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11/08/2018 Tomás de Aquino e os argumentos para provar a existência de Deus (ou sobre as cinco vias)

Tomás de Aquino e os
argumentos para provar a
existência de Deus (ou sobre
as cinco vias)
Frank Wyllys Cabral Lira

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11/08/2018 Tomás de Aquino e os argumentos para provar a existência de Deus (ou sobre as cinco vias)

Introdução
De Frank Wyllys Cabral Lira[1].

Resumo

A Suma Teológica é possivelmente a obra mais famosa e estudada do filósofo Santo Tomás de
Aquino. Entretanto, na questão dois do primeiro livro (no início da Prima Parspara ser mais
exato) temos como título para o capítulo a seguinte pergunta: Deus existe? Para não somente
responder o capítulo como tentar responder a pergunta que o filósofo nos apresenta “cinco vias”
para provar a existência de Deus. Portanto, este trabalho dará foco a apresentação e explanação
dessas cinco vias argumentativas.

Palavras-chave: Santo Tomás de Aquino, argumentos, cinco vias, Deus.

1. Licenciando do curso de filosofia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Chegando as cinco vias


Antes mesmo de apresentar e explanar os argumentos do Santo Tomás de Aquino para provar a
existência de Deus, será feito uma rápida menção a sua história de vida e a obra na qual está
presente tais argumentos. Filho do conde Landolfo de Aquino e de Teodora, Tomás nasceu no
castelo de Aquino, em Roccasecca, entre o ano de 1224/1225. De 1230 à 1239 é educado na
abadia de Monte Cassino. De 1239 à 1244 ele estuda Artes Liberais na Universidade de Nápoles.
Em 1244, Tomás entra para à ordem mendicante dos frades dominicanos de Nápoles (mesmo a
família sendo contra essa entrada). Vai para Paris para fazer seu noviciado na Universidade de
Paris, tendo como mestre Alberto Magno e recebendo sua ordenação sacerdotal entre
1250/1251. Inicia a escrita da Suma Teológicaem 1268, terminando-a em 1273[2].

A Suma teológica é a sua obra mais conhecida e utilizada. O título de cada capítulo é um
questionamento, sendo desenvolvido nele mesmo a resposta para esse. Toda a sua obra segue
uma minuciosa estrutura argumentativa devido a influência de Aristóteles no pensamento do
filósofo – e isso será facilmente percebido quando explanarmos as cinco vias argumentativas de
Tomás. A Suma se dividirá em três grandes partes – pois é assim que a obra é habitualmente
apresentada: Prima Pars, Secunda Pars – a segunda parte se apresenta dividida em mais duas
partes e por isso a Suma contém habitualmente quatro volumes – e Tertia Pars. Os argumentos
de Tomás de Aquino a favor da existência de Deus está na Prima Pars, pois nela é que se trata de

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11/08/2018 Tomás de Aquino e os argumentos para provar a existência de Deus (ou sobre as cinco vias)

Deus. Querendo em primeiro lugar tratar Deus


segundo o que Ele é em si mesmo, conseguimos
observar na Prima Pars duas subdivisões: o que se
2. CAMPOS, Sávio Laet de
relaciona à essência divina e o que pertence à Barros. As Provas da Existência
distinção entre pessoas. Entretanto, devido Deus ser de Deus em Tomás de Aquino.
P. 10. Disponível em:
o princípio e fim de todas as coisas, fala-se http://filosofante.org/filosofant
igualmente da forma pela qual as criaturas procedem e/not_arquivos/pdf/Provas_Exis
de Deus. É nesse ponto que entra as cinco vias. tencia_Deus_Tomas_de_Aquino
.pdf. Acesso em: 15 de
Fevereiro de 2014.

Conhecendo as cinco vias


Segundo o pensamento Tomista abordado na Suma Teológica, o problema central da filosofia é a
de responder os questionamentos sobre Deus – se Ele existe ou não por exemplo – enquanto que
o principal intuito da Doutrina Sagrada é o de transmitir o conhecimento de Deus. Segundo
Tomás, a própria estrutura do ser humano exige que o conhecimento comece pelos seus
sentidos, elevando-se a partir deles ao mundo suprassensível, a Deus. A Suma Teológica retoma
a metafísica aristotélica através de uma interpretação cristã afim de poder fundamentar as provas
para a existência de Deus.

Por fim, a questão número dois do primeiro livro da Suma trata do seguinte problema filosófico:
Deus existe? Para Tomás de Aquino, sim, mas a existência dEle não é assim algo evidente a
ponto de somente haver feito a apreensão de seu termo ou definição para efetivamente saber
que existe – e aqui está a crítica de Tomás ao argumento ontológico. Tomás expõe inicialmente
na questão de número dois argumentos contra a existência de Deus – o primeiro argumento
apresentado, por exemplo, é sobre o problema do mal -, mostrando neles sua falta de cogência.

Entretanto não são somente apresentados argumentos a favor da inexistência de Deus: para
Tomás de Aquino é possível provar a existência de Deus através de “cinco vias”, cinco
argumentos. Todas as cinco vias necessitam de uma causa transcendente, pois sem tal ela não
poderia existir. São essas vias, no final, formas de chegar a um único lugar –  pois o efeito existe,
portanto, deve existir uma causa. Uma única prova – que no caso é Deus – fundamentada por
cinco caminhos diferentes.

As cinco vias são as seguintes:

1. Via do movimento/primeiro motor;


2. Via da causa eficiente;
3. Via do contingente e do necessário;
4. Via do graus de perfeição;
5. Via do governo das coisas/da finalidade ser.

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Via do movimento/primeiro motor

A primeira via fala de um fato do mundo: o movimento. Conseguimos facilmente perceber o


movimento das coisas através de nosso sentidos. Proposicionalmente falando[3], a primeira via
pode ser assim apresentada:

(1)  No mundo, algumas coisas são movidas.


3. Farei a partir de agora a
apresentação de todas as cinco
(2)  Tudo o que é movido é movido por outro. vias através da lógica
proposicional, pois além da
facilidade em observar o
(3)  Não se pode preceder até ao infinito nos
argumento de forma completa e
moventes e movidos. enxuta, fica mais fácil
referenciar determinada parte
dele apenas fazendo menção ao
(4)  Logo, é necessário um primeiro motor, que número associado a
é Deus. determinada
premissa/conclusão durante o
texto.
Primeiro, consideremos aqui movimento toda e
qualquer transformação, mutação ou mudança.
Conseguimos perceber no mundo o movimento de
algumas coisas (1), sendo esta premissa facilmente constatável pela nossa sensibilidade. Com
relação a premissa seguinte será necessário apresentar duas palavras: potência e ato. Para Tomás
de Aquino a palavra potência significa aquilo que é movido ou aquilo que recebe o movimento.
Ato significa aquilo que move ou que inicia o movimento. O que está sendo movido está sempre
em potência para o movente, enquanto que o movente está sempre em ato para o movido (2) –
ou seja: o ato antecede a potência assim como o movente antecede o movido. Devido a essa
relação ato-potência, não é possível fazer uma regressão ao infinito entre moventes e movidos
(3) porque nunca acharemos o primeiro movente (e como a relação ato-potência se dá através de
ações em cadeia, nada seria movido). Logo, devido constatarmos através de nossa sensibilidade a
relação ato-potência no mundo, é preciso admitirmos um primeiro motor, que é Deus.

Via da causa eficiente

Na segunda via é defendida a existência de uma causa primeira para conseguir explicar a cadeia
de causas que acontecem no mundo. Proposicionalmente falando, a segunda via pode ser assim
apresentada:

(1)  No mundo todas as coisas tem uma causa eficiente.

(2)  Nada pode ser a causa eficiente de si mesmo.

(3)  Não é possível que se proceda até o infinito nas causas eficientes.

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(4)  Logo, existe uma causa primeira eficiente, que é Deus.

Causa eficiente tem por definição algo produzir outro algo – e no mundo conseguimos observar
uma ordem de causas eficientes e seus efeitos como bem aponta a premissa (1). E se o último
algo produzir um terceiro algo e assim o ciclo continuar sucessivamente, assim teremos uma
ordem de causas eficientes. Se, por exemplo, X produz Y, X é a causa eficiente de Y.  Y não pode
ser a causa eficiente de si mesmo, mas apenas efeito de uma causa eficiente (2) – que no caso é X.
Portanto, como observamos os efeitos, fazer um regresso ao infinito para chegar a causa
eficiente primeira torna-se impossível, pois assim como na primeira via, caso não assumíssemos
uma causa eficiente primeira, não haveria qualquer efeito posterior (3). Por fim, se existem
efeitos no mundo, é preciso que exista uma causa eficiente primeira, sendo ela Deus (4).

Via do contingente e do necessário

Na terceira via é defendida a existência de um ser necessário na qual dependem todos os seres
contingentes. Proposicionalmente falando, a terceira via pode ser assim apresentada:

(1)  No mundo, há coisas contingentes que existem mas poderiam não existir.

(2)  Mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas.

(3)  Não é possível que se proceda ao infinito nas coisas necessárias.

(4)  Logo, existe um primeiro necessário, que é Deus.

No mundo podemos constatar as coisas contingentes, pois elas poderiam ser ou não ser/existir
ou não existir. Computadores por exemplo não existiam no passado, mas agora existem. O ser
humano pode facilmente estar dentro da categoria dos contingentes: uma hora existimos e numa
outra hora não mais (1). Se toda sorte de coisa é contingente, então em algum momento essas
deixarão de existir. Devido ao absurdo dessa consideração, é preciso de alguma coisa que seja
necessária para dar origem aos contingentes (2). Entretanto, regredir ao infinito nas coisas
necessárias é impossível, pois será preciso um necessário por si que seja a causa de outros
necessários (3). Essa primeira coisa necessária causadora de outras coisas é Deus (4).

Via dos graus de perfeição

A quarta via fala sobre a existência de um ser máximo na qual todos os seres presentes no
mundo participam no mesmo com Ele em diferentes graus de perfeição. Proposicionalmente
falando, a quarta via pode ser assim apresentada:

(1)  No mundo, as coisas têm diferentes graus de perfeição.

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(2)  Os graus de perfeição atribuem-se em relação à proximidade do grau máximo.

(3)  O grau máximo de um gênero é a causa de todas as coisas desse gênero.

(4)  Logo, há algo que é a causa da existência para todas as coisas, que é Deus.

É facilmente observável que, no mundo, as coisas que chegam a nosso entendimento através de
nossos sentidos contém determinado grau de perfeição – seja esse grau para mais ou para menos
e segundo também nosso julgamento diante de tais coisas (1). Estando esses graus presentes
desde os objetos mais comuns até os sentimentos mais obscuros ou nobres, julgamos sobre tais
grais de tais coisas tendo como referência alguma coisa de grau máximo (2). Mas esses graus
máximos que temos como referência para determinada coisa é o que da existência de todos do
seu gênero (3). Ainda mais: se para cada coisa existente existe um grau máximo, portanto, deve
existir um Ser que contém todos os atributos e coisas possíveis em seus graus de perfeição no
máximo – e que seria geradora de todas as coisas em grau de perfeição menos (4). Esse Ser
é Deus.

Não somente Deus pode ter algo em seu grau de perfeição máximo como todo e qualquer ser
pode assim ter esse grau máximo, bastando participar da Suma Perfeição. Ou seja: uma coisa ou
ser somente consegue chegar a seu grau máximo de perfeição caso participe da perfeição do Ser
mais perfeito – pois Deus é fonte de toda coisa ou ser, transcendendo a ordem natural do mundo
devido a sua perfeição.

Via do governo das coisas/da finalidade do ser

Na quinta e última via Tomás de Aquino argumenta sobre a existência de arquiteto inteligente
que governa, coordena ou dá uma finalidade a todas as coisas no mundo. Proposicionalmente
falando, a quinta via pode ser assim apresentada:

(1)  No mundo, algumas coisas operam por causa de um fim.

(2)  Estas coisas não atingem o fim por acaso.

(3)  Estas coisas não tendem para um fim a não ser que estejam sendo dirigidas por algo
inteligente.

(4)  Logo, existe algo inteligente, que é Deus, que dirige as coisas a um fim.

Tomás aqui faz referência a finalidade das coisas do mundo. Existem certas coisas que não tem
inteligência e que, regidas pelas leis da natureza, são ordenadas e contém a finalidade certa (1).
Assim como a flecha, em sua finalidade única, é direcionada para seu alvo pelo arqueiro, as

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coisas não recebem uma finalidade arbitrária (2). Devido ao tamanho e a diversidade de coisas
presentes no mundo, não é possível observar a harmonia e ordem do mundo e a finalidade
específica presente em cada coisa carente de inteligência – ou até mesmo não a contendo – sem
pensar na possibilidade de haver uma inteligência por trás de tudo (3). Como existem essas
coisas ou seres de pouca ou nenhuma inteligência realizando seus atos com finalidade específica
e de forma harmoniosa com o outro que preenche o mundo, deve haver sim um ser inteligente
que governa, coordena e atribui as devidas finalidades a esses. Por fim, o Ser inteligente é
Deus (4).
Complementando as cinco vias
Ressalto aqui que, reunindo as informações presentes nas cinco vias, podemos montar um
singelo quadro onde comparamos Deus e suas Criaturas – pois como ele é o início e fim de todas
as coisas, também devemos perceber como as criaturas voltam-se para Ele:

Deus Criatu
Ser necessário Ser co

Ato puro Ato e

Imutável Mutáv

Infinito Finito
Causa de sua própria existência Sua ex

Sua Essência é Existência Ser qu

Com essa leitura explanada dos cinco argumentos propostos por Tomás de Aquino para provar a
existência de Deus – e assim cumprindo com o problema central da filosofia que segundo o
filósofo deve se assegurar de resolver os questionamentos sobre Ele -, fica nítida a influência que
Aristóteles exerceu através de seus escritos nesse filósofo medieval – principalmente na parte
metafísica e lógica. Contribuindo com a tradição medieval de conciliar a fé com a razão, Tomás
de Aquino abre mais uma porta para aqueles que desejam chegar a Deus (pois a primeira teve
origem em Santo Agostinho através da ontologia, valendo observar a influência que Platão teve
nele). É observável também a influência do uso da empiria, pois, diferente do acesso a Deus por
via da gnosiologia inata, temos Tomás de Aquino fazendo uso da empiria de Aristóteles. Ou seja:
é no mundo que vemos as provas da existência de Deus, pois todas as vias partem de uma
realidade verificável e concreta, tendo Tomás suas racionais demonstrações a posteriori. Perceba
que Tomás de Aquino não pretendeu dizer o que era Deus, mas apenas provar sua existência.

Porém, alguns pontos importantes antecedem as cinco vias. Fazer perceber todo uma gama de
conclusões e raciocínios que nos levam a provar a existência de Deus na obra de Tomás de
Aquino é essencial para um melhor entendimento delas. Logo, um retorno a coisas anteriores –

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como o contato de Tomás com a filosofia aristotélica e o desenvolvimento de parte da sua teoria
do conhecimento – será realizada. Como bem disse Carlos Lopes de Mattos:

Foi sobretudo em Paris que Tomás de Aquino viveu intensamente os conflitos


intelectuais, típicos de sua época, que opunha o conhecimento pela fé ao
conhecimento pela razão, a teologia à filosofia, a crença na revelação bíblica as
investigações dos filósofos gregos.

O papado controlava a organização das universidades e contribuía, para o lado dos teólogos, o
embate existente entre os dialéticos (filósofos) e teólogos. A prerrogativa era que a igreja
considerava a dialética uma ferramenta auxiliar para os teólogos, devendo estes não ostentá-la.
Além disso, um vetor que acentuou mais os conflitos da época foram as divulgações da tradução
da filosofia aristotélica. A existência de vários conflitos dessa filosofia com os dogmas da igreja
levaram essa última a uma censura, porém não bem sucedida. Entretanto, visando a
cristianização da filosofia aristotélica, ela “[…] só veio a se tornar possível graças aos espírito
analítico, à capacidade de ordenação metódica e à habilidade dialética de Tomás de Aquino, que
aliava a um profundo sentimento de fé cristã”[4].

O começo do trabalho de Tomás pode ser observado


na distinção aristotélica entre essência (O que é um 4. MATTOS, Carlos Lopes de.
Sto. Tomás de Aquino, Dante
ser?) e existência (Esse ser existe?). A resposta da Alighieri (Os pensadores). P. 10.
primeira pergunta sobre o ser nos leva a busca da Disponível em
http://copyfight.me/Acervo/livr
definição de sua essência. Todavia,
os/AQUINO,%20Tomas%20-
%20Dante%20-
%20Colec%CC%A7a%CC%83o
“[…] para Aristóteles, uma definição não %20Os%20Pensadores.pdf.
implica jamais a existência, lógica ou Acesso em: 05 de Fevereiro de
2015.
empírica, do definido. Assim, em
Aristóteles, a distinção entre essência e
existência é puramente conceitual, lógica.
Tomás de Aquino, ao contrário, interpreta aquela distinção como ontológica, real”.

O pulo do gato de Aquino está justamente nessa interpretação. Ele, tendo em vista o princípio do
realismo ontológico, conclui que as criaturas não existem por elas mesmas. Isso ocorre devida a
definição de essência das criaturas, não resultar em sua existência, restando atribuir a algo ou
alguma coisa uma origem e existência. Logo, apenas Deus contém a identidade entre essência e
existência (pois existe por si e é criador e fundamento de todas as coisas e de suas existências
contingentes).

Complementando ao ponto sobre a cristianização desenvolvido anteriormente, temos ainda um


aprofundamento na forma como Tomás de Aquino entende o conhecer humano. Considerando

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também a possibilidade por ele levantada para demonstrar a existência de Deus, temos, como
resultado último, as cinco vias. Tais objetivam uma única coisa: provar a existência de Deus.
Partindo de uma exposição destacado por Sávio Laet de Barros Campos da teoria do
conhecimento de São Tomás, é observável que temos: um conhecimento sensível, um
conhecimento intelectivo e um conhecimento humano de Deus.

Conhecimento Sensível

O conhecimento é originado pelos nossos sentidos. Sabendo que o homem eleva-se através do
sensível ao inteligível, nosso saber advindo dos sentidos serve de base para essa elevação. Vale
detalhar que o ser humano nasce sem conhecimento –sendo desconsiderado todo conhecimento
inato de coisas e criaturas -, mas com a faculdade/potência de conhecer. Aquino pressupõe que
os nossos sentidos não nos enganam, pois é a nossa forma de entrar em contato com o real. E se
os mesmos são enganosos, nosso conhecimento também o é – o senso comum é que está
passível de erro, não os sentidos. Além disso tudo, os nossos sentidos apreendem as qualidades
sensíveis dos objetos, Portanto, através dessas qualidades, conseguimos diferenciar os objetos
similares por exemplo ou diferenciar objetos de qualidades similares. Mas são muitas as
qualidades que um objeto tem Por isso, temos o senso comum, que nos ajuda a reunir no
intelecto essas qualidades e associá-las a um ou mais objetos. Esses objetos são a imagem da
própria coisa e esta é guardada na imaginação.

Conhecimento Intelectivo

Para que haja um conhecimento intelectivo, é necessário a presença de um corpo e uma alma.
Assim, o intelecto deve voltar-se ao sensível para saber, pois só há saber intelectivo com a
presença do sensitivo. Portanto, além de termos uma faculdade intelectiva, ela nos leva (através
das qualidades das matérias do sensível) a uma universalidade dos objetos. Por isso, o objetivo
do nosso intelecto é conhecer a universalidade e natureza dos objetos sensíveis. Tomás distingue
duas funções do intelecto (devidamente nomeadas):

1. Intelecto agente: é “[…] aquele que abstrai da imaginação as qualidades inteligíveis do


objeto”[5].
2. Intelecto possível: é “[…] aquele que reúne essas qualidades inteligíveis gerando assim o
conceito, ou, a espécie expressa inteligível”[6].

Por conseguinte, “[…] o conceito é o meio no qual conhecemos o objeto, pois o conhecimento
do conceito só ocorre por reflexão sobre o próprio ato cognitivo”[7].

Conhecimento Humano de Deus

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Nosso conhecimento sobre Deus se dá por duas


formas distintas de verdade. Na primeira, os
filósofos ascendem das criaturas a Deus através da 5. CAMPOS, Sávio Laet de
Barros. As Provas da Existência
razão. O resultado é determinadas verdades sobre de Deus em Tomás de Aquino.
Deus. Na segunda, o caminho se inverte: devido P. 17-18. Disponível em:
http://filosofante.org/filosofant
certas verdades estarem além da nossa capacidade
e/not_arquivos/pdf/Provas_Exis
humana, a verdade se toma por revelada. Por isso os tencia_Deus_Tomas_de_Aquino
teólogos são os responsáveis por estudar as .pdf. Acesso em: 15 de
Fevereiro de 2014.
revelações de Deus. Devido a teologia conhecer a
partir de Deus para as criaturas (ao invés do filósofo, 6. CAMPOS, Sávio Laet de
Barros. As Provas da Existência
que parte das criaturas até Deus), Tomás de Aquino a
de Deus em Tomás de Aquino.
considera mais perfeita como doutrina e mais P. 18. Disponível em:
próxima da verdade. Portanto, não somente o http://filosofante.org/filosofant
e/not_arquivos/pdf/Provas_Exis
conhecimento natural sobre Deus é o ápice do tencia_Deus_Tomas_de_Aquino
conhecimento humano como também a .pdf. Acesso em: 15 de
tarefa/investigação filosófica tende a saber sobre Fevereiro de 2014.

Deus, tendo sua conclusão no fim último da filosofia 7. CAMPOS, Sávio Laet de


Deus e as suas verdades divinas, como objetos da Barros. As Provas da Existência
de Deus em Tomás de Aquino.
metafísica. Com relação a esses caminhos de saber P. 18. Disponível em:
(natural e de fé), eles não se contradizem. Primeiro http://filosofante.org/filosofant
e/not_arquivos/pdf/Provas_Exis
porque Deus dotou o ser humano de ter em si esses
tencia_Deus_Tomas_de_Aquino
dois. Segundo porque elas também existem em Deus .pdf. Acesso em: 15 de
como sabedoria (e coisas contrárias não podem Fevereiro de 2014.
existir nEle, pois isso atenta a sua qualidade de
perfeição). E a partir disso que Aquino toma como
certo a verdade natural (dos filósofos) concordar com a fé/religião cristã (dos teólogos).

Como a verdade revelada é, não sendo preciso demonstrá-la, sempre se partirá da posição de que
Deus existe (para que a revelação seja válida). Porém, não temos isso assegurado através de uma
verdade natural, onde partimos da criaturas e ascendemos a Ele. Por isso a importância em
provar a existência de Deus, pois qualquer conteúdo sobre ele, sem o respaldo de sua existência,
não terá validade. Segue-se que a prova da existência de Deus tem que ser feita dentro dos
limites do conhecimento sensitivo. Dele, apreenderemos os efeitos que Deus gera, sendo o
intelecto responsável por ruminar esses e, através da sua busca da natureza e universalidade,
gerar um conceito sobre Deus e suas qualidades.

Para que a proposição “Deus existe” seja provada, será necessário compreender o que é, para
Tomás de Aquino, evidência e demonstração. Evidência é

“[…] o que pode não ser visto. Um objeto evidente é de tal forma manifesto à
inteligência que esta não pode negá-la. Na evidência não há nada para se
demonstrar. A necessidade da demonstração nasce quando uma verdade não pode

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ser vista pela inteligência imediatamente. Ora, a manifestação de uma verdade


evidente é tão grande que não pode ser vista pela inteligência”[8].

A evidência de algo se dá por duas maneiras: em si


mesmo e não para nós e em si mesmo e para nós.
Em ambos os casos temos um sujeito e predicado, 8. CAMPOS, Sávio Laet de
Barros. As Provas da Existência
mas enquanto que para o primeiro é evidente por si de Deus em Tomás de Aquino.
(pois é instantaneamente entendido as definições P. 22. Disponível em:
http://filosofante.org/filosofant
desses elementos), para o segundo não (pois é
e/not_arquivos/pdf/Provas_Exis
preciso explicar/demonstrar algum elemento que tencia_Deus_Tomas_de_Aquino
não se apresenta auto evidente na proposição). A .pdf. Acesso em: 15 de
Fevereiro de 2014.
proposição “Deus existe” pertence a esse segundo
tipo de evidência, devendo ser demonstrada por
raciocínio. Demonstrar é “[…] esclarecer uma
verdade com outra verdade”[9]. E, para Aquino, São duas formas de demonstração: a primeira
começa da causa e termina no efeito, sendo que a segunda faz isso inversamente. Por fim, para
chegarmos a uma prova de que “Deus existe”, será necessário partir dos efeitos no mundo para
chegar na causa (que é Deus). Portanto, a outra forma de demonstração não é possível para nós,
pois tanto não conhecemos a causa como o elemento de existência (predicado de Deus ou o
sujeito Deus) não nos é evidente. Precisamos provar que a existência pertence a essência divina.

9. CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As Provas da Existência de Deus em Tomás de Aquino.


P. 23. Disponível em:
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_A
quino.pdf. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014.

Conclusão e Referências
A filosofia tomasiana é rica e vasta. E, nesse artigo, vislumbramos um pouco dela – mais
precisamente na prova da existência de Deus. As cinco vias, que tem por objetivo apresentar 5
provas relativamente distintas sobre a existência de Deus, são mais ricas do que a realização de
uma leitura direta delas poderia imaginar. Muitos são os pontos efetivamente demonstrados
entre as vias que fazem referência ao trecho da teoria do conhecimento desenvolvida por Tomás
de Aquino. Por fim, visando não somente apresentar as cinco vias, procurei complementá-las
através de um desenvolvimento minimamente necessário.

Referências

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11/08/2018 Tomás de Aquino e os argumentos para provar a existência de Deus (ou sobre as cinco vias)

CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As Provas da Existência de Deus em Tomás de Aquino.


Disponível
em:http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_Aqu
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_Aqu
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_Aqu
ino.pdf
ino.pdf.
ino.pdf Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014.

TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: Sua pessoa e sua obra. Trad. Luiz
Paulo Rouanet. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999. P. 174-176.

FARIA, Domingos. Deus existe? Cinco argumentos de Tomás de Aquino. Disponível


em:http://blog.domingosfaria.net/2013/01/deus-existe-cinco-argumentos-de-tomas.html
http://blog.domingosfaria.net/2013/01/deus-existe-cinco-argumentos-de-tomas.html
http://blog.domingosfaria.net/2013/01/deus-existe-cinco-argumentos-de-tomas.html.
http://blog.domingosfaria.net/2013/01/deus-existe-cinco-argumentos-de-tomas.html Acesso
em: 15 de Fevereiro de 2014.

MATTOS, Carlos Lopes de. Sto. Tomás de Aquino, Dante Alighieri (Os pensadores). Disponível
em http://copyfight.me/Acervo/livros/AQUINO,%20Tomas%20-%20Dante%20-
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%20Colec%CC%A7a%CC%83o%20Os%20Pensadores.pdf
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%20Colec%CC%A7a%CC%83o%20Os%20Pensadores.pdf Acesso em: 05 de Fevereiro de 2015.

NASCIMENTO, Rosemberg do Carmo; ROSA, Jhonatas Tadeu da Costa. A concepção de Deus


na filosofia medieval em São Tomás de Aquino, Santo Anselmo e Santo Agostinho. Disponível
em: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/02/08/a-concepcao-de-deus-na-
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filosofia-medieval-em-sao-tomas-de-aquino-santo-anselmo-e-santo-agostinho/
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_de_Aquino
_de_Aquino.
_de_Aquino Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014.

https://frankwcl.atavist.com/tomas-de-aquino-e-os-argumentos-para-provar-existencia-de-deus-ou-sobre-cinco-vias 12/12

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