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CHAPECÓ.
2017.2
CHAPECÓ.
2017.2
Dedico esse trabalho as minhas filhas Júlia e Maria Clara e a todos e todas que
estiveram presente nessa caminhada. A todas e todos que fazem do viver uma luta cotidiana
por dias melhores.
O presente trabalho tem por objetivo colocar em debate a problemática sobre a construção e
produção das identidades e das diferenças, na perspectiva do Estudos Culturais, a partir da
reflexão sobre o vídeo institucional comemorativo, “Chapecó meu mundo é aqui”, produzido
pela prefeitura do município de Chapecó-SC. Nesse contexto, buscamos apresentar reflexões
sobre audiovisual considerando como a formação social, cultural e econômica do município
produziram identidades positivas em e na relação com outras identidades consideradas
negativas dentro de um processo de segregação, contestação, oposição e luta. No desenvolver
desse trabalho apresentaremos o percurso dessa construção, de forma rápida, que permita
identificar os processos de produção social das identidades relacionadas à cidade. O nosso
objetivo é alcançar como e porque o passado e o presente estão sendo significado e
ressignificado na formulação do vídeo “Chapecó meu mundo é aqui”, para identificar quais
mudanças ou eventos sucederam para que novos personagens tomassem lugar de destaque na
cena centenária revelando uma cidade multicultural, e quais fatores contribuíram para que
essa representação sociocultural diversa tornasse possível. Portanto a nossa reflexão está
focada na produção das identidades e das diferenças, na perspectiva dos Estudos Culturais,
para compreender como essas novas representações ocupam espaço nesse arcabouço de
preservação das identidades tradicionalmente aceitas e apresentação de novas identidades.
The present work has as objective to put in debate the problematic on the construction and
production of the identities and the differences, from the perspective of the Cultural Studies,
from the reflection on the institutional video commemorative, "Chapecó my world is here",
produced by the city hall of the municipality of Chapecó-SC. In this context, we seek to
present reflections on audiovisual considering how the social, cultural and economic
formation of the municipality produced positive identities in and in relation to other identities
considered negative within a process of segregation, contestation, opposition and struggle. In
the development of this work, we will present the course of this construction, in a fast way,
that allows identifying the processes of social production of identities related to the city. Our
goal is to achieve how and why the past and the present are being meaningalized and re-
signified in the formulation of the video "Chapecó meu mundo é aqui", to identify what
changes or events have occurred in order for new characters to take center stage in the
centennial scene, revealing a multicultural city, and what factors contributed to making this
diverse sociocultural representation possible. Therefore our reflection is focused on the
production of identities and differences, in the perspective of Cultural Studies, to understand
how these new representations occupy space in this framework of preservation of traditionally
accepted identities and presentation of new identities.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 CAPÍTULO I: Identidade e diferença: Do que estamos falando?.............................16
2.1 Identidade e diferença na perspectiva dos estudos culturais...................................24
3 Capítulo II: contexto histórico, formação do município, povos e etnias...................34
3.1 Contexto histórico-cultural: uma região em disputa...............................................36
3.2 Chapecó hoje: números; diferenças e identidade....................................................44
4 Capítulo III: Novos personagens: “Chapecó meu mundo é aqui!”...........................49
4.1 O vídeo e a centralidade da cultura.........................................................................60
4.2 Visualizações e compartilhamentos: o que temos a dizer........................................65
4.3 Mensagens e retornos..............................................................................................67
5 Conclusão..................................................................................................................71
Referencias....................................................................................................................73
1 INTRODUÇÃO
psicológico, tomando o psicológico, aqui, como as formas que os grupos pensam a “si”
mesmos em e na relação aos e, com os “outros” a partir das relações que são estabelecidas ou
ressignificadas culturalmente.
Nesse contexto de disputas, conflitos e significados o século XXI, é marcado pela
afirmação das diferenças e das identidades étnicos, raciais, culturais, religiosas, sexuais,
gênero, pessoa com deficiência entre outras tantas que reclamam o reconhecimento enquanto
sujeito cultural e social. O descentramento dessas identidades tem provocado o deslocamento
do próprio sujeito da modernidade tardia, exigindo um processo de lutas constate, dinâmica e
diversa pela afirmação das diferenças, até mesmo no interior de cada grupo esses conflitos
não estão superados dado a própria dimensão simbólica e cultural de complexas redes de
significação.
Muitos são os trabalhos que discorrem sobre as questões relativas às identidades e
diferenças nas mais variadas perspectivas teórico-metodológicas para refletir sobres esses
conceitos de forma a explicar a polissemia desses termos e as contribuições explicativas.
Como veremos mais a frente nas áreas da educação, filosofia, sociologia, psicologia e saúde e
etc, esses dois termos assumem importância central no debate. Os trabalhos sobre identidade e
diferença, têm se debruçado sobre a explicação da dinâmica social em relação ao
reconhecimento e o lugar dos grupos e indivíduos nesse complexo de relações culturais de
poder, hierarquizadas e hierarquizantes que produz conflitos e lutas.
Para compreender a sociedade contemporânea e suas plurirrelações culturais e sociais
que permeiam a vida cotidiana faz-se necessário verificar a centralidade da cultura como
geradora de formas simbólicas, poder e diferenciação que produz identidades diversas. É com
a intenção problematizar algumas alternativas explicativas sobre a polissemia dos termos
“Identidade” e “Diferença” no contexto da diversidade cultural e, como esses termos dão
sentido as formas representativas do sujeito num determinado espaço social. O que estamos
propondo é o exercício reflexivo para buscar argumentos que produzam compreensão sobre a
dinâmica desses termos e como as práticas cotidianas produzem e reproduzem sentidos de
afirmação e ou negação.
Para o nosso propósito, os escritos de Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, kathryn
Woodward sobre, Identidade e diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais(SILVA;
WOODWARD; HALL.2009); A centralidade da cultura (HALL.1997); Identidade cultural na
pós-modernidade(HALL,2011); Da diáspora: cultura e mediações (HALL. 2009), são centrais
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para nossa reflexão. Esses autores debatem sobre os termos e sua influência na produção da
identidade e da diferença no espaço social e sua relação correspondente com a cultura.
Na modernidade, os termos identidade e diferença tem pautado as principais
discussões e lutas por reconhecimento como ponto central das disputas por representações e
poder. A unidade nacional, uma imaginação sobre um tipo único de identidade nos limites do
Estado, não mais consegue silenciar ou esvaziar o complexo de relações identitárias contidas
nas lutas cotidianas. Sendo assim, grupos e indivíduos envolvem-se numa dinâmica por
afirmação, identidade cultural e diferenças que extrapolam as nacionalidades pré-
determinadas.
A nossa intenção, inicialmente, pretendia desenvolver uma investigação mais ampla
envolvendo escolas do ensino médio regular, onde existia a presença de indígenas e não-
indígenas na mesma sala de aula, para compreender como essas identidades eram negociadas
ou disputadas no contexto da diversidade e da educação inclusiva. Mas, com o decorrer dos
dias essa ambição se mostrou-se pouco viável, dado o tempo necessário ser insuficiente e as
condições de pesquisas pouco favoráveis que oportunizou a reorientação do trabalho.
Nesse sentido, mudamos o objeto de estudo e como isso, mas mantemos a nossa
pretensão de buscar identificar a produção da identidade e da diferença na perspectiva da
representação e da apresentação, apresentados na mídia comemorativa, ou seja, um estudo de
caso, para dar um charme sociológico, sobre o centenário chapecoense. O nosso objeto, então,
passou a ser o vídeo institucional realizado para comemorar os 100(cem) anos da cidade de
Chapecó, “Chapecó meu mundo é aqui.” (2017), um vídeo configurado para promoção da
cidade, com personagens de quatro nacionalidades – estadunidense, colombiano, haitiana e
árabe identidades descentradas.
Essa opção surgiu a partir das primeiras orientações sobre o projeto, das discussões
que se apresentavam na cena chapecoense sobre os 100(cem) anos, a tragédia do 29 de
novembro, as manifestações não oficiais entorno das identidades esquecidas reclamando voz e
etc., todo esse caldeirão sendo alimentado com a aproximação da comemoração do
aniversário do centenário da cidade de Chapecó, no dia 25 de agosto de 2017, serviu para que
pudéssemos decidir sobre o artefato a ser usado com análises das diferenças e identidades.
Nesse ambiente de pertubações, comemorações e comoção, optamos por analisar as
identidades culturais e as diferenças a partir deste “artefato”, Vídeo institucional
comemorativo “Chapecó meu mundo é aqui” (2017). Para exercitar a reflexão sobre os
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Essa citação procura situar nossa reflexão diante dos diversos momentos da construção
da identidade e seu complexo conceito, uma vez que a cada período histórico o sujeito e suas
identidades foram transformando, reclamando novas conceitualizações para pensar novas
identidades que dessem conta da dimensão vivida e histórica do desenvolvimento humano.
Mas, não podemos deixar de chamar a atenção que, identidade e identificação embora a
semântica correlacionem esses termos, eles são conceitos que possuem atribuições distintas e,
que vão se aproximando num complexo de relações culturais e sociais que também não são
fixas e exigem dos grupos dinâmica e luta por significados.
Para Hall(2011): “O processo de identificação, através do qual projetamos em nossas
identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”(HALL. 2011, p. 12-
13). ou seja a identificação é mais variável, dinâmica e provisória dependendo do projeto e
lutas a que estamos ligados e o número de escolhas possíveis.
Nesse sentido, podemo dizer que as nossas identificações culturais são cambiantes,
mutáveis e deslocadas continuamente num processo de disputas e conflitos. Isso tem impacto
sobre a formação das identidades.
À medida que os sistemas de significação e representação cultural se modificam,
somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de
identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente. (HALL. 2011, p.13)
com seus membros. Isso também serve para as identidades nacionais que arvoram unificar
seus citadinos numa única identidade, diluindo as diferenças intrínsecas a cada grupo,
pessoas, culturas.
Na modernidade, “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das
principais fontes de identidade cultural”(WOODWARD. 2011, p. 47). Essas identidades
nacionais não são de logo apreendidas ou decididas geneticamente, “mas são formadas no
interior de representações” a partir do modo como a brasilidade é representada, “imaginada”,
o mesmo ocorre com as representações de identidade que marcam um lugar, uma região um
município. Por exemplo: “sou chapecoense” que dizer que não sou de outro município, além
disso, tal afirmação vem carregada de simbologia, pertencimento e poder.
Para Michel Foucaut(1979), refletindo sobre a “microfísica do poder”. O poder não
estaria num determinado lugar ou apenas numa determinada instituição, mas estaria presente
em todas as relações sociais e culturais que informam sua natureza de dominação e saberes.
O poder e dominação também foram objeto de estudos da sociologia ao longo de seu
desenvolvimento enquanto ciência social. Max Weber (2000, 2009)foi um dos sociólogos que
debruçou-se sobre os conceitos de poder e dominação para explicar suas possíveis formas.
Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social,
mesmo contra a resistência, seja qual for o fundamento dessa. Dominação é a
probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre
determinadas pessoas indicáveis.(…). O conceito de poder é sociologicamente
amorfo. Todas as qualidades imagináveis de uma pessoa e todas as espécies de
constelações possíveis pode por alguém em condições de impor sua vontade.
(WEBER. 2000 p.33)
A oposição binária pode ser vista na afirmação da diferença em relação ao que o outro
é, define o que o nós somos numa relação de aceitação ou negação. Nós somos pelas
diferenças identificadas no outro numa dinâmica de luta, conflitos e poder.
A pesquisadora deixa explícito que os novos movimentos sociais feministas, negros,
LGBTs e tantos outros que estão em luta social, estão na busca pela afirmação das diferenças
e construção de identidades. A luta por identidades, nesse processo, estão muitas vezes
localizadas em afirmações essencialistas, quando recorrem ao biológico; e não-essencialistas
reivindicando uma história cultural ou comum que possibilite representação(WOODWARD.
2011).
Assim, identidade e representação estão contidos no “circuito da cultura em que o foco
se desloca dos sistemas de representações para a identidades produzidas pelo próprio
sistema”(WOODWARD. 2011, p. 17), ou seja, é a capacidade de atribuir significados aos
símbolos que permite a representação. “Todas as práticas de significação que produzem
significados envolvem relações de poder, incluindo o poder de decidir quem é incluído e
quem é excluído”(WOODWARD. p.18). Pensar identidades nesses lagos de representações e
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Assim, identidade cultura nacional é também uma estrutura de “poder” que cria a
verdade sobre qual identidade é válida. “A verdade não existe fora do poder ou sem poder”
(FOUCAULT. 1979, p.12), que busca suprimir ou invisibilizar as diferenças propondo a
unificação cultural nacional como única possibilidade de verdade, baseado no pertencimento
territorial e nas tradições inventadas para simbolizar a unidade de uma “comunidade
imaginada”(ANDERSON. 2008). Dessa forma, produzir o consenso cultural de
pertencimento.
Os símbolos que conformam a cultura não são produzidos em um único evento, mas
perpassam pelas diversas instituições culturais, momentos históricos, educação, religião,
política, heróis, museus, datas comemorativas e economia. Esses espaços e tantos outros são
necessários para consolidar a história dominante e dar sentido a cultura tida como válida.
Além disso, as subjetividades que criam o ideal cultural nacional que atribui valor ao modo de
vida validado, desconsiderando a diversidade cultural num mesmo território impõe única
cultura ou uma cultura unificada. Esses eventos em conjunto ou não, podem ser classificados
como “sistemas simbólicos” que apresentam-se como “estruturas estruturantes” dos modos
operandi (BOURDIEU. 1989, p. 8). Os modos de descrever a cultura e posicionar-se como
integrante dela é produzido no interior das relações de poder e de significados.
As identidades e as diferenças são, portanto, construções socioculturais que estruturam
e são estruturantes das formas de “pensar agir e sentir”(DURKHEIM. 2007). Mas, não são
concretizadas como formas acabadas e definidas uma vez e para sempre, pelo contrário, são
construídas, produzidas e reproduzidas nos contextos de disputas, afirmação e diferença.
Nessa relação de poder que permeia a formação da identidade e da representação
identitária:
A representação é um sistema linguístico e cultural, arbitrário, indeterminado e
estreitamente ligado a relações de poder. É aqui que a representação se liga a
identidade e a diferença. A identidade e a diferença são estritamente dependentes da
representação. É por meio da representação, aqui entendido, que a identidade e a
diferença adquirem sentido.(…). É também por meio da representação que a
identidade e a diferença se ligam a sistema de poder (SILVA. 2011, p. 91).
Por fim, vimos que identidade e diferença estão numa correlação de interdependência
e luta cotidianamente, e que a representação e significação são de suma importância para
construção das identidades e das diferenças. O que estamos tentando argumentar é sobre essa
dinâmica inacabada da identidade e da diferença e as relações culturais que permeiam e
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arbitram certos modos de identificação que envolvem relações de poder e luta por
reconhecimento, estão sempre e indefinidamente sujeito a negociações.
Nessa perspectiva, buscamos identificar como formas simbólicas e materiais foram
adquirindo corpo para expressar a cultura dominante, unificada, imaginada como válida e inda
lograram êxito quando intentaram transportaram os “estabelecidos” para lugar dos
“outsiders”(ELIAS; SCOTSON. 2000), estigmatizando os primeiros e positivando os recém-
chegados, estabelecendo critérios, símbolos, diferenças e identidades preferenciais e
homogêneas num determinado e continuado período.
A compreensão dessa dinâmica perpassa pela compreensão inicial sobre a formação,
preferencial do território que veio e ser chamado, imaginado Chapecó. A nossa intenção, até
aqui, foi refletir sobre como as diferenças e identidades estão em constantes mudanças na
modernidade e sua relação na vida social. Não pretendemos traçar um perfil histórico sobre os
conceitos de identidade e diferença, mas colocar em evidência como esses conceitos são
polissêmicos e estão imbricados nas relações de poder e contexto histórico, social e cultural.
A luta por reconhecimento tem levantado debates calorosos sobre identidades e
diferenças como instrumentalizadores dos conflitos culturais, sociais e identitários. As
disputas não se encerram no plano sociológico e abstrato do sentido dos termos, mas, pelo
contrário se perpetuam e ressignificam tanto no plano reflexivo como também no ponto de
vista da luta prática cotidiana.
Na perspectiva teórica dos Estudos Culturais, podemos destacar algumas premissas
que podem ser grande valia para compreensão da interdependência entre os diversos
processos sociais de formação de classes e as culturas:
A primeira é que os processos culturais estão intimamente ligados as relações
sociais, especialmente com as relações e formações de classe, com as divisões
sexuais, com a estruturação racial das relações sociais e as opressões de idade, é que
cultura envolve poder, contribuindo para produzir assimetrias nas capacidades dos
indivíduos e dos grupos sociais definir e satisfazer suas necessidades e, a outra é que
a cultura não é um campo autônomo, nem externamente determinado, mas um local
de diferenças e lutas. (JOHNSON et al. 2010, p. 12-13)
Esses processos culturais envolvem uma gama complexa de relações na luta informada
e não-informada pela própria dinâmica das posições de poder que estabelecem quais lutas são
significativas e significantes, assim definir, ainda que relativamente, os termos em que essa
luta pode ser significada, mas não há controle absoluto sobre os conflitos e contestações sendo
que as dinâmicas desenvolvidas no interior dessas lutas é que vão permitir abalos ou rupturas
significativas coloquem em evidências novas identidades.
O que importa são as rupturas significativas – em que velhas correntes de
pensamentos são rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e
velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e temas (HALL.
2009, p.123).
As sociedades ditas pós-modernas são caracterizadas pela diferença, que podem ser
verificados pelo grande número de novos atores sociais em luta por reconhecimento e
diferenças. As diferenças de posições, visões, antagonismos e consequentemente diferentes
identidades que são produzidas pela dinâmica das relações sociais e culturais são inerentes ao
processo de desenvolvimento social. Essas sociedades não se esfacelam totalmente ao
contestar as velhas identidades, mas se articulam de modo que sua estrutura permanece aberta
a produção de novas identidades.
A discussão sobre sociedade e cultura são objetos dos Estudos Culturais, pois eles
expressam arranjos locucionais complexos que podem ser exploradas a partir das mudanças
contidas nos encadeamentos sociais em todas as suas instâncias e nas relações de poder, assim
como na luta por reconhecimento e diferença.
Para Hall(2011); Anderson(2008) a nação não é apenas uma entidade política, mas,
também uma representação simbólica, nas palavras de Benedict Anderson: “comunidades
imaginadas”(ANDERSON. 2008), ou seja, a nação é composta de símbolos, culturas e
representações podendo gerar sentimentos de lealdade e identidade no pertencimento de uma
determinada nacionalidade unificada é construída dentro de um complexo de identificação ,
diferenças e lutas, com toda polissemia que os termos sugerem.
E por fim, Stuart Hall “Da diáspora, 2009”, são apresentados uma séria de textos que
versam desde o desenvolvimento histórico dos Estudos Culturais, seus limites e alcance
teórico, sua posição política frente as correntes de pensamentos conservadora e determinista, a
importância da cultura para explicação das relações de poder que conformam e são
conformados pelos sujeitos numa relação dialética e complexas nos processos de
diferenciação, afirmação e assim por diante. Essa obra reúne escritos de Hall em diversos
momentos para compreender o papel da cultura na produção das identidades modernas.
Em nosso século, as disputas por reconhecimento, diferenças e identidades
étnicos/raciais/culturais/religiosas/sexuais/gêneros, entre outras tantas, estão progressivamente
presente na dinâmica cotidiana da luta por diversidade. Muitos são os trabalhos que discorrem
sobre identidade e diferença nas mais variadas perspectivas teórico-metodológicas nas áreas
da educação, filosofia, sociologia, psicologia e saúde e etc., com intenção de dar conta de
explicações sobre a polissemia dos termos “identidade” e “diferença”. Além disso, buscar
argumentos que produzam compreensão sobre as dinâmicas desses termos na perspectiva dos
Estudos Culturais.
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Sendo assim, Stuart Hall(2011), leva-nos a refletir como “as identidades modernas
estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas”.(HALL. 2011, p.8). Ou seja,
identidades e diferenças são termos polissêmicos que adquirem sentidos na interação
sociocultural e descentramento e/ou deslocamento mostram como elas dinâmicas e estão em
luta constante.
Nesse sentido, identidade e diferença, por serem termos polissêmicos perpassam pela
construção cultural que dão formas ao corpo social de diferenciação dos sujeitos e seu
pertencimento identitário a um determinado grupo, e que muitas vezes apresentam-se, ao
mesmo tempo, descentrados em suas identidades culturais ao produzir um tipo ideal e
idealizado de identidade.
Para Hall(2011):
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas
no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham
fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados.(HALL. 2011, p.9).
A busca por afirmação das diferenças e identidades traz a tona reflexões sobre
igualdade e desigualdade, valorização e desvalorização como oposição binária da construção
social identitária. Pertencer a um determinado grupo é colocar em “si” as marcas simbólicas
que identificam e diferenciam dos outros grupos. “Assim, a construção da identidade é tanto
simbólica quanto social. A luta para afirmar as diferentes identidades têm causas
materiais”(WOODWARD. 2011, p.10). Essas causas materiais podem ser observadas nas
afirmações “eu sou brasileiro!”, “eu sou chapecoense!” que trazem em si uma posição de
nacionalidade e de municipalidade que produz a distinção entre os de fora e portanto com
direitos materiais diferenciados.
A forma coma as identidades adquirem sentido em que todos passam a reconhecer-se
automaticamente como um grupo ou nação produz uma imaginação de conhecer uns aos
outros intimamente sem nunca tê-los conhecidos, por conseguinte as diferenças não são postas
em evidência, pelo contrário, são diluídas. Essas identidades reclamam essências históricas,
podem ser compreendidas pelo que Benedict Anderson(2008), fala sobre “comunidades
imaginadas”.
Para ele:
Nação como uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo
intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo soberana. Ela é limitada por que os
membros das mais minúsculas das nações jamais se conhecerão, encontrarão, ou se
quer ouvirão falar da maioria dos seus companheiros, embora todos tenham em
mente a imagem viva de comunhão entre ele. (…). Na verdade, qualquer
comunidade maior que a aldeia primordial do contato face a face (e talvez mesmo
ela) é imaginada. Imagina-se a nação limitada, porque mesmo a maior delas, que
agregue, digamos, um bilhão de habitantes, possui fronteiras finitas, ainda que
elásticas, para além das quais existem outras nações.(…), ela é imaginada como uma
comunidade porque, independente da desigualdade e da exploração efetiva que
possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda
camaradagem horizontal (ANDERSON. 2008, p. 32 – 34).
outras que foram suprimidas ou invisibilizadas, mas que resistem e continuam colocando suas
representações e revindicando reconhecimento.
Para conhecermos um pouco desse movimento precisamos conhecer as “Narrativas da
diferença”(RENK. 2004), que se fizeram presente nessa luta pela “produção social da
identidade e da diferença”(SILVA. 2011), suas nuanças e contradições ao longo da história ou
das histórias que significaram a construção imaginada de Chapecó. Narrar as diferenças é
escamotear identidades invisíveis, as identidades dominantes e desvelar as lutas daí
decorrentes. É colocar em perspectiva como a construção do consenso dentro do dissenso
produz unidade.
Neste trabalho a antropóloga, Arlene Renk(2004), vai colocar em debate como etnias e
identidades foram mobilizados para construção e produção social de uma identidade
hegemônica como única alternativa, deixando no abismo as identidades autóctones. Em
seguida, ainda neste capítulo, buscaremos apresentar como a identidade chapecoense é
construída em oposição aos estabelecidos caboclos e povos tradicionais numa sacralização do
trabalho racionalizado e a demonização dos trabalhos considerados não-regrados dos povos
tradicionais e caboclos.
Algumas perguntas servem de orientação para nossa reflexão: Como se deu a
construção da identidade hegemônica como unificadora da representação chapecoense? Quais
condições objetivas e subjetivas foram mobilizadas para “suturar” essas identidades? Quais
atributos foram significados para produzir inferioridade versos superioridade que separa o
“eu” do “outro”? Como a esse outro foi negado o pertencimento histórico-cultural? Como a
identidade camponesa é transmutada para o colono e quais suas implicações e diferenças?
Essa volta ao passado, ainda que rápida, é necessário para podermos dar continuidade
a reflexão sobre a problemática da identidade e a diferença no contexto atual. Não
pretendemos esgotar a discussão sobre a formação das identidades e das diferenças que
permearam e permeiam a luta social por significados até os dias de hoje, mas pretendemos
problematizar como as mudanças de contextos, seja por um acidente de grande magnitude,
seja por uma projeção mundial, seja por novos atores presente na cena municipal, seja por um
novo símbolo unitário, seja por opções econômicas fazem com que algumas diferenças sejam
evidenciadas e colocadas em perspectiva positiva, sem, com tudo, reconhecer o passado
histórico e das contribuições dos povos tradicionais e caboclos, mas abrindo caminho para um
novo estrangeiro enquadrado no modelo de diversidade globalizada.
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primeiro momento abordaremos como a invenção da região Oeste se ligou a ideia de nação e
nacionalismo para dar sentido a essa comunidade imaginada.
Para a antropóloga: “Nação, que consiste de um sistema de representação cultural, é
uma comunidade simbólica com poder para gerar um sentimento de identidade e
lealdade”(SCHWARZ, apud RENK, 2004,p. 11), de posse desse atributo é que o Estado
brasileiro logrou integrar os de origem a nação.
É nesse contexto de nação como uma a “comunidade imaginada e
limitada”(ANDERSON,2008),que a antropóloga Arlene Renk(2004), vai definindo o termo
região para pensar as multirrelações que se entrelaçam nessa organização territorial e
formação cultural das identidades. Embora região seja uma parte territorial com
características e atributos culturais e simbólicos distintos das características imaginadas do
nacionalismo esses termos se aproximam ao exprimir uma certa unidade nacional e certo
valor simbólico e prático de pertencimento. Isto é “no sentido clássico, os nacionalismos
regionais foram absorvidos em favor de uma cultura nacional, ou seja, encompassados pelo
teto político da nação.(GELINNER, 1983 apud RENK, 2004, p.11).
Ainda pensando numa tradução do conceito de região, temos uma grande variedade de
reflexões sobre a pluralidade desta noção conceitual, mas, para nossa compreensão, podemos
considerar o seguinte: “conceito de região passam pela consideração da região – enquanto
fração do espaço geográfico catalisadora de determinadas relações e convenções – como um
ator social fundamental na transformação de comunidades regionais e locais”(CUNHA. 2000,
p. 53). Essa conceitualização amplia nossos horizontes de sentido em relação a região ao
incluir limites e representações num processo articulado ao pertencimento de nacionalidade.
A formação territorial dessa região, enquanto conceito explicativo e social, foi
concebida a partir do final do século XIX, e sob o pressuposto “de vazio demográfico”
(RENK, 2004, p. 16), ignorando as populações aqui existentes e fomentando a colonização
estrangeira, preferencialmente de origem europeia. Esse encadeamento se deu num ambiente
de luta e resistência que permanece até os dias de hoje.
Nesse contexto, os povos originários foram reduzidos e/ou catequizados, expulsos ou
empurrados de seus locais tradicionais para dar lugar aos novos moradores e ao suposto
progresso da região.
Essa região, incluindo o que veio se chamar de cidade de Chapecó, estava envolvida
em disputas e conflitos regionais limítrofes internos e externos. As pendengas territoriais com
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o estado do Paraná e com o país vizinho, a Argentina estavam no centro destas disputas. É
possível inferir que a arbitragem de “lugar vazio” tinha por pano de fundo negar, também, a
presença de outros povos não-nacionais aqui presentes e assim reclamar os limites territoriais
para o Brasil. A Argentina, devido a sua proximidade e as relações comerciais que eram
estabelecidos entre os Chamados brasileiros era mais presente por aqui do que o Estado
brasileiro, isso tornava essa fração de terra um território em disputa.
É na tentativa de incorporar essa fração de terras, em disputa, como parte do território
brasileiro que se declara que é preciso ocupar o espaço vazio. E nesse processo os povos
originários e os caboclos, que viviam embrenhados nas matas, foram considerados
“insubordinados” incivilizados pelas “autoridades”(RENK. 2004). Aqui havia muitos ervais,
os caboclos foram acusados de estarem “destruindo os ervais com poda fora de
época”(RENK. 2004p.17; 2006, p. 39) isso era como um atestado de incompetência para o
progresso e, ao mesmo tempo, a negação da identidade desse povo.
Essa região após ser …
Incorporada fisicamente ao Brasil (1895), passa pela disputa interna entre o Paraná e
Santa Catarina, resultando na Guerra do Contestado, (1912 - 1916). Após o acordo
dos limites, em 1917, Santa Catarina, de posse da área, região, anteriormente em
litígio, assegurou sua incorporação através da criação de quatro municípios: Mafra,
Porto União, Cruzeiro(atual Joaçaba) e Chapecó,”(RENK. 2004, p.18).
levar a cabo projeto colonizador com desenvolvimento e progresso para região. Essa
possibilidade de identidade positiva de colono, vai adquirir sentido de pequeno proprietário de
terra em “oposição/substituição ao termo camponês”(RENK. 2004, p.19), identificados como
o atrasado e pouco preocupados com a racionalização do tempo. Nesse complexo de relações
identitárias:
As narrativas da colonização, são por excelência, demarcadoras de tempos entre os
indígenas, a população brasileira e os colonos de origem. Maior visibilidade foi dado
ao discurso colonizador. Este assumiu o papel de encompassador de modo a
pretender ser a narrativa e não uma das narrativas possíveis.(RENK. 2004, p.20)
Essa identidade e diferença ainda é reivindicada até os dias de hoje pelos descendentes
de europeus, o que, nesse contexto “presume-se que a identidade cultural seja fixada no
nascimento, seja parte da natureza, impressa através do parentesco e da linhagem de
genes…”(HALL, 2009, p.28). Ora, como expressamos acima, a identidade é construída na
dinâmica social e na diferença, esse tipo identidade que não abre mão do cordão umbilical
pode ser compreendido como uma “tradição” que mantém “sua fidelidade às origens”
(HALL,2009,p. 29), e ainda pode ser conceituada como uma identidade essencialista que
atribui determinadas características ao pertencimento biológico, mesmo distante de suas terras
de nascimento.
A afirmação da identidade de origem, embora seja anacrônico dado o deslocamento do
tempo/espaço, no contexto que estamos narrando, há uma relação de poder e construção de
uma identidade a partir de uma noção de estrangeiro europeu unificado e homogêneo. Por isso
a identidade de origem, italiana, polonesa e alemã, soam como imutáveis à dinâmica social.
Esse sentimento de pertença identitária com o lugar de origem consolidou a separação entre
os daqui e os recém-chegados. “Aos olhos dos colonos, a caboclização era um descenso
social”.(RENK. 2004, p.21), ou seja, diante da afirmação de superioridade, a mistura é
negativamente aceita por julgar o outro inferior, indigno. Esses fatores, além de produzir
segregação e classificação, produzem também as hierarquias culturais, privilégios e controle
dos bens materiais.
Podemos entender que formação da identidade, alemã e italiana, que perdurou, nos
últimos 100(cem) anos, em Chapecó, logrou invisibilizar, silenciar e negar formalmente as
diferenças e as outras identidades em luta por reconhecimento. Mas o processo de formação
da identidade e da diferença não pode ser obstruído por formalidades disciplinares ou legais
de uma vez por todas. A produção da identidade e da diferença é forjada na luta cotidiana,
embora sejam silenciadas ou abafadas encontram formas de significar a existência.
No século XXI, essa dinâmica de afirmação das diferenças estão cada vez mais
latente. A tônica dos novos movimentos sociais é luta pela diferença. Isso nos remete a pensar
sobre como as identidades dão sentido às diferenças nesse contexto de mudanças culturais,
econômicas e sociais tão rápidas, deslocamentos e descentramento de identidade.
A identidade, tal como a diferença é uma relação social. Isso significa que sua
definição está sujeita a vetores de força e relações de poder. Elas não são
simplesmente definidas; elas são imposta. Elas não convivem harmoniosamente,
lado a lado, num campo sem hierarquias; elas são disputadas (SILVA. 2011,p.81).
43
que não tinha na posse da terra as condições de desenvolver e progredir, segundo as regras da
racionalização do trabalho e acumulação capitalista.
Com o passar do tempo e desenvolvimento da região: “A elite regional, à medida que
rejeitou e deixou no limbo grupos minoritários (índios e caboclos), silenciou vozes locais e
passou ler seus próprios feitos, fatos e narrativas como a glória e o enaltecimento de
necessidade feito virtude”(RENK. 2004, p.42). Esses arranjos positivos formaram um enredo
que culminou em orgulho de si e distinção em relação outro. A distinção marcavam as
características da diferenciação e identidade.
O processo de produção social da identidade e da diferença (SILVA. 2011), ocorreu
sob uma constante luta por disputa de significados. Os “outros” - no caso específico os outros
são os mais antigos – precisavam ser neutralizados para que a identidade dominante pudesse
ser construída, cimentada e articulada para convencer e vencer. Para isso, todo um movimento
de positivação de unidade na diferença foi produzido para silenciar o “outro” indesejado.
A unidade está em aglutinar os diversos imigrantes sob o guarda-chuva do colono
como identidade unificadora e redentora. O colono passa a ser a identidade que orienta e
silencia as diferenças, além disso, colocou em perspectivas opostas os termos colono e
camponês para organizar características e símbolos de diferenciação. Enquanto o primeiro
significava a promessa do progresso e do desenvolvimento, da criatividade e do trabalho. O
segundo era a memória de um passado que precisa ser superado, da falta de racionalização, da
indisciplina e da falta de objetivo (RENK. 2004).
Essa positivação antecipada e provocada deu aos recém-chegados as condições
necessárias para que internalizassem o sentimento de superioridade, como próprios de sua
natureza. Elemento que contribuiu para o silenciamento dos povos autóctones, assim como
sua segregação e negação identitária.
A separação produzida pelos atributos, inferioridade para uns grupos e superioridade
para outros grupos são repetidas ao longo da história humana como forma de hierarquizar,
subordinar inferiorizar e dominar o outro, expropriando suas culturas e seus bens simbólicos,
tal qual observamos na formação da cultura preferencial da região Oeste. Ou seja!“Em
qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios
objetivos com base na diferença e semelhança” (MUNANGA. 2003). Os critérios objetivos de
honestidade, trabalho, progresso e superioridade foram atribuídos aos imigrantes europeus de
45
pelo poder publico nas campanhas publicitárias para justificar a posição da cidade e sua
ambição “para além do seu tempo”. Essa expressão contida no vídeo comemorativo
demonstra a pretensão do município e colocar-se em destaque, a partir de um conjunto
organizativo de instituições e oferecimento de empregos.
A Chapecó centenária, não suplantou as vozes dos atores dissonantes presentes na sua
configuração regional, a narrativa desenvolvida até aqui arvora demonstrar como uma
dinâmica cultural profundamente em disputas deu sentido a cidade. As velhas culturas
caboclas, indígenas e gaúcha, que no início foram estigmatizadas (GOFFMAN, 2013),
silenciadas e invisibilizadas – mas não apagadas –, elas permaneceram latente se
reconstruindo a cada dia, e querem ter suas vozes ouvidas e suas identidades e diferenças
repeitadas. A luta por afirmação que não cessou e não cessara dado ao próprio processo de
produção da identidade e da diferença que é inacabado e móvel.
A centenária Chapecó se depara com um turbilhão de outras culturas que no passado,
dado a construção histórica, seriam consideradas indesejadas e desajustadas para o progresso
e o desenvolvimento. E, além disso, a cidade cresceu demograficamente e a passos largos, já
são mais de 200(duzentos) mil habitantes. Segundo o IBGE, a estimativa da população de
Chapecó em “2017 é 213.279 habitantes”(BRASIL. 2017).
A Chapecó dos cem anos, chega com muitas diferenças e identidades, portanto não
pode ser pensada apenas a partir das identidades assentadas nas três etnias preferenciais do
passado colonizador de origem – italiana, alemã e polonesa – que sob a égide do trabalho e do
progresso criou uma identidade unitária em detrimento das outras. A cidade agora precisa
pensar qual o lugar dessas novas culturas na representação municipal?
As identidades, dos daqui, que antecederam a esse processo de colonização
sistemática e orientada, foram definidas como pejorativa ou atrasadas. Nesse contexto de luta
por diferenças e identidades elas sobreviveram reivindicando suas culturas e seus saberes. Os
caboclos e os brasileiros – os imigrantes do Rio Grande do Sul – foram transformados em
47
estrangeiros dentro de seu próprio país (RENK. 2006),os colonos passam a ser a identidade
dominante e preferencial para sutura da identidade nacional de progresso e desenvolvimento.
O que nos interessa de imediato, é pensar como essa Chapecó de hoje se movimenta
nesse lago cultural em meio às reivindicações por diferenças e identidades, não apenas as
identidades negadas no processo de colonização, mas as novas identidades dos novos
imigrantes de dentro, os brasileiros de outras partes do país; e os de fora, a nova migração
haitiana, colombiana, senegalesa, árabes entre outras.
Dentre estes, se destacam a imigração haitiana, em maior número, e senegalesa que
tem fluxo inicial datado de 2011, segundo as/os pesquisadores(as) Bernartt; Bordignon;
Piovesana; Giacomini (2015).
Os primeiros resultados demonstram que a configuração dos movimentos dos novos
imigrantes na região oeste de Santa Catarina, mais precisamente em Chapecó,
aparece mediante três fluxos: em 2011, pela busca de trabalhadores estrangeiros, em
Brasiléia (AC), realizada principalmente pelo interesse das empresas frigoríficas e
agroindústrias regionais; em 2013, o segundo movimento configura-se com a vinda
das esposas, ocasionada por campanhas realizadas entre entidades e empresas.
Recentemente consagra-se o terceiro movimento, de forma mais sutil, com a
chegada dos filhos dos imigrantes haitianos. (BERNARTT. et al, 2015)
Essa estrutura de educação formal, confere a Chapecó a posição 137 em relação as 295
cidades do estado, embora o primeiro olhar cause estranhamento, mas na média de salário-
mínimo do trabalhador a cidade ocupa a posição 19 dentre as 295 cidades catarinenses
conforme dados do IBGE (BRASIL. 2017) A oferta emprego apresenta-se como o qualitativo
de destaque para a cidade.
A Chapecó dos cem anos, embora apresente uma estrutura de emprego e educação em
pleno voo para o futuro, os números sobre esgotamento sanitário e arborização de vias
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parecem indicar que existe uma preocupação primeira com as vias. Segundo os dados do
IBGE(2017):
Apresenta 61.8% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 74.3% de
domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 29.3% de domicílios
urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada,
pavimentação e meio-fio). Quando comparado com os outros municípios do estado,
fica na posição 145 de 295, 56 de 295 e 110 de 295, respectivamente. Já quando
comparado a outras cidades do Brasil, sua posição é 1757 de 5570, 2820 de 5570 e
1273 de 5570, respectivamente. (BRASIL.2017)
preferenciais para “ocupação” desse território e os outros como identidades negadas sujeitas a
todo tipo de negação desde culturais até sociais.
O que pretendemos fazer, em seguida, é analisar através do “artefato”(BECKER.
1994), vídeo institucional, e como esses novos atores sociais são apresentados e qual o sentido
dessa mudança de representação da cidade para os dentro e os de fora? A diversidade
mostrada no vídeo dá conta da diversidade cotidiana? E os caboclos e indígenas? Que
diversidade é essa? São perguntas que permeiam a representação da centenária Chapecó e que
suscitam muitas reflexões, talvez não consigamos respondê-las, mas provocar o debate em
torno da produção da identidade e da diferença nas perspectivas das lutas por afirmação
cultural.
51
A história dos 100 anos de Chapecó é recortado por grandes disputas territoriais e
identidades e diferenças entre os nativos – indígenas, caboclos e brasileiros –, e os imigrantes
de origem – italianos, alemães e poloneses. Os gaúchos que por aqui também circulavam,
identificados como os brasileiros, com frequência, inicialmente, eram vistos como
inferiores(RENK, 2004, 2006), e que com o passar dos anos esse estigma foi superado, em
relação aos gaúchos, deixando de serem percebidos como inferiores e pejorativamente
identificado de brasileiros para transmutar para identidade, tradicionalista gaúcha, da cidade, -
haja vista o número expressivo CTGs, na cidade são oito centros, segundo a Secretaria de
cultura do município -,sem contudo deixar de expressar suas origens europeia e a positivação
da descendência – italiana e alemã.
Aos 100(cem)anos, Chapecó esboça uma vitalidade de quem está em pleno
crescimento e tem muito a conquistar, imersa num contexto de comoção emocional e projeção
mundial advindos da queda do avião. A centenária Chapecó se apresenta como uma cidade
diversa e pronta para receber os novos imigrantes.
Para compreendermos a opção da campanha institucional e o jogo de identidades
presentes no audiovisual, realizamos duas entrevistas entre os dias 10 e 30 de outubro de
2017. A primeira entrevista foi com secretário de Comunicação do Município de Chapecó,
buscando algumas respostas sobre a organização do vídeo, os recursos destinados a produção,
a escolha da temática, da empresa e como foi encaminhado a preferência por esses novos
personagens representados e apresentando a cidade. A segunda entrevista foi com diretor da
empresa produtora do vídeo, a Pró3Comunicaçõesma.com os produtores queríamos identificar
como a ideia foi desenvolvida e, a aceitação do vídeo pelas pessoas da cidade e fora dela, se
houve alguma resistência na aprovação do vídeo com aquele formato. As entrevistas foram
realizadas, na secretaria de Comunicação, no gabinete do secretário, por mim. Vale destacar
que nas duas entrevistas o secretário de municipal esteve presente.
O vídeo comemorativo é organizado de forma a mostrar uma cidade que cresce, de
oportunidades de trabalhos diversos, uma infraestrutura educacional invejável, econômica e
de saúde como atributos de sua pujança e destaque no cenário nacional e internacional. E todo
52
Nesse trecho do vídeo é possível perceber que as cenas são de uma cidade que está
pronta: A imagem do globo terrestre e da estátua da liberdade e outros monumentos de
expressão mundial propõe uma cidade que está presente nas relações comerciais, global. Essa
força é expressa pela capacidade de gerar oportunidades e vender produtos para outros países.
Mas, mesmo Chapecó se apresentando como diversa e aberta para mundo como uma força
que se espalha se ramifica por vários continentes, há identidades que são atribuídas pouco
valor simbólico e histórico. Para o Secretário de imprensa:
Chapecó, foi estabelecida, haviam os indígenas, vamos considerar Caboclos, enfim,
mais foi incrementada por alemães, italianos, que vieram naquele período da
colonização, passado esse estágio, nós estamos experimentando novamente,
novamente a vinda de outras, de outras pessoas, de outros países, porque isso
também, porque a matriz econômica de Chapecó ela, ela se fortaleceu, e nós
exportamos hoje, não gostaria de te dizer um número específico, poderia até
procurar, mas quase uma centena de países…(TOMAZI. 2017).
Nas falas dos personagens, como se segue, as frases são repetidas por todos como um
mantra, uma forma de gerar pertencimento, mobilidade identitária. Mas, não há uma
referência às origens ou diversidade cultural, além do idioma sob o qual as frases são
proferidas como que reivindicassem ser parte desse mundo. Assim, os personagens reafirmam
que, embora estejam abrindo mão de suas nacionalidades para transmutarem-se seus mundos
para o mundo dos chapecoenses, continuam expressarem-se em seus idiomas nativos, tendo
que sere traduzidas para o português. Esses movimento, pode ser percebido como uma
suposta neutralidade por gerar a ideia de diferença e identidade sem conflito. Entretanto, a
própria expressão já é conflituosa ao dissimular a luta por diferença contida nas falas dos
personagens que ao mesmo tempo que se declaram ser chapecoenses, os fazem em seus
próprios idiomas expondo uma identidade deslocada ou descentrada como bem exemplificada
por Stuart Hall(2011). Isso pode demonstrar que os personagens, embora afirmem suas
pretensões de serem e estarem em Chapecó, suas origens continuam sendo significadas em
suas linguagens.
David J. Tritt (Estados Unidos – fala em inglês)
Eu sou Chapecó meu mundo é aqui.
Omar A. Fares ( Arábia Saudita _ fala em árabe)
Eu sou Chapecó, meu mundo é aqui”.
Marie M. Divers (Haiti – fala em crioulo haitiano)
“ Eu sou Chapecó, meu mundo é aqui”.
Rafael A. Colorado (Colômbia – fala em espanhol)
Eu sou Chapecó, meu mundo é aqui.(CHAPECÓ meu mundo é aqui, 2017.)
Por fim, no último quarto de minuto do vídeo, os atores são convocados a expressar
sua afinidade com Chapecó em sua língua materna, “Eu sou Chapecó, meu mundo é aqui!”.
Declarando ser aqui o espaço de suas conquistas materiais mas, não apresenta nenhum outro
elemento que possa exprimir a diversidade cultural. As imagens que circulam atrás dos atores
são referência a pontos de destaque da cidade, ou seja, pontos, locais estruturas físicas e estes
são apresentados em segundo plano e com pouca nitidez proposital, para que atenção se
prenda nas atividades e conquistas. Exceto, a imagem da igreja matriz aparece grande,
apresentando a imponência da arquitetura como símbolo de fé ao lado do desbravador
símbolo do trabalho racionalizado e do progresso e, também, da expulsão dos considerados
indesejados. O novo e velho articulado para mostra uma mudança sem nada transformar!
No mesmo caminhar entre novos e velhas identidades. As identidades que fora
preterida no passado, na contemporaneidade mesmo estando presente no cotidiano da cidade
continuam ocupando o lugar invisível na cena oficial dos 100(cem) anos, a mesma ferida
56
continua aberta e em conflito. Como afirma a antropóloga Adiles Savoldi, artigo escrito para o
36 Anpocs: “
No presente, caboclos e indígenas, por caminhos que as vezes se cruzam, ora se
distanciam, têm construído suas identidades transformando o estigma negativo, que
lhes fora imputado no passado, pela alteridade, em emblema de positividade”.
(SAVOLDI, 2012).
referências de um “povo que acorda cedo e dorme tarde”(TOMAZI. 2017). A nova estética
audiovisual traz elementos, ao mesmo tempo, fora e dentro desse contexto numa dinâmica
descentrada e deslocada ou globalizada.
Os caboclos e indígenas continuaram num passado distante e inóspito, para dar lugar
as novas imigrações de força de trabalho com objetivo de suprir a necessidade de sua
principal indústria e motor da economia local – A agroindústria – que reclama um grande
contingente de força de trabalho não especializado e seus produtos têm alcance em escala
mundial, demandam por números expressivos de trabalhadores. Como podemos notar nos
horários de saída e entrada nessas indústrias, muitos ônibus cheios de operários a cada turno
de que encerra/começa. Isso tudo e a propaganda de oferta de vagas de trabalho nesse setor,
faz a cidade entrar na rota das novas migrações.
Além disso, o desastre aéreo ocorrido 2016, nas terras da Colômbia, envolvendo o
time da cidade, comissão técnica, jornalista e alguns ilustres torcedores – foram 71 mortos –
colocou Chapecó no top of the news word, fazendo com que a cidade saísse de um lugar
qualquer para o mundo, conforme os noticiários de O jornal on line Globo Esporte(2016),
trazia a seguinte notícia com os dados da tragédia:
Uma tragédia no futebol mundial e especialmente brasileiro. O avião que
transportava a delegação da Chapecoense para a primeira partida da final da Copa
Sul-Americana contra o Atlético Nacional fez um pouso forçado na madrugada desta
terça-feira na região de Antióquia, em gravíssimo acidente na Colômbia. Segundo
informações do chefe da polícia colombiana, José Acevedo, 71 pessoas morreram e
seis sobreviveram. O zagueiro Neto, o lateral Alan Ruschel e o goleiro Follmann
estão entre os sobreviventes, sendo que Follmann teve uma perna amputada. Os
outros três que escaparam vivos da tragédia são o jornalista Rafael Henzel e dois
integrantes da tripulação: Ximena Suárez e Erwin Tumiri. O goleiro Danilo chegou a
ser resgatado com vida, mas de acordo com informações do SporTV, não resistiu.
Inicialmente, as autoridades informaram que eram 75 mortos, mas quatro pessoas
não chegaram a embarcar”. (GLOBO ESPORTE. 2016)
determinado formato, em decorrência da tragédia e por conta disso não houve um debate
sobre o interesse publico implícito na lei.
Para a empresa que produziu o filme, Pro3 Comunicações, a grande motivação para
produção de uma mídia com proposta de mudança na apresentação da cidade foi o acidente
aéreo e a comoção gerada internacionalmente abriu caminhos às oportunidades comerciais:
A grande quebra (referindo-se aos anos anteriores a tragédia da chapecoense) que
aconteceu, e que nos abriu a visão, para entrar nesse mercado, “Meu mundo é aqui”
queira ou não foi a tragédia de Chapecoense, ela trouxe ela, ela fez todo mundo
pensar, e mais, ela trouxe uma projeção mundial para Chapecó, uma visão, todos
estavam olhando para Chapecó.(TECCHIO. 2017))
O vídeo mostra, dentro desse lago de misturas heterogêneas, uma certa ativação
cultural adversa da tradicional, sem problematizar ou propor rupturas significativas que
promovessem ou possibilitassem a inclusão cultural.
No sentido da representação e integração não há espaços para movimentos
contestadores, pois, ao passo que o outro é colocado de fora para dentro numa mobilização de
linguagem que, sugere este outro identificado pela língua estrangeira, mas, deslocado para o
mundo de Chapecó onde suas aspirações materiais serão concretizadas. Assim sendo, não é
cidade que muda com o outro, mas o outro que muda com a cidade ressignificando as velhas
estruturas formadoras da cultura municipal.
A identidade, fixada, de um povo trabalhador, de um povo essencialmente europeu
significado pelo trabalho racionalizado, progresso, ascetismo, desenvolvimento como centrais
na produção social da identidade e municipalidade chapecoense, são reafirmadas no vídeo
colocando os estranhos no lugar do acolhido. Conforme expressou durante a entrevista, o
secretário de Comunicação e Imprensa.
Todos os personagens que aparecem no vídeo são chapecoenses, independente de ser
adoção ou nascimento, então, são por adoção, estão e vieram pra cá pelo trabalho,
então esse ciclo, esse ciclo que a gente demonstra, no próprio material “Meu mundo
é aqui”.Por que Chapecó, primeiro, Chapecó, foi estabelecida, haviam os indígenas,
vamos considerar Caboclos, enfim, mais foi incrementada por alemães, italianos,
que vieram naquele período da colonização.(TOMAZI. 2017).
Os outros que aqui chegam, chegam com esse objetivo de realização material e
promessas de trabalho sugeridas no vídeo, são povos que estão ao alcance dos tentáculos
comerciais ou força de trabalho pouco especializados. Exceto, os povos antigos os que
antecederam a colonização orientada, estes ainda são percebidos como invisíveis ou de pouca
contribuição para construção do tão desejado progresso, como podemos perceber na citação
acima.
Nesse contexto, a diversidade apresentada no vídeo não traduz, não automaticamente,
uma abertura para um novo pensar sobre as identidades culturais. O que, Stuart Hall(1997),
denominou, fazendo uma crítica aos estruturalismos marxistas, uma “estrutura de unidade na
diferença”.(p.152). O que está em jogo são representações e descentramento sem
comprometer a cultura dominante. Ora, “essas representações”, (BECKER. 1994), contidas no
trecho do vídeo, logo no início – “somos uma janela para o mundo” – demarca uma posição
privilegiada. A alusão à janela e o mundo não estão deslocadas da ambição provocada pela
noção de que ser competitivo é ser globalizado e para fazer sentido simbólico são mostrados
61
“como maneiras que as pessoas usam para contar o que sabem, para outras pessoas que
querem sabê-lo” (BECKER,1994,p. 137). “Chapecó meu mundo é aqui”, sugere um
encadeamento repetitivo em várias línguas falando de um mesmo lugar para outros lugares
que querem saber de Chapecó por pessoas que afirmam possibilidades. Mesmo fora de seus
lugares de origens de sua pátria, eles, os novos personagens, contam para as pessoas de dentro
e de fora o que elas sentem por Chapecó, corroborando com o sentimento de municipalidade e
pertencimento relativo.
As mídias visuais fornecem códigos textuais e simbólicos que visam produzir e
reproduzir determinados olhares, ou significar representações dentro desse arcabouço de
interpretações para conceber a visão de uma classe da sociedade sobre determinados grupos,
mas, na tentativa de dissimular os conflitos existentes entre as diversas identidades e
diferenças, que se chocam na luta cotidiana por reconhecimento, transitam pelo imaginário
deslocado do embate permanente no ambiente aberto e tolerante do multiculturalismo.
As tradicionais identidades que por tanto tempo apaziguaram o mundo social
municipal, seja pelo uso dos seus símbolos seja pelo uso da violência, estão em ligeiro
declínio ou com a legitimidade abalada, (HALL,2011), isso faz surgir um velho/novo
processo de luta por diferença. Um novo contexto de reconhecimento imbricado na
relativização das velhas culturas.
As antigas identidades indígenas e caboclas se reorganizam para fazer-se presente na
cena da cidade, embora contestadas e estigmatizadas, ainda hoje, elas resistem se apresentam
para reivindicar direito a identidade e contestam a municipalidade unificadora europeizante,
conforme constatou Savoldi(2012), em seu artigo “Territorialidades cruzadas: a construção
das identidades indígenas e caboclas no Oeste Catarinense”. Esses povos identitários não
desapareceram, pelo contrário, estão em permanente processo de luta por reconhecimento
material e simbólico.
A Chapecó de hoje, vive uma luta latente por diferenças desconsiderada pelo artefato,
que apresenta fala que unifica a imaginação da nação e distingue acolhendo o outro, propondo
um equilíbrio desprovido de conflitos ao racializar a diversidade cultural como natural da
formação do município: “nós somos uma nação com mais 210 mil habitantes, várias raças e
idiomas, cores e sabores”(CHAPECÓ meu mundo é aqui,2017), uma vez que o idioma, no
contexto do vídeo, está associado a raça, produz identificação e hierarquia. O termo “raça”
presente no vídeo opera no sentido classificar sujeitos e lugares organização imagética e de
62
linguagem multicultural na qual “as qualidades (…) culturais são apresentados como
neutros”(MUNANGA. 2003), tendendo a conceber um espaço social sem luta, como se a
identidade independesse da diferença.
O sociólogo Tomaz Tadeu da Silva(2009), já observava em seus escritos, esse
movimento de colocar em evidência a produção da identidade descolada da diferença, mas
como vimos, anteriormente, identidades e diferenças estão em profunda correspondência,
interdependencia e luta.
As questões colocadas no vídeo podem nos levar a pensar que as identidades culturais
de origem, até então, privilegiadas em todas as peças de apresentação da cidade e formação
social, foram ocultadas pela entrada da cidade no mercado global e pela projeção mundial
advinda da tragédia. Mas, observamos que ao lado da homogeneização do global há também a
sedução pela diferença, a comercialização da “etnia e alteridade”(HALL. 2011), como
produtos da nova cidade aberta para o mundo.
As narrativas estão em relação aos seus objetivos comerciais, estão dependentes de
seus alvos, como afirmou Becker(1994). “O modo como escrevo depende quem estou
tentando impressionar”.(BECKER. 1994,p.135). Podemos ver um vídeo como linguagem
audiovisual, escrita para causar ou provocar impressões, no nosso caso, para o mundo, mas
quais impressões estão em evidências? Ao apresentar a diversidade cultural que não dá conta
do contexto social da cidade, pode criar cisões e ou unificação? Ou ainda, será que a
receptividade do vídeo foi favorável? Os custos de produção e divulgação foram bem-aceitos
pelos financiadores? Essa perguntas são partes das reflexões e provocações que estamos
construindo.
O vídeo dos 100 anos, coloca em perspectiva uma cidade que cresce a velocidade da
luz, talvez seja esse o papel do deslocamento da iluminação que cria no olhar a ideia de
movimentos rápidos, desenvolvimento virtuoso, progresso e caminhado para o futuro. É nesse
contexto de deslocamento, velocidade e trabalho que vídeo apresenta a diversidade de uma
Chapecó que quer se mostrar para o mundo. uma Chapecó que autoafirma grande, cheia de
63
possibilidades e se desenvolve a passos largos ou melhor, a voos altos. Mas, de acordo com
um dos criadores do vídeo, o filme vinha para responder algumas questões: “O que é essa
Chapecó que todo mundo tá olhando? O que as pessoas pensam de Chapecó? Até o momento
o que era Chapecó?” (TECCHIO, 2017). Essa perguntas eram as quais o vídeo deveria
responder. No entanto, observamos um vídeo que exprime um misto de ficção com realidade
imbricado numa sugestiva diversidade cultural, restrita.
Ao apresentar quatro identidades nacionais estadunidense, colombiana, árabe e
haitiana como essencialmente representantes dessas culturas nacionais, trabalhadores
imigrantes integrados a cultura Chapecoense que traz em suas representações o trabalho árduo
e dedicado, o amor a cidade e sua identificação associativa de origem. Nas palavras do
Secretário municipal de imprensa:
Chapecó realmente é uma terra de oportunidades. Eu gosto dessa pressa, mas ela
tem sim, ela tem um jeito de ser, por que as pessoas, eu creio que esse seja também
um dos motivos fortes, as pessoas aqui elas, nasceram com o manto da adversidade,
da dificuldade(TOMAZI. 2017)
Ao passo que, os mercados em que a cidade está inserida são “América, Europa, Ásia
e África”, ou seja, dos seis continentes do planeta a cidade, segundo o vídeo institucional
“Chapecó meu mundo é aqui,2017”., está presente em quatro através de seus produtos, e, em
“mais de 60 países”. Nesse contexto, o local não deve ser confundido com as antigas
identidades preferenciais italiana e alemã fechadas em si mesmas. Por questões comerciais é
preciso apresentar uma cidade como outra roupagem, com outros elementos e personagens. A
lógica da globalização é produzir novas identificações transitórias locais sem com isso
destruir as identidades mais enraizadas.
A ideia de inserção na economia global é bem definida logo na abertura do vídeo, que
articula progresso, modernidade, desenvolvimento e trabalho. Essas representações sugerem
uma interpretação, para quem está assistindo consciente ou não, sobre a produção de uma
realidade de “si” como protagonista da história dos atributos ali significados.
O filme mostra, como uma leitura de um mapa rodoviário, informações necessárias a
apreensível suprir suas aspirações, portanto os interlocutores são conduzidos por
encadeamentos de imagens e representações que satisfazem seu momento. Os personagens,
por outro lado, deixam escapar suas origens para transmutar-se para o mundo de Chapecó sem
causar danos, reivindicam suas identidades. Como afirmou em entrevista o secretário de
imprensa Mario Tomazi: “todos são chapecoenses, por adoção”(TOMAZI. 2017).
64
Nesse caminhar, o poder no interior das representações não está totalmente sob
controle, dado que produtores, atores e usuários não estão no mesmo grau de entendimento
sobre o artefato, embora compartilhem em alguma medida de certo conhecimento comum
sobre o que está sendo mostrado e o que está sendo visto em outra medida o conflito pode está
presente, mesmo dissimulado. Nessa relação de produção de significados é que os atores
desafiam a neutralidade ao colocar-se como pertencente a outro lugar. “O meu mundo é aqui.”
por motivos materiais, mas expresso isso em minha língua materna, reafirmando um conjunto
de códigos, símbolos que remete a essência de pertencimento deslocada.
A luta por diferença é travada nesses códigos, ora percebidos como neutros, mas, ela
se constrói e reconstrói na relação social cotidiana da visibilidade e da representação que
muitas vezes não são de imediatos identificadas. Não estamos aqui procurando encontrar o
ponto de fissura entre o tradicional e o novo, mas mostrar que os conflitos são produzidos no
interior do consenso.
67
O vídeo fora lançado na rede social e na página oficial da prefeitura nas três versões
português, inglês e espanhol nos dias 14, 16 e 24 de maio de 2017, foram mais 137000
visualizações, com 952 compartilhamentos na rede social Facebook(PREFEITURA de
Chapecó, 2017), esses números mostram o trânsito no meio virtual. Porem, no canal
YouTube(PREFEITURA de Chapecó,2017), no período – entre 18/05/2017 a/10/2017 –, as
visualizações foram um pouco mais de quatrocentas (400), foram bem baixas na comparação
com o Facebook, numa primeira verificação e se confirmou.
A escolha de buscar esses canais de divulgação como forma de identificar a circulação
do vídeo e suas possíveis críticas, se deu pelo próprio contexto do nosso tempo em que as
mídias não impressas e curtas circulam de forma muito rápida e sua visibilidade, além de ser
instantânea e de fácil acesso pelo espectador(a), e, também pelo número de visualizações que
permitisse aferir o volume de acessos, ainda podemo conferir os comentários.
Uma explicação, possível, pode ser a praticidade com que a rede social tem em fazer
vídeos viralizarem a partir dos compartilhamentos entre círculos de amigos virtuais e assim
produzir popularidade, aceitação ou negação. Para a produtora do vídeo, assim como, para o
secretário municipal de imprensa o artefato foi um sucesso embora ressaltem que a
discrepância nos números de visualização em determinados canais de veiculação eram
esperados. O aporte financeiro dirigido a realização desse empreendimento foi válido para
ambos lados, produtor e financiador. Essa discrepância nos números pode ser explicado ,
Becker(1994), “o que é feito, comunicado e compreendido varia entre estes ambientes”
(BECKER. 1994,p.139), podendo também varia o tipo de público e a frequência com que
acessam a esses canais.
Chapecó não é… se for analisar cresceu nos 10, 12 anos de 120 mil para 210 mil
habitantes hoje, aumentamos a população, estamos entre as cidades que mais
cresceram. Um pouco a comunicação faz isso também, ela tem duas coisas, atrai
muito a visão, muitas coisas, é importante para Cidade, porque isso, porque além de
trazer pessoas ela traz investimento. Um dos objetivos. É claro que com a
comunicação a prefeitura tem um gasto, mas ela tem retorno e Chapecó tem tido
esse retorno(TECCHIO. 2017)
A longa citação expõe alguns temores em relação as figuras que compõe a cena da
nova estética das campanhas, mas percebemos que essa pretensa mudança repousa num
determinado momento, movido por sentimentos outros, que integrar os diferentes à cena da
cidade, mas sim, trazê-los para produzir riquezas para a cidade.
É muito cedo para saber se as mudanças na representação da cidade será permeada de
diversidade, ainda que restrita, ou será apenas pontual em razão da tragédia e a oportunidade
de mercado. Como objetivou Hall(2011), sobre as pertubações e as fronteiras que separam
identidades nacionais no mundo globalizado. “Num mundo de fronteiras rompidas e de
continuidades rompidas as velhas certezas e hierarquias da identidade,(...), tem sido posta em
questão”.(HALL, 2011,p. 84). O que se espera é que essa questão seja debatida continuamente
e promova a inclusão dos invisíveis na cena social da cidade.
Ora, a comunicação tem essa problemática de ligar as pessoas a certos comunicados
que se constituirão em sentido na vida cotidiana. A percepção pode ser diversa, de atração,
neutralidade ou repulsa, não necessariamente nessa ordem ou uma após outra, mas os sentidos
são produzidos na relação sociocultural conforme as expectativas subjetivas e objetivas dos
leitores os espectadores.
Para Howard S. Becker(1994): “Pessoas numa variedade de disciplinas intelectuais e
campos artísticos pensam saber algo sobre a sociedade que vale a pena contar para os outros,
e eles usam uma variedade de formas, mídias e meios para comunicar suas ideias e
descobertas”(BECKER. 1994, p.136). Essa reflexão é importante para entendermos o que o
vídeo quer comunicar e a quais públicos é destinado, no nosso caso, comunica a cidade para
além da cidade. Os modos de recepção do material visual depende dos sentimento que os
usuários dispõe para efetuar aceitação, neutralidade ou negação.
comoção que esses diferentes são apresentados, no vídeo, e parecem escapar aos olhares de
quem visualizou, curtiu ou compartilhou.
Nas suas três versões, foram mais 137500 visualizações. Na página da Prefeitura de
Chapecó (oficial) Facebook, (não estamos considerando o canal YOU TUBE devido a sua
baixa visualização no período aqui analisado), de 18 de maio de 2017 a 06 de outubro 2017. o
que sustenta a nossa afirmação sobre o que é visto nem sempre é o que é mostrado, foi falta
de questionamento ou interrogação sobre o formato do vídeo ou a ausência das etnias
legitimadas como formadora da identidade chapecoense. Para os produtores do vídeo, o
foco foi centrado nas redes sociais do Facebook, para que pudesse, segundo eles, medir como
seria a aceitação e circulação do vídeo.
Hoje em dia a questão é a rede social, o YouTube não é um local para quem vai
buscar realmente, a não ser que você impulsione você. A gente decidiu não
impulsionar, a gente não quis impulsionar no You tube, a gente quis que as pessoas
quisessem compartilhar para medir uma aceitação.(TECCHIO.2017)
precisa ter para que uma representação seja efetiva e o que é eticamente permissível ao fazer
uma representação”(BECKER. 1994,p140). Esses aspectos parecem não ter escapado aos
proponentes financeiros, nem aos produtores, uma vez que vídeo circulara sem críticas, pelo
menos não identificamos nos comentários nenhuma exposição sobre a problemática no
interior do vídeo, como veiculação relativamente esperada.
O apelo a autoestima vem das frases que fazem o papel da unidade em torno do
desenvolvimento e sentimento de pertencimento a uma cidade que está “além do seu tempo. É
moderna, ousada e empreendedora. Gera milhares de empregos(...)”(CHAPECÓ meu mundo
é aqui, 2017), essas afirmações criam de início uma positividade no pertencimento e
identificação com a cidade, provocados pelos ideais de progresso.
As afirmativas esvaziam o olhar do público sobre a crítica e direcionam par o positivo
unitário e acrítico. Dentre as milhares de visualizações recebidas pelo vídeo, os comentários
eram sempre em parabenizar a cidade pelo seu centenário ou quando muito marcação de
outros amigos para que visualizassem o vídeo.
As frases contidas no roteiro do filme parecem fazer a mediação entre o mostrado e o
invisível levando o espectador reconhecer-se naquela realidade perene e ficticia. O mostrado
perpassa pela configuração do desenvolvimento, da simbologia do progresso e nas qualidades
positivas que fazem da cidade ser o centro das atenções entre os seus vizinhos.
O invisível aos olhos do espectador, está na apresentação dos personagens e suas
diferenças, mas essas diferenças são sufocadas pelos próprios personagens ao abrir mão,
temporariamente, de suas identidades para glorificar Chapecó, mesmo fazendo em suas
línguas nativas.
A neutralidade apresentada pela falta de críticas ou comentários sobre o vídeo não
pode ser encarados como um campo sem batalhas, pois, “há uma luta contínua e
necessariamente irregular e desigual por parte da cultura dominante, no sentido de
desorganizar e reorganizar a cultura popular; dentro de uma gama mais abrangentes de formas
dominantes”(HALL. 2009, p.239). E assim o vídeo veicula sem percalços.
A produção, comercial institucional, logrou êxito ao colocar a diversidade e, ao
mesmo tempo, esvaziar as críticas sobre a tradição, sobre a supressão dos europeus na cena
midiática, mas, isso não significa que o controle está dado e de uma vez por todas
estabelecidos seu limites. Os conflitos que resultantes da produção das identidades e das
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5 CONCLUSÃO
também que essa operação audiovisual não deu conta de problematizar, nem as identidades
contemporâneas aceitas, e nem as identidades negadas. O objetivo, primeiro, observado foi de
estabelecer uma operação que teve como foco atrair atenção para a cidade a partir de uma
pretensa diversidade cultural e oportunidades de trabalho, mas no o sentido direto foi vender a
cidade. Foi apresentado um misto de personagens que apenas tinham nome e declaravam seu
pertencimento/amor a Chapecó como atributos naturais chapecoenses.
No decorrer de nossa narrativa, também, ficou esboçado que o vídeo em si esvaziou as
críticas ao colocar a sequência desenvolvimento, modernidade e futuro em perspectiva e
assim produzir nos usuários a sensação de pertencimento ao interpretar a realidade exibida
correlacionando com sua própria realidade. A final, aqui é uma terra de imigrantes e ao
apresentar outros imigrantes como pertencentes a esse mundo, sem contudo colocar em risco
as identidades tradicionalmente aceita, o vídeo veiculou sem críticas.
No contexto em que foi pensado e divulgado o vídeo, a recepção alcançou uma marca
que considero boa e também considerada pelos produtores e financiadores, além disso, o
vídeo passou sem críticas contundentes ou interrogativas sobre o seu formato e seus
personagens, ou ainda, sobre o valor destinado a produção e veiculação.
A pretensa diversidade exposta através dos personagens não deram conta de
representar a diversidade da cidade de carne e osso, embora os personagens sejam parte dessa
diversidade, outras identidades foram negadas.. Nesse sentido, não há uma mudança na forma
como a cidade se ver, mas uma mudança na foram como se pretendeu mostrar a cidade.
Os conflitos por identidades e diferenças são dinâmicos em suas formas de
apresentação e representação, vimos que mesmo os personagens tendo passado despercebidos
em suas identidades e diferenças eles afirmavam quem eram e de onde eram. Essas
identidades e diferenças estão lá, estão ocupando um espaço e colocando-se em evidências,
negociando e afirmando. Não dá para dizer que de agora em diante essa diversidade vai ser
ampliada ou sufocada. O que dá para dizer é que as identidades e diferenças estão em luta e
conflito e não sessam por decreto.
Por fim, podemos observar que o processo de identificação, identidade e diferença se
dá na relação social e cultural. A cultura molda, não de uma vez por todas, mas de forma
inacabada como a cidade se organiza e se percebe no seu caminhar histórico e estão sujeitas a
abrir mão da tradição para que outras identidades e diferenças possam surgir e significar.
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REFERENCIAS
EU SOU CHAPECÓ, MEU MUNDO É AQUI. Prefeitura de Chapecó. You tube. 18 de maio
de 2017. 1 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1jZ0yUrbMyM.
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