fase do capitalismo assinala uma alteração nas estruturas económicas do sistema,
agora caracterizadas pelo domínio de um pequeno número de grandes empresas, à volta das quais, em posição de
subordinação, vai crescendo um grande número de pequenas empresas sem qualquer capacidade de influenciar o
mercado, substituído pela “mão invisível” das “empresas monopolistas”.
Ao falarmos aqui de monopólio ou de concentração monopolista não queremos significar que os sectores
onde a concentração se verifica venham necessariamente a ficar confiados a uma única empresa. Pretendemos
qualificar as situações em que estão em condições de impor os seus preços aos consumidores, em termos tais que
o mercado deixa de ser o instrumento de orientação e de controlo das empresas para passar a ser dirigido por
elas. As “empresas monopolistas”, exactamente por serem muito grandes, nem sequer terão que recear que a sua
situação se altere em virtude do aparecimento de eventuais novas concorrentes: a existência de situações
monopolistas significa, desde logo, que os de fora não têm liberdade de (ou têm muita dificuldade em) entrar na
indústria.
Estas grandes empresas, além de virem acentuar o carácter social do processo produtivo, vêm também
conferir carácter social à propriedade dos meios de produção.
Com efeito, as novas técnicas implicam a utilização de equipamentos muito caros e as grandes empresas
exigem investimentos que envolvem somas elevadíssimas, fora do alcance de um único indivíduo, o que obriga à
reunião de capitais de várias pessoas. Esta exigência está na base da enorme expansão que de então para cá têm
conhecido as sociedade por acções, especialmente aptas para mobilizar capitais tanto de grandes como de
pequenos aforradores. As empresas individuais dão lugar à sociedade. E a sociedade por acções é a sociedade
comercial capitalista por excelência. O capital deixa de estar individualmente apropriado para passar a ser objecto
de propriedade social, corporativa.

A concentração capitalista
Que factores poderão explicar o processo de concentração que se verificou a partir dos anos 70 do
século XIX?
a) A concentração é, pode dizer-se, a consequência directa da concorrência. Esta
centra-se na busca incessante de novas condições de produção, capazes de permitir custos de produção mais
baixos, única maneira de poderem aumentar os seus lucros as pequenas empresas impossibilitadas de exercer
qualquer acção relevante sobre as condições globais do mercado ou directamente sobre os preços. Exactamente
por isso, a concorrência era incompatível com a ineficiência, e as empresas que não acompanhassem os progressos
técnicos estavam condenadas a desaparecer, fechando as portas ou sendo absorvidas por outras, que iam
engrandecendo progressivamente, assim ganhando, por força do seu próprio crescimento, mais amplas
possibilidades de desenvolvimento da sua capacidade de produção e do seu poderio, num processo de efeitos
cumulativos, as leis próprias do modo de produção capitalista conduzem, pois, à concentração do capital.
b) O progresso técnico aparece como pano de fundo no qual se enquadra o
fenómeno da concentração capitalista. As novas tecnologias, não rentáveis a não ser em unidades de grande
dimensão, capazes de produzir em muito larga escala, exigiam capitais cada vez mais vultuosos.
Por outro lado, o progresso técnico favoreceu a concentração na medida em que se traduziu no
alargamento do mercado: quer porque favoreceu o crescimento demográfico, quer porque os novos meios de
comunicação e de transporte possibilitaram o seu alargamento geográfico, consagrando definitivamente o
capitalismo como um sistema mundial.
c) As crises cíclicas, que começaram a verificar-se nas economias capitalistas a partir
do primeiro quartel do século XIX, provocam o desaparecimento de muitas empresas e estimulam a cartelização
das empresas maiores, constituindo assim outro factor importante da concentração.
d) O capital bancário desempenhou neste processo um papel importante. Dada a sua
natureza de instituições de centralização de capitais, os grandes bancos de investimento puderam fornecer à
indústria os capitais de que esta carecia.
Neste contexto, o capital bancário desempenhou um papel decisivo. Ele actuou como instrumento de
“extermínio” das pequenas e médias empresas, “asfixiadas” nos mecanismos do crédito; ele promoveu a
constituição de poderosos grupos financeiros, associando a actividade bancária à actividade industrial e comercial;
ele permitiu a concentração e centralização dos meios financeiros indispensáveis à definição e execução da
estratégia imperialista do capitalismo.
A acção do capitalismo bancário foi particularmente importante na criação e na expansão das grandes
empresas ferroviárias, que conheceram, neste período, uma expansão extraordinária. A presença do capital
bancário foi também de muito destaque na constituição de empresas coloniais.
Ficou claro e acelerou-se neste período o processo de “expropriação” de grande número de pequenos
empresários pelo número das grandes empresas que foram chamando a sai a parte de leão do excedente social.
e) O facto de vários países se terem industrializado na segunda metade do século
XIX, quando outros conheciam já algumas décadas de industrialização, não deixou de ter importância ao alastrar
da concentração a todo o mundo capitalista.
Nos países que primeiro conheceram a revolução industrial, o grande número de pequenas empresas que
entretanto se desenvolveram constituiu a base de uma pequena e média burguesia que procurou resistir e que
entravou enquanto pôde a marcha da concentração, ao mesmo tempo que a existência de um grande número de
pequenos proprietários rurais não favorecia a centralização do capital.
Diversamente, os países que só mais tarde se industrializaram não conheciam uma classe burguesa antiga,
numerosa e mais ou menos organizada como existia nos outros países da Europa ocidental. Não havia, pois, uma
classe de pequenos proprietários que remassem contra a constituição de grandes unidades capazes de criar
situações de tipo monopolista. Por outro lado, os países recém-chegados à industrialização, para poderem
competir com as indústrias dos países mais avançados, foram naturalmente levados a lançar mão das técnicas mais
modernas e a alicerçar a sua industrialização em unidades de grande dimensão, para poderem colher as vantagens
inerentes à produção em grande escala.
A industrialização iniciou-se logo a seguir à liquidação do feudalismo. Na ausência de uma classe burguesa
digna desse nome, foi o próprio estado, dominado pela grande burguesia de ricos comerciantes e privilegiados,
que tomou a iniciativa da implantação dos enormes estabelecimentos industriais, que mais tarde passariam para
as mãos do pequeno número de famílias que continuam a controlar os grandes grupos industriais e financeiros
japoneses.

A emergência do imperialismo: a corrida às colónias e a exportação de capitais privados. A


segunda onda de globalização
A concentração torna possível o entendimento entre as grandes empresas no sentido de não baixarem os
preços, o que muitas vezes implica a limitação da produção. Os capitais acumulados não podem ser aplicados em
investimentos nos sectores monopolizados, pois investir significa exactamente aumentar a capacidade produtiva,
tornar possível o aumento da produção e, portanto, a baixa dos preços.
Embora os monopolistas aufiram elevados lucros globais, podem não ter interesse em investir mais na sua
própria indústria: é que a taxa global de lucro pode ser alta, mas ser baixa a taxa marginal de lucro. Dai o interesse
em sectores ainda não monopolizados ou em ampliar a área de investimento, por meio da exportação de capitais,
para territórios onde não se verifiquem ainda situações monopolistas.
A sobreacumulação do capital origina um excedente de capitais à procura de novos campos de
investimento, situação que não se verificara nos primeiros tempos da revolução industrial, marcada por um grande
apetite de capital novo. “acumulava-se o capital que proporcionava os meios de modernizar; e, ao mesmo tempo,
as inovações técnicas permitiam uma aplicação e um escoamento do capital, mesmo quando este se acumulava
com maior rapidez do que aumentava a oferta de trabalho assalariado”.
É esta nova situação que explica o movimento de exportação de capitais privados, que se iniciou no final
do século XIX, em paralelo com a retracção dos investimentos nos países europeus industrializados.
A exportação de capitais privados, a corrida às colónias e a partilha dos territórios coloniais entre as
grandes potências, num processo em que os estados nacionais desempenharam um papel central, são as
características do imperialismo neste final do século XIX.
À medida que o processo de concentração se foi acentuando e que as situações monopolistas se foram
estabilizando, a antiga fome de capitais deu lugar a uma situação de excesso de capitais e de carência de campos
de investimento.
“A época do capitalismo dos monopólios torna-se rapidamente uma época de revalorização do
colonialismo. Dominar territórios estrangeiros e fechá-los à concorrência estrangeira como mercados de produtos
acabados, fontes de matérias-primas e de mão-de-obra barata ou campos de investimentos de capitais a exportar,
isto é, como fonte de super-lucros: eis o que se converteu no motivo central da política externa dos países
capitalistas a partir dos anos 80 do século XIX”.
A expansão colonial foi, por sua vez, mais um factor a favorecer a concentração e a centralização do
capital, na medida em que abriu novos mercados e propiciou vastos campos de acção, permitindo a constituição
de grandes empresas para explorar os transportes entre as metrópoles e as colónias, para explorar as riquezas
agrícolas e mineiras dos territórios coloniais, para rasgar as redes ferroviárias que facilitassem o acesso daqueles
bens aos portos de embarque.
Em geral, as potências europeias empenharam-se numa grande campanha ideológica para apresentar o
imperialismo como uma espécie de desígnio nacional, capaz de resolver os problemas sociais das metrópoles e de
reduzir a tensão entre as classes sociais.
Este foi o período da chamada segunda revolução industrial, que proporcionou as condições técnicas
para o desenvolvimento da segunda onda de globalização, consolidando definitivamente o capitalismo como
sistema mundial e facilitando o que se designou por internacionalização do capital.
À descoberta da electricidade veio junta-se a do petróleo, configurando ambos uma profunda revolução
no que toca às fontes de energia: o petróleo e a electricidade vão aplicar-se à indústria e aos transportes,
provocando rapidamente a substituição do motor a vapor pelo motor de explosão interna e pelo motor eléctrico.
A utilização da energia eléctrica veio permitir a sincronização do trabalho, a produção em cadeia,
favorecendo as grandes empresas. As novas técnicas siderúrgicas vieram condenar definitivamente os pequenos
altos fornos que utilizavam a madeira como combustível e obrigar à constituição de grandes empresas capazes de
suportar os enormes encargos financeiros impostos pela adopção da tecnologia moderna.
Em meados do século XIX começou a desenvolver-se, sobretudo nos EUA, a técnica de produção em série
de bens industriais estandardizados, começando pela indústria de armamento e passando depois para a produção
de máquinas de escrever, de máquinas de costura e de fechaduras.
As indústrias eléctricas ganham importância crescente, sendo que, nestas indústrias modernas, os novos
inventos começaram a andar associados ao conhecimento científico e ao saber alicerçado em formação académica
de nível superior.
A descoberta da técnica do frio permite o transporte a longa distância de bens até então dificilmente
transaccionáveis de um lado do Atlântico para o outro. O extraordinário incremento que então conheceram os
meios de transporte e de comunicação veio unificar o mercado mundial.
O mundo do capitalismo ficou mais pequeno. Mas as crises cíclicas passaram também a ser crises
mundiais: o colapso da banca nova-iorquina em 1857 desencadeou a primeira grande crise do capitalismo à escala
mundial.
No último quartel do século XIX, a Europa dominava o mundo como nunca antes. Mas começava a chegar
ao fim o período de hegemonia da Inglaterra como potência industrial, pois os EUA, já lançados na industrialização,
foram os principais beneficiários da nova revolução energética (petróleo).
Mas a unificação do mercado mundial veio colocar novos problemas às potências capitalistas, agora
concorrentes umas das outras, quer nos mercados de venda dos produtos industriais; quer nos mercados de
abastecimento de máterias-primas ou de mão-de-obra barata, quer na busca de campos de investimento. Por isso,
a exportação de capitais não fez esquecer a exportação de mercadorias. Antes pelo contrário, aquela é muitas
vezes um meio de impulsionar esta. Umas vezes, condicionam-se os empréstimos a conceder a governos ou a
empresas privadas estrangeiras à compra dos produtos necessários no país exportador de capitais; outras vezes, a
exportação efectua-se através do expediente da constituição de filiais que, naturalmente, comprarão à empresa-
mãe ou a outras empresas da metrópole a tecnologia e a maquinaria de que careçam e até os bens de consumo
para o seu pessoal.
Entretanto, a hegemonia britânica era cada vez mais posta em causa pela Alemanha e pelos EUA, mesmo
naquelas indústrias “modernas” em que os britânicos tinham sido pioneiros. Por esta altura, a Inglaterra e o
mundo sofreram as consequências da chamada Grande Depressão, 1873-1896.
No contexto de um sistema mundial do capitalismo assente em economias nacionais com interesses
conflituantes, a concorrência entre as várias indústrias nacionais, mais ou menos monopolizadas, obrigou, por isso,
a ir mais longe. A salvaguarda das posições monopolistas das empresas nacionais leva os vários países, por um
lado, a adoptar medidas proteccionistas para impedir a entrada de mercadorias estrangeiras no mercado interno;
leva, por outro lado, a defender as empresas nacionais da invasão de capitais e mercadorias estrangeiras nos
territórios coloniais; e leva as grandes potências a demarcar novas regiões de influência imperial, furtando-as à
concorrência de outros países.
Mais uma vez, o papel dos estados nacionais é determinante. “A concorrência dos grandes capitalismos
nacionais no mercado mundial deve entender-se essencialmente como a concorrência de poderosos monopólios
privados apoiados pelas armas e pela diplomacia dos seus Estados”, o que mostra que “a nação é muito mais que o
quadro no qual operam as empresas e as famílias; ela é um centro de poder”.
Da Conferência de Berlim resultou a partilha da África entre as potências capitalistas da Europa. Esta
corrida à colónias a partir do último quartel do século XIX constitui um dos acontecimentos que mais fundo havia
de marcar a história contemporânea. Em primeiro lugar, pelos conflitos que gerou entre as potências capitalistas.
Em segundo lugar, pela situação que criou aos territórios dominados, sejam ou não formalmente independentes
no plano político.
Com efeito, o regime colonial e a exploração económica das colónias trouxeram consigo uma divisão do
trabalho à escala mundial que fez dos países dominados produtores e exportadores de bens primários, muitas
vezes em regime de monocultura. E esta degrada os solos, reduz a produção de géneros alimentares e torna os
países produtores inteiramente dependentes do mercado de um único produto, às vezes monopsonizado pelo país
dominante.
Por outro lado, os países primário-exportadores ficam reduzidos à posição de consumidores de produtos
manufacturados produzidos pelas empresas das metrópoles, objectivo que acarretou a liquidação das indústrias
existentes em algumas da regiões colonizadas.
Acresce que a exportação de capitais trouxe consigo uma nova faceta do imperialismo, que se traduz no
investimento directo nas minas e plantações, nas obras públicas e, mais tarde, em empresas industriais. Só que
esta penetração de capitais significou que a direcção da economia dos países dominados passou a ser feita a partir
de centros de decisão estrangeiros, que actuam em consonância com os interesses económicos das metrópoles e
não com as exigências de um desenvolvimento equilibrado dos territórios coloniais. Estes perdem a independência
económica, sem a qual não é possível autêntica independência política, mesmo quando formalmente aqueles
territórios sejam independentes. Os investimentos orientam-se em regra para sectores que produzem para
exportação; e é por demais conhecida a anemia provocada pela exportação dos lucros nos países dominados, bem
como a dependência em que os coloca e as dificuldades que lhes levanta a sua posição de devedores de capitais.
EM SUMA: a internacionalização do capital e a unificação do mercado mundial a que se assistiu no
período do capitalismo monopolista vieram lançar as bases da hierarquia que hoje caracteriza o sistema mundial
do capitalismo. Um pequeno grupo de países ocupa o vértice da pirâmide, dominados e dominantes. Na parte
inferior da escala hierárquica, vêm os chamados países subdesenvolvidos.
Vimos que o capitalismo surgiu como a “civilização das desigualdades”. Como o capitalismo surgiu
também a desigualdade entre países, desigualdade que se tem vindo a acentuar com o decurso dos tempos. E
muitos autores defendem que o capitalismo se consolidou como civilização das desigualdades com o desencadear
desta nova ofensiva do capitalismo em meados do século XIX e com a segunda onda de globalização que a
caracterizou: foi então que se começou a cavar o fosso que hoje separa os países ditos desenvolvidos dos países
ditos subdesenvolvidos o que obriga a equacionar a relação entre o “subdesenvolvimento” e a colonização,
processo indissociável do próprio desenvolvimento do capitalismo.

O capitalismo monopolista de estado


A Primeira Guerra Mundial é considerada, em regra, o marco que assinala o início de uma nova fase no
desenvolvimento do capitalismo, a qual vem até aos nossos dias. Preferimos a designação de capitalismo
monopolista de estado, pois é a que melhor caracteriza a realidade do capitalismo no período em referência, em
que o estado assume cada vez mais o estatuto de “capitalismo colectivo”: numa economia monopolizada, cabendo
ao estado a função de proteger a estrutura económico-social dominante, o estado é o estado do capitalismo
monopolista, em correspondência com a nova estrutura do capitalismo, o capitalismo monopolista de estado.
A passagem do capitalismo de concorrência ao capitalismo monopolista significou uma transformação na
estrutura económica do capitalismo, traduzida na substituição da multidão de pequenas empresas por um número
reduzido de grandes empresas que ocupam posições monopolistas ou quase monopolistas. Há um elemento novo,
que traduz uma transformação no modo de articulação da estrutura económica com a estrutura politica.
É que o estado saiu da sua tradicional esfera política de actuação, despiu o manto que procurava
apresentá-lo como instituição que nada tinha que ver com a economia e com os negócios e invadiu às claras a
esfera económica, emergindo muitas vezes como o maior produtor, o maior investidor, o maior consumidor, o
agente que movimenta a parte mais importante do rendimento nacional.
Por outro lado, a própria política é hoje política económica. E o próprio direito vem-se ocupando cada vez
mais com a regulação da economia, sendo a ordem económica um elemento relevante da ordem jurídica. É este
novo estatuto do estado no seio do capitalismo que aqui se pretende relevar com a expressão capitalismo
monopolista de estado.

A emergência do estado social


A vida mostraria não ser confirmada pela realidade a velha tese liberal de que a economia e a sociedade,
se deixadas a si próprias, confiadas à mão invisível ou às leis naturais do mercado, proporcionam a todos os
indivíduos, em condições de liberdade igual para todos, as melhores condições de vida, para além do justo e do
injusto. Este pressuposto liberal falhou em virtude de vários factores.
Falhando aquele pressuposto, impôs-se a necessidade de confiar ao estado novas funções, no plano da
economia e no plano social. A emergência do estado social significou uma diferente representação do estado e do
direito, aos quais se comete agora a missão de realizar a “justiça social”, proporcionando a todos as condições de
uma vida digna, capaz de assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade de cada um. A mão invisível do
direito começava a substituir a mão invisível da economia.
No quadro do capitalismo monopolista, o conceito de estado social trouxe consigo, por isso mesmo, maior
autonomia da instância política e um certo domínio do político sobre o económico, também com o objectivo de
satisfazer determinadas aspirações sociais, na tentativa de reduzir a campo de acção dos movimentos
revolucionários.
As primeiras manifestações do estado social poderão assinalar-se no período imediatamente posterior à
1.ª Guerra Mundial, marcado por uma profunda crise económica, por violentos conflitos de classe, pela subversão
do estado de direito liberal e dos princípios da democracia.
Até hoje, o conceito de estado social tem mantido esta natureza de solução de compromisso, que se
traduz na adaptação das estruturas sociais e políticas da sociedade capitalista aos ventos da história e às exigências
do tempo histórico, uma espécie de “evolução na continuidade”, com o objectivo de suavizar as contradições do
sistema, “anestesiar” os contestatários e afastar os ricos de rupturas revolucionárias.
Apesar de tudo, poderemos talvez enunciar alguns pontos relativamente consensuais na sua
caracterização, os quais dão sentido à ideia de responsabilidade social do estado enquanto responsabilidade social
colectiva (de toda a comunidade):
a) O estado social assume-se como estado acima das classes e dos conflitos sociais e
afirma-se emprenhado na prossecução da paz social e na garantia a todos os cidadãos dos meios necessários a
uma vida digna, criando condições para que cada um atinja esta objectivo pelo seu trabalho ou fornecendo ele
próprio os bens ou serviços indispensáveis a tal desiderato;
b) O estado social propõe-se oferecer a todos oportunidade iguais de acesso ao
bem-estar, nomeadamente através de políticas de redistribuição do rendimento em favor dos mais pobres e de
investimentos públicos de que aproveitem maiormente as camadas sociais de rendimentos mais baixos;
c) O estado social deve proporcionar a todos os indivíduos e a todos os grupos
sociais a possibilidade de participar no poder social, nomeadamente no quadro da concertação social, envolvendo
o estado e os chamados parceiros sociais.

O compromisso político da Constituição de Weimar


O ano de 1919 foi, na Europa, o ano de todas as revoluções. O seu falhanço abriu, quase sempre, o
caminho a soluções de tipo fascista.
Vale a pena recordar que, quando, de um lado e d outro, se preparava a guerra, as centrais sindicais da
França e da Alemanha reuniram-se e proclamaram que os trabalhadores estavam contra a guerra, que souberam
caracterizar como conflito imperialista, denunciando as sua motivações e os seus objectivos, que os trabalhadores
consideravam contrários os seus interesses.
Terminadas as hostilidade, os horrores dessa “guerra que pôs fim às guerras” deram razão às estruturas
representativas dos trabalhadores, que, como sempre acontece, morreram na guerra e sofreram as suas misérias.
Esta “autoridade moral” veio reforçar o poder resultante do aumento numérico da classe operária e do reforço das
suas estruturas organizativas, o que se traduziu em aumento do seu peso político e da sua capacidade para
influenciar o sentido da intervenção do estado. Daí o compromisso weimeriano, considerando pelas classes
dominantes um mal menor, perante a ameaça de contágio da vitoriosa Revolução de Outubro.
A constituição económica de Weimar inspira-se claramente no princípio de que não pode confiar-se ao
capital privado a gestão de determinados sectores da actividade económica, nomeadamente os que representam
uma intrínseca e irrecusável utilidade social. A nacionalização das “empresas susceptíveis de socialização” é um
dos meios previstos na Constituição para colocar sob a alçada do estado aqueles bens económicos de utilidade
social e ainda as empresas que laboram em situação de monopólio.
Mas o compromisso weimariano marca a diferença entre o estado social e o estado socialista, na medida
em que se recusava o confisco puro e simples da propriedade privada, garantindo sempre aos expropriados uma
qualquer contrapartida, embora não necessariamente uma compensação tanto por tanto, em termos civilísticos,
admitindo-se que a “indemnização” devia poderia traduzir-se na manutenção dos antigos proprietários na
administração da empresa, após a sua passagem para a titularidade do estado.
Na Constituição de Weimar tem origem a ideia de programação económica, bem como o
desenvolvimento da planificação urbanística e a elaboração em bases científicas das políticas de ordenamento do
território e do seu enquadramento jurídico. Nela emergem também novos direitos, com a categoria de direitos
sociais. E nela é reconhecida, pela primeira vez em termos constitucionais, a liberdade de organização sindical
como direito fundamental dos trabalhadores.

O estado nazi-fascista e a solução corporativa


O estado social weimeriano propunha-se a realizar os seus objectivos no respeito pelas regras da
democracia política e pelos princípios democráticos. Mas, em determinadas condições históricas, esta nova forma
do estado capitalista revelou-se insuficiente para resolver os graves problemas levantados pela crise económica,
social e política que marcou o período particularmente complexo e contraditório entre as duas guerras mundiais
do século XX e que ameaçou seriamente a ordem capitalista.
Apesar das dificuldades, este período ficou marcado pelo ganho de causa que os trabalhadores obtiveram
em alguns domínios, graças ao bom aproveitamento do “crédito moral” que as suas organizações ganharam por se
terem oposto à Guerra. Talvez esta circunstância ajude a compreender que se tenha verificado neste período a
consagração de alguns direitos pelos quais os trabalhadores lutavam há muitos anos.
No plano social, a tensão era crescente: as greves e a contestação social estavam na ordem do dia,
opondo por vezes os trabalhadores às forças armadas. A solução adoptada foi a de silenciar as organizações dos
trabalhadores e condenar os trabalhadores a prosseguir o “bem comum”, de mão dada com os grandes
empresários monopolistas no seio das organizações corporativas.
No plano político, as dificuldades agudizavam-se, dada a “contaminação” provocada pela marcha,
aparentemente vitoriosa, da Revolução de Outubro. Muitos responsáveis recearam que a revolução alastrasse a
toda a Europa, nomeadamente aos países industrializados e desenvolvidos.
Nesta condições, para cumprir o seu papel, o estado capitalista assumiu então a forma de estado fascista,
anti-liberal, anti-democrata e anti-socialista, apesar de gostar de se apresentar como estado social. E a verdade é
que, em algumas das suas versões, o fascismo se assumiu abertamente como anti-capitalista, procurando superar
o capitalismo e o comunismo com base na cooperação entre as classes em busca do bem comum, o único
admissível em sociedades nas quais se aboliram por decreto as classes sociais.

O estado fascista foi anti-liberal. O indivíduo dilui-se nos corpos sociais; a concepção orgânica da
sociedade substitui a ideia de sociedade como o somatório de indivíduos isolados; o contratualismo dá lugar ao
institucionalismo: o “estatuto” definido e imposto pelo estado ou pela entidade hierarquicamente superior
substitui a solução contratual.
No que se refere à economia, esta deixa de ser considerada terreno privado, separado do estado e
regulado pelas regras da livre concorrência entre os actores privados. A economia passa a integrar a esfera da
política: as corporações foram pensadas como órgãos simultaneamente reguladores da economia e detentores do
poder político, ultrapassando assim o dogma liberal da separação entre o estado e a economia.
Mas a direcção corporativa da economia foi entregue ao grande capital, que controlava as estruturas
corporativas, sem os constrangimentos resultantes da acção dos sindicatos e dos partidos de esquerda e com o
apoio, sem limites, do aparelho repressivo do estado fascista.
Foi anti-socialista, porque congelou todos os direitos económicos e sociais entretanto conquistados pelos
trabalhadores e anulou todas as políticas públicas que pudessem acautelar ou garantir estes direitos; porque
“matou” as classes por decreto e proibiu a luta de classes, nomeadamente através da proibição dos sindicatos
livres e do direito de greve; mas não pôs em causa a propriedade privada nem a liberdade de empresa, embora
condicionadas à sua “função social” de promover o “bem comum”.

Neste novo quadro, o corpotativismo representou a intervenção organizada do estado nazi-fascista na


economia, com o objectivo de ultrapassar as contradições do capitalismo, “matando” a luta de classes e de evitar a
derrocada do capitalismo, resolvendo os dois problemas fundamentais que então se colocavam: o governo da
economia e à questão social.
A necessidade de garantir o governo da economia surgiu com os primeiros sinais da crise do capitalismo,
num tempo de capitalismo concentrado em estruturas empresariais fortemente concentradas e muito poderosas,
que controlavam boa parte da economia dos países mais desenvolvidos. Aos olhos de muitos, foi-se impondo a
necessidade da intervenção do estado no sentido de “governar” a economia.
A solução do corporativismo e do estado fascista foi a de promover uma estreita aliança entre o poder
fascista e os grandes grupos empresariais aos quais foi entregue a direcção das estruturas corporativas, que, por
sua vez, assumiram a tarefa de “organizar” e “controlar” a economia. De certo modo, os grandes grupos
económicos já faziam isto mesmo; agora passavam a fazê-lo com o aval do estado, proclamando-se que este
“governo privado da economia” estava ao serviço do bem comum.
O nazi-fascismo foi a solução friamente construída pelo grande capital para, naquelas condições
concretas, resolver os problemas da economia e da sociedade capitalistas. Em termos gerais, o nazi-fascismo
representou a forma extrema da ditadura do grande capital monopolista, que não hesitou em recorrer à repressão
e à guerra para pôr na ordem dos inimigos internos e para conquistar aos inimigos externos o “espaço vital”
indispensável à expansão imperialista, dando origem à Segunda Guerra Mundial, o segundo conflito mundial inter-
imperialista do século XX, com origem nas contradições e conflitos de interesses entre os capitalismos nacionais
europeus.

A Segunda Guerra Mundial. O capitalismo contemporâneo.


A Guerra e as suas consequências imediatas
A Guerra exigia de todos um enorme esforço no terreno da economia. Neste contexto, o estado teve de
ocupar-se directamente não só da distribuição dos alimentos e do controlo da utilização da mão-de-obra e dos
recursos disponíveis, mas também da produção, ao menos nos sectores mais directamente ligados às necessidades
bélicas. Os autores falam de planificação económica de guerra (comunismo de guerra), não apenas na URSS, mas
na generalidade dos países beligerantes.

O Plano Marshall. A “ajuda ligada”


A consciência desta realidade levava as pessoas em geral e os responsáveis políticos a admitir que a
Europa iria sofrer algumas décadas de pobreza e sacrifícios pesados.
Perante o rumo que os acontecimentos começavam a tomar na Europa de Leste, esta perspectiva não
servia os interesses dos EUA e, na Europa, de todos os que queriam evitar a expansão do mundo socialista. Foi
neste contexto que surgiu o Plano Marshall, o primeiro programa de auxílio a países estrangeiros organizado por
um país capitalista.
Sem dúvida que a ajuda americana permitiu à Europa um recuperação mais rápida e com menos
sacrifícios, proporcionou condições que facilitaram a cooperação entre os países europeus, evitando a imposição à
Alemanha do dever de pagar indemnizações compensatórias e o recurso a políticas de autarcia semelhantes às
adoptadas no período posterior à 1.ª Guerra Mundial, beneficiando o desenvolvimento do comércio intra-europeu
e o desenvolvimento económico na Europa.
Mas o Programa de Recuperação da Europa foi claramente enquadrado nos objectivos estratégicos dos
EUA, que assumiram como potência hegemónica do mundo capitalista.
O Plano Marshall foi, também, um programa de auxílio à indústria americana, que o esforço de guerra
dotara de uma capacidade de produção sobredimensionada e, por isso mesmo, carecida de mercados alternativos
ao da guerra, condição indispensável para evitar a falência de muitas empresas e para fugir à séria ameaça de
depressão que se fez sentir no imediato pós-guerra.
Mas o Plano Marshall foi também concedido como um instrumento do domínio americano no quadro da
“guerra fria”.
A exportação de capitais públicos, sobretudo com destino aos países subdesenvolvidos, no quadro do que
se designou por neo-colonialismo, é uma das novidades do período imediatamente a seguir à 2.ª Guerra Mundial.
Trata-se de empréstimos e financiamento de vária ordem concedidos em regra no âmbito de programas de auxílio
aos países subdesenvolvidos. E as características do Plano Marshall acabaram por marcar todos os programas de
auxílio aos países subdesenvolvidos que mais tarde se seguiriam: assegurar a manutenção das condições de
domínio económico-político dos países exportadores de capitais sobre os países “beneficiários” desse auxílio.

Novos aspectos da concentração capitalista


A concentração tem continuado presente como um dos aspectos importantes da dinâmica do capitalismo.
a) Sobretudo a partir de 1930, as grandes empresas aparecem com frequência
comprometidas num processo de diversificação, ou seja, é a produção pela mesma empresa de bens com
diferentes utilidades, dificilmente substituíveis uns pelos outros.
Nalguns casos, a diversificação é o resultado da integração das fases produtivas, praticada pelas empresas
de grande dimensão e imposta por exigências de ordem técnica.
Noutros casos, a diversificação aparece como o caminho lógico a seguir pelas empresas que, a partir de
certa dimensão, vêem dificultando o seu crescimento horizontal, pois este é limitado pela extensão do mercado,
no qual cada uma delas tem, porventura, de competir com outras empresas igualmente grandes que não serão
facilmente elimináveis.
Por outro lado, atingindo que seja um grau elevado de concentração numa dada indústria, as empresas
que gozem de uma posição monopolista não terão interesse em aumentar os investimentos no sector, para não se
sujeitarem, com o aumento da produção, a uma baixa de preços. Nestas condições, se a empresa tem fundos para
investir, a diversificação da produção para novos sectores é uma das soluções possíveis.
Acresce que a diversificação torna as empresas menos vulneráveis às crises cíclicas. A diversificação
apresenta-se também como a melhor saída para a expansão de uma empresa que dispõe de capacidade de
produção não utilizada. Em outras circunstâncias, a diversificação constitui uma autêntica reconversão da
actividade das empresas, por forma a assegurar a sua subsistência, quando a respectiva empresa se encontra em
declínio.

b) A partir da década de 1950, assistiu-se ao desenvolvimento e à predominância das


grandes empresas e ao domínio dos sectores mais importantes por um reduzido número de empresas,
interessadas em se defenderem, no seu conjunto, da concorrência eventual de novos produtores.
Esta situação permitirá explicar a prática frequente da celebração de acordos de vária ordem entre
grandes empresas, acordos que, para além dos objectivos tradicionais dos carteis, visam organizar a colaboração
das empresas associadas no que respeita a problemas de ordem técnica.
E, à luz das características actuais do capitalismo, não espantará que tais acordos se tenham realizado
também, em certa época, sobretudo nos países mais desenvolvidos, entre empresas públicas e empresas privadas.

c) A concentração ganha hoje relevância especial na perspectiva dos grupos de


sociedades. Ora, ao nível das empresas, para além das formas de integração, a concentração horizontal, tal como
em regra se apresenta, aparece fundamentalmente como concentração homogénea. Ao nível dos grupos, porém,
a concentração horizontal apresenta-se já como concentração heterogénea, modalidade que já não pode justificar-
se por motivos de ordem técnica, ou seja, fazendo apelo ao princípio das economias de escala.
Esta prática da concentração heterogénea visa reunir, sob controlo de um mesmo grupo, o maior número
possível de empresas especializadas e dominantes em diferentes ramos de actividade económica, integrando-se
perfeitamente na lógica da concorrência entre grandes colossos, tal como ela se apresenta na actual fase do
capitalismo, procurando enfrentar as exigências dessa mesma concorrência.
A lógica da concorrência impõe a especialização; mas a especialização torna as empresas mais
vulneráveis, colocando-as na dependência do mercado de um único produto, situação arriscada numa época em
que as inovações tecnológicas se sucedem a um ritmo particularmente acelerado.

d) Só que, no âmbito deste processo de concentração horizontal heterogénea,


podem ainda distinguir-se duas situações diferentes: a concentração funcional e o conglomerado.
No primeiro caso, trata-se de associação entre empresas que fabricam produtos diferentes, mas que são
susceptíveis de preencher a mesma função ou são complementares do ponto de vista de uma mesma função. A
concentração funcional pode, portanto, entender-se como semi-heterogénea ou complementar.
O conglomerado, porém, é uma forma de concentração totalmente heterogénea. O conglomerado
caracteriza-se, na verdade, pela existência de uma única direcção económica, par de uma diversificação
multilateral. Este processo de concentração opera essencialmente através de sucessivas aquisições de empresas já
existentes nos vários sectores de actividade económica.
e) A par desta diversificação funcional da produção, representada pelos
conglomerados, tem-se acentuado aquilo a que por vezes se chama diversificação geográfica da produção, como
consequência da expansão das empresas multinacionais.
Adoptando a designação mais divulgada, chamaremos empresa multinacional àquela empresa cuja
direcção e controlo estão sujeitas várias outras empresas filiais, que entre si cooperam na planificação das suas
actividades e no intercâmbio comercial, de informações e de serviços técnicos, sem prejuízo da conveniente e
necessária descentralização. O controlo pode ser assegurado pela empresa-mãe a partir da propriedade directa de
empresas no estrangeiro, de simples tomadas de participação minoritárias, da concessão de licenças de fabrico,
etc.
O que é novo é a internacionalização do próprio processo produtivo, traduzida na realidade das empresas
multinacionais com a sua rede de produção e de comercialização e com os canais de mobilização e de
centralização dos meios de financiamento espalhado por diversas partes do mundo, estabelecendo um divisão
internacional do trabalho à medida dos seus interesses, fraccionando o processo produtivo e localizando em
regiões ou países diversos cada uma das fases do processo produtivo.

As nacionalizações. Significado do sector público empresarial


No contexto europeu e na esfera económica, merece referência especial o importante surto de
nacionalizações que se registou nas “duas europas” que resultaram da Guerra.
Mas em 1945 as nacionalizações e a intervenção do estado na economia impunham-se desde logo por
razões pragmáticas: acreditava-se que a reconstrução só poderia ser levada a cabo por uma instância central que
controlasse o aforro disponível e decidisse sobre a prioridade dos investimentos. Daí a inevitabilidade da
nacionalização da banca e dos seguros. Mas também a inevitabilidade da transferência para o estado dos sectores
estratégicos, nos quais era preciso arrancar praticamente do zero.
No mesmo sentido de chamar o estado a uma posição importante no seio da economia actuou também a
revolução tecnológica que se operou a partir da 2.ª Guerra Mundial, aquela em toda a história em que mais se
apostou na supremacia científica e tecnológica como arma para derrotar militarmente o inimigo.
As nacionalizações foram também, na Europa do após-guerra, uma exigência das forças de esquerda,
fortalecidas pela sua participação nos movimentos da Resistência ao nazi-fascismo.
Por toda a Europa, o surto de nacionalizações então registado esteve na base da constituição de um
sector empresarial do estado relativamente significativo. Pela sua amplitude e significado, as nacionalizações
enquadram-se, mesmo, em objectivos de transformação económica e social.
Mas a expectativa colocada nas nacionalizações como uma etapa preparatória e anunciadora de uma
sociedade socialista na Europa ocidental não veio a confirmar-se.
Se as perspectivas abertas com as nacionalizações tivessem conduzido à utilização do sector público
empresarial claramente ao serviço de uma política global de desenvolvimento económico e social com vista à
satisfação das necessidades individuais e colectivas das populações, numa lógica não capitalista, poderia esperar-
se que elas abrissem o caminho para uma economia não capitalista, uma “economia ao serviço do homem”. Mas a
orientação adoptada traduziu-se em colocar o sector empresarial do estado ao serviços dos lucros privados, numa
solução de capitalismo de estado, em que a propriedade pública se afirmou como nova forma de propriedade
capitalista.

A planificação da economia nos países capitalistas


 A “planificação” ao nível das grandes empresas privadas
A coerência e o significado da planificação estadual nas economias capitalistas só se
Compreenderão inteiramente depois de se explicarem as razões que levaram as grandes empresas a planificar a
sua actividade antes mesmo de os estados capitalistas planificarem a sua intervenção na esfera económica.
Enquanto o estado da técnica e a situação geral do capitalismo se revelaram compatíveis com a existência
de numerosas empresas relativamente pequenas em cada ramo industrial, o mecanismo dos preços e a regulação
ex post pelo mercado entendiam-se suficientes para assegurar a conveniente satisfação das necessidades dos
consumidores, para prover as empresas da mão-de-obra, das matérias-primas e dos equipamentos necessários à
produção e para lhes permitir, sem grandes riscos, a venda dos produtos fabricados. Quando esse processo deixou
de ser seguro, surgiu a planificação como necessidade imposta às empresas pelo próprio desenvolvimento do
capitalismo.
A evolução tecnológica passou a exigir investimentos cada vez mais vultuosos e a obrigar as empresas a
antecipar de meses ou de nãos as precisões acerca do comportamento da procura – o que, para além do risco
maior, obriga a efectuar avultadas despesas preparatórias dos próprios investimentos.
Estas exigências só podem ser satisfeitas por grandes empresas, o que permite compreender como a
evolução das técnicas de produção fez, a certa altura, rebentar os quadros do capitalismo atomístico assente numa
multidão de pequenas empresas, para abrir caminho à concentração do poder económico num pequeno número
de grandes empresas, características do capitalismo monopolista.
A evolução tecnológica foi, pois, a causa primeira da introdução da planificação económica ao nível das
grandes empresas. E os planos das empresas visam, sem dúvida, reduzir ao mínimo a incerteza e a suas
consequências: “a planificação consiste também na previsão e organização de medidas para enfrentar quaisquer
ocorrências não programadas, favoráveis ou não, que possam acontecer ao longo do processo”.
Mas a evolução tecnológica foi também um poderoso factor de concentração e de centralização do
capital. E a verdade é que a planificação económica das empresas capitalistas só foi “exigida” quando se chegou ao
estádio do capitalismo monopolista, como também é verdade que só poderosas empresas, que gozem de um
poder de monopólio mais ou menos acentuado, estão em condições de elaborar planos que lhes ofereçam boas
perspectivas de ser realizados.
Só as empresas “monopolistas” podem aspirar, com efeito, a controlar o mercado, e o controlo do
mercado é, no fundo, uma das fases da planificação levada a efeito por essas empresas. “Estas devem substituir o
mercado pelo plano” – no sentido de que o plano das empresas deve substituir o mecanismo dos preços pela
fixação prévia, por parte das empresas, dos bens e das quantidades a produzir, dos preços a pagar pelos
consumidores e das próprias margens de lucro.
Através de acordos, as empresas “monopolistas” controlam os preços que impõem aos consumidores.
Assim evitam as flutuações derivadas de variações da oferta e da procura, sendo certo que a estabilidade dos
preços é um elemento importante para se poder planificar com segurança. Através do controlo da utilização das
patentes de invenção, através da publicidade e das técnicas de vendas, as empresas monopolistas conseguem
colocar no mercado a espécie de produtos que mais lhe interessa produzir e nas quantidades mais convenientes.
Nos primeiros tempos do capitalismo industrial, a taxa de lucro das empresas dependia do nível dos
custos que cada uma delas conseguia, uma vez que os preços se estabeleciam no mercado por força do jogo da
oferta e da procura e da concorrência entre um grande número de pequenas empresas, cada uma das quais não
tinha qualquer poder para influenciar o mercado e os preços. Uma vez atingida a fase do capitalismo monopolista,
os consumidores passaram a ser comandados pelos planos das grandes empresas monopolistas e a planificação
transformou-se em instrumento necessário da prossecução dos objectivos próprios das empresas capitalistas.

 Os primórdios da planificação pública


Se a planificação levada a efeito pelas grandes empresas que controlam os sectores altamente
concentrados da economia é uma característica fundamental do capitalismo na sua fase monopolista, a
planificação da economia assumida como tarefa dos estados capitalistas é, sem dúvida, o ponto mais alto e mais
acabado da intervenção do estado tal como ela se processou, particularmente a partir da Primeira Grande Guerra.
De início, porém, assim como a concentração foi combatida e negada durante muitos anos, em razão da
paternidade marxista da respectiva teoria e em homenagem às virtudes do capitalismo de concorrência, assim
também a planificação foi proscrita nos países capitalistas, por se entender que planificação significava socialismo,
e por se julgar a sua prática incompatível com a liberdade de empresa, considerada esta como ponto fundamental
da “filosofia” inspiradora do capitalismo.
Com a Guerra de 1914-18, as múltiplas intervenções do estado na vida económica passam a tomar uma
forma global, e a necessidade de “planificar” a intervenção do estado faz-se sentir, principalmente na Rússia e na
Alemanha. No contexto de uma economia militarizada, a planificação consiste então, fundamentalmente, em
repartir concertadamente entre os principais “monopólios” as matérias-primas e os recursos disponíveis, bem
como as encomendas do estado. A guerra “empurrou” definitivamente o estado para o campo da economia,
exigindo do estado novas e múltiplas formas de presença e intervenção na ordem económica para poder
preencher a sua função nos quadros do sistema. As dificuldades que o capitalismo vinha experimentando, bem
como a complexidade e a importância das intervenções estaduais, impunham que o sector privado e o estado
concertassem as suas actuações e que o estado planificasse as suas políticas, em articulação com as grandes
empresas, obrigadas a planificar a sua própria actividade, à medida que progredia a tecnologia e a concentração
do capital. Falam alguns de administração concertada e de economia concertada.
A crise económica que nos anos trinta quase prostrou o capitalismo levou os vários governos a lançar mão
de todos os meios de salvação, entre eles a planificação.
Pode dizer-se, em geral, que todas as experiências corporativas posteriores aos anos 1930, reunindo no
seio de organismos profissionais de constituição obrigatória representantes patronais e trabalhadores de cada
profissão e atribuindo às profissões organizadas um poder regulamentar, representam a ambição de coordenar
uma economia essencialmente concentrada e de harmonizar os interesses de grupos animados por tendências
monopolísticas. Aos organismos profissionais era atribuída não só a função de decidir da orientação da economia,
mas ainda a de determinar o nível dos preços e dos rendimentos, assim se chegando a uma espécie de planificação
corporativa.
Nem por isso a evolução do capitalismo deixava de se verificar. A eclosão da Segunda Guerra Mundial
haveria de marcar, também neste aspecto, um passo decisivo. O progresso tecnológico e a concentração
capitalista aceleraram-se.
Por força das circunstâncias, o estado capitalista adquiriu, em certas condições, a propriedade de
indústrias ou ramos em dificuldades financeiras, ou cuja exploração apresenta riscos excessivos ou baixas taxas de
lucro, ou que só dão lucro ao fim de vários anos, ramos pouco atractivos para o sector privado, mas necessários
para o desenvolvimento da produção em geral.
O estado tornou-se proprietário de empresas fornecedoras de matérias-primas ou de serviços diversos de
que as grandes empresas privadas são os principais clientes beneficiando, enquanto tais, de condições e tarifas
particularmente favoráveis. O estado controlou, em alguns países, uma parte importante dos sectores bancário e
segurador.
Em vários países da Europa capitalista o surto de nacionalizações levou à constituição de sectores
empresariais públicos relativamente importantes, a justificar e a exigir que o estado planificasse a sua actividade
como produtor.
As necessidades de reconstrução levaram à elaboração de planos nacionais de reconstrução e
desenvolvimento.
Depois, o desenvolvimento do comércio internacional, a importância crescente das exportações para
assegurar o desenvolvimento económico, a internacionalização da presença dos grandes monopólios tudo obrigou
à intervenção planificada do estado, no sentido de efectuar previsões, de recolher e organizar informações, de
modo a complementar a programação privada, em correspondência com as exigências da nova dimensão da
economia. Por outro lado, a competição entre o capitalismo e o socialismo activou-se e o êxito dos planos
quinquenais soviéticos não deixou de pesar no convencimento dos países capitalistas a adoptarem também a
técnica da planificação.

 O significado da planificação indicativa


A planificação levada a efeito pelo estado dos países capitalistas explica-se, no fundo, pela
mesma lógica que levou as grandes empresas a planificar as sua actividades, tentando reduzir as incertezas do
mercado, destruindo-o como mecanismo de direcção e comando da economia.
Com o progresso técnico, foi aumentando a dimensão das empresas dominantes, aumentando do mesmo
passo as exigências da produção em massa: maiores somas de capitais, recursos técnicos mais sofisticados,
matérias-primas mais diversificadas, mão-de-obra mais qualificada, mercados mais vastos. O que significa maiores
incertezas, que obrigam a uma planificação mais cuidada e a prazos mais longos.
O carácter social da produção e das forças produtivas foi-se acentuando. As empresas e mesmo os
sectores de actividade económica tornam-se cada vez mais interdependentes, a tal ponto que começa a ficar clara
a necessidade de “organizar”, de “concertar” a economia. Ao fim e ao cabo, tratava-se de “concertar” entre si os
“planos” dos grandes grupos monopolistas, até porque a planificação ao nível das empresas exige uma certa
coerência entre os vários sectores de actividade, isto é, exige uma certa coordenação ou planificação da economia
nacional no seu conjunto.
Toda a intervenção do estado nas economias capitalistas adquire em regra um sentido em larga medida
coincidente com os objectivos da “planificação” e do “controlo” do mercado pelas grandes empresas. Com efeito,
certas medidas que os estados adoptam vêm frequentemente contribuir para que as empresas monopolistas
possam praticar preços fixados à margem das condições que seriam ditadas pelo jogo da oferta e da procura.
O progresso técnico tem que ver com o processo da planificação económica.
O estado actua, por outro lado, no sentido de reduzir as dificuldades e incertezas da própria planificação
das empresas, reunindo e divulgando informações, actuando sobre as taxas de crescimento da população e sobre
a percentagem da população activa em relação à população total; promovendo a adequada preparação de mão-
de-obra e intervindo para a assegurar a sua conveniente distribuição pelos vários ramos de actividade; procurando
assegurar a necessária coerência no desenvolvimento das chamadas infra-estruturas sociais.
Neste contexto, a intervenção do estado na ordem económica torna-se um elemento essencial para que
possa prosseguir-se a lógica do modo de produção capitalista. Naqueles sectores do “sistema industrial” onde a
tecnologia avançada, com uma investigação e exploração demoradas, acarreta para as empresas a necessidade de
suportar um período de produção muito longo e um vultuoso investimento de capitais, é necessária a intervenção
do estado em larga escala para estabelecer os preços e garantir a procura, “suspendendo” assim o funcionamento
do mercado e eliminando a sua incerteza.
E compreende-se que este complexo esquema de intervenção do estado careça de ser ele próprio
coordenado, “planificado”, até para que as empresas fiquem a saber com mais segurança aquilo que podem
contar. Daí a planificação pública da economia.
Foram as pequenas empresas, mais ou menos condenadas pela lógica da concentração monopolista, as
que mais protestaram contras os abusos da intervenção do estado, porque este não se desenvolve ao sabor dos
seus interesses. É que o estado intervém a planificar uma economia já de certo modo planificada ao nível das
grandes empresas, e não admira, por isso, que a planificação pública se traduza numa tentativa de tornar
coerentes entre si os planos dos grandes grupos monopolistas, limitando as dificuldades que possam resultar da
concorrência entre eles e conjugando-os, numa base “realista”, com as possibilidades de intervenção e de apoio do
estado.
Fala-se, a este propósito, de economia contratual para significar a existência de um sistema de
compromissos colectivos entre os vários grupos monopolistas e entre estes e o estado, assentes em princípios de
boa fé idênticos aos que regulam as relações contratuais privadas, algo que vai além do mero diálogo entre o
sector privado e o estado, que caracterizaria a economia concertada.
Têm razão, a nosso ver, todos os que entendem que esta é a verdadeira natureza da planificação levada a
cabo pelos estados capitalistas: em relação às grandes empresas, funciona como uma garantia de segurança,
serve-lhes como um largo estudo do mercado, esforçando-se por evitar engarrafamentos da produção e duplos
empregos e procurando conciliar os antagonismos porventura existentes entre grupos capitalistas rivais, ao
mesmo tempo que salvaguarda a liberdade das empresas em matéria de investimentos e de orientação da
produção.

 Planificação indicativa e planificação imperativa


A planificação tornou-se prática corrente nos países capitalistas, tendo deixado de questionar
se a sua necessidade, como cúpula da intervenção do estado, tal como ela se processou nos países capitalistas
após a Segunda Guerra Mundial.
A problemática da planificação ganhou relevo no conjunto dos temas da ideologia económica. Passou a
ser útil afirmar que o sistema é planificado e que o estado, actuando como representante dos interesses da
colectividade, organiza não apenas a vida económica, mas toda a estrutura social. O mito da planificação
transformou-se, a certa altura, num dos pontos de apoio de um certo cientismo, típico da mentalidade
tecnocrática característica da filosofia política do capitalismo contemporâneo. A técnica da planificação passou a
andar associada à ideia de que a colectividade pode organizar projectos razoáveis e realistas e promover o
desenvolvimento, mediante a actuação do estado, desde que nesse sentido se mobilizem bons técnicos, se
disponha de um bom governo e se organize uma boa administração. O desenvolvimento é assim apresentado
como um problema técnico, e a planificação apontada como um instrumento técnico indispensável ao serviço do
desenvolvimento.
Planificação indicativa para significar que ela não pode aspirar a ser um instrumento imperativo de
direcção do processo económico. Em sistema capitalista, o estado não pode impor os seus planos, não pode pôr
em causa os direitos que derivam da propriedade privada, nomeadamente a liberdade de empresa.
Mas o estado dispõe de meios indirectos que lhe permitem influenciar o comportamento das empresas
capitalistas, de modo a conseguir alcançar os objectivos planificados. O estado não dispõe do chicote, mas dispõe
da cenoura: através da disciplina jurídica da economia, o estado consegue que o sector privado actue em
conformidade com o previsto no plano.
Por outro lado, nos países de economia capitalista, a planificação pública tem de operar dentro dos limites
e da lógica do próprio sistema, o que significa que ela só terá viabilidade de execução se for realista e só será
realista se respeitar e favorecer os interesses dos grandes grupos monopolistas, se, de uma forma ou de outra,
criar condições mais favoráveis de lucro e de segurança naqueles sectores ou naquelas regiões onde pretende
incrementar os investimentos.
A planificação imperativa, ela é em regra, considerada pelos autores como um elemento essencial do
socialismo. Poderá dizer-se que o elemento definidor do socialismo é a natureza das relações de produção. É claro,
porém, para os clássicos do marxismo, que as contradições do modo de produção capitalista só serão
ultrapassadas pela abolição da propriedade capitalista e pela transferência dos meios de produção para a
propriedade social, uma vez conquistado o estado pelo proletariado revolucionário.
Parece claro que, uma vez estabelecida a propriedade pública dos meios de produção sociais, a economia
funcionará de acordo com um plano pré-estabelecido.
Actuando o estado proletariado como proprietário dos meios de produção, ele não pode deixar de
planificar a actuação das empresas de que é proprietário, e pode fazê-lo de modo cogente, através de um plano
imperativo, como “instrumento para regular toda a economia”.
Para cumprir a sua função de direcção da economia, o plano deve ser imperativo para todas as actividades
de produção e deve dispor dos meios capazes de determinar o ritmo de crescimento e a orientação do
desenvolvimento. Todas as unidades de produção são obrigadas legalmente a cumprir o plano, e o plano deve
estabelecer qual a parte do rendimento da colectividade que irá ser destinada ao consumo e a parte a aforrar, bem
como o destino a dar ao aforro em investimentos nos vários sectores da produção, sectores cuja actividade o plano
deve coordenar de modo a eliminar os “estrangulamentos” e a fazer corresponder o poder de compra da
colectividade corresponda à produção de bens que hão-de ser destinados ao consumo privado.

 O significado do mercado em economia “planificada”


A verdade é que os preços fugiam, em muitos casos, às “regras” normais do mercado.
As unidades de produção da indústria moderna tendiam a ser de dimensão cada vez maior, em
consequência de factores vários, entre os quais o desenvolvimento das tecnologias de produção e de distribuição.
E a concentração capitalistas arrastou consigo a necessidade da planificação. Esta planificação levada a cabo pelas
grandes empresas e não já o mercado passou a determinar o volume da produção e a estrutura dos preços. Por
isso se falou de decadência do mercado.
O mercado perdeu, assim, a sua feição tradicional, o papel dos consumidores passou a ser puramente
passivo e o lucro perdeu a capacidade de servir como símbolo de eficiência, nos termos que lhe atribuía a teoria
económica, à luz dos cânones do capitalismo de concorrência.
As grandes empresas “monopolistas”, em vez de estarem dependentes dos preços do mercado, passaram
elas próprias a controlar o “mercado”, incluindo nos seus planos de investimento uma determinada taxa de lucro
pré-estabelecida.
Este fenómeno andou, aliás, associado a uma relativa liberdade das grandes empresas perante a taxa de
juro do mercado. Na verdade, tais empresas passaram a ter condições de determinar os seus preços de modo a
constituir os fundos necessários para o reinvestimento, e a possibilidade de autofinanciamento colocou-as fora da
dependência de fundos alheios agravados pelo juro. Muitas vezes, o aforro interno excedia as necessidades de
capitais para o investimento próprio, sendo transferido para sociedades subsidiárias com o objectivo de conceder
crédito para financiar o consumo dos bens produzidos pelas empresas principais.
Invocava-se por vezes que esta situação de domínio das grandes empresas tinha o significado positivo de
uma superação do “carácter anárquico” do mercado. Em contrapartida, poderá dizer-se que este fenómeno, como
inerência do grau crescente de “monopólio” e do declínio da eficácia do mecanismo dos preços, não é motivo de
orgulho para o capitalismo.
Na verdade, o reverso da medalha consiste em se admitir que o mercado deixou de funcionar como o
mecanismo de auto-adaptação sempre proclamado como a grande virtude do capitalismo: assegurar a maior
eficiência das empresas, o maior volume de produção, a produção orientada no sentido dos gostos dos
consumidores, com base no mecanismo dos preços, que forneceria a informação indispensável à tomada das
decisões de investimento e de produção das empresas e das decisões de consumo e de aforro dos particulares,
assegurando, assim, a realização automática da racionalidade automática para a sociedade no seu conjunto.
Nas condições de crescente monopolização da economia, as grandes empresas, que por si só ou
juntamente com um pequeno número de outras, dominam os mercados das indústrias mais importantes,
passaram a impor os preços ao consumidor. Mas isto significa que o mecanismo dos preços deixou de realizar a
função que se entendia ser por ele desempenhada dentro dos pressupostos teóricos do capitalismo de
concorrência.
Por outro lado, as próprias características dos mercados concentrados num pequeno número de grandes
empresas asseguram a estas a vantagem de não correrem o risco de ver a sua situação posta em perigo por
eventuais concorrentes, dada a dificuldade de novas empresas entrarem no mercado. E esta circunstância propicia
às empresas existentes autênticas situações de tipo monopolista, permitindo-lhes estabelecer acordos entre si, no
que toca à fixação dos preços, à distribuição do mercado, etc, e elaborar e concretizar com segurança os seus
planos a longo prazo.
A produção em série de grandes quantidades de bens de consumo implica, por sua vez, a existência de um
consumo de massa, pois as empresas capitalistas produzem para realizar lucros e só alcançam o seu objectivo se
venderem os bens que produzem. A sociedade de consumo é, na sua essência, uma forma de organização da vida
económica e social e uma ideologia ao serviço das grandes estruturas produtivas capitalistas, já que, o mito da
sociedade de consumo não passa de um alibi da sociedade de produção com mira no lucro. As várias técnicas ao
serviço da sociedade de consumo permitem às grandes empresas não só fixar os preços como também “fabricar”
os consumidores que lhes interessam, produzir a procura de que carecem para esgotar as quantidades que lhes
convém produzir e oferecer, aquelas em que podem realizar maiores margens de lucro. Criar necessidades e
estimular o desejo de consumir são as missões que cabem à publicidade, à moda, ao expediente das vendas a
prestações e outras técnicas de crédito ao consumo, a toda a panóplia das modernas “técnicas de venda”. Tudo
isto para viciar os indivíduos a consumir determinados bens que às empresas interessa vender, para envelhecer
periódica, rápida e programadamente os bens, para que os bens “envelhecidos”, antiquados, fora de moda, sejam
substituídos por outros, para criar condições favoráveis ao consumo de certos bens mediante facilidade de crédito
para a sua aquisição.
Paralelamente, a actuação do estado passou a apresentar-se, para as grandes empresas, “como um meio
de reduzir as incertezas do investimento e de realizar o desenvolvimento ordenado dos seus mercados”. Este é o
significado coerente e razoável da planificação pública em economias que assentam a sua lógica interna na
propriedade privada dos meios de produção. Estes são os objectivos que as empresas passaram a esperar e a exigir
da planificação estadual.
Por outros meios, aliás, o estado passou a assegurar, muitas vezes de antemão, um certo volume de
vendas e a cobrir os riscos do investimento.
Acresce ainda que a presença do estado se foi concretizando também no estabelecimento de uma zona
progressivamente alargada de preços fixados à margem do mercado, ou seja, fruto de outros factores que não a
simples actuação dos empresários e dos consumidores. Com efeito, o estado passou a intervir de formas várias na
fixação dos preços dos produtos agrícolas, já para proteger os proprietários, já para evitar a subida dos preços de
bens de primeira necessidade. Alargou-se a gama de bens e serviços originários de explorações do sector público,
com preços fixados segundo uma lógica diferente da lógica privada inerente ao jogo da oferta e da procura.
Ganhou também importância a intervenção do estado, por meios jurídicos e políticos, na fixação do salário, preço
da força de trabalho, uma mercadoria essencial em economia capitalista. O estado interveio no processo de
fixação dos preços de uma variedade crescente de produtos, quer directamente, quer indirectamente, actuando
sobre a oferta e sobre a procura.
Perante as economias capitalistas com estas características, em que sentido poderá continuar a falar-se
delas como economias de mercado?
As economias capitalistas sempre poderão definir-se como economias de mercado, porque a lógica do
capitalismo, assente na propriedade privada dos meios de produção, é a de a iniciativa de produção pertencer às
empresas capitalistas, que produzem com vista à obtenção de lucros, à valorização do capital, e não com vista à
satisfação das necessidades individuais ou colectivas.
Economias de mercado porque, na mira do lucro, as empresas produzem para o mercado, produzem para
vender e tudo fazem para vender, ainda que se trate de bens socialmente supérfluos, sumptuários ou inúteis e
ainda que tal implique um pesado encargo para o consumidor, na medida em que os enormes custos de venda
despendidos se vão transferir para os preços dos produtos.
Economias de mercado porque não conseguiram ultrapassar as contradições inerentes ao seu carácter
“anárquico”, patente na abundância e na facilidade de obtenção de certos bens e serviços que não ocupam os
primeiros postos numa escala racional de prioridades, em comparação com a penúria de outros bens de primeira
necessidade à luz de uma escala de prioridades inspirada por uma outra racionalidade e patente também na
permanência das crises cíclicas, do desemprego, da inflação. De tudo isto nos dão exemplos elucidativos os mais
avançados de entre os países de economia de mercado.

A “revolução keynesiana”. O estado-providência


Keynes mostrou que a Grande Depressão não poderia explicar-se em termos monetários. Contra a teoria
dominante, veio defender que os factores determinantes das crises do capitalismo são as forças reais da
economia, e não a oferta de moeda. Nestes termos, a crise só podia entender-se como o reflexo de um colapso no
investimento privado e/ou de uma situação de escassez de oportunidades de investimento e/ou de um excessivo
espírito de economia por parte dos consumidores, o que legitimava a sua conclusão de que a política monetária,
baseada no controlo da oferta da moeda, poderia talvez suster a inflação, mas era inadequada para estancar a
depressão e relançar o crescimento da economia.
A rejeição da lei de Say e do mito do equilíbrio espontâneo da economia constituem pontos fulcrais do
pensamento keynesiano e encerram o núcleo central da “revolução keynesiana”.
A lei de Say pressupõe que o móbil das economias capitalistas é a satisfação das necessidades das
pessoas: cada pessoa produz para satisfazer as suas necessidades, consumindo directamente os bens que produz
por moeda, que vai de imediato utilizar para adquiri bens de que necessita e que são produzidos por outrem. A
moeda funcionaria aqui tão só como intermediário geral nas trocas, permitindo ultrapassar as dificuldades da
troca directa em economias razoavelmente diversificadas. Se as economias funcionassem segundo esta lógica, as
crises de sobreprodução generalizada seriam impossíveis, porque cada produtor ou consume tudo o que produz
ou troca que lhe sobra por bens produzidos por outrem.
Keynes defendeu que nas economias capitalistas a circulação se faz assim: quem tem dinheiro acumulado
vai comprar mercadorias, incluindo a força de trabalho assalariada, para produzir mercadorias que se destinam a
ser vendidas para obter mais dinheiro. E mostrou que nas economias que funcionam segundo a lógica do lucro e
não segundo a lógica da satisfação das necessidade “uma situação próxima do pleno emprego é tão rara como
efémera”, considerando inerentes a este tipo de economias as situações de equilíbrio com desemprego
involuntário.

Para explicar as situações de desemprego involuntário, que considera o problema mais grave das
economias capitalistas, Keynes lança mão do conceito de procura efectiva, que foi buscar a Malthus: o montante
das despesas que se espera que a comunidade faça em consumo e em investimento novo. Se esta procura efectiva
não for suficiente para absorver toda a produção a um preço compensador, haverá desemprego de recursos
produtivos.
Este desemprego será desemprego involuntário, no sentido de que há pessoas sem emprego desejosas
de trabalhar por um salário real inferior ao praticado.
Isto significa que, ao contrário do que defendiam os “clássicos”, o nível de emprego não depende do jogo
da oferta e da procura no mercado de trabalho, antes é determinado por um factor exterior ao mercado de
trabalho, a procura efectiva.
E significa também que é o volume do emprego que determina, de modo exclusivo, o nível dos salários
reais, e não o contrário. Ou seja: não é o facto de os salários serem altos que provoca elevado nível de
desemprego, do mesmo modo que o facto de os salários serem baixos não arrasta consigo, necessariamente, um
baixo nível de desemprego. Ao invés: os salários tendem a baixar quando a taxa de desemprego é elevada, e
tendem a subir quando a taxa de desemprego é baixa.
A necessidade de ultrapassar as situações de insuficiência da procura efectiva para combater o
desemprego exigia, na óptica de Keynes, uma intervenção mais ampla e mais coordenada do estado, apoiada na
política financeira de controlo das receitas e das despesas do estado. Esta fiscal policy seria a única capaz de
influenciar as forças da economia, sendo por isso considerada o instrumento fundamental para estabilizar as
flutuações da economia, para promover o crescimento económico e para prosseguir os objectivos do pleno
emprego, da estabilidade dos preços e do equilíbrio da balança de pagamentos, a para da redistribuição do
rendimento em benefício dos mais pobres, objectivos que os governos passaram a assumir na sequência da
“revolução keynesiana”.
Nomeadamente em períodos de crise, Keynes defendeu o recurso ao deficit financing, isto é, ao
financiamento das despesas públicas mediante o recurso à dívida pública e/ou à demissão de moeda,
argumentando que a riqueza criada por essas despesas públicas permitiria depois amortizar os empréstimos
contraídos e/ou evitar a inflação.
Keynes advogou a necessidade de uma certa coordenação pelo estado do aforro e do investimento de
toda a comunidade. Por duas razões fundamentais:
1) Porque as questões relacionadas com a distribuição do aforro pelos canais
nacionais mais produtivos “não devem ser deixadas inteiramente à mercê de juízos privados e dos lucros
privados”;
2) Porque “não se pode sem inconvenientes abandonar à iniciativa privada o cuidado
de regular o fluxo corrente do investimento”.
Keynes encara as medidas que propõe como uma forma de salvaguardar e garantir as condições para a
obtenção de lucros privados e não diz qual a parte do investimento global que deve estar a cargo de entidades
públicas e que parte do investimento global poderá ser levada a cabo por empresas privadas, sob a influência de
entidades públicas. Mas estes apontamentos justificam uma leitura de Keynes que não se confine às
interpretações redutoras que procuraram fazer passar a mensagem de Keynes como “uma hábil política
orçamental e monetária” capaz de levar as economias capitalistas a libertar-se das suas contradições, continuando
a funcionar segundo os cânones do modelo liberal.
São, pois, propostas de natureza conjuntural no sentido de reforçar o estado capitalista, embora Keynes
pressuponha que o estado é uma instância política neutra, acima das classes, representando a vontade geral e
prosseguindo o interesse comum.

Na era da “sociedade de consumo”, perante uma produção em massa, o consumo dos ricos não consegue
assegurar o escoamento de toda a produção. O aumento do consumo dos pobres, o consumo de massas é uma
necessidade, resultante do próprio desenvolvimento tecnológico proporcionado pela “civilização burguesa”.
Um dos méritos de Keynes foi ter compreendido e enquadrado teoricamente esta problemática. Para
assegurar mais estabilidade às economias capitalistas, de moda a evitar sobressaltos como o da Grande Depressão,
é necessário que os desempregados não percam todo o seu poder de compra, que os doentes e inválidos recebam
algum dinheiro para gastar, que os idosos não percam o seu rendimento quando deixam de trabalhar.
Keynes identifica os dois “vícios” que considera mais marcantes das economias capitalistas: a
possibilidade da existência de desemprego involuntário, e o facto de que a “repartição da riqueza e do rendimento
é arbitrária e carece de equidade”. E defende que a correcção destes vícios constitui a principal responsabilidade
do estado.
Embora reconhecendo que a propriedade privada e o aguilhão do lucro possam ser factores estimulantes
do progresso económico, Keynes defende, por um lado, que “a sabedoria e a prudência exigirão sem dúvida aos
homens de estado autorizar a prática do jogo sob certas regras e dentro de certos limites”. E defende, por outro
lado, que a acentuada desigualdade de rendimentos contraria mas do que favorece o desenvolvimento da riqueza,
negando assim uma das principais justificações sociais da grande desigualdade de riqueza e de rendimento.
Ficava assim legitimada a intervenção do estado na busca de mais justiça social, de maior igualdade entre
as pessoas, os grupos e as classes sociais. A “equação keynesiana” foi uma tentativa de conciliar o progresso social
e a eficácia económica.
A esta necessidade respondeu a criação do estado-providência, assente na intervenção sistemática do
estado na economia, na redistribuição da riqueza e do rendimento, na regulamentação das relações sociais, no
reconhecimento de direitos económicos e sociais aos trabalhadores, na implantação de sistemas públicos de
segurança social, em nome do princípio da responsabilidade social colectiva.

As políticas que se traduzem no financiamento público dos chamados consumos sociais são um bom
exemplo da integração das políticas keynesianas na lógica do capitalismo. Com efeito, além de assegurar as
despesas com o aparelho de poder destinado à defesa da ordem estabelecida, o estado financia as despesas
necessárias ao conveniente desenvolvimento das forças produtivas sociais. Trata-se de despesas que se
enquadram na chamadas política de redistribuição do rendimento.
Esperou-se que elas reduzissem significativamente e duradouramente as desigualdades, permitindo ao
capitalismo ganhar mais resistência às crises e apagar o ferrete que o acompanha desde o início de ser a civilização
das desigualdades. A verdade, porém, é que os resultados não corresponderam às expectativas, mesmo nos países
onde essas políticas foram levadas mais a sério.
É claro que em muitos países o estado-providência nunca foi concretizado.
A verdade, porém, é que mesmo quando cobertas com receitas provenientes de impostos cobrados em
maior medida às camadas sociais de rendimentos elevados acabam por repercutir-se favoravelmente sobre o
aparelho produtivo privado.
Não há dúvida de que estas despesas irão aproveitar individualmente, em maior ou menor medida,
àquelas pessoas que consomem gratuitamente os respectivos bens ou serviços, e, entre elas, a maioria pertencerá,
porventura, a camadas de baixos rendimentos. Esse consumos irão, porém, beneficiar, por outro lado, os donos
das empresas.
Desde logo, porque o facto de esses consumos serem pagos com as receitas do estado permite que as
classes trabalhadoras vão satisfazendo as exigências históricas da sua subsistência, variáveis de país para país e de
época para época, sem ter que aumentar correspondentemente o “salário directo”: parte de que os ricos
desembolsam a título de imposto poupá-lo-ão nos salários que pagam aos que trabalham nas suas empresas, que,
assim, podem ser mais baixos.
Depois, o facto de esses consumos serem gratuitos liberta uma montante equivalente de rendimentos,
que podem ser utilizados na compra dos bens que as empresas produzem para vender no mercado, aumentando,
portanto, a procura solvável, o poder de compra efectivo das populações e, consequentemente, o volume de
vendas e os lucros globais das empresas.
Finalmente, as referidas despesas do estado, realizadas no âmbito da política de redistribuição,
aproveitam ainda, por outra via, aos proprietários dos meios de produção. Na verdade, essas despesas são
correntemente designadas como investimentos em homens, pretendendo significar-se que tais despesas vão
propiciar trabalhadores mais sãos, mais fortes, mais cultos, mais sabedores, numa palavra mão-de-obra mais
qualificada, capaz de produzir mais, de dar maior rendimento aos empregadores.
A “contra-revolução monetarista”
No início da década de 1970, as economias capitalistas geraram um fenómeno novo: situações
caracterizadas por um ritmo acentuado de subida dos preços, a par de uma taxa de desemprego relativamente
elevada e crescente e de taxas decrescentes de crescimento do PNB. Começava a era da estagflação.
Este fenómeno da estagflação veio pôr em causa alguns dos quadros teóricos do keynesianismo e veio
perturbar a solução até então utlizada com relativa facilidade, baseada no trad-off inflação/desemprego: as
políticas financeiras expansionistas aqueciam a economia, resolvendo o problema do desemprego à custa de um
pouco mais de inflação; as políticas restricionistas arrefeciam a economia, resolvendo o problema da inflação à
custa de um pouco mais do desemprego.
Os monetaristas vieram proclamar que a inflação é o caminho para o desemprego, acusando as políticas
de inspiração keynesiana de todos os males do mundo e colocando no pelourinho Keynes e o estado keynesiano.
A adopção do sistema de câmbios flutuantes, primeiro entre os EUA e os seus parceiros comerciais, e
logo de imediato aplicado em todo o mundo. Assim se entregava às “leis do mercado” um preço tão importante
como o das divisas utilizadas nos pagamentos internacionais. A “irmandade dos bancos centrais” apoiou
abertamente as teses monetaristas, começando o combate pelo reconhecimento da independência dos bancos
centrais enquanto entidades reguladoras do mercado do crédito, reivindicando-se para eles a titularidade da
política monetária e a capacidade de decisão nesta área sem qualquer interferência dos órgãos políticos
legitimados democraticamente e sem qualquer controlo por parte das instâncias do estado.
Este foi um ponto de viragem a favor das correntes neoliberais. Pode dizer-se que começa então, na
prática, a ascensão ao monetarismo. Do ponto de vista político-económico, foi o início da contra-revolução
monetarista.
Poderemos dizer que começou então a história da terceira onda de globalização.

A noção de desemprego voluntário


Os monetaristas vieram recuperar a velha Lei de Say, defendendo a impossibilidade de crises gerais e
duradouras nas economias de mercado, porque os mecanismos de mercado asseguram espontaneamente o
equilíbrio em todos os mercados.
E vieram relançar também a tese de que o desemprego é sempre desemprego voluntário. Desde logo
porque, se o mercado de trabalho funcionar sem entraves, quando a oferta de mão-de-obra for superior à sua
procura o preço da mão-de-obra baixará até que os empregadores voltem a considerar rentável contratar mais
trabalhadores. Nestas condições, as economias tenderiam para uma determinada taxa natural de desemprego,
que traduziria o equilíbrio entre a oferta e a procura de força de trabalho, qualquer que fosse a taxa de inflação.
Segundo a óptica monetarista, as variações conjunturais do nível de desemprego nas actuais economias
capitalistas são explicáveis fundamentalmente através das variações da procura voluntária de emprego e de lazer
por parte dos trabalhadores e não através das variações da oferta de postos de trabalho por parte das empresas.
Numa outra perspectiva, os monetaristas partem do princípio de que os trabalhadores assalariados
podem escolher livremente entre aceitar uma redução do seu salário e deixar o seu actual posto de trabalho.
Colocado nesta situação, se pensarem que a baixa do salário real não é geral e que podem encontrar trabalho em
outras empresas à anterior taxa de salário, escolherão a segunda alternativa e lançam-se numa actividade de
procura de emprego. Assim sendo, estas situações de desemprego temporário não representariam verdadeiro
desemprego, antes reflectiriam um maior grau de mobilidade dos trabalhadores.
Nesta óptica, o desemprego é desemprego voluntário mesmo nos casos em que os trabalhadores estão
desempregados por razões independentes da sua vontade, uma vez que eles podem determinar livremente o
tempo de procura de um novo posto de trabalho, e que a eles cabe decidir entre procurar e não procurar um novo
posto de trabalho. Se o não procuram, isso significa, para os monetaristas, que esses trabalhadores preferem o
lazer ao rendimento real que poderiam receber se trabalhassem.
É o regresso às concepções pré-keynesianas, que consideravam o desemprego como a consequência de
salários reais demasiado elevados, em virtude de os trabalhadores não aceitarem uma redução dos salários
suficiente para que a sua renumeração igualasse a produtividade marginal do seu trabalho e os empregadores
tivessem interesse em os contratar.
Desvalorizado assim o desemprego, ele deixou de constar das preocupações dos responsáveis, até
porque, segundo a nova/velha teoria, as economias se encaminhariam espontaneamente para a situação de pleno
emprego, desde que se deixassem funcionar livremente os mecanismos do mercado. A inflação surgiu como o
inimigo público número um. No combate prioritário à inflação devem sacrificar-se todos os demais objectivos de
política económica, nomeadamente os introduzidos por Keynes para conciliar o capitalismo com a democracia.
Esta política anti-inflacionista opera através da contracção da actividade económica e do aumento do
desemprego, esperando os seus defensores que daqui resulte uma redução dos salários reais capaz de assegurar
às empresas uma taxa de lucro suficientemente elevada para estimular o aumento dos investimentos privados e o
relançamento posterior da economia, com o consequente aumento do volume do emprego. Essencial é que se
entregue a economia ao livre jogo das “leis do mercado”, se reduz a intervenção do estado na economia e se
anulem os “monopólios sindicais”.
Com efeito, os monetaristas sobrelevam, entre os factores susceptiveís de explicar o aumento da referida
taxa natural de desemprego o fortalecimento do que designam por poder monopolista dos sindicatos, a legislação
que impõe o salário mínimo, a instituição dos subsídios de desemprego e outras contribuições da segurança social
em benefício dos desempregados, e/ou a sua aplicação a categorias mais amplas de trabalhadores, o aumento do
seu montante e da sua duração.
Os neoliberais insistem, porém, nos malefícios resultantes da existência de um sistema público de
segurança social.
Invocam, por um lado, que ele contribuiu para tornar mais atractiva a entrada no mercado de trabalho, o
que terá provocado um aumento da população trabalhadora enquanto percentagem da população total. Mas
realçam, sobretudo, que a existência desse sistema permite uma diminuição do custo relativo do lazer perante o
trabalho, exactamente porque as pessoas temporariamente sem emprego continuariam, durante um período de
tempo mais ou menos longo, a ver satisfeitas as suas necessidades básicas. Daí que os trabalhadores
desempregados possam aguardar mais tempo sem procurar novo posto de trabalho e se mais exigentes na
aceitação de postos de trabalho alternativos.
De acordo com este raciocínio, a maior mobilidade e o grau crescente de exigência dos que procuram
emprego é que seriam responsáveis pelo aumento das taxas de desemprego. Também por esta via os neoliberais
sustentam que o desemprego é, essencialmente, desemprego voluntário, defendendo que, em mercados de
trabalho concorrenciais, o emprego e o desemprego efectivos revelariam as verdadeiras preferências dos
trabalhadores entre trabalhar e dedicar o seu tempo a usos alternativos.
Ao fim e ao cabo, o que os monetaristas pretendem é que, como nos primeiros tempos do industrialismo,
o reequilíbrio se faça à custa da diminuição dos salários reais.
A verdade, porém, é que o liberalismo económico funcionou nas condições históricas dos séculos XVIII e
XIX, consideravelmente diferentes das actuais:
a) A tecnologia industrial era relativamente rudimentar e adaptada a empresas de
pequena dimensão;
b) A concentração capitalista era inexistente ou pouco relevantes;
c) Os trabalhadores não estavam organizados e não gozavam da totalidade dos
direitos civis e políticos;
d) Os governos podiam, por isso mesmo, ignorar impunemente os sacrifícios das
crises cíclicas da economia capitalista, qualquer que fosse a sua duração e intensidade.
É claro que a solução de impor aos trabalhadores o ónus de pagar a crise só funcionou porque o
capitalismo era então, sem disfarces, um sistema em que os que não podiam trabalhar também não podiam
comer.
Parece inegável, por outro lado, que, à medida que os trabalhadores foram conquistando o direito ao
sufrágio universal e a generalidade dos direitos civis e políticos, o laissez-faire começou a experimentar
dificuldades crescentes, que culminaram com a Grande Depressão dos anos 1929-1933 e o risco de um colapso
iminente do próprio capitalismo.

O ataque ao movimento sindical


Os neoliberais vêm insistindo na necessidade de expurgar o mercado de trabalho das imperfeições que
lhe foram sendo introduzidas e na necessidade de imputar aos sindicatos toda a responsabilidade pela criação das
condições para o pleno emprego da mão-de-obra. Quer dizer: enquanto houver trabalhadores desempregados, os
sindicatos têm de aceitar a redução dos salários nominais.
Colocada assim a questão, um pequeno passo basta para concluir pela necessidade de domesticar os
“agressivos monopólios sindicais”, que Friedman acusa de provocarem a restrição do número de postos de
trabalho, por exigirem salários elevados e resistirem à baixa dos salários nominais, acusação que refina ao
proclamar que as vitórias que os sindicatos fortes conseguem para os seus membros são obtidas acima de tudo à
custa de outros trabalhadores.
Outra linha de argumentação põe em relevo que os sindicatos começam a tornar-se incompatíveis com a
economia de livre empresa e que, se se quer preservar o sistema de livre empresa, será necessário reduzir o poder
monopolístico dos sindicatos operários. O fantasma da ingovernabilidade vem sendo agitado contra os sindicatos.
Por um lado, condena a ideia de que é o interesse público que os sindicatos sejam restringidos o menos
possível na prossecução dos seus objectivos, porque foi em nome dessa ideia que os monopólios sindicais
acabaram por adquirir privilégios únicos, de que não goza qualquer outra associação ou indivíduo. Aceitar aquela
ideia equivaleria a aceitar que, no domínio das relações de trabalho, os fins justificam os meios.
Por outro lado, ele considera especialmente perigoso o poder alcançado pelos sindicatos, que se
traduziria na “coerção de homens sobre outros homens”, na “coerção de trabalhadores pelos seus companheiros
trabalhadores”. Só porque se tem admitido que eles exerçam um tal poder de coerção “sobre aqueles que querem
trabalhar em condições não aprovadas pelos sindicatos” é que estes se tornaram capazes de exercer igualmente
uma poderosa coerção sobre os empregadores.
A aceitação da pretensão dos sindicatos de aumentar os salários tendo em conta os aumentos da
produtividade significa o reconhecimento do direito de expropriar uma parte do capital das empresas.

A liquidação do sistema público de segurança social


O ideário liberal rejeita o objectivo de redução das desigualdades, em nome de um qualquer ideal de
equidade e de justiça: as políticas que buscam realizar a justiça social distributiva são sempre encaradas como um
atentado contra a liberdade individual. É o regresso à tese smithiana de que o mecanismo do mercado realiza a
“concorrência admirável do interesse e da justiça”, tornando indissociáveis a liberdade, a eficiência económica e a
equidade social.
Neste domínio da filosofia social, o neoliberalismo exclui da esfera da responsabilidade do estado as
questões atinentes à justiça social, por isso, toda a legitimidade das políticas de redistribuição do rendimento.
Considerando os descontos obrigatórios para a segurança social um atentado contra a liberdade
individual, os neoliberais sustentam que esse atentado é tanto mais grave e intolerável quanto é certo que, na sua
perspectiva, o objectivo que se pretende alcançar ficará melhor acautelado se cada pessoa o assumir, como
responsabilidade própria, tomando, em conformidade, as medidas adequadas.
Friedman não hesita em qualificar o princípio da responsabilidade social colectiva como “uma doutrina
essencialmente subversiva”. Ele menospreza a liberdade dos que se vêem na necessidade de “estender mão à
caridade”. No entanto, estes são, justamente, os que mais se vêem privados da sua dignidade e da sua liberdade
como pessoas, o mais elevado dos valores a proteger, segundo o ideário liberal. Ao defender que a única igualdade
a que os homens têm direito é “o seu igual direito à liberdade”, o liberalismo friedmaniano não pode garantir a
todos os homens a liberdade e a dignidade a que cada um tem direito. É uma proposta de regresso ao passado,
que não contém a promessa de nenhum paraíso, mas contém a ameaça de nos fazer regressar ao inferno perdido
do apogeu do laissez-faire, do tempo em que, pura e simplesmente, quem não encontrava trabalho não comia e
quem não comia morria.
Num outro registo, os monetaristas sustentam que as transferências sociais, reduzindo o custo do ócio,
são uma autêntica subvenção à preguiça. Talvez possamos sintetizar deste modo a filosofia dos neoliberais: “os
ricos não trabalham o suficiente porque não ganham o suficiente; os pobres trabalham pouco porque ganham
demasiado”.
Friedman defende, com toda a clareza, a necessidade de “derrubar definitivamente este estado-
providência ao serviço dos ricos e das classes médias”, advogando a ideia de que, em vez dele, “é altura de as
democracias ocidentais retomarem o incentivos para produzir, empreender, investir”.
Os neoliberais voltam, assim, as costas à cultura democrática e igualitária da época contemporânea,
caracterizada não só pela afirmação da igualdade civil e política para todos, mas também pela busca da redução
das desigualdades entre os indivíduos no plano económico e social, no âmbito de um objectivo mais amplo de
libertar a sociedade e os seus membros da necessidade e do risco, objectivo que está na base dos sistemas
públicos de segurança social.

As privatizações. O estado regulador


A onda privatizadora obrigou a reequacionar o papel do estado capitalista nas condições entretanto
criadas.
Os mais moderados logo se aperceberam de que as privatizações arrastavam consigo a necessidade de
garantir a salvaguarda de determinados interesses públicos e a consequente imposição às empresas privadas que
forneçam “serviços públicos” de um conjunto de obrigações de serviço público. O objectivo anunciado é o de
acautelar o interesse público, que pode consistir na defesa do ambiente, na defesa dos consumidores em geral. No
que toca aos serviços públicos, o interesse público a proteger consiste na garantia da sua qualidade,
universalidade, segurança, continuidade e acessibilidade ao conjunto da população.
A ideia de que os sectores assim privatizados deveriam ser objecto de passou a ser defendida pelos
autores e pelas correntes políticas que têm apoiado as privatizações e o esvaziamento do papel do estado na
economia.
Uns, por puro oportunismo: a defesa da regulação ajudava a passar mais facilmente junto da opinião
pública a política de privatizações. São os que, agora, alcançados os objectivos que pretendiam, clamam contra a
regulação, acusando-a de constituir um impecilho ao domínio absoluto do mercado, das suas leis naturais e da sua
racionalidade superior.
Outros, por entenderem que o mercado, deixado a si próprio, não salvaguarda inteiramente o interesse
público, não garante as condições indispensáveis a um funcionamento organizado do capitalismo e à paz social
capaz de viabilizar o funcionamento do sistema sem o recurso a práticas abertamente anti-democráticas.
Assim começou a ganhar corpo o conceito de economia de mercado regulada, conceito sobre o qual se
construiu o conceito de estado regulador, contra o “estado keynesiano”. Em nome das virtudes da concorrência e
do primado da concorrência, liberta-se o estado económico das sua competências e das suas responsabilidades e
esvazia-se o estado social, o estado responsável pela prestação de serviços públicos. Como compensação, oferece-
se a regulação do mercado, sempre que se verifiquem determinadas situações.
Em primeiro lugar, sempre que haja falhas de mercado, como as situações de monopólio natural, em que
a concorrência não é praticável por não se justificar mais do que um operador.
Em segundo lugar, sempre que seja necessário garantir o respeito, por parte das empresas privadas, de
certas obrigações de serviço público, obrigações que de outro modo não seriam respeitadas por serem
incompatíveis com a lógica do lucro.
Finalmente, sempre que seja necessário proteger os consumidores ou tentar evitar ou reduzir os
chamados custos sociais do desenvolvimento.
Na área dos serviços públicos, não pode haver sectores reservados às empresa
públicas. Imposta pelas instituições comunitárias, a liberalização do mercado dos serviços públicos, acabou por
conduzir à privatização das empresas públicas produtoras e distribuidoras de serviços públicos, servindo a
regulação como capa protectora deste recuo histórico.

Este quadro em que surgiu, a partir do anos 80 do século XX, o novo figurino do estado capitalista, o
estado regulador. A defesa da concorrência é entregue a agências de defesa da concorrência; a regulação
sectorial dos vários mercados regulados é confiada a agências reguladoras.
Apesar destas alterações, os defensores do estado regulador sustentam que ele não abandonou
inteiramente a sua veste de estado intervencionista, invocando que o seu propósito é exactamente o de
condicionar ou balizar a actuação dos agentes económicos, em nome da necessidade de salvaguardar o interesse
público.
Argumenta-se que não é conveniente deixar o mercado entregue a si próprio e proclama-se a necessidade
de o estado definir o estatuto jurídico do mercado. Esta responsabilidade pública de regular seria ainda, uma
forma de intervenção do estado na economia, permitindo apresentar o estado regulador como um estado activo
no domínio da economia, que passaria a ser uma economia de mercado regulada, ou uma economia social de
mercado.
Segundo este ponto de vista, apesar de prestados por empresas privadas, os serviços públicos
continuariam na esfera da responsabilidade pública. A regulação do mercado representaria, assim, o modo de o
estado assegurar a realização do interesse público e o respeito da ordem pública económica, apresentando-se o
direito da regulação como a “disciplina jurídica do mercado e da economia, como novo direito público da
economia”. Pretende-se salvar a ideia de que, com o estado regulador, os serviços públicos continuariam na
esfera da responsabilidade pública.
É diferente a nossa leitura do estado regulador: ele foi inventado para encobrir a política que visa
exactamente retirar ao estado a competência, o poder e os meios para assumir cabalmente esta responsabilidade
pública, correspondendo, basicamente, ao modelo do estado liberal, visando, em última instância, assegurar o
funcionamento de uma economia de mercado, que inclua os serviços públicos, e na qual a concorrência seja livre e
não falseada.
Com efeito, desde muito cedo o pensamento liberal impôs a ideia de que esta função de regulação,
embora justificada pela necessidade de salvaguarda do interesse público, deveria ser prosseguida, não pelo estado
enquanto tal, mas por agências reguladoras independentes.
Ao substituírem o estado no exercício desta função reguladora, esta agências concretizam uma solução
que respeita o dogma liberal da separação entre o estado e a economia: o estado deve manter-se afastado da
economia, não deve intervir na economia, deve estar separado dela, porque a economia é área privativa dos
privados. A manutenção de algumas empresas públicas só é tolerada se elas se comportarem como se fossem
empresas privadas.
“É ao princípio da separação entre política e administração que se reconduz o fenómeno da criação de
entidades administrativas independentes ”. Partindo do princípio de que as funções das entidades reguladoras são
funções meramente técnicas e não-políticas, o que se pretende é subtrair à esfera da política a acção destas
entidades ditas independentes, alegando-se que só assim se consegue a sua neutralidade.
Esta ideia de subtrair a administração à acção da política parece pressupor que a política é uma coisa
feia ou uma doença perigosa, que é preciso isolar. Ora a política é a administração da cidade.
Tal ideia traz consigo a substituição do estado democrático por um estado tecnocrático, que se pretende
fazer passar por um estado neutro, governado por pessoas competentes, que não pensam em outra coisa que não
o interesse público.
A entrega das tarefas de regulação económica às autoridades reguladoras independentes só pode
entender-se como uma cedência às teses neoliberais do esvaziamento do estado e da morte da política, em nome
da ideia de que não pode confiar-se ao estado nem sequer a tarefa de assegurar, por si próprio, a prossecução e a
proteccção do interesse público. Mesmo em áreas tradicionalmente consideradas fora do mercado.
Parece óbvio que não pode esperar-se de uma entidade neutra a definição e a execução de políticas
públicas. Esta tarefa implica escolhas políticas que comprometam o estado. Ora o chamado estado regulador
revela-se, afinal, um estado pseudo-regulador, um estado que renuncia ao exercício, por si próprio, dessa função
reguladora, inventada para responder à necessidade de, perante a privatização do próprio estado, salvaguardar o
interesse público. E, como se tal não bastasse, transfere essa função reguladora para entidades independentes,
que se querem politicamente puras, actuando apenas em função de critérios técnicos.

Os defensores deste estado regulador sublinham que as agências reguladoras independentes são
organismos técnicos, politicamente neutros, acima do estado, pondo em relevo que “o seu ethos radica na
neutralidade da actuação sobre o mercado através da promoção da eficiência”. Pretende-se deste modo justificar
o facto de elas não prestarem contas perante nenhuma entidade legitimada democraticamente nem perante o
povo soberano. Tanto esforço despendido para entender-se pela consciência que todos temos que a prestação de
contas é a pedra de toque da democracia. Sem ela, será a morte da política. E uma ameaça à democracia, tal
como a entendemos.
É um esforço inglório, porque nos parece evidente que essas agências exercem funções políticas e tomam
decisões políticas com importantes repercussões sociais. Na verdade, as autoridades reguladoras independentes
vêm chamando a si parcelas importantes da soberania, pondo em causa, no limite, a sobrevivência do próprio
estado de direito democrático, substituído por essa espécie de estado oligárquico-tecnocrático, que, em nome
dos méritos dos técnicos especialistas independentes que governam este tipo de estado, não é politicamente
responsável perante ninguém, embora tome decisões que afectam a vida, o bem-estar e os interesses de milhões
de pessoas.
Por isso contestamos a legitimidade deste poder tecnocrático, sustentando que as suas funções deveriam
ser confiadas a entidades legitimadas democraticamente e politicamente responsáveis. A política não pode ser
substituída pelo mercado, nem o estado democrático pode ser substituído por um qualquer estado tecnocrático,
em nome da velha ideia liberal de que a democracia se esgota na liberdade individual e de que a liberdade só é
garantida pelo mercado e só se realiza no mercado.

Vários argumentos têm sido invocados para justificar esta regulação “amiga do mercado” e a sua entrega
a entidades independentes. Mas não faltam razões para legitimar as múltiplas reservas que vêm sendo levantadas
a esta concepção da função reguladora e ao modo como é exercida.
Muito agitada tem sido a questão do défice democrático da solução que entrega a regulação a entidades
independentes e dos perigos que ela representa para o estado democrático e para a democracia.
Particularmente acesa tem sido, a este propósito, a discussão à volta da problemática da independência
dos bancos centrais, enquanto titulares da política monetária e autoridades reguladoras independentes do
mercado do crédito.
As políticas neoliberais foram amputando o estado democrático das competências, dos meios e dos
poderes que foi assumindo à medida que as sociedades se tornaram mais complexas e que os interesses e as
aspirações dos trabalhadores conquistaram um pequeno espaço no seio do poder político. E não falta quem
entenda que, nestas novas condições, a regulação da economia não significa mais do que a tentativa de tapar o
sol com a peneira. Porque a mão invisível do mercado deu lugar à mão invisível dos grandes conglomerados
transnacionais. O mercado são eles. E são eles que “mandam” no mercado e nas entidades que se propõem
regular os mercados.

Uma nota sobre a globalização


Há quem diga que os portugueses foram os pais da globalização. E a verdade é que faz sentido defender
que as viagens oceânicas dos portugueses, a partir do século XV, deram origem à primeira onda de mundialização
e de globalização, marcada pela colonização e pela pilhagem de vários povos e pelo tráfico de escravos.
A segunda onda de globalização teve lugar por força e por ocasião da corrida às colónias que
acompanhou a segunda revolução industrial no último quartel do século XIX e que teve como ponto alto a célebre
Conferência de Berlim, que abriu o processo de partilha dos territórios colonizados entre as grandes potências
capitalistas.
Esta luta entre os estados capitalistas nacionais, muitas vezes apoiada pelas armas e pela diplomacia,
acabou por conduzir o mundo às duas guerras mundiais inter-imperialistas, que marcaram dramaticamente o
século XX.
Entretanto, ela traduziu-se no recrudescimento do colonialismo e na exploração
económica sistemática das colónias, integradas, como economias dominadas, nas teias do mercado mundial
unificado, subordinado à lógica da acumulação do capital à escala mundial, no quadro do processo designado por
“internacionalização do capital”.
Os povos colonizados foram as grandes vítimas destas duas ondas de mundialização e globalização. Eles
estão a ser igualmente as vítimas da actual onda de globalização e do neoliberalismo que orienta e condimenta.
Eles pagam, com a sua dependência, com o seu desenvolvimento impedido, uma parte importante dos custos do
desenvolvimento das potências capitalistas e da sua “sociedade da abundância”.
Neste nosso tempo marcado pela terceira onda de globalização, a produtividade do trabalho humano e a
produção efectiva de riqueza têm aumentado como em nenhum outro período da história, incluindo o período da
primeira revolução industrial, período durante o qual, quiçá pela primeira vez na sua história, os homens tomaram
consciência de que podiam transformar o mundo, tal o ritmo de crescimento económico. Hoje, a economia
levantou mesmo voo. E, no entanto, a miséria alastra e a desigualdade cresce.

Ideia geral
A globalização é um mundo em que “o sol nunca se põe no império da Coca-cola”. E todos entenderiam
do que se trata. Mas valerá a pena tentar ir um pouco mais fundo na compreensão deste fenómeno.
a) Uma primeira nota para adiantar que a globalização é um fenómeno complexo,
que se apresenta sob múltiplos aspectos, mas que tem no terreno da economia a chave da sua compreensão e
área estratégica da sua projecção.
b) Uma segunda nota para sublinhar que a globalização é um fenómeno cultural e
ideológico, marcado pela afirmação decisiva dos “aparelhos ideológicos” como instrumento de domínio por parte
dos produtores da ideologia dominante, a ideologia do pensamento único, a ideologia que impõe a sociedade de
consumo como paradigma de desenvolvimento, a ideologia que pretende anular as culturas e as identidades
nacionais.
c) Uma terceira nota para subscrever a tese daqueles autores para quem a
globalização neoliberal em curso é muito mais uma política de globalização do que um processo espontâneo e
inevitável. Uma política que visa essencialmente a implantação de um mercado mundial unificado, controlado pelo
capital financeiro e orientado para governar a economia mundial e impor um determinado modelo de sociedade.
d) Uma quarta nota para salientar que esta política de globalização se tornou
possível graças aos desenvolvimentos operados nos sistemas de transporte e nas tecnologias da informação, que
permitem controlar a partir do “centro” uma estrutura produtiva dispersa por várias regiões do mundo e
permitem obter informação e actuar com base nela, em tempo real, em qualquer parte do planeta, a partir de
qualquer ponto do planeta.
e) Uma outra nota para recordar que uma das características da política de
globalização em curso é a que se relaciona com o esbatimento do papel do estado na economia e com a anulação
do estado nacional.
Este está em risco de perder os tradicionais atributos da soberania e já perdeu a capacidade de controlar a
vida económica e o poder económico. Os capitalismos nacionais, que constituíram o quadro de desenvolvimento
do primeiro capitalismo, teriam sido submersos pela onda globalizadora.
f) Uma nota mais para sublinhar, porém, que não pode correr-se o risco de
interpretar a globalização como um regresso aos tempos do “capitalismo de concorrência”, agora projectado à
escala mundial. Neste nosso tempo, os protagonistas quase exclusivos são os grandes conglomerados
transnacionais, orientados por uma estratégia planetária, apoiados num poder económico que anula em absoluto
os mercados tal como as entendia a teoria da concorrência, e apostados em controlar o processo de
desenvolvimento económico à escala mundial.
g) Uma última nota para pôr em relevo que a globalização se caracteriza também
pelo domínio do capital financeiro, justificando o epíteto de capitalismo de casino para caracterizar o estádio
actual do capitalismo.
Com efeito, o processo de globalização financeira assume uma importância
fundamental no quadro da globalização, traduzindo-se, grosso modo, na criação de um mercado único de capitais
à escala mundial, que permite aos grandes conglomerados transnacionais colocar o seu dinheiro e pedir dinheiro
emprestado em qualquer parte do mundo.

A desintermediação, a descompartimentação e a desregulamentação são as três características essenciais


deste processo.
A desintermediação traduz-se na perda de importância da tradicional intermediação da banca nos
mecanismos do crédito. Os grandes investidores institucionais têm acesso directo e em tempo real aos mercados
financeiros de todo o mundo para a colocação dos fundos disponíveis e para obtenção de crédito, dispensando o
recurso aos intermediários financeiros e evitando os respectivos custos de intermediação.
A descompartimentação significa a perda de autonomia de vários mercados até há pouco separados e
agora transformados em um mercado financeiro, não só à escala de cada país mas também à escala mundial.
A desregulamentação consiste na plena liberalização dos movimentos de capitais, processo que teve
início nos anos 70 do século passado nos EUA, a que se seguiu a abertura do sistema financeiro japonês em
1983/84, o desmantelamento dos sistemas nacionais de controlo de câmbios na Europa e a liberalização “imposta”
aos países da Europa Central, da América Latina e da Ásia do Sudoeste.
A partir desta altura, sempre que um país recorre aos serviços do FMI, este tem condicionado o apoio
pretendido à aceitação, pelo país em dificuldades, dos princípios da livre convertibilidade da moeda e da livre
circulação internacional de capitais.

A liberdade de circulação de capitais


Esta “liberdade” tem permitido uma enorme aceleração da mobilidade geográfica dos capitais, facilitando
a acção predadora dos grandes operadores financeiros que jogam na especulação e colocando muitos países
situados na “reserva de caça” dos especuladores à mercê da chantagem da retirada dos capitais para países mais
atractivos.
Segundo os cânones do liberalismo, esta liberdade de circulação dos capitais, este mercado livre dos
capitais deveria ter como consequência a melhoria da eficácia do sistema financeiro, com a consequente redução
dos custos do financiamento e a distribuição mais equilibrada e mais racional do capital entre os vários países e os
vários sectores de actividade, promovendo um crescimento mais igual e mais harmonioso da economia mundial.
Como era de esperar, porém, a realidade não corresponde ao modelo.
A liberdade concedida aos especuladores deu origem à economia de casino, divorciada da economia real
e da vida das pessoas comuns: o montante das transacções financeiras internacionais é dezenas de vezes superior
ao valor do comércio mundial; milhões e milhões de dólares circulam diariamente no “mercado cambial único” em
busca de lucro fácil e imediato, sem qualquer relação com a actividade produtiva ou o comércio. O resultado está à
vista: grande instabilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio, turbulências nas bolsas de valores e nos
mercados de câmbio, crises recorrentes nas economias de vários países.
A especulação acentuou a instabilidade e a incerteza, o que significa um agravamento dos custos de
financiamento da economia. Em contrapartida, os grandes especuladores acumulam enormes ganhos de capital.
Por outro lado, só os grandes conglomerados transnacionais têm beneficiado com a baixa dos custos do
financiamento directo, porque só eles têm acesso à utilização plena dos novos instrumentos financeiros. À
margem dos ganhos do “mercado livre” têm ficado as pequenas e médias empresas e têm ficado também os
países mais fracos e menos desenvolvidos, muitos deles enleados na teia infernal da dívida externa, uma espécie
de “prisão perpétua por dividas”.

A “financeirização da economia”
Os factos dão razão ao velho Keynes que advertia para os perigos de paralisação da actividade produtiva
em consequência do aumento da importância dos mercados financeiros e da finança especulativa.
Nas últimas quatro décadas, as chamadas “forças do mercado” têm dominado toda a área financeira,
sobrepondo-se, nomeadamente, às políticas nacionais de regulação das taxas de câmbio, uma vez que as
autoridades competentes da generalidade dos países não têm meios para se defender eficazmente da acção dos
especuladores. Basta recordar que o montante das reservas detidas pelos bancos centrais de todo o mundo é
sensivelmente igual ao montante das transacções diárias no mercado cambial.
A aceleração do processo de inovação financeiro, nomeadamente o desenvolvimento do mercados de
produtos derivados, tem acentuado os perigos referidos. Criados como instrumentos de gestão dos riscos
inerentes à instabilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio, este novos “produtos financeiros” tornaram-se
rapidamente, dada a pequena percentagem do capital investido em relação aos ganhos possíveis, o objecto
preferido da actividade especulativa e um novo e poderoso factor de instabilidade dos mercados financeiros.
O recurso abusivo à emissão e comercialização destes produtos financeiros derivados conduziu
rapidamente à especulação e à manipulação dos “mercados”, através da emissão e negociação de “produtos”
criados não para cumprir qualquer função de cobertura ou compensação de riscos mas apenas para alimentar as
apostas na bolsa, o grande casino do capital financeiro. Chamam-lhe produtos para criar a ilusão de que resultam
de uma qualquer indústria ou de outra actividade produtiva, mas essa é, a todas as luzes, uma designação falsa,
enganadora e não inocente.
Os contornos e os riscos que esses “produtos” incorporam nem sempre são facilmente identificáveis,
mesmo pelos habituais frequentadores deste “casino”, que compram muitas vezes “produtos financeiros” tão
isotéricos que não sabem o que estão a comprar.
Trata-se de produtos virtuais, cujo valor global se calcula em cerca de biliões de dólares, mal conhecidos,
que não têm qualquer relação com a economia real e com as actividades produtivas. É capital puramente fictício,
cujo valor é fixado em função dos ganhos que os “apostadores” prevêem que podem obter, chamando a si uma
parte da riqueza criada pela economia real. Estes “produtos”, cada vez mais sofisticados, servem apenas para
ganhar dinheiro com a especulação, atraindo bancos, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de investimento
e de fundo de pensões.
Os especialistas avisaram que este fenómeno, para além de expor as instituições financeiras aos riscos
máximos inerentes à natureza volátil destes “produtos”, tornava muito mais difícil o controlo pelas autoridades de
supervisão e a auditoria das contas daquelas instituições.
Para além dos riscos inerentes à proliferação dos produtos derivados, a liberalização dos movimentos de
capitais, ao serviço do objectivo de criar um mercado único de capitais à escala mundial, arrastou consigo um
conjunto de alterações que vieram potenciar fortemente a ameaça de risco sistémico.
Com efeito, a internacionalização dos mercados de valores imobiliários veio colocar em rede de mercados
muito diferentes, cada um com as suas regras de funcionamento e os seus riscos específicos, abrindo caminho à
propagação contagiosa dos factores de risco.
Por outro lado, a ausência de controlo dos mercados financeiros e dos movimentos de capital pelos
estados nacionais provocou uma onda sem precedentes de concentrações, de fusões e de aquisições de empresas
financeiras, com a redução acentuada do número de bancos, a concentração nos maiores deles da parte de leão
dos depósitos bancários, e a preponderância dos grandes bancos nas operações de fusão e aquisição de empresas
do sector financeiro. E este fenómeno, para além de outras consequências relevantes ao nível da prevalência do
capital financeiro sobre o capital produtivo, veio facilitar o contágio dos riscos entre os vários componentes do
mesmo grupo, propiciando a convergência e a acumulação do risco em um núcleo mais restrito de centros de
decisão.
Igualmente relevantes são as consequências da desregulação da actividade bancária, da actividade
seguradora e das actividades que decorrem nos mercados de valores mobiliários. O chamado princípio da banca
universal veio permitir aos bancos alargar a sua actividade para além das áreas tradicionais do “comércio
bancário”, tendo-se multiplicado os produtos mistos e tendo-se verificado uma integração crescente dos vários
mercados financeiros. O desenvolvimento de poderosos conglomerados financeiros veio aumentar o poder destes
gigantes e veio tornar muito mais complexas e difíceis as actividades de regulação e de supervisão de cada um dos
sectores de actividade financeira, o que constitui mais um factor a potenciar o risco sistémico.
À semelhança do que a teoria refere para os mercados de oligopólio, também neste mercado financeiro
global os operadores tendem a actuar em função daquilo que eles pensam irá ser o comportamento dos demais
operadores. A turbulência daquilo que eles pensam irá ser o comportamento dos demais operadores. A
turbulência causada pela especulação em um dado país ou região tende a propagar-se a todo o sistema financeiro
mundial graças ao comportamento mimético dos grandes especuladores. O risco sistemático é, assim, o risco
global de desmoronamento do sistema financeiro à escala mundial. A consciência disto mesmo é que dá sentido à
tese dos que entendem que tais “produtos” ameaçam transformar-se em “armas de destruição maciça”.

Mercados e preços
A produção
Noção e classificação dos bens
Como se conseguem, na verdade, os bens que se trocam, que se dão e se recebem?
Esses bens podem ser conseguidos por duas formas: ou através da apropriação das coisas que, embora
escassas, a natureza espontaneamente ofereça, ou através da produção.
Podem obter-se pelo primeiro processo, isto é, através da apropriação das coisas espontaneamente
oferecidas pela natureza, a água ou a terra, por exemplo.
Os próprios bens que a natureza ofereceu já não são permutados hoje no seu estado primitivo. São bens
parcialmente produzidos.
Pode dizer-se, portanto, que os bens actualmente permutados ou são total ou parcialmente produzidos.
A produção de que falamos é a produção de bens; por outras palavras, é a produção de coisas úteis. Mas,
admitindo que o que interessa nos bens não é a sua qualidade de coisas, e sim a sua utilidade, podemos definir
produção como a criação de utilidades.
Ora os bens são objectos do mundo externo que servem para satisfazer necessidades. No entanto,
podemos pôr em destaque as características comuns que tenham particular relevância económica. Assim:
 Há bens que têm realidade física, que são coisas corpóreas, objectos do
mundo sensível. É o caso do lápis com que escrevemos, dos alimentos que ingerimos. São os bens materiais.
 Há, em contrapartida, outros bens que são incorpóreos, que não fazem parte
do mundo sensível. Podemos citar, como exemplo, a lição proferida pelo professor. Os bens imateriais consistem,
afinal, em acções de homens que satisfazem imediatamente necessidades de outros homens. Dá-se-lhes o nome
de serviços.
 Alguns são utilizados com vista à obtenção de outros bens. Suponhamos o
caso de uma fábrica de tecidos. Tanto o edifício como as máquinas são utilizados, não directamente em si mesmos,
mas sim para a obtenção de outros bens: os tecidos. A esses bens que utilizamos na obtenção de outros, dá-se o
nome de bens indirectos ou instrumentais. Indirectos, porque não os aplicamos directamente à satisfação das
nossas necessidades de consumo; instrumentais, visto que eles nos servem de instrumento para a obtenção de
outros bens.
 Há, por outro lado, muitos bens que não se utilizam para a obtenção de coisa
alguma, que antes se destinam a satisfazer, eles mesmos, as nossas necessidades de consumo. Chamam-se, por
isso, bens directos ou bens de consumo. Pertencem a esta categoria, por exemplo, os alimentos e os vestuários.
São bens que satisfazem directamente as necessidades dos consumidores.

Esta classificação, que distingue os bens em directos e indirectos, é uma classificação funcional, pois
agrupa os bens segundo o uso que deles se faz. Por isso mesmo é que certos bens podem funcionar ora como bens
directos, ora como indirectos. Consideraremos as uvas: podemos comê-las, e neste caso funcionam como bens
directos; podemos utilizá-las no fabrico do vinho, e teremos então bens indirectos.
As matérias-primas são bens que, não tendo sofrido qualquer transformação por obra do homem, se
destinam, todavia, a ulteriores transformações: o carvão, o minério de ferro, o petróleo, etc.
Em contrapartida, as matérias subsidiárias são bens que podendo ser utilizados tais como a natureza no-
los apresenta, não se destinam a ser transformadas, mas apenas a ajudar a transformação de outros bens.
O semi-produto provém de uma transformação, mas ainda vai ser transformado.
É através dos semi-produto que se obtêm finalmente os bens que esgotaram a escala das transformações,
são produtos acabados.
Mas as transformações que as matérias-primas e os semi-produtos sofrem não são em regra completas:
deixam geralmente um resíduo. Temos um tronco de árvore; levamo-lo a uma serração, onde é transformado em
tábuas; fica, porém, um resíduo: o serrim. O serrim são os restos ou resíduos de transformações: denominam-se,
por isso, subprodutos.
Reparemos agora em que tanto os produtos acabados como os subprodutos podem ser bens directos ou
bens indirectos. O vestido, produto acabado do algodão, é um bem directo; mas a máquina, produto acabado do
ferro, é um bem indirecto. Há bens que podem ser subrogados por outros na satisfação das necessidades: são os
bens substituíveis.
Por vezes, a substituição é perfeita, completa: tanto nos interessa ter esta como aquela nota de 1000
escudos. Quando, neste caso, os bens se substituem plenamente, dizem-se bens fungíveis.
Mas, na maior parte das vezes, a substituição não é perfeita; os bens substitutos não fazem tão
completamente as necessidades como os bens substituídos. Assim: a cevada constitui o café; a margarina substitui,
para certos usos, manteiga. Mas a verdade é que nenhum destes bens – a cevada, a margarina – satisfaz tão
perfeitamente as necessidades como os bens substituídos.
Temos no café e na manteiga bens substituíveis; mas, como os que substituem não os subrogam
totalmente, dizemos que lhes sucedem: são sucedâneos.
É muito importante a existência de sucedâneos, pois eles são como que a defesa do consumidor,
permitindo atenuar em certa medida os efeitos de uma alta de preços ou de carência de certos produtos.
Os bens complementares são os que só satisfazem necessidades quando associados. Exemplos: caneta e
tinta, automóvel e gasolina. A complementaridade dos bens é muito frequente, e tem grande importância, pois
quando aumenta o consumo de um dos bens complementares, aumenta o consumo do outro.

Os elementos da produção
O homem não pode produzir bens sem se servir de outros bens.
No caso do cereal, por exemplo: não se pode produzir sem a terra, ou antes, sem os elementos naturais,
que são afinal os elementos químicos e as forças físicas da natureza. E como ele não toma iniciativa de se lavrar,
semear ou regar, não se pode obter o cereal sem trabalho. É o lavrador, precisamente, que exerce o seu esforço
sobre os elementos que lhe são oferecidos pela natureza.
Mas na produção do cereal não entram apenas a natureza com os seus elementos e as suas forças, e o
homem com o seu trabalho. Entram outros bens, ainda: na verdade, é precisa uma charrua para lavrar, necessita-
se de sementes para semear, de aquedutos para a água, de muros e socalcos que impeçam a erosão.
Ora estes bens não são elementos dados pela natureza, nem são esforço do homem. resultam, sim, do
esforço do homem exercido sobre a natureza ou combinado com ela, isto é, resultam de uma produção anterior.
Chama-se-lhes capital.
E aqui temos os três elementos da produção: a natureza, o trabalho e o capital.
Alguns autores falam ainda de outros “factores de produção”, designadamente o risco e a incerteza, as
instituições sociais e a organização ou capacidade organizativa.
A esta última referiu-se Marshall. Mas não se vê razão para não a incluir no trabalho, uma forma especial
de trabalho abrangida pelo trabalho de direcção.
Quanto às instituições sociais, sem dúvida, que elas definem o quadro dentro do qual se desenvolve a
actividade produtiva; são elementos condicionantes desta, mas não parece que devam considerar-se elementos de
produção, da mesma natureza que o trabalho ou o capital.
O risco e a incerteza que são próprios da actividade do empresário poderão fundamentar determinadas
concepções acerca da distribuição do rendimento e acerca da explicação de certas categorias de rendimento, mas
não vemos que possam considerar-se como elementos de produção.
Acontece que, actualmente, a natureza já não se apresenta, digamos, no seu estado puro. Podemos dizer
que a natureza é hoje algo que o homem “produziu”. Por outro lado, poderá dizer-se que a natureza constitui uma
condição geral da actividade produtiva, uma factor que favorece ou que complica a acção do homem enquanto
produtor, mas não um elemento da produção do mesmo género do trabalho e do capital.
Por tudo isto, quando se fala de elementos da produção, é frequente os autores referirem apenas o
trabalho e o capital.

 Teoria do capital humano


O capital humano é o conjunto de aptidões, competências e qualificações de que cada pessoa dispõe.
Este capital é em parte inato em parte resultante do investimento em seres humanos através da escolaridade
formal, de programas específicos de formação profissional, da experiência acumulada no exercício da profissão.
Este investimento em capital humano seria feito de acordo com as regras do cálculo económico: as pessoas
procuram maximizar o seu bem-estar económico investindo em capital humano até que a taxa marginal de
rendimento esperada desse investimento se parifique com o custo marginal dos recursos investidos. Em resultado
desse investimento das pessoas em si próprias, através da aquisição de conhecimentos e especialização com valor
económico, os trabalhadores tornar-se-iam capitalistas, isto é, titulares do capital humano neles acumulado.

O Trabalho - ?

O Capital
Noção
O capital de que aqui curamos é o capital enquanto elemento da produção.
Os clássicos ingleses avançaram a ideia do capital como “requisito ” da produção. E, como requisito da
produção, capital foi entendido como um fundo de bens, um stock. Mas tal estoque de bens não abrangia todos
os bens existentes em um dado momento. O entendimento que os clássicos tinham do capital levava-os a excluir
dos “produtos já existentes” os bens naturais e os bens de consumo.
Adam Smith destacava do “estoque geral de um país ou sociedade” os “fundos destinados à manutenção
do trabalho produtivo”, o “capital que fornece a semente, paga o trabalho e sustenta os animais e outros
instrumentos do trabalho”. Ricardo escreveu que “capital é a parte da riqueza de um país que se utiliza na
produção e que consiste em alimentos, vestuário, ferramentas, matérias-primas, maquinaria necessários para
realizar o trabalho”. Ao distinguir o capital constante do capital variável Marx não se afasta do entendimento
básico dos clássicos ingleses.
“A parte do capital que se converte em meios de produção, isto é, em matérias-primas, matérias
auxiliares e meios de trabalho, não altera a grandeza do seu valor no processo de produção. Chama-se, por isso,
parte constante do capital, ou, capital constante. Ao invés, a parte do capital convertida em força de trabalho
muda o seu próprio valor no processo de produção. Reproduz o seu equivalente e produz um excedente, a mais-
valia, que, por sua vez, pode variar, pode ser maior ou mais pequena. Esta parte do capital transforma-se
continuamente de grandeza constante em grandeza variável. Por isso designa-se parte variável do capital, ou,
capital variável”.
Para Marx, o capital não tem existência sem o trabalho, não pode renovar-se nem acrescentar-se sem o
trabalho. O capital não é, pois, uma coisa, nem uma relação entre coisas, mas uma relação entre homens, uma
relação entre a classe capitalista e a classe proletária.
A enxada, a charrua, a semente, são bens capitais. Como o são as máquinas, as instalações, os estoques
de bens em processo de fabricação. Ora estes bens destinam-se à produção de outros bens. Logo, são bens
indirectos. Mas nem todos os bens indirectos são capitais. Pois aqueles bens são capitais não apenas por se
destinarem à produção de outros bens, mas por provirem de produção anterior.
A terra, os elementos naturais, também são bens indirectos; todavia, não são bens capitais, visto não
resultarem de produção nenhuma. Capital, portanto, é o bem indirecto produzido, ou o bem de produção
produzido.
 Ora por que será que se produzem bens com o fim de se obterem outros bens?
Estamos aqui em presença de dois processos de produção de bens, neste caso de produção de
Água: o directo, que é o da linha recta – vai-se imediatamente produzir o bem: vai-se à fonte captar a água na
palma da mão; e o indirecto, o da linha curva – vai-se à floresta, obtém-se o balde e enche-se de água; volta-se à
floresta, constrói-se o aqueduto, e faz-se correr a água por ele.
Que são este balde e este aqueduto? Não são o esforço do homem em si mesmo, nem são a água que a
natureza dá: são o resultado de uma aplicação do esforço do homem sobre os elementos da natureza. São,
portanto, bens produzidos que se destinam a uma produção ulterior, são bens de produção produzidos, isto é,
bens capitais.
São bens que aparecem de permeio entre a natureza e o homem. Para se obterem, tornou-se necessário
fazer um desvio na produção do bem directo – a água. Com efeito, em vez de se seguir simplesmente o caminho
para a fonte, foi-se à floresta e, depois de construído o balde ou o aqueduto, é que se colheu a água. Daí o
podermos concluir que os bens capitais resultam de desvios introduzidos na produção de bens directos.
Mas, para quê tudo isto? Pura e simplesmente, para aumentar o rendimento do esforço humano, do
trabalho. Este é um dos aspectos do processo indirecto de produção: aumento do rendimento do trabalho.
Aumento do rendimento, mas à custa do alongamento do processo produtivo. Mas alongou-se, se tomarmos
isoladamente o tempo de produção, se não pusermos o tempo gasto em confronto com o resultado obtido. Sim,
se nos limitarmos a observar que, para produzir água, o selvagem gastava primitivamente um quarto de hora, e
teve depois que dispender um dia para fazer um balde, e várias semanas para construir o aqueduto. Já não se
alongou, porém, se confrontarmos o tempo gasto na produção com a quantidade obtida de água. Conclui-se, pois,
que – tendo-se alongado o processo produtivo da água – não se alongou, mas diminui, o processo produtivo de
cada unidade, isto é, de cada decilitro.

O aforro e o investimento
O facto de que é necessário tempo para as coisas avançarem e se sincronizar é, em si, importante. É isso
que explica a razão por que a sociedade não substitui automaticamente todos os processos directos por processos
indirectos mais produtivos, e todos os processos indirectos por outros ainda mais indirectos.
O interesse que haveria em fazer isso é anulado pela desvantagem inicial de se ter de renunciar aos bens
de consumo imediato ao desviarem-se recursos da produção actual para utilizações que só dão rendimento algum
tempo mais tarde.
A sociedade pode consagrar recursos à formação de mais capital apenas na medida em que a população
estiver disposta a poupar ou aforrar, renunciando ao consumo imediato. E, na medida em que a população não se
preocupar com o futuro, ela pode, em qualquer altura, tentar “desaforrar” – obter satisfações no momento
presente à custa do futuro. De que maneira? Desviando os recursos da tarefa constante de substituição e
manutenção do capital para a produção adicional de bens de consumo imediato.
Pode dizer-se que uma condição necessária para a produção de bens capitais é o aforro de bens directos.
E pode dizer-se que o aforro é a parte do rendimento líquido que não se destina ao consumo corrente.
Mas isso não basta. Não bastou ao selvagem pôr de lado algumas peças de caça para que o balde e o
aqueduto aparecessem feitos. Foi necessário que destinasse esse aforro à produção de um e outro. Ora, a
aplicação do aforro à produção de bens capitais constitui o investimento.
Eis as duas condições necessárias para a produção de capitais: o aforro e o investimento.
Como o preço é o valor dos bens expresso em moeda, as centenas ou milhares de escudos que cada um
tem ou recebe servem para se adquirem bens, representando, portanto, poder de compra em bens directos. Se
não se gastam, ou na medida em que não se gastam, renuncia-se ao consumo de bens directos e aforra-se,
consequentemente.
Aforra-se voluntariamente ou por imposição externa, hipótese – esta última – que se verifica sobretudo
em três casos:
a) Na constituição das reservas das sociedades comerciais. Se a assembleia geral de
uma sociedade anónima, por exemplo, resolve por maioria não distribuir em dividendos a totalidade dos lucros,
levando parte deles a reservas, os sócios que fiquem em minoria, isto é, que discordem da constituição de reservas
ou do aumento das reservas existentes, têm de renunciar a uma parte dos lucros e são obrigados, portanto, a
aforrá-los através da sociedade;
b) No pagamento de impostos. O estado organiza serviços públicos, faz despesas, e
cobre a maior parte dessas despesas com tributos que exige aos cidadãos. Os contribuintes têm de renunciar,
portanto, à utilização do rendimento que entregam ao estado a título de impostos: eis o aforro;
c) Sempre que se verifica um processo inflacionista, ou seja, um processo de subida
continuada e notória do nível geral dos preços.

O que importa entender é que a subida do nível geral dos preços significa a subida da média dos preços e
não a subida dos preços de todos os bens e serviços. Quando há inflação, nem todos os preços sobem e os preços
que sobem não sobem todos na mesma proporção. Daqui resulta que os vendedores de mercadorias cujos preços
não sobem ou sobem em menor proporção que o nível geral dos preços sofrem necessariamente aforro forçado.
Os grupos sociais que se vêem nesta situação são aqueles cujos rendimentos monetários diminuem, não
aumentam ou aumentam menos do que o nível geral dos preços. São forçados a aforrar porque o rendimento que
recebem representa agora, em virtude da inflação, um poder de compra menor, o que os obriga a renunciar à
compra de certos bens e serviços, sacrificando uma parte do consumo que antes faziam. Os bens que,
forçadamente, deixam de consumir constituem aforro forçado.
Temos, assim, os dois destinos do aforro: entesouramento, que é a conservação do dinheiro em saldos
líquidos; investimento, que é a utilização do dinheiro poupado na produção de bens capitais.
Mas isto nada nos diz acerca das relações socias que estão por detrás do aforro e do investimento.
O que queremos pôr em destaque resulta mais nítido num país onde são muito grandes as diferenças de
rendimento entre uma pequena minoria de ricos e a grande massa dos pobres e onde se prossiga uma política que
deliberadamente sacrifique o consumo da generalidade da população para que a pequena elite dos ricos possa
aforrar e investir, criando riqueza que só mais tarde será distribuída.
Por vezes, não há coincidência entre quem aforra e quem investe. Há uma inadequação à realidade dos
países capitalistas da explicação do significado das decisões de aforro-investimento elaborada com base no
comportamento de Robinson Crusoe na sua ilha.
Verifica-se, assim, que o exemplo de Robinson só tem paralelismo com uma economia socialista, baseada
na propriedade colectiva dos meios de produção e na planificação imperativa da economia. Só neste caso se
verifica a reunião da mesma entidade das qualidades de consumidor e de aforrador-investidor.
Por capital também se entende o bem que dá ao seu possuidor rendimento sem trabalho ( capital
lucrativo).
Seja qual for o sistema económico, sempre o balde, o aqueduto, a máquina ou o edifício da fábrica hão-de
ser bens de produção produzidos e, portanto, bens capitais produtivos; e sempre o cavão ou o ferro do subsolo
hão-de ser bens de produção não produzidos e, portanto, bens naturais.
Mas, se o subsolo estiver sob propriedade privada de um indivíduo ou pessoa colectiva, e se os seus donos
conseguirem obter dele um rendimento sem trabalho, cedendo, por exemplo, a exploração mediante uma renda,
teremos a natureza que nunca é capital produtivo, a ser capital lucrativo. Da mesma forma, o dinheiro, que não é
bem de produção produzido, pode ser capital lucrativo se dado a juros.
Sucede que todos os capitais produtivos, quando individualmente apropriados, podem ser capitais
lucrativos, pois todos eles podem ser cedidos mediante remuneração. Mas, como se vê, também podem ser
capitais lucrativos bens que nunca são capitais produtivos: os elementos naturais e o dinheiro.

A organização da produção nas economias capitalistas


O produtor autónomo e a empresa
A produção pressupõe a reunião dos elementos produtivos para que possa desenvolver-se a actividade
produtiva.
Ora, a reunião dos elementos produtivos pode ser feita com quem seja dono de todos eles. É o caso do
agricultor que lavra, semeia e rega os campos de que é proprietário, que adquire as sementes, ao adubos e as
alfaias agrícolas com o seu dinheiro e que, finalmente, utiliza no amanho das terras apenas o próprio trabalho e o
das pessoas da família.
Nestes casos, o organizador da produção é dono de todos os elementos: dono da natureza (terra que o
lavrador agriculta); dono do capital (as sementes, adubo, alfaias); dono do trabalho (esforço próprio e da família).
Estamos, assim, em face de um produtor que, sendo dono de todos os elementos, não depende de ninguém: é um
produtor autónomo, portanto.
Mas a produção também pode ser organizada por quem não seja dono de todos os elementos produtivos.
Consideremos uma fábrica. Quem a montou, teve porventura que arrendar o terreno sobre que foi
construída; se o terreno era seu, como provavelmente seria, teve porventura que pedir emprestado dinheiro com
que edificou a fábrica, comprou máquinas, fez as instalações, adquiriu matérias-primas; se o dinheiro era todo seu,
teve com certeza que assalariar trabalhadores.
Estamos, como se vê, perante um produtor que já não é dono de todos os elementos produtivos; que, até
em casos extremos, concebíveis apenas no domínio das hipóteses, poderá nem sequer ser dono de nenhum deles.
Já não é um produtor autónomo, a sua produção já depende do concurso de elementos alheios. Temos a empresa,
e a quem toma a iniciativa de reunir elementos produtivos que não são todos seus chama-se, por isso mesmo,
empresário.
Na generalidade dos casos, o empresário é, pelo menos, dono de parte do dinheiro com que adquire bens
capitais.

Finalidades da produção
O produtor autónomo é dono de todos os elementos de produção. Mas, justamente por isso, tem de ser
um produtor pequeno.
Pode, na verdade, ser muito rico, ter grandes superfícies de terreno ou avultadas somas de dinheiro. Mas,
ainda que tal suceda, ainda que disponha não só de muitos elementos naturais como de dinheiro que lhe permita
adquirir muitas máquinas e matérias-primas, há-de, pela própria força das coisas, dispor de pouco trabalho. Pois,
se o seu trabalho é apenas o que pode ser fornecido por ele próprio e pelos componentes da família, mesmo que
este seja bastante numerosa o esforço de todos tem de ser necessariamente muito limitado. Daí que o produtor
autónomo nos apareça sempre como um produtor em escala diminuta.
Daí, também, que ele tenha de contentar-se com pouco, que geralmente a nada mais ambicione do que à
satisfação das suas necessidades de consumo, e, até, das suas necessidades elementares.
Mas já não sucede, ou não tem que suceder, o mesmo com o empresário. Pois, se não é rico, pode pedir
dinheiro emprestado; se não tem terras, pode tomá-las de arrendamento; se reconhece que a sua força de
trabalho e a da família são escassas, pode assalariar operários.
E porque é, ou pelo menos tem a possibilidade de vir a ser, um produtor em grande escala, os seus
horizontes são largos, vastas as suas aspirações; quer mais, muito mais, do que o produtor autónomo. Pretende
alcançar lucros que lhe permitam desenvolver a fábrica, ultrapassar os outros empresários, assegurar uma
existência confortável a si e aos seus, adquirir prestígio e predomínio no meio social. A finalidade do empresário é,
portanto, a de obter lucros.
Mas o estado também é produtor. Ora, o estado não se propõe, nem pode propor-se, satisfazer as suas
necessidades de consumo, pois o estado não tem necessidades, não precisa de se alimentar, de se vestir, de se
alojar. E o estado também não se propõe, na maioria dos casos, obter lucros. Os serviços públicos são geralmente
explorados com prejuízo e, até, por vezes, com prejuízo total.
Qual é, nestes casos, a finalidade do estado? Não é, como se vê, nem a do produtor autónomo nem a da
empresa. É a de satisfazer as necessidades dos que querem instruir-se(escolas), dos que querem definidos os
direitos (tribunais), dos que querem defendido o seu país (forças armadas).
Temos, pois, uma terceira finalidade da produção: a satisfação das necessidades dos cidadãos.

As unidades produtoras nas economias capitalistas


As empresas capitalistas
Noção
A economia capitalista é heterogénea. Não admira, por isso, que as unidades de produção não sejam
todos do mesmo tipo; que se encontrem ainda produtores autónomos ao lado de empresas; e que esta se
mostrem de variadas espécies.
No entanto, a unidade de produção característica do capitalismo é o que podemos chamar a empresa
capitalista. Uma empresa que, além desse traço comum a todas as empresas, apresenta as seguintes
características específicas:
a) Combinação dos elementos produtivos em ordem aos preços da sua utilização. Na
verdade, a empresa capitalista não combina directamente a força de trabalho, terra e bens capitais, mas sim
preços da força de trabalho (salários), da natureza (renda), do dinheiro (juros). O que lhe interessa, por outras
palavras, não é a combinação dos elementos produtivos em sim mesmos, e sim a combinação económica, a sua
combinação em termos de preços;
b) Produção para o mercado. A empresa capitalista trabalha exclusivamente ou
quase exclusivamente para satisfazer a procura que se manifesta no mercado, e não para satisfazer imediatamente
as necessidades do seu dono;
c) Recurso substancial ao trabalho assalariado de outrem. Talvez o empresário da
empresa capitalista lhe forneça grande parte do seu capital; a força de trabalho, porém, é-lhe fornecida
principalmente por estranhos, isto é, por assalariados.

Empresa capitalista, portanto, é a empresa que procede à combinação económica dos elementos da
produção, labora para o mercado e utiliza sobretudo trabalho de assalariados.
O capital da empresa. Capital fixo e circulante; a amortização do capital fixo
Pois é esta empresa que constitui a unidade de produção típica, própria, do capitalismo.
O empresário não distingue os elementos produtivos pelas suas características intrínsecas, mas pelos seus
preços; daí que os irmane a todos na mesma categoria de elementos que ou são ou têm direito a ser pagos.
Por isso é que a empresa capitalista considera capital o valor monetário dos bens destinados à produção,
e que correspondem ao dinheiro com que os adquiriu, ou se propõe adquiri-los, mais o dinheiro com que teria de
comprar os bens fornecidos pelo próprio empresário.
Capital da empresa é, portanto, o capital – dinheiro, gasto ou a gastar efectivamente, ou ficticiamente
gastado. Não é, por paradoxal que pareça, capital produtivo, mas sim capital lucrativo. Na verdade, é dinheiro que
permite a obtenção de lucros, isto é, de rendimento sem trabalho.
Simplesmente, esse capital pode ser cindido em duas categorias:
1) Capital fixo – valor monetário dos bens que entram em vários actos da produção;
2) Capital circulante – valor monetário dos bens que se consomem num único acto de produção.
O primeiro, como se vê, refere-se a bens duradouros; o segundo, a bens consumíveis.
Circulante, esse dinheiro, porque, de facto, circula: gastou-se na aquisição de matérias-primas, de semi-
produtos, de força de trabalho, mas o seu valor transfere-se integralmente para o valor do produto obtido pela
empresa. Transita, com efeito, daqueles bens para este.
Ora, já não sucede assim com o dinheiro empregado nas máquinas, edifícios ou instalações: ele não
transita integralmente para o valor de cada produto, de cada peça ou metro de fazenda. Transita, sim, mas por
parcelas, por fracções. A isso se chama amortizações.
A amortização é necessária porque é preciso reconstituir os capitais fixos. Desde logo, porque os bens em
que se encontram representados, apesar de serem duradouros, não duram sempre. Assim, as máquinas têm um
certo período de vida física: ao cabo de 10, 20, 30 anos estão inutilizadas, são ferro velho, só podem ser vendidas
como sucata. Perdem, portanto, o seu valor. E o mesmo acontece aos edifícios, que, passados 50 ou 100 anos têm
de ser reconstruídos.
Ora, é a realização do valor perdido pelos bens duradouros da empresa que constitui a amortização dos
capitais fixos. Assim:
Determinada máquina custa 100€, e tem capacidade para produzir 100.000 exemplares da mercadoria.
Nesse caso, deverá incluir-se no valor de cada unidade fabricada a quantia de 1€ do valor da máquina. Deste
modo, quando ela tiver produzido os 100.000 exemplares, está realizado o capital:
1€ x 100.000 = 100.000€00

Na prática não se faz assim, pois não se pode prever quantas unidades a máquina virá a produzir durante
os anos da sua existência. Pode ser que trabalhe a pleno em todos os dias da semana, ou que trabalhe
intermitentemente, apenas em certas horas, dias ou semanas. Tudo dependerá das condições de mercado.
Adopta-se, por isso, outro processo de amortização.
Calcula-se a duração da máquina, o número de anos que ela presumivelmente estará em laboração.
Número de anos cujo máximo é o da sua vida física, mas que, em geral, é um número inferior, visto a duração
física exceder normalmente a duração económica. Assim: ao fim de 20 anos a máquina ainda está em condições
de laborar, mas já não está em condições de laborar eficientemente, de competir com máquinas mais
aperfeiçoadas que as outras empresas utilizam. Perdura a sua vida física, mas já cessou a sua vida económica.
À empresa o que interessa manifestamente é a vida, a duração económica da máquina. E os cálculos da
amortização vão basear-se nesta duração económica, isto é, no período durante o qual se julgue que a máquina
esteja em condições de laborar em concorrência com as máquinas das outras empresas. E faz-se deste modo:
Prevê-se, por exemplo, que a máquina, comprada por 100€, dure economicamente 10 anos. Dividem-se
os 100€ por 10, atribuindo, assim, a cada ano, 10€. Estes 10€ são incluídos no valor das mercadorias fabricadas
durante o ano.
Logo se conclui que a amortização é sempre, em larga medida, arbitrária. Pois assenta numa previsão, e
toda a previsão é incerta. Nesta última hipótese, a empresa terá de substituí-la antes de realizado o seu valor. Daí
que, para obviar tal risco, se tente calcular por defeito a vida económica dos bens duradouros. Todavia, isso vai
fazer com que se transfira para o valor das mercadorias produzidas em cada ano uma quota maior de capital fixo e,
portanto, com que se sobrecarregue o custo de produção.

Formas de empresa
A finalidade da empresa capitalista é a obtenção de lucros. Para tanto, porém, ele precisa: de constituir o
capital – condição da sua organização; de se organizar – condição do seu funcionamento; de funcionar – condição
da venda e do lucro.
Ora, como se obtêm os capitais ocorrentes à produção?
1) Há empresas que têm apenas um empresário; em tal caso, é essa a única pessoa que cabe
exercer, por si ou por delegado, as funções técnica e comercial, do mesmo modo que a ela cabe correr o risco
imanente e reunir o capital necessário para a indústria viver. São as empresas individuais.
Uma empresa individual está toda na mão, na dependência, de uma só pessoa. Vive a própria vida do
empresário, reflecte-lhe as qualidades, sofre-lhe as vicissitudes. Está, pois, a empresa individual dependente das
virtudes e defeitos da pessoa que a organiza e dos seus meios de fortuna. Mas a verdade é que, por muito rico que
seja, não é natural que o empresário queira jogar numa indústria toda a sua fortuna, que queira arriscar numa só
empresa todo o seu dinheiro. É por isso que, quando se trata da constituição de grandes empresas, elas são obra
de várias pessoas associadas.
2) As empresas sob a forma de empresas colectivas, em que o número dos empresários é de
empresas colectivas, em que o número dos empresários é de mais que um. São, pois, diversos os empresários,
poucas ou muitas as pessoas que se associam. Temos as sociedades.
Mas há vários tipos de sociedades:
a) Há sociedades em que todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelo passivo
social. Por este motivo, a administração da empresa, a gerência da sociedade, cabe-lhes a todos. E, de facto, quase
sempre todos a exercem. Ora, se os sócios assumem, por um lado, solidária e ilimitadamente, o risco da empresa e
se, por outro, lhes é atribuída a gestão dos negócios, não admira que eles tenham na sociedade uma importância
decisiva. Com efeito, tudo aqui se passa como se se tratasse de um prolongamento das empresas individuais, de
empresas individuais de duas, três, quatro ou cinco pessoas.
Precisamente porque o elemento predominante são as pessoas dos sócios, chama-se a estas empresas
colectivas sociedades de pessoas. Correspondem às sociedades em nome colectivo.
b) As sociedades anónimas. Nestas sociedades, o capital encontra-se dividido em fracções
mínimas. Cada sócio pode subscrever uma ou mais destas fracções, mas a sua responsabilidade fica sempre
limitada à importância das fracções, ao capital por ele subscrito.
As fracções são representadas por títulos livremente comerciáveis, que se chamam acções. Como estas
são fracções diminutas, torna-se acessível a muita gente ser sócio de uma sociedade anónima. Daí que o número
de sócios suba frequentemente a centenas ou milhares de pressoas.
Sendo assim, é claro que nem todos nem sequer a maior parte dos sócios podem administrar a empresa.
Como eles são muitos, não há outro remédio senão delegar em alguns a gestão da sociedade. Estes poucos
administradores vão constituir o conselho de administração. Estamos, perante uma responsabilidade estritamente
limitada ao capital por cada um subscrito. Nas sociedades por acções não se associam pessoas, associam-se sacos
de dinheiro. Por isso se lhes chama sociedades de capitais.
c) Nas sociedades em comandita há dois tipos de sócios: comanditários e comanditados. Os
primeiros são semelhantes aos das sociedades anónimas, pois têm a responsabilidade limitada ao valor das suas
entradas de capital; por sua vez, os comanditados assemelham-se aos sócios das sociedades em nome colectivo,
pois respondem solidária e ilimitadamente pelo passivo social. Daí que nestas sociedades a administração caiba
aos sócios comanditados.
d) Nas sociedades por quotas, a responsabilidade dos sócios é limitada, mas não tanto como
a dos sócios das sociedades anónimas ou a dos comanditários das sociedades em comandita. É limitada à
integração do capital social. Isto quer dizer que qualquer sócio responde não só pela realização da sua quota, mas
ainda pela realização das quotas dos restantes sócios. Quanto à administração, pode ela, nas sociedades por
quotas, ser exercida por todos os sócios, ser confiada a alguns deles ou, ainda, ser entregue a pessoas estranhas.
3) O capitalismo escolheu, dentro essas todas, as sociedades por acções. Foi a partir da
primeira metade do século XIX que as sociedades por acções se difundiram. Porquê, esta preferência do
capitalismo? Primeiro, porque essas sociedades o melhor processo de reunir capitas. Ora, o capitalismo precisa de
capitais para desenvolver as suas empresas em escala sempre crescente.
Compreende-se que as sociedades por acções sejam o melhor processo de centralizar capitais. É que as
acções atraem o dinheiro dos pequenos capitalistas. É que as acções são de reduzido valor, e estão, portanto, ao
alcance das pequenas bolsas, das pessoas que só podem dispor de alguns contos ou algumas dezenas de contos.
Mas essas sociedades, além de atraírem às empresas o dinheiro dos pequenos, também chama o dos
grandes capitalistas. Não só porque o risco que sofrem é limitado ao montante dos títulos subscritos, como porque
as acções são negociáveis. Deste modo, os capitalistas conseguem associar o seu dinheiro às empresas sem receio
de grandes prejuízos, ficando sempre, por outro lado, com a possibilidade de realizar quando queiram, mediante a
venda das acções na Bolsa, o capital nelas investido. Elas ainda centralizam capitais mediante a emissão de
obrigações.
As sociedades de acções têm ainda, aos olhos dos capitalistas, a virtude de poderem permitir que os
grandes disponham do dinheiro dos pequenos. São poucos os que mandam, mas são muitos, são todos os sócios,
que respondem. E mostra a experiência que os grandes capitalistas não precisam sequer da maioria das acções
para imporem a sua vontade nas assembleias gerais.
Por estes dois motivos: porque através das sociedades por acções se centralizam enormes somas de
dinheiro e porque os grandes ficam a dispor do pecúlio dos pequenos, é que, afinal, o capitalismo preferiu
decisivamente essas sociedades.

As empresas cooperativas
Origem e vocação histórica das cooperativas
O aparecimento das cooperativas anda associado ao socialismo utópico. O cooperativismo nasceu nos
meios operários e em estreita ligação com movimentos de defesa dos interesses das classes trabalhadoras,
devendo entender-se que a sua vocação histórica é a de se difundir entre os estratos de mais fracos rendimentos
da população, entre os operários e os camponeses, entre os trabalhadores em geral, vocação que a realidade,
muitas vezes, mostra não se ter realizado tão amplamente como desejariam os adeptos do cooperativismo.
As cooperativas, especialmente de produção operária, deram um indiscutível contributo à luta contra o
desemprego pela capacidade demonstrada na manutenção e criação de postos de trabalho; reanimaram
actividades em crise; participaram na construção de habitações económicas destinadas às classes de menores
recursos; estimularam o aforro e, especialmente através das caixas de crédito agrícola mútuo, diminuíram a
dependência em relação ao estado, pela geração de fundos próprios e indispensáveis para uma progressiva
autonomização do sector.
Um tão válido contributo não é devido apenas ao aumento do número de cooperativas existentes, mas
também à renovação de aspectos fundamentais dinamizadores da sua capacidade de intervenção da sociedade
portuguesa.

Noção de cooperativa. Os “princípios do cooperativismo”


I) Princípio da porta aberta ou da adesão livre. Traduz-se no carácter variável do
número de membros e do capital social e no reconhecimento do direito de, por acto livre e voluntário, qualquer
pessoa poder fazer-se sócio ou demitir-se de sócio de uma cooperativa, com a única condição de satisfazer os
requisitos constantes da lei e do estatuto, nomeadamente no que concerne ao respeito pelos “princípio
cooperativos”. Como contrapartida, deve admitir-se que a cooperativa tem o direito de excluir da qualidade de
sócio todo aquele que violar os estatutos e desrespeitar os “princípios cooperativos”.
II) Não discriminação social, política, racial ou religiosa na admissão ou exclusão dos
cooperadores.
III) Princípio da gestão democrática. Traduz-se na eleição, por métodos democráticos,
dos órgãos sociais das cooperativas, respeitando a plena igualdade de todos os cooperantes, independentemente,
da participação de cada sócio no capital social.
IV) Ausência de finalidades lucrativas, graças à observância, em caso de retorno dos
excedentes aos cooperadores, do princípio da distribuição “proporcionalmente às operações económicas
realizadas por estes com a cooperativa ou ao trabalho e serviços por eles prestados”.
V) A taxa de juro, no caso de pagamento aos membros da cooperativa pela sua
participação no capital social, deve ser limitada.
VI) Dever de acção pedagógica junto dos cooperadores, trabalhadores e público em
geral, no sentido de os educar nos princípios e técnicas cooperativas e de difundir os ideais do cooperativismo.
VII) Dever de cooperação activa privilegiada com outras cooperativas, à escala local,
nacional e internacional, com vista a melhor servir os interesses dos seus membros e da colectividade. Cada
cooperativa tem, pois, o dever de contribuir para o reforço do sector cooperativo da economia quer
estabelecendo ligações directas entre cooperativas de consumo e cooperativas de produção com vista à
eliminação dos intermediários, quer promovendo e participando nas Uniões, Federações e Confederações de
cooperativas do mesmo ramo.

A produção nacional. A contabilidade nacional


O circuito económico
Na época actual, a produção é geralmente organizada em empresas. Ora, as empresas, por um lado,
reúnem os elementos produtivos, arrendando terras, assalariando trabalhadores, obtendo empréstimos para
investimento em bens capitais; com esses elementos, produzem as mercadorias; as mercadorias são vendidas. Por
outro lado, as empresas pagam as rendas aos proprietários, os salários aos trabalhadores, os juros aos capitais;
recebem o produto da venda das mercadorias e, se há excedente, atribuem-no ao empresário como lucro seu.
Verifica-se duas circulações: a dos bens, que é a circulação dos elementos produtivos das mãos dos seus
donos para as empresas, e a das mercadorias, das mãos das empresas para os titulares dos rendimentos e das
mãos dos compradores para as empresas.
Dá-se o caso de os compradores das mercadorias serem os próprios titulares dos rendimentos. De modo
que as circulações dos bens e da moeda, embora em sentido oposto, correm paralelamente.

Público Empresas
(famílias)

As setas superiores representam a compra dos elementos produtivos: enquanto estes circulam dos seus
donos para as empresas, a moeda para pela respectiva utilização, mais os lucros dos empresários, circulam em
sentido oposto. As setas inferiores representam a compra das mercadorias: enquanto estas circulam das empresas
para os titulares dos rendimentos, a moeda paga pela sua aquisição circula em sentido contrário.
Ora, é ao conjunto destas duas circulações, fluxos ou correntes – a dos bens e a da moeda – que se chama
circuito económico.

As três ópticas do valor da produção nacional


O valor da produção nacional pode, pois, ser analisado de três perspectiva diferentes:
1) Computando o valor dos bens e serviços produzidos – óptica do produto;
2) Computando os rendimentos distribuídos pelas empresas aos participantes da produção – óptica dos
rendimentos;
3) Computando as despesas feitas pelos consumidores na aquisição dos bens produzidos – óptica das
despesas.
O produto, o rendimento e a despesa nacionais de um determinado período terão de ser iguais.
De facto, o valor dos bens produzidos há-de ser igual à despesa que os particulares fazem da
sua compra; e o valor dos rendimentos pagos pelas empresas aos participantes na produção há-de também ser
igual ao valor dos bens produzidos, dado que o preço de um bem não é mais do que um somatório de salários,
rendas, juros e lucros, distribuídos na sequência da sua produção.

Produto = Despesa Rendimento = Produto Rendimento = Despesa

E o rendimento é igual à despesa, porque os particulares gastam, naturalmente, o dinheiro que recebem a
só ele. Por fim, observa-se, que produto, rendimento e despesa são grandezas equivalentes.

O valor da produção nacional analisado sob a óptica do produto


O produto bruto das empresas
O valor da produção nacional, considerado sob o ângulo do produto, obtém-se somando o valor dos bens
produzidos no período considerado. E o valor desses bens é apreciado através do respectivo preço.
O produto nacional resulta da actividade de todas as empresas nacionais e é, numa primeira aproximação,
o valor monetário global que se obtém multiplicando a quantidade de bens produzidos em um dado período pelos
respectivos preços.
Exemplo: na indústria do pão, podemos distinguir três estádios de produção: a empresa A cultiva a terra,
obtendo o trigo, que vende à empresa B, o trigo por 100; esta transforma o trigo em farinha vendendo-a à
empresa C, por 150€; por sua vez, a empresa C, vendeu o pão ao público por 200€.
Simplesmente, o valor realizado não corresponde ao valor criado por cada uma das empresas.
De facto, a empresa B realizou uma valor de 150€, mas recebeu da empresa A um valor de 100, tendo
portanto criado ou acrescentado apenas um valor de 50€. E, assim, se sucede com a empresa B. Só a empresa A,
partindo da hipóteses de que não comprou nada a ninguém, terá um valor criado igual ao valor realizado.
Ora o valor da produção de cada empresa é, evidentemente, o valor criado por essa empresa e é igual ao
valor por ela realizado menos o valor dos bens intermédios que adquiriu a outras empresas.
E, sendo assim, o valor da produção de uma indústria será a somos dos valores criados pelas empresas
que constituem essa indústria. É que, se em vez de somarmos valores criados, somássemos valores realizados,
tornaríamos o cálculo completamente arbitrário, pois estaríamos a contar duas (ou mais vezes) o mesmo valor. É
para evitar esta dupla contagem que se distingue entre valor realizado e valor criado.
Certos bens tanto podem funcionar como produtos finais como podem ser produtos intermédios. A
farinha que as pessoas compram para usos domésticos, v.g., deve contabilizar-se no cálculo do PNB, uma vez que a
sua venda é uma venda final, venda de um bem que vai ser imediatamente utilizado para satisfazer as
necessidades das famílias.
Por isso mesmo, o valor da produção, ou produto bruto de uma indústria é a soma dos valores criados
pelas empresas que constituem essa indústria.
Mas é fácil de ver que a soma dos valores criados pelas empresas que integram uma determinada
indústria será igual ao valor dos bens finais ou acabados produzidos por essa indústria.
O exemplo da indústria do pão mostra que a soma dos valores criados é igual ao valor do bem final ou
acabado, ou seja, o valor realizado com a venda do pão (200). Exemplo: Farinha = 150 – 100 = 50. Quer dizer:
produto bruto de uma indústria é o valor dos bens finais ou acabados dessa indústria.

O produto nacional bruto


O produto nacional bruto(PNB) é a soma dos produtos brutos das várias indústrias, ou a soma dos valores
criados ou acrescentados pelo conjunto das empresas, ou ainda o valor dos bens finais produzidos. O PNB será,
pois, o valor dos bens finais ou acabados produzidos em dado país num determinado período, normalmente um
ano civil.
No entanto, a esta definição de PNB há que introduzir duas qualificações:
A) O PNB é o valor de todos os bens acabados obtidos durante um determinado período. E
apenas dos bens acabados para evitar a dupla contagem. Quer dizer: o valor daqueles bens intermédios
produzidos no período e transformados, no decurso dele, em bens acabados não pode ser contado no valor da
produção anual, porque já está englobado no valor dos bens finais.
Normalmente, porém, as empresas utilizam, durante um determinado período, bens intermédios
produzidos em períodos anteriores. É fora de dúvida que as empresas utilizaram, entre nós, durante o ano de
1993, bens intermédios que foram produzidos durante 1992. Ora o valor desses bens intermédios não pode ser
considerado produto bruto do ano de 1993, pois que foram produzidos no ano de 1992. Há, pois, que deduzir a
esses 100€ o valor dos bens intermédios provenientes do período anterior. (exemplo da indústria do pão)
Mas a empresa não vendeu, certamente, todo o trigo produzido em 1993: ficou com uma parte para
semear em 1994. Há. Pois, que acrescentar ao valor do pão produzido em 1993 o valor das sementes obtidas
nesses ano e que nesse ano não foram transformadas. Numa palavra: há que acrescentar ao valor dos produtos
finais obtidos durante o período o valor dos bens intermédios existentes no seu termo. Este valor foi criado no
período que se está a considerar; e como não vem a integrar-se no valor dos bens acabados, não haverá dupla
contagem pelo facto de os contabilizar autonomamente. Antes pelo contrário: só assim esse valor, criado em
determinado ano, pode aparecer incluído no PNB desse ano.

B) Pode acontecer, além disso, que as empresas do país utilizem matérias-primas ou semi
produtos comprados a empresas de outros países. A empresa A, por exemplo, pode ter utilizado adubos que não
adquiriu a nenhuma empresa nacional, mas a uma empresa estrangeira. Ora, se a empresa A utilizou adubos que
não foram produzidos por uma empresa nacional, o valor desses adubos constitui produto bruto de uma empresa
estrangeira. Por conseguinte, não pode ser considerado no PNB, sob pena de este deixar de ser nacional.
Na verdade, se a empresa A, além de utilizar sementes que foram produzidas em período anterior,
utilizou adubos que foram obtidos no estrangeiro, é claro que temos de subtrair o valor desses adubos, tal como
fizemos para as sementes.
Produto nacional bruto é, assim, o valor dos bens finais obtidos durante determinado período, menos o
valor dos bens intermédios utilizados nesse período e provindos de períodos anteriores ou importados, e mais o
valor dos bens intermédios produzidos durante o período e existentes no fim dele.
O cálculo do PNB inicia-se, pois, multiplicando o preço de cada um dos bens finais ou acabados pela
quantidade produzida durante o período considerado, para se obter depois o valor de todos os bens finais
produzidos no país e no período considerados. Esses bens finais são bens de consumo ou são bens de produção.
Para que os bens de produção possam considerar-se bens finais ou acabados é necessário que não
tenham de sofrer mais nenhuma transformação material ou económica. Trata-se, portanto, de bens de produção
duradouros e, quanto aos bens de produção consumíveis são necessariamente bens intermédios.
Segue-se, pois, que o valor dos bens finais se divide em valor dos bens finais de consumo e valor de bens
finais de produção, obtemos o PNB.
Poderia dizer-se que, do mesmo modo que no cálculo do produto nacional não se contabiliza o valor dos
bens intermédios utilizados na produção de bens finais, também não deveria contabilizar-se o valor dos bens de
produção duradouros produzidos no período considerado.
Tais bens de capital não deveriam considerar-se produtos finais já que ninguém os quer por si mesmos,
antes se destinam a ser utilizados para produzir outros produtos finais. Nesta óptica, a utilização de máquinas na
produção de pão não difere essencialmente da utilização de farinha ou de qualquer outro produto intermédio.
Nem o facto de a máquina, ao contrário da farinha, poderá ser utilizada para produzir pão durante várias
semanas, ao longo de um certo número de anos, alteraria significativamente as coisas. Com efeito, mais cedo ou
mais tarde, dentro do período de duração da máquina, o seu valor acaba por ser incluído no valor do pão. Assim
sendo, não contabilizar este valor seria apenas não o contar duas vezes.
O ponto de vista que acabámos de expor ganharia mais peso caso ocorressem duas condições, que
normalmente não se verificam:
1) Se a “morte económica” dos bens de capital duradouros existentes ocorressem
uniformemente ao longo dos anos;
2) Se a produção de novos bens de capital acompanhasse o ritmo da “morte económica” dos
bens de capital em uso e fosse apenas o bastante para substituir os bens de capital fora de uso.

Mas duas observações se impõem:


 É difícil, na prática, verificar-se essa correspondência entre a “morte económica” das
máquinas e a sua substituição por outras novas.
Admitamos que as dez máquinas de fabrico do pão ficam fora de uso e são substituídas só por uma. Nesta
hipótese, a não contabilização da produção de máquinas não permita pôr em evidência o facto de a produção real
total da economia ser maior no ano em que se produzem as máquinas para substituir as velhas. Se a produção de
pão se mantém inalterada, o valor das máquinas produzidas acresce, nesse ano, ao valor do pão produzido. Se o
valor da produção de pão diminuir nesse ano, em virtude do desvio de recursos da produção de pão para a
produção de máquinas, nem por isso a baixa da produção de pão significa uma diminuição da produção em termos
reais.
Quer dizer: mesmo na hipótese de a produção de máquinas se limitar ao necessário para substituir
aquelas que ficam fora de uso, a contabilização da produção de máquinas como produção de bens finais, a par da
produção de pão, dá-nos uma imagem mais correcta da evolução da actividade produtiva de ano para ano.
É claro que a grandeza assim obtida é uma grandeza bruta – o produto nacional bruto. Para anular os
efeitos da dupla contagem que se reconhece existir nesta grandeza, é necessário deduzir em cada ano, a título de
quota de amortização, o montante correspondente ao desgaste efectivo das máquinas. Obtém-se, deste modo, o
produto nacional líquido.
Não há dúvida de que, tomando o período de dez anos no seu conjunto, o valor das máquinas aparece
contabilizado no valor do pão, o que parece justificar a tese da desnecessidade do cômputo autónomo da
produção de máquinas. Com efeito, o valor da produção de pão ao fim do período de dez anos (2.000) é igual ao
valor d o produto líquido obtido no mesmo período (2.000).
 A realidade mostra também que, ao longo do tempo, as economias vão produzindo bens
de capital duradouros em maior quantidade do que o necessário para assegurar a substituição do capital que vai
ficando fora de uso. Em condições normais, a capacidade de produção vai aumentando. É importante sabermos
em que medida isto acontece de ano para ano. E só o poderemos saber se a contabilidade nos der, em cada ano, o
montante do saldo líquido da produção de capitais fixos, ou seja, se se contabilizar a produção de bens finais de
capital no cálculo do produto bruto de cada ano, deduzindo depois a quota anual de amortizações, para obter o
produto líquido.
Dir-se-á que, aumentando a capacidade produtiva, mais tarde ou mais cedo aumentará a produção de
bens finais de consumo, bastando contabilizar o valor desses bens quando forem produzidos para que se dê conta
do valor de toda a produção. Só que, se assim se fizesse, só tardiamente se teria conhecimento do aumento da
capacidade produtiva, e muito dificilmente se poderia apreender a flutuação que caracteriza a actividade do
investimento e a criação de novo capital, elemento que é importante conhecer com o maior grau possível de
certeza e de rapidez.

O produto nacional líquido


A generalidade dos especialistas prefere considerar como produto bruto de um determinado ano a soma
do valor da produção de “true final goods” e do valor da produção de novos bens de capital.
Simplesmente, uma parte dos bens de produção produzidos em um certo período nada acrescenta ao
estoque desses bens de que a comunidade fica a dispor. De facto, a produção do período faz-se à custa da “morte”
de um certo número de bens de produção. Se, durante o período, se produzirem apenas bens de produção num
valor igual aos bens desse tipo que “morreram” economicamente, a comunidade ficou, no que respeita ao estoque
de bens de produção, exactamente na mesma posição. Mas, se, durante o período, se produziram bens de
produção cujo valor exerce o valor dos que ficaram economicamente inutilizados, então pode dizer-se que a
situação da comunidade melhorou, no que pode dizer-se que a situação da comunidade melhorou, no que aos
bens de produção duradouros respeita. Houve assim um ganho económico líquido, ou seja, um aumento da
capacidade produtiva.
Ora, no PNB computa-se, juntamente com o valor dos bens de consumo, o valor de todos os novos bens
de produção. É, pois, uma grandeza que nada nos diz sobre se houve efectivamente um ganho económico líquido;
ou se, pelo contrário, houve perda; ou, finalmente, se não houve ganho nem perda.
Pode haver interesse em conhecer a situação em que a comunidade fica ao fim de cada período, pelo que
os bens de produção duradouros respeita. Precisamente para isto constrói-se uma outra grandeza – o PNL.
Inclui-se no PNL o valor dos bens (finais) de consumo. Mas não se inclui o valor de todos os bens de
produção obtidos no período considerado, mas apenas aquele valor de bens de produção que deva ser
considerado um acréscimo, imputável à produção do período, ao estoque desses bens possuídos pela comunidade.
No PNL ao valor de todos os bens finais de produção obtidos nem período deduz-se o valor desses bens
de produção que, nesse mesmo período, se perderam para a produção, e só se computa a diferença entre os dois
valores.
PNB = valor dos bens finais de consumo mais o valor dos bens finais de produção.
PNL = valor dos bens finais de consumo mais o valor líquido dos bens finais de produção.
O que é preciso subtrair ao PNB para obtermos o PNL?
O que deve deduzir-se é o valor dos bens (finais) de produção que durante o período deixaram de
pertencer ao estoque de equipamentos possuídos pela comunidade.
Como hão-de os serviços encarregados de computar o produto nacional aperceber-se do valor de bens
capitais, que num determinado período, se perdeu?
Se pusermos de lado a hipótese de a depreciação dos bens de capitais físicos ser igual em cada um dos
anos da sua vida económica e de se contabilizar como amortização o valor que resulta da divisão do preço desses
bens capitais pelo número de anos estimados da sua vida económica, o único processo que os serviços de
estatística têm de se aperceber de tudo isto é o de computar as amortizações do capital fixo constantes da
contabilidade das empresas.
Essas amortizações permitem uma aproximação do valor dos bens capitais que se perdeu em cada
período. Trata-se, no entanto, de uma simples aproximação por vezes muito remota. Isto porque as amortizações
feitas pelas empresas obedecem a finalidades muito diversas e não visam medir o desgaste físico e o
envelhecimento económico efectivo dos capitais fixos verificados durante o período. A política de amortizações
das empresas é informada por necessidades de ordem fiscal, por razões de concorrência, etc.
As amortizações constituem, no entanto, a única base possível para o cálculo dos valor dos bens capitais
que se esgotaram durante o período. Daí que possamos dizer que PNL = PNB – Amortizações.
Não se trata, pois, da amortização contabilística das empresas, mas antes do desgaste efectivo dos
recursos, ou, noutra perspectiva, daquela parte do PNB que é necessário pôr de lado para manter a capacidade de
produção da economia.
A evolução do PNL tem que ver com a evolução da capacidade de produção instalada no país em causa.
Mas é necessário ter em conta que o preço de um qualquer bem de capital fixo é sempre superior ao valor do
produto que ele pode gerar em cada ano.
Por exemplo: uma máquina que custa 5.000€ pode produzir, em cada ano da sua vida útil, bens cujo valor
no mercado é de 1.000€. Chama-se relação capital/produto à relação entre o valor do capital fixo necessário para
produzir, em cada ano, bens de determinado valor e o valor destes bens, em cada ano.
Este conceito vale para uma determinada máquina ou para a economia no seu conjunto. Neste caso, se a
relação capital/produto for igual a 5, o valor da produção de novo capital fixo tem de aumentar, em termos
líquidos, cinco vezes mais do que o valor das mercadorias que, com esse capital, se querem produzir a mais. Ou,
dito de outro modo: se o investimento em novo capital fixo aumenta em termos líquidos, o aumento da produção
que dele pode esperar-se terá um valor cinco vezes menor.

Produto e rendimento: o valor da produção nacional analisado sob a óptica do


rendimento

Grandezas a preços de mercado e grandezas a custo dos factores


Chegamos assim a duas grandezas macroeconómicas: uma grandeza bruta (PNB) e uma grandeza líquida
(PNL).
Mas produto será sinónimo de rendimento? O PNB e o PNL serão o mesmo que RNB e RNL? Naquele
modelo de onde inicialmente partimos, o produto era igual a rendimento, justificando-o com base na ideia de que
o produto se ontem multiplicando o prelo pelo número de unidades produzidas para cada um dos bens obtidos
num período e que o preço não é mais que um somatório de rendas, salários, juros e lucros que são, afinal, os
rendimentos distribuídos aos participantes da produção. Todo o produto de uma empresa é rendimento seu; todo
o rendimento de uma empresa provém do produto dela. Só assim todo o produto é rendimento e só o produto é
rendimento.

 Esquema da actividade estadual


Agora, nem todo o produto é rendimento das empresas. Uma parte do produto é constituído por
impostos de consumo, que são impostos a entregar ao estado pelas empresas, mas que elas incluem no preço de
venda dos artigos.
Quer dizer, me vez de termos:
Produto = rendas + salários + jutos + lucros,
Temos agora,
P = r+s+j+1+ impostos de consumo.
Ora os impostos de consumo são produto das empresas, pois são valores que estes realizam pela venda
das suas mercadorias, mas não são rendimento das empresas, pois não são valores com que as empresas fiquem
para remunerar os participantes na produção.
Quer dizer, as grandezas PNB e PNL não nos podem informar do rendimento das empresas, dos
rendimentos globais que elas auferiram pela produção. Informam-nos apenas do seu produto. Ou seja: o produto
nacional é uma grandeza a preços do mercado. Os bens são, nestas grandezas, avaliados de acordo com os preços
que tiveram no mercado.
Não são, todavia, grandezas que nos dêem o rendimento das empresas, não são grandezas que sejam
baseadas no custo dos “factores de produção”.
Para conhecermos o rendimento global das empresas, ou seja o valor global dos factores de produção,
precisamos de grandezas que se obtenham por operações de outro tipo.
Em vez de multiplicarmos preços por quantidades multiplicamos, agora, rendimentos – ou seja, custos dos
“factores de produção” – por quantidades. Iremos assim construir grandezas a custo de factores, grandezas que já
merecem, portanto, o qualificativo de rendimento e não o de produto.
Ora, conhecendo o produto (PN) – ou seja, a grandeza a preços do mercado -, como podermos obter o
rendimento (RN) – ou seja a grandeza a custo dos factores?
Haverá que retirar ao produto todos aqueles valores que não constituam rendimento das empresas.
Como vimos atrás, nem todo o produto é rendimento. Os impostos de consumo são produto, mas não são
rendimento. Logo, teremos RN = PN – impostos de consumo.
Se nem todo o produto é rendimento, também é certo que nem só o produto é rendimento.
As empresas podem também auferir rendimentos que não lhes advêm da venda no mercado dos bens
que produzem. É o caso dos subsídios da estado à produção. Com efeito, o estado, por vezes, subsidia os
produtores. Assim, se a indústria do fero não puder vendê-lo, atento a seu custo, a menos que 3contos a tonelada,
e se o estado tiver interesse em que a tonelada de ferro seja vendida a 2,5contos, pode dar um subsídio de 500$00
por tonelada às empresas produtoras de ferro para que estas o vendam a 2.500$00.
Assim, se por um lado o preço é somatório de s+r+j+1+impostos do consumo, por outro lado o
rendimento é o somatório de s+r+j+1+subvenções estaduais às empresas.
Se queremos, portanto, saber qual o montante global dos rendimentos das empresas, ou seja, qual o
rendimento nacional (bruto ou líquido) a custo dos factores, será também preciso acrescentar ao produtos aqueles
valores que, não estando incluídos nestes, constituem rendimento das empresas, pois vão servir para remunerar
os respectivos participantes na produção.
Logo: RN = PN – impostos de consumo + subsídios à produção
Na nossa Contabilidade Nacional fala-se de produto nacional bruto ao custo dos factores.

O valor da produção nacional analisado sob a óptica do rendimento


Nesta perspectiva, o valor da produção nacional apresenta-se-nos como um somatório dos rendimentos
distribuídos aos participantes na produção, ou seja, um somatório de salários, rendas, juros e lucros.
De facto, o valor dos bens (acabados) obtidos num determinado período é constituído pelas verbas que as
empresas pagaram aos participantes na produção. E, conforme estes sejam trabalhadores, proprietários,
capitalistas ou empresários, assim a respectiva remuneração será salário, reda, juro ou lucro.
É evidente, por outro lado, que, através desta óptica, chegaremos a uma grandeza tomada a custo dos
factores. Somando, portanto, salários, rendas, juros e lucros, obteremos o rendimento nacional a custo dos
factores, uma vez que aqueles rendimentos não são mais do que a remuneração dos elementos ou “factores da
produção”.
E se quisermos, a partir do rendimento a custo dos factores, obter o rendimento a preços do mercado,
bastará somar os impostos de consumo e subtrair os subsídios do estado à produção.

Rendimento a custo dos factores, rendimento pessoal e rendimento


Disponível
O rendimento a custo dos factores é aquele com que as empresas ficam para remunerar os participantes
na produção.
Todavia, aquele rendimento não coincide com o rendimento pessoal, que é aquele que, de facto, é
distribuído aos participantes na produção, ou melhor, aquele rendimento que é entregue às pessoas físicas, às
unidades de consumo (famílias).
No rendimento a custo dos factores englobam-se salários, rendas, juros e lucros. Todavia, há lucros que
não são distribuídos, ficando a constituir reservas que as empresas posteriormente aplicarão, porventura na
compra de novos equipamentos (autofinanciamento). Esses lucros não distribuídos não são, portanto, entregues a
pessoas físicas, a unidades de consumo. Como o não são os rendimentos de propriedades ou empresas do estado
ou de outras pessoas colectivas de direito público.
Aqueles lucros e estes rendimentos não são, portanto, rendimento pessoal. Por outro lado, o rendimento
de que ficam a dispor as unidades de consumo não provém só da sua participação na produção.
É que há pessoas que não participam de nenhuma forma na produção, mas auferem de rendimentos que
lhes são atribuídos pelo estado. Trata-se de rendimentos que não estão integrados no PNB, uma vez que não se
traduzem em despesas do estado na compra de bens ou serviços referentes ao ano em questão. São as chamadas
transferências, que são prestações gratuitas, sem contrapartida. Exemplo: prestações da Segurança Social,
subsídios de desemprego, pagamento de juros aos detentores de título da vida pública.
Embora não sejam rendimentos resultantes da sua participação na actividade produtiva, integram
também o rendimento pessoal dos respectivos beneficiários as remessas dos emigrantes e outras transferências
correntes vindas do resto do mundo.

Mas este rendimento pessoal não é ainda o rendimento disponível das famílias, com base no qual elas
vão programar as suas despesas de consumo e as suas poupanças.
Recebido aquele rendimento, ele vai ser atingido por impostos directos sobre os rendimentos cobrados
em favor do estado (IRS) e ainda pelos descontos obrigatórios para a Segurança Social. Só depois de pagos estes
encargos os particulares poderão verdadeiramente dispor do rendimento que lhes resta.
O rendimento disponível é, pois, o rendimento pessoal menos o montante global dos impostos directos
sobre os rendimentos e os descontos obrigatórios para a Segurança Social.

Rendimento Nacional e Rendimento dos Habitantes ( = Rendimento “Interno” e


Rendimento “Nacional”)
Todas as grandezas construídas até agora são grandezas que exprimem o rendimento obtido dentro do
país. Assim, o PNB dá-nos o valor, a preços do mercado, dos bens finais de consumo e dos bens finais de produção
produzidos dentro do país; o PNL dá-nos o valor, a preços do mercado, dos bens (finais) de consumo e dos bens
finais de produção, depois de deduzido o valor das amortizações; o RNL dá-nos o valor líquido dos bens finais de
produção. Trata-se sempre, no entanto, do valor dos bens produzidos dentro do país.
Ora o rendimento produzido dentro do país não coincide com o rendimento dos habitantes do país. Quer
dizer que todas as grandezas já referidas nos forneciam, de uma ou outra forma, o rendimento interno de um
determinado país. Aquilo a que chamamos PNB, PNL, RNL são, na verdade, rendimentos internos. Numa
terminologia mais rigorosa, deveria chamar-se-lhes PIB, PIL, RIL, reservando o qualificativo nacional para
grandezas que se refiram efectivamente ao rendimento dos habitantes do país.
Qual é, pois, a diferença entre grandezas “internas” e grandezas “nacionais”, ou, continuando a utilizar
terminologia que vínhamos utilizando, entre grandezas nacionais e grandezas referidas aos habitantes do país?
Só haveria coincidência entre ambas as grandezas se todo o rendimento produzido dentro do país fosse
rendimento dos habitantes do país e se, por outro lado, só o rendimento produzido no país fosse rendimento dos
habitantes do país.
Ora, nem todo o rendimento produzido dentro do país advém a pessoas que habitam no país; o mesmo é
dizer que nem todo o rendimento produzido internamente é rendimento dos que residem no país.
Conclui-se, portanto, que se dispusermos de grandezas representativas do rendimento produzido dentro
do país e quisermos determinar o rendimento dos habitantes do país, haverá que subtrair o rendimento produzido
no país e pago a residentes no estrangeiro e haverá que somar o rendimento produzido no estrangeiro e pago a
residentes no país.
Inscrevem-se, portanto, a débito da economia nacional todos os rendimentos produzidos internamente,
mas que revertem em favor de residentes no estrangeiro. E inscrevem-se a crédito da economia nacional todos os
rendimentos produzidos no estrangeiro, mas que revertem em favor de residentes no país.
Temos de distinguir entre grandezas que se referem ao rendimento dos habitantes no país e grandezas
que se referem ao rendimento produzido no país. A distinção entre estas duas ordens de grandezas faz-se, não em
termos de nacionalidade doa agentes produtivos, mas em termos de residência.
Assim, a renda da casa que um português, residente na França. Tem em Portugal é rendimento que se
inscreve a débito da economia nacional, do mesmo modo que a renda da casa que um francês, residente em
Portugal, tem na França é rendimento que se inscreve a crédito da economia nacional.
O valor da produção nacional na óptica das despesas
As componentes da despesa nacional
Através da óptica do produto tínhamos:
PN = valor dos bens finais produzidos no período considerado – valor dos bens intermédios de períodos
anteriores + valor dos bens intermédios existentes no fim do período considerado
Podemos, no entanto, chegar a um resultado semelhante, pela óptica das despesas.
Comecemos pelo valor dos bens finais produzidos num determinado período. Os bens finais produzidos
num certo período ou são bens de consumo ou são bens de produção duradouros. Se são bens de consumo, o seu
valor há-de ser igual à despesa que os particulares-consumidores fazem na sua aquisição. Essa despesa é o
consumo. Se são bens de produção duradouros, o seu valor há-de ser igual à despesa que os particulares-
empresários fazem na sua aquisição. Essa despesa é o investimento em capital fixo.
Logo, o valor dos bens finais produzidos num determinado período é igual ao consumo mais o
investimento em capital fixo.
Surge, aqui, também o problema no cômputo da despesa: contar as despesas das empresas com
matérias-primas, e mais as despesas das famílias com os produtos em que foram incorporadas tais matérias-
primas, significa uma duplicação; o mesmo acontece com os encargos de salários e ordenados das empresas, e
com todas as suas outras despesas correntes. E, por isso, elas não devem contar-se na despesa nacional, sob pena
de se destruir a correspondência entre os conceitos e resultados numéricos de produto e despesa.
Na óptica das despesas, portanto, o valor da produção nacional aparece traduzido na despesa nacional.
Despesa nacional que, numa primeira aproximação, se pode desdobrar em consumo e investimento. Só constitui
despesas aquela que corresponde à compra de bens capitais produzidos no período considerado.
Se quisermos ver as coisas por outro ângulo, pode dizer-se que ao “investimento” do comprador daquela
fábrica corresponde um “desinvestimento” do vendedor, que assim abre mão de bens capitais já em exercício. Ora
aquele “investimento” e este “desinvestimento” anulam-se, não sendo assim de afectar ao produto nacional
qualquer valor.
Claro que o investimento em capital fixo pode ser tomado em termos brutos ou em termos líquidos.
Se ao consumo acrescentarmos o investimento em capital fixo em termos brutos obtemos uma grandeza
bruta. Se ao consumo acrescentarmos o investimento líquido em capital fixo obteremos uma grandeza líquida.
Mas o valor do produto nacional não se reduz ao valor dos bens finais ou acabados. Para atribuir a cada
período os valores que nele foram criados, temos que subtrair o valor dos bens intermédios utilizados nesse
período e provindos de períodos anteriores e que somar o valor dos bens intermédios produzidos no próprio
período e existente no fim dele.
Ora tais bens intermédios são necessariamente bens de produção – são bens de produção consumíveis.
O valor líquido desses bens, uma vez que se trata de bens de produção, há-de reflectir-se, na óptica das
despesas, não numa despesa de consumo, mas numa despesa de investimento. É o chamado investimento em
estoques ou variação das existências.
Assim, o ano de 1992 legou ao ano imediato um conjunto de bens de produção consumíveis – bens
intermédios – com um certo valor. Por sua vez, o ano de 1993 legou ao ano imediato um conjunto dos mesmos
bens cujo valor pode ser superior, igual ou inferior ao valor dos bens do mesmo tipo herdado em 1992.
Se o estoque de bens intermédios em 31/12/93 é de valor superior ao estoque em 31/12/92, o
investimento em estoques ou variação das existências é positivo. Não só se amortizou o valor dos bens de
produção consumíveis herdados de períodos anteriores, como se acrescentou alguma coisa a esse estoque.
Se o estoque de bens intermédios em 31/12/93 é de valor inferior ao do estoque em 31/12/92, o
investimento em estoques ou variação das existências é negativo. Em 93 não se produziram bens de produção
consumíveis suficientes para amortizar os herdados de períodos anteriores.
Se, finalmente, o estoque de bens intermédios em 31/12/93 é de valor igual ao do estoque em 31/12/92,
o investimento em estoques ou variação das existências é zero. Em 93 produziram-se apenas bens de produção
consumíveis suficientes para amortizar os herdados de períodos anteriores.
Quer dizer: o investimento em estoques ou variação das existências é uma grandeza líquida.
Teremos, portanto, que somando o consumo com o investimento em capital fixo e com o investimento
em estoques ou variação das existências chegaremos a uma valor correspondente ao do PNB, se o investimento
em capital fixo for um investimento bruto; ao PNL, se ao investimento bruto em capital fixo deduzirmos as
amortizações, ou seja, se incluirmos na soma apenas o investimento líquido em capital fixo.
Podemos, portanto, concluir:
PN = C + 1,
Desdobrando-se o investimento em investimento em capital fixo (bruto ou líquido) e investimento em
estoques (sempre líquido).
Diz-se, assim, que as despesas determinantes do produto nacional são o consumo e o investimento.

Rendimento nacional e bem-estar material das populações


O PNL como indicador do bem-estar
Os dados relativos ao rendimento nacional podem dar-nos indicações sobre o nível de bem-estar material
das populações. Por isso mesmo, é com base neles que em regra se ajuíza do nível de vida de um dado país em
determinado ano ou em determinada época. E, sobretudo, é com base neles que se compara a evolução registada,
ao longo do tempo, quanto ao nível de bem-estar de um mesmo país e se comparam, para o mesmo período de
tempo, os níveis de bem-estar registados em diferentes países ou regiões.
Ao dados relativos ao PNL permitem avaliar o que pode ser gasto anualmente pela comunidade nacional
sem pôr em causa a reprodução do processo económico enquanto processo recorrente. Dando-nos indicações
acerca do fluxo de bens e serviços registado em uma economia num certo período de tempo, o PNL fornece a
medida do que pode ser consumido pela comunidade sem diminuir o estoque de bens de capital existentes, que
representam a capacidade produtiva instalada. É assim porque o PNL é uma grandeza que se obtém depois de
deduzir ao PNB o montante das quotas de amortização indispensáveis para repor integralmente o capital fixo
“consumido” durante o período. Uma comunidade que gastasse o valor correspondente ao PNB estaria a
“consumir” o próprio fundo de capital, pondo em perigo a continuidade do processo económico.
Eis porque é o PNL a grandeza que pode fornecer indicações acerca do bem-estar material da população
de um país.
No entanto, o cálculo do desgaste efectivo do capital fixo em um dado período é feito com base nas
quotas de amortizações que aparecem na contabilidade das empresas.
Mas as empresas podem proceder a uma amortização acelerada, inflacionando as quotas de amortização,
para ocultar lucros e assim pagar menos impostos. Na medida em que tal se verifique, daí resultará uma
subavaliação do PNL.
Outras vezes as empresas podem “viciar” o registo das quotas de amortização para poderem prosseguir
uma dada política de distribuição de dividendos ou tentarem um aumento da cotação das suas acções na Bolsa.
Em casos como estes, podem deflacionar-se as quotas de amortização, com a consequente sobreavaliação do PNL.
De qualquer forma, aos dados relativos ao rendimento nacional é necessário adicionar o saldo positivo ou
negativo dos rendimentos provindos do exterior. E este é um factor que pode influenciar profundamente o nível
do rendimento que vem a caber, efectivamente, aos habitantes de um país. Lembre-se a situação dos países
largamente penetrados por capitais estrangeiros neles investidos, cujos titulares fazem regressar aos países de
onde são originários uma boa parte dos lucros obtidos. Lembre-se ainda a situação de muitos países que são
levados a contrair vultuosos empréstimos no estrangeiro, para onde terão que remeter anualmente elevados
montantes a título de juros e amortização.

Diga-se, ainda, que os dados do PNL terão de ser sempre confrontados com o volume da população do
país em causa. Por isso se utilizam os dados do produto per capita ou por família, grandeza que se obtém dividindo
o produto nacional pelo número de habitantes do país.
Algumas dificuldades na leitura do bem-estar a partir do PNL
 O PNL é calculado e expresso em termos monetários
Apesar de o rendimento nacional ser um rendimento em bens materiais e serviços, isto é, um
rendimento real, ele só pode ser calculado em termos de preços, isto é, como rendimento monetário, dado que
não se podem adicionar quilos de cebolas a metros de fazendas, e só preços de cebolas a preços de fazendas.
a) Daqui resultam desde logo os inconvenientes derivados do facto de a estrutura dos preços
não reflectir as verdadeiras preferências dos consumidores. Os “votos monetários” destes já não representam a
soberania do consumidor, hoje reduzida a um mito desacreditado, dados os poderosos meios ao serviço dos
objectivos da “sociedade de consumo”.
b) Outro inconveniente reside no facto de se excluírem do rendimento nacional todos os bens
que não têm mercado e, portanto, não têm preço; é o que sucede, v.g., com os serviços domésticos que as pessoas
realizam em sua casa, com o trabalho voluntário não pago.
As deficiências deste tipo são particularmente relevantes nos países subdesenvolvidos e em
geral nos países com uma agricultura atrasada. Muitos dos trabalhos agrícolas são feitos em regime de entreajuda,
não se pagando salários. Por outro lado, as economias desses países são economias de subsistência, isto é, muitas
das explorações agrícolas produzem essencialmente para autoconsumo, levando ao mercado apenas uma
pequena parte dos frutos do seu trabalho.
O tipo de dificuldades que vimo referindo regista-se também em situações como as que figuramos no
exemplo seguinte. A existência da floresta só é considerada, para efeitos de cálculo do PNB, se nela forem cortadas
árvores para venda no mercado. A simples existência da floresta não tem qualquer incidência no cálculo do PNB
em um dado ano; do mesmo modo, se uma floresta arder por completo, o seu desaparecimento não se reflecte,
em si mesmo, no valor do PNB desse ano.
No entanto, a simples existência da floresta é, em si mesma, um bem. Pelo simples facto de existir, a
floresta representa uma contribuição com significado económico e repercussões em termos de bem-estar
material. Na verdade, a floresta preserva os solos, regula o clima, purifica o ar e a água…Só que estes bens não
estão no mercado e não têm preço atribuído.
c) Mas o facto de o rendimento ser expresso em termos monetário tem o contra de poder
falsear as comparações no tempo.
Na verdade, um aumento do rendimento nacional não significa necessariamente um aumento da
quantidade de bens produzidos. Pode acontecer que aquele aumento do rendimento seja provocado, no todo ou
em parte, pela subida dos preços. Para evitar o erro recorre-se à correcção dos dados do rendimento nacional pelo
coeficiente da alta ou baixa do nível dos preços, através do processo dos números-índices. Procura-se, deste
modo, evitar que a ilusão monetária conduza a uma leitura errada e enganadora da realidade.

 O PNL compreende a “manteiga” e os “canhões”


É preciso notar-se que o teor de vida depende da quantidade de bens de consumo ao dispor dos
habitantes do país. Na verdade, são os bens de consumo, e não os bens de produção, que satisfazem
imediatamente as necessidades e que, portanto, determinam o bem-estar material dos indivíduos.
É preciso não esquecer, desde logo, que para os cálculos do produto conta tanto a produção de bens de
consumo que satisfazem necessidades fundamentais da generalidade da população com a produção de bens de
luxo que satisfazem necessidades supérfluas ou mesmo sumptuárias de uma pequena minoria de (muitos) ricos.
Quer dizer: mesmo tomando em conta apenas a parte do PNL constituída por bens de consumo, não
podem colher-se daí indicações inequívocas acerca do nível de bem-estar material do conjunto dos habitantes de
um país, nem em termos absolutos, nem em termos de comparação da situação registada nesse país em períodos
diferentes, nem em termos de comparação com outros países.
Mas o rendimento nacional resulta tanto dos bens de consumo como dos bens capitais produzidos. E
pode acontecer que o rendimento tenha aumentado apenas por ter aumentado a quantidade de bens capitais. Se
for assim, não haverá aumento de bem-estar no respectivo período, embora o facto de a economia ficar a dispor
de mais bens de produção lhe venha a permitir a produção de maiores quantidades de bens de consumo em
períodos ulteriores.

Problemas podem resultar também da deficiente contabilização dos bens de consumo duradouros, os
quais, em regra, são inscritos na contabilidade nacional apenas no ano em que são produzidos, deixando de figurar
nos anos seguintes, embora a sua utilização e o bem-estar que dela resulta permaneçam durante o período da sua
vida útil.
Sendo certo que o sector de produção de bens de consumo duradouros é dos mais afectados pelas
oscilações conjunturais, aquela forma de os inserir na contabilidade nacional há-de traduzir-se numa instabilidade
do bem-estar muito superior à que na realidade se verifica.

 O PNL, o PNL per capita, a distribuição do rendimento e o “estilo de desenvolvimento”


Quando se fala de bem-estar material de um povo, tem se em vista a quantidade de bens de
consumo ao dispor da grande maioria dos seus componentes.
Ora, pode dar-se o caso de aumentar a quantidade de bens de consumo produzidos e, no entanto, esses
bens produzidos a mais ficarem ao dispor, não de grande massa dos habitantes do país em causa, mas de um
número diminuto deles. Se tal suceder, não há dúvida de que o bem-estar material da maioria da população não
acompanha o acréscimo do rendimento nacional.
É esta uma questão que tem a ver com a estrutura da distribuição do rendimento. Como todas as
capitações, o PNL per capita é um valor médio, compatível com vários graus de desigualdade na distribuição do
rendimento e do consumo.
Por isso mesmo, colhendo o nível de bem-estar pelo valor do PNL per capita, não pode dizer-se que o
nível de bem-estar da generalidade da população é igual em dois países só porque estas têm o mesmo PNL per
capita. É que pode dar-se o caso de, num deles, 80$ do rendimento caber a 20% da população cabem 40% do
rendimento e a 80% da população (deduzidos os 20% no topo da escala) cabem 75% do rendimento. Neste último
país, o nível de bem-estar da maioria da população é indiscitivelmente mais elevado do que no primeiro, apesar de
os dois países apresentarem um PNL per capita igual.
Considerações semelhantes valem para o caso de se pretender averiguar se, relativamente a um dado
país, o aumento do PNL per capita significa necessariamente aumento do nível de bem-estar da maioria da
população. Na verdade, pode dar-se o caso de o crescimento económico de ter feito acompanhar de um
agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento, de tal forma que a maioria da população do país
pode ter sofrido uma baixa da parte que lhe cabe do rendimento total e mesmo uma baixa do rendimento que, em
termos absolutos, cabe a essa parcela da população e uma baixa do PNL per capita dos indivíduos que a integram,
em benefício da melhoria absoluta e relativa da situação dos 10% ou 20% mais ricos, por exemplo. E é bem
possível que esta mão seja uma simples hipóteses teórica.
A questão em análise tem que ver, por outro lado, com o estilo de desenvolvimento adoptado em cada
país. com efeito, determinados estilos de desenvolvimento apresentam uma especial aptidão para potenciar as
taxas de crescimento do PNL na sua expressão contabilística, ainda que, por vezes, tal crescimento tenha pouco ou
nenhum significado em termos de satisfação das necessidades reais da maioria da população do país em causa.
É sabido, com efeito, que os alimentos, o vestuário e o calçado, v.g., são em geral mais baratos nos
“países pobres”, enquanto que os bens de consumo duradouros, como automóveis, televisores, eletrodomésticos,
etc., são muito mais caros nos “países pobres” do que nos “países ricos”.
Daí de corre que um país que assente a dinâmica do seu crescimento económico na produção de
automóveis e de outros bens de consumo duradouros beneficia do facto de o aumento da produção destes bens,
com bens muito caros que são, pesar mais fortemente nos cálculos do rendimento nacional, que assim aparece
inflacionado, sem que tal signifique um aumento da produção, em termos reais, mais acentuado do que o
verificado em países mais ricos, e sem que tal signifique, acima de tudo, adequação da produção às necessidades
da população em geral, ao combate ao desemprego e à redução das desigualdades.
 O PNL e a contabilidade do lazer como elemento do bem-estar
O produto nacional não dá, nem pode dar, qualquer relevância ao lazer, ao ócio, que é seguramente
um elemento importante do bem-estar.
O mesmo produto nacional pode ser obtido com mais ou com menos horas de trabalho e logo se
compreende que, sendo o trabalho esforço penoso, o bem-estar será tanto maior quanto maior for o tempo de
ócio.
Para um mesmo nível de PIB per capita, o grau de bem-estar de uma dada comunidade onde a semana de
trabalho é de 40 horas e o período de férias paga é de um mês será maior do que o de outra onde se trabalha 48
horas por semana e o período de férias pagas é apenas de 15 dias.
Mas as condições em que decorre o trabalho, o ambiente de trabalho, constituem igualmente uma
condição importante do bem-estar. E este aspecto não se confunde com a redução do horário de trabalho diário
ou semanal.
Esta redução nada diz, desde logo, acerca da intensidade do trabalho e das condições de disciplina em que
decorre a actividade dos trabalhadores. Ora estes são factores que podem provocar um desgaste físico e moral
maior do que o suportado por trabalhadores cujo horário de trabalho é mais dilatado. O bem-estar destes não tem
que ser inferior ao de trabalhadores que trabalham menos horas. Considerações deste tipo dificultam a
comparação entre o bem-estar de trabalhadores agrícolas e o experimentado por semana. É que “a actividade
agrária é uma forma de vida, onde se confundem em tempo de trabalho e tempo de lazer, acha-se nela outro
ritmo vital, os ciclos biológicos de produção não se interrompem em todo o ano e a divisão do trabalho próprio da
indústria por razão de objecto é substituída aqui por uma divisão subjectiva do trabalho”.
Mas é possível desenvolver, no mesmo sentido, outro tipo de considerações. Compreende-se, por
exemplo, que experimente um elevado nível de bem-estar um povo em que todos trabalham 48 horas, ou até
mais, por semana, animados pelo fervor revolucionário ou levados por espírito patriótico, porque têm a
consciência de estarem a consolidarem a independência económica, cultural e política do seu país e a construir um
futuro melhor para os seus filhos. Compreende-se também que, mesmo trabalhando mais horas que os seus
colegas de outros países, se sintam mais felizes, para o mesmo nível de PNL per capita, os trabalhadores que vivem
em países onde os riscos de despedimento são mínimos e onde sabem que não cairão na situação de desemprego.
E compreende-se que sinta um nível mais baixo de bem-estar a grande maioria da população trabalhadora
de um outro país, onde os trabalhadores vivem na angústia permanente de serem despedidos e de caírem no
desemprego ou estão sujeitos a condições degradantes, tendo consciência de que trabalham sobretudo em
benefício de uma pequena oligarquia local e dos grandes monopólios internacionais, cuja actuação acentua a
dependência externa actual e futura do país.
De qualquer modo, só o bem-estar material pode colher-se a partir dos dados do PNL.

 As dificuldades na comparação do nível de bem-estar de vários países através do PNB


As dificuldades da utilização dos dados do rendimento nacional para aferir do nível de bem-estar
dos povos agravam-se quando pretendemos, com base neles, comparar o nível de bem-estar de vários países. É
muito grande a deformação introduzida nas comparações internacionais pela conversão operada através das taxas
de câmbio.
As taxas de câmbio exprimem as relações de valor das moedas nas operações internacionais, basicamente
as transacções de mercadorias e serviços, mas entrando também em jogo os movimentos de capitais e as
transferências de rendimentos.
Sendo assim, compreende-se que 1 tonelada de gusa custe, em dado momento, aproximadamente $176
nos EUA, 70£ em Uk, 400 DM na Alemanha e 700 FF na França. Tratando-se de um bem que é objecto de comércio
internacional, a relação entre as taxas de câmbio, valendo o dólar uns 4,3 francos franceses, cerca de 2,3 marcos
alemães e sensivelmente 0,42 da libra inglesa.
Mas já não se depara com esta mesma identidade de relações entre taxas de câmbio e preços no interior
de cada país para a maior parte dos produtos e serviços que se utilizam correntemente nas mais variadas
finalidades, que compõem o produto nacional, e que determinam os rendimentos médios por habitante. E não se
depara com tal correspondência porque esses bens não são nem podem ser objecto de comércio internacional,
não surgindo portanto nenhuma actuação de “arbitragem” ou de nivelação entre os preços dos diferentes países.
Efectivamente: se a tonelada de gusa dos altos fornos de Havre fosse vendida na França a 1000 francos, nenhum
utilizador a compraria, pois, adquirindo-a em qualquer dos outros produtos estrangeiros, e mesmo suportando
gastos de transporte acrescidos, ainda obtinha preços muito inferiores; essas importações, sendo significativas,
tenderiam a fazer descer o preço da produção interna francesa e a fazer subir os preços nos países estrangeiros,
acabando por se fixar novos preços muito próximos da relação entre as taxas de câmbio. Mas se um almoço num
restaurante de categoria média custar em Londres 2£ e em NY $8 não é fácil aos norte-americanos deslocarem-se
todos os dias para tomar as suas refeições mais baratas na Inglaterra.
Este último exemplo mostra que o poder de compra interno de 1£ na Inglaterra é maior do que o seu
poder de compra internacional, por exemplo, nos EUA, onde só permitiria comprar 4.75 dólares e, portanto,
apenas 60% do almoço.
Sendo assim as coisas, já se vê que a prática muito corrente de comprar rendimentos de vários países
convertendo-os todos em dólares dos EUA, pode conduzir a erros grosseiros. Têm-se tentado vários caminhos para
vencer esta dificuldade. Um dos caminhos consiste em compor um cabaz de compras internacional, isto é, um
conjunto significativo de produtos e serviços que defina certo nível de vida, fazendo-se o cálculo do seu custo aos
preços de cada país. A relação desses custos entre cada par de países dá a equivalência pretendida entre os
poderes de compra internos, ou seja, as taxas de câmbio corrigidas. Claro que a composição do “cabaz” tem de
referir-se a uma população de determinado nível sócio-económico, pelo que as taxas de equivalência calculadas
periodicamente por este método para acertar os ordenados dos funcionários da ONU dispersos por muitas cidades
do mundo não servem para a generalidade das populações desses países – tais funcionários situam-se num nível
de rendimento demasiado elevado.
Outro processo de correcção orienta-se para o cálculo dos produtos nacionais dos vários países utilizando
um único sistema de preços. Logo a partir destes estudos se concluiu que a deformação introduzida pelas taxas de
câmbio deveria ser crescente à medida que era maior a diferença do nível de desenvolvimento dos países ou
regiões que se comparavam.
Mas é claro que não é correcto concluir-se que a diferença do nível do PNL per capita que daqui resulta
permite considerar que o bem-estar das populações é mais elevado nesse país do que em um outro modo onde o
nível do PNL per capita seja mais baixo, exactamente porque neste último não há necessidade de se produzirem
tais bens, pela simples razão de o desenvolvimento não ter provocado aqui as “deseconomias” que elas visam
compensar. Isto porque se optou por outro padrão de consumo e outras estruturas produtivas, que não geram
poluição nem engarrafamentos do trânsito automóvel.

Poderá dar-se também o caso de o crescimento económico gerar “deseconomias” que não são
compensadas, porque se trata de países “pobres” ou porque se trata de países dominados e semi-colonizados. Tais
“deseconomias” que não são compensadas, porque se trata de países “pobres” ou porque se trata de países
dominados e semi-colonizados. Tais “deseconomias” podem traduzir-se na poluição do ar e das águas; no
esgotamento e desertificação dos solos aráveis; na delapidação acelerada dos recursos naturais; na repressão
política, económica e social que se abate sobre as populações para tornar viáveis certas políticas, porventura
potenciadoras de determinados padrões de crescimento económico.
Já se vê que se países nestes condições apresentarem um nível de rendimento per capita idêntico ao de
outros países onde não se verificam tais “desconomias”, nem por isso poderá dizer-se que é idêntico ao nível de
bem-estar nos dois tipos de países. A inferioridade dos países referidos em primeiro lugar verifica-se não só quanto
ao bem-estar das gerações presentes afectadas pelos efeitos da poluição, do esgotamento dos solos, da
delapidação dos recursos naturais não renováveis e da degradação das capacidades físicas e psíquicas das pessoas.

As dificuldades na comparação entre vários países são ainda maiores quando se pretendem confrontar os
dados referentes a “países subdesenvolvidos” com os dados relativos a “países desenvolvidos” ou quando a
comparação é entre países capitalistas e países socialistas.
Muitos autores consideram entre os custos sociais do desenvolvimento capitalista, a ocorrência cíclica de
situações de desemprego generalizado, com as habituais sequelas. Este deverá ser, pois, nesta óptica, outro
elemento a ter em conta quando se comparam dois ou mais países.

Síntese
O rendimento nacional, ainda que rigorosamente avaliado, não permite proceder a seguras comparações
no espaço nem a seguras comparações no tempo.
Ora, a tudo isto acresce que o cálculo do rendimento nacional, dada a grande variedade das mercadorias
produzidas e a multiplicidade dos seus preços, está sujeito a muitos erros, e a tanto mais quanto mais imperfeitos
forem os serviços de notação estatística.
Sem dúvida que a problemática do bem-estar material das populações não pode ver-se desligada do
crescimento económico, embora o mero crescimento do PNL não esgote todas as dimensões do desenvolvimento
económico, enquanto caminho para a plena realização de todas as potencialidades do homem.
Mas hoje os economistas começam a ter bem presente que nem tudo o que faz aumentar o PNL pode
contabilizar-se como factor de melhoria do bem-estar material dos povos.
Regra geral, as contabilidades nacionais não descontam estes custos sociais ao valor do PNL e contabilizou
no PNL as actividades desenvolvidas, em certos casos, para tentar anular aqueles custos.
Para calcular o bem-estar económico líquido, Samuelson propõe adicionar ao PNL rubricas como o valor
dos tempos livres e dos serviços das donas de casa, deduzindo-lhe, simultaneamente, os custos da poluição que
não se costumam pagar, os inconvenientes das urbanizações modernas e outros ajustamentos deste tipo.

Mercados e preços
O novo rumo da teoria do valor
Em McCulloch aparece pela primeira vez uma concepção subjectiva do valor, defendendo o autor que o
trabalho se mede pelo “sacrifício daqueles que o realizam”.
Nassau Senior veio depois sustentar a sua teoria da abstinência, apresentando a abstinência como
segundo elemento do valor. É este, simplificadamente, o seu raciocínio: todo o capital provém de dinheiro que
poderia ter sido consumido. Para poupar o seu dinheiro, o capitalista sacrifica, pois, o seu consumo imediato, e é
este sacrifício que lhe permite adquirir os instrumentos de produção. Ora este sacrifício, esta abstinência devem
ser recompensados, tal como o trabalho.
Nestes termos, o lucro deixa de ser considerado como um “excedente”, pois o valor de um bem era igual
ao trabalho necessário para o produzir mais a abstinência do detentor dos capitais.
Sendo assim, o custo monetário seria igual a salários mais lucros, o mesmo se verificando com o preço do
mercado. E assim se concluía que os valores do mercado coincidiam com o custo real.
Apareciam agora duas componentes do custo real (trabalho e abstinência), qualitativamente diferentes,
não se vendo como fundi-las para obter uma quantidade única, o custo real (valor).
Para além da dificuldade inerente a este dualismo de base, há ainda a dificuldade de definir os limites
relevantes do sacrifício: deve contar-se o sacrifício dos que se abstêm da disposição de uma riqueza herdade ou
o sacrifício de poupar um rendimento de todo em todo inesperado? “Se utilizarmos sacrifício em algum sentido
que seja fundamental, então não são os homens ricos do mundo os que fazem o sacrifício contido na acumulação
de capital. O sacrifício estará nas receitas menores e no consumo estreito duma classe que permite a outra classe
gozar as suas rendas privilegiadas”.
A nova estrutura da análise económica assenta no raciocínio marginalista.
Cournot preocupou-se fundamentalmente com a análise das condições da troca e da formação dos
preços, sistematizando os diferentes aspectos que o problema assume nos vários tipos de mercado. A Cournot
deve-se ainda a elaboração do conceito de elasticidade da procura.
A Alfred Mashall deve-se o esforço no sentido de conciliar as teorias das escola clássica com o
pensamento marginalista, especialmente no respeitante à formação dos preços e à distribuição dos rendimentos.
Na teoria da formação dos preços, Marshall distinguiu e introduziu na análise económica as noções de curto prazo
e longo prazo. No curto prazo, a oferta é considerada constante, ressaltando a influência dominante da procura, a
justificar a aceitação da teoria marginalista da formação do preço com base na utilidade dos bens; no longo prazo,
ganham relevo as variações da oferta e o andamento dos custos de produção em função das quantidades
produzidas.
A teoria da repartição de Marshall explica a formação das várias classes de rendimentos mediantes os
esquemas gerais da formação dos preços.

A lógica do marginalismo
A utilidade marginal
Na óptica dos clássicos, o valor não poderia entender-se como função da utilidade, porque alguns bens
(água) têm reduzido valor apesar da sua grande utilidade, enquanto que outros (ouro), apesar da sua pouca
utilidade, têm grande valor.
A descoberta dos marginalistas traduz-se na afirmação de que o preço, não podendo entender-se,
efectivamente como função de uma soma de utilidades, é função de um aumento de utilidade – da utilidade
adicional oferecida ao consumidor pela unidade marginal de uma oferta dada. Este aumento de utilidade é que
determinaria o valor: “O trabalho determina a oferta e a oferta determina o grau de utilidade, que comanda o
valor ou a relação de troca. O trabalho determina o valor, mas só de modo indirecto, ao variar o grau de utilidade
das mercadorias por meio de um aumento ou limitação da oferta”.
Em face da impossibilidade de exprimir quantitativamente o valor de uso, os marginalistas seguiram o
sistema de exprimir quantitativamente as necessidades que podem satisfazer-se com aquele valor de uso,
estabelecendo, para tanto, escalas individuais de necessidades. Daí que, a seu respeito, se fale da teoria
subjectiva do valor.
Os marginalistas partem do carácter individual das necessidades e consideram o valor de troca como um
vínculo subjectivo entre o indivíduo e a coisa.

A utilidade é subjectiva
Os bens são objecto do mundo externo aptos para satisfazerem necessidades. Utilidade é a aptidão das
coisas para a satisfação de necessidades.
Queremos com isto dizer aptidão que as coisas têm, ou aptidão que nós lhes atribuímos?
As necessidades são nossas; nós é que as sentimos. Logicamente, as coisas e a sua utilidade hão-de ser
vistas por cada um de nós. Daí que do nosso juízo dependa a utilidade das coisas do mundo externo. E, deste
modo, podemos definir, e agora com exactidão: utilidade é a aptidão real ou simplesmente presumida das coisas
para satisfazerem necessidades.
No fundo, a utilidade depende de dois factores:
1) Das nossas necessidades;
2) Da aptidão que, para as satisfazerem, reconhecemos às coisas.
Ora as necessidades são nossas; também somos nós, sujeitos das relações económicas, que
reconhecemos às coisas aptidão para as satisfazerem. Logo, sendo subjectivos os dois factores de que depende,
terá a utilidade, necessariamente, de ser também subjectiva.
Ela não é propriedade das coisas, mas qualidade que nela vemos. E como as necessidades são diferentes
de indivíduo para indivíduo, daí que o mesmo objecto possa ser útil para um e inútil para outro. Daí também que o
mesmo objecto, sendo hoje útil para qualquer de nós, possa amanhã deixar, por completo, de o ser.
Sob qualquer aspecto, portanto, a utilidade é sempre subjectiva: tanto encarada sob o ponto de vista da
satisfação das necessidades, que variam de indivíduo para indivíduo, como sob o aspecto da aptidão das coisas,
que pode mesmo não ser uma aptidão real mas, apenas, a que nós lhes atribuímos.

Lei da utilidade decrescente


A unidade depende das necessidades que temos. Mas estas não são igualmente fortes,
não apresentam o mesmo grau de intensidade: escalonam-se segundo são mais ou menos prementes. Assim, as
chamadas necessidades vitais são mais intensas do que quaisquer outras. E, de entre essas necessidades,
igualmente poderemos fazer uma escala, agrupando-as segundo a urgência da sua satisfação.
Ora, se as necessidades variam de intensidade, serão certamente mais úteis as coisas que satisfazerem as
necessidades mais prementes. Mas a intensidade das necessidades não é constante: depende também, e em
grande parte, da quantidade de bens que afectamos à sua satisfação:
Temos, por exemplo, necessidade de beber. Esta é, sem dúvida, uma das mais prementes
necessidades. Suponhamos que tomamos um copo de água: a necessidade, neste caso a sede, diminui de
intensidade mas não desaparece. Tomamos um segundo copo, e ela quase que nos deixa. Finalmente, com o
terceiro, desaparece de todo.

Significa isto que as necessidades são saciáveis. Mas significa que a intensidade de qualquer necessidade
diminui à medida que vamos aplicando bens a sua satisfação.
E se, de facto, a intensidade das necessidades diminui à medida que vamos aplicando bens à sua
satisfação, a utilidade de cada um desses bens há-de decrescer à medida que o seu número aumenta.
E assim chegamos à lei da utilidade decrescente: a utilidade dos bens destinados à satisfação de qualquer
necessidade decresce com o aumento da quantidade disponível desses bens, de tal modo que a utilidade de cada
uma das unidades é inferior à da unidade precedente. O que decresce não é a utilidade total mas a utilidade
marginal ou final. Por isso, quando enunciamos a lei da utilidade decrescente, estávamos a enunciar a lei do
decréscimo da utilidade marginal ou final.

Valor subjectivo
Consideraremos um sujeito que dispõe de vários exemplares de certo bem, sendo estes absolutamente
iguais. Terão todos a mesma utilidade? Não têm, ou porque satisfazem graus de intensidade diferente da mesma
necessidade, ou até porque satisfazem necessidades diferentes.
Mas deverá aferir-se a utilidade de cada um pela intensidade da necessidade que satisfaz? Por exemplo:
a água. Certo sujeito dispõe de diversas vasilhas com água, perfeitamente iguais, contendo precisamente a mesma
quantidade de líquido. A água contida em cada uma das vasilhas destina-se à satisfação de necessidades
diferentemente intensas. A primeira vasilha está afecta à satisfação da necessidade mais intensa: contém água
para beber; a segunda satisfaz uma necessidade já menos premente, pois contém água para cozinhar; e assim a
terceira, que se destina a lavar o corpo, e a quarta, que servirá para limpeza da casa.
A água contida em dada vasilha terá uma utilidade aferida pela intensidade da necessidade que visa
satisfazer? Não tem, pois as vasilhas são perfeitamente iguais, e, sendo iguais, são permutáveis.
Admitamos que o seu dono entorne a primeira, isto é, aquela que satisfazia a necessidade mais intensa.
Irá ele, por acaso, deixar de beber? Evidentemente que não: pega na última e põe-na no lugar da entornada.
Qual era, então, para ele, a utilidade da água contida na primeira vasilha? Por outras palavras: que
utilidade perdeu, entornando-a? Perdeu a utilidade da vasilha que a veio substituir, isto é, a que se destinava à
satisfação da necessidade menos intensa; no caso concreto, deixou de lavar a casa. Perdeu, pois, a utilidade
marginal ou final.
Mostra-se, assim, que a utilidade da primeira vasilha, como aliás a qualquer outra, é a utilidade marginal.
Quer dizer: à medida que se reduz número de unidades disponíveis de um bem cresce a utilidade marginal da
oferta e, portanto, o valor de cada exemplar do bem; à medida que aumenta o número de unidade diminui a
utilidade marginal da oferta e decresce o valor de cada unidade desse bem.
A utilidade de qualquer dos exemplares simultaneamente disponíveis decerto bem afere-se pela utilidade
marginal desse bem. E, dizendo isto, estamos a enunciar a lei da utilidade marginal. Mas a utilidade de um bem é
aquilo que ele vale para nós, é o valor que subjectivamente lhe atribuímos. Logo, o valor subjectivo de uma bem é
a utilidade marginal desse bem. A raridade do bem e a intensidade da necessidade que ele satisfaz é que
determinam o valor do bem.
Se as coisas valem pela sua utilidade, como se explica que, às vezes, as coisas mais úteis valham menos
do que as outras? A água é muito útil no sentido de ter uma grande utilidade inicial. Mas como em regra podemos
dispor de muitos exemplares desse bem, a sua utilidade marginal é quase nula. O ouro tem uma utilidade inicial
muito menor, mas como dispomos de objectos de ouro em muito pequena quantidade, a sua utilidade marginal é
muito elevada.

O valor de troca
Se o valor de troca dos bens é a sua utilidade marginal, então, ninguém estará disposto a trocar uma coisa
por outra que tenha utilidade marginal inferior. Com efeito, só se compreende que os bens se troquem quando o
que se dá tem menor valor subjectivo que aquilo que se recebe.
Um agricultor (A) dispõe de trigo e, suponhamos que lhe atribui a utilidade marginal de 4; mas não dispõe
de fazendas, e atribui a uma unidade delas (1 metro) a utilidade de 12. Nestas condições, é claro que A está
disposto a trocar uma unidade de trigo por uma de fazendas.
De seu lado, um industrial (B) dispõe de fazendas, mas não de trigo. Simplesmente, atribui às fazendas
uma utilidade marginal de 6, e a uma unidade de trigo a utilidade de 3. Nestas condições, é claro que B não está
disposto a trocar uma unidade de fazendas por uma de trigo.
A troca de uma unidade de trigo por uma unidade de fazendas só será possível quando, para A, a utilidade
marginal de T seja menor que a de F, e, para B, a utilidade de F seja menor que a de T.
Para haver troca, portanto, é preciso que a relação entre as utilidades marginais de T e F, para A, seja
diversa da relação entre as utilidades marginais de T e F, para B. É preciso, por outras palavras, que haja diferença
nas utilidades marginais comparadas.
Troca-se 1T por 1F. A passa a ter mais fazendas e menos trigo: diminui, para ele, a utilidade
marginal das fazendas e aumenta a do trigo. O mesmo se dá com B. Depois, troca-se uma segunda unidade de T
por uma segunda unidade de F, … até que a utilidade marginal do trigo possuído por A iguala a utilidade marginal
das fazendas por ele adquiridas, e a utilidade marginal das fazendas possuídas por B iguala a utilidade marginal do
trigo por ele obtido. Quando isso sucede, nenhum dos permutantes tem interesse em prosseguir na troca. Atinge-
se, assim, uma posição de equilíbrio, que é definida pela igualdade das utilidades marginais dos bens que cada
permutante possui – o equilíbrio da troca.
O valor de troca de um bem é a quantidade de outro bem que se permuta por uma unidade do primeiro.

O equilíbrio da troca. A lei da procura. A lei da oferta


Simplesmente, nas economias com certo grau de desenvolvimento, com uma produção diversificada, a
troca directa levanta dificuldades. Por isso a troca é, hoje, essencialmente, troca monetária, funcionando a moeda
como intermediário geral das trocas: vendem-se os bens em troca da moeda e com moeda se compram quaisquer
bens. E o preço é exactamente o valor dos bens expresso em moeda.

O equilíbrio da troca
Com a intervenção da moeda, não se modifica a posição de equilíbrio da troca. Simplesmente, o equilíbrio
atingir-se-á, agora, quando as utilidades marginais dos bens adquiridos igualem a utilidade marginal da moeda (M)
de que se fica a dispor.
Quer dizer: o lavrador troca M por F até que se parifiquem a utilidade marginal da moeda que lhe resta; o
industrial, por seu lado, troca M por T até que se igualem a utilidade marginal de T (que compra) e a utilidade
marginal da moeda com que fica.
Simplesmente, supusemos que os valores de troca fossem de 1 (1T=1F) e, portanto, pudemos supor que
os preços fossem de 1 também (1T=1$; 1F=1$). Mas não é isso o que geralmente acontece: geralmente, os valores
de troca são diferentes de 1 e, por isso, a posição de equilíbrio, isto é, a igualdade das utilidades marginais, não se
atinge quando a utilidade das unidades adquiridas se parifica com a utilidade da unidade de moeda, e sim quando
a utilidade daquelas se parifica com a utilidade de mais de uma unidade desta. Por exemplo: 5T=1F; 1F=50$;
1T=10$
Ora, chama-se utilidade marginal ponderada à utilidade marginal de um bem dividida pelo respectivo
preço. Assim: se a utilidade marginal das fazendas for de 10, será de 2 a utilidade marginal do trigo. Ou seja:
10/50= 0,2; 2/10= 0,2
Esta utilidade de 0,2 é que se parifica com a utilidade marginal da moeda, isto é, com a utilidade de 1$.
Daqui se conclui que o equilíbrio da troca se atinge quando se igualam as utilidades ponderas de todos os bens
adquiridos.

Lei da procura
Supondo constantes as necessidades e o rendimento de um certo sujeito e o nível dos preços dos
restantes bens, a quantidade de um determinado bem que esse sujeito está disposto a procurar depende do preço
desse mesmo bem.
Exemplo: certo indivíduo dispõe de 70$ para gastar e pode utilizá-los na compra da mercadoria A, que é
aquela cuja procura pretendemos conhecer, e da mercadoria B, na qual simbolizamos todos os outros bens; o
preço de ambas as mercadorias é de 10$ e são estas as utilidades respectivas:

A B
I 9 12
II 8 11
III 7 10
IV 6 9
V 5 8
VI 4 7

Pelo princípio da igualação das utilidades marginais ponderadas, o nosso homem compras, com os 70$, 2
unidades de A e 5 de B. Com efeito, a segunda e a quinta unidades de A e B têm a mesma utilidade de 8.
Admitamos, agora, que o preço de A desça para 5$, continuando de 10$ o preço de B. O nosso homem
tem interesse em comprar agora:

Utilidade Despesa
2A 17 10$
2A 13 10$
1B 12 10$
1B 11 10$
1B 10 10$
2A 9 10$
1B 9 10$

Tem interesse, pois, em comprar 6A e 4B. Isto é: as quantidades procuradas aumentam quando o preço
baixa. Eis a lei da procura: as quantidades procuradas variam em sentido inverso ao do preço.

Lei da oferta
Oferta individual de determinado bem é a quantidade desse bem que certo sujeito está disposto a vender.
Verifica-se aqui o mesmo fenómeno que no domínio da procura: a oferta depende do preço.
Suponhamos que o preço do kg de batatas é de 20$00, e que um lavrador atribui às unidades sucessivas
de batatas e de moeda as seguintes utilidades:
Batatas Moeda
20$00 10$00
I 4 12 6
II 5 10 5
III 6 8 4
IV 7 7 3,5
V 8 6 3

É claro que o nosso lavrador está disposto a vender 4 kgrs de batatas ao preço de 20$00. Ao preço de
10$00, porém, só venderia 2 kgrs.
Quer dizer: as quantidades oferecidas variam no mesmo sentido do preço: aumentam, quando o preço
sobre; diminuem, quando o preço baixa. É a lei da oferta.
Como se justifica na lógica do marginalismo, a lei da oferta, tal como ficou explicada, se se aceita que os
bens postos à venda não têm utilidade directa para quem os oferece? Justifica-se alegando que aquelas batatas,
todos os bens de que os vendedores dispõem em quantidades tais que a sua utilidade marginal se torna nula, se é
certo que não têm para ele utilidade directa, têm-na indirecta, pois podem ser, através da venda, trocados,
transformados em dinheiro.

A Procura
Quando se fala de lei da procura, pretende-se significar, com a palavra procura, não a quantidade
procurada a certo preço, mas a série das quantidades procuradas aos vários preços possíveis, ao longo de um
período de tempo determinado.
Há, portanto, uma relação funcional entre a procura e o preço: aquelas, são a variável dependente, o
preço é a variável independente: d=f(p)
Não quer dizer que as quantidades procuradas apenas variem em função do preço. Vários factores
influenciam as quantidades procuradas de determinada mercadorias: as necessidades, os rendimentos, os preços
dos outros bens, a expectativa acerca da evolução futura dos preços e o preço dela própria. Mas é este último o
susceptível de variar mais rapidamente e, portanto, de exercer maior influência a curto prazo.

A escala da procura e curva da procura


A quantidade de um bem que as pessoas comprarão em qualquer momento depende do seu preço.
Quanto maior for o preço de um certo bem, menor a quantidade dele que as pessoas estarão dispostas a comprar.
E, permanecendo as mais coisas iguais, quanto mais baixo for o preço do mercado mais unidades do bem em causa
serão procuradas.
Existe assim, a todo o momento, uma relação definida entre o preço de um bem e a quantidade
procurada desse bem. Esta relação entre o preço e a quantidade comprada chama-se escala da procura ou curva
da procura.
A cada preço do mercado, haverá em cada momento uma quantidade determinada de trigo que o público
quererá procurar. A um preço mais baixo, a quantidade procurada aumentará – à medida que mais pessoas
substituem o trigo por outros bens e acham que podem satisfazer assim mesmo as suas mais íntimas necessidades
de trigo.
Esta expressão gráfica da escala procura designa-se por curva da procura. Note-se que a quantidade e o
preço estão relacionados de modo inverso, aumentando a quantidade quando o preço baixa. É uma curva
descendente. Esta importante propriedade designa-se por lei da procura decrescente, a qual é verdadeira para
praticamente todos os bens.

Lei da procura decrescente. Efeito-substituição e efeito-rendimento


Lei da procura decrescente: mantendo-se todas as outras coisas constantes, quando o preço de um bem
sobre, menor será a quantidade procurada dele. Ou, o que é mesmo: se uma quantidade maior de um bem é
oferecida no mercado, então esse bem só pode ser vendido a um preço mais baixo.
Uma primeira razão da validade da lei da procura decrescente resulta do facto de a descida dos preços
provocar novos compradores. Uma segunda razão, igualmente importante, da validade da lei não é tão evidente:
cada redução do preço pode levar os consumidores dos bens comprar quantidades adicionais; e uma alta do
preço pode lavar cada um de nós a comprar menos. Por que razão pode levar cada um de nós a comprar menos.
Porque razão a quantidade que eu procuro tende a descer à medida que o preço sobre? Por dois motivos
principais. Quando o preço de um bem sobre, naturalmente tendo a substituir esse bem por outro – efeito-
subtituição. Além disso, quando um preço sobe, fico efectivamente mais pobre do que antes dessa subida, e,
naturalmente, reduzirei o meu consumo de bens correntes quando sinto que estou mais pobre ou que o meu
rendimento real é menor – efeito-rendimento.

Excepções à lei da procura


No exemplo que demos, tanto o efeito-rendimento como o efeito-substituição actuam no mesmo sentido.
E assim sucede geralmente. Mas há Excepções. Em certos casos, o efeito-rendimento age em sentido contrário ao
do efeito-substituição. Assiste-se, então, a uma diminuição da procura quando o preço baixa.
1) Dá-se isso com os bens de qualidade inferior, isto é, com os bens sucedâneos. Por
exemplo, com a margarina, sucedânea da manteiga.
Suponhamos que kg de margarina custa 300$ e o de manteiga 400$. E que determinada pessoa,
precisando de 200gr diários de gordura, e só dispondo de 60$00 para os comprar, os adquire de margarina. Ora, se
o preço desta descer para 20$, então, é natural que prefira comprar apenas 100gr de margarina, em que gasta
20$00, e aplicar os restantes 40$00 na compra de 100gr de manteiga. E aqui temos como descida do preço da
margarina teve um efeito-rendimento que provocou a diminuição da sua procura e o aumento da procura de
manteiga.

2) Também se assiste, por vezes, ao aumento da procura com a subida do preço. Dá


se isto com alguns bens de primeira necessidade. Assim:
suponhamos que o kg do pão custa 40$00 e 300$00 o de carne, e que um operário dispõe diariamente de
110$00 para os comprar a ambos, adquirindo 2kgrs de pão, no que gasta 80$00, e 100grs de carne, no que
dispende os restantes 30$00. Se o preço do pão subir para 50$00, o operário continuará a precisar de 2kgrs, pois o
pão é a base do seu sustento, e nisso gastará 100$00; com os 100$00 restantes, só poderá comprar 30 grs. de
carne, o que é tão pouco, que não vale a pena, e daí que prefira comprar mais 200 grs de pão.
Aqui temos como a procura aumentou com a alta do preço. E ainda foi, como se vê, pelo efeito-
rendimento: a alta do preço do pão fez com que o operário ficasse com tão pouco dinheiro para comprar carne,
que se lhe tornou preferível não comprar nenhuma. Daí é que resultou o aumento da procura do pão.

A elasticidade (elasticidade-preço) da procura


Em muitas situações, porém, não basta conhecer a direcção (o sentido) da reacção das quantidades
procuradas à variação do preço do bem. É importante conhecer a dimensão (a grandeza, a medida) dessa reacção.
Exemplo: nos finais de 1973 os países da OPEP conseguiram fazer a valer a força do seu cartel e o preço
do petróleo triplicou. Dado o que já sabemos sobre o comportamento da procura, é de esperar que a procura
tenha baixado significativamente, como reacção a esta subida dos preços. Se a procura baixasse para zero, reduzir-
se-iam a zero as receitas dos países da OPEP provenientes da venda do petróleo. Mas as receitas poderiam ter
baixado mesmo no cado de uma diminuição da procura menos drástica. A verdade, porém, é que a quantidade
procurada de petróleo baixou muito pouco nos anos que se seguiram à subida do preço. Os países membros da
OPEP auferiram receitas muito superiores às que conseguiam antes do aumento dos preços do petróleo, porque
acabaram por vender praticamente a mesma quantidade de petróleo a preços muito mais altos.
Estas situações podem compreender-se através do conceito de elasticidade (elasticidade-preços) da
procura, que nos dá a medida da reacção da quantidade procurada de um bem perante a variação do respectivo
preço. Rigorosamente, o que aqui importa não são as variações do preço e da quantidade procurada em termos
absolutos, mas as variações percentuais do preço. Assim, podemos definir elasticidade da procura como a relação
entre as variações percentuais do preço de um bem e as consequentes variações percentuais da quantidade
procurada desse bem.
Admitindo que se mantêm constantes todos os factores susceptiveís de influenciar a quantidade
procurada do bem, a elasticidade-preço da procura (ED) pode representar-se assim:

ED = variação percentual da quantidade procurada


Variação percentual do preço

O resultado desta equação pode variar entre zero e infinito. Se o resultado for zero, diz-se que a procura
é rígida, perfeitamente inelástica ou absolutamente inelástica; se o resultado for infinito, diz-se que a procura é
infinitamente elástica ou de elasticidade perfeita. Normalmente, porém, os bens terão uma procura de
elasticidade maior do que um ou menor do que um.
Diz-se que a procura é elástica (de elasticidade maior do que um) quando o quociente obtido é maior do
que um. Considera-se que a procura é inelástica (ou de inelasticidade menor do que um) quando o quociente
obtido é menor do que um. Diz-se que a procura é de elasticidade igual a um quando o quociente obtido igual a
um.

A situação que aqui fica representada mostra que as quantidades procuradas do bem em causa
aumentam 4 unidades por cada diminuição de 1 escudo no preço do bem. Na zona em que os preços são baixos e
as quantidades procuradas são elevadas o aumento de 4 unidades da procuram resultantes da diminuição de 1
escudo no preço representa uma pequena variação percentual da quantidade procurada, enquanto que a
diminuição de um escudo no preço representa uma grande variação percentual do preço. Na zona de preços
elevados e de pequenas quantidades procuradas, verifica-se o inverso: a variação de 4 unidades da procura
representará uma grande variação percentual da quantidade procurada, enquanto que a variação de 1 escudo no
preço representará agora uma pequena variação percentual do preço.

Elasticidade da procura e receita total dos vendedores


Podemos concluir que da existência de uma determinada relação entre a elasticidade da procura e o
comportamento da receita total dos vendedores:
1) Se a procura é elástica (variação percentual de Q> variação percentual de P).
a) um aumento do preço provoca uma diminuição da receita total (se o preço
aumenta de 12,50 para 15,00 a receita total diminui de 625 para 600);
b) uma diminuição do preço provoca um aumento da receita total (se o preço baixa
de 22,50 para 20,00 a receita total aumenta de 225 para 400).

2) Se a procura é inelástica (variação percentual de Q < variação percentual de P),


a) Um aumento do preço provoca um aumento da receita total ( se o preço aumenta
de 1,00 para 2,50 a receita total aumenta de 96 para 225);
b) Uma diminuição do preço provoca uma diminuição da receita total (se o preço
baixa de 12,50 para 10,00 a receita total baixa de 625 para 600)

3) Se a procura é de elasticidade igual a um (variação percentual de Q = variação percentual


de P), a variação do preço não provoca qualquer variação da receita total.

Nas três hipóteses descritas nos gráficos o preço baixa de P1 para P2 e, consequentemente, a quantidade
procurada aumenta de Q1 para Q2. Em todos os casos, a baixa do preço provoca uma diminuição da receita (área
marcada com o sinal menos), mas o consequente aumento da procura provoca um aumento da receita (área
marcada com o sinal mais).
Podemos agora observar que, no gráfico 1, a área (+) é superior à área (-): a receita total aumenta quando
o preço baixa. Quer dizer: na zona dos preços mais elevados, a curva da procura representa uma elasticidade
maior do que um, isto é, a baixa do preço provoca um aumento das quantidades procuradas mais do que
proporcional à diminuição preço, provocando não só um aumento das quantidades procuradas mas também um
aumento da despesa ( =receita total).
No gráfico 2, a área (+) é inferior à área (-): a receita total diminui quando o preço baixa. Isto é: na zona
dos preços baixos, a curva da procura apresenta uma elasticidade menor do que um, ou seja, a baixa do preço
provoca um aumento das quantidades procuradas menos que proporcional à diminuição do preço, pelo que este
aumento das quantidades procuradas implica uma diminuição da despesa total (=receita total).
No gráfico 3, a área (+) é igual à área (-): a receita total não se altera pelo facto de o preço baixar. Ao nível
de preços considerado nesta hipótese, a curva da procura apresenta uma elasticidade igual a um: a diminuição
percentual do preço provoca um igual aumento percentual das quantidades procuradas, o que significa que este
aumento de D se limita a compensa a diminuição de P, mantendo-se a despesa total (=receita total).

A despesa total dos compradores é igual à receita total dos vendedores. E, para estes, é importante,
conhecer a elasticidade da procura, para perspectivarem os efeitos das variações do preço do bem que vendem
sobre as suas receitas globais. A despesa total atinge o valor máximo (625) quando o preço é 12,50, isto é, quando
a elasticidade do preço da procura é igual a um. A qualquer preço superior a este o vendedor pode aumentar a sua
receita total baixando o preço; a qualquer preço inferior a 12,50 o vendedor pode aumentar a receita global
aumentando o preço.

Perante uma procura inelástica, a diminuição da oferta faz subir o preço dos produtos agrícolas, enquanto
que o aumento da oferta, perante uma procura praticamente inalterada, provoca a baixa de preços.

A elasticidade da procura e a inclinação da curva da procura


A análise dos gráficos anteriores mostra que a elasticidade da procura não pode medir-se pelo declive da
curva da procura. Regra geral: a curva da procura representada por uma linha recta com inclinação negativa, ao
longo da qual a elasticidade não é constante, a elasticidade-preço da procura é diferente a níveis de preços
diferentes.
Há, porém, três situações em que aquela regra geral não se verifica, sendo a elasticidade-preço igual para
todos os níveis de preços.

A – representa uma curva da procura absolutamente inelástica , perfeitamente inelástica ou rígida: a


elasticidade-preço da procura é igual a zero, o que significa que as quantidades procuradas são absolutamente
insensíveis às variações do preço do bem em causa (os compradores dispõem-se a adquirir o mesmo número de
unidades do bem, qualquer que seja o seu preço).
B – representa uma curva da procura de elasticidade perfeita ou infinitamente elástica: a elasticidade-
preço da procura é igual a infinito, o que significa que, ao preço corrente no mercado, se procuram quaisquer
quantidades do bem em causa.
C – representa uma curva da procura de elasticidade (elasticidade-preço) igual a um: a quantidade
procurada varia sempre na mesma proporção do preço, o que significa que a receita total será sempre constante
ao longo da curva DD.

Os factores determinantes da elasticidade da procura


A elasticidade-procura é condicionada por vários factores, entre os quais: a existência ou não de
sucedâneos próximos; a percentagem do rendimento de um consumidor gasta um determinado bem; o facto de se
tratar de bens de primeira necessidade ou de bens de luxou de bens sumptuários; o facto de se tratar de bens
duradouros ou de bens consumíveis; entre outros. Pode dizer-se que:
1 – São geralmente de procura inelástica e, por vezes, rígida:
a) Os bens de primeira necessidade – nem a subida nem a diminuição do seu preço
provocam diminuição ou aumento significativos das quantidades procuradas desses bens, uma vez que todas as
pessoas os compram nas quantidades que consideram necessárias à satisfação das suas necessidades e procuram
fazê-lo mesmo quando o preço sobe;
b) Os bens cujo preço unitário é muito baixo e que representam uma despesa que
corresponde a uma parcela mínima do rendimento de cada comprador. Uma caixa de fósforos custa tão pouco e a
despesa que cada pessoa faz em fósforos representa uma fracção tão diminuta da sua despesa global que o
aumento ou diminuição do preço da caixa de fósforos deixará praticamente insensível a procura deste bem;
c) Os bens que são utilizados em conjunto com outros bens (bens complementares)
e que representam uma pequena parte da despesa global. Se o preço dos tecidos e da mão-de-obra se mantiver, a
procura de botões não baixará, mesmo que o seu preço duplique ou triplique. A procura de fatos manter-se-á e os
fatos precisam de botões, cujo preço é muito baixo relativamente ao preço dos tecidos e da mão-de-obra,
correspondendo a uma pequena parte da despesa global de quem precisa de comprar um fato;
d) Alguns bens que provocam habituação.
2 – São geralmente de procura elástica:
a) Os bens que têm sucedâneos. Se um bem pode ser substituído por outro, a subida
do seu preço fará com que os compradores, logo que o preço atinge certo nível, prefiram comprar o sucedâneo,
que, embora não sendo tão bom, é mais baratos. Por outro lado, se o preço do bem principal baixa, muitas
pessoas deixarão de comprar o bem sucedâneo, porque, ao novo preço mais baixo, podem e preferem comprar o
bem principal.
A procura será tanto mais elástica quanto maior a quantidade dos bens sucedâneos existentes e quanto
maior for o grau de sucedaneidade entre eles. A procura de uma dada marca de tintas, v.g., é elástica, porque
existem no mercado várias outras marcas de tintas que são sucedâneos próximos daquela primeira. Mas a procura
global de tintas revela-se inelástica, por não existirem sucedâneos próximos destes produtos.
b) Os bens de luxo são também indicados como bens de procura elástica:
precisamente porque são bens de luxo, podemos muito bem passar sem eles.
Mas a verdade é que muitos bens de luxo apresentam uma procura inelástica: dado o seu preço elevado,
eles são apenas acessíveis aos ricos, e para pessoas com rendimentos elevados é indiferente pagar um preço mais
ou menos alto pelos bens que pretendem usufruir.
Podem mesmo referir-se certas situações da procura-ostentação nas quais se verifica um comportamento
atípico da procura. A procura aumenta quando o preço aumenta: tratando-se de bens de luxo, muito caros, não só
continuarão a ser procurados, em caso de subida dos preços, por aqueles que já os compravam, mas passarão a
ser comprados também por outros que, tendo dinheiro para isso, compram esses bens, agora muito mais caros,
para ostentarem a sua riqueza e afirmarem o seu “status”.

A elasticidade cruzada da procura


O conceito de elasticidade-preço da procura pode aplicar-se ainda quando queremos apurar a relação
entre as variações do preço de um bem e as variações consequentes das quantidades procuradas de outro bem. A
esta relação chama-se de elasticidade cruzada da procura, e pode calcular-se de acordo com a fórmula seguinte:

elasticidade

cruzada da = variação percentual da quantidade procurada do bem B

procura variação percentual do preço do bem A

Este novo conceito permite avaliar em que medida os bens são sucedâneos próximos um dos outro ou são
bens complementares estreitamente relacionados entre si.
Se os bens forem sucedâneos, o aumento do preço do bem A provocará o aumento da quantidade
procurada do bem B, dizendo-se que a elasticidade cruzada da procura é positiva. Este caso pode representar-se
por uma curva crescente ou de inclinação positiva. O valor da elasticidade cruzada será tanto mais elevado quanto
maior for o grau de sucedaneidade entre os bens considerados.
Se os bens forem complementares, o aumento do preço do bem A provocará a diminuição da quantidade
procurada do preço do bem B, dizendo-se que a elasticidade cruzada da procurada é negativa. Este caso pode
representar-se por uma curva descendente ou de inclinação negativa. O valor (negativo) da elasticidade cruzada
será tanto mais elevada quanto mais estreita for a relação entre os bens complementares considerados.
Quando os bens considerados apresentam entre si um elevado grau de sucedaneidade, a variação do
preço de um deles provocará uma variação da procura do outro, no mesmo sentido da variação do preço e em
maior medida que esta. Por exemplo: o preço do bem A aumenta 1% e a quantidade do bem B aumenta 4%. A
elasticidade cruzada é positiva e muito elevada (+4% / +1%) = 4. Diz-se que estes dois bens fazem parte do mesmo
“produto”, são produzidos pela mesma “indústria”, são oferecidos e procurados do mesmo “mercado”.
Se o grau de sucedaneidade é baixo, o aumento de 1% do preço de A provocará apenas o aumento de
0,2% da quantidade procurada de B.
A elasticidade cruzada é agora muito baixa (+0,2/+1% =0,2), tratando-se de bens muito diferenciados, que
não são o mesmo “produto”, que são oriundos de “indústrias” diferentes e que se destinam a “mercados”
diferentes.

A elasticidade-rendimento da procura
A variação do rendimento dos compradores é um dos factores que podem influenciar a procura, isto é, a
série das quantidades procuradas aos vários preços possíveis. Quando tal acontece, verifica-se uma deslocação da
curva da procura. A curva da procura desloca-se para cima e para a direita e passam a procurar-se mais
quantidades de um determinado bem aos vários preços possíveis; desloca-se para baico e para a esquerda, se
diminui a quantidade procurada desse bem aos vários preços possíveis.
Designa-se elasticidade-rendimento da procura o conceito que nos permite definir a relação entre a
variação do rendimento dos compradores de um bem e a variação da procura desse bem. Elasticidade-rendimento
da procura é a variação percentual da quantidade procurada de um bem provocada pela variação de 1% do
rendimento dos compradores.

elasticidade –rendimento

da procura = variação da quantidade procurada

variação percentual do rendimento dos compradores

Para a generalidade dos bens, o rendimento dos compradores e a quantidade procurada variam no
mesmo sentido, dizendo-se que a elasticidade-rendimento da procura é positiva.
Para os bens de qualidade inferior dentro de cada categoria, no entanto, a sua procura, em regra,
diminuirá quando o rendimento aumenta: os consumidores procuram, neste caso, modelos que consideram de
melhor qualidade, diminuindo a procura dos “bens inferiores”. Diz-se que a elasticidade-rendimento da procura é
negativa (o rendimento dos compradores e a quantidade procurada variam em sentidos opostos).
Diz-se que a elasticidade-rendimento da procura é igual a zero quando a quantidade procurada não varia,
qualquer que seja a variação do rendimento.
Os bens de primeira necessidade são, em regra, objecto de uma procura cuja elasticidade-rendimento é
positiva, mas menor do que um, isto é, a quantidade procurada destes bens aumenta à medida que o rendimento
aumenta, mas em menor proporção que o aumento do rendimento. Quer dizer: à medida que aumenta o
rendimento dos consumidores diminui a parte das despesas em bens de primeira necessidade no conjunto da
despesa total das famílias enquanto unidades de consumo – Lei de Engel.
Ao contrário, os bens de luxo são, em regra, objecto de uma procura cuja elasticidade-rendimento é
positiva e maior do que um. Verificada a condição coeteris paribus, a quantidade procurada desses bens aumenta
à medida que o rendimento aumenta, mas em maior proporção que o aumento do rendimento. Isto significa que a
parte da despesa em bens de luxo no conjunto da despesa das pessoas vai aumentando à medida que os seus
rendimentos aumentam.

O conceito de elasticidade-rendimento da procura permite também compreender que os ricos gastem


normalmente em bens de luxo uma percentagem do seu rendimento maior do que gasta pelos pobres, e que estes
gastem em bens de primeira necessidade uma percentagem do seu rendimento maior do que a gasta pelos ricos.
Daí que a estrutura produtiva de um país se vá alterando à medida que aumenta o nível do rendimento
per capita: declinam as indústrias que produzem “bens inferiores”; as indústrias que produzem bens de primeira
necessidade crescem a um ritmo inferior à medida da economia; as indústrias que produzem esses bens de luxo
crescem mais que o conjunto da economia.

A procura à empresa
A curva anterior é a curva da procura à indústria e refere-se à procura de um produto, ou à procura que
se dirige à indústria que fornece este produto. Elas diz-nos quais as diferentes quantidades deste produto que
poderão ser vendidas no mercado aos vários preços susceptiveís de ser praticados.
O seu conhecimento pode ter interesse para os vários vendedores desse mesmo produto. Cada um deles
preocupar-se-á, porém, fundamentalmente, com a curva da procura que se dirige à sua empresa, que dizer, aquela
curva que lhe mostra a produção que ele poderá vender no mercado a cada preço possível. A curva da procura à
indústria reflectirá a deslocação da procura de indústria para indústria, quando o preço se modifica. A curva da
procura à empresa reflectirá as deslocações da procura de um vendedor para outro no seio da indústria.
Dependerá, portanto, das relações concorrenciais existentes entre o vendedor e os que produzem o mesmo bem
que ele, ou bens que são substitutos próximos do seu.
A curva da procura à empresa é comandada pelas principais características da indústria, que podem ser
reduzidas a quatro:
a) O número de vendedores que pertencem à indústria: este número é importante, porque
determina a medida em que os vendedores individuais podem influenciar o comportamento global da indústria e
dos seus rivais. É claro que a situação será diferente, conforme haja um único vendedor, um pequeno número de
vendedores ou um grande número de vendedores;
b) A diferenciação do produto no seio da indústria: a importância deste factor advêm de que
ele determina a medida em que a empresa goza de uma certa independência na fixação do preço do seu produto,
assim como os meios de que dispõe para influenciar ou manter o seu volume de vendas;
c) O grau de concentração da produção entre os vendedores, quer dizer, as proporções da
produção da indústria asseguradas pelos diversos vendedores;
d) O número de compradores que se dirigem à indústria.
A curva da procura à empresa não é mais do que a curva de vendas da empresa ou a sua curva
de receita média. Distinguiremos no estudo da formação dos preços três curvas de receitas:
1 – A curva da receita total mostra o montante das receitas da empresa a diversos níveis da sua
produção ou das suas vendas. Ela é, portanto, do ponto de vista da empresa, equivalente à curva que representa
as despesas totais dos consumidores na compra do produto da empresa;
2 – A curva da receita média deduz-se da curva precedente. Indica a receita por unidade de
produto, ou o preço de unidade de produto;
3 – A curva da receita marginal mostra a adição à receita total proveniente da venda de uma
unidade suplementar (marginal) do produto.

Oferta
A noção de oferta e a curva da oferta
O interesse do indivíduo em vender pode representa-se por um quadro que indique as quantidades que
ele está disposto a vender aos vários preços possíveis – é a escala da oferta.
Também aqui se pode explicar este comportamento da oferta fazendo apelo ao efeito-substituição e ao
efeito-rendimento.
Baixando o preço de um bem (batatas)em relação ao que vinha sendo praticado, desse facto vão resultar
dois efeitos:
 Um efeito-substituição: alguns dos vendedores, que estavam dispostos a transacionar
determinadas quantidades de batatas ao preço de 10$00, recusam-se a transaccioná-las por 5$00, em virtude de
não considerarem este preço suficientemente remunerador, retirando-se do mercado e estocando-as, à espera de
melhores dias;
 Um efeito-rendimento: outros vendedores que transacionavam determinadas
quantidades de batatas ao preço de 10$00 para obterem certa soma de dinheiro de que necessitavam
imediatamente, vêem-se obrigados a aumentar a sua oferta ao preço de 5$00. Na verdade, só assim, só
aumentando a oferta, é que eles conseguem realizar a soma pretendida.
O efeito-substituição traduz-se na diminuição da oferta com a baixa do preço; mas o efeito-rendimento
traduz-se no seu aumento. São efeitos, pois, que actuam em sentidos contrários, diversamente do que sucede no
domínio da procura, em que o efeito-rendimento, salvo casos excepcionais, age no mesmo sentido do efeito-
substituição.
Todavia, a verdade é que o efeito-substituição tem aqui geralmente mais força que o efeito-rendimento. E
é por isso que, também geralmente, a oferta diminui quando o preço baixa e aumenta quando o preço sobe.

A oferta global no mercado exprime a vontade de vender de


todos os participantes nesse mercado. Representa-se igualmente por uma curva da oferta do mesmo sentido que a
precedente. Esta curva mostra a relação entre o preço de uma mercadoria e a quantidade desta mercadoria que a
“indústria” está disposta a vender no mercado: se os outros factores se mantiveram constantes, as quantidades
oferecidas de um certo bem em determinado período variam no mesmo sentido em que varia o preço desse bem.
Em certas situações, porém, a oferta varia em sentido inverso ao dos preços, nomeadamente
aumentando a quantidade oferecida quando o preço baixa. Este fenómeno pode explicar-se:
a) Pela impossibilidade de estocar o produto;
b) Pelo carácter de primeira necessidade que apresenta a
oferta para o vendedor:
este pode ter apenas um único produto como fonte de rendimento.

Esta mesma situação pode observar-se no “mercado do trabalho”, no qual os trabalhadores vendem a sua
força de trabalho, a mercadoria que constitui a única fonte de rendimento daqueles que a vendem. Neste caso, a
excepção à curva da oferta pode manifestar-se ainda pela diminuição da oferta quando o preço (do salário)
aumenta. Atentemos na curva atípica da oferta:

Para níveis baixos dos salários(na zona entre Q y e Qz), quando o preço (salário) baixa, a oferta aumenta.
Quando o salário baixa de P para P 1, a oferta aumenta de Q para Q 1: os trabalhadores, perante a exiguidade do
salário, ainda mais baixo do que já era, dispõem-se a trabalhar horas extraordinárias, nos sábados, domingos e
períodos de férias; muitos casais põem os filhos a trabalhar para outrem, mesmo antes da idade mínima prevista
na lei.
Na zona de salários elevados (entre O e O x), a oferta pode diminuir quando o salário aumenta. Perante um
aumento do salário de P 2 para P3, a oferta diminui: auferindo já rendimentos elevados, os trabalhadores, perante
um aumento do salário, podem preferir gozar um maior período de férias e recusar trabalhar horas
extraordinárias, bem como nos sábados e domingos, ao mesmo tempo que algumas mulheres casadas poderão
abandonar a sua actividade profissional.
O comportamento da oferta corresponderá ao de uma curva típica da oferta apenas na zona intermédia
(entre Ox e Oy).
A noção e o traçado da curva da oferta pressupõe certas condições:
a) Os custos de produção são dados: se estes diminuíssem, os produtores aceitariam
oferecer as mesmas quantidades que anteriormente a preços mais baixos ou oferecer mais aos preços praticados;
b) Por outro lado, os preços dos substitutos do produto são dados;
c) Admite-se, finalmente, que uma determinada variação do preço é considerada como a
única possível pelos produtores. Com efeito, se estes esperam uma variação ulterior do preço, irão restringir a sua
oferta, se previrem uma alta de preços, e irão aumentar a sua oferta, se previrem que os preços vão baixar.

Quando as condições que acabam de ser indicadas se modificam, as variações consequentes da oferta
traduzem-se numa deslocação da curva da oferta.

Se a curva da oferta se desloca para baixo e para a direita ( de S para S 1), isso significa que, nas novas
condições de mercado, os vendedores estão dispostos a vender mais quantidades do bem a cada um dos vários
preços possíveis. Se a curva da oferta se desloca de S para S 2, isto é, para cima e para a esquerda, isso significa que,
nas novas condições do mercado, os vendedores só aceitam vender, a cada um dos vários preços possíveis,
quantidades inferiores às que estavam dispostos a vender.
Mantendo-se inalteradas as condições que constituem os pressupostos de uma dada curva da oferta, isto
é, podemos enunciar a lei da oferta: as quantidades oferecidas variam, ao longo da curva da oferta estabelecida,
no mesmo sentido das variações do preço. Ou seja: o oferta é função do preço e, em regra, a oferta aumenta
quando o preço sobre e diminui quando o preço baixa.

A elasticidade da oferta
Utiliza-se o conceito de elasticidade da oferta, que podemos definir como a relação entre as variações
percentuais do preço de um bem e as variações percentuais das quantidades oferecidas desse bem, admitindo que
se mantêm constantes todos os outros factores susceptiveís de influenciar as quantidades oferecidas.
À semelhança do que vimos para a elasticidade-preço da procura, a elasticidade-preço da oferta pode
calcular-se a partir da fórmula:
Es = variação percentual da quantidade oferecida
Variação percentual do preço

Como a curva da oferta é uma curva ascendente, de inclinação positiva, a elasticidade da oferta é sempre
positiva. Diz-se que a oferta é elástica quando o quociente obtido através da fórmula acima referida é maior do
que um. A oferta é inelástica quando esse quociente é menor do que um.
Em ambos os mercados acima afigurados ocorreram alterações que provocam uma deslocação da
curva da procura de D para D’. Admitindo que as condições que influenciam a oferta se mantêm, vão verificar-se
ajustamentos do preço e das quantidades que os vendedores estão dispostos a oferecer, ao longo da curva da
oferta. A dimensão das variações do preço e das quantidades oferecidas depende do perfil da curva da oferta.
No gráfico (a),o aumento percentual da oferta é superior ao aumento percentual do preço que lhe
deu origem: dentro daquele nível de preços, a elasticidade-preço da oferta é maior do que um. No gráfico (b), o
aumento percentual da oferta é inferior ao aumento percentual do preço que lhe deu origem: dentro deste nível
de preços, a elasticidade-preço da oferta é menor do que um.
A oferta é mais sensível à variação do preço ao longo da curva Sa do que ao longo da curva Sb. Mas,
à semelhança do que acontece com a procura, a inclinação da curva da oferta não pode utilizar-se para comparar a
sensibilidade da oferta à variação do preço em mercados diferentes.
As situações de oferta elástica e de oferta inelástica são as que mais correntemente se verificam na
vida real.

No gráfico (1) figura-se uma curva


da oferta de elasticidade igual a
um: a elasticidade da oferta
é igual a um ao longo de toda a curva da oferta, isto é, para todas e quaisquer variações do preço, a variação
percentual de Q é igual à variação percentual de P em qualquer ponto da curva. Se recorrermos à fórmula de
cálculo, o quociente obtido será, neste caso, igual a um.
Mas este quociente pode ser igual a infinito. É o que se verifica na hipótese do gráfico (2): ao
preço dado (OP) os vendedores dispõem-se a oferecer quaisquer quantidades. Diz-se que a oferta é de
elasticidade perfeita ou perfeitamente elástica.
Aquele quociente pode ainda ser igual a zero. É o que se verifica na hipótese (3): a variação do
preço de P1 para P2) deixa a oferta insensível (os vendedores dispõem-se a oferecer a mesma quantidade, qualquer
que seja o preço). A elasticidade da oferta é igual a zero, falando-se de oferta absolutamente inelástica,
perfeitamente inelástica ou rígida.

 Factores que determinam a elasticidade da oferta


Em geral, pode afirmar-se que a oferta é elástica quando os vendedores podem aumentar fácil
e rapidamente a sua procura (oferta) para poderem aproveitar uma subida de preço e podem reduzir fácil e
rapidamente a sua produção (oferta) para se defenderem de uma baixa dos preços. A oferta é inelástica quando se
verificam situações contrárias a estas.
Quanto aos casos extremos, poderá dizer-se que a oferta só será absolutamente inelástica no
caso dos bens únicos, existentes em quantidade fixa e insusceptiveís de aumentar através da produção. Quanto à
oferta infinitamente elástica, será impossível ela verificar-se em todos os níveis quantitativos da oferta que
podemos considerar, uma vez que os recursos disponíveis são limitados. Mas a oferta pode apresentar uma
elasticidade infinita, para uma longa série de quantidades, se os bem puderem produzir-se a um custo unitário
constante.
Se quisermos analisar mais de perto situações que têm correspondência na vida real, podemos
enquadrá-las como segue:
1) Quando os vendedores possuem grandes estoques de mercadorias, a oferta é
elástica, pois, enquanto houver estoques, pode responder-se de imediato a um aumento da procura e do preço
das mercadorias existentes em estoque.
2) Não existindo estoques, a elasticidade da oferta depende da possibilidade de
expansão da produção do bem considerado, e esta depende, por sua vez, das condições gerais da actividade
económica, nomeadamente da disponibilidade e da mobilidade dos recursos disponíveis.

 A oferta será elástica quando existem recursos desempregados. Se uma dada indústria trabalha
a baixo da sua capacidade, ela pode aumentar a sua produção de imediato sem precisar de aumentar as
instalações ou os equipamentos.
 A oferta tenderá a ser inelástica nas situações de pleno emprego de todos os elementos da
produção. Neste caso, a produção (oferta) só pode aumentar graças ao aumento da produtividade, o que nem
sequer é fácil de conseguir, ao menos a curto prazo.
Se tomarmos o mercado interno de um dado país, a oferta do bem considerado pode continuar
a ser elástica se for possível recorrer às solicitações do mercado. Há que ponderar, no entanto, as implicações ao
nível da balança de pagamentos.
 A oferta é em geral bastante inelástica, a curto prazo, quando se trata de produtos agrícolas,
uma vez que as quantidades produzidas em um dado ano dependem da área semeada e cultivada na própria
altura.
A inelasticidade da oferta verificar-se-á durante períodos de tempo relativamente longos
quando se trata de produtos que implicam plantações que levam vários anos para dar frutos. Nestas situações, é
também difícil para os produtores reduzirem a produção para se defenderem de uma baixa do preço.
 Em muitas indústrias transformadoras ou extractivas pode igualmente demorar muito tempo o
aumento da capacidade de produção, e, portanto a possibilidade de aumentar a oferta.
NOTA: nos dois pontos anteriores, a pressão da procura provoca em regra (acentuados) aumentos do preços do
bem em causa.
 Em termos gerais, diremos que a possibilidade de expandir a oferta depende do período de
tempo considerado.
Mas a extensão da oferta depende também das diferentes possibilidade de tempo de que se
dispõe para aumentar a produção. Distinguem-se habitualmente diversos períodos relacionados com o aumento
da oferta.
a) Quando o período de tempo é demasiado curto para que a produção possa variar,
diz-se que se está num período de mercado. Se o vendedor dispõe de uma quantidade fixa e determinada de um
bem, tomará a sua decisão de oferta em função do preço corrente no mercado e dos preços esperados.
b) Chamar-se-á período curto aquele cuja duração já permite fazer variar a produção,
mantendo-se embora constantes os equipamentos: é apenas a taxa de utilização dos equipamentos existentes que
se modifica;
c) Chamar-se-á período longo àquele durante o qual a capacidade produtiva e os custos
da produção da empresa se podem modificar, porque pode variar a natureza, a quantidade e a dimensão dos
equipamentos, a dimensão e a organização da empresa.
Pode dizer-se que a elasticidade da oferta de um bem variará consoante o período considerado,
tendendo a ser mais elevada em período curto do que em período de mercado e mais elevada em período longo
do que em período curto.

A oferta e os custos de produção


A oferta não depende apenas do preço: depende também do custo de produção correspondente às várias
quantidades que podem oferecer-se.
Num análise de período curto, as empresas não podem alterar o equipamento de modo a reduzirem os
custos. Também não podem tentar a subida do preço, se supusermos um mercado de concorrência perfeita.
Perante o preço estabelecido no mercado e o custo a que podem produzir, vão aumentar ou diminuir a sua
produção (oferta).
De que depende o custo de produção? E pode dizer-se que este depende, fundamentalmente, do estado
da técnica, do preço dos elementos produtivos e do volume de produção. Mas interessa-nos, principalmente,
saber como variam os custos de uma empresa em função do aumento ou diminuição da produção. Vamos, por
isso, supor invariáveis os dois primeiros factores.
Ora, por custo de produção pode entender-se custo psíquico, custo monetário e custo real.
Custo psíquico é o custo psicológico, o sacrifício que se faz para obter determinada mercadoria; para
obter um livro, por exemplo.
Custo monetário é o montante das despesas feitas com bens e serviços utilizados na produção da
mercadoria. Tudo o que se gasta em matérias-primas, em salários, em máquinas, em transportes, em comércio,
para fabricar e vender o livro, constitui o seu custo monetário.
Finalmente, o custo real é o conjunto dos bens “consumidos” na produção da mercadoria. No custo real
compreendem-se os bens materiais, e além disso, o gasto fisio-psíquico dos homens, que precisa de ser
reintegrado para que continuem a trabalhar.
Quer dizer: o custo de produção do livro pode ser encarado como sacrifício, ou como despesa, ou como
“consumo” de bens.
Estes três custos, porém, não interessam todos à mesma entidade. Assim, o custo psíquico interessa ao
indivíduo; o custo monetário interessa à empresa; o custo real, o custo efectivo de recursos, interessa à nação,
numa perspectiva macroeconómica, de planeamento e definição de uma adequada estratégia de
desenvolvimento.
O custo psíquico é insusceptível de medida. Mas o custo monetário, como é despesa, é ele próprio a soma
do dinheiro gasto para se conseguir o concurso dos elementos de produção. Por sua vez, o custo real também
pode exprimir-se em moeda. Todavia, a sua expressão monetária não coincide necessariamente com o custo
monetário. Por exemplo: as despesas que a empresa fez para produzir os 1000 exemplares do livro somam 200
contos. Eis o custo monetário. Mas a empresa fez despesas com matérias-primas, com máquina, com força de
trabalho. Ora os preços das matérias-primas e das máquinas são custo monetário e, ao mesmo tempo, a expressão
monetária do custo real. Os preços da força de trabalho – os salários – são custo monetário, mas podem não
coincidir com a expressão monetária do custo real. Mostra-se, portanto, que pode não haver coincidência entre o
custo monetário e a expressão monetária do custo real.
Propomo-nos determinar as reacções das empresas perante os preços correntes, os preços de equilíbrio
momentâneo. Qual o custo do custo monetário? Quais são os seus elementos? Em que é que as empresas
gastam dinheiro?
As empresas têm que comprar as matérias-primas. Eis o primeiro elemento do custo monetário: os preços
das matérias-primas. Têm de pagar rendas pelos terrenos sobre que exercem a indústria. Segundo elemento: as
rendas. Têm de pagar a força de trabalho dos operários. Terceiro elemento: os salários. Têm de satisfazer juros ao
capital com que compraram as máquinas, levantaram os edifícios, adquiriram as matérias-primas. Quarto
elemento: os juros. Têm de destinar todos os anos uma parte das receitas à amortização dos capitais fixos. Quinto
elemento: as quotas de amortização. E é natural que as empresas procurem assegurar-se contra os riscos de
ordem técnica. Eis, finalmente, o sexto elemento: prémios de segurança.
Mas, bem vistas as coisas, estes seis elementos reduzem-se praticamente a três: salários, rendas e juros.
Na verdade, os preços das matérias-primas são preços de bens produzidos por outras empresas. Mas estas
produzem-nos mediante o concurso dos três elementos. E esse concurso pagam-no: a utilização da natureza com a
renda; a utilização do capital com o juro; a utilização da força de trabalho com o salário. Portanto os preços das
matérias-primas vêm a decompor-se, afinal, em rendas, juros e salários.
Por seu turno, as quotas de amortização dos capitais fixos representam os preços dos bens adquiridos
com estes capitais – bens que foram fabricados por outras empresas, mediante o concurso dos três
elementos(natureza, capital e trabalho), os quais receberam rendas, juros e salários.
Finalmente, os prémios de seguros são preços de serviços prestados pelas companhias de seguros. Ora,
esses serviços também se produzem mediante o concurso dos três elementos, cuja utilização é remunerada com
rendas, juros e salários.

Os custos de produção em período curto


Em período curto, o estudo dos custos da empresa conduz à distinção entre os custos globais, os custos
médios e o custo marginal.

A) Qualquer
empresa tem
custos fixos. São aqueles custos que, em período curto, são
independentes do volume de produção e que, de qualquer maneira, deverão ser suportados pela empresa, se ela
pretender permanecer em actividade. Esses custos compreendem, por exemplo, as despesas de arrendamento e
de iluminação, etc: para uma determinada dimensão da empresa, esses custos permanecem os mesmos qualquer
que seja o volume da produção.
B) Os custos variáveis são aqueles cujo montante acompanha de algum modo o volume da
produção, são os custos de todos os factores cuja quantidade pode ser modificada em período curto: salários,
matérias-primas, energia, transportes.
Faz-se a distinção entre os custos variáveis cuja variação é rigorosamente proporcional à da produção
total (ex.: matérias-primas) e os custos variáveis cuja variação não é rigorosamente proporcional (ex.: as despesas
com salários que se comportam de acordo com a lei dos rendimentos decrescentes).
 Que significa dizer-se que certos custos estão sujeitos à lei dos rendimentos decrescentes?
Segundo esta lei, sendo dado um elemento da produção em quantidade fixa e pressupondo inalterada a
tecnologia, a utilização de quantidades adicionais de outros factores variáveis traduzir-se-á em aumento da
produção total, mas, para além de certo ponto, a produção adicional resultante de iguais acréscimos de factores
tornar-se-á provavelmente cada vez menor.
O elemento dado em quantidade fixa, na situação que agora nos ocupa, é o equipamento, pois centrámos
a análise no período curto, e supusemos a técnica constante.
A lei do rendimento decrescente mostra como varia a produção por unidade de custo real dispendida: o
rendimento médio por unidade de custo real começa a aumentar, para diminuir depois, o que significa que a
despesa feita com os elementos produtivos aumenta primeiro menos que proporcionalmente e depois mais que
proporcionalmente ao número de unidades.
Quer dizer: numa 1.ª fase, o rendimento aumenta mais que proporcionalmente em relação ao custo real,
verifica-se um rendimento médio crescente, fase a que corresponde uma fase de custos médios decrescentes; a
partir de certo ponto, o rendimento cresce menos que proporcionalmente em relação ao número de
trabalhadores utilizados a mais, o que significa um rendimento médio decrescente ou custos médios crescentes.
Portanto, quando nos referimos aos custos variáveis sujeitos à lei dos rendimentos decrescentes,
queremos identificar as despesas que em relação ao volume da produção começam por ser proporcionalmente
decrescentes para se tornarem depois proporcionalmente crescentes.
C) O custo global é a soma dos custos variáveis e dos custos fixos.

O custo total representa-se por uma curva cuja origem é positiva e


se situa no eixo dos yy: isso explica-se pela existência de custos fixos para um nível de produção igual a zero. A
curva do custo total eleva-se para a direita, porque o custo aumenta à medida que a produção cresce. Mas o custo
total aumenta primeiro a uma taxa decrescente e depois a uma taxa crescente: este é o comportamento normal
de acordo com a lei dos rendimentos decrescentes. Tudo isto resultará mais nítido se estudarmos os custos médios
por unidade de produção.

D) Os custos médios obtêm-se em relação a uma unidade do produto.

a) O custo fixo médio (CFM) calcula-se dividindo o


custo fixo global pela produção
correspondente. A curva do custo fixo médio decresce regularmente
à medida que a produção aumenta, visto que um mesmo custo é
dividido por número cada vez maior de unidades produzidas.
b) O custo variável médio (CVM) calcula-se dividindo
o custo variável global pela
produção correspondente. Por aplicação da lei dos rendimentos decrescentes, o custo variável decresce primeiro,
passa por um ponto mínimo, depois cresce.
c) O custo total médio (CTM) obtém-se, ou adicionando o custo fixo médio ao custo
variável médio para uma dada produção, ou dividindo o custo total pela produção correspondente. A curva do
custo total médio declina, passa por um ponto mínimo, depois cresce; mas o seu ponto mínimo é atingido a um
nível de produção mais elevado que o da curva do custo variável médio, devido à influência do custo fixo médio,
que diminui sempre à medida que a produção aumenta.
A configuração da curva dos custos totais médios dependerá da importância relativa dos custos fixos e dos
custos variáveis. Se o custo fixo constituir uma parte importante do custo total, será a diminuição dos custos fixos
médios que dominará o comportamento dos custos à medida que a produção aumentar; sejam os custos variáveis
constantes ou não, o custo total médio diminuirá de maneira importante num largo volume de produção. Em
compensação, numa empresa em que os custos fixos representem uma pequena percentagem do custo total são
as variações dos custos variáveis que dominam o comportamento do custo total médio.
E) O custo marginal. O custo marginal é o custo de produção de uma unidade suplementar do
produto. Dever-se-á notar que ele é composto apena por custos variáveis. A curva do custo marginal indica a taxa
de crescimento do custo total global por cada unidade suplementar do produto.
Para a primeira unidade produzida, o custo marginal é igual ao custo variável médio. No nosso exemplo,
verifica-se que, para as primeira mil unidades produzidas, o custo marginal (3,5) é igual ao custo variável médio. À
medida que a produção aumenta, o custo marginal decresce, ficando inferior ao custo variável médio: este baixa
mais lentamente, visto ter que suportar o peso das primeiras unidades do produto, que são as mais dispendiosas.
Depois, a curva do custo marginal eleva-se, corta a cura do custo variável médio no seu ponto mínimo e situa-se
por cima desta curva.
A curva do custo marginal corta também no seu ponto mínimo a curva do custo total médio. E
compreende-se que assim seja, pois, enquanto o custo de produção de mais uma unidade for inferior ao custo
médio das unidades antecedentes, este terá de descer; pelo contrário, quando o custo de produção de mais uma
unidade for superior ao custo médio das unidades antecedentes, este terá de subir. Logo, é quando o custo de
produção de mais uma unidade iguala o custo médio das unidades antecedentes que este não desce nem sobe, e,
portanto, está na sua posição de custo mínimo.

Os custos de produção em período longo


O período longo que aqui consideramos é aquele durante o qual a dimensão e a organização da empresa
podem ser modificadas. Todos os elementos da produção, incluindo os instrumentos e o equipamento, podem
variar; as construções inúteis podem ser vendidas ou alugadas; o pessoal administrativo pode ser utilizado de
maneira mais eficiente; os serviços comerciais podem ser melhorados. Todos os custos são, pois, variáveis: a
empresa tem a possibilidade de escolher uma dimensão de operações mais favorável, ao mesmo tempo que
modifica a taxa de utilização dos vários elementos da produção.
Se as curvas de custo do período curto informam a empresa sobre as variações dos seus custos,
resultantes das variações da sua produção durante um tempo insuficiente para que pudesse aumentar ou diminuir
o seu equipamento, as curavas de custo de período longo, por sua vez, fornecerão à empresa indicações sobre a
relação que convém estabelecer entre a sua dimensão e uma situação média da procura durante um período de
tempo relativamente longo.
No período longo não há custos fixos. As curvas de custo da empresa serão, pois, a curva do custo total
médio e a curva do custo marginal. Essa curvas são em U, mas mais abertas do que em período curto.

A diminuição dos custos, numa primeira fase, explica-se pelas economias internas de escala: maior
especialização da mão-de-obra; melhor utilização do capital técnico; produção em massa; melhoramento da
distribuição.
A posterior elevação dos custos deve-se às “deseconomias” de direcção e de administração, que se
agravam em consequência da perda de eficiência que se verifica logo que a empresa ultrapassa uma certa
dimensão.
Mas como se pode compreender que sejam registadas variações nos custos de período longo uma vez
que todos os factores são agora variáveis e que já não há, como no período curto, uma única proporção óptima
de elementos variáveis e de elementos fixos que permita atingir o custo total médio mais baixo? Pareceria,
efectivamente, que se poderia realizar, para qualquer volume de produção, a mais vantajosa combinação de
factores e que, em consequência disso, os custos unitários poderiam permanecer constantes ao nível mínimo.
Esta contradição é apenas aparente. Com efeito, se é certo que todos os elementos da produção podem
ser livremente utilizados em quantidade, eles não são, contudo, infinitamente divisíveis em pequenas unidades.
Muitos deles apresentam-se sob uma forma especializada; além disso, por vezes, apresentam-se sob uma forma
especializada; além disso, por vezes, só podem ser utilizados em grandes unidades.
A baixa do custo total médio, numa primeira fase, explica-se pelo facto de a empresa só poder utilizar
eficazmente os elementos da produção indivisíveis ou em grandes unidades no caso de a produção ser
suficientemente importante para permitir a plena utilização desses factores; se eles não puderem ser
completamente empregados, a empresa suportará custos elevados, custos que diminuirão à medida que a
produção crescer.
Numa fase posterior, o custo total médio eleva-se na razão do rápido aumento dos custos de direcção e
de administração da empresa, uma vez que a dimensão das suas operações cresce. As economias de escala são
sucessivamente compensadas e ultrapassadas pelas perdas de direcção.
A curva do custo total médio será tanto mais aberto quanto mais as perdas de direcção, de controlo e de
administração puderem ser atenuadas ou diminuídas.

Os preços: sua função. A formação do preço: a lei da oferta e


da procura
Função do preço
Distinguimos já duas grandes classes de bens: bens exuberantes, que existem em quantidades superiores
à precisa para a satisfação das necessidades, e bem escassos, que existem em quantidade limitada, inferior à que
seria precisa para satisfazer integralmente as necessidades. A maior parte dos bens que utilizamos são escassos. Se
esses bens não chegam para todos, é necessário decidir quem é que deles há-de dispor. Assim: colheram-se as
centenas de milhares de toneladas de trigo. Quais são os habitantes do nosso país – e em que quantidades – que
vão utilizar o trigo colhido?
Há vários sistemas de repartição dos bens económicos.
Com efeito, os bens económicos podem ser distribuídos:
 Por via de autoridade: é a autoridade, o Governo lato sensu, que atribui a cada
indivíduo, segundo certo critério, uma parcela dos bens existentes;
 Pela ordem das procuras: os bens são entregues aos que os procurarem, mas pela
ordem cronológica da sua chegada. Como não bastam para todos, é claro que os que vieram um pouco atrasados
não receberão nenhuns;
 Pelo mecanismo do preço: os bens são entregues aos que por eles pagarem o preço
mais alto. É ainda uma maneira de racionar, entre os seus potenciais compradores, através do funcionamento
impessoal da oferta e da procura, os bens escassos.
Compreende-se que se possam repartir os bens pelo mecanismo do preço. Pois o preço é uma quantidade
de moeda, e a quantidade de moeda de que cada um dispõe é limitada. Sendo assim, fica limitada pelo preço a
procura de bens que cada um pode fazer.
E as toneladas de trigo vão ser repartidas por aqueles que estejam dispostos a pagá-las por preços mais
elevados do que outros, isto é, a pagar por cada unidade um preço tão alto que a procura iguale a oferta. Portanto,
é o mecanismo do preço que faz com que a procura efectiva se reduza à quantidade existente de trigo.
Nos três processos de repartição dos bens económicos, cada um deles afirma direitos diferentes.
Assim, no primeiro processo, em que a repartição é feita por determinação da autoridade, afirma-se sem
dúvida o direito do mais forte; no segundo processo, em que a repartição é feita pela ordem das procuras, sendo
pois beneficiado aquele que chega primeiro, afirma-se o direito do mais ágil, do mais lesto; finalmente, se a
repartição é feira pelos que podem e querem pagar mais, o que se afirma é o direito do mais rico.
Consequentemente, o mecanismo do preço não assegura uma repartição conforme as necessidades, mas
de acordo com a fortuna, riqueza, poder de compra de cada um. Existe, de facto, um sistema de racionamento
através dos preços. Mas a sua lógica e objectivos são diferentes dos do racionamento propriamente dito,
executado por via de autoridade.

A formação do preço: a lei da oferta e da procura


O preço forma-se no mercado e são duas as forças que o integram: a procura e a oferta. A procura varia
em sentido inverso ao preço e a oferta varia no mesmo sentido do preço.
A lei da oferta e da procura (diferente das duas anteriores) é que nos diz como se forma o preço no
mercado em função das variações da oferta e da procura, isto é, qual o preço, de entre todos os possíveis, que vem
a estabelecer-se no mercado.
Observa-se um ponto notável – o de cruzamento de ambas as linhas. Realmente, corresponde a tal
situação a congruência ou concordância entre as disposições de compradores e de vendedores: os primeiros, ao
preço Pe, dispõem-se a comprar a quantidade Qe; mas é essa quantidade, precisamente, que as empresas se
disporão a colocar à venda se o preço que defrontarem for Pe. Dizemos que esse ponto de cruzamento é o de
equilíbrio do mercado e que o preço a que efectivamente se transacciona o produto é Pe.

É importante distinguir o significado do ponto em questão quando o consideramos em cada uma das
curvas ou como intersecção delas. Como situação de procura/oferta representa a quantidade que o conjunto dos
compradores/vendedores estaria disposto a comprar/vender se o preço fosse aquele; mas, como situação de
equilíbrio no mercado, significa que, dados os conjuntos de situações de procura e de oferta, o único par de
situações que entre si se pode conjugar, dando lugar, portanto, a uma posição realizada, efectiva, de entre todas
as possíveis unilateralmente.

Carece de esclarecimento o significado correcto da posição de equilíbrio de mercado. Na verdade, pode


perguntar-se : como é possível afirmar que a igualdade da oferta e da procura determina um dado preço de
equilíbrio, se, afinal de contas, a quantidade que uma pessoa venda é precisamente a que outra compra? A
quantidade comprada há-de sempre igualar a quantidade vendida, qualquer que seja o preço. De modo que, esteja
ou não o mercado em equilíbrio, o estaticista que registar as quantidades compradas e as quantidades vendidas
há-de sempre achá-las iguais entre si, pois que cada uma não é mais do que um aspecto diferente de precisamente
a mesma coisa.
A resposta a esta questão há-de dar-se mais ou menos nestes termos:
É certo que as grandezas medidas pelo estaticista da Q comprada e da Q vendida têm de ser iguais. Mas o
ponto que importa é este: a que preço P se igualará exactamente a quantidade que os compradores desejam
continuar a comprar e a quantidade que os produtores desejam continuar a vender? A tal preço em que há
igualdade entre os montantes planeados que os vendedores e os compradores desejam continuar a comprar e a
vender, só a tal preço P, não haverá qualquer tendência para a alta ou para a baixa dos preços.
A qualquer outro preço, por exemplo acima da intersecção das curvas da oferta e da procura, é evidente
que, quaisquer que sejam as quantidades transacionadas, sempre se verificará uma igualdade estatística das
quantidades efectivamente compradas e vendidas. Mas esta igualdade estatística não nega de modo nenhum que,
a um preço tão alto, os vendedores estejam ansiosos por vender mais do que os compradores desejam continuar a
comprar e que este excesso da oferta planeada sobre a procura planeada exercerá uma pressão descendente
sobre o preço até que este atinja por fim o nível de equilíbrio em que as curvas se intersectam.
A esta demonstração puramente lógica da situação de equilíbrio e do preço de equilíbrio convém juntar
outro raciocínio, que conduz a idêntica conclusão, mas em que se lança mão de elementos concretos da vida e do
processo económico.

Suponhamos que o preço em vigor no mercado que estudamos era P 1, superior a Pe. Ao preço P 1 a
procura é muito inferior à oferta; e o resultado disso será verem os fabricantes e comerciantes acumularem-se os
estoques nos seus armazéns – estão continuamente a produzir mais do que o mercado absorve. Um caminho
natural de solução, que algumas empresas seguirão, é baixar o preço, pois sabem da experiência anterior que a
menores preços vendem mais; e é isso mesmo que se traduz na curva de procura decrescente. Todavia, também
acontece baixar a oferta quando o preço diminui: é o que diz o andamento da curva da oferta. Tudo conjugado, e
não esquecendo que, naturalmente, atrás dessas primeiras empresas, vão baixar o preços todas as outras, temos
uma redução do desequilíbrio entre oferta e procura: a redução de P 1 para P2 mostra isso mesmo.
Mas se o preço tem de ser de equilíbrio, então, se a oferta aumenta, o preço baixa; se a oferta diminui o
preço sobe. Se a procura aumenta, o preço sobe; se a procura diminui, o preço baixa. E é este comportamento do
preço em função da variação da oferta e da procura que se exprime através da lei da oferta e da procura: os
preços variam em sentido inverso ao da oferta e no mesmo sentido da procura.
Esta lei dá-nos, pois, indicações relativas aos efeitos de uma deslocação da curva da oferta ou de uma
deslocação da curva da procura de um determinado bem sobre o preço de mercado desse bem, desde que, num
casos como no outro, se verifique a condição coeteris paribus.

Figura 6: representa duas hipóteses de deslocação da curva da oferta, a partir da posição de equilíbrio
(Pe, Qe). Se a curva da oferta se desloca para cima e para a esquerda, isso quer dizer que os vendedores estão
dispostos a vender, aos vários preços possíveis, menores quantidades do bem considerado. Se a procura se
mantiver, o preço sobe, vendendo-se menores quantidades desse bem por preço mais elevado. Deslocando-se a
oferta de S para S1, o preço aumenta de Pe para P1.
Figura 7: representa duas hipóteses de deslocação da curva da procura a partir da posição de
equilíbrio, no pressuposto de que a curva da oferta se mantém. Se assim for, o preço sobe de P para P 1 no caso de
a curva da procura se deslocar para cima e para a direita (de D para D 1); o preço baixa de Pe para P 2, ao invés, se a
curva da procura se deslocar de D para D 2.

Os vários tipos de mercados


O mercado de concorrência pura e perfeita
 As condições da concorrência perfeita
a) A atomicidade do mercado – tanto do lado da oferta como da procura, existe um
grande número de unidades económicas e nenhuma delas dispõe no mercado de uma dimensão ou de um poderio
suficiente para exercer qualquer acção sobre a produção e o preço da indústria considerada;
b) A homogeneidade do produto – na indústria todas as empresas apresentam produtos
que os compradores consideram idênticos ou homogéneos, não havendo razão para preferir o produto de uma
empresa ao produto de outra empresa;
c) Livre acesso à indústria – todo aquele que quer dedicar-se a uma determinada
exploração pode fazê-lo sem restrições nem demoras. As empresas que integram a indústria não podem opôr-se à
entrada de novos concorrentes; estes podem obter facilmente os elementos de produção que lhes são
necessários;
d) Perfeita transparência do mercado [publicidade completa] – todos os participantes no
mercado têm um conhecimento de todos os factores significativos do mercado, nomeadamente, os vendedores e
os compradores conhecem sempre as quantidades procuradas e oferecidas aos vários preços possíveis;
e) Perfeita mobilidade dos agentes económicos – cada um dos vendedores pode dirigir a
sua oferta a qualquer dos compradores e cada um dos compradores pode dirigir a sua procura a qualquer dos
vendedores;
f) Existe, de indústria para indústria, uma perfeita mobilidade dos factores de produção.

A formação do preço no mercado de concorrência perfeita


 Análise do período infra-curto: o preço corrente, a renda dos consumidores e a renda
dos vendedores
Num período infra-curto, a produção não pode aumentar nem diminuir e, portanto, a oferta do
vendedores há-de ser feita com os bens que já produziram. E a alternativa é vendê-los, ou ficar com eles em
estoque ou armazém, à espera de melhor oportunidade. Pelo efeito-substituição os vendedores se dispõem a
oferecer maiores quantidades a preços considerados altos do que a preços baixos, isto é, que a sua oferta vai
aumentando à medida que o preço sobe. E como estamos em período infra-curto, num período tão curto que as
disposições dos vendedores não podem variar, é constante oferta de cada um dele e, portanto, é dada a oferta
total da mercadoria.
Mas, num período infra-curto, também não podem modificar-se as necessidades e os rendimentos dos
compradores. A sua procura há-de ser feita com os rendimentos que já possuem. E a alternativa é gastá-los ou
ficar com eles entesourados. Tanto pelo efeito-substituição como pelo efeito-rendimento, os compradores
dispõem-se a adquiri menores quantidades a preços considerados altos do que a preços baixos, isto é, que a sua
procura vai diminuindo à medida que o preço sobe. E como estamos em período infra-curto, é também dada a
procura de cada comprador e, portanto, é dada a procura total da mercadoria.
Suponhamos que sejam estas as curvas da oferta (SS’) e da procura (DD’).

Neste mercado, o preço tem de ser único. É o que se exprime pela lei da indiferença: no mesmo
mercado e no mesmo momento, não pode haver mais que um preço para a mesma mercadoria.
Pois, se a mercadoria é a mesma, se são iguais todas as unidades oferecidas, torna-se indiferente aos
compradores adquiri-las de qualquer dos vendedores. Por conseguinte, nenhum comprador estará disposto a dar
pela mercadorias mais do que paga qualquer dos outros compradores. Sendo assim, todos vêm a comprá-la pelo
mesmo preço.
Mas, porque preço? Pelo preço de equilíbrio entre as quantidades que os vendedores estão dispostos a
oferecer e as quantidades que os compradores estão dispostos a comprar. No nosso diagrama, pelo preço Ope, ao
qual se oferecem e procuram as mesmas quantidades OQe.
Conclui-se, pois, que em períodos infra-curtos, isto é, em cada momento, nos mercados perfeitos de
concorrência se estabelece um único preço; e que esse único preço é o preço de equilíbrio entre a oferta e a
procura.
É o preço, portanto, que traduz o equilíbrio entre a oferta e a procura feitas em cada momento; por isso
se chama preço de equilíbrio momentâneo. Ou é o preço que corre em cada momento que passa; por isso se lhe
chama também preço corrente.
Mas da circunstância de o preço ser único vai derivar o fenómeno das rendas.
Quer dizer: por virtude da unicidade do preço, os compradores economizam a diferença entre o preço
que estavam dispostos a pagar e aquele por que efectivamente compram. Chama-se a essa diferença, que é um
benefício e constitui como que um rendimento, a renda dos consumidores. Por seu turno, os vendedores ganham
a diferença entre o preço por que estavam dispostos a transaccionar as mercadorias e aquele por que
efectivamente as vendem. Chama-se a tal diferença a renda dos vendedores.
Formalmente, as duas rendas são fenómenos paralelos; mas, no fundo, há pouca semelhança entre
elas. Porque a renda do consumidor é uma renda fugaz, efémera, uma renda que, na generalidade dos casos, surge
e logo desaparece. Os consumidores fazem os seus cálculos com base em elementos subjectivos, dentro os quais
avultam as previsões de preços.
Com a renda dos vendedores não acontece o mesmo. Porque os vendedores determinam o preço
mínimo a que lhes convém vender, em face de um elemento objectivo, que é o custo de produção. Normalmente,
o mínimo preço por que se dispõem a ceder as mercadorias é o preço equivalente ao custo.
Ora, se um qualquer vendedor suporta um custo de 4 e vende a 5, a sua renda persistirá enquanto
continuar a produzir ao custo de 4 e a vender ao preço de 5. A renda dos vendedores não tem, pois, que
desparecer com a fixação do preço. Enquanto os vendedores transacionarem as mercadorias por mais do que o
seu custo, ganharão a diferença, e esse ganho será por eles geralmente considerado renda.
A renda dos vendedores é, em princípio, duradoura. Porque, tendo lucrado na venda das mercadorias a
preço superior ao custo, o natural é que os vendedores tentem aumentar o seu lucro, desenvolvendo a produção
para mais venderem e ganharem. Simplesmente, o aumento da produção e, portanto, da oferta, vai provocar – se
a procura se mantiver constante – a descida do preço. E a descida do preço fará com que diminuam, ou até
desapareçam, as rendas dos vendedores.
Daqui se conclui que o preço de equilíbrio entre a oferta e a procura realiza o equilíbrio do mercado,
mas que este equilíbrio é momentâneo, passageiro. Pois, ainda que a procura não varie nos momentos sucessivos,
é extremamente provável que varie a oferta, que aumente e diminua, e, por conseguinte, que o preço desça e
suba.

 A análise em período curto: a estratégia de adequação da empresa ao preço do


mercado e o comportamento da oferta da empresa
O período curto é um período em que as empresas podem aumentar ou diminuir a produção
aumentando ou diminuindo a quantidade de trabalhadores, de matérias-primas e subsidiárias, de semi-produtos,
de energia, mas não podem aumentá-la ou diminui-la acrescendo ou reduzindo o seu equipamento, os seus
capitais fixos.
Período curto, por conseguinte, é um período suficientemente longo para que as empresas possam
variar a sua produção em face do equipamento existente, mas suficientemente breve para que elas não possam
variar o seu equipamento.
Nos mercados de concorrência o número dos compradores e dos vendedores é tão grande que nenhum
comprador com a sua procura e nenhum vendedor com a sua oferta pode exercer influência sensível sobre o
preço.
Quer dizer: a oferta e a procura de cada vendedor e de cada comprador são tão diminutas que, se
qualquer deles abandonar o mercado, o preço não se modifica; de igual forma, se comparecer um novo comprador
ou um novo vendedor, o preço não se altera. Sendo assim, é claro que os compradores e os vendedores
consideram o preço como um dado, como qualquer coisa de absolutamente independente da sua acção.
Todos fazem as respectivas procuras e ofertas supondo que, com elas, não provocam nenhuma
variação do preço. Isto é: os vendedores e os compradores contam com uma procura e uma oferta infinitamente
elásticas, ao preço dado, para a oferta e a procura de cada um.
Nomeadamente, cada empresa considera que a procura que se lhe dirige é infinitamente elástica ao
preço do mercado, o que significa que qualquer das empresas presentes no mercado sabe que pode contar com
uma procura que, ao preço do mercado, absorverá todas as quantidades que a empresa consegue produzir.
Assim sendo, não faz sentido a hipótese de a empresa baixar o preço dos seus produtos, para tentar
vender mais e ganhar mais. E também não faz sentido que a empresa tente subir o preço dos seus produtos. É que,
neste tipo de mercados, nenhuma empresa, com a sua actuação, pode exercer influência sobre o preço. Além
disso, uma empresa que tentasse vender a preço mais elevado que o do mercado ficaria, teoricamente, sem
clientela.
Nestas condições, cada uma das empresas, para maximizar o seu lucro, vai desenvolver a produção até
ao ponto em que o custo dispendido na produção adicional seja igual ao preço de mercado, que é a receita média.
Mas a receita média é igual à receita marginal. Com efeito, as vendas adicionais fazem-se ao mesmo preço que as
primeiras, e a receita que provém da venda de uma unidade suplementar do produto é igual ao preço unitário no
mercado: sendo constante a receita média, a receita marginal será também constante e igual à receita média.
Em concorrência perfeita, a regra da maximização do lucro pode enunciar-se deste modo: custo
marginal = receita marginal = preço de mercado.

E compreende-se que esta posição de parificação do custo marginal = preço do mercado seja aquela
que garante, a uma empresa uma concorrência perfeita, o lucro máximo.

Como a receita marginal (= preço de mercado) é superior ao custo marginal, a empresa tem interesse
em produzir mais essa unidade: da sua vende aufere um lucro adicional ou marginal, correspondente ao
segmento AB, que vai aumentar os lucros globais da empresa.
O lucro global da empresa começa a diminuir quando a posição ultrapassa Qe. Porque, para
quantidades superiores a Qe, o custo marginal de cada uma das sucessivas unidades produzidas é sempre superior
à receita marginal.
Em conclusão: a posição óptima para a empresa é a que se alcança quando a empresa produz (e vende)
as quantidades que obtêm a um custo marginal igual ao preço de mercado (=receita marginal): Qe corresponde à
intersecção da linha do preço com a curva do custo marginal. Eis a
equação de equilíbrio da empresa: P = C marg
E a oferta da empresa? Agora, a dedução é simples:
supondo diferentes valores para o preço de venda, a cada um
corresponderá uma posição de equilíbrio da empresa,
determinada pela igualdade Pe = Cmarg
Observemos, porém, que a igualação do custo marginal
ao preço só interessa às empresas quando trabalham a custos médios
crescentes. A razão do facto é perfeitamente clara. Pois, enquanto o custo médio é decrescente, o custo marginal
é sempre inferior a ele.
Ora, nenhuma empresa pretenderá igualar o custo marginal ao preço enquanto o custo marginal for
inferior ao custo médio, pois, nesta situação, venderia os artigos fabricados a preço igual ao custo marginal, mas
inferior ao custo médio, e sofreria perdas. De sorte que só se põe a qualquer empresa o problema de parificar o
custo marginal com o preço quando aquele seja superior ao custo médio. E o custo marginal torna-se superior ao
custo médio na fase dos custos médios crescentes.
Mas se toda a empresa tem interesse em produzir as quantidades de mercadorias que pode obter a
custo marginal igual ao preço, então, à medida que o preço sobe, tem interesse atingir custos marginais cada vez
mais elevados e, portanto, em aumentar cada vez mais a sua produção. Daí que a produção das empresas seja
maior a preços altos do que a preços baixos.
Por conseguinte, e generalizando: em períodos curtos as empresas oferecerão, a cada preço, aquela
quantidade de mercadorias cujo custo marginal com cada preço se parifique.
E como a subida do preço permite a produção a custos marginais cada vez mais altos, daí que, em
períodos curtos, a oferta das empresas aumente à medida que o preço suba.
Claro que há sempre um limite ao aumento da oferta: o que é posto pela capacidade de equipamento.
As máquinas existentes poderão produzir 1000, 2000 ou 5000 unidades, mas não um número ilimitado delas. De
modo que a oferta só poderá aumentar enquanto puder aumentar a produção com as fábricas que se encontram
instaladas e os maquinismos de que dispõem. Até esse limite, porém, a oferta aumentará com a subida do preço.
Mas, se as empresas têm interesse em oferecer a cada preço as quantidades que pode produzir a
idêntico custo marginal, então, a curva da oferta em períodos curtos é uma curva das quantidades produzidas aos
vários custos marginais. É, numa palavra, uma curva de custos marginais.

 A análise em período longo: o desaparecimento dos lucros anormais


Quando o preço é superior ao custo total médio, a empresa realiza, a período curto, lucros anormais.
Ela atingirá a sua posição de equilíbrio quando a curva de receita média (ou de procura) for tangente à
curva do custo total médio, num ponto de intersecção da curva do custo marginal e da curva do custo total médio.
Na figura 8, a produção corresponde à posição de equilíbrio (Pe, Qe) é OQe, qual obtida é a um custo marginal
igual ao preço de mercado e igual ao custo total médio (AQe).
A empresa realiza apenas lucros normais, isto é, os lucros suficientes para a incitar a continuar na
indústria. Apesar de a empresa laborar, na sua posição de equilíbrio (Pe, Qe), a um custo total médio igual ao
preço de mercado, dizemos que ela tem lucros, lucros normais. Porquê? Porque as empresas contabilizam, em
regra, nos seus custos, um salário de direcção para o empresário, os juros devidos aos capitais próprios investidos
na empresa, a renda dos prédios rústicos ou urbanos que o empresário leva para a empresa e, eventualmente, o
prémio de um seguro de riscos. Daí que o lucro normal seja o lucro mínimo indispensável para decidir qualquer
empresa a continuar a laborar, na expectativa, que por certo alimentará, de que a situação seja passageira: não
fechando as portas, mantêm a clientela, esperando que possa aumentar a sua eficácia, reduzir os custos médios de
produção e passar a integrar o número das empresas intermarginais, isto é, das empresas que, por trabalharem a
custo médio inferior ao preço do mercado, auferem lucros anormais.
Na indústria, cada produtor tem, por razões
diversas, custos diferentes. Sejam três empresas em que as
curvas de custo total médio são CTM1, CTM2 e CTM3. (figura
11)
A empresa (3) só poderá vender no mercado
enquanto o preço do mercado não for inferior a P 3:
esta empresa é na indústria uma empresa marginal.
Por sua vez, a empresa(1) e a empresa (2), que aos preços P1 e P2, respectivamente, se encontrariam
em situação de realizarem apenas lucros normais, se o preço do mercado se fixar ao nível P 3 vão realizar lucros
anormais. Com efeito, vendem, ao preço P3, as quantidades que obtêm a idêntico custo marginal, mas a um custo
total médio inferior ao custo marginal e ao preço.
Mas o facto de as empresas (1) e (2) beneficiarem de lucros anormais quando o preço de mercado é P 3
significa que a indústria é atractiva. Daí que novas empresas se constituam e que se expandam algumas das já
existentes, em busca de melhores condições de custos. Mas tudo isso vai traduzir-se na determinação de novos
preços de mercado, pela conjugação da procura com novas condições de oferta, uma vez que esta aumentará em
consequência da entrada de novas empresas e da ampliação de outras. E o processo só cessará quando forem
eliminados os lucros anormais, vendendo todas as empresas a um preço idêntico ao custo médio.

A figura 13-a mostra a nova posição do mercado: a oferta aumentou aos vários níveis de preços e a curva
da oferta deslocou-se, portanto, de S1 para S2; mantendo-se a procura, o preço baixou de P 1 para P2, ao qual se
oferecem as quantidades Q2. Esta é a nova posição de equilíbrio no mercado. E ao preço P 2 já não haverá lucros
anormais, nem para a empresa (1) nem para qualquer outra igualando-se em Q 2 os valores P2.
Pode dizer-se, portanto, que, nos períodos longos, os preços que acabam por se estabelecer nos
mercados de concorrência são preços de equilíbrio entre a procura e aquela oferta cujo custo marginal se parifica
não só com tais preços mas o custo médio (mínimo) da empresa marginal.
Em período longo, como não há qualquer limitação à entrada na indústria e como os factores de produção
dão móveis, as empresas entrarão na indústria ou sairão da indústria, até que esta atinja a posição de equilíbrio
total definida por duas condições:
1) Todas as empresas parificam o seu custo marginal e a sua receita marginal;
2) Desparece a tendência para a entrada na indústria ou para a saída da indústria,
porque todas as empresas realizam “lucros normais” e funcionam no ponto mínimo da sua curva do custo total
médio.
Esta situação pressupõe que os factores de produção sejam homogéneos e que os empresários tenham o
mesmo grau de eficiência, hipóteses bastante dificilmente realizáveis ou verificáveis na realidade. Como não há
homogeneidade de empresários, nem de factores de produção, é concebível que certas empresas obtenham
lucros supra-normais, enquanto as empresas marginais obtêm somente lucro normal.

O monopólio e os preços do monopólio


Noção de monopólio
Até uma data relativamente recente, a noção de monopólio não tinha sido claramente precisada. Ela
define-se agora a partir de uma distinção entre monopólio puro e monopólio isolado.
a) O monopólio “puro” seria aquele que teria a possibilidade de obter todo o
rendimento dos consumidores, qualquer que fosse o nível da sua produção. Na realidade, não há monopolista
puro, pois todos os produtores estão em concorrência em virtude de ser limitado o rendimento dos consumidores.
No fim de contas, todos os bens se fazem em concorrência e a única maneira de ser um monopolista “puro” seria
produzir todos os bens de uma comunidade. O monopólio puro é um caso-limite teórico.
Este caso-limite ocorrerá quando o produtor tiver tal poder que esteja sempre em condições de chamar a
si todo o rendimento de todos os consumidores, seja qual o nível da sua produção. Isso acontecerá quando, a
curva da receita média da empresa monopolista possuir elasticidade igual a um e se achar em tal nível que todos
os consumidores gastem todo o seu rendimento na compra de produtos da empresa, seja qual for o seu preço.

Desde que a elasticidade da curva da receita média da empresa seja igual a um, a despesa total com a
compra do produto da empresa será a mesma em qualquer preço. O monopolista “puro” toma durante o tempo
todos os rendimentos dos consumidores.
O monopolista “puro”, porém, não poderá nunca fixar simultaneamente o preço e o volume da produção.
Dentro desses limites, no entanto, o poder do monopolista “puro” é completo. Cabe notar que, sendo constante a
receita total em todos os níveis de produção, a receita marginal é sempre zero. A curva da receita marginal
coincide com o eixo dos X.
b) Na realidade, não há monopólio que não esteja submetido, em maior ou menor
grau, a uma concorrência proveniente do domínio que não é coberto por esse monopólio; só se encontram,
monopolistas “isolados”.
O monopolista é portanto, aquele que controla a oferta de um produto, que não tem sucedâneos
próximos: a elasticidade cruzada da procura entre o seu produto e todos os outros produtos é muito fraca. Nestas
condições, o monopolista tomo uma decisão que diz respeito, simultaneamente, ao preço do seu produto e a
quantidade que será procurada: ele fixa o preço ou a quantidade, porque deve ter em conta as reacções da
procura.
A distinção entre empresa e indústria desaparece na situação de monopólio; a empresa que usufrui de
um monopólio abrange toda uma indústria e a sua curva de receita média, que reflecte a procura do seu produto,
é uma curva imperfeitamente elástica, inclinada sobre o eixo dos X, como a curva da procura do produto de uma
indústria.
Da mesma maneira que um vendedor pode controlar a oferta de um produto, um único comprador pode
controlar a procura de um produto: diz-se então que existe monopsónio. Os muitos compradores da hipótese da
concorrência podem reduzir-se a um só, ou a vários compradores que, por acordo, se comportam como se um só
fossem.
A procura é difícil de monopsonizar. Primeiro, porque geralmente os compradores são muitos; despois,
porque falta o estímulo profissional para se associarem; finalmente, porque se distribuem por diferentes terras,
não se conhecem, não entram todos em contacto, e não podem chegar a acordo. Daí que sejam raros os
monopsónios.

Monopólio legal, natural e de facto


Como surgem os monopólios? Qual é a sua fonte?
Por vezes, é a própria lei: é a lei que atribui a certa empresa o exclusivo da venda de determinada
mercadoria. Outra vezes, é a natureza: por virtude da escassez natural de certos elementos, geralmente matérias-
primas, só uma empresa é vendedora deste ou daquele produto. Outras ainda, são as circunstâncias conexas ao
funcionamento do mercado: há uma empresa que consegue eliminar todas as demais, ficando sozinha em campo;
ou há um empresa que se dedica à produção de um novo artigo e que, enquanto for só ela a fabricá-lo, será
monopolista.
Eis as três fontes donde o monopólio deriva. Daí as três espécies de monopólios: monopólio legal, o que
beneficia de um exclusivo conferido por lei; monopólio natural, o que beneficia da escassez natural de
determinados elementos, geralmente matérias-primas; monopólio de facto, o que se criou por virtude de certas
circunstâncias ligadas ao funcionamento do mercado.

O Princípio de Cournot e o preço máximo de monopólio


O monopolista ou fixa o preço ou as quantidades que pretende vender, uma vez que tem de atender às
reacções da procura. Este é o significado do Princípio de Cournot.

O Princípio de Cournot
A empresa monopolista dispõe da oferta total e pode, aumentando-a ou diminuindo-a, fazer baixar ou
subir o preço. Quer dizer: enquanto para uma empresa em mercado de concorrência o preço é um elemento
determinado, para a empresa monopolista ele é um elemento a determinar.
Decerto que o preço não depende apenas da oferta, mas também da procura. Simplesmente, perante a
curva da procura, a empresa monopolista pode estabelecer no mercado o preço a que corresponde uma procura
igual à sua oferta. E como ela pode fazer a oferta que quiser, pois é senhora das quantidades produzidas, ei-la que,
conhecendo a procura, fica árbitro do preço.
A empresa monopolista deseja que no mercado se estabeleça o preço de 8, de 7 ou de 6? Por outras
palavras: dentro todos os preços possíveis, isto é, dentro todos os preços a que há procura, qual é o que mais
convém à empresa monopolista, qual é para ela o preço óptimo? A empresa monopolista tem espírito de qualquer
outra empresa capitalista; por isso vai tentar conseguir o máximo lucro, vai escolher o preço que lhe deixa maior
excesso das receitas sobre as despesas totais.
Ora, o lucro (L) é igual ao produto das quantidades vendidas (q) pela diferença entre o preço (p) e o custo
total médio de cada unidade:
L = q (p-c)
Logo, o preço será óptimo quando for máximo o produto q(p-c). E como as quantidades vendidas
dependem da procura, o preço há-de ser fixado em função destes dois elementos: a procura e o custo.
Simplesmente, à medida que sobe ou baixa o preço diminuem ou aumentam as quantidades procuradas
e, por conseguinte, as quantidades vendidas. Daí que o monopolista não possa agir ao mesmo tempo sobre as
quantidades e sobre os preços. Se fixa as quantidades que quer vender, é o mercado que lhe diz o preço por que as
compra; se fixa o preço a que deseja transaccionar, é o mercado que lhe diz as quantidades que absorve.
É por via deste princípio que o preço óptimo não coincide com o preço máximo, isto é, com o mais alto
dos preços a que ainda há procura.

O equilíbrio custo marginal-receita marginal: preço óptimo de monopólio


Se o monopolista fixa um preço alto, vende caras as mercadorias, mas pode ganhar menos do que se
tivesse fixado um preço baixo. Por isso é que abstraímos das variações do custo, supondo que as diversas
quantidades (30,40,60,70) eram produzidas a custo médio constante: a custo médio de 3.
Todavia, o custo total médio não é constante, que é sempre crescente ou decrescente. Daí que o
monopolista, para a determinação do preço óptimo, tanha de tomar em conta, além da reacção da procura, o
custo maior ou menos por que produz as várias quantidades.
Em concorrência perfeita, qualquer empresa desenvolve a produção até que o seu custo marginal se
parifique com o preço do mercado. E o preço do mercado é o que a empresa recebe a mais por colocar nele uma
unidade adicional: se a empresa vende 10 unidades ao preço de 5, continuará a vender 11, 12 ou 13 unidades ao
mesmo preço; logo, se a empresa transaccionar 11 unidades, receberá mais 5 do que se transaccionar 10
unidades, como se vender 12 unidades receberá mãos 5 do que se vender 11. É assim porque a oferta de qualquer
empresa é tão pequena que, por muito que aumente ou diminua, não provocará baixa ou alta de preço.
Ora, chama-se receita marginal à diferença entre a receita obtida pela venda de n unidades e obtida pela
venda de n+1. Em concorrência, essa diferença é sempre igual ao preço, uma vez que a venda de mais unidades
por qualquer empresa se faz ao preço por que se vendiam as quantidades anteriores. Daí que, ao dizermos que
aquela empresa em mercado de concorrência tem interesse em desenvolver a produção até que o custo marginal
se parifique com o preço de mercado, quisessemos dizer que a empresa tem interesse em desenvolver a produção
até que o gasta a mais se parifique com o que recebe a mais, e é o preço do mercado. A parificação custo marginal-
preço explica-se pela parificação custo marginal-receita marginal.
Pois, o que se passa com qualquer das empresas em mercado de concorrência passa-se de igual modo
com a empresa monopolista. Com efeito, também esta tem interesse em desenvolver a produção enquanto o que
dispende a mais (custo marginal) for inferior ao que recebe a mais (receita marginal). Simplesmente, como a oferta
da empresa monopolista coincide com a oferta total, o seu aumento nunca é tão pequeno como o de qualquer
empresa em mercado de concorrência; é muito maior, e, sendo-o, vai provocar a descida do preço, e esta vai
afectar não só as unidades vendidas a mais como as restantes. Daí que a receita marginal seja sempre inferior ao
preço.
Quando o monopolista aumenta a sua oferta de 200 para 210, o preço desce de 10 para 9,9 e a receita
marginal é de 79; estes 79 são o que a empresa recebe a mais pela venda de 10 unidades; correspondem,
portanto, a mais 7,9 por unidade; ora, 7,9 são menos que o preço de 9,9: a receita marginal é inferior ao preço.
A descida do preço afecta não apenas as 10 unidades que se vendem a mais como todas as 200 unidades
que anteriormente se vendiam. Por conseguinte, a empresa ganha o que recebe a mais pela venda de mais 10
unidades, mas perde o que recebe a menos pela venda de 200.
Como se vê, em monopólio a receita marginal é sempre inferior ao preço. E, sendo-o, a curva da receita
marginal tem de situar-se por baixo da curva da procura, uma vez que o produto das unidades vendidas a mais
pelo respectivo preço, que nos é dado por esta curva, excede sempre aquela receita.

A empresa monopolista vai desenvolver a produção até que o


seu custo marginal se parifique com a receita marginal. Ora, a curva do custo marginal corta a curva da receita
marginal no ponto X; a empresa vai, portanto, produzir OQ e e o preço será OPe.
Preço óptimo de monopólio é, assim, o preço de equilíbrio entre a procura e aquela oferta cujo custo
marginal iguala a receita marginal.
A receita marginal
A receita marginal depende da redução do preço necessário para se venderem mais unidades da
mercadoria. A redução do preço, por sua vez, depende, evidentemente, da elasticidade da procura.
Se a procura é muito elástica, basta uma pequena baixa do preço para que a procura aumente muito e,
portanto, para que o monopolista consiga vender as unidades adicionais; se é pouco elástica, então, exige-se uma
redução do preço relativamente grande para o monopolista conseguir colocar n+1 unidades em vez de n.
Isso leva-nos a concluir que, conforme a procura for mais ou menos elástica, assim será maior ou menor a
receita marginal – a concluir que a receita marginal varia no mesmo sentido da elasticidade da procura.
A receita marginal varia, pois, no mesmo sentido da elasticidade da procura. Com efeito, quanto mais
elástica for a procura, mais a empresa recebe pela venda de unidades adicionais e menos deixa de receber pela
venda das unidades primitivas.
Se a procura se torna absolutamente inelástica, a receita marginal é sempre negativa: é-o pela razão
simples de que a empresa não vende mais unidades, e passa a vender a preço mais baixo as unidades que
anteriormente transacionava.
Mas a receita marginal ainda é negativa quando a elasticidade da procura se torna menor do que 1,
porque, neste caso, o que a empresa recebe a mais pela venda de mais unidades não chega para cobrir o que ela
recebe a menos pela venda a preço mais baixo das unidades primitivas.
Não convém ao monopolista nenhum dos preços que lhe dão receita marginal negativa. Por conseguinte,
ele vai fixar sempre o sue preço dentro da zona em que a elasticidade da procura é maior do que 1.

Moderadores do preço
O preço óptimo corresponde à quantidade óptima, ou seja, à dimensão óptima. Esta atinge-se pela
parificação do custo marginal com a receita marginal. Consequentemente, o preço óptimo corresponde, também,
a essa mesma parificação: é aquele preço ao qual o mercado absorve uma oferta cujo custo marginal iguala a
receita marginal.
Simplesmente, isto será assim quando a empresa monopolista for completamente monopolista: quando
não tiver que suportar qualquer espécie de concorrência. Ora o monopolista tem, praticamente sempre, de
suportar concorrências. Antes de mais, a concorrência dos sucedâneos.
Ora, se o preço do monopolista é muito elevado em relação ao preços dos sucedâneos, é natural que se
tente a produção destas últimas mercadorias, ou que os vendedores das já existentes baixem o seu preço, apara
atraírem a clientela da mercadoria monopolizada. E eis como, apesar de o monopolista ter na sua mão a totalidade
da oferta, lhe sai ao caminho uma concorrência: a concorrência dos bens sucedâneos.
A concorrência dos sucedâneos pode existir para todos os monopolistas, quer para os que gozam de
monopólio legal ou natural, quer para os que detêm um simples monopólio de facto. Mas o monopolista de facto
conhece, além dessa concorrência, uma outra: a concorrência potencial.
Se o monopólio é conferido pela lei ou concedido pela natureza, evidentemente que nenhuma outra
empresa poderá formar-se para produzir aquelas mercadorias. Mas, se se trata de monopólio de facto, então é
possível constituírem-se outras empresas que produzam a mesma mercadoria e entrem, assim, em concorrência
com o monopolista. A empresa monopolista está sempre sob uma ameaça: a da concorrência, que pode surgir de
um momento para o outro.
Quer dizer: a empresa monopolista é sempre, potencialmente, objecto de uma concorrência. E esta
concorrência, que existe sempre em potência, chama-se, por isso mesmo, concorrência potencial.
O monopolista pensa em fixar, por exemplo, o preço de 15, o preço que, tendo em conta a curva presente
da procura, lhe dá o máximo lucro. Mas esse grande lucro pode servir de incentivo à formação de novas empresas,
que venham partilhar do mercado e façam perder ao monopolista a qualidade de vendedor exclusivo.
Evidentemente que não lhe convém que se formem tais empresas; por isso, ele não fixa o preço de 15,
que corresponde à parificação custo marginal = receita marginal, mas sim um preço mais baixo, que, embora lhe
deixe menores lucros no presente, o ponha ao abrigo de uma concorrência que lhe pode ser fatal – um preço que,
por conseguinte, lhe assegura maiores lucros no futuro.
Por isso o monopolista procurará fixar o preço que lhe seja vantajoso e lhe permita lucros a longo prazo,
sem que esse preço favoreça o aparecimento de concorrentes. Bain chamou a este preço, inferior ao que
maximizaria os lucros da indústria, numa perspectiva imediatista, um preço-limite
A ameaça da concorrência obriga, assim, o monopolista de facto a comedir-se nas suas ambições. Mas
não a comedir-se muito, pois a eficácia da concorrência potencial é relativamente pequena: porque leva sempre
tempo, meses ou anos, a formar-se uma nova empresa; porque se exigem capitais avultados para se constituir
uma empresa concorrente da detentora do monopólio, uma vez que esta, sendo única, é geralmente uma
empresa enorme; porque a nova empresa terá de afrontar riscos consideráveis para concorrer com o monopolista,
dado que este tem a clientela nas suas mãos.
Uma outra razão que pode aconselhar ao monopolista a limitação voluntária do seu lucro consiste em
evitar que, perante o mau ambiente público criado pela prática de preços considerados de exploração do
consumidor, o estado intervenha no sentido de sanear uma situação de abuso. E o modo de a empresa se
antecipar a tais medidas e ataques consiste na fixação do preços. Trata-se, afinal, de planear segundo o princípio
do máximo lucro, mas a longo prazo, e não em cada curto prazo.

O preço múltiplo e a discriminação dos preços


 Absorção da renda dos consumidores
Nos mercados de concorrência o preço é necessariamente um só. É o que se exprime pela lei da
indiferença.
Mas o monopolista é vendedor único. Portanto, a procura não pode deslocar-se dele para outros
vendedores, não tem mobilidade nenhuma. Ora, sendo a procura imóvel, o monopolista pode fazer o que está
defeso a qualquer das empresas concorrentes: exigir preços diversos aos diversos compradores. Quer dizer: o
monopolista pode criar uma multiplicidade de preços.
Mas, sempre que o preço é único, há renda dos consumidores, pois há pessoas que adquirem a
mercadoria a preço mais baixo do que aquele que estavam dispostos a pagar, em caso de necessidade.
Daí que o monopolista, em vez de fixar o preço único de 6, possa exigir os de 8, 7 e de 6 aos que, em caso
de necessidade, estavam resolvidos a pagá-los. E as suas receitas sobrem, então, para 430.
Mas como, para vender aqueles 60, o monopolista não tem que suportar maiores despesas, sobe também
o seu lucro, que passa a ser de 430 -165 = 256.
Como se vê, o monopolista consegue, através do preço múltiplo, transformar em lucro seu o que seria
renda dos consumidores, caso tivesse fixado um preço único. Não há dúvida, pois, de que lhe convém discriminar
os preços.

 O fracionamento do mercado: fracionamento no tempo e no espaço


A circunstância de um monopolista vender a mesma mercadoria a preços diferentes aos diferentes
compradores traduz-se praticamente no fracionamento do mercado, isto é, na divisão do mercado em várias
secções que equivalem, na prática, a outros tantos mercados.
Simplesmente, para que tal seja possível, é preciso que não haja comunicação entre os mercados
fraccionários; ou seja, é preciso que nem os compradores possam deslocar-se de um para outro mercado, nem os
produtos e serviços vendidos num deles possam ser transferidos para qualquer dos restantes. De outro modo,
ficaria gorada a política do preço múltiplo, ou porque todos os compradores passavam a afluir ao mercado onde o
preço fosse mais baixo, ou porque as mercadorias adquiridas nesse mercado podiam revender-se nos demais.
O fracionamento é fácil de conseguir e de manter sendo feito no tempo, isto é, sendo vendida a
mercadoria a preços diferentes em diferentes épocas. Esta venda em doses sucessivas é adoptada, às vezes, pelos
livreiros.
Mas o fracionamento do mercado também pode fazer-se no espaço; na mesma época, o monopolista
vende a mesma mercadoria a preços diferentes.
Este fracionamento simultâneo é igualmente fácil quando se trata de serviços directos e o monopolista
conhece as disposições de cada um dos seus clientes.
Serviços directos são aqueles que só podem ser prestados às pessoas que eles imediatamente se
aproveitam. Não podem, pois, ser prestados através de intermediários.
Quem quiser consultar um advogado, pode mandar outrem por si. Mas quem necessitar de ser operado
ou quiser viajar não pode mandar outra pessoa em sua vez. Temos, aqui, serviços directos. Com uma diferença:
enquanto no caso dos serviços de um operador este pode conhecer as disposições de cada um dos pacientes, no
caso dos serviços de transporte raro a empresa conhece as disposições dos viajantes.
O preço múltiplo permite ao monopolista aumentar enormemente os seus lucros; todavia, se se trata de
um monopólio legal, explorado não com fins lucrativos mas de interesse público, a discriminação dos preços
também permite favorecer as classes pobres à custa das ricas: assim, uma exploração municipal de transportes
colectivos pode estabelecer tarifas inferiores ao custo para os operários, exigindo tarifas superiores ao custo, como
compensação, a todo o restante público.
Quer dizer: o preço múltiplo de monopólio, assim como pode ser apenas uma fonte de lucros, também
pode ser fonte de benefício social.

 Preços de concorrência e preços de monopólio: diferenças


O preço de concorrência é um preço único. Pois, sendo móvel a procura, nenhum comprador estará
disposto a pagar um preço mais elevado do que aquele paga qualquer outro comprador. Sendo móvel a oferta,
nenhum vendedor estará disposto a receber um preço mais baixo do que aquele recebe qualquer outro vendedor.
O preço do monopólio, esse, pode ser único ou múltiplo. Pode ser múltiplo, porque, havendo apenas um
vendedor, a procura tem de ficar imóvel, isto é, não pode deslocar-se para qualquer outro.
Eis a primeira diferença. Mas, além disso, o preço de concorrência é um preço que coincide com o custo
marginal da oferta necessária para fazer equilíbrio com a procura.
Por seu lado, o preço de monopólio é aquele preço a que o monopólio faz uma oferta cujo custo marginal
iguala a receita marginal. Ora, como a receita marginal é inferior ao preço, o preço de monopólio é
necessariamente superior ao custo marginal.
Deste modo, temo a segunda diferença: o preço de concorrência é igual ao custo marginal; o preço de
monopólio é superior ao custo marginal.
Mas o preço igual ao custo marginal das quantidades oferecidas é o preço mais baixo por que as empresas
se dispõem estavelmente a vendê-las. Com efeito, se o preço for inferior ao custo marginal, as empresas
restringem a produção até que o custo marginal desça ao nível do preço. Por conseguinte, o preço igual ao custo
marginal, o preço de concorrência, é o preço mais baixo possível.
Sabemos que a procura varia em sentido inverso ao do preço. Ora, se o preço de concorrência é o mais
baixo possível, também é o preço a que se faz a maior procura possível. Logo, o preço de concorrência dá
satisfação ao maior número possível de compradores.
O preço de monopólio é superior ao custo marginal. Não é, pois o menor preço por que uma empresa se
dispõe a oferecer estavelmente as quantidades produzidas. E, não o sendo, não é o menor preço possível de
compradores. Eis a terceira diferença.
Destaquemos estas diferenças capitais entre preços de concorrência e preços de monopólio:
1) O preço de concorrência é sempre único; o preço de monopólio pode ser único ou
múltiplo;
2) O preço de concorrência coincide com o custo marginal; o preço de monopólio é-lhe
superior;
3) O preço de concorrência satisfaz, o preço de monopólio não satisfaz, o maior número
possível de compradores.

A concorrência monopolista
Os mercados que realmente mais se aproximam da concorrência perfeita são as bolsas de valores, onde
são transaccionados títulos de crédito: aí, para além da manifesta homogeneidade dos bens transaccionados, é
também manifesta a total mobilidade da oferta e da procura, assim como a publicidade, as quais são realizadas
através dos corretores da bolsa, indivíduos que estabelecem um permanente contacto entre compradores e
vendedores de títulos, dando a conhecer, a uns e a outros, e para um certo preço, as suas recíprocas disposições
de compra e venda.
Com efeito, se bem que as duas outras características se verifiquem plenamente, falha aquela que diz
respeito a uma publicidade total, pois os compradores e os vendedores só conhecem as disposições dos
vendedores e dos compradores para um certo e determinado preço e não para os vários preços possíveis.
Na prática, portanto, encontramos geralmente um tipo de mercados onde se estabelece uma
concorrência imperfeita, uma vez que não serão também muito frequentes as situações de monopólio.

Noção
Nos mercados de concorrência monopolista, e à semelhança do que encontrámos na concorrência
perfeita, é ainda bastante grande, embora menor, o número de empresas existentes no mercado; a oferta de cada
uma delas tem já, contudo, influência sensível sobre o preço, quer porque as empresas são em menor número,
quer porque, embora ainda reduzida, a sua dimensão é já algo maior do que a concorrência perfeita; quando ao
factor facilidade ou dificuldade de acesso de novas empresas à respectiva indústria, em grau bastante variável,
mas não pode falar-se da dificuldade de entrada de novas empresas como elemento característico deste tipo de
mercados.

A diferenciação do produto
Elemento característico da concorrência monopolista é a diferenciação dos produtos, com base na
inovação. Neste mercado os bens não são homogéneos como na concorrência perfeita, mas também não são
meros sucedâneos remotos uns dos outros como no monopólio. Aqui as empresas não reproduzem mercadorias
idênticas, nem artigos completamente distintos. O princípio fundamental desta política da diferenciação é o
chamado princípio da diferenciação mínima: “Tomai o vosso produto tanto quanto possível similar aos produtos
existentes, mas sem destruir as diferenças”.
Há diferenciação do produto quando, no espírito do comprador, o produto de uma empresa não é um
substituto perfeito do produto de outra empresa que se dedica à mesma actividade que a primeira.
A diferenciação poderá dizer respeito ao próprio produto ou poderá relacionar-se com as condições de
venda.
1) No primeiro caso, respeitando ao próprio produto:
 Poderá tratar-se de uma diferenciação material objectiva, radicada na própria natureza do
produto;
 Ou poderá ainda tratar-se de uma diferenciação jurídica, derivada da atribuição de uma
certa marca, com a especial protecção jurídica que decorre da situação de marca registada e que se traduz na
proibição legal de qualquer outra empresa colocar no mercado produtos com a mesma marca.
2) No segundo caso, de diferenciação pelas condições de venda, ela pode também
apresentar-se sob diversos aspectos, agrupáveis de acordo com o critério da verdade, da acção e da política do
empresário. Assim temos:
 Diferenciação de facto, quando as condições de venda são de certa maneira
independentes da vontade ou da acção do empresário. Exemplos: localização da empresa; reputação do vendedor;
etc;
 Diferenciação provocada, quando esta é resultado da acção sistemática do empresário
relativamente ao seu produto e às condições da sua venda: é o caso da publicidade, dos prémios concedidos aos
compradores, da exposições e demonstrações de produtos, etc.
Este fenómeno da diferenciação é que caracteriza o comportamento de cada uma das empresas neste
tipo de mercado. As empresas procedem assim para tentar fugir à concorrência das restantes. Com efeito, a
diferenciação existente vai originar, do ponto de vista do comprador e por parte deste, uma preferência relativa a
certo produto. Desse facto há-de resultar para cada empresa uma certa posição de monopólio para o seu produto.
Essa relativa posição de monopólio acentua-se ainda mais no caso de existir marca registada, pois então nenhuma
empresa poderá apresentar no mercado um produto com a mesma marca.
Nota-se, contudo, que esta situação não pode ser confundida com a posição da empresa monopolista.
Nos mercados de concorrência monopolista, a existência de produtos sucedâneos próximos uns dos outros
compele cada uma das empresas a moderar a sua política de preços. Isto porque, se a diferença de preços entre os
vendedores for substancial, e sendo os produtos sucedâneos próximos, os compradores deslocam a sua procura
para a empresa que praticar preços mais baixos. Quer dizer: em concorrência monopolista, sendo certo que cada
vendedor consegue em certa medida isolar o “seu mercado”, não pode ser esquecido que a curva da procura de
um produto depende da natureza e do preço dos substitutos que concorrem estreitamente com o produto da
empresa considerada. Por outras palavras: torna-se necessário que cada empresa tenha em conta não só a
elasticidade da procura relativamente ao preço do seu produto mas também a elasticidade cruzada da procura, o
que se explica pelo facto de os vários bens concorrentes pertencerem à mesma indústria, integrarem o mesmo
produto.
Sabemos que em concorrência perfeita não há diferenciação de produtos. Quer isto significar que em
concorrência perfeita a repartição das compras pelas várias empresas, num dado período, se opera de acordo com
uma simples lei das probabilidade. E também sabemos que na concorrência perfeita a procura que se dirige a cada
uma das empresas é infinitamente elástica ao preço dado.
A publicidade, como meio de desviar a procura para uma dada empresa, não tem razão de ser, como é
evidente, na concorrência perfeita nem no monopólio. Uma empresa com mercados perfeitos não terá de
suportar quaisquer custos de venda. Se o objectivo dos custos de venda é deslocar a curva de vendas, então, na
hipótese de concorrência perfeita, não há interesse em tentar aumentar a quantidade que pode ser vendida ao
preço do mercado, precisamente porque as empresas sabem que, ao preço do mercado, encontrarão procura para
todas as quantidades que produzem. Neste tipo de mercados, só se concebem custos de vendas dispendidos por
uma associação da indústria como um todo, com vista a aumentar a procura total do produto. É a chamada
publicidade institucional ou propaganda da “indústria”, foram também correntes nas hipóteses de oligopólio
perfeito.
Em monopólio concebem-se ainda custos de venda destinados a criar uma imagem favorável junto do
público, como forma de garantir a sua posição monopolista; custos derivados da diferenciação dos bens ou da
criação de várias marcas por parte do monopolista, com vista a facilitar a discriminação dos preços; custos
destinados a alargar o âmbito dos conhecedores do produto ou das suas vantagens, com vista a aumentar a
procura à indústria; custos cujo objectivo pode ser o de “controlar” os órgãos de informação, tornados
dependentes da publicidade, para que defendam os pontos de vista que convêm aos monopólios e às forças
políticas que apoiam os monopólios.
Ora, já assim se não passam as coisas no domínio da concorrência monopolista, onde cada vendedor
dispõe de uma clientela que manifesta preferência pela variante do produto por aquele apresentada e onde, além
disso, o vendedor já exerce um certo controlo sobre o preço dessa variedade do produto. Neste caso, no entanto,
o vendedor tem que prestar especial atenção às reacções daquela clientela, pois sabe que venderá mais ou menos
consoante o preço que fixar for mais baixo ou mais elevado.
Cada empresa, num mercado de concorrência monopolista, pode criar a sua clientela, que tenta
monopolizar, e sobre a qual, por diversos modos, procura exercer influência, de modo a assegurar sempre uma
certa procura para o seu produto.
Ora, é precisamente à publicidade que, neste tipo de mercados, cabe uma importante função no que
respeita à determinação da procura e, portanto, à constituição da clientela própria de cada empresa. É que a
procura não pode aqui encarar-se como elemento dado, mas antes como elemento a determinar, em função do
preço praticado pela empresa considerada e dos preços dos bens que concorrem com o seu, mas também em
função da política seguida por cada uma das empresas existentes no mercado com o objectivo de criar uma razão
de escolha dos bens por ela vendidos em vez dos bens das outras empresas, constituindo-se deste modo uma
clientela que deve procurar depois manter fiel.
É evidente que esta política das empresas, no sentido de atrair a cada uma delas uma parcela crescente
da procura global, implica despesas, despesas que acrescerão ao custo da produção do produto, despesas que
serão tanto mais pesadas, para cada empresa, quanto maior for o grau de sucedaneidade entre os bens vendidos
pelas empresas concorrentes da mesma indústria.

 Custos de produção compreendem todas as despesas que é necessário


suportar para criar a mercadoria, para a encaminhar até ao comprador e pô-la à sua disposição, apta a satisfazer as
suas necessidades. Por outra palavras: os custos de produção são custos que visam aumentar a oferta, com o
objectivo de satisfazer a procura.
 Custos de venda andam ligados à existência de uma política de vendas. Esta
pode revestir, fundamentalmente, dois aspectos:
 Uma política de informação do consumidor, destinada a ajudá-lo a fazer a sua escolha;
 Uma política de persuasão ou de sugestão, destinada a fornecer ao consumidor uma razão para
escolher determinado bem, em detrimento dos bens similares vendidos por
outras empresas, procurando aumentar as vendas da empresa que leva a cabo tal política.
De todos os custos suportados por uma empresa na produção e venda de um determinado produto, são
custos de venda os que a empresa suporta para criar ou ampliar a procura para o seu produto. Por outras palavras:
os custos de venda destinam-se a criar, a ampliar ou a segurar a clientela de uma dada empresa.

A formação do preço em concorrência monopolista


Suponhamos um mercado de produtos farmacêuticos. Uma empresa A, lança no mercado um produto
novo, contando com uma determinada curva de procura e, fixando, portanto, perante ela, o preço que mais lhe
convier e que há-de ser, naturalmente, o preço de monopólio, o preço que lhe deixa maior lucro, o preço de
equilíbrio entre a procura e aquela oferta cujo custo marginal se parifica com a receita marginal. A empresa actua,
portanto, como se fosse monopolista.

Ao preço P1, a empresa A encontra uma dada procura (D) que


iguala uma oferta (Q1) obtida a um custo marginal igual à receita marginal. Em face da curva do custo total médio
(CTM), a empresa obtém lucros anormais avultados (área ABCD), pois vende as quantidades que produz a um
custo marginal igual à receita marginal, mas a um preço muito superior ao custo total médio de cada uma das
unidades produzidas e vendidas.
Se A fosse uma empresa monopolista, todas as outras mercadorias seriam apenas concorrentes muito
distantes da mercadoria oferecida por ela, pelo que não haveria possibilidade real de os seus elevados lucros
provocarem alteração do comportamento das outras empresas. Não existiria razão suficiente para suportar que
estas modificassem os seus planos simplesmente porque aquela estava a obter lucros monopolistas. Por definição,
as outras empresas não produzem, em monopólio, o mesmo bem, nem sequer sucedâneos próximos. Não haveria,
pois, que temer a reacção das outras empresas.
Mas A não é uma empresa em situação de monopólio. Estamos, antes, num mercado de concorrência
monopolista e a empresa que aufere lucros de monopólio tem de contar com uma situação bem diversa da
anterior: o mais natural é que as outras empresas os mesmo ramo sejam tentada, em face dos avultados lucros de
A, a produzir mercadorias próximas concorrentes daquelas que A lançou com tanto êxito e que com esta integram
o mesmo produto.
Como todas as empresas dessa indústria produzem bens similares, todas estarão, em princípio, se assim o
desejarem, em condições de anular pela concorrência aqueles grandes lucros anormais. Essa concorrência
traduzir-se-á na constituição de novas empresas a fabricar aquele produto e na ampliação ou adaptação das
empresas já existentes à produção do mesmo produto. A longo prazo, esta reacção das outras empresas acabará
por anular os lucros anormais de A, deixando, afinal, a indústria de ser lucrativa paras as empresas que nela se
instalaram. Isso acontecerá quando todas as empresas tiverem aumentado o oferta total do produto para um
ponto tal que o preço se venha a fixar a um nível igual ao custo total médio.
A longo prazo, portanto, a posição da empresa A e de todas as outras empresas do mercado, quando a
indústria já não proporcionar lucros anormais, está expresso no gráfico seguinte.
Como se operou esta modificação? De acordo com o seguinte processo: com o lançamento de bens
similares por parte das outras empresas aumenta a oferta total do produto e a procura que se dirigia à empresa A
diminui, pois o mercado encontra-se agora repartido por um número maior de vendedores. Assim, a procura que
se dirige a A irá diminuindo à medida que a oferta total do produto for aumentando, e diminuirá até ao ponto em
que o preço desce ao nível do custo total médio (CTM), pois só então desaparecem os lucros anormais, cessando,
por conseguinte, o incentivo à concorrência das restantes empresas. E demonstra-se que a curva da procura
(Reméd) é tangente à curva do custo total médio (CTM) num ponto que corresponde à parificação Cmarg = Rmarg.
Se, uma vez anulados os lucros anormais pela concorrência, uma das empresas os quiser recuperar, terá
de recorrer a campanhas de publicidade ou então lançar um novo produto. Contudo, se os lucros anormais
renascerem, todo o processo anterior se refará.
Se as empresas, porém, laborarem com diferentes custos, mas não houver obstáculos à criação de novas
empresas com curvas de custo idênticas às de qualquer das empresas existentes, cada uma das empresas sofrerá a
concorrência de produtos similares fabricados a custos iguais, até que todas as empresas vendam esses produtos a
preços iguais ao custo médio. O que poderá acontecer é que sejam eliminadas as empresas que trabalham a
custos mais elevados, em consequência de a sua procura baixar a um tal ponto que lhes não permita praticar um
preço capaz de cobrir o custo médio a que produzem as unidades procuradas àquele preço.
Quer dizer: o preço que a longo prazo por se estabelecer no mercado de concorrência monopolista é um
preço de equilíbrio entre a procura que se dirige a cada uma das empresas e a oferta de cada uma delas, cujo custo
marginal igual a receita marginal e cujo custo total médio iguala o preço.
Isto, se não houver obstáculos à construção de empresas com curvas de custo idênticas às de cada uma
das empresas existentes. Mas, como geralmente os há, acabará por acontecer que as empresas subsistentes, que
trabalham a custos muito altos acabam por vender os produtos a preço igual ao seu custo médio, continuando as
empresas mais eficientes a vender a preço superior ao custo médio, percebendo, portanto, lucros anormais.
O que pode acontecer é que a curva da receita média das empresas em concorrência monopolista venha a
ser mais elástica a longo prazo do que a curto prazo.

Ao fim do processo que, a longo prazo, acabou por anular os


lucros anormais, a procura que se dirige à empresa A não só desceu como se tornou mais elástica.
Neste tipo de mercados, todos os bens fabricados pelas empresas que integram a mesma indústria
tenderão a tornar-se similares com o correr do tempo, na medida que, todas as empresas desejarão produzir o
tipo de bens mais lucrativos. Por outro lado, se entrarem novos produtores na indústria, tal pode significar que em
vez de se produzir, digamos, 20 automóveis similares, passarão a produzir-se agora 40. E isto, por sua vez, significa
que cada um desses automóveis tenderá a ser mais parecido com os demais do que era anteriormente.
Ora, quanto mais próximos forem os sucedâneos tanto mais elástica virá a procura do produto para
qualquer empresa dessa indústria. Se assim for, poderá dizer-se que a concorrência monopolista é uma forma de
mercado que se assemelha mais à concorrência perfeita do que ao monopólio.
Em concorrência monopolista o preço é superior ao da concorrência perfeita; além disso, as quantidades
oferecidas em concorrência perfeita são superiores em concorrência monopolista.
Verifica-se, pois, que é menor a utilização de capacidade de produção em concorrência monopolista, o
que é comprovado pelo facto de a curva da procura que se dirige a cada uma das empresas neste tipo de
mercados ser tangente à curva do custo total médio (CTM) num ponto em que este ainda é decrescente: isto
significa que todas as empresas produzem menos do que poderiam produzir e que produzem a um custo médio
superior ao custo médio mínimo. Diz-se, por isso, que o equilíbrio realizado em concorrência monopolista é um
equilíbrio de desperdício.
A concorrência monopolista acarretará acentuado prejuízo social quando:
1) A elevação de custos e preços provocados por se estar a trabalhar longe de plena
capacidade for muito grande;
2) Os custos vierem sobrecarregados com encargos de venda inúteis, meramente
“concorrenciais”, como é o caso de certas formas de publicidade e de diferenciação artificial, ainda por cima
enganadoras dos compradores;
3) Subsistirem preços exagerados em comparação com os custos, por não ser fácil a activação
da concorrência mediante a entrada de novas empresas.

Oligopólio
Noção
O caso mais simples de oligopólio é o do duopólio, situação em que toda a oferta é feita apenas por duas
empresas. Simplesmente, apesar de só serem duas, a sua conduta estrutura-se, fundamentalmente, como a
conduta de quaisquer outros oligopolistas. A análise do duopólio não se difere, portanto, da análise de todos os
restantes oligopólios.
Característica do oligopólio é, portanto, a concorrência entre um pequeno número de grandes empresas,
embora ao lado destas grandes possam coexistir algumas empresas menores. Elementos importantes na
caracterização das situações oligopolistas são ainda a dificuldade de entrada de novas empresas no mercado e o
comportamento de cada uma das empresas, com a consequente indeterminação da procura com que pode contar
cada empresa.

Explicação do oligopólio: a dificuldade da entrada de novas empresas na


indústria
Mas por que é que em certos mercados o número de vendedores é diminuto?
A situação de oligopólio tem uma de duas explicações:
1 - Uma vezes, o número de produtores e, portanto, de vendedores é diminuto porque a dimensão
correspondente ao custo médio mínimo possível é grande em relação à procura total de mercadoria.
Suponhamos que a procura total é de 5000, e que o menor custo médio mínimo se atinge quando se
produzem 1000. Se assim acontecer, basta que cinco empresas alcancem essa dimensão de custo mínimo para que
o mercado fique suficientemente abastecido.
2 - Outras vezes, a situação de oligopólio explica-se por haver obstáculos à formação de novas empresas.
E os obstáculos podem ser legais ou de facto.

A - Encontramos um obstáculo legal no caso de as 4, 5 ou 6 empresas daquela indústria terem os seus


processos de fabrico patenteados. Com efeito, se as empresas existentes gozam de patentes de invenção, não
poderá instalar-se nenhuma outra usando os mesmos processos de fabrico, e isso é, porventura, impedimento
bastante para que qualquer novas empresa se forme.
Um obstáculo legal pode resultar também da exigência de uma autorização dos poderes públicos para a
constituição de novas empresas. Nestas condições, se o governo conceder poucas licenças de instalação de novas
unidades, continuarão no mercado apenas já existentes, em pequeno número.
B – Além de obstáculos legais, pode haver obstáculos de facto. Assim:
 Trata-se de uma indústria cujo exercício requer capitais consideráveis, e esses capitais
são extremamente difíceis de obter, em certa época. Não é natural, portanto, que se criem muitas empresas. O
aumento do volume inicial de investimento tem sido, em várias indústrias, o factor que mais tem dificultado o
acesso de novas empresas a essas indústrias, já “ocupadas” por grandes empresas.
 Ou trata-se de uma indústria cujas empresas reagem fortemente ao aparecimento de
qualquer competidor, procurando arruiná-lo por meio de luta de preços. Também não é natural que os capitais
queiram arriscar-se, e a indústria lá fica nas mãos das poucas empresas existentes.
 Por outro lado, as empresas existentes beneficiam do facto de haver diferenciação do
produto. Na verdade, as campanhas de publicidade colocam as que pretenderem no mercado em situação
desvantajosa, no plano dos custos, pois uma empresa recém-chegada ao mercado, para poder captar uma parte da
clientela já consolidada das empresas já existentes terá de suportar enormes despesas iniciais de publicidade, se
quiser compensar as vantagens acumuladas pela publicidade que anteriormente vinham fazendo as grandes
empresas já instaladas na “indústria”.
 Acresce que a nova empresa teria que lançar-se apenas com alguns tipos de produtos,
enquanto as empresas já existentes apresentam uma gama variada de produtos e de preços.
 A estabilidade ou a diminuição da procura dos produtos dessa indústria.
 A imperfeita mobilidade dos “factores de produção”.
 A indivisibilidade dos recursos produtivos, o que significa que quando são avultados os
investimentos em capital fixo, as empresas novas têm que suportar pesados custos fixos iniciais.
 A importância dos serviços de venda e distribuição, que implicará a necessidade de a
nova empresa organizar o seu sistema de vendas por grosso e a retalho, tendo que suportar despesas iniciais
muito elevadas para poder competir com as grandes empresas já existentes, conhecedoras do mercado e
conhecidas dos consumidores, que dispõem de uma clientela mais ou menos fiel, com a qual estão em contacto
através de tentaculares redes de distribuição e comercialização, em que ganha relevo o sistema dos
representantes exclusivos.
C – Entre os obstáculos de facto, ganha particular importância a acção preventiva das empresas
existentes.
 Política do preço-limite fixação – de preços abaixo do nível de máximo lucro a curto
prazo, como forma de afastar, a longo prazo, eventuais concorrentes. É esta uma forma de actuação característica
dos mercados em que um pequeno número de (grandes) empresas produz um bem simples e homogéneo.
 Estratégia do investimento em massa: a empresa tira partido da indivisibilidade do
investimento – aumenta o seu capital fixo mais do que é exigido pelo aumento da procuro, de modo que o
equipamento não esteja nunca completamente utilizado. Nestas condições, se a procura se dirige à indústria
aumenta, as empresas instaladas responderão imediatamente com o aumento da oferta, não deixando a eventuais
interessados de fora da indústria qualquer hipótese de virem ocupar o novo espaço aberto pelo alargamento da
procura.
 Controlo do acesso aos “factores de produção”: as empresas existentes procuram
tornar possível ou muito custosa para as novas empresas a obtenção de matérias-primas, de equipamento, de
recursos financeiros.

Se estes diversos factores permitem explicar as dificuldades de entrada de empresas novas, eles
permitem também compreender o desenvolvimento de formas especiais de entrada: nas indústrias novas, as
grandes empresas que já operam noutras indústrias estendem a sua esfera de actuação; nas indústrias já
estabelecidas, as grandes empresas diversificam ao mesmo tempo os seus produtos e os seus preços. Elas têm,
com efeito, os meios necessários para desenvolver os laboratórios e pôr em prática ideias novas.

O comportamento das empresas oligopolistas


Duas características distintas de oligopólio:
a) Oligopólio perfeito ou sem diferenciação do produto – hipótese em que o produto é tão
homogéneo que uma redução do preço por uma empresa conduzirá imediatamente a idêntica redução por todas
as restantes empresas na indústria. Cada empresa age na suposição de que qualquer mudança de preços iniciada
por ela será imediatamente seguida por uma mudança semelhante dos preços dos seus concorrentes. Os produtos
das várias empresas são tão semelhantes que não pode haver mais do que um preço no mercado.
b) Oligopólio imperfeito ou com diferenciação do produto – hipótese em que a redução de
preço por uma empresa não atrairá imediatamente todos ou a maior parte dos clientes das outras empresas.
Nestas situações, cada uma das empresas oligopolistas conta com uma clientela mais ou menos segura para o seu
produto. O facto de algumas empresas ficarem a vender a preços mais altos do que o estipulado por outra não
acarreta a perda de toda a clientela porque a diferenciação dos produtos constituirá uma razão de escolha para a
maior parte dos compradores habituais desses produtos. Por isso mesmo, é mais fácil, neste tipo de oligopólios,
que uma das empresas se disponha a tentar ganhar vantagem sobre as outras baixando o preço do seu produto,
na suposição de que, durante algum tempo, as outras não reagirão.

De qualquer modo, nestes mercados, concorrem entre si um pequeno número de grandes empresas que
pertencem à mesma indústria, que vendem o mesmo produto. Ora este facto obriga cada uma das empresas a ter
sempre em conta o efeito da sua acção sobre o comportamento das outras empresas, uma vez que a sua própria
situação e actuação serão influenciadas pelo comportamento das suas concorrentes.
O estado de espírito, a atitude, o comportamento de cada um dos poucos grandes vendedores neste
mercado é talvez mais determinante das respectivas características do que o pequeno número de empresas em
concorrência.
Em oligopólio, a curva de vendas de uma empresa não pode ser dada, isto é, cada empresa, em face de
uma pretendida variação do preço dos bens que ela vende, não pode contar apenas com a reacção dos
compradores perante aquela variação do preço, pois ela depende do que as outras empresas fizerem,
especialmente das suas políticas de vendas, sendo certo que a reacção das outras empresas tem, neste tipo de
mercado, considerável influência sobre o preço.

A indeterminação da procura e afixação do preço


Em virtude da importância das reacções das outras, nenhuma empresa pode contar com uma
determinada curva de vendas. Na verdade, se uma empresa, v.g., baixar os seus preços, a provável reacção das
outras, baixando os preços, faz com que a empresa que primeiro baixou o preço acabe por não beneficiar de
nenhum aumento ou só obter um pequeno aumento da procura que a ela se dirige.
Se considerarmos a hipótese de uma empresa subir o seu preço, ficará sem clientela ou verá muito
reduzida a sua procura. Quer dizer: a preços superiores aos estabelecidos no mercado, a procura que se dirige a
cada empresa é muito elástica; a preços inferiores, é pouco elástica.
As empresas oligopolistas só podem determinar a curva da procura dos seus artigos depois de lhes
fixarem um preço; não podem fixar-lhes um preço, em face de determinada curva da procura.
E é esta indeterminação da procura que, precisamente, caracteriza o oligopólio. Quer dizer: temos
oligopólio sempre que o número de empresas é tão pequeno que a procura dos produtos de qualquer delas se
torna indeterminada.
Porque assim é, a concorrência ao nível de preços não convém às grandes empresas deste mercado, pelo
que o equilíbrio do mercado não se estabelecerá mediante a luta de preços.
Também não pode encarar-se a hipótese de equilíbrio através do mecanismo de atracção de novas
empresas, em face dos lucros anormais do sector, até que estes desparecessem ou diminuíssem, pois já se viu que
é muito difícil a entrada de novas empresas.
Como se forma então o preço neste mercado?
Cada uma das empresas há-de nortear-se pela ideia de cativar a sua clientela, por forma a aproveitar da
sua fidelidade se porventura algumas outras empresas baixarem o preço.
No oligopólio com diferenciação do produto, o perigo de um guerra de preços é menor do que no
oligopólio perfeito, já que os produtores não responderão tão prontamente a reduções de preço como quando
não existe diferenciação: o receio de perder a clientela (alto do preço) ou de provocar a reacção violenta das
outras (baixa do preço) é menor no oligopólio imperfeito.
No fundo, a ideia-base é a de que os oligopolistas pretendem evitar complicações: daí que, em oligopólio
com diferenciação de produto, os preços se mantenham inalterados durante largo período. Os preços rígidos
correspondem a uma face dos concorrentes no seio da indústria, do mesmo modo que a política do preço-limite
corresponde à preocupação de segurança em face de concorrentes potenciais.
De facto, é bem deparar-se com uma concorrência muito viva entre oligopolistas, embora sem ser dirigida
aos preços e zonas de mercado:
a) Pode ser concorrência pela publicidade, com gigantescas campanhas em que, a algum
eventual benefício para os compradores, se mistura muita fraude ou, pelo menos, um vasto desperdício de
recursos, bem mais utilmente aplicáveis em outros fins.
b) Também aparece a concorrência através das condições de vendas.
c) E ainda há outras formas de competição, como o acesso às fontes de matérias-primas, a
tomada de posições em mercados de produtos sucedâneos ou complementares, e o controlo de redes de
distribuição e de comércio de retalho.
d) Para além de todas esta possibilidades de concorrência, largamente usadas, lança-se mão
da inovação técnica, a qual origina frequentemente, situações de competição muito activa.
e) Ocupar posições em todo o espaço disponível, não deixando sozinhas no terreno as
empresas concorrentes.

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