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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

CENTRO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO


LETRAS – PORTUGUÊS/ALEMÃO
SOCIOLINGUÍSTICA EDUCACIONAL

VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS – E SE EU NÃO CONSIGO MAIS INSULTAR? UMA BREVE


DEMONSTRAÇÃO DE QUANDO PALAVRÕES PESSOENSES1 PERDEM SENTIDO NOS
OUVIDOS PELOTENSES
JEFFERSON FONSECA DE SOUZA

INTRODUÇÃO

Um tema que ocorre diariamente entre falantes de todas as línguas é o uso de


palavras que são usadas para expressar algum descontentamento com alguém, uma
situação, alguma coisa, etc. Nesses momentos, em contextos menos formais, os falantes
podem fazer o uso de palavras que são tabu, conhecidas como palavrões. Palavrão nesse
caso não tem a ver com o tamanho da palavra, mas com o seu teor. Em geral, os palavrões
são tidos como algo de pessoas que não tem muita – ou nenhuma – educação e não são
aceitos ainda em contextos mais formais, até levando ao descrédito quem os usa em seus
discursos. Os palavrões são estudados, na linguística, em um campo mais abrangente
chamado tabu linguístico. Segundo Sandmann (1993):

Comparando tabu com palavrão, diríamos que palavrão é mais


a palavra ou expressão usada em xingamentos, contra as
pessoas que nos importunam ou em vista de fatos
desagradáveis, sendo que tabu lingüístico é toda expressão
tida como desagradável, porque ofensiva aos bons costumes,
boas maneiras ou porque lembra fatos ou situações
desagradáveis: idade mais avançada, morte, doença, p. ex. 2

Depois de entender essa conceitualização, é importante ressaltar a variação


linguística nesse caso, mais especificamente a diatópica. A variação diatópica se dá através
de diferenças regionais, mais notadamente em léxicos diferentes como macaxeira e aipim,
mexerica e bergamota, etc.
No presente ensaio, haverá um pouco de como é a compreensão (ou não) de algumas
palavras tabu do Estado da Paraíba quando faladas na região Sul, mais especificamente, no
Rio Grande do Sul. É necessário entender que os exemplos dados não são apenas usado
nesses Estados, mas até são possíveis em outra região. A questão principal é: o palavrão vai

1 Pessoense é um indivíduo natural de João Pessoa, capital da Paraíba.


2 Sandmann (1993, p. 222)
ser um tabu em outro lugar e trazer os seus objetivos finais – sejam para insultar; as palavras
terem o mesmo grau de rejeição? Os palavrões além de serem tabus, trazem consigo
também uma carga de rejeição que depende do falante. Isso pode até ser definido como uma
outra tipo de variação dentro do próprio uso dos palavrões em diferentes contextos, ou seja,
haverão palavrões que podem destacar diferença entre gêneros, entre as idades e entre os
níveis sociais (SANDMANN, 1993). No que se refere à variação ainda, é possível perceber
que há a ideia de que o nordestino fala errado e, normalmente, quando nordestinos são
representados na televisão, um dos objetivos principais, no que se refere à fala, é para
ridicularizar – sobretudo fazendo uma comparação com a norma padrão da língua
portuguesa (ARAGÃO, 2000). Essas variedades linguísticas devem ser respeitadas e não ser
tidas como algo certo ou errado. É um dos principais combates hoje em dia na
Sociolinguística frente à propagação de mitos sobre a língua portuguesa.
Um palavrão é sobretudo um uso cultural e, lógico, componente do léxico. Segundo
Aragão (2000,p. 54), o léxico reflete várias características de indivíduos, pois toda a visão de
mundo, a ideologia, os sistemas de valores e as suas prática socioculturais . Assim, para
entender um grupo, de forma sociolinguístico-cultural, o objetivo de estudo principal está
relacionado ao léxico e aos seus usos contextuais.

QUANDO O INSULTO PERDE O SEU SIGNIFICADO

Uma das características principais do Brasil é o tamanho do seu território e


consequentemente a sua enorme diversidade cultural. Se há uma grande diversidade
cultural, há de existir uma grande diferença linguística por via de regra.
Quando os palavrões são usados intencionalmente com o objetivo de insultar, por
exemplo, o falante se depara com uma frustração, porque o seu objetivo não será concluído
por uma diferença que vai maior do que o léxico em si: para que esse lexema faça sentido,
deve existir uma compreensão mútua do item entre os interlocutores.
Alguns palavrões do campo semântico religioso, na Paraíba, são extremamente
ofensivos e até suas pronunciações são evitadas. Palavras como disgraça, derrota e mizera3
quando pronunciadas, são ouvidas com preconceito, por exemplo, pelos interlocutores, que
associarão imediatamente o proferimento dessas palavras como algo sem educação ou

3 Foi optado manter a escrita mais próxima da fala encontrada na Paraíba. Se houver necessidade de
compreensão, as palavras exempladas são “desgraça”, “derrota”, “miséria”.
extremamente periférico. Suas abrandações 4, entretanto, são melhores aceitas, pois até as
pessoas mais “letradas” usam disgrama, mizura, mizinga, etc. Essa é mais ou menos uma
explicação do que ocorre quando os dois falantes têm o conhecimento compartilhado do teor
dessas palavras e dos seus usos. Há algo diferente, entretanto, quando há o contato com um
falante de outro lugar e tomarei como exemplo um falante gaúcho.
No léxico do gauchês, esses palavrões que foram supracitados, não parecem ocorrer
com frequência, ou a frequência é até zero. O uso dessas palavras tem um contexto
diferenciado no léxico de um gaúcho e o sentido que é tido por um paraibano se perderá
quase que totalmente, se o seu objetivo é xingar alguém que porventura é gaúcho – ou vice
e versa, já que também o “léxico tabu” dos gaúchos é diferente do léxico dos paraibanos,
assim como também dos catarinenses ou até dentro do próprio estado –. Sendo mais
específico e entrando no léxico pelotense, por exemplo, se encontra palavras como chinelo e
bagaceiro e que trazem mais um estigma social e que são ofensivas, no entanto, aos ouvidos
de um paraibano, essas palavras não fazem sentido e também se perderia o objetivo de um
insulto, por exemplo, se o palavrão fosse usado para proferir um interlocutor que não é do
mesmo lugar e não compartilha desse conhecimento conjunto

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os palavrões apresentarão significados diferentes dependendo do lugar, pois, como


supracitado, o Brasil é um país continental e consequentemente traz essa riqueza linguística
diversificada. A parte interessante de destacar os palavrões nesse ensaio é porque não se
fala muito sobre os palavrões – por isso estão como tema tabu – e as variedades lexicais que
podem trazer problemas de compreensão já estão jogadas no senso comum. Por isso,
parece já ser “riqueza compartilhada”. Muitos falantes do brasileiro já sabem que macaxeira
se chama aipim em outras regiões; que manga tem outros significados dependendo do
contexto e da região, entre outros exemplos.
Uma língua é uma expressão cultural e quando duas variedades se confrontam,
haverá problemas de compreensão e perda de sentido em alguns lexemas. Por isso, embora
o ensaio tenha sido focado em palavrões, haveria problemas em outras situações também –
além das situações tabu. Embora essa não-compreensão seja problemática do ponto de

4 Segundo Mansur Guérios (1955), abrandações são o recurso empregado são meios indiretos e meios diretos
dissimulados, i. é., substitutos que velem de qualquer modo o ser sagrado-proibido.
vista comunicativo, é uma expressão da bela e diversificada variação linguística da Língua
Brasileira.

REFERÊNCIAS DIGITAIS E BIBLIOGRÁFICAS

ARAGÃO, Maria do Socorro Silva de. Do baianês ao piauiês: a onda de dicionários regionais
nordestinos. Revista do GELNE (Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste), Fortaleza,
n. 1, v. 2, p. 53-59, 2000. ISSN 1517-7874. Disponível em:
<http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/31705>. Acesso em: 18 jul. 2018.

SANDMANN, Antônio José. O PALAVRÃO: FORMAS DE ABRANDAMENTO. Revista


Letras, [S.l.], v. 42, dez. 1993. ISSN 2236-0999. Disponível em:
<https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/19127>. Acesso em: 17 jul. 2018.
doi:http://dx.doi.org/10.5380/rel.v42i0.19127.

MANSUR GUÉRIOS, R. F.. TABUS LINGÜÍSTICOS. Revista Letras, [S.l.], v. 4, dez. 1955.
ISSN 2236-0999. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/20050>. Acesso
em: 18 jul. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.5380/rel.v4i0.20050.

Sertão do Fiofó – As notícias do cu do mundo: COLETÂNEA DE PALAVRÕES E


EXPRESSÕES MATUTAS. Disponível em:
<http://sertaodofiofo.blogspot.com/2008/03/coletnea-de-palavres-e-expresses.html>. Acesso
em: 18 jul. 2018.

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