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C+V
Para apreender a distinção, mas também a relação social entre capital constante e
capital variável, é útil referir-se à atividade linguística, também porque no modelo
antropogenético a linguagem contém em si as características fundamentais da
atividade humana, é por assim dizer a substância. Como escreveu Rossi-Landi: “A
constância e a variação, ambas relativas, são perfeitamente compreendidas
considerando a persistência da linguagem de geração em geração. Se nos livrarmos do
capital variável, ficaremos apenas com materiais, ferramentas e dinheiro, que sem
trabalho estão mortos. Antes de estar morta, uma língua deve ter estado viva; é
precisamente a noção de linguagem morta, que é alcançada quando o capital variável
é removido. Por outro lado, a soma do capital variável ao capital constante aparece
claramente quando consideramos o caso de um linguista que consegue interpretar
uma língua morta: é como alguém que entra numa fábrica abandonada e pouco a
pouco põe em funcionamento as máquinas que entendeu funcionar, reaproveitar os
materiais que ficaram lá esperando”. (págs. 243-4).
Deste ponto de vista, é evidente a utilidade da teoria crítica de Marx, sua distinção
entre trabalho vivo e trabalho morto, entre capital fixo variável e constante. Mas o
Marx do modelo antropogenético precisa ser revisitado de alguma forma. De fato,
sabe-se que, nos Grundrisse, Marx, quando fala do conhecimento científico acumulado
nas forças produtivas gerais (o intelecto geral), o vê materializado, fixado nas
máquinas separadas do trabalhador. Em virtude da separação entre trabalhador e
ferramentas de trabalho, a atividade do trabalhador “limita-se a mediar o trabalho da
máquina”, é uma atividade “determinada e regulada em todas as direções pelo
movimento da máquina”. Quanto mais complexa e regulada a estrutura de capital
constante, mais o trabalhador é atomizado, reduzido à condição de indivíduo que
trabalha sem liberdade dentro de uma imensa máquina. Ainda mais, acrescenta Marx,
o trabalho se revela como a “base miserável” do valor.
Certamente não se pode dizer que no novo capitalismo o valor da força de trabalho
seja considerado de forma a incluir os custos de depreciação implícitos no uso
produtivo do “cérebro social”. De fato, apenas o salário (V), inclusive como variável de
reajuste, é levado em consideração, tanto como remuneração pontual da atividade
laboral (sem incluir, portanto, os custos reprodutivos da força de trabalho a serem
sustentados em períodos de inatividade), e como variável dependente das flutuações
do mercado, e do mercado financeiro em particular. Por exemplo, o investimento na
formação ao longo de toda a vida laboral da força de trabalho, o investimento que
assegura a reprodução do capital humano fixo, é até reduzido como resultado do
desmantelamento do estado de bem-estar social e do aumento dos custos da
educação. O resultado paradoxal desse desinvestimento público é o aumento da
importância estratégica do trabalho cognitivo social (e, portanto, da formação) e a
concomitante piora das condições de vida dos próprios trabalhadores do
conhecimento.
Para as empresas que captam o capital físico de que necessitam por meio de
diferentes formas de contratos de aluguel, os custos relacionados à utilização desses
bens de capital são apresentados como despesas operacionais, dedutíveis, da mesma
forma que custo da atividade. As empresas não apenas se livram dos custos de
depreciação do investimento em máquinas, mas, ao fazê-lo, aumentam a liquidez à sua
disposição, reduzem os riscos de crédito para seus credores e, por último, mas não
menos importantes, se colocam em condições de manter o controle da companhia.
Dissemos que a teoria crítica de Marx é útil porque nela o trabalho vivo e o trabalho
passado, capital variável e capital constante, são distintos, o que além disso permite
que Marx defina capital, ao contrário dos economistas clássicos e dos marginalistas,
como relação social. No entanto, quando se quer usar a distinção marxista entre
trabalho vivo e trabalho passado (ou morto) para entender a lógica subjacente à
depreciação do capital fixo, depara-se com uma verdadeira contradição: em Marx, a
depreciação do capital fixo não é explicável na base da teoria do valor-trabalho.
Assim como “A maquinaria não perde seu valor de uso assim que deixa de ser capital”
(Grundrisse, p. 710-11), no modelo antropogenético o corpo da força de trabalho
como cérebro social, como corporeidade de conhecimento e habilidades, não perde
seu valor de uso mesmo quando deixa de trabalhar para o capital. Com uma diferença
não desprezível, porém, pois quando a máquina está ociosa é trabalho passado, mas
também está morto, enquanto o corpo-máquina da força de trabalho, também
sedimentação do trabalho passado, está sempre vivo. Nesse sentido preciso, a força de
trabalho excede sua própria colocação em ação no processo produtivo direto.
Em uma coisa é legítimo discordar de Marx, e é quando ele afirma que o dote da
natureza “não custa nada ao trabalhador”. E quanto custa, como mostraram as lutas
das mulheres pelo reconhecimento econômico do trabalho reprodutivo. O trabalho
vivo reprodutivo, na medida em que permite reduzir o custo da força de trabalho, ou
seja, o salário monetário necessário para viver, permite consequentemente aumentar
o lucro (monetário) do capitalista.