O autor provoca o leitor ao apontar a definição de trabalho foi o mote de
muitas reflexões para a sociedade ocidental. O cuidado a ter-se nesse caso é
não reduzir o termo a mera “atividade remunerada” e tampouco associar a essência humana ao trabalho, sendo constituído seu conceito na Modernidade. Ao apresentar diferentes propostas de outros autores, o texto afirma que muitas delas são insuficientes e, para melhor análise do termo, é necessária uma reconstrução histórica da sociedade e da palavra em si. Nesse sentido, a reconstrução parte da noção que o trabalho, tal qual conhecemos hoje, é produto do capitalismo industrial. A partir disso, segundo uma visão antropológica, o trabalho é a essência da natureza humana. Tal visão, segundo o autor, pretende não apenas justificar o capitalismo, mas também sacralizar o trabalho. Dessa forma, para essa visão, quem não possui trabalho deixam de ser pessoas. Os psicólogos, dentro dessa estrutura capitalista, como gestores de recursos humanos, legitimam e participam ativamente do processo de reprodução da noção antropológica de trabalho. Suas ações vão além da seleção de pessoas, mas também na motivação para o trabalho e da melhoria de produção. Para compreender melhor tal situação, o autor propõe uma revisitação histórica antes do capitalismo, em uma sociedade em o trabalho não possuía o mesmo significado do atual. Nessa sociedade antes do século XVIII, não havia necessidade de acúmulo de bens e havia satisfação com menos esforço. nessas sociedades, como escreve Doménique Méda (1998, p. 30), “o trabalho não se realiza para o benefício pessoal, muito menos com vistas ao intercâmbio, já que o intercâmbio não tem caráter econômico, não aspira a obter uma exata equivalência, e obedece a outras lógicas mais diretamente sociais (p.18). Ainda, para essa sociedade, a comunidade trabalhava para a própria comunidade (subsistência) e somente com o surgimento do Estado, as pessoas passaram a trabalhar para elas e para os outros, para o Estado. Dessa forma, o trabalho permite a alienação do sujeito, da não reflexão pelo ócio, favorecendo a desigualdade entre os seres humanos. Em um outro contexto, na Grécia antiga, o trabalho era servil, coisa de escravos, sendo sua noção também distinta da atual. A sociedade grega, de maneira geral, não era estruturada pelo trabalho. na Grécia havia um profundo desprezo ao trabalho, o que obviamente teve importantes consequências. Por exemplo, sabemos que os gregos dispuseram de algumas invenções que puderam aperfeiçoar, mas as quais nem se preocuparam em aperfeiçoar e desenvolver (p.19). Para os romanos, ocorre uma noção similar aos gregos sobre o trabalho. Para eles, o salário releva a servidão, sendo o trabalho relegado aos escravos. Ainda, nesses contextos não houve preocupação em desenvolvimento tecnológico, uma vez que não havia necessidade de competição entre mercados, tampouco, necessidade excessiva de produção. Já na ascensão do cristianismo, no período da Idade Média, apresenta- se o germe da valorização do trabalho, mas não vai além disso. Assim, o trabalho ainda continua sendo desprezado. Porém, com Santo Agostinho e com São Benedito, a noção de trabalho começa a se confundir com obra, o ócio passa a ser censurado, sendo a Igreja a promover uma nova concepção. Uma nova consideração do trabalho, que se explica não apenas pelo interesse repentino da Igreja e de seus teóricos pela vida cotidiana dos homens terrenos, mas também pela ascensão social de algumas classes em expansão e em busca de reconhecimento: artesãos, comerciantes, técnicos (p.21). Esse processo histórico conduziu à revolução industrial no século XVIII sendo o Estado como integrador de discursos para uma economia mercantilista. Surgiram taxas de produção e lucro, desenvolvimento de um sistema financeiro, êxodo rural e aumento de poder para uma burguesia emergente. Nascem então a Economia, o almejo à riqueza e a noção Moderna de trabalho, que deixa de ser desprezado e visto como fundamental. Nos séculos XIX e XX a consolidação dessa noção de trabalho passa pela análise de Marx. Nesse sentido, o autor critica Marx pela centralidade dada ao trabalho em sua obra, considerando-o como essência do homem e pela ênfase à economia em função do social e do político. Para Marx, o homem só pode existir trabalhando, ou seja, criando artifícios, substituindo o natural por suas próprias obras. Mas esse pensamento vai além: “o homem somente alcança sua plenitude quando, por meio do trabalho, imprime em tudo que é coisa a marca de sua humanidade (p.25). Ao final do século XIX com o estado de bem-estar gerado pelo trabalho, a II Internacional buscou promover uma melhor relações de trabalho, promovendo uma internalização do trabalho como valor humano fundamental. Dessa forma, o trabalho surge como uma forma de aumentar a riqueza das nações, do social-democrata e depois do trabalho. o novo na sociedade moderna foi que os homens estavam agora impulsionados a trabalhar, não tanto pela pressão exterior, mas pela tendência compulsiva interna que os obrigava de uma maneira apenas comparável a que tivesse podido alcançar um padrão muito severo em outras sociedades (p.27). Nesse sentido, o trabalho passa a ser considerado não apenas como essência humana, mas também como seu principal vínculo com a sociedade. Essa visão apresenta um viés ideológico que busca preservar o lucro do capital e a mais-valia ao mesmo tempo em que converte o trabalho como forma de controle social. Assim, o trabalho por vezes emancipa ou escraviza o indivíduo, mas em todas as condições ele o controla. O autor ainda apresenta que na sociedade atual o trabalho apresenta diferentes funções: integrativa, prestígio social, fonte de identidade social, econômica, fonte de oportunidades para interação, estruturar do tempo, manutenção de atividade obrigatória, fonte para o desenvolvimento de habilidades, transmissão de normas e expectativas sociais, proporção de poder e controle. Ainda, é enfatizado para o cumprimento de todas essas funções o trabalho deve possuir as mínimas condições de qualidade, algo longe do que acontece. o poder do capital alcançou um nível tão alto, que chegou a esconder totalmente o trabalho, colocando-o a seu exclusivo serviço, com os já conhecidos efeitos de desemprego, de trabalho flexível, de precariedade no trabalho (p.30). Diante disso, o autor expõe a necessidade de resgatar a noção que o trabalho deve estar a serviço da vida e não o contrário. A primeira discussão apontada foi a da redução da jornada de trabalho. o trabalho sem freio, sem medida nem objetivo, ao qual se entregou desde o princípio do século, é o mais terrível açoite que sempre castigou a Humanidade, e de que o trabalho se converterá em um condimento dos prazeres da preguiça, em um exercício benéfico ao organismo humano e em uma paixão útil ao organismo social quando seja sabiamente regularizado e limitado a um máximo de 3 horas (p.33).