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CLASSICOS DO PENSAMENTO POLITICO " © af Ke (oh coin FP @ ep 1 GILDO MARCAL BRANDAO nh ee TSP ssnmamcenssionio Feitor —Adolpho José Melt Vicevetor —‘HBio Nogueira da Cruz bee . Dirtonpriene. Pino Mains Fbo crass wera, Presidente Sos Mindlin Wee-presidente Oswaldo Paulo Foran Bras Joo Sallam Jinior Carls Albeo Barbosa Dantas Franco Maria Lalo Gaiherme Let a Silva Dias Laura de Mello e Souza Dirra Storia! Sivana Bir, Diretora Comercial Ivete Silva Diretoa Admininnnive Angela Maia Concegto Toes Eitorercasteies — Newilena Vizeatin Jy Pava0| Marcos Bernardi qeausp REIVINDICAR DIREITOS SEGUNDO ROUSSEAU Mitrox Meiaa 00 NascimenTo* |AS RELAGOES ENTRE 0 piiblico € o privado, no pensamento politico de Rousseau, constituem 0 niicleo de sna reflexdo sobre a génese do Estado ¢ sobre 0 seu modo de funcionamento, © que teria levado os homens a formarem uma organizagao politica, de tal modo que. a par- tir dai, todos se conformassem a regulamentos comuns ¢ agissem como se fossem parte de um todo e nfo mais individuos atomizados e inde- pendentes? A resposta, tal como aparece no Discurso sobre a Origem ¢ (5 Fundamentos da Desigualdade enire os Homens, nos indica que fi a necessidade de escaparem da morte violentae de safrem de uma situa- ‘70 de guerra generalizada de todos contra todos e que certamente pro- ‘vocatia a destruigdo da espécie. Os homens, que viviam sem nenhum poder superior, sem nenhum juiz a quem recorrer em casos de disputas ‘em tomo da propriedade, decidiram constitu regulamestos de justia e obedecer is leis, depois de terem ouvido os argumentos do rico. Mesmo tendo sido enganados pelo diseurso daquele que iria bene~ ficiar-se muito mais da nova ordem do que aqueles que nada possutam, jerda na sede Go 1EAUSP am 1992 Mltok Meim do Noscinento & proses sor do Deparment de Filosofia da FFLCHILSP CLassicos vo Pensauenro PoLinico dirt Rousseau, “todos correram ao encontro de seus grilhdes pensando ‘que estavam assegurando sua liberdade” (Rousseau, 1973, p. 275). Em que consistin exatamente essa mudanga? A partir de uma animal estiido ¢limiado, ur ser imeigentee wn homem (Rousseau, 1973, p42). Agora estamos em condigdes de distinguir claramente o lugar do proprietério no pensamento politico de Rousseau e o significado da reivindieagio do direito de propriedade. Tal como a liberdade particular, no estado civil, no pode se con- fundir com a liberdade natural, do mesmo modo, a propriedade esta vin= cculada 20 individuo particular entendido como parte do corpo politico & nfo como ser independente no estado de natureza, A expresso “deposi- tério do bem piblico”, para designar o propritiri, assnala, portanto, ‘um limite para a sua agio, Ao alienar-se inteiramente da comunidade, o individuo transfere tudo o que tem para a comumidate © récebe em troca 6 titulo de proprietitio, mas ao soberano, em ihtima insti, cabe 0 direito maior sobre a vida ¢ os bens de cada associado, Essas distingses si também importantes para demarcar a ago da forga, do direito do ‘mais forte ¢ 0 do primeiro ocupante apenas para 0 estado de natureza. Assinalar os limites da agio individual no estado de natureza eno estado civil, no plano do dever-sr, isto &, da exposiet tebriea dos prin- cipios do direito politico, servem como orientago no plano pritico- cempirico das relagSes de poder ¢ da constituigfo dos Estados empirica- ‘mente dados, Neste plano empirico, coexistem as violagGes do direito de a CuAssicos no Prssananro POLITICO propriedade e a justiga que o afirma como limitagao da liberdade natu ral, definida como direitoilimitado a tudo o que eada homem pode aspi- rar, O que nos remete & formagio histérica dos Estados, de sun boa ou ima constituigdo etc. Mas fica patente que as violagbes do direito civil correspondem sempre & reivindicago de um direito natural quando ja nfo faz mais nenhum sentido reivindies-lo, exatamente porque 0 estado agora é outro, 0 estado civil. Por outro lado, teivindicar 0 direito de'pro- prigdade é simplesmente pedir que o Estado, isto €, a comunidade poli- tica faga juz a0 contrato originario, E pedir que as leis sejam respeitadi i 0 funcionamento do Estado, € pedir que se faga a justiga Na génese histrica da sociedade civil, tal eomo Rousseau a des- cereve no Discurso sobre a Desigualdade, «lei legitima a desigualdade. Ali, a mudanga da posse em propriedade favorece 0 rico, isto &, legti- ma 0 direito do mais forte. No Contrato Social, pelo contritio, a mudanca da posse em propriedade implica num processo de alienagao total, que faz de cada proprietério “depositévio do bem pablico”, Essa diferenga fundamental do estatuto da lei nas duas obras, que poderia parecer como uma contradigdo do sistema de Rousseau, &, na verda~ de, a marca da démarche da reflexo de Rousseau sobre o fundamento do poder politico. Sua abordagem da politica se desenvolve em dois planos distintos, 0 do ato ¢ 0 do diteito. O primeiro & deserito no Discurso sobre a Desigualdade e 0 segundo, no Contrato Social, Pot isso mesmo, as relagbes entre 0 piblico ¢ 0 privado sé podem ser bem- ‘orapreendidas se tatadas nesses dois planos e de maneiras bem dis-~ tintas, No Coniraro Social, como nos mostrou to bem Halbwacks, de longe o melhor camentador dessa obra, Rousseau procur, como se poder dize em termos kantanos, que condigSestornam intlig vis uma sociedade just, Tudo se passard como se os homens tivessem concluido um ‘al comrat, [sso nfo implica, em absoluto, que alguma vez ele se tenka realizado ou (que dava se realizar Tudo o que & preciso perceber& que uma sociedade justa nfo & possivel, no & concebive! sob uma outta suposigéo (Rousseau, 1943, p. 55). Conelui-se da que, segundo Rousseau, mama sociedade justa, a relagdo entre o particular eo piiblico s6 pode ser pensada se o particu- a Resvinpican Dineiros S20UNDO RoussEat lar for tomado como parte do todo. Neste caso, jamais paderiamos imaginar que os direitos individuais pudessem ser inaliendveis. Por principio, numa sociedade justa, todos os direitos individuais so alic- naveis, alids, j4 foram alienados no momento da constituigo do Estado, Reivindicar diseitos inaliendveis — se isso for entendido como uma reivindicagdo de direitos naturais, dentro do Estado ~ esti com- pletamente afastado dos principios de Rousseau. Mas ele tomou 0 dado para nos alertar que essa alienagao dos direitos s6 tem sentido se for feita & comunidade toda e nfo a um individuo ou a um grupo de individuos. Ou seja, alienamos nossos direitos naturais nfo & vontade de um outro, mas a ns mesmos como partes de um todo, Essa é a con- digo da liberdade, da autonomia E pelo processo da alienagdo, que representa a cléusula funda- mental do contrato social, que o homem passa do estado de navureza para ‘estado civil, Podemos entao pensar a vida do individu particular antes « depois da alienagdo, Antes, no estado de natureza, vivendo de maneira independente, sem precisar da companhia dos demais homens. Depois, no estado civil, vivendo necessariamente na dependéncia do outro. Como essas duas situagbes sto antagénicas ¢ excludentes, nfo & dificil ‘concluir que as confusdes fieglientes entre o piblico e o privado sejam provenientes da ndo distineo dessas duas condigSes. ‘Vina outra oposigdo, que precisamos esclarecer um pouco mais, diz respeito a vontade particular e& vontade geral. A primeira é a von= tade do homem no estado de natureza e a segunda, a vontade do corpo moral e politico que ¢ o Estado. O mesmo podemos dizer do interesse particular e do interesse geral. E esse o sentido da afirmagao: “Cada individuo, com efeite, pode, como homem, ter uma vontade particular, contrévia ou diversa da vontade geral que tem como cidadio, Seu inte- resse particular pode ser muito diferente do interesse comum”, Mas, tanto o interesse particular quanto a vontade particular, tomados como inclinagdes do homem natural, devem anular-se para que se realize a instiga na cidade. Porém, como poderiamos definit a vontade do indi- vviduo que aderiu a0 pacto, ou seja, como imaginar a vontade “pacticu- lar” do cidadiio, que deve ser muito diferente da sua vontade particu- lar de homem do estado de natuceza? A vontade “particular” do cida- Cuissicos oo Pensanento Pouttico io sorta relagio de In avos de sua participasio na comunidade poli- tica. Da mesma forma, o interesse do cidaddo seri muito diferente do interesse do homem natural ‘Na construc da conmmnidade politica, para que se realize a jus- tiga, sené necessério, como vimos, que o legistador proveda a uma trans- formagdo radical, mude a natureza humana. Sua ago pedagsgica & nnecesséria para que es homens possam perceber as vantagens da vida em soeiedades politcamente organizadas, No Manuscrito de Genebra, quando comenta a atitude daquele argumentador que se perguntava sobre as vantagens em obedecer as leis da sociedad e que insistia em permanecer no estado de natureza, agindo como se estivesse sozinko no ‘mundo, fazendo a justiga por si mesmo, Rousseau nos diz Eselaesames sua razio com novas luzes,equesamos seu coraglo com novos sentiments ¢esperemos que aprena a muliplcar se ser € sua ventura, dividindo-os com seus seinelhants. Se o meu aslo ne me cega nessa empresa, ndo duvidemos de ‘gue, com una ala forte una reta rao, ess nimi do gbnerohumano no abjure, com seus eros, 20 lo; de gue a ro que levava pas 9 caminho inceto, noo Faga ‘polar hummanidade; de que no aprenda a preerira seu intereseaparente, su i se bem-compresndido; de que nio se tome bom, ros, sensivele, para tudo fine! cies, de un bandido fos sue dessus ser no pase «consti o ns Fem apoio de una soiedade bem-orgonizd, (Rousseau, 1962, p. 176), © interesse particular, do homem do estado de natureza, no esti do civil, torna-se inteesse aparente. Em seu lugar, Rousseau nos apre- senta o ineresse bem-compreendido, que nada mais & do que o interes- se do cidadio, isto &, 0 interesse “particular” de um individuo que aca- tou as exigéncias da vide no Estado, E no Manuserito de Genebra, no capitulo intitulado “Da Sociedade Geral do Género Humano”, que Rousseau nos esclarece sobre as relagbes entre © pblice ¢ o particular no Estado ou fora dele, Nesse capitulo, Rousseau esti polemizando com Diderot, sobre o que este havia escrito no verbeté “Direito Natural”, para a Enciclopédia. Diderot usa certas expressdes como “sociedade geral do género humano”, “vontade xgetal da espécie”, para assinalar a possibilidade do direito natural, cons- Rerisoican Dineitos Seausno Rovssese tituido como um conjunto de normas para akém das sociedades politicas dadas ou muito antes da sua formagdo, A neensio por Rousseau desses postulados encontra-se resumida no texto que apresentamos a seguit. Caso a sociedade geralexstise fora dos 5 com ji afirmei, um ser moral possuidor de gualdades pris edistntas daguels mas e filsotia,represencaria, os seres partculares que as consituem, mais ou menos como os compostos quin- cos, que postuem propriedades que no tomam dos mistos que os compe. Haver un tipo de Sensdro comum que serviria & correspondéncia de todas as partes. © bem 0 mal piblicosndo seriam, como num simples agregado,somente a soma dos bens ‘4 dos males partculres, mas residiiam na Tigaglo que os une seviam mares do da Felicidade pbtica basearse na felicia dos pasoula- res (@ vive ds suas expenss), seria a fonte desta (Rousseau, 1962, p. 173), ‘que essa soma e, em A erica dos principios apresentados por Diderot ~ que consti- ‘tem um resumo das teorias modernas do direito natural — na verdade funcionam como o ponto a partir do qual Rousseau pode explictar melhor sua teoria sobre a constituiglio do Estado. O que ovorre com a passagem do estado de natureza para o estado civil? Nada mais do que uma transformagio radical, semelhante a uma transformagio quimica, de tal modo que, uma vez constituido 0 novo elemento, suas proprie- dades so irredutiveis a sua base de formagdo. Isto é, os homens no slo os mesmos, antes e depois do contrato social. Segundo Rousseau, ‘ima Comunidade politica bem-constitulda & como um composto qui nico, com propriedades inteiramente novas. Bla ¢ uma unidade, bem diferente de um agregado, on de uma simples somatéria de partes Num agregado, “o bem e 0 mal pablicos seriam apenas 2 soma dos bens e dos males particulares”, Mais do que simples soma das vonta- des particulares, a vontade geral & a expressdo nova de um novo corpo. E por isso também que Rousseau faz questo, no Conrato Social, de dizer que a vontade geral & distinta da vontade de todos, designando esta iltima como simples soma das vontades particulares. Reivindicar direitos individuais, no Estado, assume, portanto, no pensamento politico de Rousseau, uma comotagéio muito precisa. Nao 6, certamente, @reivindicagio de direitos inalieniveis de um homem Cxassicos 90 PensaMtento PoUtico natural, absoluto, independente, mas de um individuo que se reconhe- c2 como parte de tim ser coletivo, se quiséssemos que os homens, se se pusessem a buscar o seu interesse particular, um dia chegassem a constituir 0 interesse piiblico, seriamos lembrados ainda por uma pas- sagem do Manuserito de Genebra: E falzo que, no estado de independénca, a rato nos leve a concorrer para 0 berscomuin visendo ao nosso prprio interese, Em lugar do intorese particular aliar- se a0 bem geral, na ordom natural das coisas, ambos se exeluem mutuamente Rousseau, 1973, p. 173). Referéncias Bibliograficas Backsko, Bronislw Lumiéres de l'Utopie. Pars, Payot, 1978, Rousseau, Soltuie et Communauté. 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As diferengas entre os autores modernos neste ponto ‘vo dizer respeito mais & posiglo teérica que o direito (subjetivo) + conerécia pois no IEAUSR, en 6 de dezembno e 1996, Cee Aralo & plossor do Deparaenio de Cites Poca a FFLCHIUSP Salvo alguns aleages, xe texto segue» que apcinans das peknehas Hes cpl Ve in tee de dour, 4 Teoria Humaana des Vrms 0 Comer jinn rao, dees em 1894 no Depramerta de Flaoia da FFLCH/USP. 4 cis quanto su rigs histrea Cee outs 8 Tuck (1979, pp 2.55) fd erpacto de M,Viley (19542, que aul» Os teria a design

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