(IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010). Profª. Maria Custódia. CAPÍTULO I Quanto mais se desenvolve o processo de produção capitalista, mais as relações entre os homens – e deles consigo mesmos – se tornam alienadas. “O pensamento fetichista transforma as relações sociais, baseadas nos elementos materiais da riqueza, em atributos de coisas sociais (mercadorias) e converte a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro) ”. (p. 26). As estruturas onde se centram os polos de produção (fábrica, indústria, etc) se tornam o centro de toda a vida social e cotidiana, se localizam todas as formas de organização, inclusive de ideológica. O fordismo, ao racionalizar e simplificar o processo de trabalho através da eliminação de tempos e movimentos supérfluos, exige uma nova antropologia – uma humanidade nova – nos planos da ação prático-laborativa, ideológico-cultural e auto-representação política, conseguindo centrar toda a vida do país na produção: “a hegemonia nasce na fábrica e necessita apenas, para ser exercida, de uma quantidade mínima de intermediários, profissionais da política e da ideologia. (p. 27). Trata-se de muito mais exigência do que o simples processo de trabalho, é necessário que a vida do trabalhador esteja totalmente subjugada ao processo de produção. Subsunção real da sociedade ao capital O trabalho não se resume ao trabalho concreto. Ele não pode ser dissociado de sua historicidade perante o capital, não pode ser reduzido a sua dimensão técnico- material. Existe uma relação indissociável entre a existência material das condições de trabalho e a forma social pela qual ele se realiza. No capital, há uma intensa inversão de valores, no sentido de que: materializam- se as relações sociais e personificam as coisas. Nem todo trabalho realizado ganha a forma valor, ele só o ganha na medida em que pode ser inserido no mercado da “troca de coisas”. “O valor é uma determinada relação social tomada como coisa”. (p. 32). O trabalho que cria um valor, é uma forma específica de trabalho útil que produz algum produto de valor de uso determinado, a partir do suporte de um trabalho técnico- material concreto manuseado por um produtor individual. O valor de uma mercadoria é calculado a partir da quantidade de trabalho abstrato necessário para a produção, o que vai depender da produtividade do trabalhador, das relações de produção e do desenvolvimento das forças produtivas. Na sociedade capitalista, os produtos possuem valor de uso (atende a necessidades sociais, é a materialidade do tempo necessário para a sua produção) e valor de troca (sua capacidade de ser trocado por outro produto em igual proporção). Todo processo de produção é um processo de reprodução. O processo de produção capitalista é o próprio capital, uma relação social, que se produz e reproduz em nível ampliado, mundializado. Mais-valia: fruto de um tempo de trabalho não pago, apropriado sem equivalente pelo proprietário dos meios de produção. “O capital não produz só capital: produz uma massa de força de trabalho sempre crescente, única substância que, ao ser transformada em trabalho, lhe permite funcionar como capital”. (p. 35). O trabalhador produz as condições de existência do capital, e o capital produz e reproduz o próprio trabalho (na figura do trabalhador) como meio de realização do próprio sistema. O capital funciona sob mãos fantasmas. Ao vender a sua força de trabalho ao capitalista, o trabalhador não consegue reconhecer seu explorador, observa a divisão do trabalho, as aplicações da ciência na produção, os produtos do trabalho, a maquinaria, como sendo esses os meios pelos quais eles são explorados. “Enfrentam o trabalhador como coisas que lhe são alheias e que o dominam”. (p. 36). As formas de organização e de cooperação social entre os trabalhadores não lhes pertencem, são a eles impostas. Se os meios de produção podem ser usados coletivamente em larga escala, significa que a expressão coletiva do caráter social do trabalho e das forças produtivas funcionam para isso. “O capitalista, portanto, só é poderoso enquanto personificação do capital; só é “produtivo” como coerção ao sobretrabalho e representante das forças produtivas sociais do trabalho, as quais são transpostas como propriedades objetivas do capital”. (p. 36). A mistificação do capital não permite que se note a origem dos lucros e do aumento expansivo do capital: “capital, terra e trabalho aparecem como fontes, respectivamente, de juros, renda fundiária e salário”. (p. 36). Entretanto, essas grandezas são todas expressões do mesmo valor produzido anualmente pelo trabalho produzido pelo trabalhador. A produtividade do capital mistifica suas formas e consequências para que o trabalhador não só se submeta, mas não enxergue nos bens e meios de produção, o fruto do seu próprio trabalho. “[...] como e por meio de que o trabalho revela sua produtividade ou se manifesta como trabalho produtivo frente ao capital? ”. (p. 38). Para realizar um trabalho produtivo, não é necessário que o trabalhador esteja pessoalmente com a mão na obra, basta que ele esteja vinculado a um órgão de um trabalho coletivo que gera capital. “[...] apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para um capital ou serve a autovalorização do capital”. (p. 38). Ser um trabalhador produtivo é uma sorte e um azar ao mesmo tempo. Sorte por fazer parte do processo de produção e garantir condições – ainda que insuficientes – de vida; azar por estar subsumido ao capital. “A produtividade do trabalho é a produtividade do capital”. Para o trabalhador, o trabalho produtivo é o modo pelo qual ele reproduz sua força de trabalho e, portanto, sua condição de classe. O resultado do processo de produção capitalista não é o produto (que possui valor de uso), nem a mercadoria (que possui um valor de uso que se converte em valor de troca), mas a produção da mais-valia. Unidade que permite a sua reprodução. O termo “trabalho produtivo” é um termo para abarcar toda essa lógica de produção e reprodução da força de trabalho e do próprio capital. O trabalho produtivo não tem a ver com um tipo específico de trabalho. Uma cantora por vender seu produto autonomamente (considerado trabalho improdutivo), mas se vende o seu produto a partir do contrato com um empresário, produz capital e, portanto, realiza trabalho produtivo. O trabalho produtivo permite que o capitalista tome posse do valor variável do capital (o que é pago em salários), e também permite a posse de mais-valia, isto é, do excedente produtivo pelo trabalho e não pago a ele. Quando mais se adensam as relações capitalistas, mais se distanciam as relações entre o trabalho produtivo e o improdutivo: “A tendência é que os primeiros produzam exclusivamente riqueza material sob a forma de mercadorias – afora a força de trabalho –, e os segundos realizem em grande parte, exclusivamente prestação de serviços pessoais que são trocados por renda”. (p. 42). “[...] trabalho produtivo é o que repõe o que consome, e trabalho improdutivo o que não reembolsa os seus gastos”. (p. 42). Não é demais reafirmar que o critério determinante que afirma o caráter de trabalho produtivo não é o conteúdo do trabalho ou sua qualidade compatível com a produção capitalista, na qual se produz mais-valia para o empregador, transforma as condições objetivas de trabalho em capital, seu proprietário em capitalista e cria o seu próprio produto como capital. (p. 43). Não é verdadeiro que o trabalho se expresse somente através de coisas materiais, mas todos os ramos do trabalho (intelectual ou braçal, material ou imaterial) possuem produtos, e todos são submetidos à lógica do capital. O trabalho desenvolvido pelos servidores públicos – e demais trabalhadores do Estado – não faz parte do processo de trabalho produtivo, isso por eles não estarem filiados à lógica da acumulação capitalistas, não estarem empregados em empresas privadas, mas estão subjugados ao direito público, o que não quer dizer que seu trabalho não seja útil. Entretanto, os trabalhadores do Estado que atuam em empresas que se gestam pelas leis do mercado (como os funcionários do Banco do Brasil e da Caixa) são trabalhadores produtivos. As relações de propriedade se articulam às relações de trabalho de modo as primeiras subordinarem as segundas. A relação entre o empresário capitalista e o proprietário territorial se dá de forma diferente, articulando sujeitos sociais distintos. “[...] o capital cria a forma histórica específica de propriedade que lhe convém, valorizando este monopólio na base da exploração capitalista, subordinando a agricultura ao capital”. (p. 46). Adquirir terra não é adquirir capital, mas adquirir um meio de se produzir renda, de se produzir capital. “É renda capitalizada e não capital”. (p. 47). A fetichização do capital adquire seu ápice no capital que rende juros: “O capital-dinheiro aparece, na sua superfície, numa relação consigo mesmo, como fonte independente de criação de valor, à margem do processo de produção, apagando o seu caráter antagônico frente ao trabalho”. (p. 48). Fetiche: a forma mais coisificada do capital. (D – D’) A expansão do monopólio do capital provoca a fusão entre o capital industrial e o capital bancário, dando origem ao capital financeiro. A concentração da produção e a expansão industrial transformam a competição em monopólio, dando origem a um gigantesco processo de socialização da produção – incluindo os inventos, o aperfeiçoamento técnico e mão-de-obra especializada – que se choca com a apropriação privada. (p. 52). O capital financeiro, monopolista, imperialista, envolve processos sociais inéditos no esquema de acumulação: política e cultura, economia e sociedade, etc. Vincula todos os setores da sociabilidade humana no jogo das forças sociais. “O que é obscurecido nessa nova dinâmica do capital é o seu avesso: o universo do trabalho – as classes trabalhadoras e suas lutas –, que cria riqueza para outros, experimentando a radicalização dos processos de exploração e expropriação”. (p. 55). No capital financeiro, o dinheiro aparece como sendo capaz de criar mais dinheiro, independe de força de trabalho e da matéria prima necessária para a produção. O espaço mundial, nessa nova fase do capital, se torna o espaço do capital. “Santíssima trindade do capital em geral”: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. O capital se homogeneíza sob a heterogeneidade e desigualdade das economias nacionais periféricas. O trabalho se torna flexível, possibilitando ao capital a contratação de mão de obra barata através da terceirização de serviços, subcontratação, etc. Os processos que estão sendo considerados isoladamente, estão, na verdade, incluídos em um projeto de expansão do processo de acumulação do capital: a reforma do Estado, a “crise” do trabalho, os novos modelos de acumulação bancários, etc. “O poder das finanças foi construído com o endividamento dos governos, com investimentos financeiros nos Títulos emitidos pelo Tesouro, criando-se a indústria da dívida”. (p. 60). Os serviços sociais prestados pelo Estado são enxugados, considerando que o fundo público passa a ser capturado para ser aplicado ao mercado financeiro. O trabalho sofre impactos não só no que tange a produção e remuneração, mas no que diz respeito às suas formas de organização, são duramente afetadas para facilitar o processo de retirada e regressão de direitos trabalhistas. O sindicalismo é capturado e empurrado ao esquecimento. Amplia-se o alargamento da jornada de trabalho, acoplada à intensificação do trabalho, estimulada pelas formas participativas de gestão voltadas a capturar o consentimento passivo do trabalhador às estratégias de elevação da produtividade e rentabilidade empresarial. (p. 61). Há uma corrente neoliberal que prega a descartabilidade do Estado, entretanto, este último continua desempenhando um papel chave no processo de produção e acumulação do capital. “O Estado interfere na gestão da crise e na competição intercapitalista, pois, se os mercados transcendem os Estados, operam nas suas fronteiras”. (p. 63). “O predomínio do capital fetiche conduz à banalização do humano, à descartabilidade e indiferença perante o outro, o que se encontra na raiz das novas configurações da questão social na era das finanças”. (p. 64). A desigualdade é uma das particularidades históricas do Brasil. O “moderno” se constrói sobre o “arcaico”, reajustando características da herança colonial e reestabelecendo cada uma delas nos moldes do capital. Para compreender o desenvolvimento histórico do Brasil, é preciso considerar o seu lento desenrolar, tendo sempre que considerar os traços retrógrados no tempo presente. “A economia brasileira relacionou-se com a expansão monopolista segundo a forma típica que assumiu na periferia dos centros mundiais”. (p. 67). O desenvolvimento do capitalismo no Brasil não se deu de forma autônoma, nem a burguesia se gestou sob orientação democrática, pelo contrário, foi marcada pela “democracia restrita”, restrita aos segmentos dominantes da burguesia. “O País transitou da “democracia dos oligarcas” à “democracia do grande capital”, com clara dissociação entre desenvolvimento capitalista e regime político democrático”. (p. 66). A dependência – advinda do período colonial – se manteve. O Estado se coloca à disposição da burguesia, unindo e fortalecendo seus interesses. A debilidade da democracia do Brasil está intimamente relacionada com o processo de revolução burguesa do país. A revolução burguesa do País nasce marcada com o selo do mundo rural, sendo a classe dos proprietários de terra um de seus protagonistas. Foi a agricultura que viabilizou historicamente a acumulação de capital de âmbito do comércio e da indústria. Aos fazendeiros, juntaram-se os imigrantes que vinham cobrir as necessidades de suprimentos de mão-de-obra no campo e na cidade. (p. 70). As respostas dadas a crise de 1970 alteram as configurações do trabalho, bem como as exigências postas a ele. O capital reconfigura todo o mundo do trabalho em prol da crescente acumulação de capital, o avanço tecnológico se torna um grande aliado no processo de competitividade, além da exigência de trabalhadores polivalentes, o que amplia ainda mais o exército de reserva. As mais importantes expressões da questão social são: o retrocesso no emprego, a distribuição regressiva de renda e a ampliação da pobreza, acentuando as desigualdades nos estratos socioeconômicos, de gênero e localização geográfica urbana e rural, além de queda nos níveis educacionais dos jovens. (p. 75). O assistente social se defronta com a realidade social em duas frentes: de um lado, o alargamento dos usuários dos serviços sociais, cada vez mais dependentes desse atendimento; de outro, o enxugamento das políticas sociais ofertadas, o número limitado de atendimentos e benefícios disponíveis, em contrapartida, à mercantilização desses serviços sociais. “[...] a diretriz é cobrar os serviços sociais, transformando-os em mercadorias, cuja precondição foi a desqualificação e desfinanciamento das instituições públicas em nome da “crise fiscal do Estado””. (p. 76). Página 78