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BYUNG-CHUL HAN, nascido   e m   Seul,  é   considerado um do doss   filósofos  


   
mais  interessantes  da  atualidade. Ex-professor da  Staatliche  Hochschule  
für   Gestaltung,  e m   Karlsruhe,  atualmente   leciona   filosofia   e   estudos  
culturais  na  Universität de derr Künste, e m  Berlim, e  é  autor de  ensaios  sobre  
a   globalização  e  a   hipercultura.

Uma possibili
Uma  dade infinita de conexão e informação nos torna 
 possibilidade
verdadeiramente  livres? Partindo
sujeitos  verdadeiramente
sujeitos Partindo  dessa questão, Han 
delineia a nova sociedade do controle  psicopolít ico, que não se 
psicopolítico,
  proibições
impõe com proibiçõ es e não nos obriga ao silêncio: convida-nos 
incessantemente a nos comunicar, a compartilhar, a expressar  
opiniões e desejos, a contar  nossa vida. Ela nos seduz com um 
rosto amigável, mapeia nossa  psique
psique e a quantifica através dos 
¿(g data, nos estimula a usar  dispositivos de automonitoramento. 
 No  pan-óptico digital do novo milênio - com a internet e os 
smartpliones - não se é mais torturado,  ma mass tuitado ou  postad o: 
postado:
 produtores de massas de dados 
psique se tornam produtores
o sujeito e sua  psique
 pessoa
 pessoaisis que são constantemente monetizados e comercializados.  
te ensaio, Han se concentra na mudança de  paradigma
 Neste
 Nes paradigma que 
estamos vivendo, mostrando como a liberdade hoje caminha 
 para uma dialética fatal transformando-a em constrição:  para 
para a livre 
redefini-la, é necessário tornar-se herege, voltar-se  para
para a não conformidade.
escolha,  para
 

 
BYUNG-CHUL
Psicopol  ___ _ _ _ _ _ _HA
 itica _ HAN
_ _ _N
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 
0   neoliberalismo  e  a s  novas  técnicas  d e   pod
 p odee r 

_  Maurício Liesen 
tradução   _ 
preparação   _  _  Ligia  A
 Az
zevedo 
revisão   _  Ana Martini, Fernanda  A
_   An  Alv
lva
ares
 

SUMARIO

 
9 CRISE DA  LIBERDADE
 
2 5 PODER INTELIGENTE
2 9   A TOUPEIRA   A SERPENTE
E

3 3   BIOPOLÍTICA
3 7  DILEMA DE FOUCAULT
O

45   A CURA COMO ASSASSINATO
4 9   CHOQUE
5 5    AMÁVEL GRANDE IRMÃO
O

59    CAPITALISMO DA EMOÇÃO
O

6 9 GAMIFICAÇÃO
 
7 7 BIGDATA
 
1 0 5 PARA  ALÉM DO SUJEITO
1 0 9   IDIOTISMO
 

Proteja-me do que quero
Jenny Holzer 
 

 
CRISE DA LIBERDADE _ _ _ _ _ _ _ _ 
A exploração  d a  liberdade _
 ___ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 

A liberdade terá sido episódica. Um episódio no senti
do de entreato, de conexão entre  partes.
 partes. Esse sentimento de 
liberdade se instaura na  pa
 pass
ssagem  de uma forma de vida à 
agem
outra até que esta também se mostre como um modo de 
coerção. Assim, uma nova forma de submissão sucede à li
uma
 berta
 bertação. E esse o destino do sujeito, qu
ção. e literalmente signi
que
fica «estar  submetido».
Hoje, acreditamos qu
Hoje,  e nã
que o somos sujeitos submissos, mas
não

 projetoss livres, qu
 projeto que
e se esboçam e se reinventam incessante
mente. A  pas passa
sagem do sujeito ao  proje
gem to é acompanhada 
 projeto
lo sentimento de liberdade. E esse mesmo
 pelo
 pe mesmo   proje   já não 
to já
 projeto
se mostra tanto como uma figura de coerção, mas sim como 
uma
um forma mais eficiente de subjetivação e sujeição. O «eu» 
a  forma
como  proj eto, qu
 projeto, acreditava  ter  se libertado das coerções
e acreditava
que

externas e das restrições impostas  por  outros, submete-se 
agora a coações internas, na forma de obrigações de desem-
o e otimização.
 penho
 penh
Vivemos em um momento histórico  par
 partic
ticular, no qual 
ular,
a  própria liberdade  pro
 própria  provoca coerções. A liberdade de  poder 
voca poder  

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(Können)  pro duz até mais coações do que o dever  (Sollen) 
 produz
disciplinar, que expressa regras e interditos. O dever  tem  tem um 
limite; o  poder 
poder  não. Portanto, a coerção  provenient
proveniente e de  po
po 
der  é ilimitada e,  por 
por  esse motivo,
motivo,  encontramo-nos em um umaa 
liberdade  é a antagonista da coerção. 
situação  paradoxal. A liberdade
Ser  livre significa estar  livre de coerções. Ora, mas essa liber 
dade ququee deveria ser  o contrário da coação também  produz produz 
ela mesma coerções. Doenças  psíquicas, como depressão ou 
burnout 1 são expressões de um uma a  pro
 profunda crise da liberda
funda
de: são sintomas  pat
 patol
ológ
ógico hoje  ela se transforma 
icoss de que hoje
muitas vezes em coerção. O sujeito do desempenho, qu e se 
que
 julga livre, é na realidade um servo: é um servo absoluto, na 
medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a 
si mesmo.  Nenhum senhor  o obriga a trabalhar. O sujeito 
absolutiza a vida nua e trabalha. A vida nua e o trabalho
trabalho  são 
dois lados de um
umaa mesma moeda: a saúde representa o ideal 
da vida nua. A esse servo neoliberal a soberania é estranha, 
ou melhor, a liberdade daquele senhor  que, segundo a dialé
tica hegeliana servo-senhor, não trabalha e apenas goza. Essa 

soberania do senhor  consiste em elevar-se além da vida nua e, 
consequentemente, em aceitar  até mesmo a  própri a morte.
própria

 
I _ Também conhecido como síndrome
síndrome  do esgotamento profissional 
rN.T,].

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Esse excesso, essa forma excessiva de vida e gozo, é estranha 
ao servo trabalhador,  preo
 preocupado co
cupado m a vida nua. Ao con
com
trário da suposição hegeliana, o trabalho não liberta o servo:

no obriga também o senhor  a trabalhar: a dialética hegeliana 
servo-senhor  conduz à totalização do trabalho.
 
O sujeito neoliberal como empreendedor  de si mesmo 
é incapaz de se relacionar  livre de qualquer   propósito.
propósito. Entre 
empreendedores não surge amizade desinteressada. Co
Con
n
tudo, ser  livre significa originalmente estar   com amigos. 
Liberdade (Freiheit) e amigo (Freund)  possuem a mesma 
 possuem
raiz indo-europeia. Fundamentalmente,  a liberdade é uma 
 palavra relacionai. Só no noss sentimos realmente livres em um 
relacionamento   bem
relacionamento  bem-su-suced ido, em um feliz «estar  junto».
cedido,  junto». 
O isolamento total  para para o qual conduz o regime neoliberal 
noss torna livres de fato. Assim, nos dias de hoje, coloca- 
não no
-se a  pergunta para escapar  à fatídica dialética da liberdade 
pergunta::  para
que
qu e a transforma em coerção, não deveriamos
deveriamos  redefinir  ou 
reinventar  a liberdade?
O neoliberalismo é um sistema muito eficiente   diria até 
-
inteligente - na exploração da liberdade: tudo aquilo que 
 perte nce às  pr
 pertence  práticass às e formas de expressão  da liberdade 
ática
(como a emoção, o jogo    e a comunicação) é explorado. Ex
 plorar 
 plora  própria vontade não é eficiente, na 
r  alguém contra sua própria

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medida em que torna o rendimento muito  baix
que o. É a explo
baixo.
ração  da liberdade qu
ração produz o maior  lucro.
e  produz
que
define  a liberdade 
É interessante notar  que Marx também define
a  partir 
partir  de uma relação  bem-su
uma bem-sucedida com o outro:
cedida

E somente na comunidade (Gemeinschaft) [com os outros 
       
que
qu e cada] indivíduo  possui os meios de desenvolver  suas 
faculdades  em todos os sentidos; é somente na comunida
de que a liberdade  pessoal é  possível.
 possível.2*

Ser  livre,  portanto,
portanto, não significa nada mais do qu
não e se rea 
que
lizar  conjuntamente.  Liberdade é sinônimo de comunidade 
 bem-su
 bem-suced
cedid
ida.
a.

Para Marx, a liberdade individual representa um
umaa astúcia, 
a malícia do capital. A «livre concorrência»  baseada na 
uma
um
ideia da liberdade individual é apenas «a relação do capital 
consigo mesmo como outro capital, i.e., o comportamento 
do  capital como capital»3. O capital intensifica sua re
real do
 produçã
 prod ução meio  da livre concorrên
o na medida em que,  por  meio

cia, relaciona-se consigo mesmo como outro capital. Graças

2  Karl Marx e Friedrich Engels. .4 ideoloaio alemã. Trad, de Luís 
('¡audio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes. I99S. p. 92
92..

 
3_ Karl Marx. Gnmdi isse:  XLiimsclilos econômico.' de /X57-/<S'5X — 
da irífna da economia polílica. 1 rad. de Mario I hiaver e Nélio 
     

Schneider. São Paulo: Boitempo. 2() 1 I. p.
p.  524.

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à liberdade individual, copula com o outro de si mesmo.
O capital se multiplica enquanto competimos livremente 
uns co m os outros. A liberdade individual é uma servidão
com
na medida em qu e é tomada
que tomada   pelo capital  para sua  próp
 pelo ria 
 própria
multiplicação. Assim, o capital explora a liberdade do indi
indi
*
I
   
víduo  para se reproduzir: «Na livre concorrência, não são 
 para
os indivíduos que são liberados, mas o capital».4 A liberdade
do capital se realiza  por  meio da liberdade individual. Des
sa maneira, o indivíduo livre é rebaixado a órgão genital 
do capital. A liberdade individual concede ao capital uma 
subjetividade «automática»,  que o incita à reprodução ativa. 
que
Assim, o capital «pare» continuamente  «filhotes».5 A liberda
de individual, que atualmente assume uma forma excessiva, 
é nada mais nada menos do qu e o excesso do  próprio
que próprio capital.

A DITADURA  DO CAPITAL
De acordo com Marx, a partir 
 partir  de determinado estágio do 
 
seu desenvolvimento, as forças  produtivas (força de trabalho 
produtivas
humana, modo de trabalho e meios de  prod produçã o) entram
ução)

 
 
I Ibid.. p. 31 3.

5 Karl Marx. () capiíol: (oíiic.i tl¡i iioiioiniii poiítiai. Livro I: () pio- 


       

‘ Jc produção tio  iiipii.il. Trad. de Rubens hnderíc. Sào Paulo: Boi-


(i >so  Jc       Boi-  
 

reinpo. 20 j 3, p. 2( »3.

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em contradição com as relações de  produção dominantes 
 produção
(de  pro
 proprie
prieda de e dominação). Isso ocorre  porqu
dade  porquee as forças 
 produ
 pro tivass se desenvolvem continuamente.  Logo, a indus
dutiva
trialização gera novas forças  pro
 produt ivass que contrariam as 
dutiva
relações de  pro
 proprie
priedade e de dominação típicas do feuda
dade
lismo. Essa contradição  pro
 provoca crises sociais qu
voca e impelem 
que
a mudanças nas relações de  produç ão. A antítese é elimina
produção.
da  pela luta  do  proleta
pela luta proletariad o contra a  burgu
riado esia,, que  produz
burguesia produz 
uma
um a ordem social comunista.
Diferente da suposição de Marx, a contradição entre as 
forças  prod
produti vass e as relações de  pro
utiva  produç
dução pode ser  su
ão não  pode
 pera
 pe da através de um
rada a revolução comunista: ela é de fato in 
uma
superável. E exatamente por 
 por  causa
 causa dessa contradição intrínseca 
e  perman ente que o capitalismo escapa  para
permanente para o futuro. Assim, 
o capitalismo industrial se mutacionou em neoliberalismo e 
em capitalismo financeiro com modos de produç ão imateriais 
 produção
e  pós-i
pós-ind
ndus
ustri
triais, em vez de transformar-se em comunismo.
ais,

O neoliberalismo, como mutação do capitalismo, torna o 
Não é a revolução comunista, 
trabalhador  um empreendedor.  Não
e sim o neoliberalismo qu que exploração  alheia da 
e elimina a exploração
classe trabalhadora. Hoje, cada um é um trabalhador  que ex 
 plora a si mesmo para
 para a sua própria
 própria empresa. Cada um é senhor  
e servo em umumaa única  pessoa. A luta de classes também se 

transforma em um
uma
a luta interior  consigo mesmo.

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Os modos de  produção contemporâneos não são consti
 produção
 pela «multitude» colaborativa que Antonio  Negri
tuídos  pela Negri ele
va à sucessora  pós-ma
pós-marxista do «proletariado», e sim  pela
rxista pela so- 
litude do empreendedor  qu e luta consigo mesmo, enquanto 
que
explorador  voluntário de si. Logo,
Logo,  é um erro acreditar  que 
cooperante  derruba o «império  parasitário» e 
a «multitude» cooperante
 produz
 prod uz  um
uma a ordem social comunista. O esquema esquema  marxista 
Negri se  prende
ao qual  Negri prende se mostra novamente uma ilusão.
Com efeito, no regime neoliberal não existe um  prole
tariado ou um uma a classe trabalhadora que seria explorada  pe lo 
 pelo
 propri
 pro prietá rio dos meios de  pro
etário  produ
duçã
ção.  Na   prod
o.  Na  produçã
uçãoo imaterial, 
de um jeito
   ou de outro, cada um  possui
possui seu  próprio
próprio meio de 
 prod
 produç
uçãoão.. O sistema neoliberal não é mais um sistema de clas
ses em sentido estrito.  Ele não se constitui por 
 por  estratos antagô
nicos da sociedade. E aí que reside a estabilidade do sistema.
A distinção entre  prol
 proleta
etariad o e  burg
riado  burguesi
uesia  já não se sus
a já
tenta. Literalmente, o  pro  proletá rio é aquele que tem como 
letário
única  prop
 propried ade a  próp
riedade  própria
ria  pro le. A sua autoprodução se
 prole.
restringe à reprodução  biológ Hoje,  no entanto, é disse-
ica.  Hoje,
biológica.

se esboça livremente, é capaz de uma autoprodução
A «ditadura do  pro
 prole
leta
taria
riado
do» noss dias qu
» é, no e correm, estru
que
turalmente impossível. Somos todos dominados  por  uma 

ditadura do capital.

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regime  neoliberal transforma a exploração  imposta  po
O regime r  
 por 
outros em uma autoexploração que atinge todas as «classes». 
uma
Essa autoexploração sem classes é completamente estranha a 
Marx e torna a revolução social impossível, já
   que esta é  basea
basea
da na distinção entre exploradores  e explorados. E,  por  causa 
do isolamento do sujeito de desempenho explorador  de si mes
mo, nã o se forma um  Nós
não Nós político
 político capaz de um agir  comum.
Quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, 
em vez de questionar  a sociedade ou o sistema, considera a si 
mesmo como responsável e se envergonha  por  por  isso. Aí está a 
inteligência  pe
 pecu
culiar  do regime
liar  regime  neoliberal: nã
não
o  per
 permite que 
mite
emerja qualquer  resistência  ao sistema.  No regime de explo
por  outros, ao contrário, é  possível que os ex
ração imposta  por 
 plora
 plo doss se solidarizem e junto
rado   s se ergam contra o explorador. 
 juntos
Essa é a lógica que fundamenta  a ideia marxista da «ditadura 
do  proletariado», que  pressupõe,  po rém,, relações repressivas 
 porém

de dominação. Já no regime neoliberal de autoexploração, a 
agressão é dirigida contra nós mesmos. Ela nã o transforma os 
não
explorados em revolucionários, mas sim em depressivos.
Atualmente,  já não trabalhamos  por  causa de nossas 
rias necessidades, e sim  pe
 próprias
 próp lo capital. O capital gera 
 pelo
suas  pró priass necessidades, qu
 própria quee erroneamente  perc
 percebemos 
ebemos

como se fossem nossas. O capital representa uma nova 
transcendência, uma nova forma de subjetivação. Uma ve
uma z 
vez

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mais, somos arremessados  pa ra fora do  plan
 para o imánente da 
 plano
qual  a vida se relaciona consigo mesma em vez de 
vida, no qual
se sujeitar  a um fim extrínseco.
A  po
 políti ca moderna é caracterizada  pe
lítica la emancipação da 
 pela
ordem transcendente,  ou seja, das  premissas fundamentadas 
na religião. Uma  po política,, um
lítica umaa  poli
 politiz
tizaçã
açãoo completa da so
possível na Modernidade, na qual os recur 
ciedade, só seria  possível
sos transcendentes de fundamentação já  já não têm
têm  nenhuma 
validade. Assim, as normas de ação  poderíam
poderíam ser  livremente 
negociáveis. A transcendência cedería lugar  ao discurso imá 

nente à sociedade. Logo, a  própria
própria sociedade teria qu
quee se er 
guer uma vez mais a  partir 
partir  de sua imanência. Entretanto, essa 
liberdade é novamente abandonada no momento em que o 
capital ascende a uma nova transcendência, a um novo senhor. 
Com isso, a  po
 política acaba se convertendo novamente em 
lítica
servidão: se torna serva do
do  capital.

Queremos ser  realmente livres? Acaso não inventamos Deus
Queremos 
 para não termos qu quee ser  livres? Diante de Deus, estamos 
sempre em dívida, somos sempre  culpados6. Mas a culpa

da o I   
 LI  signiíic a tanto ■ culpa” qmmu• -dí\ i •
()  () substantivo alemã«> .S'«  I I h i LI 
forma malogi. seu adjetivo derivado  pode <o  :radu-
culpado  ou endividado l.ssa ambiguidade do      e 
zido tanto como culpado
comparação  entre o- capitalismo e a retipão 
explorada por Man em sua comparação
¡Ni.].

18
(Schuld) destrói a liberdade. Os  políticos de hoje responsabi
políticos
lizam o endividamento elevado (Verschuldung)  pela extrema 
limitação de sua liberdade de ação. Se não temos dívidas 

(schuldenfrei), ou seja, se somos completamente livres,  preci
preci
samos açir  seriamente. Talvez nos endividemos  perman en
 permanen
temente  para
para qu e não  preci
que precisemoss agir, ou seja,  para
semo para não ser 
para não termos que assumir  responsabilidades. As 
os livres,  para
mos 
dívidas elevadas não seriam a  prova
prova de qu e ainda não conse
que
Não seria o capital um novo deus, que nos 
guimos ser  livres?  Não

torna novamente devedores? Walter  Benjamín concebe o 
torna 
capitalismo como uma religião. É o «primeiro caso de culto 
uma
não  expiatório, mas culpabilizador».  Já que não existe ne
não ne

nhuma  po
 poss
ssibi
ibili
lidade de quitar  as dívidas, o estado da falta 
dade
de liberdade se  per
 perpe consciência  de 
tua:: «Uma monstruosa consciência
petua
culpa que não sabe como expiar  lança mão do culto não para
mão  para 

expiar  essa culpa, mas  para
para torná-la universal». 7

A DITADURA  DA TRANSPARÊNCIA
 No início, a rede digital foi celebrada como um médium 
de liberdade ilimitada. O primei
 primeiro
ro slogan public
 publicitário da Mi
itário
crosoft, «Aonde você quer  ir  hoje?», sugeria um
umaa liberdade e

7_ Walter Benjamín. C'iipifiilisino c reliaitio. Trad. de Nélio Sclinei- 


           

der. São   p.  22.
São  Paulo: Boitempo. 2013. p.
 

19

uma mobilidade sem fronteiras na internet. Hoje, essa eufo
 já se mostrou um
ria já umaa ilusão. A liberdade e a comunicação 
ilimitadas se transformaram em monitoramento e controle 
total. Cada vez mais as mídias sociais se assemelham a  pan-
 pan-  
-ópticos digitais que observam e exploram impiedosamente 
o social. Mal nos livramos do  pan-óptic
pan-ópticoo disciplinar  e já
 já en
contramos um novo e ainda mais eficiente.
Com  fins disciplinares, os internos do  pan-ópt
Com ico  ben- 
 pan-óptico
thaminiano eram isolados uns dos outros, de modo que não 
conversassem. Os internos do  pan-ópti
 pan-óptico
co digital,  por  sua 
vez, comunicam-se intensivamente  e expõem-se  por  von
comunicam-se  intensivamente
tade  própria
própria.. Participam assim, ativamente, da construção do 
 pan-óptic
 pan- o digital. A sociedade digital de controle faz uso 
óptico
intensivo da liberdade. Ela só é  possível graças à autorreve- 
lação e à autoexposição voluntárias. O Grande Irmão digital 
repassa,  por  assim dizer, seu trabalho aos internos. Assim, a 
acontece   por  coação, mas a  partir 
entrega dos dados não acontece partir  de 
a necessidade interna. Aí reside a eficiência do  pan-óp
uma
um  pan-óp

tico digital.
A transparência também é reivindicada em nome da liber 
dade de informação.  Na Na verdade, ela não é nada mais do que 
um dispositivo neoliberal. Ela vira tudo violentamente  par a 
 para
fora,  para qu
 para quee  possa  produzir   Noss modos atuais 
produzir  informação.  No
de produç
 produção ão imaterial, mais informação e mais comunicação 
 

20

significam mais  prod
 produtividade,, aceleração e crescimento. A 
utividade
informação é uma  positi
uma positivid
vidade que,  por 
ade por  carecer  de interiori- 

dade,  pode do  contexto. Isso permi


 pode circular  independente do  permite
te que
a circulação de informações seja acelerada à vontade.
O segredo, o estranhamento ou a alteridade represen
tam  ba
 barreirass à comunicação ilimitada. Por  isso, em nome 
rreira
da transparência, devem ser  desmontados. A comunicação 
sofre um
umaa aceleração quando se aplaina, isto é, quando to

dos os limiares, os muros e os abismos são eliminados. As 
porque a interiori- 
também  são «desinteriorizadas»,  porque
 pessoas também
dade atrapalha e retarda a comunicação. Contudo, a desin- 
teriorização da  pessoa
pessoa não
não  acontece de forma violenta, mas 
sim como exposição voluntária de si mesmo. A negativi- 
dade da alteridade ou do estranhamento se transforma na 
 positiv
 pos itividade da diferença ou da diversidade comunicáveis, 
idade
consumíveis. O dispositivo da transparência  obriga a uma 
exterioridade total com o objetivo de acelerar  a circulação 
de informação e comunicação.
comunicação.   No final, a abertura serve à 
comunicação sem limites, qu e é oposta ao fechamento, à 
que
reserva e à interioridade.
Uma
Um a conformidade total é outra
outra  consequência
consequência  do dispo
sitivo da transparência. A supressão de divergências faz  parte
parte 
da economia da transparência. A conexão e a comunicação 
totais já
   possu em em si um efeito nivelador. Geram um efeito 
  possuem

21

de conformidade, como 5c  cada uni vigiasse o outro até me mess


mo antes de qualquer  vigilancia e controle através de serviços 
secretos. O que ocorre hoje é urna vigilancia sem vigilancia. 
A comunicação é aplainada como que  por  moderadores in
visíveis e rebaixada à condição de consenso. Essa vigilancia 
 primaria e intrínseca é muito mais  proble
problemá
mátic a do que a vigi
tica vigi

lancia secundaria e extrínseca dos serviços secretos.
O neoliberalismo transforma o cidadão em consumi

dor. A liberdade do cidadão cede diante da  passi
passivid
vidad
ade
e do 
consumidor.  Atualmente, o eleitor  enquanto consumidor  
consumidor.
não tem nenhum interesse real  pela
pela  polític
política, pela formação 
a,  pela
ativa da comunidade.  Não está disposto
disposto  a um comum agir  
 polític
 polí o,  tampouco é capacitado  par
tico, a tal. O eleitor  apenas 
 para
reage de  forma  passiva à  política,, criticando, reclamando, 
 política

exatamente como faz o consumidor  diante de um  produto 
produto 
ou de um serviço de que não gosta. Os  polític
não os e os  par 
 políticos par 
lógica  do consumo. Eles têm que 
seguem  a mesma lógica
tidos seguem
 fornec
 forn er. Com isso, degradam-se a  fornecedor
ecer. fornecedores,
es, que têm que 
satisfazer  os eleitores como consumidores ou clientes.
A transparência que hoje se exige dos  políti cos é tudo me
políticos
nos um
uma política.  Não se reivindica a transparên
a demanda  política.
para os  processos  políticos
cia  para  políticos de decisão, nos quais nenhum 
consumidor  está interessado. O imperativo da transparência 
serve, acima de tudo,  para
para desmascarar  ou expor  a classe do
doss 

22

 polít
 políticos,  para transformar  individuos em objeto de escán
icos,
       
dalo. A reivindicação  por  transparência press
 pressup
upõe
õe a  posi
 posiçã
ção

de um espectador  a ser  escandalizado.  Nã
 Nãoo é urna deman
da de um cidadão engajado,
engajado,  mas de um espectador   passivo.
passivo. 
A  pa
 partic
rticipa
ipaçã
çãoo ocorre em forma de reclamação e queixa. 
Povoada   por  espectadores e consumidores, a sociedade da 
Povoada
transparência funda urna democracia de
de  espectadores.
A autodeterminação informacional é urna  parte
parte essencial 
da liberdade. Já na deliberação do Tribunal Constitucional 
Federal da Alemanha sobre o censo nacional em 1984, lê-se:

O direito à autodeterminação informativa não seria com
 patível com um
umaa ordem social e seu respectivo sistema le
gal nos quais, aos cidadãos, na permitido saber  
o lhes fosse  permitido
nao
                 
quem, que, quando e sob quais circunstâncias se obtêm 
algumao informação a seu respeito.

 No entanto, isso foi num momento em que se acredita
que
va que era necessário confrontar  o Estado como instância 
que
de dominação que arrancava dados dos cidadãos contra a 
vontade deles. Essa época  passou
passou há muito tempo. Hoje nos 
expomos voluntariamente sem qualquer  coerção, sem qual
 decreto. Colocamos na rede todo tipo de dados e infor 
quer  decreto.
mações  pessoais, sem avaliar  as  consequências.
 pessoais, consequências.  Esse   caráter 
incontrolável representa uma gravíssima crise da liberdade. 
uma

23

Tendo em vista a quantidade de informação que se lança 

voluntariamente na rede, o  próprio
próprio conceito de  proteção de 
proteção
dados se torna obsoleto.
Hoje, caminhamos  para a era da  psic
 para  psicopo
opolítica digital, 
lítica
que avança da vigilância  passiva ao controle ativo, empur 
rando-nos, assim,  para um
umaa nova crise da liberdade: até a 
até
própria é atingida. Os big data são um instrumento 
vontade  própria
         
 psicopolí
 psicopolítico muito eficiente, que  perm
tico ite alcançar  um co
 permite co

nhecimento abrangente sobre as dinâmicas da comunicação 
social. Trata-se de um conhecimento de dominação que  permi
permi
te intervir  na  psique e que  pod
psique e influenciá-la
 pode influenciá-la  em um nível 
 pré-re
 pré-reflex
flexivo
ivo..
A abertura do futuro é constitutiva  par para a a liberdade de 
ação. Contudo, os big data tornam  possíveis
possíveis  prognó
prognóststicos so
icos
 bre o comportamento humano. Dessa maneira, o futuro se 
 previsível e controlável. A psico
torna previsível   psicopol
políti ca digital transfor 
ítica
ma a negatividade da decisão livre na positividade
 positividade de um estado 
de coisas. A  própria  pessoa se  posit
própria  pessoa positiv
iviz que  é quan- 
a em coisa, que
iza
tificável, mensurável e controlável.  Nenhum
 Nenhuma porém é 
a coisa  porém
livre: todavia, é mais transparente do que um  pessoa.. Os big 
a  pessoa
uma
data anunciam o fim da  pessoa
pessoa e do livre-arbítrio.
Cada dispositivo, cada técnica de dominação,  produz 
 produz
próprios objetos de devoção, que são empregados  para
seus  próprios para 
a submissão, materializando e estabilizando a dominação.

24

 Devoto significa submisso. O smartphone é  um objeto digital
de devoção. Mais ainda, é o objeto de devoção do digital  por 
por 
excelência. Como aparato de subjetivação, funciona como
o rosário, e a comparação  pode
pode ser  estendida ao seu manu
manu 
envolvem  autocontrole e exame de si . A do
seio. Ambos envolvem
minação aumenta sua eficiência na medida em qu quee delega a 
vigilância a cada um dos indivíduos. O curtir  é  o amém di
gital. Quando clicamos nele, subordinamo-nos ao contex
to  de dominação. O smartphone não é apenas um aparelho 
to
de monitoramento eficaz, mas também um confessionário 
móvel. O Facebook  é a igreja ou a sinagoga (que literal
mente significa «assembléia») do digital.
 

25

PODER INTELIGENTE

O  poder  tem formas de manifestação  bem diferentes. A 
 poder 
mais direta e imediata se expressa como negação da liber 
dade. Ela habilita os  pod
 poder ososs a impor  sua vontade,  por  
eroso
meio da violência contra a vontade daqueles submetidos ao 
er. Contudo, o  poder 
 poder.
 pod poder  não se limita a quebrar  a resistên
cia e compelir  à obediência: não
não  tem que necessariamente  
assumir  a forma de um
uma a coerção. O  pode r  que depende da 
 poder 
poder  máximo: o simples fato de 
violência não representa o  poder 
que um
uma vontade  contrária surja e se oponha àquele que o 
a vontade
detém é a  pro
 prova va da fraqueza do seu  pod er. O  pod
 poder. er  está
 poder 
 precis
 precisam
ament
ente e onde não é  posto
posto em evidência. Quanto maior  
é o  pod er,, mais silenciosamente  atua. Ele se dá sem ter  que 
 poder
apontar  ruidosamente para para si mesmo.
O  pode
 poder  pode se expressar  como violência ou repressão, 
r   pode

mas não se baseia nisso.  Não é necessariamente  excludente, 
 proibitiv
 proi o ou censor. E não se opõe à liberdade:  po
bitivo de até 
 pode
mesmojusá-la. Apenas em sua forma negativa é que o poder 
 poder  
se manifesta como violência negadora que verga as vontades 
e nega a liberdade. Hoje, o poder 
 poder  assume cada vez mais uma

26

forma  permissiva.
permissiva. Em sua  perm
permiss
issiv
ivid
idade,  ou melhor, em sua
ade,
afabilidade, o  pode põe de lado sua negatividade e se  pass
r   põe
 poder   passaa 
 por  liberdade.
O  poder  disciplinar  ainda está completamente  domina
 poder 
do  pela negatividade. Ele se articula de forma inibitória, nã
do  o 
não
 permissiva. Devido à sua negatividade, nãonão   po de descrever  
 pode
o regime neoliberal qu e reluz na  posit
que positiv
ivid
idad
ade. técnica  de 
e. A técnica
 poder  do regime neoliberal assume um
uma a forma sutil, flexível 
e inteligente, escapando a qualquer  visibilidade. O sujeito
con
con
texto de dominação perma
 permanece inacessível a ele. É assim qu
nece e 
que
ele se sente em liberdade.
Ineficiente é todo  poder 
poder  disciplinar  que, com grande es
forço, aperta violentamente as  pessoas com um espartilho 
de ordens e  proibiç ões.. Muito mais eficiente é a técnica de 
proibições
 poder  qu
quee faz com ququee as  pessoas se submetam ao contex
to de dominação  por  si mesmas. Essa técnica  bu sca ativar, 
 busca
motivar  e otimizar, não obstruir  ou oprimir. A  parti cula-- 
 particula
ridade  da sua eficiência está no fato de qu
ridade e não ag
que agee através 
da  proib
 proibiçã
içãoo e da suspensão, mas através do agrado e da 
satisfação. Em vevezz de tornar as  pessoas
pessoas obedientes, tenta dei
xá-las dependentes.
O  poder  inteligente e amigável não ag agee frontalmen
frontalmen 
te contra a vontade doss sujeitos subjugados, controlando
vontade  do

27

suas vontades em seu  próprio  ben
 benefício. É mais afirmador  
efício.
que negador, mais sedutor  que repressor. Ele se esforça 
em  produzir  emoções  pos
 positivas e explorá-las. Seduz, em 
itivas
vez de  proibir. Em vez de ir  contra o sujeito, vai ao se
 proibir. u 
seu
encontro.
O  poder  inteligente se  pla
 plasma à  psi
sma que,, em vez de dis
 psique
cipliná-la e submetê-la a coações e  proi
 proibições..  Nã
bições o nos 
 Não
nenhum  silêncio. Ao contrário, ele nos convida a 
impõe nenhum
compartilhar  incessantemente,  parti
 participando,, dando opi
cipando
niões, comunicando necessidades, desejos e  pre
 prefe
ferên
rências, 
cias,
contando sobre nossa  própria poder  afável é,  por 
própria vida. Esse  poder  por  
assim dizer, mais  poderoso do que o repressor. Ele escapa 
a toda visibilidade. A atual crise da liberdade consiste em
em  
estar  diante de um
umaa técnica de  poder  que não rejeita ou
oprime a liberdade, mas a explora. A livre escolha é extinta    ** 

prol de uma livre seleção entre as ofertas disponíveis.
em  prol
Com a aparência liberal e afável que estimula e seduz, o 
er  inteligente é mais efetivo do que qualquer  um que 
 poder 
 pod
 ameace    pr
 pres
escre
creva
va..      
ordene, e  O curtir  é seu signo: enquanto 
consumimos e comunicamos, ou melhor, enquanto clica
mos curtir, nos submetemos ao contexto de dominação. O 
neoliberalismo é o capitalismo do curtir. Ele se diferencia fun
damentalmente do capitalismo do século XIX, que operava 
com coações e  proibições disciplinares.
proibições

28

O  poder  inteligente  lê e avalia nossos  pensam
poder  inteligente pensamentos cons
entos
cientes e inconscientes. Baseia-se na auto-organização  e na 
otimização  pessoal voluntárias. Assim, não  precisa superar  
 pessoal
nenhuma resistência. Essa dominação não necessita de ne
não ne

nhum grande esforço, de nenhuma violência,  porque sim
 porque

 plesmen
 plesm te acontece. Deseja dominar   busca
ente ndo agradar  e ge
buscando ge

rando depe   Assim, o seguinte aviso é inerente ao
capitalismo do curtir: «Proteja-me do que

29

A  TOUPEIRA  EA  SERPENTE


A sociedade disciplinar  é constituída  por 
por  ambientes e ins
talações de confinamento. Família, escola,  pr  prisão,, quartel, 
isão
hospital e fábrica representam
representam  esses espaços disciplinares de 
reclusão. O sujeito disciplinar   passa de um meio de confi
namento a outro. Ele se movimenta,  portan to, em um sis
 portanto,
tema fechado.
   Os internos de um ambiente de confinamento 

 podem
 pode m ser  distribuídos no espaço e ordenados no tempo. A 
toupeira é  o animal da sociedade disciplinar.
Em seu «Post-scriptum sobre as sociedades de controle», 
Deleuze diagnostica uma crise geral de todos os ambientes 
de reclusão.1 Seu fechamento e sua rigidez, no entanto, não 
são apropriados  pa ra formas de  produç
 para ão  pós-
 produção  pós-indus
industriais, 
triais,

imateriais e em rede, qu
quee insistem em mais abertura e disso
lução de fronteiras. A toupeira, entretanto, não  pode
pode tolerar  
essa abertura. Em seu lugar  assume a serpente, o animal da

5  (jiiles I k*leuzc. -Posr-s< riprum sob?e i  icdade dc on¡ri-< 
rsiicêts, 1072-/VMP. [ rad.
In:
rad.  de Petcr Pá! Peiban. São Paula: 1 d. 34
34..
i pp, 2 i 9-26.

 
 
30

sociedade neoliberal do controle, que sucede a sociedade 
disciplinar. Ao contrário da toupeira,  a serpente não se mo
não mo
vimenta em espaços techados; é  a  partir  do  movimento que 
abre espaço. A toupeira é trabalhadora. A cobra,  por 
por  sua vez, é 

empreendedora. É o animal do regime neoliberal. A toupeira 
se move em espaços  pré-in
pré-insta
stalados, e  por 
lados, por  isso se submete a 
restrições. É um sujeito submisso. A serpente é um  projeto,
projeto, 
na medida em qu e cria espaço a  parti
que r  de movimento. A 
 partir 
 passa
 pa ssage
gem para a serpente, do sujeito ao  projeto,
m da toupeira  para projeto, 
não é um
uma para urna forma de vida completamente 
a irrupção  para

diferente, mas uma mutação, um agravamento do  próp
 próprio
rio 
capitalismo. A reduzida capacidade de movimento da tou
ra coloca limites à  prod
 peira
 pei  produti
utividade. Mesmo qu
vidade. e trabalhe 
que
com disciplina, ela não  pode ir  além de determinado nível 
 pode
de  prod
 produti
utividade. A serpente anula essas limitações através
vidade.
de novas formas de movimento. Assim, o sistema capitalista 

 passaa do modelo-toupeira para
 pass  para o modelo-serpente, aumen
tando a  produtivi
produtividad
dade.
e.
De acordo com Deleuze, o regime disciplinar  se organiza 
como «corpo». É um regime  biop biopolítico.. Por  sua vez, o re
olítico
gime neoliberal se comporta como «alma».2 Desse modo, a 
 psicopolí
 psic forma  de governo. Ela «introduz o tempo
tica é sua forma
opolítica

2_ IbicL. p. 221.

todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, [como] 
uma
excelente motivação». A motivação, o  proj eto,, a competi
 projeto
ção, a otimização
otimização  e a iniciativa são inerentes à técnica  psi- 
copolítica de dominação do regime neoliberal. A serpente 
encarna acima de tudo a culpa (Schuld), as dívidas (Schulderí), 
que o regime neoliberal emprega como meio de dominação.

33
BIOPOLÍTICA

Segundo Foucault, desde o século XVII o  poder 
   nã
 já
poder  o se 
não
manifesta como  poder  de morte nas mãos de um soberano 
 poder 
semelhante a Deus, e sim como  poder  disciplinar. O  poder  
soberano é o  poder  da espada, qu
 poder  e ameaça com a morte. 
que
Toma para si «o privilégio de se apoderar  da vida para
 privilégio  para supri

mi-la».1 O  pode
 poder 
r  disciplinar, ao contrário, não é um  poder 
não poder  
   não é matar, 
 poder de vida, cuja função já
de morte, mas um poder
n   sim afirmar  completamente
mas completamente  a vida.2 A antiga  potên cia 
 potência
de decidir  sobre a morte cede lugar  a urna cuidadosa «ad
ministração dos corpos» e à «gestão calculista da vida»? A
 pass
 passagem do  pode
agem r  soberano ao  pode
 poder  r  disciplinar  se deve
 poder 
       
à alteração das formas de  prod
 produçã
ução;
o;  mais  prec
 precisa
isamente,, da 
mente
 pass
 passag em da  produção
agem produção agrária à industrial. O avanço da in-

 
í_ iMiclit) hnic citilc. Ih'tóiid dd 't \ uaiidddr. í.¡n\> /:
 J
/:    ¡-r-niddí  dc -j- 
 7. 
 

hci. 17. ed. \. í. liad. d< Maria 1 ¡¡c!cza da ( osra A1 bt iquc: <|i ¡ ■ - c
   \
G IL  Albuqik rcjnc. Kio dc ¡aiieiii’: Giaai. 2*p>.  í 4>>.
 

2_ iDid.. p. I 52.

 
dustrialização torna necessário disciplinar  o corpo e adap
tá-lo à  pro
 produção mecânica. Em vez de torturar  o corpo, o 
dução
er  disciplinar  o insere em um sistema de normas. Um
 poder 
 pod a 
Uma

coerção calculada  perpassa todas as  partess do corpo até a 
 parte
automação dos hábitos e a transformação
transformação  do corpo em umumaa 
máquina de  prod
máquina  ução.. Um
 produção a «ortopedia concertada»4 forma 
Uma
a «máquina» a partir 
uma
um  partir  de uma «massa informe».  De acordo 
uma
com Foucault, disciplinas são

 
métodos que  perm item o controle minucioso das opera
 permitem
ções do corpo, que realizam a sujeição constante de suas 
forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade.5
uma

O  poder  disciplinar  é um  poder 
 poder  poder  normativo que submete 
que
o sujeito a um conjunto de regras, obrigações e  proibiç
proibiçõe s, 
ões,
eliminando desvios e anomalias. A negatividade do adestra 
mento é  constitutiva para  disciplinar  e nisso se  parec
  para o poder 
 poder  disciplinar  e 
parece
ao  pode r  soberano, que tem como  base a negatividade da 
 poder 
 poder soberano quanto o poder 
absorção. Tanto o poder  poder  disciplinar  
colocam em ato um uma a exploração que  prod
 produzuz o sujeito da 
obediência.
 

35

A técnica disciplinar  passa
 passa da esfera corpórea àquela men men
tal. O termo inglês industry (indústria) significa também 
pode significar  casa de 
«esforço». A locução industrial school  pode
correção. Bentham também sugere que seu  pan-ópticpan-óptico o me
me
lhoraria moralmente os internos. Contudo, a psique  psique  não está 
não
poder  disciplinar. A técnica ortopédica do  poder 
no foco do  poder  poder  
disciplinar  é muito grosseira  para penetrar  ñas camadas mais
para  penetrar 
 profun
 pro dass da  ps
funda  psique - com seus desejos ocultos, suas ne
ique
cessidades e seus anseios - e apoderar-se deles. Também o 
Grande Irmão de Bentham observa seus internos apenas de 
pan-óptico está ligado ao médium óptico.  Não tem 
fora. Seu  pan-óptico
nenhum acesso a  pensamentos
pensamento s ou necessidades íntimas.
O  pode r  disciplinar  descobre a «população» como massa 
 poder 
de  produçã
produção o e reprodução que deve ser  administrada meti
culosamente. A  biopolí
biopolític a se ocupa dele. A reprodução, as 
tica

taxas de natalidade e mortalidade, a qualidade da saúde e a 
estimativa de vida se tornam objeto de controles regulató- 
rios. Foucault fala expressamente da «biopolítica  da  popu
 popula
la 
ção».6  A  biop
 biopolítica é a técnica de governança da socieda
olítica
de disciplinar, mas é totalmente
totalmente  inadequada  para o regime 
 para
neoliberal, que, antes de tudo, explora a  psique.
psique. A  biopo
 biopolílí
tica, qu
quee usa as estatísticas demográficas, não  possuii acesso 
 possu

6_ Foucault, Hislária da sexualidade,
  sexualidade,  op. cir., livro I. p. Io2.
 

36

ao  psíquico.. Ela nã
psíquico o fornece um  psicograma
não psicograma da  popula ção.. A 
população
demografía nã o é um
não umaa  psicografia; não explora a  ps
não  psique.. Aí 
ique

reside a diferença entre a estatística e o ó/ç data. A partir 
 partir  do 
ó/ç d(7íi7 é  possí
 possível
vel extrair  não apenas o  psi
não  psicog
cogram
rama a indivi
dual, mas o  psicogra ma coletivo, e quem sabe até o  psicograma
psicograma psicograma 
do inconsciente. Isso  per
 permiti ría expor  e explorar  a  ps
mitiría  psiqu e até 
ique
o inconsciente.
 

o  DILEMA  DE FOUCAULT

Após Vigiar  e  punir,
punir, Foucault claramente  se deu conta de 
Foucault  claramente
que a sociedade disciplinar  não refletia de forma exata seu 
não
tempo. Assim, no final da década de 1970, ele se dedicou 

à análise das formas de governo neoliberais. O  pro
 problema,, 
blema
contudo, foi qu e  per
que  perman
manece
eceu ligado  tanto ao conceito de 
u ligado
 popula
 pop ção quanto ao de  biopo
ulação biopolític
lítica:
a:

Só depois que soubermos o que era esse regime gover 
namental chamado liberalismo é que  poderem os,  parec
poderemos, e- 
 parece-
-me, apreender  o que é a  biopolítica.
biopolítica.’

 No decorrer  do curso dado no Collège de France, Fou
Fou

cault não menciona mais a  biopolítica. Tampouco fala so
biopolítica.
 bre o conceito de  pop
 popula
ulação. Aparentemente, ainda não 
ção.
lhe  parecia
parecia claro que a  biopolíti
que ca e a  populaç
biopolítica ão,, como ca
população
tegorias genuínas da sociedade disciplinar, não são adequa
das  para descrever  o regime neoliberal. Logo, não realiza 
 para
 

38

a virada  pa ra a  psicopolí
 para  psicopolítica
tica que teria sido necessária.2 Em 
que
portanto, Foucault não chega à análi
 curso   1978-9,  portanto,
seu deíticaa neoliberal. Ele até se mostra
    
se da  bio
 biopol
polític  autocrítico a 

esse respeito, sesemm ter, contudo, reconhecido o verdadeiro 
 proble
 problema
ma::

Gostaria de lhes garantir  que, apesar  de tudo, eu tinha a 
intenção, no começo, de lhes falar  de  bio
 biopol
política, mas, 
ítica,

sendo as coisas como são, acabei me alongando, me alon
gando talvez demais, sobre o neoliberalismo.3

 Na introdução do seu  Homo
Homo  sacer, Agamben exprime esta 
convicção:

A morte impediu que Foucault desenvolvesse todas as im-

d.  
   
 

•k i: . pn blcmáric., 


1 m ^¡i.< m<yiaba 1 >>yu'.-¡nd mb. Alexandru R.m define. de ma-
   

p-knpolínc.i do redime neohberal <omo forma 


     

?’iiu l 'iop( >lít u a: \ . p. irrarao. a pdcoiecnk a pode - mm
 

mm  mmda 
 

 j .oi mdadc dociplmar , a perspective da teoria do p<  -dei. em con


             
i' r yarrida cu y'sraria de c onsiderar a ‘psii opolínca' c omo uai modo de 

governo biopoliruo- ^Alexandra Ram Ib'yJmpcdii dm .\Luhl, Snbh'b'1 mid
 

Ic'd ii ui du acid dn  ¡tmlddidli. Frankfurt: Campus, 2‘1!1». p. 29S).


 

i rmm m / problem.mca a tcnrariva de 1 homas I cmk< d< mreiprcm.r 


       

¡'•< »politicamente o regnm neolibcial  Cf. 1 homas I cmkc (Oiyh ( mu-
 
( i ’icmmmdm'n dii C b nmm  r. ''diidmn  :m ( dmimiimici mm  dm Smmilcii. 

 
Frankfurt: .kuhrkamp, 2 <> .

? Foiicaulr. <> iimcimciim  dü bmjnddicm op. cit.. p. 257.

ões do conceito de  bio
 plicações
 plicaç  biopo
política e mostrasse em que 
lítica
4
sentido teria aprofundado ulteriormente a sua investigação.
 No entanto, diferentemente da hipótese de Agamben, a 
morte  prem
 prematura de Foucault, se muito,  privou
atura -lhe da  pos
 privou-lhe
sibilidade de repensar  sua ideia de  bio
 biopol
políti ca e abandoná-la 
ítica
em favor  de um
uma  psicopo
a psico polí
lítica neoliberal. Tampouco a análi
tica
se agambeniana sobre a dominação fornece acesso às técnicas 
poder  do regime neoliberal. Os homines sacri de hoje não
de  poder 

 
são mais os excluídos,  mas os incluídos no sistema.
Foucault vincula expressamente a biopol
 biopolític
íticaa à forma dis


ciplinar  do capitalismo, que, em sua forma
cializa o corpo: «Foi no  bio
 biológ
forma   pro
 produ tiva,, so
dutiva
ico,, no somático, no corporal 
lógico
que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O cor 
    5  
 po é um
uma
a realidade  bio
 biopo
políti
lítica».  Assim, a  bio
ca».  biopol
política está
ítica
fundamentalmente associada ao  biol
 biológico e ao corporal. 
ógico
Em última instância, trata-se de uma  política dos corpos em 
uma
sentido amplo. O neoliberalismo como forma de evolução 
ou mesmo como mutação do capitalismo não se  pre
 preocu
ocupa
pa
 primari
 primariamente com o «biológico, o somático, o corporal».
amente

Antes, descobre a  psique
psique como força  produ tiva.. A virada  para 
produtiva para 
a  psique
 psique e, em consequência,  para
para a  psicopol
psicopolítica
ítica,, também está 
relacionada à forma de  pro  produ
duçã o do capitalismo  atual,  pois
ção
ele é determinado  por  modos imateriais e incorpóreos. São 
 produ
 pro duzid os objetos intangíveis, como informações e  progra
zidos progra
mas. O corpo como força  pro  produt iva não é mais tão cen
dutiva
tral como na sociedade disciplinar   bio  biopo
políti ca.. Em vez de
lítica
superar  resistências corporais,  processos  ps psíqu
íquic os e mentais 
icos
são otimizados  para o aumento da  pro  produ
dutiv
tivida
idadede.. O disci- 
 plinam
 pli namen
entoto corporal dá lugar  à otimização mental. Assim,
o neuro-enhancement 66    se diferencia fundamentalmente da dass 
técnicas   psiq
técnicas psiqui
uiát
átricass disciplinares. Hoje, o corpo é liberado
rica
do  process
 processoo imediato de  pro
 produç ão e se torna um objeto de 
dução
otimização estética ou técnico-sanitária. Logo, a interven-
ção ortopédica dá lugar  à estética. O «corpo dócil»  pro  propos to 
posto
 por  Foucault já
 já não tem lugar  no  pro  proce
cesso de  pro
sso  produç ão. A 
dução.
ortopedia disciplinar  é substituída  pelas cirurgias  plástic as e 
 plásticas
academias. Todavia, a otimização corporal significa muito 
mais do que mera prátic a estética. Os termos sexy e Jitness
  prática    tor-
nam-se recursos econômicos
econômicos  qu quee devem ser  multiplicados, 
comercializados e explorados.

iilhiiiccmcHi descreve
descreve  o aumento do rendimento psíquico
psíquico  
nor  meio de psicotropicos | N.’l
nor

Bernard  Stiegler  reconhece, com razão, qu
com quee o concei
to foucaultiano de  biopo der já não é apropriado ao nosso 
 biopoder
tempo:

Tenho a impressão de que o  biopoder,
biopoder, que Foucault des
creveu de forma tão convincente num sentido histórico 
e geográfico, em relação à Europa, não é o mesmo  poder 
poder  
que
qu e marca nossa época atual.7

De acordo com Stiegler, no lugar  do  biopoder  entra
 biopoder  entra

riam as «psicotecnologias do  psi
 psico
copo
pode r», dentre as quais, 
der»,
entretanto, ele inclui a «indústria telecrática»,  que  produz 
 produz
 progra
 programa s, como a televisão,  que nos colocaria sob a tutela 
mas,
de um consumismo impulsivo e conduziria à regressão da 
massa. A essa  psic
 psicoté
otécnic
cnica opõe  as técnicas da escrita e 
a ele opõe
da leitura. De acordo com Stiegler, o meio da escrita remereme 
te ao Iluminismo. Ele se reporta, assim, a Kant: «D «Dee fato, 
o  próprio Kant  pa
 próprio rte de um dispositivo de leitura e escrita 
 parte
como o fundamento da maioridade». 8 E  problem
problemátic o o peso
ático  peso 
excessivo qu e Stiegler  dá à televisão. Ele a eleva a aparelho 
que

 psicoté
 psicotécnic
cnico por  excelência:
o  por 

42

Rádio, internet, celulares, iPods, computadores, videoga
mes e  palm por  nossa atenção, mas ainda é 
topss competem  por 
palmtop
a televisão que domina o influxo de informações?

Entretanto, o antiquado esquema crítico-cultural de lei
tura e escrita em contraposição à TV não  faz justiça à re
TV  não
pouco se  pre
volução digital. Estranhamente, Stiegler   pouco  preocupa 
ocupa
 
com as mídias digitais de fato, como a internet, as redes 
sociais e sua estrutura de comunicação, qu e diferem funda
que
mentalmente dos antigos meios de comunicação de ma mass
sa. Sua estrutura  pan-óptica
pan-óptica quase não é notada. Assim, ele 
não
negligencia  por  completo  a  psico
por  completo  psicopo
política neoliberal, qu
lítica e se 
que
     
serve massivamente da tecnologia digital.
 No início dos anos 1980, Foucault se dedica às «técnicas 
de si», definindo-as como

 práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens 
somente  se fixam regras de conduta, como
não somente como  também 
uram se transformar, modificar-se em seu ser  singular  
 procuram
 proc
                 
e fazer   de
valores sua vida
estéticos
uma obra que seja  port
 e responda a certos
 portador
adoraa de certos 
 critérios de estilo.10

ibid., p. Í3-).

   
|O_ Miciie! Foucault, fhsiona ./</ scxiu/iihulc  Livro. 2: O uso
Livro.   dos 
uso 
 
.

   
prazeres. S ed. 1 rad. Maria Tliereza da Costa Albuquerque. Rio de 

iro: Graal. 199X, p. 14.
 Janeiro:
 Jane

Foucault desenvolve uma ética de si historicamente fun
uma fun
dada e, em grande medida, desvinculada das técnicas de  po po
der  e de dominação. Por  isso, admite-se com frequência que 
ele empreende um
uma ética  de si qu
a ética e se opõe à técnica de poder  
que
e de dominação. O  próprio
próprio Foucault menciona a  pas  passa
sagem 
gem
das tecnologias do  poder  para as tecnologias de si mesmo:
poder   para

Talvez tenha insistido demais no tema da tecnologia de 
dominação e  poder.
poder. Estou cada vez mais interessado na in
 vez
entre  si e os outros,
teração entre outros,   bem como  nas tecnologias
bem como tecnologias  de 
dominação individual, a história do modo em que um in
divíduo age sobre si mesmo, isto é, na tecnologia do
do  eu.11

                 
A técnica de  pode r  do regime neoliberal forma o  ponto
 poder   ponto  
cego da analítica do  poder 
poder  de Foucault. Ele nã o reconhece 
não
e o regime neoliberal de dominação se apropria completamen 
que
qu
te das tecnologias do eu, nem que a otimização  perman
que ente 
 permanente
de si como técnica de si neoliberal não seja nada mais do 
não
que
qu uma  forma eficiente de dominação e exploração.12 O 
e uma

44

sujeito neoliberal de desempenho como «empresário de si 
mesmo»13 explora-se voluntaria e apaixonadamente. Fazer  
de si urna obra de arte é uma aparência  bela
uma bela e enganosa qu e 
que
para explorá-lo  por  inteiro. A 
o regime neoliberal mantém  para
técnica  de  pode
técnica r  do regime neoliberal assume um
 poder  uma a forma 

sutil.  Não se apodera do individuo de forma direta. Em vez 
disso, garante qu por  si so, aja sobre si mesmo 
e o individuo,  por 
que
de forma ququee reproduza o contexto de dominação
dominação  dentro 
de si e o interprete como liberdade. Aqui coincidem a otioti

mização de si e a submissão, a liberdade e a exploração. Esse 
estreitamento entre liberdade e exploração na forma de ex

 plora
 ploração de si escapa ao  pensam
ção pensamento de Foucault.
ento

de técnicas
  — a< técnicas de dominação e as técnicas de d. F. preciso 
         

abordar os pontos cm que as tecnologias de dominação de uns indi- 


                 

outros  recorrem aos processos pelos quais o indivíduo 
\ íduos sobre os outros
age  sobre si inestno. F: mversamente. é preciso
age   preciso  levar cm consideração
consideração  
os pontos em que as técnicas de si são integradas em estruturas de coer- 
cao ou dominação- (Foucault. «About the beginning of  die herme
       

neutics of  rile self: Two  lectures at Dartmouth”. In: Politick Theory, \. 


   

21. m 2, p 203).
13_ Foucault. () ihiseimenío (hi biopolilinL op. cit.. p. 311.

45

A  CURA  COMO  ASSA
A SSASS
SSINA
INATO
TO
A  psic
 psicopol
opolíti ca neoliberal inventa formas de exploração 
ítica
cada ve
vezz mais refinadas. Inúmeros workshops de gestão pes  pes
soal, fins de semana motivacionais,  seminários de desenvol
vimento  pessoal e treinamentos de inteligência emocional 
 prometem
 prome tem a otimização  pessoal e o aumento da da  eficiência 
sem limites. As  pessoa
 pessoass são controladas  pela técnica de do
 pela
minação neoliberal qu
quee visa explorar  não apenas a jornada 
  jornada 
de trabalho, mas a  pessoa  por  completo, a atenção total, e 
até a  própria vida. O ser  humano é  descoberto e tornado 
 própria
objeto de exploração.
O imperativo neoliberal de otimização  pessoal serve 
apenas a um funcionamento perfeito
 perfeito do sistema. Bloqueios, 

debilidades e erros devem ser  removidos terapéuticamente 
 para melhorar  a eficiência e o desempenho. Assim, tudo 
é comparável, mensurável e está sujeito à lógica do mer 
cado.  Nenhuma  preo
 preocup ação com a  boa vida impulsiona 
cupação
a otimização  pesso
 pessoal.
al. Sua necessidade resulta apenas de 
partir  da lógica do sucesso mercantil 
coerções sistêmicas a  partir 
quantificável.

46

A era da soberania é a era da absorção como  priv
privação,, da 
ação
subtração de  bens e serviços. O  pode
 bens r  soberano se expri-
 poder 
me como direito de dispor  e tomar. A sociedade disciplinar, 
ao contrário, aposta na  pro
 produção.. É um
dução a era de ativa  pro
uma  pro
dução  industrial de valor. Mas essa era na qual se realizava 
dução
uma
um verdadeira  criação de valor  é  pass
a verdadeira  passada.
ada.  No
 No  capitalismo 
financeiro atual, os valores são radicalmente eliminados. O 
regime neoliberal introduz uma era do esgotamento. Hoje, 
uma
explora-se a  psique. Por  isso, esta nova era é acompanhada 
psique.
de doenças mentais, como a depressão ou o burnout.
A  palavra mágica da literatura norte-americana de au- 
toajuda é «curar» (healing). Ela designa a otimização  pessoal,
pessoal,
curando terapéuticamente qualquer  fraqueza funcional ou  blo
blo
queio  mental em nome da eficiência e do desempenho. A 
queio
otimização  pess
 pessoal
oal  permanen te, qu
permanente, e coincide em sua totali
que
otimização  do sistema, é destrutiva. Ela conduz 
dade com a otimização
ao colapso mental. Mostra-se como a autoexploração total.
neoliberal  da otimização  pessoal desenvolve 
A ideologia neoliberal
características religiosas e até mesmo fanáticas; representa
uma
um a nova forma de subjetivação. O trabalho interminável 
no eu se assemelha à introspecção e ao exame de si  protes
 protes--
tantes, que,  por  sua vez, representam um
uma a técnica de sub-
 jetivação e dominação. Em ve
 jetivação vez
z do  pe
 pecado,,  proc
cado  procura
ura-se
-se  por  
 pensa
 pensamentoss negativos. O eu luta um
mento a vez mais contra si 
uma

mesmo como se lutasse contra um inimigo. Os  pre
 pregadoress 
gadore
evangélicos de hoje atuam como gerentes e treinadores mo- 
tivacionais, que  pregam o novo evangelho do desempenho 
 pregam
e da otimização infinitos.
O ser  humano não se submete inteiramente aos ditames da 
 posi
 positiv
tividade.. Sem a negatividade, a vida se atrofia até o «ser  
idade
morto».1 É  próprio a negatividade que mantém viva a vida. 
 próprio
A dor  é constitutiva  para a experiência. Uma vida que fosse 
 para
constituída  unicamente de emoções  positivas e experiências 
constituída
máximas2 nã
nãoo seria humana. É precis
 precisam
ament e à negatividade a 
ente

que o espírito humano deve sua  profund
profunda
a tensão:

A tensão da alma na infelicidade, que lhe lhe  cultiva a força 
[...], sua inventividade e valentia no suportar,  per  persistir, 
sistir,
interpretar,  utilizar  a desventura, e o que só então lhe foi 
dado de mistério,  profundi dade,, espírito, máscara, astúcia, 
profundidade
grandeza  — 
—  não lhe foi dado em meio ao sofrimento, sob 
a disciplina do grande sofrimento?3

48
O imperativo da otimização sem limites explora até me
mess
mo a dor. O famoso treinador  motivacional norte-america
no Anthony Robbins escreveu:

Quando vocé estabelece uma meta, está assumindo um 
compromisso com a Melhoria Interminável e Constante! 
reconheceu  a necessidade que têm todos os seres hu
Você reconheceu hu

manos de melhoria constante, sem fim. Existe um umaa força 
na  pressão da insatisfação, na tensão do desconforto tem
 porári
 por o. Esse é o tipo de dor  que você quer  ter  em sua vida.4
ário.

E tolerada apenas a dor  que  possa ser  explorada em favor  
da otimização.
Entretanto, tão destrutiva quanto a violência da negativi- 
dade é a violência da  posit
positivi
ividade.5 A  psico
dade. psicopo
polít
lítica neolibe
ica
ral, com a indústria da consciência, destrói a alma humana, 
que
qu e é tudo menos umuma a máquina  po
 positiva.. O sujeito do re- 
sitiva
perece com o imperativo da otimização de 
gime neoliberal   perece
si, ou seja, ele morre da obrigação de  produzir  cada ve
produzir  z mais
vez
desempenho. A cura se torna assassinato.

 
R     premecue h k  \ 
(atado em Barbara Ehrenreich. V/m; (      \   >u i ( I 

 'e 

me pm/t/re ciilniquctcu  u .b/O/O. I rad. Maria 1 tícia de Oli
 
 
veira. Rio de  janeiro: Rccord, 20 13.  p. 90.
 janeiro:
 

5 Cf. Bvung-Chul Han. íopeleqie dei (leu-ull. Berlim:
  Berlim:  Matthes X. Seitz. 
Seitz.   

2o 1 L Pnncipalmente o capítulo < (iovx alr der Positivitãrpp. 1 1S--27.
 

49

CHOQUE

Um dos  pro
 protag
tagonistass do livro teórico-conspiratório   A  
onista
Naomi Klein, é o «doutor  do choque». 
doutrina do choque, de  Naomi
Com essa expressão, ela se refere ao  psiquiatra canadense dr.
psiquiatra
Ewen Cameron. Ele acreditava que, através da administra
       
ção de choques elétricos,  pode
humano e então produzi
ria erradicar  o mal do cérebro 
 poderia
 produzirr novas  perso
personal
nalida des a partir 
idades  partir  dessa 
tábula rasa. Ele colocava seus  pac
 pacientes em um estado caó
ientes
tico, que deveria ser  a  base para seu renascimento como ci-
base  para ci-  
dadãos-modelo. Assim, concebia seus atos destrutivos como 
a espécie de criação. A alma era entregue a um «apaga- 
uma
um
mento» e a uma
uma  «regravação» violentos. Deveria,  por  assim 
dizer, ser  reformatada e reescrita.
pan-óptico com câmaras de iso
Cameron construiu um  pan-óptico
lamento, nas quais realizou experimentos humanos extre
mamente cruéis, que se assemelhavam a câmaras de tortura. 
Inicialmente,  os pacientes eram tratados com fortes choques 
 pacientes
elétricos ao longo de um mês,  para
para apagar  sua memória. Ao 

mesmo tempo, eram administradas drogas que alteravam a 
consciência. Suas mãos e seus  braçoss eram colocados em 
 braço
 

50

tubos de  pa
 papelão  pa
pelão ra impedir  qu
 para e eles tocassem os  pró
que
os corpos, e se  preo
 prios
 pri preocu
cupa
passem assim com a imagem de si. 
ssem
Posteriormente, Cameron pri
 privava   sentidos 
vava   pacie
pacientes 
ntes
de estímulos, colocando-os   num longo dos
os  sono induzido  com 
a ajuda de drogas. Eles só eram
eram  despertados  par
 paraa comer  e 
defecar,  perm
 permanece ndo nessa condição  por  até trinta dias. 
anecendo
A equipe do hospital era instruída a  proibir 
proibir  os  pacientess de 
paciente
pan-óptico muito mais cruel 
conversar.  O hospital era um  pan-óptico
que    Bentham.
Aso  pesquisas
de   de Cameron foram financiadas  pe la CI
 pela CIAA e 
ocorreram durante a Guerra Fria. Cameron, um antico
munista fervoroso, acreditava  part
 particip ar  da luta com seus 
icipar 
experimentos. Ele comparava seus  pa  pacie ntess a  pri
ciente  prisio
sioneiross 
neiro
de guerra comunistas sendo interrogados.1 Suas  prátic as de 
práticas
fato se assemelhavam às técnicas   interrogatorio.   
 pesquisas estavam ligadas à lavagemde  cerebral e à luta ideoSuas
lógica e eram  baseadas em conceitos maniqueístas. O ma mall 
devia ser  erradicado, eliminado e substituido  pe pelolo  bem. A 
 bem.
negatividade da defesa imunológica do outro determinava 
suas  práticas.. Cameron foi um
práticas a manifestação da era imuno 
uma
lógica. O choque, enquanto intervenção imunológica, diri-
l__ Naomi Kiuin. .4 domríiKJ do choque'. A dsceiisõo do copiIdlisoío de de-
sosar. Trad. de Vania (’ury. Rio de  Janeiro:: Nova Fronteira, 2008. p. 53. 
 Janeiro

gia-se ao outro, ao estrangeiro, ao inimigo. Era  preciso de
preciso de

para reescrever  outra ideologia e narrativa em sua 
sarmá-lo  para

alma. O segundo  protagonista de  Nao
protagonista mi Klein, o segundo 
 Naomi
doutor  do choque, se chama
chama  Milton Friedman, teólogo do 
neoliberal.   Naomi Klein estabelece uma analogia 
mercado neoliberal.
entre ambos. Para Milton Friedman, o estado social de cho
cho

que  pós
 pós-ca
-catás
tástrofe é de fato uma oportunidade, na
trofe na  verda
de o momento supremo,  pa ra a reprogramação neoliberal 
 para
         
da sociedade. O regime neoliberal,  portanto, opera com o 
choque; o choque apaga e esvazia a alma, tornando-a inde
inde

fesa, de modo quque e o indivíduo se submete voluntariamente 
a uma reprogramação radical. Enquanto as  pessoas ainda 
estão  paralis
 paralisadas,
adas, traumatizadas
traumatizadas   pela catástrofe, são subme
 pela
tidas à nova articulação neoliberal.

A missão de Friedman, tal qual a de Cameron, repou
repou
sava no sonho de voltar  a um estado de saúde «natural», 
quando tudo estava em equilíbrio, antes que as interfe
interfe

rências humanas criassem  padrões
padrões distorcidos. Enquanto 
Cameron sonhava em recuar  a mente humana até aquele 
estágio  primitivo, Friedman sonhava em desmontar  os 
 primitivo,
moldes das sociedades, fazendo-as retornar  ao estado de 
capitalismo  puro, livre de todas as interrupções  —  re
gulação governamental,  bar
 barrei
reiras
ras comerciais e interes
ses entrincheirados.  Na linha de Cameron, Friedman 
acreditava  que uma economia altamente desvirtuada só 
acreditava
conseguiría alcançar  o estágio anterior  aos deslizes  por  

52

meio de choques dolorosos deliberadamente infligidos: 
somente os «remédios amargos»  podiam eliminar  as de
 podiam de

turpações  e os maus  princ
turpações ípios.2
 princípios.

Com sua teoria do choque,  Naomi  Klein não consegue 
 Naomi
enxergar  a verdadeira  psicopo
psicopolítica neoliberal em ato. A te
lítica
rapia de choque é uma técnica genuinamente disciplinar,  e 
uma
somente na sociedade disciplinar  tais intervenções  psiquiá
psiquiá
podem se
tricas violentas  podem r  aplicadas. Elas  pertencem
ser  pertencem às me
me

didas coercitivas da biopolític a, que, como  psico
 biopolítica, psicodis
disci
cipli
plinas, 
nas,
são de caráter  ortopédico. Por  outro lado, a técnica de  popo
der  neoliberal não exerce nenhuma coerção disciplinar: a 
ação do eletrochoque difere fundamentalmente daquela da 
 psicop
 psicopolí tica  neoliberal. O eletrochoque deve sua eficácia 
olítica
à  pa
 para
ralisia e à aniquilação dos conteúdos  psí
lisia  psíqu
quico
icos.s. A ne- 
gatividade é  sua essência. Por  sua vez, a  psicopol ítica neoli
psicopolítica
 be pela positividade.
rall é dominada  pela
 bera  positividade. Em ve
vezz de usar  ameaças 
negativas, ela trabalha com estímulos  positivos.  Não aplica 
nenhum «remédio amargo», e sim o curtir. Lisonjeia a alma 
em vez de estremecê-la e  pa
vez  para
ralisá-la.. Seduz a alma qu
lisá-la e a 
que
ede,, em ve
 precede
 prec z de se opor  a ela. Registra cuidadosamen
vez
te seus anseios, suas necessidades, seus desejos, em vez de
vez

«desgravá-los». Com a ajuda de  prog
 prognósticos,, antecipa-se 
nósticos

às ações em vez de contrastá-las, atuando  proativa
proativame nte. A 
mente.
 psico
 ps icopol
política neoliberal é uma  política inteligente que  busca 
ítica
agradar  em vez de oprimir.
 

55

     
0  A
 AMÁ VEL GRANDE IRMÃO
MÁVEL

«Novafala» é o nome da língua ideal no Estado de vigi
vigi

por  George Orwell em 1984. Ela teria que su
lancia criado  por 

 primir  integralmente a «velhafala», com o objetivo claro de
 primir 
reduzir  a liberdade de  pensamento.. An
pensamento o após ano, o número 
Ano
de  palavras diminui e a liberdade de consciência se torna 
 palavras
menor. Syme, amigo do  protagoni sta Winston, se entusias
protagonista
ma com a  be
 beleza da destruição das  palavras. Os delitos de
leza
 pensam
 pens amento  já que as  palavras
ento são impossibilitados, já palavras necessá
               
rias  para tanto estão ausentes do vocabulário. Assim, o con
 para con
ceito de liberdade também é abolido. Próprio desse  ponto
ponto de 
vista, o Estado de vigilância de Orwell se diferencia funda
pan-óptico digital, que faz uso excessivo da 
mentalmente do  pan-óptico
liberdade. E a multiplicação
multiplicação  de  palavras a  principa
principall caracte
rística da sociedade da informação atual.
 pelo espírito da Guer 
O romance de Orwell é dominado pelo
ra  Fria e  pela
ra  hostilidade.  O  país
pela hostilidade. país em questão encontra-se em 
guerra  perm
 permanente.. Julia, a quem
anente quem  Winston ama, suspeita 
até que as  bomb
que as que caem diariamente sobre Londres são 
bombas
 pelo próprio
enviadas pelo próprio pa
partido do Grande Irmão para manter  
rtido

56

o clima de terror. O «inimigo
«inimigo  do   se chama Emma- 
nuel Goldstein. Trata-se do comandante  povo» de urna rede sub
versiva e conspiradora qu e  plan
que eja a derrubada do governo. 
planeja
O Grande  Irmão se encontra em urna guerra ideológica 
com ele. O  prog
 program
ramaa  Dais   Minutos de Ódio, contrário a 
Goldstein, é transmitido diariamente na «teletela». O Mi Mi

nistério da Verdade, ququee está mais  para
para «ministerio da men
passado e adequa tudo à nova ideologia. As 
tira», controla o  passado
 psico
 ps icoté
técn
cnicas aplicadas no Estado de vigilancia são lavagem 
icas
cerebral com eletrochoque,  priv privaçã o de sono, isolamento, 
ação
drogas e tortura física. O Ministério da Pujança (em nova- 
fala, Minipuja) cuida  par a qu
 para quee não haja  be ns de consumo 
 bens
suficientes,  criando um
uma a deficiência artificial.
Esse Estado de vigilancia orwelliana, com suas teletelas e 
as suas cámaras de tortura, diferencia-se  fundamentalmente 
do  pan-ó ptico digital (com a internet, os smartphones e o 
 pan-óptico
Google glass), que é dominado  pelapela aparência de liberdade e 
comunicação ilimitadas.  Nesse  pan-óptico
pan-óptico nãnãoo se é tortura
do, se é tuítado ou   ão há nenhum Ministério da
transparência  e a informação substituem a ver 
Verdade. A transparência
dade. O novo objetivo do  poder  não consiste na adminis
tração do  passado,
passado, mas no controle  psico
psicopo
polít
lític
icoo do futuro.
regime  neoliberal não é  proibi
A técnica de  poder  do regime  proibi
tiva,  protetora
protetora ou repressiva, mas  prospe
prospecti va,,  per
ctiva  permi
missi va e 
ssiva

tiva.. O consumo não se reprime, só se maximiza. É 
 projetiva
 proje
gerada não umuma abundância,  um excesso 
a escassez, mas uma abundância,
de  pos
 positiv
itivida
idade compelidos  a comunicar  e a 
de.. Somos todos compelidos
consumir. O  princíp io de negatividade, que ainda define o 
princípio
Estado de vigilância de Orwell, cede lugar  ao de  posi tivi
 positivi
dade. As necessidades não são suprimidas,
suprimidas,  mas estimuladas. 

Em vez de confissões extorquidas, há exposição voluntária. 
vez
O smartphone substitui a câmara de tortura. O Grande Ir 
o tem agora um rosto amável, A eficiência da sua vigi
mão
mã vigi
lância está em sua amabilidade.
O Grande Irmão de Bentham é invisível, ma
mass é omni
 presen
 pre te na cabeça dos  pr
sente  presos, que o internalizaram.  No 
esos,
 pan-óptico digital,  por  outro lado, ninguém se sente real
mente vigiado ameaçado.  Por  isso o termo «Estado de 
vigiado  ou ameaçado.
para caracterizá-lo. As  pessoas
vigilância» não é apropriado  para  pessoas 
se sentem livres, mas é exatamente essa sensação de liber  
dade, inexistente no Estado de vigilância de Orwell, que 
constitui um  problem
problema.
a.
pan-óptico digital faz uso de uma revelação voluntária 
O  pan-óptico
 parte de seus internos. A autoexploração e a autoexpo- 
 por  parte
sição seguem a mesma lógica. A liberdade
liberdade  é sempre explo
pan-óptico digital falta aquele Grande Irmão que 
rada. Ao  pan-óptico
contra  nossa vontade. Em vez disso, 
arranca informações contra
nóss no
nó por  iniciativa  própria
noss revelamos, expomo-nos  por  própria..

58

O comercial da Apple transmitido durante o Super  Bowl 
de 1984 tornou-se lendário. A empresa se apresentava como 
a libertadora do Estado de vigilancia orwelliano. Em mar 
cha, trabalhadores  sem vontade e apáticos entram em um 
grande salão  para ouvir  o discurso fanático do Grande Ir 
                 
mão na teletela. Então um
mão uma a mulher  invade o lugar,  per 
seguida  pe
 pela dass Idéias. Ela continua a correr  sem 
la Polícia da
vacilar, carregando um grande martelo diante de seus seios 
 bambol
 bam bolea
eante s. Determinada, segue em direção ao Grande 
ntes.
Irmão e  joga
joga o martelo com toda a força na teletela, que
explode violentamente. As  pessoas despertam de sua apatia 
 pessoas

e um
umaa voz anuncia: «Em 24 de janeiro,
voz  janeiro, a Apple Computer  
apresentará o Macintosh. E você verá  porque
porque 1984 não será 
como 1984». Apesar  da mensagem da Apple, o an anoo de 1984 
marca  o fim do Estado vigilante, mas o início de um 
não marca
novo tipo de sociedade de controle, cuja eficácia excede em 
muito o Estado de vigilância orwelliano. A comunicação 

coincide inteiramente com o controle. Cada um é o  pan-
 pan-  
-óptico de si mesmo.

59

O CAPITALISMO DA  EMOÇÃO

Hoj e se fala em excesso de sentimento e emoção. Em 
muitas disciplinas se desenvolvem  pesquisas
 pesquisas sobre o aspecto 
emotivo. De repente, o ser  humano não é mais um animal 
não
rationale, mas sim umumaa criatura sensível. Poucos,  porém, se 
 porém,
 perguntam
 pergunta m de onde vem esse súbito interesse  pelas
pelas emoções: 
as  pesquisas científicas sobre as emoções não refletem sobre 
próprio agir. Ignoram que a conjuntura da emoção é um
o  próprio umaa 
consequência do  pr
 proc
ocesso econômico. Além disso,  pred
esso  predo
o
mina uma confusão conceituai. Ora se fala de emoção, ora 
de sensação, ora de afeto.
ora

exemplo, de sentimento linguístico (Sprachgefühl)1 , instinto

O autor articula rodo
    o capítulo em paralelismos linguísticos - 
     

impossíveis de sei em reproduzidos de maneira hei cm português - ba ba
seados nas variantes do termo alemão (ic/íilÁ, que st1 tentou traduzir 
     

com ' Sentimento” ou ahns (ver o primeiro exemplo:  liihl, sen
timento linguísticoliilIccfHhl. -instinto da bola”: A/11oc/iih\.
11oc/iih\. 
 ■•■com
paixão”) e sobre termo  da /:///m/e// (-emoção j
sobre  a distinção desse termo    e A[]ckl 
gafeto-.  no sentido de ser
gafeto-. ser  afetado sensivilmente por algo■ |Nd:.j.
 

60

da  bola (Ballegefühl) ou de compaixão {Mitgefühí); nã o di
não
zemos,  por  sua vez, emoções linguísticas, ou com-emoção. 
Tampouco existem um afeto linguístico ou um com-afeto. 
O luto também é um sentimento. Falar  do afeto do do  luto ou 
de emoção do luto soa estranho. Tanto o afeto quanto a 
emoção representam algo meramente subjetivo, enquanto o 
sentimento indica algo objetivo.
O sentimento  permite um
 perm a narração: tem um
uma a duração 
uma
ou um
umaa  profun
profundid Nem o afeto nem a emoção 
ade narrativa.  Nem
didade
são narrdveis. A crise dos sentimentos, que  podepode ser  observada 
no teatro atual, também é um uma a crise narrativa. Hoje, o teatro 
narrativo  do sentimento  cede lugar  ao  bar o teatro do 
narrativo  barulh
ulhent
ento
 
afeto. Por  falta de narrativa, um
umaa massa de afetos é levada ao 
 palco. Ao contrário do sentimento, o afeto nã não o abre nenhum 
espaço. Ele  pro
 procu ra um
cura uma a via linear   para ser  descarregado. O 
 para
médium digital também é o meio meio  do afeto. A comunicação 
digital favorece umuma a descarga imediata de afeto. Já  por 
por  causa 
da sua temporalidade, a comunicação digital transporta mais 
afetos do que sentimentos. Shitstorms são correntes de afetos 
e são características da comunicação digital.
O sentimento é constatativo. Por  isso se diz: «tenho o senti
Não existe,  por
mento de que...».  Não por sua vez, um construto aná
para «afeto» ou «emoção». A emoção nã
logo  para não o é constatativa, 

mas  performativa, remetendo a ações. Também é intencio- 
 performativa,

nal e finalista. O sentimento nãnãoo tem necessariamente
necessariamente  um
umaa 
estrutura intencional. A angústia, muitas vezes, não  possui 
difere-se  do medo, que é es
concreto.   Nesse sentido, difere-se
objeto concreto.
truturado  pela
pela intencionalidade. Tampouco o sentimento da 
língua é intencional. Sua não intencionalidade se diferencia 
não
de um
umaa expressão linguística que é expressiva, ou seja, emotiva. 
Também é  possível
possível um
uma a compaixão (Mitgefühl) cósmica, um 
sentimento  oceânico do mundo (Weltgefühí) que nã
sentimento nãoo é diri
gido a um
umaa  pessoa
 pessoa em partic
  particul
ular. Nem a emoção nem o afeto 
ar.  Nem
alcançam a amplitude qu quee caracteriza o sentimento. Eles são 
a expressão da subjetividade.
O sentimento também tem uma temporalidade diferente 
da emoção. Ele  permite
permite uma duração. As emoções são essen
cialmente mais fugazes e mais curtas do que os sentimentos. 
O afeto é muitas vezes limitado a um instante. Ao contrário 
do sentimento, a emoção nã o representa um estado. A emo
não  emo 
ção não dura.  Não  pode  haver  uma emoção de tranquilidade,  
 pode

mas é, se m dúvida,  pe
sem  pens
nsáv el como sentimento de tranquilida 
ável
 doxa
  l. A emo
de. A expressão estado emocional soa assim para
 parado xal. emo
ção é dinâmica, situacional e  perf perform
ormati va. O capitalismo 
ativa.
da emoção explora exatamente essas características.
características.  O sen
timento,  por  outro lado, é difícil de ser  explorado devido à 
sua falta de  perfor
performa
mativ
tividade. Já o afeto é eruptivo. Falta-lhe 
idade.
orientação  performática.
 performática.

62

A disposição2 (Stimmung)  se distingue tanto do senti-
de que o sentimento, já
 já que um espaço  pod
que e se
 pode r  disposto
ser 
etivamente de um ou de outro modo. Ela exprime um

no caso de desvios do ser  assim. Um lugar,  por  exemplo, 
 pode  propagar  uma disposição amigável.  E algo  bem
bem ob
 jetivo. Uma emoção amigável ou um afeto amigável não 
existem. A disposição não é nem intencional nem  perfor- 
perfor- 
mativa. E algo em que alguém se encontra. Representa um 
estado de espirito. Por  isso, é estática e constelativa, enquan
to a emoção é dinâmica e  perfo performativ a.  Não é o de onde 
rmativa.
(Wbrin) do estado de ânimo, mas o  para para onde (Wohin) qu e 
que
caracteriza a emoção. E o sentimento é constituído  pel  peloo 
 para que (Wofür).
Em seu livro  Intimidad
 Intimidadeses congeladas: as emoções no capita 
lismo, Eva Illouz nã
nãoo dá nenhuma resposta à pergunta
 pergunta de  por 
por  
que
qu por  tal conjuntura na era do ca
e os sentimentos  passam  por 
 pital
 pitalismo. Além disso, ela justap
ism   õe os termos «sentimento» e 
 justapõe
«emoção» sem nenhuma diferenciação conceituai. E não faz

2_ O termo alemão Sfiniiiimia, que possui um vasto campo semân


        semân
tico. podendo ser
ser  também traduzido, por exemplo, como «afinação», 
       

«atmosfera», «humor», «ambiente» ou «estado de espírito» [N.T.]. 

 
muito sentido colocar  a questão dos sentimentos na época 
capitalista em seus  primord
primordios
ios::

A ética  protestante de Weber  contém no seu núcleo
protestante núcleo  uma 
uma
     
tese sobre o  pa pell das emoções na ação econômica,  pois 
 pape
é a angústia
angústia  que  provoca
provoca um a divindade inescrutável que 
uma
está subjacente à atividade vertiginosa do empreendedor  
capitalista. 3

«Angústia» como afeto é um conceito errôneo: ela é um 
sentimento, ao qual corresponde uma temporalidade  que não 
é compatível com o afeto. O afeto não é um estado constan
te: falta-lhe a  perma
permanên cia que caracteriza o sentimento. E o 
nência
constante sentimento de ansiedade que leva a um umaa atividade 
empresarial incansável. E o capitalismo qu quee Weber  analisa é 
um capitalismo ascético de acumulação, que segue a lógica 
racional, e não a emocional. Por  isso, Weber  não tem acesso 
ao capitalismo do do  consumo que capitaliza emoções. Significa
vendidos  e consumidos no capi
dos e emoções também são vendidos
talismo do consumo.  Não Não é o valor  de uso, mas o valor  emo- 
tivo ou de culto que é constitutivo da economia do consumo. 
Illouz tampouco leva em conta o fato de que as emoções só

3_ Eva Illouz. liiiÍHiiiidilcs toiidcliidiis:   L j s  emociones en el copimlismo. 


 

Buenos Aires: Katz. 2007. p. II.

 
importância  no capital da  pro
ganham importância  produção imaterial. Ap
dução e
Ape
nas recentemente a emoção se tornou um meio de  prod
produç
ução
ão..
Além disso, Illouz atenta  para o fato de que o núcleo da 

sociologia de Durkheim, a solidariedade,  é  um «feixe de 
emoções» que liga os atores sociais aos símbolos centrais da 
sociedade. Resumidamente, afirma que:

Os relatos sociológicos canônicos da modernidade con
têm, se não uma teoria desenvolvida das emoções,  pelo 
 pelo
menos numerosas referências a elas: ansiedade, amor, 
competitividade, indiferença, culpa; se nos esforçarmos 
ra aprofundar  as descrições históricas e sociológicas das 
 para
 pa
rupturas que levaram à era moderna,  po
 podemos ver  que
demos
todos esses elementos estão  presentes na maioria delas.4
presentes

Essa enumeração de referências a várias teorias socioló
gicas sobre a emoção não explica de forma
não alguma  a con
forma  alguma
 juntura atual da emoção. Além disso, Illouz não empreende 
nenhuma diferenciação conceituai entre sentimento, emoção 
e afeto. «Indiferença» e «culpa» não são afeto nem emoção. Só 
o sentimento (Gefüht) da culpa faria sentido.
Illouz claramente ignora qu e a conjuntura atual
que
emoção se deve, em última instância, ao neoliberalismo. 
O regime neoliberal emprega as emoções como recursos 
 

65

ra alcançar  mais  produ
 para
 pa  produtividade e desempenho. A  parti
tividade r  
 partir 
de certo nível de  produção, a racionalidade, que representa 
 produção,
o médium  da sociedade disciplinar, atinge seus limites. Ela é 
 percebi
 perc da como um
ebida a restrição, uma inibição. De repente, 
uma
a racionalidade atua de forma rígida e inflexível. Em seu 
lugar, entra em cena a emocionalidade, que está associada 
ao sentimento de liberdade qu e acompanha o livre desdo
que
nto individual. Ser  livre significa deixar  as emoções 
 bramento
 brame
correrem livres. O capitalismo da emoção faz uso da li

 berdade.. A emoção é celebrada como expressão
 berdade expressão  da subje
tividade livre. A técnica neoliberal de  poder  explora essa 
subjetividade livre.
A objetividade, a universalidade e a estabilidade
estabilidade  caracte
rizam a racionalidade. Logo, ela é oposta à emocionalidade, 
e é subjetiva, situacional e volátil. As emoções surgem, 
que
qu
sobretudo, com a mudança de estado ou de  perc
 percepção. A 
epção.
racionalidade,  por  outro lado, está associada à  permanên
cia, à constância e à regularidade. Prefere as relações es
táveis. A economia
economia  neoliberal, que  para aumentar  a  pro
 para
dutividade reduz cada vez mais a continuidade e instala a 
instabilidade, impulsiona a transformação emotiva do  pro
pro
cesso de  produ ção. A aceleração da comunicação também 
 produção.
favorece  a transformação emotiva,  porque a racionalidade 
favorece
é mais lenta que a emotividade. Em certo sentido, ela não
que
 

tem velocidade. Por  isso a  pre
 pressão da aceleração leva a um
ssão a 
uma
ditadura da emoção.

(o|  capitalismo do consumo, além disso, introduz emoções 
 para criar  necessidades e estimular  a compra. O emotional design 
molda emoções e  padrões  para maximizar  o consumo. Hoje, 
em última análise, não consumimos coisas, mas emoções. Coi
sas não  podem ser  consumidas infinitamente, mas emoções 
 podem
sim. Emoções se desdobram  para além do seu valor  de uso. 

Assim, inaugura-se um novo e infinito campo de consumo.
 j^ocie
 j^o cied^
d^  cujo funcionamento está ac acii
ma de tudo, as emoções representam em  prim eiro lugar  
 primeiro
um estorvo,  porta nto,  devem ser  erradicadas. A «ortopedia 
 portanto,
concertada» da sociedade disciplinar  tem que formar  um uma a 
máquina sem sentimentos (gefühllos) a  part ir  de um
 partir  umaa massa 
           
informe. As máquinas funcionam melhor  quando emoções 
e sentimentos estão completamente desligados.
 Não menos importante, a conjuntura atual da emoção 
se deve ao novo modo imaterial de  prod
 produçã o, em qu
ução, quee a 
interação comunicativa está se tornando cada vevezz mais im
im
nte. A demandajitual não é apenas  por  competência 
 portante.
 porta
cognitiva,  mas também emocional. Por  causa desse desen
 pessoa é inteiramente aplicada no proce
volvimento, a  pessoa sso de 
 processo
ução..  Neste
 produção
 prod pronunciamento de Daimler- 
Neste sentido, um  pronunciamento
-Chrysler  é ilustrativo:

67

Uma vez que o componente comportamental também 
que
desempenha um  papel importante na  pre
 prestação de ser 
stação

viços, a competência social e emocional do empregado 
é cada vez mais levada em consideração ao avaliar  seus 
resultados.5

Agora se explora o social, a comunicação, até mesmo 
o  próprio comportamento. Emoções são utilizadas como 
 próprio
«matéria-prima»  para otimizar  a comunicação. A Hewlett- 
 para

-Packard  é outro exemplo:

A HP é uma empresa qu quee respira comunicação e tem 
inter-relação,  em que as  pessoas se 
um forte espírito de inter-relação,
comunicam, em qu quee se vai até o outro. E uma
uma  relação 
afetiva.6

Uma mudança de  par
Uma  paradi
adigma está em andamento no ge
gma
renciamento atual de empresas.  As emoções se tornam cada 
vez mais importantes.  No lugar  do management  racional, 
surge o management  emotivo. O manager  atual se despede do 
 princíp
 prin io do agir  racional e se  parece
cípio parece cada vez mais com um
um  
treinador  motivacional. A motivação está ligada à emoção. A
o_ Citado em André Gorz. 11 í   c h , llerf  imd Kiipiíiil:
  Kiipiíiil:  Z/// Kriiit der 
11'isscnsek'ononiic.  Zurique: Uotpunktverlag. 2004, p. 20.
Eva  Illouz. op. cit.. p. 56.
6_ Catado em Eva  

68

moção as uneJAs emoções  positivas são o fermento  para o 
aumento da motivação.
As emoções são  perfor
performa
mativas no sentido de que evocam 
tivas
certas ações: como tendencia, representam a  base
base energética 
ou mesmo sensível da ação. As emoções são controladas 
o sistema límbico, no qual também se assentam
 pelo
 pel assentam  os im
 pulsos. Eles formam o nível  pré-refl
pré-reflexivo, semiconsciente e 
exivo,
       
corporalmente impulsivo da ação, do qual frequentemente 
não se tem consciência de forma expressa. A  psi
 psicop
copol
olítica 
ítica
neoliberal se ocupa da emoção  para  influenciar  ações sobre 
esse  nível  pré-r
 pré-reflexiv
eflexivo.
o. Através da emoção, as  pessoas são 
 profundam
 profu ente atingidas. Assim, ela representa um meio 
ndamente
muito eficiente de controle  psicopo
psicopolítico do indivíduo.
lítico
 

GAMIFICAÇÁO

Para gerar  mais  produ
 produtividade, o capitalismo da emo
tividade,
ção também se apropria do  jogo, daquilo que seria, na 
 jogo,
             
verdade, o outro do trabalho. Ele «gamifica» o mundo do 
o trabalho, criando assim mais motivação. Através da rá
 pida sensação de realização e do sistema de recompensas, 
o  jogo
jogo gera mais desempenho e rendimento. O  jogador 
jogador  
com suas emoções está muito mais envolvido do do  que um
um  
trabalhador  meramente funcional ou que atua apenas no
no  
nível racional.
Uma temporalidade especial é imánente ao jogo, carac
terizado  pela sensação  de êxito e recompensas imediatas. O 
e tem qu
que
qu que pode ser  gamifica- 
e amadurecer  lentamente não  pode
do. O longo e o lento
lento  não são compatíveis com a tempora
não
lidade do game. Caçar,  por  exemplo, corresponde de certa 

 jogo, enquanto as atividades de um agricultor, 
maneira ao jogo,
dependentes do amadurecimento lento e do crescimento si
lencioso, escapam à gamificação. A vida não se deixa trans
formar  completamente em caça.

70

A gamificação do trabalho explora o homo luderis, que 
se submete às relações de dominação enquanto  jog  joga.
a. Com 
a lógica da gratificação  por  meio de «likes», «amigos» ou 
«seguidores», a comunicação social também está submeti
da à modalidade do jogo.
  jogo. A gamificação da comunicação é 
acompanhada de sua comercialização. Entretanto, a ludifi- 
cação destrói a comunicação humana.
domina  a sociedade  —  o cadáver  do traba
«Um cadáver  domina
lho.» Assim começa o  Manifesto contra o trabalho,  publ ica
 publica
pelo grupo Krisis, de Robert Kurz.1 De acordo com ele, 
do  pelo
como consequência da revolução microeletrônica,
microeletrônica,  a  produ
produ
ção de riqueza teria se desvinculado cada vez mais da apli
cação do trabalho humano. Contudo, nunca antes como na 
nossa época  pós-f
pós-ford
ordist a, na qual o trabalho se tornava cada 
ista,
vez mais supérfluo, a sociedade é um umaa sociedade fundada no 
trabalho. O manifesto sugere que a própria
que  própria esquerda polít
 política 
ica
havia romantizado o trabalho, não somente elevando-o à 
essência do homem, mas o mistificando como suposto con
traponto do capital.  Para as forças polí
 políticas de esquerda nã
ticas o é 
não
o trabalho em si que escandaliza, apenas sua exploração pelo
 pelo 
capital. Por  isso o  pro
 programa de todos os  par
grama  partidos operários 
tidos

i  i )isponível em português cm <www.krisis.org/1999/maniiesto-
-coiimi-o-trabalho > | N.T.j.
 www.krisis.org/1999/maniiesto-  

71

seria sempre a libertação do trabalho, mas nunca a libertação 
de trabalho. Trabalho e capital, de acordo co m o manifesto, 
com
seriam apenas dois lados da mesma moeda.
Apesar  das enormes forças  produ
produtiva s, não irrompe hoje 
tivas,
nenhum «reino da liberdade», «onde cessa o trabalho de de

terminado   pela necessidade e  pe
terminado la  adequação a finalidades 
 pela
externas».2 Em última instância, Marx não abdica do  pri  
mado do trabalho. Assim, «o aumento do tempo livre» como 
a «maior  força  pro
 produ
dutiv a» tem qu
tiva» quee retroagir  «sobre a for 
ça  prod
 produti va do trabalho».3 Com isso, o reino da
utiva da  necessi
dade coloniza o reino da liberdade. O «ócio como tempo 
 pa ra atividades mais elevadas» transforma
 para transforma  seu  po
 possu
ssuido r  em 
idor 
«outro sujeito», qu e  possui mais força  produ
que tiva do qu
 produtiva que e o 
sujeito qu
que
e apenas trabalha. O tempo livre como «tempo 
ra o desenvolvimento
 para
 pa desenvolvimento   pleno
pleno do indivíduo» colabora  para
para 
a «produção de capital fixo».
   Assim, o conhecimento é ca
 pital
 pitalizado.. Para usar  termos atuais, o aumento do
izado do  tempo de 
ócio multiplica o capital humano. O ócio, que  po  poss
ssibilitaria. 
ibili
uma atividade casual e se m finalidade, é tomado pelo
sem  pelo capital.

  
2_ Ixarl Marx. () uipihil: Gniu\i ihi Ixoiuwiid iGiiicj. Livro L (' ' pro- 
   

(•<••<<() v/eAj/ de
de  pivducíio cdpiKilisid,
2. I rad. de Regís Barbosa e Hávio 
R. Kotlie. 2. ed.
ed.  Sào Paulo: Nova Cultural. IW». p. 273.
 

Marx. Gminírissc. op. cir.. p. ?7U.

72

Marx fala do «... capital  fxe
fxe being man himself».  O homem, 
     
com o se^geiieral intellect», transforma a si  próprio
próprio em capi
tal. Uma liberdade real, no entanto, só seria  possível
possível através 
de um a libertação total da vida em relação ao capital, ou 
uma
seja, um
umaa libertação de urna nova transcendência, qu quee  blo
quearia o acesso à vida como imanéncia.
Contrariamente ao  pre press
ssup
upost
ostoo de Marx, a dialética
dialética  das 
forças  produt
produtivas e as relações de  produçã
ivas o nã
produção o conduzem à 
não
liberdade. Em vez disso, envolve-nos em um
vez a nova relação 
uma
de exploração. Assim, teríamos qu
que  com Marx e  para
e  pensar 
pensar  com para 
além de Marx  pa ra que  po
 para  possamoss realmente no
ssamo noss apropriar  
da liberdade, ou do  tempo livre. Ela só  poderia
ou  melhor, do poderia ser  

esperada do Outro do trabalho, de um uma a força completa


mente diferente, produtiva e qu
diferente,  que não fosse uma força  produtiva e 
que
não se deixasse transformar  em força-trabalho, isto é, de 
uma forma
uma  
 forma de vida que não fosse mais nenhuma  forma de 
que  
 produção, logo algo totalmente improdutivo.  Nosso
 produção, Nosso futuro de
 penderá
 pen fazer  uso do inutilizável  para
derá de sermos capazes de  fazer  para 

além da produç
 produção.
ão.
O homem é umumaa criatura do luxo. Em seu sentido origi
nal, o «luxo» nã
nãoo é um
uma prática consumista, mas um
a  prática uma a forma 
de vida qu e está livre da necessidade.  A liberdade é  baseada 
que
no desvio, no deslocar, na «luxação» da necessidade. O luxo
transcende a intenção de virar  necessidade.  Atualmente, o 

73

pelo consumo. O consumo excessivo é 
luxo é monopolizado  pelo
uma
um a falta de liberdade, um
umaa coerção que corresponde a essa 
falta de liberdade do trabalho. Assim como o  jogo,
jogo, o luxo 
para além do trabalho e 
enquanto liberdade só é imaginável  para
do consumo. Visto dessa maneira, é adjacente ao ascetismo.
 
A verdadeira felicidade se deve ao extravagante, ao exu- ** 
 berant
 ber e, ao abundante, ao esvaziado de sentido, ao exceden
ante,
te, ao supérfluo, ou seja, àquilo que desvia da necessidade, do 
que
trabalho, do desempenho, da finalidade. Hoje, no entanto, 
mesmo o excesso foi monopolizado  pelo pelo capital e, com isso, 
com
 priva
 pri do do seu  poten
vado potencia  jogo, que está
ciall de emancipação. O jogo,
desacoplado do  proc
processo de trabalho e de  produçã
esso o, também 
produção,
ce ao luxo. A gamificação como meio de  prod
 pertence
 perten ução 
 produção
destrói o  pot
 potenciall emancipatório do  jogo.
encia jogo. O  jogo
jogo  possi
 possi
 bilit
 bil a um uso completamente diferente das coisas, capaz de 
ita
livrá-las da teologia e da teleologia do capital.
Tempos atrás, uma ocorrência  bas
uma  bastante incomum foi 
tante
relatada na Grécia. Ela  par
 pareceu extraordinária exatamente 
eceu

 porque  país que hoje sofre muito sob o jugo
 porque ocorreu em um  país    
do capital. Trata-se de um acontecimento que  possui um 
caráter  eminentemente simbólico, que age como um sinal 
do futuro. Crianças teriam descoberto um enorme maço de 
 

notas de dinheiro em um umaa casa abandonada. Elas fizeram 
um uso totalmente diferente dessas notas. Elas  brin
 brincav
cavam
am

74

com elas e as rasgavam em  ped
 pedac
acinhos. Talvez essas crian
inhos.
ças tenham antecipado nosso futuro: o mundo está em ruínas. 
Como aquelas crianças,  brinca moss em meio a elas com notas
brincamo
de dinheiro, rasgando-as.
«Profanação» significa restituir  ao livre uso do ser  huma
no aquilo que  per
 perten
tencia
cia aos deuses e que  por  isso era  proi
proi
o ao uso humano.4 Aquelas crianças gregas  profanaram
 bido
 bid profanaram o 
dinheiro na medida em que deram um uso completamente 
que
distinto a ele. De súbito, a profanação transforma o dinheiro, 
e atualmente é um fetiche, em um  brinquedo
que
qu brinquedo  profa
profano
no..
Agamben concebe a religião a  partir  do  termo latino re 
partir  do
 
leyere, Ela signifca,  portanto, estar  atento, desperto, vigiar  
 portanto,
sobre as coisas que são sagradas e garantir  qu e se mante
que
nham separadas do restante. Essa separação é essencial   para
para 
a religião. Profanação significa então  prat
 praticar  um ato de
icar  de  
negligência consciente contra essa vigilância. Aquelas crian
ças gregas mostraram negligência simplesmente   brincando
brincando 
com dinheiro. Portanto, a profan
 profanação é um
ação uma  prática da liber  
a prática
noss liberta da transcendência e de todas as formas 
dade que no
de subjetivação. A profanação abre, assim, um espaço de jogo   
da  imanência.
da

 
4_ Ct. Giorgio Aganiben. I’m/aiianus. I rad. de Selvino |osc Ass- 
niann. São Paulo: Boircmpo, 2<H)7.
 

Existem dois modos
modos  de  pen
 pensam
samento: o que trabalha e o 
ento:
que
qu  joga. Tanto o  pens
e joga.  pensamento de Hegel como o de Marx 
amento
é regido  pe princípio do
lo  princípio
 pelo do  trabalho. Da mesma maneira, O 
ser  e o tempo de Heidegger  também é devedor  do trabalho. 
O «Dasein» em seu «cuidado» [<So/ve] ou «angústia» 
não
nã joga. Somente o último Heidegger  descobre o  jogo
o  joga. jogo 
com  base na «serenidade». Assim, ele interpreta o  próprio 
 próprio
jogo. Ele investiga o «aberto de campo de 
mundo como  jogo.
 jogo
 jogo que mal  presse
que pressentimoss e qu
ntimo e mal levamos em conta».5 
que
O «espaço-de-jogo-temporab  remete a um espaço-tempo 
livre de qualquer  forma de trabalho. E um espaço-aconte- 

cimento, no qual a  psicologia como meio de subjetivação é 
 psicologia
completamente superada.

5__ Marrin Heidegger.
5__     .¡iicsiôcs /11 //2\i//¡ci/ic,/? .Li /ibsoNd: 1'ivnicniih 
<c/c/os da looiíAi. Trad, de Marco Antonio Casanova. Sào Paulo: \X Mb 
 

Martins Fontes. 2o i T o 3<Sss.

B IG DATA
0 OVO DE COLOMBO
Bentham compara seu  pan-óptico ao ovo de Colombo. 
 pan-óptico
Ele seria aplicado a todos os ambientes de confinamento 
disciplinares  e  possi
disciplinares possibi
bilit
litaria um monitoramento muito mais 
aria
eficiente dos internos.1 Bentham acredita qu e seu  pan-ópti- 
que pan-ópti- 

co representaria um corte dramático na ordem social:
O que você diria se,  pela gradual adoção e diversificada 
que
aplicação desse único  princíp io, visse um novo estado de 
princípio,
coisas difundir-se  pela sociedade civilizada?2

Os big data serão revelados o ovo de Colombo da socieda
               
de de controle digital, muito mais eficientes do que o  pan- 
-óptico  bentha
benthami
minia
pan- 
no? Os big data serão realmente capazes 
niano?
o apenas de monitorar  o comportamento humano, mas 
não

de sujeitá-lo a um controle  ps
 psico
icopo
políti
lítico? Distingue-se no
co?

;      |ere-»w Bctuham. ( >/.’///-.p///'¡1
I ew Lidi-ii.
 

iímlo: Autentica. 2<   p.

 
J ibid..  p. 3 ! 5.
ibid.. 

horizonte da sociedade civilizada mais uma vez um drama 
uma
totalmente inesperado?
big  data tornam  possível um
Em todo caso, os big a forma de
uma
controle muito   Oferecemos uma visão em 360°
uma
dos seus clientes» é o slogan da empresa de big data norte- 
-americana Acxiom. De fato, o  pan-óptico digital oferece 
uma
um a visão em 360° dos seus internos. O  pan-óptico
pan-óptico de Ben- 
tham está ligado à óptica
óptica   pe
 persp
rspect
ectivi
ivista. Desse modo, são 
sta.
inevitáveis  pon tos cegos no
 pontos noss quais os  pri
 prisi
sioneiross  po
oneiro dem 
 podem
 perseg
 per uir  seus  pen
seguir   pensam
samen tos e desejos secretos sem serem 
entos
notados.
M A vigilância digital é mais eficiente  porque
porque é
ta. Ela é livre de limitações  pe
 persp
rspec
ecti
tivi
vistas qu
stas e são caracte
que
rísticas da óptica analógica. A óptica digital  poss
possib
ibilita a vi
ilita
partir  de qualquer  ângulo. Assim, elimina  ponto
gilância a  partir  pontoss 
cegos. Em contraste com a óptica analógica e  persp
perspec
ectiv
tivista, 
ista,
a óptica digital  pode
pode espiar  até a  psiqu
 psique.
e.

DATAÍSMO
 New  York  Times David  Brooks3 anunciou uma revo
 No New
lução dos dados. Profeticamente,  seu anúncio soou como

1 )isponívcl  em: <\vww.nytimes.coin/2()13/()2/<b/opinion/ 

79
   
O  fim da teoria, de Chris Anderson.4 O «dataísmo» traduz 
essa nova crença:

Se você me  pedisse  para descrever  a filosofia que está na 
 para

ordem do dia, eu diria que é o dataísmo. Agora temos a 


    de reunir  enormes quantidades de dados.
capacidade    Essa 
capacidade  parece levar  consigo certa suposição cultural 
 parece
 —  de que tudo o que  pode
pode ser  medido o deve ser; de que 
os dados são uma lente transparente
transparente  e confiável que nos 
ite filtrar  o emocional e a ideologia; de que vão nos 
 permite
 perm
prever  o futuro. [...] 
ajudar  a fazer  coisas notáveis, como  prever 
a revolução dos dados no noss oferece um instrumento excep

 para entender  o  present
cional para presente
e e o  passado..5
 passado

O dataísmo surge com a ênfase em um segundo  Iluminis- 
com
mo.  No  primeiro  Iluminis
 Iluminismo,
mo, acreditava-se que a estatística 
seria capaz de libertar  o conhecimento do teor  mitológico; 
 por  isso, a estatística foi festejada com euforia  pelo primeiro 
pelo  primeiro
Iluminismo. A luz da estatística,  Voltaire almejava um umaa his
tória qu e fosse separada da mitologia.
que acordo  com ele, a 
mitologia.  De acordo
estatística seria um «objeto de curiosidade  para quem quer  
r  a história como cidadão e como filósofo».  Apenas a histó
ler 
le
ria qu
quee fosse reavaliada  pela
pela estatística seria filosófica:

Disponível  em: < wwwAvired.com/20i )S/Uó/pb-theory> [N.TJ.

 
   

o Tlic \cir York Times. 4/2/2<H3.

80
Os números da estatística são o  fundamento  por  meio do 
qual Voltaire  pode
pode articular  sua desconfiança metódica con
tra cada historia que existe apenas como narrativa, contra a 
i’clha historia, que,  para beiram sempre o mitológico/’
 para ele,  beiram

Para Voltaire, estatística significa esclarecimento.  À nar 
rativa mitológica opõe-se o conhecimento  fundamenta do con 
 fundamentado
duzido  por 
 por  números.
A transparencia é  a  palav
palavra-c
ra-chav
havee  para o segundo  Iluminis
 para  Iluminis-- 
mo. Os dados são um médium transparente: são, como tam
 bém se  pode 1er  no artigo
artigo  do  New York  Times, urna «lente 
   
transparente e confiável». O imperativo do segundo Ilumi- 
nismo é: tudo deve se tornar  dados e informação. Esse totali
tarismo ou fetichismo dos dados marca o segundo Iluminis- 
mo.. O dataísmo, qu
mo quee acredita que qualquer  ideologia  pode
pode 
para trás, é em si mesmo um
ser  deixada  para umaa ideologia: conduz 
a um totalitarismo digital. Assim, é necessário urçi terceiro  Ilu-
Ilu- 
minismo, ququee nos ilumine mostrando qu quee o Iluminismo
Iluminismo  di
gital se converte em servidão.
Os big data devem libertar  o conhecimento da arbitrarie
dade subjetiva. A intuição não representa
representa  nenhuma forma 
de conhecimento superior: ela é algo meramente subjeti-

6  Rüdiger Campe. /)</.< Spici dei
   ahrscliciidicida  n. Lili ¡alar and tte- 
rcchiiuna zirPcheii Pascal and Kh ísi. Gõcringen: Wallstein. 2   )2,)2,  p. 399. 
 

81

vo, um recurso qu e compensa a falta de dados objetivos. De 
que
acordo com esse argumento, em uma situação complexa, a 
intuição é cega. Até mesmo a teoria ca caii sob suspeita de ser  
ideológica. Quando dados suficientes estiverem disponí
veis, a teoria se torna dispensável. O segundo Iluminismo 
é o tempo do  puro
puro conhecimento movido a dados. Dito co m a 
com
retórica  profética de Chris Anderson:
profética

Esqueça toda a teoria do comportamento humano, da lin
lin

guística à sociologia. Esqueça a taxonomia, a ontologia e 
a  psi
 psicol
cologia. Quem sabe  por  qu
ogia. quee as  pessoas fazem o que 
fazem? A questão é que fazem, e  podemos
podemos rastrear  e medir  
isso com umumaa fidelidade sem  prece
preceden tes. Com dados su
dentes.
ficientes, os números falam  por 
por  si mesmos.7

O médium do  primeiro Iluminismo é a razão. Em nome 
 primeiro
da razão foram suprimidos a imaginação, a corporalidade e o 
desejo. Um
Uma por  trans
a dialética fatal do Iluminismio acaba  por 
formá-lo em barbá rie.. Essa mesma dialética ameaça o segun
 barbárie
do Iluminismo, ququee recorre a informações, dados e trans
 parê
 parência. O segundo Iluminismo  prod
ncia. uz uma. nova forma 
 produz
de violência. A Dialética do Esclarecimento afirma que o 
Iluminismo, ao começar  a destruir  os mitos, foi se emara-

7_  lE/rcí/, k)/7/2O(»S. Para o termo «dataísmov>, ct. também 7Ú-//J ’ />- 


 

i/j/c, v. X. Berlim, 2o 13.
 
 

nhando cada vez mais em uma mitologia.: «A falsa clareza 
uma
é apenas uma outra expressão do mito»? Adorno diria que a 
uma
transparência também é um
umaa outra expressão do mito e que 
o dataísmo  prom ete um
 promete a falsa clareza. Essa mesma dialética 
uma
transforma o segundo Iluminismo, que se opõe à ideologia,  
em uma ideologia e em um
uma a barbárie dos dados.
uma
O dataísmo se mostra como dataísmo digital. O dataísmo 
renuncia  a todo nexo de sentido. A linguagem é 
também renuncia
completamente esvaziada de seu significado:

Os acontecimentos da vida não têm nem começo nem 
não
maneira  idiota. Por  isso tudo é 
fim. Tudo transcorre de maneira
igual. A simplicidade se chama dada.9

Dataísmo é niilismo.10 Ele renuncia inteiramente ao sen
tido. Dados e números são aditivos, não narrativos. O senti
não
do baseia-se na narração. Os dados preenchem
do,, ao contrário,  baseia-se  preenchem 
o vazio do sentido.

S_ Theodor W. Adorno e Mar\ Horckheimer. Dhilcliüi  Jo
 Jo cschucii- 
 

  : >
iu ' h í   
mciiio:  i c i iu
1  \  filosóficos. Trad. de Guido Antonio de Almeida. Rio 
de  janeiro: Zahar. 19S5, p. 14.
 janeiro:
 
9_  
Trisran 1 /ara. Sicbcii i ).¡ d.i-Lm i/o íc\  Hamburgo: Nautilus.
   

 
i 97o, p. i 2.

10 Ch Bvung-Chul Han. Diiijiuiius iiná Xiliilisiims. ZlilT Oiiliiie. 
   

27/9/201 1.

Atualmente, os números e os dados nao são apenas ab- 
solutizados, mas também sexualizados e fetichizados. O 
Quantified  Self  autoconhecimento  através dos números, é 
 pratic
 pra ado,,  por  exemplo, a  part
ticado ir  de um
 partir  a energia libidinosa. 
uma
O dataísmo desenvolve características  libidinais, chegando a 
traços  por
 porno
nográ
gráfic os. Os dataístas copulam com dados. As
ficos.
sim, fala-se entrementes de «datassexuais». Eles seriam «im
 placa
 placavel
velme
ment e digitais» e considerariam os dados «sexy».11 O 
nte

digitus se aproxima do phallus.
 phallus.

QUANTIFIED SELF

 A  crença na mensurabilidade e na quantificabilidade da 
vida domina toda a era digital. O quantified  self  também
 também 
reverencia essa crença. O corpo é equipado com sensores 

que registram dados automaticamente. São medidos a tem
tura corporal, os níveis de glicose no sangue, a ingestão 
 peratura
 pera
e o consumo de calorias, os deslocamentos ou os níveis de 
gordura corporal. Durante a meditação os  bati
 batimentoss car 
mento
díacos são medidos. Até mesmo nonoss momentos de repouso 
eficiência  têm importância. Estados de 
o desempenho e a eficiência
ânimo, sensações e atividades cotidianas também são regis-

84

trados. O desempenho corporal e mental deve ser  melhora

do através da autoaferição e do autocontrole.  No
No entanto, o 
pergunta quem sou 
 puro acúmulo de dados não responde à  pergunta
eu? O quantified  self  também é umumaa técnica dataísta de si que 
o esvazia completamente de sentido. O si mesmo é desman
chado em dados até qu e se torne insignificante.
que
O lema do quantified  self  é: Self  knowledge through num  
         
bers («autoconhecimento através dos números»). Por  mais 
abrangentes que eles sejam, dados e números não  produze
que m 
produzem
autoconhecimento.  Os números não contam nada sobre o 
eu.  Não há narrativa. Mas o eu se deve a um
uma a narrativa,  Não 
a contagem, mas a narrativa é que conduz ao encontro de si 
e ao autoconhecimento.
O antigo cuidado de si está ligado às  práticas de registro 
práticas
sobre si mesmo. A  publicatio sui (Tertuliano) é umuma a  par
 parte
te
essencial do cuidado de si mesmo:

Escrever também era importante na cultura do cuidado de 
si. Uma de suas características mais significativas implica
va tomar  notas sobre si mesmo qu e  precis
que precisavam ser  relidas, 
avam
escrever  tratados ou cartas  para amigos  pa
 para ra ajudá-los e 
 para
carregar  cadernos com o intuito de reativar pa ra si mesmo 
 para
as verdades necessárias.12

12_ Foucault, Teciioloyíds del  yo y otros textos a/mes,


  a/mes,  op. cit., p. (>l.

publicado sni se dedica a urna  busca
A  publicado busca  pela
pela verdade. Os re
gistros sobre si mesmo servem a umuma a ética do eu. O dataísmo, 
ao contrario, esvazia o automonitoramento (self-trackiny) de 
qualquer  ética e verdade e o transforma em mera técnica de 
autocontrole. OsOs  dados coletados também são  pu  publi
blicadoss e Z 
cado
trocados. Assim, o automonitoramento se assemelha cada ve vezz z   
mais à autovigilância. O sujeito contemporâneo é um em
 preendedor 
 preende que  se autoexplora. Ao mesmo tem
dor  de si mesmo que
 po, é um fiscalizador  de si  próprio
próprio.. O sujeito autoexplorador  
traz consigo um campo de trabalhos forçados, no qual é ao 
mesmo tempo carrasco e vítima. Como sujeito que
que  expõe e 
supervisiona a si  próprio, ele carrega consigo um  pan-óptico
próprio, pan-óptico 
no qual é, de urna só vez, o guarda e o interno. O sujeito 
     
digitalizado e conectado é um  pan-óptico de si mesmo. Dessa 
maneira, o monitoramento é delegado a todos os individuos.
0 REGISTRO TOTAL DAVIDA
cada dique que damos e cada termo
que termo  que  pesq
 pesqui-
ui-
samos ficam
gistrado.  No
 Nossa vida é completamente reproduzida na rede 
ssa
digital. Os nossos hábitos digitais  proporcionam uma repre
proporcionam
sentação muito mais exata de nosso caráter, e nossa alma,
talvez até mais  pr
 prec
ecisa ou mais completa do qu
isa e a imagem 
que
e fazemos de nós mesmos.
que
qu

86

 
Hoje, o número de endereços na we webb é  praticam
praticamente ili
ente
mitado. Assim, é  possível fornecer  a cada objeto de uso un
 possível uníí 
endereço internet. As  pró
 próprias coisas se tornam emissoras 
prias
ativas de informações: sobre a nossa vida, nosso fazer, nos- 
sos costumes. A expansão da internet das  pesso
 pessoas
as (web 2.0) 
 para a internet das coisas (web 3.0) completa a sociedade de 
controle digital. A we
webb 3.0 torna  possíve
 possívell um registro
registro  total 
da vida. Agora também somos monitorados  pelas pelas coisas que 
utilizamos cotidianamente.
Somos,  por  assim dizer,  pris
 prision
ioneiros de uma memoria 
eiros
total de caráter  digital. pan-óptico de Bentham,  por 
digital.  O  pan-óptico por  ou
ou

tro lado, carece de um sistema de registro eficiente. Existe 
apenas um livro das  puniçõe
puniçõess disciplinares que lista os cas
que
tigos aplicados e suas causas. A vida dos  pr
 presos não é re
esos re

gistrada. De qualquer  maneira, ao Grande Irmão também 
 permane
 perm ce oculto o qu
anece e as  pessoas  pen
que  pensam ou desejam. 
sam
Em contraste com o Grande Irmão, que  prov
que  provavel
avelmente 
mente
esquecido,  os big data não esquecem nada. Já  por 
é muito esquecido, por  
pan-óptico digital é mais eficiente
esse motivo, o  pan-óptico eficiente  do que o 
que
 benthaminia
 benthaminiano.
no.
 Nass eleições norte-americanas,  big
 Na  data e data-mining 
   

de dados se revelam, de fato, o ovo de Colombo. Os can
didatos têm um
umaa visão em 360° dos eleitores. Gigantescas 
quantidades de dados de diferentes fontes são coletadas, na 

87

compradas  e conectadas entre si,  para que  possam 
verdade compradas
perfis eleitorais  bem
duz  perfis
 produz
 pro bem definidos. Com isso, também se 
adquire uma visão da vida  pri
uma  privada e mesmo da  psique dos 
vada
eleitores. O micro-targeting é aplicado  para abordar  os elei
 para
tores com mensagens direcionadas e  perso
tores  persona
naliz
lizadas,, e assim 
adas
influenciá-los. O micro-targeting como
como   prá
 prática da microfísica 
tica

do  poder, é um
 poder, a psicopolítica
uma    dados. Os algoritmos 
 psicopolítica movida por 
 prognósticos sobre o 
inteligentes também permitem realizar  prognósticos
comportamento eleitoral e otimizar  o discurso. Os discursos 
muito  das 
eleitorais individualmente adaptados não diferem muito
 propag
 propagan
andas personalizadas. Cada vez mais, votar  e comprar, 
das personalizadas.
Estado e mercado, cidadão e consumidor  se assemelham. O 
micro-targeting se torna a  prática geral da  psic
prática psicop
opo
olíti
lítica
ca..
O censo demográfico, que representa uma  prá
uma  prática bio- 
tica
 política da sociedade disciplinar, oferece
oferece  um material que é 
utilizável demográficamente, mas nã o  psicologicame
não  psicologicamente.
nte. A  bio-
bio-  $
 políti
 po ca nã
lítica o  per
não  permit e um acesso sutil à  ps
mite  psique.. A  psic
ique opo
 psicopo
outro  lado, é capaz de intervir  de forma 
lítica digital,  por  outro í/
 prospe
 pro spect
ctiva noss  processos
iva no processos  psíq
psíquicos.. Talvez ela seja até mais 
uicos ¿
rápida do qu e o livre-arbítrio,  podendo ultrapassá-lo. Isso 
que ¿a
significaria o fim da liberdade.13

13_  Cf. V. Mayer-Sdiönberger e K. C.ukier. Be; Dani: Die Rci’olu- 


           

lou. die unser Leben wandern wird. Munique: Kedline. 2»H3. p. 203.

88

O INCONSCIENTE DIGITAL

Os big data talvez tornem legíveis aqueles nossos desejos 
dos quais nós mesmos não estamos propri
 propriam
amen te conscientes. 
ente
De fato, em determinadas situações, desenvolvemos inclina
ções que escapam à nossa consciência.
consciência.  Muitas vezes, nenemm se
por  que de repente sentimos certa necessidade.  
quer  sabemos  por 
O fato de umumaa mulher  em determinada semana de gravidez 
desejar  determinado produt o, implica um
 produto, umaa correlação da qual 
ela mesma não está consciente. Ela simplesmente compra 
aquele determinado  produt o, mas nã
produto, não por  quê.  E  assim 
o sabe  por 
mesmo. Esse «é assim mesmo» talvez tenha um uma a  proxim
proximida de 
idade
 psíqu
 psíquic a do id freudiano, que escapa ao eg
ica egoo consciente. Vis
tos dessa forma, os big data fari am um ego a  partir 
 fariam
   partir  do id  que se 
deixa explorar   psico
psicopo
polit
litica
icame nte.. Se os big
mente big  data oferecessem  
acesso ao inconsciente de nossas ações e inclinações, então 
seria  possível
possível imaginar  um
uma a  psic
psicop
opololít
ítica que interviria  pro
ica pro
fundamente em nossa  psique
psique  para
para explorá-la.
De acordo com Walter  Benjamín, a câmera de cinema 
 permi
 per mitete o acesso a um «inconsciente óptico»:

plano aumenta-se o espaço, com o ralenti o 
Com o grande  plano
movimento adquire novas dimensões. [...] Assim se torna 
compreensível  que a natureza
natureza  da linguagem da câmera seja 
diferente da do olho humano. Diferente,  prin
 princip
cipalm
almente, 
ente,
ue em vez de um espaço preench
 porque
 porq ido conscientemente 
 preenchido

89

 pelo homem, surge um outro  pree  preench
nchidoido inconsciente
mente. [...] Em geral, o ato de  peg ar  num isqueiro ou 
 pegar 
numa colher é-nos familiar, mas mal sabemos o que se  pas pas
sa entre a mão e o metal ao efetuar  esses gestos,  par a não 
 para
falar  de como neles atua a nossa flutuação de humor.
humor.  Aqui, 
a câmera intervém com os seus meios auxiliares, os seus 
«mergulhos» e subidas, as suas interrupções e isolamentos, 
os seus alongamentos e acelerações, as suas ampliações e 
reduções. A câmera leva-nos ao inconsciente óptico, tal 
como a  psicanálise
psicanálise ao inconsciente da
dass  pulsões.14
pulsões.
Poderia se estabelecer  uma analogia entre os big data e a 
uma
câmera de cinema. Como uma lupa digital, o data-mining 
ampliaria as ações humanas e revelaria,  por 
por  trás do espaço de 
pela consciência, um campo de ação estru
ação estruturado  pela
turado de maneira inconsciente. A microfísica dos big data 
tornaria visíveis actomes, isto é, microações que escapariam à 
consciência. Os big data também  pod  poderi am  prom
eriam  promove r   pa
over 
drões coletivos de comportamento dos quais não seríamos 
conscientes como indivíduos. Com isso, o inconsciente co co

letivo ficaria acessível. Analogamente ao «inconsciente
«inconsciente  óp
tico», a inter-relação microfísica ou micropsíquica também

I4_ Walter Benjamin.  Sobre one, léciiho, liiioiioociii t politico. I rad.
rad.  
de Maria Luz Moita. Mana Amélia Cruz e Manuel Alberto.  Lisboa: 
 

Relógio D'Agua, 1992. pp. 104-5.
pp. 

90

 pode
 po ría ser  chamada de inconsciente
dería  digital. A  ps
 psico
icopo
polít
lítica 
ica
digital seria então capaz de aproveitar  o comportamento da
dass 
massas em um nivel que escapa à consciência.

GRANDE NEGOCIO
Atualmente, os big data não se manifestam apenas na for 
ma do Grande Irmão, ou seja, do  Big  Bro ther,, mas também 
 Brother
de um big deai. Antes de tudo, os big data são um grande ne
gocio: os dados  pessoai
 pessoaiss são completamente monetarizados 

 comercializados. Hoje, as  pessoa
ezadas  pessoass são tratadas e comerciali
 como paco tess de dados qu
 pacote podem ser  explorados eco
e  podem
que
nomicamente. Assim, elas  pr  própriass se tornam mercadoria. 
ópria
 Big  Brother  e big deal se aliam. O Estado de monitoramento 
e o mercado se tornam um um..
A empresa estadunidense de análise dos big data Acxiom 
 pessoaiss de cerca de 300 milhões de 
comercializa os dados  pessoai
cidadãos norte-americanos, ou seja, de quase todos os ci
dadãos. Dessa maneira, a Acxiom sabe mais coisas sobre os 
cidadãos norte-americanos do qu e o    .  Na Acxiom, as 
que
 pessoas são divididas em setenta categorias, e oferecidas em 
um catálogo como mercadorias. Para cada necessidade há 
para comprar. Pessoas com um valor  econômico  baix
algo  para o 
baixo
são denominadas com o termo waste («lixo»). Consumido
res com alto valor  de mercado se encontram no grupo shoo- 

91

ting star. São dinâmicos, casados, têm entre 36  e 45 anos, 
sem filhos, levantam cedo  par a correr, gostam de viajar  e 
 para
veem Seinfeld.
Os big data inauguraram uma nova sociedade de classes di 
gital. Quem está na categoria «lixo»  pertenc em à classe mais 
pertencem
 baixa. Aos indivíduos com  pontu ação ruim são negados 
 pontuação
junto ao  pan-óp
empréstimos. Logo,  junto tico surge um «ban- 
 pan-óptico
pan-óptico monitora os internos
-óptico».15 O  pan-óptico internos  incluídos no 
sistema. O  ban-óptico
ban-óptico é um dispositivo qu quee identifica como 4  
estranhas  ou hostis ao sistema e as ex  
indesejadas as  pessoas estranhas
clui (em inglês: to batí). O  pan-óptico
pan-óptico clássico serve  para
para dis
 
ban-ópticos garantem a segurança e a eficiência 
ciplinar; os  ban-ópticos
do sistema.
O  ban-óptico digital identifica  pessoas que são econo
 ban-óptico econo

micamente inúteis como lixo. O lixo é algo que  precisa ser  
eliminado:

São todos redundantes. Dejetos ou refugos da sociedade. 
Em suma, lixo. «Lixo» é,  por  definição, o antônimo de 
«coisa útil», denota objetos sem utilidade  possível. CoComm 
efeito, a única habilidade do lixo é sujar  e atravancar  um 
espaço que, de outro modo,  pod eria ser   pro
 poderia  provei
veitosa
tosame
mente
nte

!.•)_  
Zvgmunr Bauman. I gil   din ia haiiida: Dialog m/// Daeid Lyoii. 
gil din
frad.  de Carlos Alberto Medeiros. Bio de ¡aneiro: Zallar. 201 L pp. 52ss.
frad.

empregado. O  princ
principal  propós
ipal ito do  ban-óptic
propósito o é garan
ban-óptico
tir  que o lixo seja separado do  produto
produto decente e identifi
cado a fim de ser  transferido  para
para um depósito adequado.16
ESQUECER
A memória humana é uma narração, um umaa narrativa  para
para 
a qual o esquecimento é essencial. A memória digital,  por  
outro lado, é uma adição e acumulação se m intervalos. Os
sem
dados armazenados são contáveis, mas não narráveis. Sal
var  e recuperar  é fundamentalmente diferente da memó
memó 

ria, que é um  proces
que processo
so narrativo. A autobiografia também 
é um escrito narrativo de lembrança. A linha do tempo 
(timeline),  por  outro lado, não narra nada. É uma simples 
enumeração e adição de eventos ou informações.
A memória é um  pr  proc
ocesso dinâmico e vivo em qu
esso e di
que
ferentes  pe
 perío doss de tempo interferem e se influenciam 
ríodo

mutuamente. Está sujeita a transcrições e reagrupamentos 
considera  a memória humana um orga
constantes. Freud  considera
nismo vivo:

Você sabe, eu trabalho com a suposição de que nosso me
canismo  psíquico
psíquico aparece através de camada sobre camada: 
o material  pre
 presente na forma de traços de memória sofre 
sente

lô__ Ibid.. p.  7.

 
de tempos em tempos um um  rearranjo, um
umaa transcrição após 
novas relações. O essencialmente novo em minha teoria é a 
afirmação de que a memoria se apresenta não de urna
urna  for 
ma, mas de várias formas, em diferentes maneiras de traços.

Assim, não existe o  passa
 passado
do qu
quee se mantém igual e é re
mesma  forma. 17|A memoria
cuperável na mesma memoria  digital se constitui 
de momentos  pr  pres
esentes indiferentes ou,  por  assim dizer, de 
entes
momentos  zumbis. Falta-lhe esse horizonte temporal
temporal  esten
constitui  a temporalidade dos viventes. Com isso, a 
dido que constitui
vida digital perde sua vitalidade. A temporalidade do digital 
digital   perde

é a dos mortos-vivos.

ESPIRITO
Os big  data sugerem um conhecimento absoluto. Tudo
Tudo  
é mensurável e quantificável. As coisas revelam suas corre
lações secretas, qu e até então estavam ocultas. Do mesmo 
que
modo, o comportamento humano também deve se  previsí
r  previsí
ser 
vel. Um
Uma a nova era de conhecimento é anunciada.
anunciada.  As corre
lações substituem a causalidade. O é  assim mesmo substitui o 
 por  quê. A quantificação da realidade movida a dados afasta 
completamente o espírito do conhecimento.

 
Para Hegel, o filósofo do espírito, o conhecimento total 
 prometi
 pro do  pelos big data  pa
metido  parec
receria um
eria um  não saber  absoluto. 
não
A  Lógic pode ser  lida como a lógica do conheci
 Lógicaa hegeliana  pode
mento. De acordo  com ela, a correlação representa o está
De  acordo
gio mais  primitivo do
primitivo do  conhecimento. Um
Umaa forte correlação 
entre  A e B afirma o seguinte: quando
entre quando  A se altera, também 
ocorre uma alteração em B. Em um
uma a correlação,  por  mais 
uma
forte que seja, não se conhece absolutamente o  porquê
 porquê dessa 
alteração. É simplesmente assim. Trata-se de uma relação de 
uma

 probab
 pro babili
ilidade, e nã
dade, não Na correlação, A ocor 
o de necessidade.  Na
re frequ
 frequentement
  entementee jun
 junto
  ponto que a correla
to com B. E neste  ponto
ção se diferencia da relação causal. Já a necessidade é distinta 
 por  essa relação causal: A causa B.
A causalidade não é o mais alto nível de conhecimento. 
A reciprocidade é umuma a relação mais complexa do qu e a re
que

lação causai. Ela afirma: A e B se condicionam mutuamente. 
Existe um
uma a conexão necessária entre ambos. Mas, mesmo no 
reciprocidade,  a conexão entre A e B ainda nã
estágio da reciprocidade, o 
não
de ser  concebida (begriffen):
 pode
 po

Quando se fica na consideração de dado conteúdo simples
 ponto de vista da ação-recíproca, isso é de fato 
mente sob o ponto
um comportamento inteiramente carente-de-conceito.18
 

Só o «conceito»  prod uz o conhecimento. Ele é C, que 
 produz
conceitualiza dentro de si A e B, e através do qual ambos são 
conceitualizados. É a ligação mais elevada, que abrange A e 
B e a  partir  da qual a relação entre de A e B  pode ser  fun
 partir 
damentada.  Portanto, A e B são «momentos de um terceiro, 
damentada.
superior». O conhecimento só é  possível
possível no nível do conceito:

por  ele, as co
O conceito é o imánente às coisas mesmas;  por  coii
sas são o que são; e conceituar  um objeto significa,  por  
 por 
isso, ser  consciente de seu conceito.19

Só a  partir  do conceito C  oniabrangente é  possível uma 
concepção integral da correlação entre A e B. Os big data co
locam à disposição apenas um conhecimento muito elemen
tar, as correlações, nas quais nada é concebido. Os big data 
não têm conceito nem espírito. O conhecimento absoluto que 

sugere coincide com a falta de saber  absoluta.
O conceito é um a unidade qu
uma e envolve (ein-schließt) e con 
que
cebe (ein-begreift)  em si os seus momentos. Tem a forma de um
um  
silogismo (Schluß), no qual tudo está envolvido (inbegreifen).
 

«Tudo é silogismo» significa «tudo é conceito».20 O co
absoluto  é o silogismo absoluto. A definição 
nhecimento absoluto
de absoluto é «silogismo».21 Só a adição continuada nã nãoo 
 produz nenhum silogismo. silogismo  não é uma adição, 
silogismo.  O silogismo
mas umuma a narração. O silogismo absoluto é algo qu quee exclui 
(ausschliefty umuma a nova adição. O silogismo como narração 
é uma contrafigura da adição. Os big data são  puramente 
aditivos e não atingem nunca nenhum silogismo ou ou  con
con
clusão. Ao contrário das correlações e das adições que os 
produzem, a teoria representa um
big data  produzem, uma a forma
 forma 
   de conhe 
cimento narrativa.
espírito  é um silogismo, um
O espírito uma a totalidade em qu quee suas 
tess são racionalmente suspensas (aufgehoben). A totalidade é 
 parte
 par
uma
um a forma de silogismo. Se Sem m o espírito, o mundo reduzido 
à mera adição se desintegra. O espírito forma sua interiorida- 
de e o repositório ququee reúne tudo dentro de si. A teoria tam
 bém é um silogismo qu e concebe em si as  part
que es  e as envolve. 
partes
O «fim da teoria» anunciado  por  Chris Anderson implica,
em última instância, dar  adeus ao espírito. Os big data deixam 
que
qu e o espírito se atrofie completamente. A ciência do espíri
to movida apenas a dados já   já não é, com efeito, um umaa ciência 
20_ lbid., p. 31ó. 

21__ lbid.,p. 315.

97

do espírito. O conhecimento de dados total é um
um  não saber  
absoluto no grau zero do espirito.
 A  ciencia da lógica, Hegel afirma: «O silogismo é o ra
Em A
cional e todo o racional».22 Para ele, o silogismo não é urna 
categoria da lógica formal. Um silogismo ocorre quando 
o começo e o fim de um  pro
 processo formam uma conexão 
cesso
com sentido, um a unidade doadora de sentido. Portanto, 
uma
ao contrário da mera adição, a narração é um silogismo. 
O conhecimento é um silogismo. Os rituais e as cerimônias 
também são formas de silogismo. Eles representam um 
 proce
 processo narrativo. Assim, têm tempo, ritmo e compasso 
sso
 própri
 pró os. Como narrativa, escapam à aceleração. Por  outro 
prios.
lado, onde todas as formas silogísticas se deterioram, tudo 
escorre se
sem parar. A aceleração total ocorre em um mundo 
m  parar.
tornou  aditivo e cada tensão narrativa, cada 
onde tudo se tornou
tensão vertical, foi  perdi
perdida
da..
Hoje, a própria
 própria per
 percep ção é incapaz de silogismo, ou seja, 
cepção
de conclusão,  porq
 porque zapeando  na rede
ue está zapeando rede  digital infinita. 
Ela se dispersa totalmente. Apenas um demorar-se contem
 plativ
 pla o é capaz de silogismo.  Fechar  os olhos é  uma
tivo uma  alegoria 
ra o silogismo. A troca rápida de imagens e informações 
 para
 pa

torna o fechamento dos olhos, o silogismo contemplativo,

Id.

98

impossível. Se tudo o ququee é racional é um silogismo, então a 
   big data é       
era dos urna era sem razão.
ACONTECIMENTO
O método estatístico inventado no século XVII tirou o 
poetas e filósofos. Eles re
fôlego de cientistas, apostadores,  poetas re

corriam com grande entusiasmo à  probabi
probabilidade e à regu
lidade regu

laridade estatísticas descobertas naquela época. Essa euforia 
 pode
 pod  
e ser  comparada com a dos big data.  Naqu ela época, 
 Naquela
levou as  pessoas
pessoas a recuperar  a confiança na  providência di
providência
vina em frente à contingência do mundo. Assim se intitula 
um tratado sobre as estatísticas  pop
 popula
ulacionais escrito  por  
cionais
John Arbuthnot no século XVIII:  An  Argument 
 Argument  for 
    Divine 

 from the  Regularity observed  in the  Britis


Providence, taken from  Britishh 
 Births of  both     argumento   par
   Sexes [Um       Provi
a a Divina
 para
dência, retirado da
da  regularidade observada no
noss nascimentos 
 britânic
 brit os de ambos os sexos]. Os filósofos acreditavam po
ânicos  po
der  reconhecer  até mesmo o vaticinio divino e justific ar  a 
  justificar 
guerra no excesso estatisticamente apurado de recém-nas

cidos do sexo masculino em comparação com os do sexo 
feminino.
Immanuel Kant também se entusiasma  pela
 pela  possibilidade
possibilidade 
de cálculo estatístico, que  per
que mite reconhecer  um
 perm a regula
uma
ridade, incorporando-a a sua visão teleológica da história.

99

Por  um lado, ele  parte da liberdade da vontade. Po
 parte r  outro 
Por 
lado, restringe-a. De acordo com Kant, as manifestações 
do livre-arbítrio, ou seja, as ações humanas, são determina
das - assim como qualquer  outro fato natural -  por 
por  leis ge
ge

rais da natureza. Quando se observa o jogo
 jogo da liberdade da 
vontade humana «em linhas gerais»  pode-se
pode-se distinguir  um
umaa 
regularidade. Por  mais irregulares qu e as ações dos sujei
que

tos individuais  possam  parec
 parecer,
er,  pod
 pode-se reconhecer, no qu
e-se que

concerne à espécie, um «desenvolvimento continuamente 
 progre
 pro gressivo,, embora lento, das suas disposições originais». 
ssivo
Logo, Kant remete à estatística:

Porque a livre vontade dos homens tem tanta influên
cia sobre os casamentos, os nascimentos que daí advêm 
e a morte, eles não  pare cem estar  submetidos a nenhu
 parecem
ma regra segundo a qual se  possa de antemão calcular  seu 
número. E, no entanto, as estatísticas anuais dos grandes 
 países demonstram qu
quee eles acontecem de acordo com leis 
naturais constantes, do mesmo modo que as inconstantes 
variações atmosféricas, que não  podem ser  determinadas 
 podem
de maneira  particular  com antecedência, no seu todo não 
particular 
deixam, todavia, de manter  o crescimento das  pla
 plantas, o 
ntas,

fluxo dos rios e outras formações naturais num curso uni
forme e ininterrupto. Os homens, enquanto indivíduos, e 
mesmo  povos inteiros  mal se dão conta de que, enquanto 
povos inteiros
guem  pro
 perseguem
 perse  propós
pósitos
itos  par
 partic
ticula
ulares, cada qual  bus
res,  buscando 
cando
seu  próprio
próprio  provei unss contra os ou- 
to e frequentemente un
proveito

100

tros, seguem inadvertidamente, como a um fio condutor, 
o  propós
propósito natureza,  que lhes é desconhecido, e traba
ito da natureza,
lham  para sua realização.23

O  primeiro Iluminismo está essencialmente ligado à 
 primeiro
crença no conhecimento estatístico. A vontade geral de 
Rousseau também é o resultado
resultado  de uma operação estatísti- 
uma
         
co-matemática. Ela se forma sem nenhuma comunicação24 e é 
resultado de medias estatísticas:

Frequentemente  se estabelece uma diferença entre a von
 von
tade de todos e a vontade geral: esta só atende ao interesse 
comum, a outra só escuta o interesse  privado,, e não é 
 privado
mais do que a soma das vontades  partic
que particula
ulares; mas retirai
res;

Immanuel Kant, hlt m du num liislmm ¡> i!  Jc mu pomo  Jc 
     

 
¡'i-hi cosmmml ild. írad. de Rodrigo No\aes e Ricardo R. Ferra. 4. cd.
   

Paulo:  Martins F'ontes, 2uHö. pp. 5-4. A regularidade do> marrinio- 
Sao Paulo:
 
 

mos. dos nascimentos e das mortes Foi retirada por Kant d.t estatística


 
cd.  
 

estatística  
 

Cütre ! 74<’ e I 770. possivelmente do tratado  Je Je lohan Puter Sülamlclí.  


 

. I en/;?// dmiim nos inihldnrd< ãd  míd hltiimim, dciimiisddild d p'irhr de >mi 
dd:dínii’d!dt mmle c ivpivdiKdd. Cd. Rüdiger Campe. "Wahrscheinliche 
     

Geschichte:  poctologische Kategorie und mathematische Funktion 
     
Im  Joseph Vogl (Org.). Pncloloçicii des ll'issens nm
(Org.).     ISIH), Miimque: 
Wilhelm Fink. pp. 209-230.
 

24__ Em seu artigo AVas heißt Pie Mehrheit entscheidet?  ' |O que


seu 
        que    

nonifica   
nonifica <a maioria decide-i], Manfred Schneider aborda o aspecto
aspecto  
geral,  (d. Ci. Vismaim e T. Weirin (Orgsj. I /- 
estatístico da vontade geral,      

leilen/Iziiiscliciik’ii. Munique: Wilhelm Fink. dono. pp. 154-74. 

101

destas mesmas vontades os  pró
 próss e os contras que entre si 
se anulam e restará a vontade geral,
   como soma dessas 
diferenças.2'

Rousseau enfatiza expressamente o fato de que a determi
que
nação da vontade geral não requer  comunicação e tem mes
tem
mo que a descartar. A comunicação distorce a objetividade 

estatística. Assim, Rousseau  proí
 proíbe
be a formação de  pa parti
rtido
doss 
 polít
 po líticos e associações. Sua democracia não  po
icos  poss ui discurso 
ssui
e comunicação. Esse método estatístico  produ
 produzz uma sínte
se de quantidade e verdade.26 A  pergunta
pergunta de como se  pode
pode 
reconhecer  um  bom governo, Rousseau dá uma resposta
 biopolít
 biop ica. Ele tem o cuidado de nã
olítica. nãoo abordar  a questão de 
propósito da união  políti
forma moral: o  propósito ca nã
política não
o seria mais do 
que
qu e a  prese
preserva
rvação e o  bem-estar 
ção bem-estar  de seus membros. O sinal 
mais óbvio disso seria o aumento da  pop
 populaç ão. O melhor  
ulação.
governo seria, sem dúvida, aquele que  pe
sem  perm
rmiti sse que seus 
itisse
cidadãos mais e mais «se multipliquem». Assim, Rousseau 
exclama: «Homens dos cálculos, o assunto agora  pertenc e- 
 pertence-
-lhes: contem, meçam, comparem».27

2n__ ]ean-|acques  Rousseau.  í  > ¡ diiiddíd    i il.   r. id. 


>i I de Mará' ¡raneo 
 

de Sousa. Oeiras: Presença..  2u I (), p. 42.


 

Was  he i í  a I )ie M eh i heir enrscl «eider ■. op.   .  p. i o2.
26 _ Schneider. >■ Was
27  R oiissea ii. < ) cdiiíidid:  id I. op. air.. p. H ‘2.
 

A euforia atual em torno dos big data é muito  par  parecida 
ecida
com aquela em torno da estatística do século XV1I1, que, 
ém,, diminuiu rapidamente. A estatística corresponde, 
 porém
 por
com  efeito, aos big data da época. Logo surgiu
com surgiu  um
umaa resis
tência contra ela, especialmente  por 
por   parte
parte do Romantismo. 
A abominação da média e da normalidade é o afeto funda
mental desse movimento. O singular, o improvável e o re
 pentino se opõem ao estatisticamente  prová
prováve l. O Roman
vel.
tismo cultivou o  pec
 peculiar, o anormal e o extremo contra a 
uliar,
normalidade estatística.28
A repulsa à razão estatística também é compartilhada  por 
por  
 Nietzsc
 Nietzsche:
he:

A estatística  prova existem  leis na história. Ela  prova
prova que existem prova 
inclusive a vulgar  e repugnante  uniformidade da massa. 
Por  que não vão  praticar  a estatística em Atenas?! Vo
 praticar  Vo

cês sentiríam logo a diferença! Quanto mais a massa é 
vil e indiferenciada,  mais a lei da estatística é rigorosa. 
Mas logo que a multidão é de uma liga metálicametálica  mais 
fina e mais nobre, a lei vai  para o diabo. E exatamen-
 para

2S__ Cf.   Manfred   Schneider.   ^Serapiontische   Probabilistrik:  


Einwände gegen die
gegen die  Vernunft des groben Haufens». In: G. Neu
 

mann (Orig). Ho/]nninncsbe  ( icscliichlc:  Zu einer Lifcniiniirissenselhili 


 

als Kn11iiiH’issciisehei
issciisehei/!
/!. Würzburg: Königshausen & Neumann,  2005. 
     

pp. 259-70.

te nos  pínc
 píncaro s,  no mundo do
aros, espíritos,  vocês 
doss grandes espíritos,
podem mais contar:  por 
não  podem por  exemplo, com qu e idade os 
que
grandes artistas se casam? Abandonem toda a esperan
ça, vocês qu e  procu
que ram aqui uma lei! Assim, ainda que 
 procuram
existam leis na história, elas não têm
têm  nenhum valor, não
mais do que a  própr ia história, quer  dizer, aquilo que 
 própria
aconteceu.29
aconteceu.29

A estatística não leva em consideração «os grandes  perso
perso
nagens qu
que palco da história, mas apenas os figu
e atuam no  palco
rantes».30  Nietzs
Nietzsche se volta contra o tipo de história
che

que faz dos grandes instintos da massa o fator  histórico 

 primordial
 primord ial e que vê em todos os grandes homens somente 
a expressão mais clara destas forças, como  pequenas  bolhas
pequenas  bolhas 
de ar  qu para a superfície das ondas.31
e sobem  para
que

Para  Niet
 Nietzsche, os números estatísticos  provam apenas 
zsche,
que o homem é um animal gregário, que «os seres humanos 
crescem tornando-se iguais”. Esse tornar-se iguais também 

caracteriza a atual sociedade da transparência e da infor 

mação. Se tudo tem que ser  imediatamente visível, diver 
que
gências são quase impossíveis. Da transparência surge uma 
uma
 pressão  por 
por  conformidade que elimina o outro, o estranho, 
que
o desviante. Os big data tornam visíveis sobretudo os  pa
drões comportamentais coletivos. O  próprio dataísmo re
 próprio
força o crescer  tornando-se iguais. O data-mining  não é, em 
   
 princíp
 prin io, distinto da estatística. As correlações qu
cípio, e ele ex
que
 põe mostram o estatisticamente  prová
provável. São calculados os 
vel.
valores médios estatísticos. Assim, os big data não têm ne
ne

nhum acesso àquilo que é único. Eles são completamente 
que
   acontecimento.  Não é o estatisticamente  pr
cegos ao  prov
ovável,, 
ável
improvável,  o singular, o acontecimento qu
mas o improvável, quee determi
nará a história, o  futuro humano. Por  isso, os big data tam
 bém são cegos ao futuro.
 

105

A L ÉM DO SUJEITO 
PARA   AL
De acordo com  Ni
 Niet
etzs
zsche, à «naturalização»  do homem 
che,
 pertenc
 pertence para o absolutamente repentino e en
e a «disposição  para
trecruzado».1 Esse acontecimento que entrecruza o que é vá
que
lido até o momento e a ordem existente é tão imprevisível e 
repentino como um acontecimento natural. Está além de qual
quer  cálculo e  previsão.
 previsão. Dá início a um estado completamente 
novo. O acontecimento  põe em  jogo
jogo um  fora qu
quee rompe o 
sujeito e arranca-o de sua sujeição. Os acontecimentos apre
sentam rupturas e descontinuidades que abrem h  p   espaços
espaços  
de liberdade.
Seguindo  Ni
 Nietz
etzsche,  Foucault adere àquela ideia de his
sche,
tória qu
quee deixa «o acontecimento aparecer  em susuaa singula
     
ridade radical». Por  «acontecimento», Foucault entende «a 
inversão de um
uma a relação de forças», a «queda de um  poder, a 
poder,
reconfiguração de um
reconfiguração  a fala e seu uso contra o falante ante-
uma

 
’ íiicibiu! Nicrz^che.    - iVich-.‘Lis<cii>
I SSi  i -Soimnei ls<S2'. Krin><hc (HS-niífino^-ilh’.
 
  
I i ¡fu: ! ri
 

 
2. BerBiii. ¡975 p.

36

No acontecimento subitamente se fala outra língua. Há 
rior».2  No
a quebra da certeza dominante que invoca um
uma
um a constelação 
uma
do ser  completamente diferente. Os acontecimentos são vi
radas nas quais se realiza uma inversão, um
uma a subversão da 
uma

dominação. Um acontecimento dá lugar  a algo que faltava 
no estado anterior.
Ao contrário da vivência, a experiência se  baseia em uma 
uma
descontinuidade, significando transformação. Em um diálo
Foucault  lembra qu
go, Foucault e a experiência em  Nie
que  Nietz
tzsche, Blan- 
sche,
chot e Bataille serve  para
para

rasgar  o sujeito de si mesmo, de modo que não seja mais 
ele  próprio, ou que seja levado à sua destruição ou à sua 
 próprio,
dissolução.3

Ser  sujeito significa estar  submetido. A experiência arran
ca-o de sua sujeição. Ela se contrapõe à  ps  psic
icop
opolí
olítica neo
tica
       
liberal da vivência ou da emoção, que envolve o sujeito de 
que
maneira ainda mais  profunda
profunda em sua subjugação.

.?  
do. I9s7. p. su.
  Jci Siibncrrnm des II i<scns. Frankfurt: Fis- 
Michel Foucault. I u/i  Jci

kF. Dcr Menxli isi cm f:i¡nln im^.nicr. ( mgimcli mil Dinin iinmlhi-  

 
>

 Jmi. Frankfurt: Suhrkamp. 1990, p. 27.

107

Com Foucault, a arte de viver   pode
pode ser  concebida como 
a  prá
uma
um  prática de liberdade qu
tica e  prod
que uz um
 produz a forma de vida 
uma
completamente diferente.  Ela se realiza como uma despsi- 
uma
cologizaçao:

A arte de viver  significa matar  a  psico
psicolog ia e criar, a  partir 
logia partir  
de si mesmo e de outras individualidades, seres, relações, 
qualidades que não tenham nome. Se não se consegue 
isso, essa vida não vale a  pena
não pena ser  vivida.4

A arte de viver  se opõe ao «terror psicológico» que é apli
cado na subjetivação.
A  psicop
psicopolít neoliberal  é a técnica de dominação que 
ica neoliberal
olítica
estabiliza e mantém o sistema dominante através da  pro
gramação e do controle  psi
 psico
coló
lógic
gicos. Com  isso, a arte de 
os. Com
viver  como  prá
 prática de liberdade deve assumir  a forma de 
tica
uma despsicologização. Ela desarma a  psi
uma  psicop
copolítica como 
olítica

meio de submissão. O sujeito é despsicologizado,  esvaziado, 
ra qu
 para
 pa e se torne livre  pa
que ra aquela forma de vida que ainda 
 para
não tem nome.

4_ ld.. . \sihi iiL ¡ler ll.\ islciiz: Síliri/leu zur 1 .chciisViiiisi. Frankfurt:


    Frankfurt:  
Suhrkamp. 2007. pp. | | Oss.

109
IDIOTISMO

Em seu curso de 1980 sobre Espinosa, Deleuze observa 
o seguinte:

Literalmente, eu diria que se fazem de idiotas. Fazer-se 
que
de idiota. Fazer-se de idiota será sempre um função  da 
a função
uma

filosofia.1

Desde o início, a filosofia está intimamente ligada ao 
idiotismo. Todo filósofo que  produz
produz um novo idioma, uma 
uma
nova linguagem, um novo  pen
 pensam
samento, terá sido necessa
ento,
riamente um idiota. Só o idiota tem acesso ao completamente 

Outro. O idiotismo torna acessível ao pensam ento um campo 


 pensamento
de imanência de acontecimentos e singularidades  que escapa a 
qualquer  subjetivação e  psico
psicolog
logiza
izaçã
ção.
o.
A filosofia é um
uma a história de idiotismos. Sócrates, que só 
que  nada sabe, é um idiota. Descartes também é um idio-
sabe que

 
i__  (tifies 1 )ck-uze. /:/•■   T Ap.*/ j
p. 2s. Cf. P. Mengc. heiic ¡'idioi: Lt¡ 
   
 j

de 
<
 j:e.: (
 

 
.:
ca,  que  põe tudo em dúvida. Cogito ergo surn é  um idiotismo. 
Uma contração interna do  pe
Uma  pensa
nsame
mento torna  poss
nto  possível
ível outro 
 pensa na medida em que  pensa
começo. Descartes pensa pensa o pensamen
 pensamen 
to. O  pen
 pensa
samento recupera o estado virginal no qual ele se 
mento
refere a si mesmo. Ao idiota cartesiano, Deleuze opõe outro 
idiota:

O antigo idiota queria evidências, às quais ele chegaria 
 por  si mesmo: nessa expectativa, duvidaria de tudo [...]. 
O novo idiota não quer, de maneira alguma, evidências, 
[...] ele quer  o absurdo —  não é a mesma imagem do  pen
pen
samento. O antigo idiota queria o verdadeiro, mas o novo 
  potência do pensam
quer  fazer  do absurdo a mais alta potência ento,, 
 pensamento
isto é, criar.2

Hoje, os tipos do excêntrico, do louco e do idiota  pare
pare
cem ter  desaparecido da sociedade. A conexão digital e a 
comunicação totais aumentam significativamente a coerção 
 por  conformidade. A violência  do consenso reprime o idio
tismo. Botho Strauss está  bem ciente da diferença entre o 
 bem
conformismo de hoje e a convenção  burgue
burguesa:
sa:

Para ele, é como se todôs os outros falassem de maneira 

finamente coordenada. Ajustados  até o grau de concor 

2,  Gilk s I )ck-uze <. Félix («uarrari. ( ) <///<
Ld.  34. 2« HG. p. S4.
Paulo: Ld.
   
 3 u //Uo/h-// 2. ed.
<///<  ed.  Sao 
 

111

dância mais  palatável. [...] Uma convenção muito mais 
intransigente do que qualquer  outra anterior.1

O idiota é um idiossincrata. Idiossincrasia significa li
teralmente um
umaa mistura  pecu
 peculiar  dos sucos corporais e a 
liar 
hipersensibilidade resultante daí. Onde é necessário acele
rar  a comunicação, a idiossincrasia representa um obstáculo 
devido à sua defesa imunológica contra o Outro. Ela  blo
blo
queia o intercâmbio comunicativo  ilimitado com o Outro. 

Portanto, a imunossupressão é necessária  para acelerar  a 
 para
comunicação. Ela é maciçamente suprimida  para acelerar  
a circulação da informação e do capital. A comunicação 
atinge sua velocidade máxima onde o Mesmo reage ao 
Mesmo. A resistência e a rebeldia da alteridade ou do estra
nhamento  perturbam e retardam a comunicação  plana do 
Precisamente  no inferno do  Mesmo
Mesmo. Precisamente Mesmo a comunicação 
atinge sua velocidade máxima.
Diante da coerção da comunicação e da conformidade, o 
idiotismo representa uma  prátic a da liberdade. O idiota,  por 
prática por  
 própria natureza, é o desligado, o desconectado, o desin
sua própria
formado. Ele habita o fora
   impensável qu e escapa à qualquer  
que
comunicação e conexão:
3  Botho Srrauss. 
Botho  i/r? hicir. l >(T ¡J¡i>! m-J :i hii Z:'*/. Muni
que: I )icciericlis. 2<H3. p. h'.
que: 

O idiota se revolve como urna rosa arrancada no redemoi
nho de seres humanos determinados  — 
—  seres humanos em 
consenso. Incorporadas,  pertencentes a urna concordancia 
pertencentes
milagrosa?

O idiota é o moderno herético. Originalmente,  heresia 
significa escolha. Assim, o herético é alguém que dispõe de 
livre escolha. Ele tem a coragem de se desviar  da ortodoxia. 
Corajosamente,  livra-se da obrigação de conformidade. O 

herege  é urna figura de resistência à violência 
idiota como herege
do consenso. Ele resgata o encanto
encanto  do forasteiro. Em vista 
da crescente obrigação de conformidade, aguçar  a consciencia 
herética seria hoje mais urgente do que nunca.

à comunicação e à vigilancia totais. O idiota não «comuni

ca». Ou melhor, se comunica através do não comunicável. 
Assim, ele se recolhe em silêncio. O idiotismo erigeerige  espa 
ços abertos de silêncio, quietude e solidão no
noss quais é  pos sí
 possí
vel dizer  algo que realmente merece ser  dito. Já em em  1995, 
Deleuze anunciava essa  política do silencio. Ela é dirigida 
contra a psicopo
 psicopolíti ca neoliberal que obriga à comunicação 
lítica
e   informação:
à

Ib id.. p. II.
Ib 

113

A dificuldade hoje não é mais que não  pod
 podememosos expres
sar  livremente nossas opiniões, mas criar  livres espaços de 
solidão e silêncio em que encontremos algo a dizer. As 
torças repressivas nãnãoo nos impedem de expressar  nossa 
opinião. Ao contrário, elas até nos obrigam a isso. Qu Que e 
libertação é ao menos um umaa vez nã
nãoo ter  que dizer  nada e 
 poder  ficar  em silêncio,  porque
porque só então temos a  possi bilii
possibil
dade de criar  algo cada vez mais raro: algo que realmente 
valha a  pena
pena ser  dito.3

O idiot  savant  tem acesso a um conhecimento completa
mente distinto. Ele se eleva sobre horizontal,  sobre o estar  
sobre  o horizontal,
meramente informado e conectado:

O idiot  savant, como anteriormente se chamava o autista, 
deveria se libertar  do conceito, qu  pudesse ser  apli
e talvez  pudesse
que
cado àqueles aventureiros que estão ligados de maneira 
que
diferente do que apenas entre si.6
que

O idiotismo inaugura um espaço virginal, a distância 
que o  pensame
pensamento para se  pre
nto necessita  para  prepar
parar  para um
ar   para a fala 
uma
inteiramente distinta. O idiot  savant  vive da distância, como 

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