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03/01/14 Folha de S.

Paulo - Mercado - Governo perdeu a batalha contra o mercado financeiro - 29/12/2013

Entrevista Luiz Gonzaga Belluzzo

Governo perdeu a batalha contra o


mercado financeiro
Para professor de Dilma, câmbio está muito fora do lugar e é preciso
acelerar as concessões e refortalecer a indústria

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

O Brasil precisa mexer na política cambial. A valorização do real por vários anos fez
com que empresários virassem importadores e a indústria encolhesse. Por isso, o
crescimento patina. Se o enrosco não for resolvido, poderá haver recuo.

O diagnóstico é do economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, 71, para quem o país
se meteu numa camisa de 11 varas (dificuldade extrema, da qual é difícil ou impossível
sair, diz o "Aurélio").

Professor da Unicamp, foi mestre de Dilma Rousseff. Nesta entrevista, ele avalia a ex-
aluna: "Está seguindo os cânones dominantes. Deu uma recuada diante da correlação
de forças. Com o câmbio muito fora do lugar e essa situação internacional, haverá
dificuldades de reativar a economia".

Folha - Como vai o governo Dilma?

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo - Dilma se deu conta de que os efeitos da crise
sobre o Brasil foram maiores do que se podia pensar e duraram mais tempo. Nos
metemos numa camisa de 11 varas, num enrosco. O investimento industrial foi afetado
pela manutenção da taxa de câmbio valorizada. O que a maioria dos industriais fez?
Eles se tornaram importadores. A indústria brasileira ficou nanica. O Brasil vai ter que
corrigir a política cambial.

É por isso que o governo está fracassando na economia?

Não acho que esteja fracassando. O crescimento é ruim, comparável ao de FHC, que
foi péssimo. Há esse enrosco de câmbio, crescimento e juros. O núcleo do enrosco é o
desalinhamento do câmbio.

O Brasil não poderia ter outra posição no câmbio?

Tem custos. Temos uma defasagem grande, que calculo em 30%. Há o custo do
impacto na inflação.

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Onde está o desenvolvimentismo de Dilma?

A situação é apresentada como fracasso do desenvolvimentismo. Não sei direito de


que desenvolvimentismo falam. Desenvolvimentismo agora é o país ficar em condições
de competir, fazer acordos. O centro da turbulência está na inadequação das
exportações e importações na sustentação do crescimento. Basicamente o
crescimento é baixo porque não há dinamismo na indústria.

O crescimento é baixo porque as medidas de Dilma não são


desenvolvimentistas?

A Dilma é desenvolvimentista, só que não está conseguindo se livrar de


constrangimentos que vêm dos anos 1970. Desenvolvimentismo é uma palavra
ambígua. Alguns falam nele pensando nos anos 1950, 1960. Esquece. A configuração
da economia mundial é outra. É preciso procurar outros caminhos. Um deles é o
próprio agronegócio, que pode ser estimulado a mover-se para outros setores, como a
indústria de equipamentos agrícolas.

Dilma criticou o sistema financeiro. Depois houve recuo?

Há um problema de relação de força. Não é saber quem tem razão. É saber quem tem
mais poder de fogo, quem tem mais força.

Quem tem mais força: o mercado financeiro ou Presidência da República?

O mercado financeiro. No mundo inteiro. Ou se acha que os europeus fazem isso


porque acham engraçado? É porque eles entregaram a rapadura! Não se pode mexer
naquilo que é essencial.

O que é essencial?

O emprego, a renda, o bem-estar das pessoas.

Hoje o governo está de mãos atadas em relação ao mercado financeiro?

O governo está perdendo a batalha ideológica e política para o mercado financeiro. O


mercado financeiro hoje, no mundo, é um setor cujo funcionamento está voltado para o
enriquecimento de suas próprias funções ou dos seus participantes. Deixou de fazer a
intermediação banco/empresa/investimento. Por que eles resistem à intervenção no
câmbio? A volatividade cambial é péssima para a decisão de investimento. Mas para
eles é ótima, porque ficam arbitrando.

Dilma está à direita de Lula?

O mercado acha que ela está à esquerda de Lula. Dizem que o Lula era legal porque
conversava. Dizem que ela é a rabugenta, intervencionista e o diabo. A presidente,
coitada, herdou esse negócio, e é muito difícil se desvencilhar disso. Ela está seguindo
mais ou menos os cânones que são dominantes na economia. Deu uma recuada
diante da correlação de forças. Ela está lá meio desconfortável, fazendo o que
pragmaticamente deve fazer, não o que ela gostaria. Nem acho que a questão se
coloque como mais ou menos intervenção. Com o câmbio muito fora do lugar e a
situação internacional, haverá dificuldades de reativar a economia. São duas as
oportunidades que ela tem: acelerar as concessões e melhorar o investimento em
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infraestrutura, com efeito sobre a indústria, e o pré-sal.

Dilma é uma decepção ou está dentro do esperado?

Ela está fazendo o que pode. Sou suspeito porque me considero amigo dela; fui
professor dela. O tabelamento da taxa de retorno pegou mal no mercado. Quase
disseram que ela era uma réplica da política dos bolivarianos. Tem cabimento essa
comparação? Estão botando ela contra a parede. Ela está tentando resistir.

Nesse quadro de atrito, empresários devem apoiar outros candidatos?

Ninguém joga dinheiro fora. É menos atrito e mais reclamação. Eles já se deram conta
de que uma coisa é a relação de forças da economia; outra, é a da política. Eles se
deram conta de que ela vai ganhar. Vão compor com ela, e ela vai compor com eles,
discutir.

Por que os indicadores sociais pararam de melhorar?

Estão melhorando menos, porque a melhora foi muito intensa antes. Dilma está com
dificuldade de levar adiante o projeto. Mas eu não creio que ela tenha abandonado
esse núcleo central. Ela avançou no Bolsa Família e em outros benefícios. A economia
não cresce, não resolvemos o problema da indústria. E, se não o resolvermos, as
coisas voltarão para trás.

O governo desacelerou investimentos. Foi um erro?

Eu acho. O investimento público é formador das expectativas do mercado.

É preciso voltar com a ideia de planejamento indicativo do governo. O investimento


público, na história do Brasil, definiu o horizonte do investimento privado.

O modelo do tripé deve ser abandonado?

Não. É uma maneira de enquadrar ou organizar as expectativas. Isso não quer dizer
usar de uma maneira mecânica.

A forma como alguns tratam o tripé é religiosa. Funciona muito mais como uma fé do
que como uma convicção racional.

Os juros devem subir muito?

Não conheço nenhuma experiência em que subir juro funcionou para segurar dinheiro.
É ineficaz.

A questão do rebaixamento é importante?

Depois do que essas agências de risco fizeram no pré-crise, é impressionante que as


pessoas falem delas com respeito. Deveriam estar na cadeia.

Leia a íntegra
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