Você está na página 1de 98

EDUCAÇÃO,

CONSTITUIÇÃO
E LEGISLAÇÃO
Paulo Henrique Camargo Rinaldi

EDUCAÇÃO,
CONSTITUIÇÃO
E LEGISLAÇÃO

São Paulo 2014


Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE.

Capa
Monica Rodrigues

Revisão
Viviane de Barros

Diagramação
Isaac Tiago

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________
R441e

Rinaldi, Paulo Henrique Camargo


Educação, constituição e legislação/ Paulo Henrique Camargo Rinaldi. -
1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2013.

ISBN 978-85-7923-835-2

1. Ordem dos Advogados do Brasil - Exames - Guias de estudo. 2. Direito


- Problemas, questões, exercícios. I. Título.

13-06065 CDU: 34(81)



________________________________________________________________
10/10/2013 11/10/2013
________________________________________________________________

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA


www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Glória, 246 – 3º andar


CEP 01510-000 – Liberdade – São Paulo - SP
Tel.: 11 3167.4261
www.editorabarauna.com.br
Sumário

1. Apresentação: o porquê deste livro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7


2. Educação: um processo em transformação . . . . . . . . . . . . . 10
3. A norma jurídica e a legislação educacional. . . . . . . . . . . . . 13
4. O artigo 1º da Constituição Federal: O Brasil como Estado
Democrático de Direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
5. A educação e a Constituição Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
6. O artigo 205 da Constituição Federal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
6.1. Artigo 205, seis normas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
7. O artigo 206 da Constituição Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
8. As avaliações de grande porte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
8.1. A garantia de padrão de qualidade: formas de avaliação. . . 27
9. O artigo 210 da Constituição Federal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
10. Princípios, normas e proposta pedagógica . . . . . . . . . . . . 33
11. Princípios jurídicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
12. Os Princípios Constitucionais da Educação. . . . . . . . . . . . 38
12.1. O Pleno Desenvolvimento da Pessoa (art. 205 da CF). . . . 38
12.2. O preparo para o exercício da cidadania. . . . . . . . . . . . . 43
12.2.1. A Inclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
12.3.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
13. Um mundo em transformação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
14. A educação básica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
14.1. Educação infantil, ensino fundamental e ensino médio . . . . 65
15. Adaptação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
16. As três áreas de atuação: interdisciplinaridade,
contextualização e resolução de problemas. . . . . . . . . . . . . . . 73
17. Ensino médio e os cinco eixos cognitivos. . . . . . . . . . . . . . 76
18. Habilidades e competências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
19. Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
O autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1. Apresentação: o porquê deste livro

EDUCAÇÃO
CONSTITUIÇ
CONSTITUIÇÃO FEDERAL – LDB –
CURRÍ
CURRÍCULO – UNIDADE ESCOLAR
– AUTONOMIA - CONTEÚ
CONTEÚDO
MÍNIMO – SARESP – ENEM - SAEB

A oportunidade deste livro nasceu do convite que a


Editora FTD me fez para dar algumas palestras para seu
sistema de ensino, premidos que estavam, como todos,
aliás, pelas mudanças por que passava e por que passa a
educação no Brasil. Convite este, que veio em boa hora,
pois eu terminara de defender minha dissertação de mes-
trado, que tratava da educação sob o ponto de vista da
construção do Brasil como Estado Democrático de Di-
reito. Daí, a abordagem da educação como uma das insti-
tuições fundamentais à realização do propósito democrá-
tico e da importância das chamadas avaliações de grande
porte como indicadores da evolução dessa conquista.

7
O fato que se tornou especificamente o motivo da
preocupação das escolas estava na presença, cada vez mais
evidente, dessas avaliações, das quais o Enem tornou-se
o maior símbolo.
A aflição de mantenedores, diretores, professores e
de todos os que militam na área da educação tem um
motivo. A educação brasileira, tanto a pública quanto a
privada, sempre vivera imune a avaliações e indicadores.
Alimentava-se de crenças, dentre elas, a de que certas ins-
tituições, por uma questão de mera tradição, eram boas
e que outras, nem tanto. Os indicadores de eficiência
restringiam-se a iniciativas das próprias instituições, mais
afeitos aos seus próprios departamentos de marketing,
que à realidade dos fatos. Enfim, voávamos sem instru-
mentos, baseados em rotas, cuja segurança advinha ape-
nas do fato de que seguindo os ventos de costume logra-
ríamos chegar ao nosso destino.
A Constituição de 1988, dentre os muitos direitos
que positivou, trouxe a garantia de qualidade ao proces-
so educacional (art. 206, inciso VII). Daí as avaliações a
que devem se submeter sistemas públicos e instituições
de ensino privadas.
Dois pontos tornaram-se relevantes. O primeiro
está em que essas avaliações vieram para ficar e o segundo
mostra que, cada vez mais, eles representarão os indica-
dores de qualidade do ensino.
A eficiência dos colégios, medida meramente pelo
suposto desempenho de seus alunos nos exames vestibu-
lares, deixa de ser o grande e único índice do ensino. Já
não era sem tempo. Além de se questionar a confiabili-

8
dade dos dados apresentados, há de se considerar a per-
tinência desses números para se medir todo um proces-
so educacional que, como sabemos, é afeito a valores de
diversos matizes e não pode sofrer redução a um mero e
pontual exame de acesso ao ensino superior.
Finalmente, cabe lembrar o significativo número de es-
colas que têm cerrado suas portas ou se submetido a penosos
processos de fusão. A par de questões administrativas, a per-
da de competitividade tem se mostrado como a causa maior
do fechamento de inúmeras instituições educacionais.
Duas síndromes, portanto, devem ser evitadas pelos
que labutam na área da educação, ao preço de se verem
irremediavelmente fora do mercado, sejam eles mantene-
dores, diretores pedagógicos, orientadores educacionais,
coordenadores ou professores. A da “Gabriela” e a da
“Carolina”. Na primeira, a teimosia em dizer “eu nasci
assim, eu cresci assim, eu vou ser sempre assim”. Na se-
gunda, a omissão de Carolina em que “o tempo passou
na janela e só Carolina não viu”.

9
2. Educação: um processo em
transformação

O primeiro ponto que devemos observar quando fa-


lamos das avaliações de grande porte, como Enem, Prova
Brasil e outras, está em que elas representam apenas um
pequeno fragmento de toda uma proposta de ensino. De
fato, são a ponta de um processo educacional que se apre-
senta como novo e que atinge toda a educação básica, da
infantil, aos ensinos fundamental e médio.
Lembremo-nos de que nossa tradição recente e, infe-
lizmente, também remota, nos leva a Estados totalitários.
A chamada revolução de 1964 impôs ao país um regime
de força, baseado na imagem de uma ideologia desenvol-

10
vimentista e de segurança nacional. Consequentemente,
nossas instituições absorveram e refletiram essa mentali-
dade. A educação não foi exceção. Vimos alastrarem-se
e efetivarem-se propostas de ensino que pouco ou nada
traziam de reflexão e postura crítica, alienando os estu-
dantes da época, cujo processo de aprendizado se resumia
em preencher lacunas ou responder testes por meio de
muitas “dicas” e pouco aprendizado.
A Assembleia Nacional Constituinte, que trouxe
a Constituição de 1988, buscou resgatar o Estado De-
mocrático de Direito entre nós. Para tanto, positivou
no caput de seu art. 1º que a República Federativa
do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de
Direito. No que diz respeito especificamente à educa-
ção, colocou-a em relevo entre os direitos sociais (art.
6º da CF) e dedicou-lhe toda uma seção no capítulo
iii, do art. 205 ao 214.
Direitos há muito pretendidos foram finalmente
positivados, como, por exemplo, o acesso ao ensino fun-
damental obrigatório e gratuito, reconhecido como um
direito público subjetivo (art. 208, parágrafo 1º), a igual-
dade de condições para o acesso e permanência na escola
e o atendimento escolar especializado aos portadores de
deficiência (art. 206, incisos i e iii).
O que se veem são normas constitucionais relativas
à educação próprias, como já dissemos, a um Estado
Democrático de Direito, o que evidencia a importância
fundamental da educação e dos educadores no momen-
to em que o país se empenha na construção efetiva e
sólida desse Estado. A missão do educador de maneira

11
geral e do professor de forma específica é, hoje, essen-
cial à construção de um país em que a igualdade e a
dignidade da pessoa tornem-se realidades efetivas e não
mera folha de papel, ainda que condições e interesses se
mostrem adversos.

12
3. A norma jurídica e a legislação
educacional

A Pirâmide de Kelsen
A Hierarquia das Leis
Constituição Federal

Lei Complementar

Leis Ordinárias

Medidas Provisórias

Resoluções

Devemos atentar para o fato de que estamos tratan-


do de normas jurídicas e da mais alta hierarquia, as nor-
mas constitucionais.
O que diferencia as normas jurídicas das demais,
como as morais ou religiosas, está no fato de que as ju-
rídicas são dotadas de obrigatoriedade e sanção, ou seja,
possuem caráter imperativo e mandatório e seu eventual
descumprimento acarretará penalidade a quem as violar.
Não estão postas para serem discutidas ou se torna-
rem motivo de especulação, mas para serem cumpridas,
sendo o Estado compelido, inclusive ao uso da força em

13
caso de violação ou omissão. Conflitos e entendimentos
diversos na realização das normas jurídicas devem ser le-
vados ao Poder Judiciário e nesta esfera discutidos para
que ele traga uma decisão, ou melhor, uma interpretação
daquilo que está posto, que, de cumprimento obrigató-
rio, resolverá a lide ou o conflito.
Dessa forma, podemos dizer que a obrigatoriedade
é a característica básica da norma jurídica. Não pode,
como já dissemos, ser objeto de debate ou procrasti-
nação, mas deve ter aplicação imediata. Enfim, se uma
determinada norma perder o caráter de obrigatoriedade
e de coercibilidade, deixará de ser jurídica, podendo,
no entanto, permanecer como norma, neste caso, mera-
mente ética ou moral.
Kelsen foi um importante jurista austríaco do co-
meço do século xx, cuja contribuição foi extremamente
significativa. Em um tempo em que os conhecimentos se
misturavam e se confundiam, soube objetivar o Direito,
delimitando-lhe o objeto de trabalho.
Para o ilustre jurista, Direito é norma, pois os que
militam no mundo jurídico recebem-nas prontas. Ao Di-
reito, pouco importam os fatores de ordem social, po-
lítica ou psicológica que influenciaram a elaboração da
lei, ou mesmo considerações de ordem moral ou ética.
Como dissemos, para Kelsen, Direito é apenas norma e
a isso deve se ater o mundo jurídico. Isso não significa
que o debate e a troca de ideias estejam proibidos ou não
tenham maior importância. Pelo contrário, permanecem
como sinal do dinamismo que deve nortear e distinguir
o homem em sua evolução social, mas que, exatamente

14
nesse sentido, o império da lei torna-se premissa essencial
do Estado Democrático de Direito.
Ainda segundo Kelsen, as leis possuem uma hierar-
quia, subordinando-se umas às outras. No ápice da pi-
râmide, estão as normas constitucionais e a elas todas as
outras devem se adequar, sendo-lhes defeso contrariá-las.
Para nos atermos à legislação educacional, a Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), uma
lei ordinária, deve não apenas estar de acordo com o que
positiva a Constituição, como também refleti-la e espelhá-la
de tal forma que dê entendimento ao que determina a Lei
Maior, tornando possível e correta sua efetivação.

15
4. O artigo 1º da Constituição Federal:
O Brasil como Estado Democrático de
Direito

CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 1: A Repú
República Federativa do
Brasil, formada pela união
indissolú
indissolúvel dos Estados e Municí
Municípios
e do Distrito Federal, constitui-
constitui-se em
um Estado Democrá
Democr ático de Direito e
tem com fundamentos:

A Constituição do Estado brasileiro traz no art. 1º


a positivação de que somos uma Republica Federativa
que se constitui em um Estado Democrático de Direito.
Assim, os artigos constitucionais e infraconstitucionais
que tratam da educação, fazem-no a partir da concepção
deste Estado e de seus fundamentos devidamente positi-
vados. Nosso processo educacional, portanto, deve não
apenas refletir o Estado Democrático de Direito que so-
mos, mas, principalmente, garantir-lhe a efetivação.

16
Temos, como consequência, que, no que diz respei-
to à educação, devemos falar em política de governo com
reservas e de maneira bastante restrita, pois o que já existe
é uma política de estado, devidamente concebida e posi-
tivada, que deve pairar acima de governos e governantes,
como uma instituição que se projeta como garantia do
Estado Democrático de Direito em que se constitui a Re-
pública Federativa do Brasil e seus fundamentos.

17
5. A educação e a Constituição Federal

EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO

CONSTITUIÇÃO
FEDERAL

Artigo 206 ARTIGO 210


ARTIGO 205 Garantia de Qualidade CONTEÚDOS MÍNIMOS

Pleno Desenvolvimento da ARTIGO 3º LDB EDUCAÇÃO INFANTIL


Pessoa ARTIGO 29 LDB

ENSINO
Preparo para o Exercício da
ARTIGO 9º LDB FUNDAMENTAL
Cidadania
ARTIGO 32 LDB

QUALIFICAÇÃO PARA ENSINO MÉDIO


O TRABALHO ARTIGOS 35 36 LDB

Os artigos referentes à educação estão dispostos em


nossa Constituição na seção I do Capítulo III do art. 205
ao 214. No entanto, parecem-nos mais importantes os
artigos 205, 206 e 210, com especial relevo ao primeiro.
Nele, encontramos a educação como direito de todos
e obrigação do Estado e da família em provê-lo. Mais que
isso, define ao que deve visar a educação, ou seja, ao pleno
desenvolvimento da pessoa, ao preparo para o exercício da
cidadania e à qualificação para o trabalho. No art. 206,
a garantia de qualidade como um dos princípios da edu-
cação e, finalmente, no art. 210, a fixação de conteúdos
mínimos, a fim de assegurar uma formação básica comum.

18
O que se depreende, nessa primeira leitura, é que não
temos no Brasil uma educação qualquer, sem rumos ou
papel definido. Pelo contrário, encontramos um processo
educacional positivado e com as tarefas claras e definidas.

19
6. O artigo 205 da Constituição Federal

Artigo 205
A educaç
educação, direito de todos e
dever do Estado e da famí
família, será
será
promovida e incentivada com a
colaboraç
colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercí
exercício da
cidadania e sua qualificaç
qualificação para o
trabalho.

Este artigo, sem dúvida, é o mais importante no que


diz respeito à política educacional brasileira. Ele centraliza,
direciona e estabelece o sentido de nossa educação. O pro-
cesso educacional brasileiro, aqui estabelecido, não possui
um papel vago e abstrato, mas está balizado constitucio-
nalmente como direito e como proposta a ser seguida.
O art. 205 pode ser dividido em 6 partes, cada um
tratando de um aspecto ou direito que estrutura a educa-
ção em nosso país.

20
6.1. Artigo 205, seis normas

ARTIGO 205
a) a educaç
educação, direito de todos;
b) dever do Estado e da famí
família;
c) será
será promovida e incentivada com a
colaboraç
colaboração da sociedade;
d) visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa;
e) seu preparo para o exercí
exercício da
cidadania;
f) e sua qualificaç
qualificação para o mundo do
trabalho.

Se observamos os seis elementos que compõem este ar-


tigo veremos que os três primeiros tratam da educação como
direito e dever e os três últimos ganham relevo pedagógico,
determinando os caminhos que a educação deve percorrer:

a) a educação, direito de todos: o que podemos


ressaltar aqui é a presença do princípio da igualdade,
positivado no caput do art. 5º da Constituição, o
que também busca efetivar um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil, pois sendo a
educação direito de todos, deve eliminar qualquer
forma de discriminação ou preconceito.

21
b) Dever do Estado e da família: o dever do Estado
em propiciar educação a todos vem do fato de
ela estar entre os direito sociais positivados no
art. 6º da Constituição Federal (“são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho” etc.).
Cabe, portanto, ao Estado garanti-la de maneira
igualitária a todos os cidadãos brasileiros.
No art. 208 delineia-se o dever do Estado em
garantir a educação. Lá estão positivadas as
garantias de obrigatoriedade e gratuidade do
ensino fundamental (inciso I), a inclusão dos
que estão fora de faixa etária e dos portadores de
deficiência (incisos I, II, IV e V).
Ressalte-se que o parágrafo 1º desse artigo considera
o acesso ao ensino obrigatório e gratuito um
direito público subjetivo, sendo passível de ser
individualmente exigido por qualquer cidadão. Mais
que isso, o parágrafo 2º prevê a responsabilidade
plena da autoridade competente caso não se observe
o oferecimento do ensino obrigatório ou sua oferta
irregular pelo Poder Público.

c) Será promovida e incentivada com a


colaboração da sociedade: toda escola, como
sabemos, faz parte da comunidade em que está
inserida, devendo a ela se integrar e responder-
lhe às demandas. Há, aqui, uma reciprocidade
que envolve escola e comunidade. Enfim, a escola
deve se envolver com a comunidade e responder-
lhe às demandas.

22
d) Visar ao pleno desenvolvimento da pessoa.

e) Preparo para o exercício da cidadania.

f ) Sua qualificação para o mundo do trabalho.

Esses três elementos do artigo 205 são eminente-


mente pedagógicos e serão objeto de comentários mais
detalhados. O que nos importa, neste momento, é ressal-
tar que não podem ser lidas de qualquer forma ou como
expressões vazias, sem conteúdo, apenas retóricas. Lem-
bremo-nos de que são partes de um artigo, ou melhor, de
uma norma jurídica e, assim, além de possuir um sentido
próprio e exato, adverso a especulações, possuem caráter
mandatório, consequentemente, acarretando punição a
quem delas se esquivar, inclusive com a utilização da for-
ça pelo Estado para seu cumprimento.

23
7. O artigo 206 da Constituição Federal

ARTIGO 206 da CF
Art. 206. O ensino será
será ministrado
com base nos seguintes princí
princípios:
VII - garantia de padrão de
qualidade;
Artigo 3º
3º da LDB
O ensino será
será ministrado com base
nos seguintes princí
princípios:
IX – garantia de padrão de
qualidade.

É a partir da positivação da garantia de qualidade na


educação que se fizeram as chamadas avaliações de gran-
de porte, das quais o Enem é apenas um dos exemplos.
Essas provas vieram com o fim específico de diag-
nosticar a qualidade da educação no Brasil, pois sendo
uma determinação jurídica, passa a ser exigível dos que
têm o dever de prestá-la e por ela zelar. O que se vê, por-
tanto, é que a simples verificação não basta, não se tra-
ta, pois, de mera verificação estatística, mas de subsídios
para o estabelecimento de prioridades e políticas de real
melhoria na educação, cabendo, inclusive a exigibilidade
jurídica aos que dela se furtarem.

24
Embora essas avaliações, como já dissemos, tenham
o caráter diagnóstico e passem longe da ideia de estabe-
lecer ranking entre escolas, pessoalmente, não vejo essa
iniciativa como nociva ou prejudicial ao desenvolvimen-
to do ensino. É direito dos pais, na escolha da escola para
os filhos, ter em mãos todos os dados, características e
informações acerca do estabelecimento de ensino no qual
pretendem realizar a matrícula de seu filho. A posição
no Enem deve ser mais um dado para que se possa to-
mar a decisão de maneira mais clara e assertiva. Aliás, é
obrigação da escola mostrar aos responsáveis a proposta
pedagógica. Mais que isso, observo a divulgação desse e
de todos os outros dados relativos às escolas como um
dever juridicamente posto e exigível, compondo violação
da legislação a sua não divulgação plena.

25
8. As avaliações de grande porte

LDB - Art. 9º A União incumbir-se-


á de:
V - coletar, analisar e disseminar
informaç
informações sobre a educaç
educação;

VI - assegurar processo nacional de


avaliaç
avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, mémédio e superior, em
colaboraç
colaboração com os sistemas de ensino,
objetivando a definiç
definição de prioridades e a
melhoria da qualidade do ensino;

Vemos no art. 9º da LDB a efetivação do que de-


terminou nossa Constituição. Em primeiro lugar, temos
no inciso V a obrigação da União em coletar, analisar e
disseminar os dados relativos à qualidade do ensino. Ob-
serve-se ainda que não cabe à União apenas coletar e ana-
lisar os dados, mas que é seu dever disseminá-los. Dessa
forma, não lhe cabe ocultar ou se omitir na divulgação
do que é diagnosticado, podendo-lhe ser juridicamente
exigida a divulgação plena.
O inciso VII é ainda mais enfático, pois estabelece
como dever da União a realização da avaliação escolar
em seus três níveis, fundamental, médio e superior, com

26
a finalidade precípua de estabelecer prioridades para a
melhoria do ensino. Mais uma vez, evidencia-se que não
se trata de mera estatística, mas de verificação de uma
realidade para o estabelecimento obrigatório de medidas
concretas e efetivas, devendo seus responsáveis, inclusive,
responder juridicamente.

8.1. A garantia de padrão de qualidade:


formas de avaliação

Garantia de Padrão de Qualidade


(avaliações)
INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Aní
Anísio Teixeira)
SAEB (Sistema de Avaliaç
Avaliação da Educaç
Educação
básica)
ANEB (Avaliaç
(Avaliação Nacional da Educaç
Educação Bá
Básica)
é realizada por amostragem das Redes de Ensino, em
cada unidade da Federaç
Federação e tem foco nas gestões
dos sistemas educacionais.
ANRESC (Avaliaç
(Avaliação Nacional do Rencmento Escolar) -
Prova Brasil –
é mais extensa e detalhada que a Aneb e tem foco
em cada unidade escolar.

27
Garantia de Padrão de Qualidade
(avaliações)
Avaliaç
Avaliações Escolares de Grande Porte
PISA, Prova Brasil, SAEB, ENCEJA (Exame
Nacional para Certificaç
Certificação de Competências
de Jovens e Adultos)
Avaliaç
Avaliações realizadas pelos Estados

ENEM (Exame Nacional do Ensino


Médio

Temos aqui, alguns exemplos de avaliações diagnósticas


realizadas pelo Estado. Veja-se a ANEB, Avaliação Nacional
do Ensino Básico, que se efetiva por meio de amostragem.
Outras avaliações também assim procedem, fazendo a cor-
reção das provas também por amostragem. Como sabemos,
isso se dá porque o propósito de tais avaliações está em fa-
zer um diagnóstico da educação para, a partir daí, apontar
prioridades, com o fim específico de garantir a qualidade
do ensino. Outras consequências advindas destas avaliações,
como ranking de escolas ou uso como exame vestibular,
como já dissemos, são meramente acessórias e, embora não
se possa, em nossa opinião, condená-las ou escondê-las, fo-
gem ao escopo inicialmente pretendido.
A chamada Prova Brasil é mais extensa e detalha-
da que a ANEB e tem foco em cada unidade escolar. O
Enem, por sua vez, aponta, não apenas o desempenho de

28
cada aluno que a ele se submete, como também das uni-
dades escolares, municípios, Estados, regiões e do Brasil
como um todo ao fim da Educação Básica.
É importante observarmos que o ensino é livre à ini-
ciativa privada (art. 7, caput da LDB).

Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada,


atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação
nacional e do respectivo sistema de ensino;
II - autorização de funcionamento e avaliação de
qualidade pelo Poder Público;  III - capacidade
de autofinanciamento, ressalvado o previsto no
art. 213 da Constituição Federal

Assim, atendidas as exigências legais, qualquer pessoa,


física ou jurídica, pode possuir e administrar um estabele-
cimento de ensino. A autorização para o funcionamento
das escolas particulares não é, portanto, um poder discri-
cionário do agente público, isto é, algo que implique cer-
ta liberdade ditada pela lei, em que haja possibilidade de
avaliação para se permitir ou não a abertura da instituição
educacional. É competência vinculada, pois, uma vez tipi-
ficada objetivamente e atendidas as condições estabeleci-
das, o Poder Público não tem como negar a autorização e o
reconhecimento para funcionamento e existência desta ou
daquela instituição de ensino particular.
O Poder Público, no entanto, obrigatoriamente,
deve fazer a avaliação de qualidade das instituições priva-
das pertencentes à livre iniciativa. Não vai aqui, em nossa

29
opinião, um poder que dê qualquer margem a considera-
ções de ordem discricionária. O particular está obrigado a
se submeter às avaliações de qualidade estabelecidas pelo
Poder Público, como pontua o art. 7º da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional e seus incisos.

30
9. O artigo 210 da Constituição Federal

ARTIGO 210
Serão fixados conteúdos
mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a
assegurar formação básica
comum e respeito aos
valores culturais e
artísticos, nacionais e
regionais.
O art. 210 de nossa Constituição estabelece a obri-
gatoriedade de fixação de conteúdos míninos para o en-
sino fundamental. Se bem observarmos, essa exigência,
na prática, estende-se também ao ensino médio. No en-
tanto, o que se percebe, mais uma vez, é que não temos
no Brasil uma educação qualquer, onde cada um pode
fazer o que deseja segundo exclusivamente suas crenças
e propostas, mas uma educação definida e possuidora de
conteúdos comuns a todos os brasileiros na formação bá-
sica. A educação torna-se, como é seu dever, a instituição
que garante ao Estado fator de unidade e identificação
entre os brasileiros.

31
Ressalte-se, então, a obrigatoriedade em se minis-
trar e exigir um conteúdo mínimo e determinado em
lei. A ideia de que devemos tratar apenas do chamado
“aprender a aprender”, habilitando o estudante à adapta-
ção às mudanças sociais que possam advir e, desta forma,
prepará-lo para atuar e sobreviver em um sociedade em
constante e vertiginosa transformação, é um raciocínio
se não inverossímil, pelo menos incompleto do ponto de
vista legal e pedagógico.
Em síntese, três são os artigos fundamentais à edu-
cação do ponto de vista estritamente pedagógico, o art.
205, determinando princípios e valores a que deve visar
e educação, o art. 206, trazendo a garantia de qualidade
como um dos princípios de nossa educação e o art. 210
que estabelece a fixação de conteúdos mínimos comuns à
educação brasileira.

32
10. Princípios, normas e proposta
pedagógica

Princípios e Valores
Proposta
(Constituição)
Pedagógica

Conteúdo Mínimo
(LDB)

São estes os três componentes apontados no qua-


dro acima que, do ponto de vista pedagógico chamam a
atenção. O inciso I do art. 12 da LDB dá aos estabeleci-
mentos de ensino a incumbência de elaborar e executar a
própria proposta pedagógica.

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas


as normas comuns e as do seu sistema de ensino,
terão a incumbência de:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;

33
Essa tarefa, em verdade, trouxe grande liberdade
às escolas. Mais que isto, permitiu e obrigou que cada
estabelecimento de ensino elaborasse, apresentasse e
realizasse, junto à comunidade em que está inserido, o
modelo e a filosofia de educação que se propõe a efe-
tivar. É a explicitação obrigatória dos princípios e va-
lores que norteiam os educandários, explicitando sua
identidade e razão de ser. Por isso, o estabelecimento
de ensino público deve desenvolver uma proposta pe-
dagógica que responda às demandas da comunidade
em que está inserido, como, aliás, positiva o inciso vi
do mesmo art. 12.

VI - articular-se com as famílias e a


comunidade, criando processos de integração
da sociedade com a escola;

A escola pertencente à rede privada, por usa vez,


passa a ter como obrigação não apenas possuir uma pro-
posta pedagógica própria, como também apresentá-la aos
pais e responsáveis que buscam uma escola para seus fi-
lhos. Claro está que a escola tem a obrigação de apresen-
tar sua proposta de educação de maneira clara e completa
e, após adesão, não cabe aos pais discordar ou não aceitar
as ações desenvolvidas pelo estabelecimento de ensino, se
efetivadas de acordo com a proposta, a legislação vigente
e o princípio da razoabilidade. Trata-se, portanto, de uma
adesão, ou melhor, de uma escolha por uma educação
diferenciada ou mais adequada ao tipo de formação que
os pais desejam dar aos filhos.

34
O Estado, no entanto, em suas avaliações de qua-
lidade, não vai tratar da proposta pedagógica, pois isto
pertence a cada escola em particular e sua comunidade.
O Poder Público ocupa-se daquilo que é comum e obri-
gatório a todos os estabelecimentos de ensino do país, os
princípios e valores constantes da Constituição Federal e
o conteúdo mínimo preconizado pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.

35
11. Princípios jurídicos

Vimos que um dos componentes normatizadores para


a educação está nos princípios que a compõem e que por
consequente força jurídica devem ser levados aos estudan-
tes. Por isso, torna-se importante que vejamos o que são e
no que consistem os chamados princípios jurídicos.
Sabemos que o direito existe enquanto norma, ou
seja, enquanto regras hierarquicamente estabelecidas. Es-
tas, por sua vez, podem ser concebidas como princípios
ou normas propriamente ditas, regras enfim:
Os princípios como normas superiores, estabelecem a
maneira como as normas devem ser interpretadas e aplicadas.
Dois são os ensinamentos que podemos depreen-
der acerca dos princípios. O primeiro está em que eles,
como normas jurídicas, são dotados de obrigatoriedade.
Sob nosso ponto de vista, os princípios não podem ser
colocados de lado, como meras peças decorativas dentro
da Constituição. Se assim pudesse ser, não estariam posi-
tivados e não seriam, como são, artigos do ordenamento
jurídico vigente. Negar-lhes a aplicabilidade ou torná-los
como políticas governamentais de efetivação, a partir de
planos de governo ou de verificação de possibilidade fac-
tual, é retirar-lhes o caráter jurídico, com todas as con-
sequências de desprestígio e enfraquecimento do direito
como instituição de um Estado Democrático de Direito.
Nesse caso, melhor seria que os princípios e fundamentos
não estivessem propriamente no corpo da Constituição,

36
mas em um apêndice qualquer ou, até mesmo, em seu
preâmbulo, a fim de que claramente se revelassem como
recomendações e não como normas jurídicas.
O segundo, consequência direta do primeiro, está
em que os princípios nos trazem o viés ou o caminho da
leitura e interpretação das demais normas, não importan-
do a hierarquia em que se encontram. A leitura e inter-
pretação das demais normas jurídicas condicionam-se ao
que está determinado pelo ou pelos princípios. Vai aqui
a efetividade dos princípios, ou seja, por constituírem os
fundamentos do Estado, determinam como devemos ler
e aplicar as demais normas jurídicas. São, enfim, determi-
nantes da forma de ler, interpretar e aplicar uma norma
jurídica. Fazê-lo de forma independente, isolada, como
se fosse única e existisse por si só é tresler e desviar o real
sentido e valor que possui o ordenamento jurídico como
um todo e negar o Estado de Direito em vigor. É, enfim,
aplicar em desacordo com o que preceitua o direito vi-
gente. Uma regra jurídica só é válida a partir dos princí-
pios que lhe dão a devida valoração.
Ainda neste caminho, sabemos que todo texto escrito
necessariamente deve possuir uma unidade, não se admi-
tindo a enumeração de frases ou pensamentos dispersos
sem qualquer relação. Mais que qualquer outro, a Consti-
tuição de um Estado deve compor uma unidade deflagra-
da pelos princípios ou fundamentos deste mesmo Estado.

37
12. Os Princípios Constitucionais da
Educação

12.1. O Pleno Desenvolvimento da Pessoa


(art. 205 da CF)

PRINCÍPIOS E VALORES
(CONSTITUIÇÃO)
visar ao pleno desenvolvimento da pessoa

O direito ao pleno desenvolvimento da


personalidade humana consiste, pois, “em formar
indiví
indivíduos capazes de autonomia intelectual e
moral e respeitadores dessa autonomia em
outrem, em decorrência precisamente da regra
de reciprocidade que a torna legí
legítima para eles
mesmos”
mesmos” (PIAGET)
capacidade individual de construç
construção da pró
própria
existência. Competência esta nem sempre fá fácil
de ser alcanç
alcançada, pois reveste-
reveste-se de “autêntico
direito da personalidade”
personalidade”.

É muito importante, mais uma vez, estarmos aten-


tos ao fato de que tratamos de normas de cunho jurídico
e da mais alta hierarquia, pois constitucionais. Como já
dissemos, as palavras e expressões aqui utilizadas não são
e não podem se tornar vazias ou pertencer a um senso
comum indefinido e impreciso. Pelo contrário, possuem

38
um significado preciso e valor claro, cuja desobediência
ou omissão implica desrespeito ou violação do ordena-
mento jurídico que regula o Estado, com todas as conse-
quências que isso traz.
E é exatamente nesse sentido que a determinação de
que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da
pessoa não pode se perder em meio a propostas de edu-
cação que não a efetivem de maneira concreta e dentro do
que estabelece a ordenação jurídica. Dizer que o pleno de-
senvolvimento da pessoa enquadra-se em toda e qualquer
proposta de ensino, pois, de uma forma ou de outra, elas
tratam em algum aspecto do desenvolvimento do aluno
como pessoa é fugir ao que a lei e a missão do educador
determinam. Pleno desenvolvimento da pessoa não é ingre-
diente acessório que se adapte ao que quer que seja como
justificativa para a acomodação e até no extremo, para a
preguiça e a falta de competência e conhecimento.
O pleno desenvolvimento da pessoa relaciona-se di-
retamente com o princípio da dignidade humana e sig-
nifica, no caso do processo educacional, formar pessoas
com autonomia, ou seja, com capacidade individual de
construção da própria existência. Trata-se, portanto, de
dotar as pessoas do direito à sua própria personalidade,
com autonomia intelectual e moral.
Todos nós conhecemos as clássicas obras de nossa
literatura A Hora da Estrela, de Clarice Listector e Vidas
Secas, de Graciliano Ramos. São personagens dessas obras
Macabeia e Fabiano, respectivamente. Independente de
análise literária mais profunda, temos duas personagens
que se caracterizam pelo vazio existencial. Na primeira,

39
uma nordestina que vai para o Rio de Janeiro e se con-
forma, entre outras coisas, em ouvir a rádio-relógio; no
segundo, um retirante que com sua família vive de fugir
da seca e se contenta em estar vivo ao fim de cada dia.
Análises literárias encontraram nas personagens de Vidas
Secas uma equiparação com os animais, tal a condição de
existência que apresentam (“É Fabiano, você é um bicho,
um bicho, Fabiano”).
Tais personagens possuem um “eu” interior mínimo,
quase inexistente. Não são capazes dos sentimentos ou da
razão, menos ainda, de possuir autonomia e decidir a pró-
pria vida. Essa condição não é, em nossa opinião, privilégio
das classes menos favorecidas economicamente. Pelo con-
trário, não há relação de causalidade entre poder aquisiti-
vo e grau de existência e autonomia. Encontramos, enfim,
muitas Macabeias e muitos Fabianos neste nosso Brasil,
muitos pertencentes às classes mais altas.
Formar pessoas com autonomia e independência inte-
lectual e moral torna-se tarefa essencial ao processo educati-
vo, também porque é vetor fundamental para a garantia do
Estado Democrático de Direito.
Hannah Arendt em sua obra Eichemann em Jerusa-
lém: um retrato sobre a banalidade do mal nos alerta para
o perigo que representa o vazio existencial das pessoas na
constituição de uma nação. Nessa obra, temos o relato do
julgamento de Otto Adolf Eichmann, visto como um
alto funcionário do sistema nazista durante a 2ª Guerra.
Eichmann era considerado responsável pelo envio de ju-
deus aos campos de concentração, pelo menos do ponto
de vista estratégico ou logístico.

40
Ele foi capturado em 1960 em Buenos Aires por
forças israelenses e conduzido para julgamento na corte
Distrital de Jerusalém, acusado, dentre outros, de crimes
contra a humanidade, de guerra e contra o povo judeu.
Declarou-se inocente no sentido de cada acusação.

Sequestrado num subúrbio de Buenos Aires por


um comando israelense, Adolf Eichmann é levado
para Jerusalém, para o que deveria ser o maior
julgamento de um carrasco nazista depois do
tribunal de Nuremberg. Mas o curso do processo
produz um efeito discrepante: no lugar do
monstro impenitente por que todos esperavam,
vê-se um funcionário medíocre, incapaz de refletir
sobre seus atos ou de fugir de clichês burocráticos.
É justamente aí que o olhar lúcido de Hannah
Arendt descobre o ‘coração das trevas’, a ameaça
maior às sociedades democráticas: a confluência
de capacidade destrutiva e burocratização da
vida pública, expressa no famoso conceito de
‘banalidade do mal’. Numa mescla brilhante de
jornalismo político e reflexão filosófica, Arendt
toca em todos os temas que vêm à baila sempre
que um novo morticínio vem abalar os lugares-
comuns da política e da diplomacia (ARENDT,
2008, p. 44).

Na obra de Hannah Arendt, revela-se, durante o


julgamento, o fato de que aquele que era considerado o
“monstro nazista” responsável pela deportação de milha-

41
res de judeus levados à morte nos campos de concentra-
ção, mostra-se um homem vazio e medíocre, que agia
motivado por um desejo de ascensão social e a partir de
um mecanismo burocrático, sem medir ou avaliar as con-
sequências ou a ideologia atrás de seus carimbos.
Como ele, há muitos. São Fabianos e Macabeias que
não vivem, mas buscam sobreviver dia após dia. Existem
aos milhares e por não ter consciência da própria existência
tornam-se incapazes de refletir não só sobre a própria vida,
como também de atuar positivamente no contexto social
em que vivem. São presas fáceis do totalitarismo e repre-
sentam uma ameaça constante ao Estado Democrático de
Direito e, consequentemente, a todos que dotados de exis-
tência própria batalham pela efetivação da igualdade.
Visar ao pleno desenvolvimento da pessoa como ta-
refa da educação é garantir a cada um sua dignidade de
perpetuar entre nós um Estado democrático e que tem
como um de seus pressupostos a igualdade.

42
12.2. O preparo para o exercício da
cidadania

Preparo para o exercício da


cidadania.
Decorrência direta do princí
princípio da
dignidade da pessoa, a cidadania nos
leva a participar e atuar no meio em
que vivemos.
Vai aí
aí outro dos papé
papéis fundamentais
da educaç
educação, o preparo para a
atuaç
atuação ética, solidá
solidária e fraterna
junto à comunidade em que estamos
inseridos.

Outro ponto fundamental da educação está no


preparo para o exercício da cidadania. Após a formação
subjetiva, interior, ou seja, da dignidade da pessoa, vem
a descoberta do “outro”. A consciência de que somos ci-
dadãos do mundo e de que temos responsabilidade nos
fatos e circunstâncias que nos cercam e na construção do
futuro torna-se, nos dias de hoje, elemento essencial a
qualquer processo de educação.
O pleno exercício da cidadania carrega consigo dois
fatores. O primeiro está em se perceber que a Republica
Federativa do Brasil, que se constitui em um Estado De-

43
mocrático de Direito, leva-nos a desfrutar direitos, mas,
exatamente por isso, também nos conduz a deveres e res-
ponsabilidades de ordem cívica. Temos, como cidadãos,
obrigações para com o Estado.
O segundo está em que é o exercício diuturno da
cidadania que, por fim, garante o Estado Democrático
de Direito. Cabem aos cidadãos a vigilância e a exigência
da democracia, e é tarefa da educação dar a cada um a
consciência e a capacidade de fazê-lo. Lembremo-nos de
que o Estado democrático só se efetiva e, principalmente,
só se perpetua a partir do exercício da cidadania, pois só
então os cidadãos tornam-se ativos e passam a controlar
as instituições e as posições de governo, a fim de que o
Estado Democrático de Direito não se perca por tenta-
ções e interesses emocionais e momentâneos.
Nesses dois princípios, percebemos uma unidade
de duas faces, como os dois lados de uma moeda. Um é
decorrência do outro e cada um só pode existir na depen-
dência da presença do outro. Na dignidade da pessoa, a
construção da autonomia pessoal e subjetiva; na cidada-
nia, a atuação externa, social, objetiva, como os lados de
uma mesma moeda.

44
Dignidade e Cidadania
EU OUTRO
(Dignidade)
(Cidadania)

Dois lados da mesma moeda

Dos Princípios Fundamentais


Art. 1º
1º A Repú
República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolú
indissolúvel dos
Estados e Municí
Municípios e do Distrito Federal,
constitui-
constitui-se em Estado Democrá
Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa;
V - o pluralismo polí
político.

Se bem observarmos, podemos retomar e reforçar a


ideia de que a educação, como está concebida, garante e

45
perpetua o Estado Democrático de Direito. O art. 1º de
nossa Constituição, como vimos, pontua que o Brasil é
uma República Federativa que se constitui em um Estado
Democrático de Direito e que apresenta, dentre seus fun-
damentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Ora, esses são exatamente os elementos contemplados pelo
que determina a legislação, tanto constitucional quanto in-
fraconstitucional no que diz respeito ao processo educacio-
nal brasileiro: a formação de cidadãos autônomos, capazes
de decidir a própria existência e de intervir positivamente
no meio em que estão inseridos. É a educação efetivando
os princípios do Estado Democrático de direito em que se
constitui a República Federativa do Brasil.

46
12.2.1. A Inclusão

Artigo 3º
Constituem objetivos fundamentais da Repú
República
Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e


solidá
solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalizaç
marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raç raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de
discriminaç
discriminação.

Mais uma vez, voltamos aos elementos constitutivos de


nossa República, a fim encontrar, na educação, fatores de sua
efetivação. O art. 3º da Lei Maior traz os fundamentos da Re-
pública. No inciso I, a construção de uma sociedade livre justa
e solidária, já configurada na proposta educacional quando
tratamos dos princípios determinados pelo art. 205.
O que chama nossa atenção, no entanto, é o inciso
III, que positiva ser fundamento da República Federativa
do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. As consequências são várias e atingem
diretamente nossas instituições.

47
Para tratarmos da educação, vamos usar como exem-
plo a questão da inclusão do portador de deficiência. Sua
inserção vem causando polêmica nas escolas, especialmen-
te entre os professores. A presença de um portador de de-
ficiência, não importa qual, dentro de uma sala de aula
tem causado constrangimento. Alunos e, principalmente,
professores não sabem como agir. Isso sem falar nos man-
tenedores, diretores, orientadores e coordenadores que
abandonam a questão para que os professores a resolvam
dentro das salas de aula. É um problema de que apenas
desejam se livrar. O caso merece uma reflexão maior.
Quando temos um portador de deficiência dentro
de uma sala de aula, de quem é o benefício maior? Veja-
mos um pequeno fragmento em que Luiz Aberto David
Araujo nos ensina o que é inclusão:

Aliás, permitir que as pessoas não portadoras


de deficiência se relacionem com pessoas
portadoras de deficiência fará com que aquelas
desenvolvam seu espírito de solidariedade,
busquem uma comunicação mais rica e mais
motivada, engrandecendo a todos, reflexo de
uma postura democrática (ARAUJO, 2003,
pp. 51-52).

É evidente que o portador de deficiência será bene-


ficiado, no mínimo, pela oportunidade da convivência
com jovens da mesma faixa etária. No entanto, o benefí-
cio maior será dos outros, que aprenderão a conviver com
a diferença, sendo derrubados preconceitos e discrimina-

48
ções. Enfim, a convivência faz com que vejamos como
natural a diferença, promovendo a igualdade e abrindo
oportunidade para todos. Mais, a troca promove o cresci-
mento e o aprendizado.
Esse raciocínio não vale apenas para o portador de
deficiência, mas para toda e qualquer minoria, que, por
uma razão ou outra, esteja encontrando obstáculos à ple-
na participação social, seja ela por origem, sexo, raça, cor,
idade ou qualquer outra forma de discriminação. Dois
alertas devem ser apresentados.
O primeiro está em que ações afirmativas destinadas
a romper os obstáculos dos que encontram dificuldades
sociais ao acesso à sociedade devem necessariamente estar
acompanhadas de um cronômetro e de um plano para
efetivação da igualdade. Nenhuma minoria deseja perpe-
tuar-se como tal e viver de ações afirmativas do Estado,
menos ainda tornar o fato de pertencer a uma minoria
como modo de vida. Pelo contrário, desejam a plena par-
ticipação social, a partir da efetivação da igualdade.
Ouso relatar um fato a que assisti quando viajava de
metrô em São Paulo.

Na época eu trabalhava em um colégio localizado na


zona norte. Costumava usar o metrô como meio de trans-
porte. Quando paramos na estação Carandiru, entrou um
homem, jovem ainda, que trazia consigo duas bengalas de
metal e nelas se apoiava, a fim de se locomover.
Ele entrou no vagão pela porta mais à frente e assim que
este se pôs em movimento, levantou as bengalas, uma de cada
vez para mostrar a todos sua deficiência. A seguir estendeu

49
algo próximo a um chapéu e se pôs a pedir dinheiro aos demais
passageiros. Pelo menos, ia começar, quando se deparou, logo
no banco à sua frente, com um homem também portador de
deficiência que, aliás, também tinha bengalas semelhantes às
suas. Houve um momento de silêncio constrangedor. Os dois
se olharam com vergonha, reprovação, desapontamento. Sei
dizer que aquele que esmolava quedou-se paralisado e, assim
que abriu a porta do vagão, retirou-se apressadamente. Não
houve comentários ou qualquer outra atitude por parte de
quem quer que fosse. A cena simplesmente aconteceu no coti-
diano de São Paulo, no silêncio de São Paulo.

As ações afirmativas existem para corrigir a falta de


oportunidade de grupos determinados que, por motivos
históricos ou de ordem discriminatória, não gozam da
igualdade na participação ou atuação na sociedade. Bus-
cam privilégios eliminar desigualdades, por isso devem
trazer igualdade de oportunidade e não privilégio. Na
mesma medida urge que sejam temporárias, pois visam
corrigir e não ser mecanismo populista.
O segundo está no fato de que, como claramente
percebemos, a educação deve ser um processo essencial-
mente inclusivo. A sala de aula deve caracterizar-se como
lugar de convivência das diferenças. Nela, devem estar
presentes todos os segmentos que compõem a sociedade,
principalmente as minorias.
Hoje, reproduzindo o Brasil como o país das desi-
gualdades, observamos a presença de escolas particulares
caras e feitas para as classes mais privilegiadas e escolas
públicas ou particulares para classes menos abastadas.

50
Tornaram-se algo bastante preocupante ações de
jovens de classe média, oriundos de escolas intituladas
de elite, contra pessoas de outras classes sociais. Além do
emblemático caso do índio a quem foi ateado fogo em
Brasília, temos agressões a garçons quando trabalhavam
em casas noturnas, a prostitutas postadas em avenidas,
brigas e covardes agressões em portas de boates e muito
mais. Quando demandados por seus atos, além da pre-
sença protetora dos pais e do fato de que dentro de seus
ambientes escolares todos estranhem tais atitudes, uma
vez que sempre revelaram um comportamento quieto e
disciplinado, estes jovens têm dito que era apenas brinca-
deira e que não havia qualquer intenção maior. No mais
das vezes, destaca-se ainda a certeza da impunidade.
A segmentação de classes sociais dentro de escolas,
a certeza da impunidade e a não convivência com as di-
ferenças certamente estão fazendo nascer o preconceito e
a discriminação entre nós, criando, sem risco de exagero,
um Apartheid disfarçado, mas bastante real.

O SIM E O NÃO

A jovem sai de casa em São Paulo usando cabelo verde e


com um alfinete de frada espetado na bochecha. Horas depois,
junta-se a um grupo que, diante de testemunhas, esfaqueia
até a morte o empregado de uma lanchonete por causa de um
pedaço de pizza. A moça vai presa e, ao saber disso, a mãe
tem um espanto “Impossível! Fulaninha só sai uma vez por
semana, com as amiguinhas!”.

51
Em Itaboraí, RJ, uma festa rave com a duração de 17
horas provoca a internação hospitalar de 18 garotos e duas
mortes, uma delas por típica overdose de ecstasy: hipertermia
– a pessoa literalmente ferve por dentro – desidratação agu-
da e parada cardiorrespiratória. Os pais do menino morto
não sabiam que ele fora à festa.
No Rio, a polícia desbarata uma quadrilha de oito trafi-
cantes de ecstasy. Todos, exceto um, de classe média, habitantes
da zona sul, entre 20 e 30 anos e ainda morando com os pais.
Mas, pelo visto, a vigilância destes andava relaxada, a ponto
de um deles não estranhar que o filho passasse o dia falando
em três celulares ao mesmo tempo.
Estes foram apenas alguns casos policiais graves, e só
no eixo Rio-São Paulo. Em todos, os pais manifestaram
grande surpresa pelo comportamento dos garotos. Alguma
coisa aí está errada. Esses pais dão a casa, comida e roupa
lavada a seus filhos até uma idade tardia, mas isso talvez
não seja suficiente.
Talvez fosse também o caso de eles aprenderem a dizer
“não” quando for o caso, ao contrário do “sim” amplo, geral
e irrestrito com que contemplam os filhos desde o berço – ou
desde que se tornou “incorreto” acreditar que a liberdade
só dá frutos quando exercida dentro de certos limites. Um
destes, quadradamente, o daquela velha e esquecida prova
de amor: a autoridade paterna.

(Rui Castro – Folha de São Paulo – 19 de novembro de


2007, A 2 Opinião)

52
Essa história, veiculada pela imprensa, é apenas mais
uma de muitas. Retomemos, pois, a ideia de que os princí-
pios da dignidade humana e da cidadania não se dissociam,
são duas faces da mesma moeda, não existem separados,
um não vive sem o outro. Ora, ter autonomia intelectual e
moral implica respeitar a autonomia do outro.

53
12.3.

A qualificação para o trabalho


a vinculaç
vinculação da educaç
educação escolar ao
trabalho e, no ensino mé
médio, a
preparaç
preparação para o trabalho para
estar em contí
contínuo aprendizado e
aperfeiç
aperfeiçoamento pessoais, ou seja, o
desenvolvimento da capacidade de
compreender e participar das
mudanç
mudanças e transformaç
transformações por que
o mundo constantemente vive.

Desnecessário dizer que a qualificação para o traba-


lho passa longe da chamada educação profissional que
tem como objetivo uma habilitação técnica destinada
diretamente ao mercado de trabalho. O que se pretende
aqui é o preparo do estudante para o mundo do trabalho.
As referências que encontramos na LDB no que diz
respeito à qualificação para o trabalho também cami-
nham neste sentido.

Artigo 3º: O ensino será ministrado com base


nos seguintes princípios:
[...]

54
xi – vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais.

Artigo 35: O ensino médio, etapa final da


educação básica, com duração mínima de três
anos, terá como finalidades:
[...]
II – a preparação básica para o trabalho e
a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se
adaptar com flexibilidade a novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.

Temos, portanto, a vinculação da educação esco-


lar ao trabalho e, no ensino médio, a preparação para
o trabalho para estar em contínuo aprendizado e aper-
feiçoamento pessoais, ou seja, o desenvolvimento da ca-
pacidade de compreender e participar das mudanças e
transformações por que o mundo constantemente passa.
Não poucas vezes ouvimos que há um novo mun-
do, uma nova economia e que é mister estarmos prepa-
rados para a grande revolução que já se faz presente. A
tecnologia, a rapidez das transformações, a instantanei-
dade dos acontecimentos são alguns poucos exemplos
que se apresentam como argumentos de uma nova era.
Ou se compreende e participa do novo mundo ou se
está fadado à marginalização social e econômica. Uma
marginalização severa que, no mais das vezes, não tem
volta, condenando pessoas, países, regiões e até conti-
nentes à mais absoluta miséria.

55
Como consequência, tivemos a obsolescência do co-
nhecimento. Houve uma mudança no modo de produ-
ção, provocado, em parte, pelo estrondoso e rapidíssimo
desenvolvimento tecnológico. Antigos conhecimentos,
saberes e procedimentos foram colocados de lado e um
novo mundo do trabalho foi concebido. Trabalhadores de
todos os níveis sentiram seus empregos em perigo e um
risco econômico tomou conta de cada um. Enfim, a nova
economia, a globalização, a explosão tecnológica, o mun-
do instantâneo, um novo modo de produção e a necessida-
de do conhecimento e do saber entre outros elementos de
transformação fazem com que seja imperiosa a preparação
de nossos educandos para o mundo do trabalho que se lhes
abre. Ou como diz o art. 35 em seu caput e inciso II, deve
ser finalidade do ensino médio a preparação para o tra-
balho, a fim de que o estudante continue aprendendo de
modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
É importante observar mais uma vez que isso não
significa a ausência de conteúdos específicos. Pelo con-
trário, é por meio deles que se efetiva o preparo para o
mundo do trabalho e, no mais das vezes, é ele o ponto
de partida fundamental para o desenvolvimento de cada
educando em particular.

56
13. Um mundo em transformação
O que reproduziremos abaixo baseia-se, principal-
mente, na obra A Corrida para o Século XXI de Sevcenko,
Nicolau (Companhia das Letras, 2001, São Paulo).
Faremos uma rápida reflexão acerca da educação, de
seu papel e de sua importância, tendo em vista as mudan-
ças que o século XXI nos traz.
Não poucas vezes, ouvimos que há um novo mun-
do, uma nova economia e que é mister estarmos prepara-
dos para a grande revolução que já se faz presente. Tudo
se apresenta, no mais das vezes, de maneira ameaçadora.
A tecnologia, a rapidez das transformações, a instanta-
neidade dos acontecimentos são alguns poucos exemplos
que se apresentam como argumentos de uma nova era.
Ou se compreende e participa do novo mundo, ou se está
fadado à marginalização social e econômica.
Coube às empresas e às escolas buscar o novo e a mo-
dernidade. Na verdade, podemos afirmar sem receios, que
é dentro das escolas e das empresas que está sendo constru-
ído o novo mundo. É nelas, mais naquelas do que nestas,
que os valores de uma nova sociedade estão se formando.
Estar preparado para o século XXI é fator imprescin-
dível à sobrevivência de qualquer Estado moderno nos dias
de hoje. O ordenamento jurídico e, em especial, a legislação
educacional tornaram-se a base necessária à aquisição do
Conhecimento e do Saber e à construção de qualquer país.
Isso sem deixar em segundo plano o fundamental papel do
professor como condutor desta sociedade em transição.

57
Todos nós concordamos que o mundo passa por
grandes transformações. Globalização, instantaneidade,
novas tecnologias, nova economia e muitos outros são
termos que se tornaram assunto do cotidiano de nossas
famílias, escolas e locais de trabalho.
Os sinais dessa mudança surgiram, principalmente,
a partir da década de 1.960. Vieram, por exemplo, na
forma da revolução estudantil de 68, da guerra do Vie-
tnã, da corrida espacial, da emancipação da mulher, do
surgimento da pílula. Na verdade, começaram a se tornar
evidentes, pois desde há muito que a sociedade era alvo
de radicais transformações.
O século xx pode, a princípio, ser lido sob a óti-
ca das teorias surgidas no xix. A Dialética marxista e
o Positivismo de Compte são exemplos de um mundo
surgido a partir do cientificismo da segunda metade do
século retrasado e cujas teorias e propostas se desen-
volveram e evoluíram no desenrolar do passado. Des-
sa forma, restaria como marca do século xx o conflito,
caracterizado pela chamada Guerra Fria. Faltaria origi-
nalidade aos nossos últimos cem anos, que teriam se
restringido a ideologizar e radicalizar propostas e teorias
do xix. Trata-se de evidente engano.
Os anos 1900 engendraram e construíram em seus
fatos elementos de ruptura que levam a sociedade ao nas-
cedouro de uma nova época. Desde o seu início, com a Pri-
meira Guerra Mundial, até seu término, com a queda do
muro de Berlim, abandonamos valores e princípios como
o da família tradicional, da religião e do papel da mulher
na sociedade. Vimos nascer uma nova sexualidade, o mun-

58
do das drogas, um novo modo de produção e passamos a
conviver com a explosão tecnológica e a necessidade do
conhecimento e do saber. As consequências são muitas:
marginalização de camadas da população, países e até con-
tinentes; um homem baldo de valores e princípios; o mito
da eterna juventude; o viver só para o presente e a realiza-
ção a partir da satisfação dos sentidos. Sinais evidentes da
mudança de era em que nos encontramos.
Frente a tudo isso, observa-se, por um lado, uma
postura pessimista, que não vê perspectivas e traz, a partir
do aumento da miséria, da degradação do meio ambiente
e dos conflitos que o fundamentalismo religioso provoca,
uma visão apocalíptica.
De outro lado, temos uma visão mais otimista. É,
certamente, a primeira vez que o Homem tem consciên-
cia da mudança dos tempos. Sabemos que vivemos o fim
de uma era e a construção de novos valores, vantagem
esta jamais experimentada em nenhum outro momento
da História da humanidade. Mais: sabemos, por meio de
uma série de circunstâncias e fatores, que a nova socieda-
de está se construindo nas escolas secundárias e nas em-
presas, menos nestas e mais naquelas. Trata-se, além de
fato raro e único, a oportunidade de resgatarmos o sonho
da igualdade e da oportunidade para todos.
Educar nunca foi considerada uma tarefa fácil, mas
ela acontecia. Os filhos tornavam-se pais e as gerações
se sucediam. No entanto, a partir da década de 1970 as
mudanças se acentuaram, ou melhor, as mudanças que
aconteciam desde a década de 1950 vieram à tona. Nesse
sentido, principalmente a mudança no modo de produ-

59
ção e o fim de valores e crenças trouxeram ao chamado
homem médio uma grande insegurança. Dois fatores de-
vem ser levados em conta.
No primeiro, temos a obsolescência do conhecimento.
Como já dissemos, houve uma mudança no modo de pro-
dução, provocado, em parte, pelo estrondoso e rapidíssimo
desenvolvimento tecnológico. Conhecimentos, saberes e
procedimentos foram colocados de lado e um novo mundo
do trabalho foi concebido. Trabalhadores de todos os níveis
sentiram seus empregos em perigo e um consequente risco
econômico tomou conta de cada um. Perdeu-se, enfim, a se-
gurança e a estabilidade econômicas. Como preparar nossos
filhos para o novo mundo do conhecimento e do trabalho?
No segundo, observamos questões que até outrora
eram simples e que agora ficaram sem resposta. Como
dimensionar a família, a sexualidade, a religião, o papel
da mulher e muitos outros valores no mundo de hoje?
O que se viu e se vê é a entrega dessas duas tarefas às
escolas. As famílias, frente ao torvelinho que as assolava, pro-
curaram nas instituições de ensino, remédio às suas angús-
tias. Contavam que as escolas preparassem seus filhos para o
mundo da explosão tecnológica e que restabelecessem limites
e valores. E houve, de fato, uma mudança na paisagem. De
um lado, muitas das tradicionais aulas deram lugar a discus-
sões e aprendizados acerca da nova tecnologia e da nova eco-
nomia. A presença de modernos laboratórios de informática
e recursos tecnológicos tornou-se essenciais à apresentação de
qualquer instituição de ensino. De outro, passou-se a lecionar
e a discutir sexualidade, uso de preservativos e métodos anti-
concepcionais, drogas, seu consumo e malefícios nas mais tra-

60
dicionais escolas. Coisas inadmissíveis a professores, diretores
e pais até bem pouco tempo. Enfim, incapazes de compreen-
der e educar para o novo mundo, pais entregaram esta tarefa
às escolas. Estas, por sua vez, reagiram a essa demanda, já na
década de 1970 de diferentes maneiras. Importante ressaltar
que as próprias instituições de ensino sofriam transformações
básicas em seu modo de ser.
Fundamental destacarmos também o processo de
degradação e sucateamento por que passou a escola pú-
blica brasileira. Dever legal do Estado e tida como mode-
lo e aspiração de todos até pelo menos o início da década
de 1970, hoje ela se encontra marginalizada, sem condi-
ções de oferecer perspectivas de futuro a seus educandos.
Abandonada pela classe média a partir do chamado
“milagre econômico” que passou a ver na escola particular
um símbolo de status, a escola pública perdeu a capacida-
de de ensinar e de preparar seus alunos para o mundo e a
sociedade em que se inserem. Configura-se, assim, como
exemplo da marginalização que o século XXI pode realizar.
Em meio a tantas e tão profundas mudanças, tive-
mos significativas alterações em nossa legislação:

• A Constituição Federal de 5/10/1988, que, além do


artigo 6º, dedica do art. 205 ao art. 214 à educação;
• O Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei
8.069 de 13/07/1990, que traz no capítulo IV a
causa da educação;
• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal, a lei 9.394 de 20/12/1996.

61
Estes e ainda os PCNs (Parâmetros Curriculares Na-
cionais) compõem a legislação básica da educação bra-
sileira. Importante observar que toda ela foi elaborada
ao fim do século xx e ao nascer do xxi, isto é, quando a
sociedade dos 1900 entrava em crise e se apagava e nascia
a nova mentalidade do XXI.
Frente a esse quadro, assim diagnosticado e assim veicu-
lado, passou-se a exigir que as instituições de ensino dessem
uma resposta rápida e eficiente a essas demandas. A educa-
ção ganhou, por efêmero espaço de tempo, as manchetes
dos jornais e o centro dos debates nos círculos de decisão.
Nesse sentido, é preciso ter em mente que o direito
e a educação não são instituições que gozem de autono-
mia ou desempenhem um papel institucional dentro do
sistema capitalista, que busque dignificar o homem ou
protegê-lo de distorções do sistema. Pelo contrário, estão
a serviço do capitalismo e a ele servem.
Por isso, as propostas de ensino buscam objetivar a
preparação e a qualificação de mão de obra para os meios
de produção de um novo mundo. Lembremo-nos de que
os trabalhadores só passaram a ser alfabetizados, quando
o trabalho nas fábricas exigiu essa qualificação para o de-
sempenho de suas atividades. Enfim, o direito à educação
nasceu da demanda dos meios de produção, não desabro-
chando como algo que buscasse a dignidade e a participa-
ção consciente do ser humano na sociedade.

62
14. A educação básica

EDUCAÇÃO BÁSICA

EDUCAÇ
EDUCAÇÃO INFANTIL

ENSINO FUNDAMENTAL

ENSINO MÉ
MÉDIO

É importante que nos lembremos de que a educação


básica é composta por três etapas, a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio. Cada etapa tem
sua razão de ser, seus objetivos próprios com eixos cogni-
tivos e matrizes definidas, compondo um todo que visa
à educação e ao preparo do estudante. Observe-se, por
exemplo, que o inciso I do art. 35 da LDB que trata do
conteúdo a ser ministrado no ensino médio diz que esta
etapa da educação básica deve ter por objetivo a conso-
lidação e o aperfeiçoamento dos conhecimentos adquiri-
dos no ensino fundamental.
Dessa forma, não cabe apenas ao ensino médio a
preparação para o Enem, mas reporta-se como tarefa de

63
toda a educação básica. A presença de aulas especiais,
exames simulados ou outros artifícios para o melhor de-
sempenho dos alunos neste exame, representam medidas
corretas e necessárias ao treinamento específico do estu-
dante. No entanto, não é possível prepará-lo apenas no
último ano do ensino médio, ou pior, no último semes-
tre, para a aquisição de conhecimentos que deveriam ter-
-lhe sido oferecidos ao longo de toda a educação básica.

64
14.1. Educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio

Vamos rapidamente observar os artigos da Lei de Di-


retrizes e Bases da Educação Nacional que estipulam os
conteúdos a serem ministrados durante a educação básica.

EDUCAÇÃO INFANTIL
Artigo 29 da Lei nº
nº 9.394/96: A
educaç
educação infantil tem como
finalidade o desenvolvimento integral
da crianç
criança até
até seis anos de idade,
em seus aspectos fí físico, psicoló
psicológico,
intelectual e social, complementando
a aç
ação da famí
família e da comunidade.

65
ENSINO FUNDAMENTAL
Artigo 32: O ensino fundamental obrigató
obrigatório, com duraç
duração
de 9 (nove) anos, gratuito na escola pú pública, iniciando-
iniciando-se
aos 6 (seis) anos de idade, terá
terá por objetivo a formaç
formação
básica do cidadão, mediante:
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
como meios bá básicos o pleno domí
domínio da leitura, da escrita e
do cá
cálculo;
II – a compreensão do ambiente natural e social, do
sistema polí
político, da tecnologia, das artes e dos valores em
que se fundamenta a sociedade;
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem,
tendo em vista a aquisiç
aquisição de conhecimentos e habilidades
e a formaç
formação de atitudes e valores;
IV – o fortalecimento dos vívínculos de famí
família, dos laç
laços de
solidariedade humana e de tolerância recírecíproca em que se
assenta a vida social.

ENSINO MÉDIO
Artigo 35: [...].
I – a consolidaç
consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o
prosseguimento de estudos;
II – a preparaç
preparação bá
básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
de se adaptar com flexibilidade a novas condiç
condições de
ocupaç
ocupação ou aperfeiç
aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formaç
formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crí crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos cientí
científico-
fico-
tecnoló
tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
teoria com a prá
prática, no ensino de cada disciplina.

66
ENSINO MÉDIO
Artigo 36: [...].
I – destacará
destacará a educaç
educação tecnoló
tecnológica bábásica, a compreensão do significado
da ciência, das letras e das artes; o processo históhistórico de transformaç
transformação
da sociedade e da cultura; a lí língua portuguesa como instrumento de
comunicaç
comunicação, acesso ao conhecimento e exercí exercício da cidadania;
[...]
III – será
será incluí
incluída uma lílíngua estrangeira moderna, como disciplina
obrigató
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em
cará
caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituiç
instituição.
IV – serão incluí
incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigató
obrigatórias
em todas as séséries do ensino mé médio.
§ 1º: Os conteú
conte ú dos, as metodologias e as formas de avaliaç
avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino mé médio o educando
demonstre:
I – domí
domínio dos princí
princípios cientí
científicos e tecnoló
tecnológicos que presidem a
produç
produção moderna;
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.

Alguns fatores chamam nossa atenção. O primeiro está


em que não temos conteúdos específicos para os diversos
componentes curriculares. Se bem lermos, temos objetivos
e finalidades estipuladas para cada nível da educação básica.
Na educação infantil, observamos uma finalidade
complementar à família e à comunidade, objetivando o
desenvolvimento integral da criança em seus aspectos fí-
sico, psicológico, intelectual e social. O artigo não apre-
senta maior profundidade, embora seja claro nas finali-
dades a serem alcançadas, trata esta etapa da educação
como preparatória às próximas. Assim, parece-nos claro
que, embora as unidades escolares tenham de permanecer
vinculadas às finalidades estabelecidas, gozam de grande
liberdade para fazê-lo, podendo planejar e desenvolver a
educação infantil a partir de propostas pedagógicas várias
e buscando responder às demandas da comunidade em

67
que está inserida ou daqueles que buscam um diferencial
ou um caminho específico na educação dos filhos.
O art. 32 trata do ensino fundamental. É a etapa
mais longa da educação básica e, a nosso ver, a mais im-
portante na formação pessoal e na aquisição de conheci-
mentos. São 9 (nove) anos, normalmente divididos em
duas etapas, do 1º ao 5º ano e do 6º ao 9º ano.
O artigo nos traz elementos do que deve ser o processo
de aprendizagem no ensino fundamental. Veja que o inciso
I positiva o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo.
O inciso ii, por sua vez, trata da compreensão do ambiente
natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes
e dos valores em que se fundamenta a sociedade.
Não há como negar a presença de conteúdos a serem
ministrados aos alunos. No entanto, não temos e nem
poderíamos ter conteúdos delineados ao professor. A lei,
com sua força normativa, não estabelece especificamente
o que deve ser lecionado em sala de aula. Essa tarefa cabe
ao professor. Trata-se de uma competência exclusiva, que
não pode ser delegada, pois é atribuída ao professor, por
sua formação e habilitação profissional.
Existem, no entanto, objetivos e desenvolvimento
de capacidades. Estes devem obrigatoriamente ser reali-
zados. Vai aí a missão do professor e é neste sentido que
será avaliado. O conteúdo específico que utilizará para
alcançar as metas estabelecidas é, como já dissemos, da
competência exclusiva do professor.
Cabe ainda frisar a importância que a Lei de Dire-
trizes e Bases dá à efetivação dos preceitos constitucio-
nais. O inciso III traz o desenvolvimento da capacidade

68
de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhe-
cimentos e habilidades, em uma clara referência à quali-
ficação para o trabalho (art. 205 da CF) e o inciso IV, o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de soli-
dariedade humana e de tolerância recíproca em que se as-
senta a vida social, retomando os conceitos determinados
pelo inciso IV do art. 3º da Constituição Federal.
Para o ensino médio, temos dois artigos, o art.
35 e o art. 36 da LDB. É interessante observarmos
algumas reflexões.
O inciso I do art. 35 não postula a aquisição de no-
vos conhecimentos, mas o aprofundamento dos adquiri-
dos no ensino fundamental. Isto nos reporta à ideia da es-
sencialidade deste e do ensino médio portar-se como um
aperfeiçoamento ou aprofundamento do que foi apre-
endido. Veja que os outros incisos deste mesmo artigo
comportam-se de maneira semelhante, mas endereçados
aos princípios que regem a educação.
No inciso II, temos a ratificação do preparo para
o trabalho, ressaltando a capacidade de continuidade do
processo de aprendizagem e de adaptação a novas condi-
ções sociais. Tudo isso sob o prisma da cidadania.
O inciso III retoma a missão de dar a cada um a
autonomia intelectual e a capacidade crítica. Finalmente,
o inciso iv, ao trazer a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, destaca
a obrigatoriedade da união entre os conhecimentos teóri-
cos e a realidade prática que cerca o estudante. O que ve-
mos, portanto, no ensino médio, é basicamente a ênfase
aos princípios norteadores da educação.

69
O art. 36, por sua vez, ao traçar as diretrizes do en-
sino médio, pontua que o ensino deve destacar a com-
preensão do significado da ciência, das letras e das artes e
o processo histórico de transformação da sociedade e da
cultura e o uso da língua portuguesa como instrumento
de acesso ao conhecimento e ao exercício da cidadania.
O que se vê é uma educação que determina conteúdos
significativos, que não podem valer ou existir em função
deles mesmos, mas tendo como fim o ser humano e seu
desenvolvimento pessoal e a participação social (inciso
i). O aluno deixa de ser um expectador, alguém que pos-
sui uma atitude passiva, de mera recepção de conteúdos,
para se tornar elemento ativo no processo de aprendiza-
gem, como, aliás, pondera o inciso ii deste mesmo art.
36, “adotará metodologias de ensino e de avaliação que
estimulem a iniciativa dos estudantes”.

70
15. Adaptação
Muitas vezes, temos a ideia de que o jovem é ne-
cessariamente feliz, simplesmente pelo fato de ser jovem.
Afinal, além de se encontrar em pleno vigor físico, não
possui ainda as preocupações próprias da vida madura.
É uma consideração falsa, pois encontra eco apenas no
senso comum das pessoas e não, no mais das vezes, na
realidade dos fatos. Na verdade, o jovem, encontra-se
incomodado e não adaptado ao mundo, daí muitas das
atitudes de rebeldia e indisciplina. O que se pontua é que
o jovem tem dificuldade para a felicidade porque busca
adaptar o mundo a ele, quando deveria fazer o processo
inverso, ou seja, adaptar-se ao mundo.
Nós, professores, e nisto mais uma vez me incluo,
costumamos agir como estes jovens, pois ao invés de
adaptarmos o que fazemos em sala de aula aos ditames
do sempre renovado processo educacional, buscamos de-
sesperadamente adaptar a educação ao que nós fazemos.
Vivemos, como senhores da sala de aula, uma acomoda-
ção que cega e traz a desvalorização do trabalho docente.
Dois pontos devem ser ressaltados.
O primeiro está na valorização do trabalho que é re-
alizado pelo professor. Não há motivo para se dizer que o
trabalho desenvolvido pelos professores não seja bom, ou
não venha correspondendo às expectativas de uma educação
correta e de bom nível. O professor precisa ter em mente
que seu trabalho é bom e que, enfim, é ele que mantém
contato diário com o aluno e com os processos de aprendi-

71
zagem. Qualquer tentativa de dizer o contrário deve ser lida
com muito cuidado e precaução. No mais das vezes, repre-
senta interesses pessoais ou de grupos, que passam bastante
distantes da valorização do ensino e do magistério.
O segundo está em que o professor, a partir do tra-
balho e do método que já realiza em suas aulas, deve
adaptar-se aos princípios e procedimentos determinados
pelo novo processo educacional. Não se pode desprezar
toda a experiência e todo o valor do professor, mas é es-
sencial que nos adaptemos às transformações e mudanças
exigidas para uma educação voltada para o século xxi e
construtora de um Estado Democrático de Direito.
Mais do que isso, lembremo-nos de que vivemos um
período de transição. Ninguém duvida de que há uma so-
ciedade que se desfaz e outra que se constrói. Estamos no
fim de uma era e no começo de outra. Valores, princípios,
comportamentos se transformam em vertiginosa velocida-
de. O mundo do século xxi se constrói nas escolas e nas
empresas. Há um mundo inusitado e imprevisível à fren-
te. A importância do professor é incontestável e não deve,
nem pode ele, abrir mão de suas competências e valores.

72
16. As três áreas de atuação:
interdisciplinaridade, contextualização e
resolução de problemas
Error! Objects cannot be created from editing
field codes.

Para um melhor debate e esclarecimento desta ideia,


parece-nos interessante reproduzir o que o próprio MEC-
-INEP diz (os grifos são nossos):

“A grande vantagem que o MEC está buscando


com o novo Enem é a reformulação do currículo
do ensino médio. O vestibular nos moldes de
hoje produz efeitos insalubres sobre o currículo
do ensino médio, que está cada vez mais voltado
para o acúmulo excessivo de conteúdos. A
proposta é sinalizar para o ensino médio outro
tipo de formação, mais voltada para a solução
de problemas.
A prova do Enem se diferencia das demais por
ser estruturada em habilidades, incentivando
o raciocínio e trazendo questões que medem o
conhecimento dos alunos por meio de enfoque
interdisciplinar. A nova prova vai manter
essa característica, agregando às habilidades
medidas um conjunto de conteúdos formais
mais diretamente relacionado ao que é ministrado

73
no ensino médio. Mas sem abandonar as questões
contextualizadas, que exigem do estudante a
aplicação prática do conhecimento, e não a
mera memorização de informações.
O novo Enem é estruturado levando em
conta os conteúdos ministrados no ensino
médio. A inovação é na forma de abordagem
desses conteúdos, com foco no conjunto de
habilidades que o aluno deve ter ao final do
ensino médio, e não na mera acumulação
de fórmulas e informações desvinculadas
da aplicação. Ou seja, uma prova que
valorize mais o raciocínio e não a chamada
“decoreba”.

O texto, sem dúvida, é significativo. Em primeiro lu-


gar, traz claramente a ideia de reformulação do currículo
do ensino médio, visto como deformado a partir da pre-
sença excessiva de conteúdo. Observe-se que não se fala
em desvalorizar ou colocar o conteúdo em segundo plano.
Pelo contrário, o que se alude é a presença excessiva de
conteúdos, aqueles evidentemente inúteis e absolutamente
estéreis, pois desvinculados da realidade social e individual
do aluno e, no mais das vezes, de todos. Uma reflexão e
um replanejamento do que deve ser ministrado ao aluno
tornam-se, portanto, tarefas urgentes e fundamentais.
Em segundo lugar, aponta um caminho a ser se-
guido pela educação no chamado ensino médio, a bus-
ca da solução de problemas, incentivando o raciocínio
por meio de habilidades. Mais, o Enem buscará medir o

74
conhecimento do aluno interdisciplinarmente. Enfim, a
aferição de conteúdos continua a ser fator determinan-
te, o que muda é a maneira ou forma como ele deve ser
abordado, a partir do desenvolvimento de habilidades,
contextualizado e valorizando o raciocínio.

75
17. Ensino médio e os cinco eixos
cognitivos

O Enem nos traz 5 eixos cognitivos, comuns a to-


das as áreas do conhecimento, como matriz de referên-
cia. Existem matrizes próprias cada uma das várias áreas
do conhecimento, também apontada pelo Enem. No
entanto, esses 5 eixos devem, ao nosso ponto de vista,
servir de ponto de referência básico ao trato geral dos
conteúdos eleitos para cada área e para cada componen-
te curricular em particular.
Antes de conversarmos rapidamente sobre cada um dos
eixos, vejamos o que parece ter norteado essas concepções.

EIXOS COGNITIVOS (comuns a todas as áreas


de conhecimento)

I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta


da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemá-
tica, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.

II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar


conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreen-
são de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos,
da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

76
III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, or-
ganizar, relacionar, interpretar dados e informações repre-
sentados de diferentes formas, para tomar decisões e enfren-
tar situações-problema.

IV. Construir argumentação (CA): relacionar infor-


mações, representadas em diferentes formas, e conhecimen-
tos disponíveis em situações concretas, para construir argu-
mentação consistente.

V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos


desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de in-
tervenção solidária na realidade, respeitando os valores hu-
manos e considerando a diversidade sociocultural.

O primeiro eixo, domínio de linguagens, pode ser


entendido como o domínio de conteúdos específicos.
Trata-se do momento inicial do processo de aprendiza-
do. É o domínio das estruturas gramaticais, matemáti-
cas, artísticas e científicas, além das línguas estrangeiras
modernas. Considerando, aqui, a capacidade de leitura
da sociedade em que nos inserimos, temos um processo
incipiente de alfabetização, pois trata-se da aquisição da
capacidade para entender e trabalhar sobre as linguagens,
ou os chamados elementos culturais.
A partir daqui, o que se observa é o aprofundamen-
to do processo de aprendizagem, a partir da proposta de
educação anteriormente estabelecida, ou seja, ter o conte-
údo como fio condutor, mas passá-lo ao aluno de forma
significativa, contextualizado, a partir de situações-pro-

77
blema e com interdisciplinaridade. É por isso que deve-
mos dar ao estudante a capacidade de, além de dominar
as diversas linguagens do conhecimento, compreender os
fenômenos, enfrentar situações-problema, construir ar-
gumentação e elaborar propostas.
Lembremo-nos de que vivemos sob a égide de uma
Constituição que estabelece ser a República Federativa do
Brasil um Estado Democrático de Direito, que apresenta
dentre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana
e o exercício da cidadania, elementos estes ratificados no
capítulo constitucional dedicado à educação e efetivados
na legislação educacional infraconstitucional. Assim, os
cinco eixos comuns a todas as áreas do conhecimento
são, neste contexto, mais que uma proposta, representam
um imperativo jurídico, cuja efetivação é, consequente-
mente, obrigatória.

78
18. Habilidades e competências

Difícil definir e precisar com exatidão o que sejam


competências e habilidades, mas a partir de competên-
cias, isto é, por meio das ações e operações que nossa in-
teligência nos permite realizar, percebem-se habilidades,
ou operações, ou a resolução de problemas que reorgani-
zam as competências, desenvolvendo, assim, a inteligên-
cia, ou a melhor forma de adaptação a situações inéditas.
Dessa maneira, o que se pretende é verificar se o co-
nhecimento adquirido é instrumento capaz para o de-
senvolvimento da autonomia do estudante que lhe pos-
sibilite a análise e resolução de situações-problema que
reflitam a realidade social e individual concretas.
Vejamos o que o próprio Ministério da Educação e
Cultura fala do Enem:
O novo Enem é estruturado levando em conta os
conteúdos ministrados no ensino médio. A inovação é
na forma de abordagem desses conteúdos, com foco no
conjunto de habilidades que o aluno deve ter ao final do
ensino médio, e não na mera acumulação de fórmulas e in-
formações desvinculadas da aplicação. Ou seja, uma prova
que valorize mais o raciocínio e não a chamada “decoreba”.
Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que o
Enem estrutura-se a partir do conteúdo que é ministrado
no ensino médio. Mais uma vez, destaca-se o engano dos
que desprezaram ou colocaram os conteúdos em segun-
do plano. É o conteúdo a linha condutora do proces-

79
so educacional. A questão está em que ele, aliás, como
tudo, não pode existir por si mesmo. A educação não é
um poema Parnasiano, ou seja, não há o conteúdo pelo
conteúdo apenas. Ele não é algo estéril e desvinculado
da realidade. Pelo contrário, o processo de aprendizado
não pode acontecer longe do conteúdo. A aquisição do
conhecimento é fundamental, pois não se pode formar o
aluno a partir do vazio.
Mesmo processos de memorização não são conde-
nados pelo construtivismo. Muitas vezes, são necessários
à agilidade e rapidez de raciocínio. O que não se pode
fazer é restringir o ensino à chamada decoreba, ou seja, à
memorização sem sentido ou ao conhecimento sem sig-
nificado. É como se, no oceano, olhássemos um iceberg e
acreditássemos que ele é apenas aquilo que podemos ver.
O resultado é que ao navegarmos, nosso navio afundará,
pois desconhecemos toda a realidade que há por baixo.
O que se pretende, enfim, é a formação de um cidadão
dotado de dignidade, com autonomia e capaz de dar rumo à
sua existência, com consciência crítica da realidade e da im-
portância do próximo para a construção individual e social.
Vamos, para finalizar, listar as 21 competências enume-
radas pelo MEC. Lembremo-nos, no entanto, de que elas
podem variar conforme circunstâncias e momento social.

1. Dada a descrição discursiva ou por ilustração de um


experimento ou fenômeno, de natureza científica, tecnológica
ou social, identificar variáveis relevantes e selecionar os instru-
mentos necessários para realização ou interpretação do mesmo.

80
2. Em um gráfico cartesiano de variável socioeconômica
ou técnico-científica, identificar e analisar valores das variáveis,
intervalos de crescimento ou decréscimo e taxas de variação.

3. Dada uma distribuição estatística de variável social,


econômica, física, química ou biológica, traduzir e interpre-
tar as informações disponíveis, ou reorganizá-las, objetivan-
do interpolações ou extrapolações.

4. Dada uma situação-problema, apresentada em


uma linguagem de determinada área de conhecimento,
relacioná-la com sua formulação em outras linguagens
ou vice-versa.

5. A partir da leitura de textos literários consagrados


e de informações sobre concepções artísticas, estabelecer re-
lações entre eles e seu contexto histórico, social, político ou
cultural, inferindo as escolhas dos temas, gêneros discursivos
e recursos expressivos dos autores.

6. Com base em um texto, analisar as funções da


linguagem, identificar marcas de variantes linguísticas de
natureza sociocultural, regional, de registro ou de estilo, e
explorar as relações entre as linguagens coloquial e formal.

7. Identificar e caracterizar a conservação e as


transformações de energia em diferentes processos de sua
geração e uso social, e comparar diferentes recursos e op-
ções energéticas.

81
8. Analisar criticamente, de forma qualitativa ou
quantitativa, as implicações ambientais, sociais e econômi-
cas dos processos de utilização dos recursos naturais, mate-
riais ou energéticos.

9. Compreender o significado e a importância da água


e de seu ciclo para a manutenção da vida, em sua relação
com condições socioambientais, sabendo quantificar varia-
ções de temperatura e mudanças de fase em processos natu-
rais e de intervenção humana.

10. Utilizar e interpretar diferentes escalas de tempo


para situar e descrever transformações na atmosfera, biosfe-
ra, hidrosfera e litosfera, origem e evolução da vida, varia-
ções populacionais e modificações no espaço geográfico.

11. Diante da diversidade da vida, analisar, do ponto


de vista biológico, físico ou químico, padrões comuns nas
estruturas e nos processos que garantem a continuidade e a
evolução dos seres vivos.

12. Analisar fatores socioeconômicos e ambientais as-


sociados ao desenvolvimento, às condições de vida e saúde
de populações humanas, por meio da interpretação de di-
ferentes indicadores.

13. Compreender o caráter sistêmico do planeta e reco-


nhecer a importância da biodiversidade para preservação da
vida, relacionando condições do meio e intervenção humana.

82
14. Diante da diversidade de formas geométricas pla-
nas e espaciais, presentes na natureza ou imaginadas, carac-
terizá-las por meio de propriedades, relacionar seus elemen-
tos, calcular comprimentos, áreas ou volumes, e utilizar o
conhecimento geométrico para leitura, compreensão e ação
sobre a realidade.

15. Reconhecer o caráter aleatório de fenômenos na-


turais ou não e utilizar em situações-problema processos de
contagem, representação de frequências relativas, construção
de espaços amostrais, distribuição e cálculo de probabilidades.

16. Analisar, de forma qualitativa ou quantitativa,


situações-problema referentes a perturbações ambientais,
identificando fonte, transporte e destino dos poluentes, reco-
nhecendo suas transformações; prever efeitos nos ecossistemas
e no sistema produtivo e propor formas de intervenção para
reduzir e controlar os efeitos da poluição ambiental.

17. Na obtenção e produção de materiais e de insumos


energéticos, identificar etapas, calcular rendimentos, taxas e ín-
dices, e analisar implicações sociais, econômicas e ambientais.

18. Valorizar a diversidade dos patrimônios etnocul-


turais e artísticos, identificando-a em suas manifestações e
representações em diferentes sociedades, épocas e lugares.

19. Confrontar interpretações diversas de situações ou


fatos de natureza histórico-geográfica, técnico-científica,
artístico-cultural ou do cotidiano, comparando diferentes

83
pontos de vista, identificando os pressupostos de cada inter-
pretação e analisando a validade dos argumentos utilizados.

20. Comparar processos de formação socioeconômica,


relacionando-os com seu contexto histórico e geográfico.

21. Dado um conjunto de informações sobre uma rea-


lidade histórico-geográfica, contextualizar e ordenar os even-
tos registrados, compreendendo a importância dos fatores so-
ciais, econômicos, políticos ou culturais.

84
19. Conclusão

Todos nós sabemos das enormes desigualdades que


compõem a sociedade brasileira. Crianças mendigando
em semáforos ou pessoas dormindo sob marquises de lu-
xuosos edifícios não são novidades na paisagem de nosso
país. Por mais que se busque negar, a miséria absoluta de
muitos contrasta com uma das maiores concentrações de
riqueza do mundo. Quadro este que parece cada vez mais
longe de sofrer qualquer alteração.
Todos nós também temos consciência de que esse
abismo social vem de relações estruturais presentes em
nossa sociedade desde, praticamente, a instalação das
Capitanias Hereditárias no Brasil Colônia. Não muda-
mos muito de lá até nossos dias. Nesse sentido, não há
redundância ou frase feita maior do que dizer que a edu-
cação é o melhor, senão o único caminho para a reversão
desta triste realidade. Frase feita e desgastada, mas absur-
damente verdadeira. Não por outra razão, a educação é
sempre uma prioridade que pode ficar para mais tarde.
A Constituição de 1988 traz em seu artigo 1º (ca-
put) que a República Federativa do Brasil constitui-se
em Estado Democrático de Direito. Duas considerações
devem ser feitas. A primeira está em que a conquista do
Estado Democrático de Direito não é, não foi e nunca
será tarefa fácil. Em nossa História, muitos e em épocas
diversas, deram a vida ou carregaram sequelas por toda a
existência em nome desta luta.

85
A segunda está em que podemos definir Estado
Democrático de Direito como aquele em que o poder
deve ter origem e emanar da vontade do povo, e também,
aquele em que todos, sem exceção, devem subordinar-
-se à lei. Ninguém pode estar acima dela, seja por suas
pretensões ou vontades, ou seja em função de cargos ou
importância social atribuída, para que assim o princípio
da igualdade e da isonomia verdadeiramente se efetive.
Para que este dever ser se realize é necessário que nos-
so ordenamento jurídico, em especial a Constituição, ga-
nhe efetividade, não se tornando mera folha de papel. A
tarefa é de todos no cotidiano do trabalho e na vigilância
diuturna de cada um. Tomo, no entanto, a ousada liberda-
de de ressaltar a importância da educação neste processo.
Como vimos, acima de interesses outros, sejam de
ordem política, financeira ou pessoal, três são os deveres
do educador: dar a cada um sua dignidade e autonomia,
preparar para o exercício da cidadania e qualificar para o
mundo do trabalho. Missão esta que pode ser apontada
como alicerce para a construção de qualquer Estado que
tenha por base a vontade do povo e o império da lei.
Não se torna, portanto, difícil perceber que toda a lógica
que envolve o exercício do poder em suas mais diversas
instâncias, trabalhe contra a missão do professor em sua
tarefa de educar.
Assim, por mais sólidas e verdadeiras que sejam
as barreiras levantadas ao pleno exercício da educação,
não podemos nos dar ao luxo de aceitar desculpas ao
nosso trabalho. Temos a obrigação de manter e lutar
por nossa dignidade, por mais adversas que sejam as

86
condições. E não se mantenham ilusões, quanto mais
exigirmos o que é de direito, tanto ao professor, quan-
to ao verdadeiro processo educacional, maiores serão
as dificuldades e os obstáculos.

87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências


na Constituição de 1998. São Paulo: Atlas, 1991.

AMARAL JÚNIOR, Alberto do; JUBILUT, Liliano


Lyra. O STF do Direito Internacional dos Direitos
Humanos. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

ARAUJO, Luiz Alberto David de. A Proteção Consti-


tucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. 3. ed.
rev. ampl. e atual. Brasília: CORDE, 2003.

_______ (coord.). Defesa dos Direitos das Pessoas


Portadoras de Deficiência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.

ARAUJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR,


Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 10.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um re-


trato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro:


Nova Aguilar, 2004. 3 vol.

88
BAHIA, Cláudio José Amaral. Proteção Constitucional
à Homossexualidade. Leme/SP: J. H. Muzino, 2006.

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos


Princípios Constitucionais. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.

BEDÊ, Fayga Silveira; BONAVIDES, Paulo; LIMA,


Francisco G. M. de (coords.). Constituição e Democra-
cia: estudos em homenagem ao professor José Joaquim
Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado So-


cial. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

BRANDÃO, Rodrigo. Direitos Fundamentais, Demo-


cracia e Cláusulas Pétreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton


Lobo. Constituições do Brasil. 5. ed. São Paulo: Atlas,
1981.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Consti-


tucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

_______. Estado de Direito. In: Cadernos Demo-


cráticos. Coimbra: Gradiva, 1999. 7 vol. (acesso via in-
ternet, Artigos Acadêmicos sobre Estado Democrático de
Direito Conceito, Google Acadêmico, HTTP://scholar.
Google.com.br/scholar?hl=PT-BR&rlz=1TGGLL-pt.

89
BRBR310Br311lq.=author%22 Canotilho%22), acessa-
do em 24/06/2008)

_______. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 2. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vi-


tal. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3.
ed. rev. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Os Pensadores. São Paulo:


Nova Abril, 2005.

_______. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática,


2006.

CHAVES, Marily Diniz do Amaral. A Eficácia Horizon-


tal dos Direitos Fundamentais. In: Cadernos da Escola
Superior da PGE, nº 01. São Paulo: PGE, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Para Entender Kelsen. 4. ed.


São Paulo: Saraiva, 2005.

CONSTANT, Benjamin. Cours Politique Constituo-


nelle. Deuxième Edition, Tome Premier. Paris: Librairie
de Guillaumin, 1872.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicio-


nário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 1986.

90
FERREIRA, Renata Tereza da Silva. O Direito Educa-
cional na Constituição Federal e na LDB. 2. ed. Piras-
sununga/SP: Lawbook, 2008.

GONÇALVES, Rogério Magnus Varela. Direito Cons-


titucional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado, 2003.

GÖTTEMS, Claudine J. Omissão do Poder Público e


a Legitimidade Jurisdicional: uma análise à luz do Esta-
do Social e Democrático de Direito para a concretização
dos direitos sociais fundamentais. Dissertação de Mestra-
do. Instituição Toledo de Ensino, Bauru, 2008.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem.


21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986.

KANT, Immanuel, A Metafísica dos Costumes. São


Paulo: Edipro, 2003.

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Edições


Templos Brasileiros. Rio de Janeiro: s.e., 1983.

MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação


e a Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 2001.

MARCÍLIO, Maria Luiza; PUSSOLI, Lafaiete (coords.).


Cultura dos Direitos Humanos. São Paulo: LTR, 1998.

91
MARTINS, José de Souza. Exclusão Social e a Nova
Desigualdade. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007.

MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos. Seleção de


José Miguel Wisnik. São Paulo: Cultrix, 1976.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurí-


dico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Funda-


mentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

_______. Constituição do Brasil Interpretada e Legis-


lação Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano (coord.). Manual de


Direitos Difusos. São Paulo: Verbatim, 2009.

PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais


da Ordem Econômica: o significado e o alcance do arti-
go 170 da Constituição Federal. 2. ed. rev. ampl. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Cons-


titucional Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

RAMOS, Elival da Silva. A Proteção aos Direitos Ad-


quiridos no Direito Constitucional Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2003.

92
RAMOS, Revmo. Pe. Lincoln. O Evangelho. Apresenta-
do em tradução baseada no texto original grego e anota-
do. São Paulo: Regnum Dei, 1971.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Consti-


tucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva,
1999.

_______ (coord.). O Direito à Vida Digna. Belo Hori-


zonte: Fórum, 2004.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Consti-


tucionais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fun-


damentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001.

_______. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos


Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

SIFUENTES, Mônica. Direito Fundamental à Educa-


ção. 2. ed. Porto Alegre: Nuria Fabris editora, 2009.

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas


Constitucionais. 3. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:
Malheiros, 1988.

93
_______. Curso de Direito Constitucional Positivo.
10. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Quem Escondeu o Currículo


Oculto? In: Documento de Identidade: uma introdução
às teorias do currículo. Belo Horizonte, Autêntica, 1999.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Da-


niel (coords.). Direitos Sociais Fundamentos, Judicia-
lização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro:
Lumem Júris, 2008.

SYCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI.


São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

TAVARES, André Ramos. Direito Fundamental à Edu-


cação. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SAR-
MENTO, Daniel (coords.). Direitos Sociais Funda-
mentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie.
Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2008.

ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princí-


pio da Impessoalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

ZIPPELIUS Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3. ed.


Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

94
O autor

Paulo Henrique Camargo Rinaldi, o PH, ou me-


lhor, o professor PH, desenvolveu, durante alguns anos,
palestras destinadas a estudantes e educadores. Nelas,
gosta, antes de tudo, de se apresentar. Suas palavras in-
variavelmente são:
“O que sou? O que faço? Sou professor. Escolhi ser pro-
fessor e tenho disso muito orgulho. Chamo poucas e raras
pessoas de professor. No Brasil há muitos “doutores”, mas
professores são poucos e especiais. Quando intitulo alguém de
“professor” é porque tenho por essa pessoa um carinho e ad-
miração, como já disse, especiais. Por isso, me sinto realizado
quando sou identificado como professor.”
Ingressou na Faculdade de Língua e Literatura Ver-
náculas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
em 1974, formando-se em 1978. Foram tempos difíceis
do totalitarismo à abertura política. Uma época de mui-
tas e grandes contradições. Ali, muitas vocações e vidas
foram perdidas. Sempre que pode, manifesta grande gra-
tidão à PUC–SP, que, como ele mesmo costuma dizer,
resgatou-lhe toda uma má formação intelectual, advinda
de um ensino médio feito à base de cruzinhas e dicas,
muito próprio a regimes ditatoriais ou demagógicos.
Desde o primeiro ano da faculdade leciona. Ini-
cialmente, literatura em cursos preparatórios para
vestibulares e, formado, em colégios. Trabalhou em
alguns dos mais renomados e tradicionais colégios e

95
cursinhos de São Paulo. Destacando-se o Curso Anglo
Vestibulares e o Colégio Rio Branco. Suas aulas de lite-
ratura e redação tornaram-se inesquecíveis à formação
de seus alunos. É desse período a publicação do livro
Gil Vicente, seu tempo e seu espaço, paradidático desti-
nado a estudantes de ensino médio e cursos prepara-
tórios para vestibulares, elaborado em coautoria com a
professora Maria Clara de Paula Leite.
Foi no colégio Rio Branco que conheceu o Prof. Pri-
mo Páscoli Melaré, então Diretor Geral daquela institui-
ção de ensino, que muito o influenciou por seu idealismo
e coragem no trato dos caminhos da educação. O profes-
sor Primo, ao retirar-se de suas funções, convidou o Prof.
Paulo Henrique para substituí-lo.
Formou-se em Pedagogia e passou a exercer a função
de Diretor Geral de uma das melhores e mais tradicionais
instituições de ensino do país. O Brasil da época vivia
os novos ares da Constituição de 1988 e da implantação
da LDB. Foi o início do chamado Estado Democráti-
co de Direito e, consequentemente, de uma proposta de
educação própria aos novos tempos. Coube-lhe, então,
a tarefa de desenvolver uma renovação e modernização
pedagógica e administrativa no colégio, tarefa essa que
desenvolveu com maestria, mantendo a tradição e levan-
do os ares da modernidade ao Colégio Rio Branco, que à
época possuía cerca de 5.000 alunos e 500 funcionários
em suas duas unidades.
Após, concluiu o curso de Direito e tornou-se ad-
vogado. Fez Mestrado na Instituição Toledo de Ensino
na área de Direito Constitucional. Desenvolveu a disser-

96
tação A Educação como Garantia do Estado Democrático
de Direito sob a orientação do Prof. Dr. Vidal Serrano
Jr.. Tal pesquisa permitiu-lhe não apenas aprofundar seus
conhecimentos, como também perceber a educação e sua
importância social sob novos aspectos, ou seja, o processo
educacional como eminentemente inclusivo e construtor
do respeito à soberania do povo e do principio da legali-
dade, elementos fundamentais à construção democrática.
Às constantes atividades em sala de aula, somou a
prática da assessoria e do ministrar palestras a educadores
e educandos, a fim de divulgar a necessidade da educa-
ção como elemento básico de uma democracia inclusiva
e igualitária, avessa a expedientes totalitários ou demagó-
gicos, eternizadores da exploração e da miséria.
Importante ressaltar que jamais se permitiu o afasta-
mento da sala de aula. É no contato direto com os jovens
estudantes que encontra estímulo ao trabalho e esperança
no futuro. Por isso, ainda hoje se mantém como professor
de redação e diretor pedagógico no D’Incao Instituto de
Ensino em Bauru, Educação Básica e Curso Preparatório
para Vestibulares e professor na faculdade de Direito nas
Faculdades Santa Rita.
A educação tornou-se em sua vida um ideal. Não
existe outro caminho à emancipação do homem enquan-
to ser portador da dignidade e da autonomia e, conse-
quentemente, construtor da História. Este livro, em sua
simplicidade, busca aproximar e dar instrumentos para a
efetivação desse ideal a todos que verdadeiramente dedi-
cam a vida à educação e à dignificação do outro. 

97

Você também pode gostar