Você está na página 1de 5

VALOR SOCIAL DO TRABALHO

O trabalho não foi sempre um dos factores estruturantes da vida das pessoas; o seu
significado tem mudado muito nas diversas civilizações e ao longo do tempo. Hoje, o trabalho
não tem o mesmo significado para todas as pessoas. As profissões e as actividades
profissionais constituem um aspecto essencial da vida social e da construção da identidade
individual, mas nem sempre foi assim e nada permite afirmar que será sempre assim.

Nem sempre o trabalho foi uma obrigação: na antiga Grécia, o trabalho era uma
maldição, um sinal de que os deuses não gostavam dos homens. O trabalho constitui, quanto
muito, uma oportunidade para enriquecer e, assim, aceder ao mundo dos mais afortunados,
ao mundo da liberdade e do ócio. (hoje em dia, liberdade e ócio são concedidos aos
reformados).

Durante o Império Romano, Cícero (106 a.c. a 43 a.c.) só é considerado digno o trabalho
da terra e o comércio. Os escravos asseguravam o trabalho manual. Nos nossos dias, continua
a desvalorização do trabalho não qualificado, assegurado em grande parte pelos imigrantes
provenientes de países mais pobres e que aceitam salários mais baixos.

Para os antigos hebreus deviam ocupar o seu tempo entre o estudo dos textos sagrados
e um trabalho manual. Assim, o trabalho tinha um dupla significado: o trabalho manual e duro
representa o expiar do pecado original; o trabalho intelectual, dignificante, constitui uma
forma de salvar a humanidade. Para os primeiros cristãos, a perspectiva é distinta, pois o que é
valorizado não é o trabalho em si, mas os seus resultados. O trabalho justifica-se porque
permite exercer a caridade: o produto do trabalho não se deve acumular, mas antes ser
distribuído pelos mais pobres. O trabalho não é uma virtude em si mesmo, constitui um meio
para obter a graça divina, de alcançar a vida eterna … onde não existe trabalho manual!

Será necessário esperar pelo século XV, com a Reforma de Martinho Lutero, uma
revolução espiritual, para que o trabalho seja encarado como uma forma de servir Deus e
assistir à condenação da inactividade das ordens religiosas contemplativas. A doutrina
Luterana ensina que cada um deve trabalhar e aproveitar o melhor das suas capacidades.
Todos os que podem devem trabalhar e a caridade deve ser feita para a minoria que não é
capaz de se sustentar sozinha (doentes, pessoas com deficiência, …). No século XVI, Calvino vai
mais longe, ao preconizar que o sucesso constitui um sinal de Deus. O trabalho não é uma
actividade egoísta e o seu produto não deve servir para uma vida de fausto, mas antes ser
investido para gerar mais riqueza – Esta é a base da ética protestante a que Max Weber
atribuiu o desenvolvimento do capitalismo moderno.

No século XVIII, o trabalho é um meio de enriquecimento e emancipação. Regula as


relações sociais mas não é valorizado em si. Nos romances da época, os pais pretendem casar
as filhas com um cavalheiro que tenha bens, não pretendem um genro com competências
profissionais.

No século XIX, assiste-se a uma mudança: o potencial individual é valorizado. Assim, é


criada a dicotomia entre trabalho nobre (que implica a criação e produção de bens tangíveis) e

Ileana Pardal Monteiro Página 1


o trabalho alienado (resultante da venda do seu esforço por um salário que irá garantir a
sobrevivência).

Verifica-se, assim, que as diferentes ideologias, culturas, bem como a evolução dos
estilos de vida dão ao trabalho significados e valores diferentes, conferindo-lhe ou não um
carácter obrigatório. Todas estas mudanças têm consequências nas atitudes das pessoas face
ao trabalho: o trabalho rural e artesanal era desempenhado no seio das famílias, beneficiando
de alguma liberdade e autonomia, pois o ritmo de trabalho era essencialmente regrado pelas
estações do ano. Dispunham, contudo de poucas possibilidades para aperfeiçoar a produção.
Os comerciantes asseguravam as trocas: compravam os produtos produzidos localmente e
vendiam os bens necessários aos artesãos e agricultores.

A industrialização, em finais do século XIX, desenvolve a produção de máquinas


agrícolas, reduzindo, assim, a necessidade de mão-de-obra nos campos. Simultaneamente,
desenvolve-se a urbanização, que permite uma maior concentração de pessoas junto das
indústrias, e os transportes que facilitam a distribuição dos bens produzidos. Os jovens deixam
o campo ou o ateliê para assumirem um trabalho assalariado, muitas vezes repetitivo,
orientados por chefias autoritárias e em locais não raras vezes desconfortáveis e sujos. O facto
de juntar os operários num único local permite controlar o trabalho e gerir a produção. Cria-se
a possibilidade de evoluir na carreira, por mérito e as pessoas começam a ter acesso a bens
desconhecidos até então. Contudo o horário de trabalho chega não raramente às 60 horas
semanais. O operário também perdeu a possibilidade de visualizar o resultado do seu trabalho.

http://orbita.starmedia.com/achouhp/historia/revolucao_industrial.htm

http://8e2007.files.wordpress.com/2008/06/historia.pdf

O aumento da complexidade da tecnologia, das competências necessárias ao


desempenho do trabalho e o alargamento dos mercados, conduzem a uma nova forma de
gerir – a organização científica do trabalho, com Frederich Taylor, assente na análise do
trabalho, que pretendia eliminar as actividades e gestos inúteis e também os esforços não
produtivos. É o início do que chamamos hoje a gestão tradicional.

Taylor preconizava a partilha do aumento da produtividade, de modo a que profissionais


e operários tenham interesses comuns. Mas não conseguiu gerar prémios indexados ao
esforço comum, porque os objectivos estavam sempre a mudar e porque a pressão exercida
sobre os trabalhadores era fonte de stress e de fadiga. Julgava que um trabalho mais fácil (com
menor esforço físico) e salários à peça (produção) poderiam unir colarinhos brancos
(profissionais) e operários e motivá-los. Uma maior flexibilidade tornaria a empresa menos
dependente das atitudes e esforços individuais.

Contudo, a prática não confirmou estes prognósticos da “gestão científica”. A


fragmentação do trabalho (como na construtora de automóveis Ford), diminuiu o esforço
individual, aumentou a produtividade e requer rapidez mas pede menos competências por

Ileana Pardal Monteiro Página 2


parte dos trabalhadores. O fordismo entrou em grande parte das indústrias ocidentais tendo
transferido as competências do trabalhador para a máquina: a produção em massa diminuiu o
saber-fazer, a auto-estima e o orgulho de um trabalho bem feito. Contrariamente ao artesão
que visualiza o produto do seu trabalho, por exemplo um par de sapatos, o operário só pode
afirmar que participou em 10% na produção de um par de sapatos, o que não proporciona a
mesma experiência, nem satisfação pelo trabalho realizado.

O trabalho parcelarizado provocou também a separação entre aqueles que estão


encarregues da organização e controlo das tarefas e os executantes, ou seja entre os que
sabem e os que executam: os encarregados e os operários e teve como consequência a
desvalorização social do trabalho manual.

Os operários não se adaptam a condições de trabalho difíceis e não desenvolvem um


sentimento de real implicação para com a empresa. Por seu turno as empresas parecem
esquecer as suas responsabilidades para com os seus trabalhadores. A necessidade de tornar
as empresas mais produtivas levou à diminuição dos níveis hierárquicos, ou seja à
concentração do poder nas chefias intermédias ou nos contramestres. Criou-se um sistema de
prémios para estimular a produção, quer em quantidade, quer em qualidade, e,
consequentemente, os grupos organizaram-se no sentido de diminuir ou manter as quotas de
produção exigidos. O salário assente no mérito recompensa a obediência.

As organizações foram progressivamente transformando-se em mundos sociais


complexos: com uma cultura, coligações de poder, estatutos sociais diferenciados, redes de
controlo e de comunicação diversas.

Ao longo do século XX, a complexidade organizacional aumenta, exigindo que os


trabalhadores assumam como seus os valores da organização – já não bastam as competências
técnicas, são necessárias competências sociais. A experiência permite as promoções (em que
um trabalhador de linha passa a ter funções de enquadramento) ou seja o acesso a funções de
estatuto hierarquicamente superior e a novas competências. Este sistema veio criar uma nova
fonte de motivação.

Assim, na 2ª metade do século XX, encontram-se ainda os diferentes modos de trabalho


que ainda coexistem: o sector agrícola (ainda em declínio no nosso país, que tende a
industrializar-se); o sector industrial (têxtil, calçado, industria automóvel) com o trabalho em
cadeia que elimina muito das competências e do saber individual; outras indústrias que exigem
um conhecimento prático, um saber fazer (como os processos existentes na indústria química)
e finalmente a emergência dos serviços (em franco crescimento na sociedade ocidental) que
permitiu também a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a especialização
das funções da gestão – nascem os serviços financeiros, marketing, vendas, transporte,
recursos humanos …. – anteriormente da responsabilidade do empresário, hoje entregues à
gestão intermédia, libertando a gestão de topo para uma análise estratégica da empresa.

RESUMINDO

Ileana Pardal Monteiro Página 3


Para compreender a evolução do trabalho, há que analisar o contexto político, social e
económico em que se desenvolve a actividade empresarial: o meio envolvente das empresas,
a sua estratégia e estrutura.

O trabalho não é uma obrigação moral universal, constitui uma necessidade que não se
impõe a todos do mesmo modo e cujo significado e valor dependem da ideologia vigente em
dado momento. Assim, são diferentes as representações do trabalho:

− motivações materiais: trabalho a troco de um salário que permite o acesso a bens e


serviços que são valorizados socialmente;
− significado social: o trabalho garante um estatuto, uma pertença a um grupo
socialmente valorizado
− significado individual, na medida em que trabalhar, produzir, contribuir para o
progresso, assegurar um serviço, desempenhar um papel útil … representa a
afirmação da liberdade individual e um fundamento da identidade.

A evolução do trabalho e do seu significado social e pessoal não atinge todas as


categorias socioprofissionais do mesmo modo. Viu-se que a industrialização, ao tornar-se
científica, fez com que os operários perdessem o seu saber fazer (ou seja o que mais valorizava
o trabalho), enquanto os quadros se libertaram das tarefas menos valorizantes da gestão
corrente, ficando com a gestão estratégica, implicando o planeamento.

Ileana Pardal Monteiro Página 4


Levy-Leboyer, C. (2007). Re-motiver au travail. Paris : Eyrolles

Ileana Pardal Monteiro Página 5

Você também pode gostar