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All content following this page was uploaded by Adão Francisco De Oliveira on 01 March 2021.
Resumo
Este texto visa apresentar a abordagem teórica sobre a produção do espaço urbano
a partir do paradigma marxista, buscando romper com a análise monopsista da economia
política marxista através do resgate de um elemento fundamental deste conjunto teórico: a
dialética. A baliza para esta leitura é a consideração da variável espaço na relação já
estabelecida entre relações sociais e forças produtivas. Com isso, pretende-se destacar
dois elementos: primeiro, o fato de que o espaço social é resultado dos fatores de produção
material e de reprodução intelectual; segundo, que a abordagem do método dialético não
pode ser feita de forma mecânica e funcionalista como na perspectiva estruturalista, e sim,
considerando os elementos materiais e imateriais, objetivos e subjetivos, que se articulam
na realidade, negando-se e afirmando-se. Nossa intenção é desvendar o espaço social,
fruto da dinâmica das relações sociais de produção capitalista.
1
Texto publicado na revista Cultura & Liberdade (Revista do NUPAC), ano 2, número 2, abril de 2002,
páginas 61 a 70.
2
Graduado em História e mestre em Sociologia pela UFG. Doutorando em Dinâmica Sócio-Espacial /
Geografia pela UFG. E-mail: adaofrancisco@yahoo.com.br.
3
Dobb considerou como merecedoras de apreciação à altura do trabalho de Marx as análises de Werner
Sombart, que entendeu o capitalismo a partir da “totalidade dos aspectos representados no (...) espírito
burguês de prudência e racionalidade”, e da Escola Histórica Alemã, que o entendia como a “organização
de produção para um mercado distante”, com base na economia monetária (ibdem: 15-16).
2
Por modo de produção, ele não se referia apenas ao estado da técnica – ao que
chamou de estágio de desenvolvimento das forças produtivas – mas ao modo pelo
qual se definia a propriedade dos meios de produção e às relações sociais entre os
homens que resultavam de suas ligações com o processo de produção. Desse modo,
o capitalismo não era apenas um sistema de produção para o mercado – um sistema
de produção de mercadorias, como Marx o denominou – mas um sitema sob o qual
a própria capacidade de trabalho “se tornara uma mercadoria” e era comprada e
vendida no mercado como qualquer outro objeto de troca. Seu pré-requisito
histórico era a concentração da propriedade, dos meios de produção em mãos de
uma classe, que consistia apenas numa pequena parte da sociedade, e o
aparecimento conseqüente de uma classe destituída de propriedade, para a qual a
venda de sua força de trabalho era a única fonte de subsistência. Desse modo, a
atividade produtiva era suprida pela última, não em virtude de compulsão legal,
mas na base de um contrato salarial. (Ibdem: 17).
a produção não se limita à atividade que fabrica coisas para trocá-las. Existem as
obras e os produtos. A produção em sentido amplo (produção do ser humano por
ele mesmo) implica e compreende a produção das idéias, das representações, da
linguagem. Intimamente misturada ‘à atividade material e ao comércio material dos
homens, ela é a linguagem da vida real’. Os homens produzem as representações,
as idéias, mas são ‘os homens reais, ativos’ (1999a: 44).
4
A este respeito ver Lukács, 1989, no capítulo em que trata da reificação e da consciência do proletariado.
4
Com essas formas já definidas ainda no século XVI, as relações sociais de produção
capitalista causaram uma profunda transformação no significado e no sentido do lugar. O
campo, que até então era a sede central de toda a produção e da vida social, teve furtado sua
primazia pela cidade, em função dos novos valores sociais materiais e morais que passaram
a ser produzidos sob a direção da burguesia. Como este processo representou uma mudança
de valores, às cidades isto significou a vingança do mercado sobre a produção agrícola, da
“liberdade” sobre a servidão, do trabalho livre sobre o trabalho compulsório, da praça de
mercado sobre a ágora, da “realidade urbana” sobre a “cité”; significou,
fundamentalmente, a predominância do valor de troca sobre o valor de uso (cf. Lefebvre,
1999b). Dessa forma, a cidade deixou de ser a heterotopia, o lugar de fora, distante, para
(con)formar-se na isotopia, o lugar da identidade e da referência, tornando-se o campo num
lugar marginal nas relações sociais de produção capitalista. Formava-se, assim, um novo
espaço, o espaço do capital.
Consideremos aqui dois elementos. Em primeiro lugar, é importante que fique claro
que essa “produção da humanidade” se dá dentro do e contra o processo de desumanização
dirigido pelas relações de mercado. Ela surge, então, principalmente para a classe
trabalhadora, como uma resposta positiva na luta de classes que se estabelece na sociedade.
Essa produção da humanidade ou, simplesmente, humanização, é garantida pelo encontro
das pessoas na reprodução da vida social e intelectual, no bairro, na rua, na praça, nas
festas. É mais um momento de troca, mas agora de experiências, idéias, opiniões. A
engrenagem que articula e dá vida para a produção capitalista não é desvelada nesses
encontros sócio-intelectuais, mas eles são capazes de permitir aos trabalhadores as
condições para tal desvelamento, pelo fato de que interagem a soma das insatisfações.
6
ESPAÇO
O que está posto aqui é uma relação dialética, em que cada um dos elementos exerce
reciprocamente influência sobre os outros. O fundamento desta dinâmica, o que realmente
vitaliza esta produção social, é a relação homem-natureza / homem-homem. Ao buscar criar
as condições que satisfaçam as suas necessidades, quando “tão logo começam a produzir
seus meios de vida” (Marx, 1993: 27), necessariamente o ser humano transforma a
natureza, pois é dela que ele retira tais condições de vida e, conseqüentemente, transforma a
7
sua própria natureza física, intelectual e social. Essa natureza exterior ao ser humano pode
ser a natural e a transformada, artificial. Como a sua existência em todas as dimensões
revela ao ser humano mistérios, ou seja, como este nunca consegue ter um conhecimento
total da natureza, a melhor forma de ação sobre esta, até mesmo pela limitada dimensão
física do ser humano, é a social, através da organização corporal da sociedade. Assim, para
garantir a sua sobrevivência, o ser humano estabelece determinadas relações sociais
(organização corporal da sociedade, divisão do trabalho), de acordo com o espaço que
ocupa (elementos que se encontram dispostos na natureza e que o ser humano necessita
para a produção dos meios de vida), e cria os instrumentos necessários – as forças
produtivas – para fazer sua intervenção.
alcance desses objetivos materiais como sendo uma práxis revolucionária pode, em
princípio, parecer uma contradição com a teoria marxista que alimenta todas as teses
utilizadas neste trabalho. Porém, esta aparência se dissipa quando esclarecemos que o
enfoque de nossa análise volta-se para o âmbito micro-social. Neste, a dinâmica de
reprodução da vida apresenta-se diferente daquela percebida no âmbito macro-social. A
análise da vida cotidiana com enfoque ao bairro nos permite enchergar os “por menores”
das relações sociais, revelando de forma mais sistemática as movimentações feitas pelas
classes.
A centralidade não é indiferente ao que ela reúne, ao contrário, pois ela exige um
conteúdo. E, no entanto, não importa qual seja esse conteúdo. Amontoamento de
objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças de mercado,
multidões, pessoas caminhando, pilhas de objetos variados, justapostos,
superpostos, acumulados, eis o que constitui o urbano. (1999b: 110).
Para Lefebvre, a identidade urbana, codificada pelo sistema geral, forma uma
isotopia, ou seja, um campo de identidades, que coincide com o próprio sistema de
produção. Nela todos se orientam para o trabalho, para o lazer, para a ocupação do espaço.
Entretanto, como esse sistema é contraditório, essa identidade, essa isotopia, produz a
própria exclusão, ou melhor, a diferença, compreendida como heterotopia, o lugar de fora,
do outro. É na heterotopia que se formam os sistemas secundários, permitindo-nos enxergar
as desigualdades da estrutura social pela formação de subprodutos de poder, signos,
códigos e símbolos; de hierarquia. Mas até mesmo muito mais do que isso: na constituição
de um movimento social.
3. Considerações finais
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Segundo Gottdiener, os cientistas sociais marxistas (principalmente nos EUA) a partir da década de 70
estiveram preocupados em aperfeiçoar a abordagem crítica sobre o espaço urbano. Isto levou-os a travarem
uma “discussão polifônica” na tentativa de romper com a lógica estruturalista vigente. Neste sentido,
trabalharam a economia política marxista, enfatizando os processos de conflito de classes e suas
conseqüências processuais e a lógica da acumulação de capital. Os problemas com relação a essas abordagens
resumem-se, dentre outros, no fato de que sua visão sobre a realidade urbana se dá de forma monocêntrica; a
estrutura social é rigidamente dividida em duas classes, ignorando as frações de classes; o valor do espaço é
exclusivamente de troca, e nunca de uso (1993: 77-114).
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Bibliografia