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POPULAÇÕES MERIDIONAIS
DO BRASIL
Oliveira Viana
Brasília – 2005
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 27
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico
e cultural e de importância relevante para a compreensão da história política,
econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.
CDD 307.72
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Sumário
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Capítulo IV
A todos nos pareceu tam bem esta terra que o capitam I determinou de a povoar e deu
a todos los homês terras para fazerem fazendas.
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II
58 Estas pequenas explorações têm uma vida efêmera; desaparecem cedo, eliminadas pela
grande propriedade; v. cap. VII: “Função Simplificada do Grande Domínio”, § VI.
59 Frei Vicente do Salvador – História do Brasil.
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III
60 Como os antigos donatários das ilhas açorianas: v. Padre Cordeiro – História Insu-
lana, 1717.
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IV
62 João Mendes – Notas Genealógicas, pág. 69. E também A. d’E. Taunay – São Paulo
no Século XVI, caps. XIII a XX – Revista Trimensal, vol. 86, pág. 367.
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63 “E a primeira coisa que pretendem adquirir são escravos para nelas (sesmarias)
lhes fazerem as suas fazendas” – diz Gandavo (História da Província de Santa Cruz,
cap. IV).
64 Simão de Vasconcelos – Crônica da Companhia de Jesus – 1663.
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VI
balho, o bastante em caça, frutos e cereais para viverem vida frugal e in-
dolente. Representam o tipo do pequeno produtor consumidor, vege-
tando ao lado do grande produtor fazendeiro.
Dadas as condições econômicas da sociedade colonial do I e
II séculos, a formação e o desenvolvimento dessa classe são um fenô-
meno tão natural quanto o arremesso dos sertanistas às florestas ou a
inexistência da pequena propriedade.
Durante esses dois séculos e, principalmente, no II, há, com
efeito, nos domínios vicentistas abundância de braços trabalhadores.
Posto que a corrente negreira só comece a engrossar no III século, os
escravos africanos, embora insuficientes, são numerosos. Mas são os índios
que trazem aos senhores rurais os braços precisos à atividade fabril dos
engenhos. No II século, há senhores paulistas que dispõem, às vezes, de
centenas de escravos vermelhos, preados pelos sertanistas às florestas.
Os “descimentos”, operados em larga escala nesse século, haviam supri-
do os latifúndios de uma maneira cabal.
O colono peninsular, de condição plebéia, livre, mas pobre,
que aqui chega em tal ocasião e, penetrando esses centros de atividade
rural, oferece os braços para o serviço dos latifúndios, chega evidente-
mente em má oportunidade. Não se precisa dele. Não há realmente lu-
gar para ele. Tudo se acha suprido e provido na economia fazendeira.
Ele é ali uma superfetação, ou um intruso. Como trabalhador salariável
está condenado à inutilidade. Onde colocá-lo?
Demais, o trabalho rural, assumindo um caráter essencial-
mente servil, torna-se repulsivo ao homem branco e livre. O colono
luso, que aqui aporta, se deixa logo tomar dessa repulsão geral. “Os
brancos e reinóis, ainda que sejam criados com a enxada na mão – diz o
governador do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro –, em pondo os pés
no Brasil nenhum quer trabalhar e, se Deus não lhe dá meios lícitos para
passar a vida, costumam sustentar-se de roubos e trapaças.”
Não sendo operário do latifúndio, nem podendo ser também
proprietário, o colono livre, de condição plebéia, não tem outra situação
senão a de foreiro ou arrendatário. Nos campos dos Goitacazes, por
exemplo, o sistema de aforamento se introduz, “com muito proveito
dos moradores”, diz Couto Reis: “As vistosas campinas deste país incita-
vam os homens a conduzir de outras partes os animais que as suas pos-
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VII
Novo tipo étnico, feito para complicar ainda mais a heterogê-
nea sociedade vicentista, a aparição dessa mestiçaria pululante é uma
conseqüência direta do domínio rural. Ele é o centro de convergência
das três raças formadoras do nosso povo. Os contingentes humanos,
67 V. cap. VI: “Etnologia das Classes Rurais”. Cfr.: Oliveira Viana – Formation Éthnique
du Brésil Colonial, 1932.
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é uma das maiores da nossa história – porque nela está a gênese e a for-
mação da própria nacionalidade.
VIII
IX
XI
aos poucos, a sua razão de ser. O corpo de mamelucos entra numa ma-
draçaria perigosa. Decaindo progressivamente da sua bela função de vi-
gilância e proteção, torna-se um fator de turbulência social dos mais vi-
rulentos. O soldado das “entradas” sertanistas, o guardião intrépido dos
currais, cessada a sua bela função tutelar, transforma-se em capanga te-
mível do potentado; a milícia rural se faz um corpo de sicários e mata-
dores. É então que surge, na história do sul, o clã fazendeiro, o clã vi-
centista do II século, de feição anárquica e revolucionária. Apoiados na
sua tropa de sequazes, os potentados rurais invadem cidades, assaltam
câmaras, expulsam autoridades e impõem aos representantes dos pode-
res públicos a sua vontade e o seu arbítrio.75
Essa turbulência é a resultante de um excesso de energias
acumuladas. É um equivalente social da antiga combatividade sertanista.
O cruzado vicentista, de índole robusta, aguerrido por uma longa trei-
nagem militar contra o selvagem, desde que é forçado a mergulhar
numa sorte de paz podre, reage e explode em motins.
Com a descoberta dos campos auríferos de Minas e o início
das explorações mineradoras, uma nova derivação se abre à combativi-
dade desses mestiços. Desde essa época a exacerbação caudilheira cai,
rapidamente, nos seus centros iniciais de formação. E já agora nas serras
mineiras que ela vai explodir.76
XII
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