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Célia Teixeira
Tese I
A primeira tese é a de que se uma dada frase é verdadeira seja o que for
que aconteça no mundo, então nada diz acerca do mundo.
Antes de podermos refutar a tese I é preciso distinguir dois tipos de
verdades: as verdades contingentes e as verdades necessárias. Diz-se
que uma verdade é contingente se for verdadeira mas poderia ter sido
falsa. Por exemplo, Jorge Sampaio ganhou as últimas eleições
presidenciais, mas poderia não ter ganho. Esta é, portanto, uma verdade
contingente. Já a frase Jorge Sampaio existe ou não existe, é uma
verdade necessária, dado que não poderia ter sido falsa. Ou seja, não há
qualquer circunstância em que isso poderia não se verificar. Assim, o
que os positivistas defendem é que as verdades necessárias não têm
conteúdo factual. (Note-se que os positivistas não aceitam termos
modais como o de possibilidade e necessidade, mas como nós
aceitamos não há problema em reformularmos a tese deles apelando a
tais noções.) Contudo, do facto de não existir circunstância alguma em
que algo não seja o caso, não se segue que esse algo não seja acerca do
mundo. Por exemplo, aconteça o que acontecer no mundo, eu seria
sempre igual a mim própria, mesmo que não exista. Mas certamente
que essa frase diz algo acerca do mundo, nomeadamente, que o mundo
é tal que eu serei sempre igual a mim própria. Do mesmo modo, do facto
de a neve ser branca ou não em todas as circunstâncias possíveis, não
se segue que essa frase não seja acerca de coisa alguma. É claro que é;
nomeadamente, é acerca do facto de que o mundo, por mais diferente
que seja, nunca poderá ser tal que a neve seja branca e não seja branca
ao mesmo tempo. Se o mundo não tivesse uma estrutura lógica, se
fossem possíveis impossibilidades, então seria o caso que a neve era e
não era branca ao mesmo tempo. Mas as impossibilidades não são
possíveis.
Segundo esta tese positivista, todas as frases necessárias diriam a
mesma coisa, nomeadamente, nada. Mas certamente que a frase "a
neve é branca ou a neve não é branca" diz algo diferente da frase
"Portugal ganha ou Portugal não ganha". Nomeadamente, a primeira
frase é acerca do facto necessário de a neve ser ou não branca, e a
segundo acerca do facto igualmente necessário de Portugal ganhar ou
não.
Alguns filósofos defendem que frases como "A água é H2O" e "Sócrates
é um ser humano" são necessárias. Se a tese positivista fosse correcta,
o que estes filósofos estariam a dizer é que estas frases nada dizem
nada, o que é absurdo.
Tese II
Tese III
Segundo esta tese se uma frase não poder ser empiricamente refutada,
nada diz acerca do mundo.
Por exemplo, não é possível refutar a frase "a neve ou é branca ou não",
porque esta exprime uma verdade necessária. Será que daqui se segue
que então nada diz acerca do mundo? Se nada diz acerca do mundo diz
acerca do quê? É obvio que esta frase diz qualquer coisa. E também
parece evidente que aquilo que diz é diferente daquilo que diz a frase
"Nenhum solteiro é casado". Nomeadamente, a primeira é acerca da
neve e a segunda é acerca de solteiros e do facto de nenhum deles ser
casado. De modo que estas frases dizem qualquer coisa acerca do
mundo, apesar de não poderem ser empiricamente refutadas.
Se for verdade, como muitos filósofos defendem e como é difícil recusar,
que a água é necessariamente H2O, então não é possível refutar esta
afirmação. Mas é evidente que esta afirmação é sobre o mundo. Poder-
se-ia responder: metafisicamente, não se pode refutar esta afirmação,
porque é verdadeira em todas as circunstâncias possíveis. Mas
logicamente pode-se refutá-la, porque não é uma verdade lógica. Mas
isto é só uma maneira de voltar a formular o dogma: que as verdades da
lógica nada nos dizem acerca do mundo. Ora, o que se pretendia com
este argumento era defender esta ideia, e não voltar a formulá-la de
uma maneira enviesada.
A tese III enfrenta problemas ainda mais graves quando levarmos em
consideração o projecto empirista no seu todo. Os positivistas não
acreditavam numa série de coisas, como na existência de princípios
morais, metafísicos ou o que quer que seja que não fosse estabelecido
cientificamente. Ora, a tese III só pode fazer sentido na medida em que
apela à noção modal de possibilidade, que é um dos bichos por eles
abandonados como criaturas esquisitas. Aquilo que a tese III diz é que se
não for possível refutar uma certa frase, então esta nada diz acerca do
mundo. Uma vez que eles não podem apelar à noção modal de
possibilidade resta-lhes reformular a tese do seguinte modo: se não
refutarmos uma frase, esta nada diz acerca do mundo. Tendo em conta
que muitas verdades estabelecidas pela menina dos olhos dos
positivistas, a ciência, não foram refutadas, elas nada dizem acerca do
mundo. E isto é um resultado absurdo mesmo para os positivistas.
Célia Teixeira