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Cerrado:

Ecologia, Biodiversidade e Conservação


MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Cerrado:
Ecologia, Biodiversidade e Conservação
Organizadores
Aldicir Scariot
José Carlos Sousa-Silva
Jeanine M. Felfili

Brasília-DF
2005
Este livro foi editado e impresso com apoio da Diretoria de Conservação da
Biodiversidade Brasileira – DCBio e do Projeto de Conservação e de Utilização
Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIO.

VEDADA A COMERCIALIZAÇÃO

Revisão em língua portuguesa e preparo de originais:


Maria Beatriz Maury de Carvalho

Acompanhamento editorial e revisão final:


Cilulia Maury – PROBIO

Projeto gráfico e diagramação:


José Miguel dos Santos

ISBN 85-87166-81-6

CERRADO: Ecologia, Biodiversidade e Conservação/Aldicir Scariot,


José Carlos Sousa-Silva, Jeanine M. Felfili (Organizadores).
Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005

439 p:il

1. Cerrado. 2. Meio Ambiente. 3. Biodiversidade 4. Ecologia. 5.


Conservação I. Título.

Ministério do Meio Ambiente – MMA


Centro de Informação e Documentação Luis Eduardo Magalhães – CID Ambiental
Esplanada dos Ministério – Bloco B – térreo
70068-9000 – Brasília-DF
Tel.: 5561 - 4009-1235
Fax.: 5561 - 3224-5222
Email: cid@mma.gov.br
APRESENTAÇÃO

É com muita satisfação que apresento o livro Cerrado: Ecologia, Biodiversidade


e Conservação, uma formidável contribuição de 46 pesquisadores e revisores, todos
eles empenhados em desvendar as peculiaridades, belezas e a diversidade biológica
dos cerrados brasileiros.

Desde o início da minha gestão frente ao Ministério do Meio Ambiente, tenho


procurado abrir caminhos para que o Cerrado ocupe o lugar que merece entre os
biomas brasileiros, e deixe de ser visto apenas como uma região a ser ocupada pela
expansão agrícola e, simultaneamente, por uma ocupação urbana desordenada.

Assim, em 2004 o MMA lançou o Programa Nacional de Conservação e Uso


Sustentável do Bioma Cerrado – Programa Cerrado Sustentável, cujo objetivo geral
é promover condições para reverter o empobrecimento socioambiental deste bioma.

Esse Programa foi desenvolvido pelo Grupo de Trabalho do Bioma Cerrado


(GT Cerrado), instituído pela Portaria MMA nº 361, de 12 de setembro de 2003. Tais
iniciativas fortaleceram e sedimentaram também o Núcleo dos Biomas Cerrado e
Pantanal (NCP), vinculado à Secretaria de Biodiversidade e Florestais, criado em
1994, que tem como sua principal atribuição articular e propiciar a execução de
iniciativas voltadas para a conservação e o uso sustentável destes dois biomas tão
profundamente entrelaçados, junto aos projetos e programas em execução no
Ministério do Meio Ambiente, além de ser um ponto para interlocução com a sociedade
civil organizada.

Apoiar a publicação deste livro é acrescentar mais uma ação às anteriores,


uma oportunidade de disponibilizar informações preciosas nele contidas a todos
interessados, pesquisadores, estudantes, ao público em geral, o que muito me alegra.

Aproveito esta oportunidade para cumprimentar os autores e unir-me a eles


nas homenagens aos pioneiros professores George Eiten e James Alexander Ratter,
que tanto contribuíram para o conhecimento de vegetação do Cerrado, ao professor
Leopoldo Magno Coutinho e à professora Maria Lea Salgado Labouriau que, com
suas ousadas observações sobre o impacto do fogo muito acrescentaram, entre outras
contribuições relevantes, para a percepção do papel deste elemento na dinâmica
desse bioma.

Marina Silva
Ministra do Meio Ambiente

V
HOMENAGEADOS

Pela sua contribuição incomparável para a ecologia do Cerrado, os editores, os


autores e a equipe do Ministério do Meio Ambiente prestam homenagens a:

George Eiten
Nasceu em Morristown, EUA e é professor aposentado do Departamento de
Botânica da Universidade de Brasília – UnB. George Eiten é pesquisador em ecologia
vegetal, sendo bastante conhecido pelo seu artigo de 1972, “The cerrado vegetation
of Brazil”. Esse artigo conceitua termos ambientais e estruturais da vegetação do
Cerrado, suas comunidades, fatores influenciadores como o solo, fogo, clima, e
apresenta o primeiro modelo para explicar as diferenças fisionômicas observadas
entre as fitofisionomias do Cerrado. É autor de outros trabalhos clássicos que, no
seu todo, estão hoje entre os mais citados na literatura do bioma.

James Alexander Ratter


Ecólogo vegetal e pesquisador aposentado do Royal Botanic Garden Edinburgh,
da Escócia, trabalhou por mais de 35 anos com a vegetação do Cerrado. Em 1967,
ele foi um dos integrantes da expedição da Royal Botanical Society e Royal
Geographical Society na área nordeste de Mato Grosso. Em 1971, ele e a equipe
reconheceram as diferenças ecológicas entre cerradões e a floresta estacional, fazendo
as primeiras correlações com fatores edáficos determinantes e reconhecendo espécies
indicadoras. Seus estudos iniciaram as análises quantitativas da vegetação do bioma.
Recentemente, o professor Ratter tem analisado padrões fitogeográficos das
comunidades vegetais junto ao projeto Conservação e Manejo da Biodiversidade do
Bioma Cerrado CMBBC/DFID (Reino Unido), visando à definição de estratégias para
manejo e conservação da sua biodiversidade.

Leopoldo Magno Coutinho


Professor aposentado do Departamento de Ecologia da Universidade de São
Paulo-USP, onde ministrou vários cursos de graduação e pós-graduação, assim como
orientou várias teses de mestrado e doutorado. Ele foi o primeiro ecólogo a usar a
abordagem ecossistêmica no estudo do Cerrado, pesquisando a produtividade primária
e o ciclo de nutrientes. A partir de 1977, o professor Coutinho também dedicou
grande parte de seu tempo a estudos sobre o impacto do fogo na vegetação do
Cerrado. A grande variedade de trabalhos desenvolvidos pelo professor Coutinho
gerou discussão e estimulou várias questões abordadas na ecologia do Cerrado.

VII
Maria Lea Salgado Labouriau
É conhecida por ter criado as bases para a pesquisa paleoecológica no Brasil e,
particularmente, no Cerrado. É atualmente professora no Instituto de Geociências na
Universidade de Brasília-UnB. A partir de 1960 a professora Labouriau deu início ao
mais novo catálogo de polens preparado para o Cerrado, proporcionando assim o
rápido desenvolvimento das pesquisas paleocológicas nesse ambiente. As pesquisas
da professora Labouriau estão entre as primeiras a demonstrar que os períodos
secos ocorridos no Cerrado tiveram caráter mais amplo, atingindo toda a América
do Sul. Ela foi também uma das pioneiras no estudo do fogo ao longo da história da
vegetação do Cerrado. Atualmente, tem trabalhado no refinamento dos estudos das
modificações climáticas e vegetacionais no Cerrado, particularmente do fogo.

VIII
Autores e Revisores
Autores Revisão Técnica
Adriana Reatto – reatto@cpac.embrapa.br Adelmar Gomes Bandeira
Aldicir Scariot – scariot@cenargen.embrapa.br Amabilio José Aires de Camargo
Alexandre R. T. Palma – artpalma@unb.br Alexandre Francisco da Silva
Anderson C. Sevilha – Aldicir Scariot
sevilha@cenargen.embrapa.br Ary Teixeira de Oliveira Filho
Augusto César Franco – acfranco@unb.br Augusto César Franco
Bárbara F. D. Leão - barbaraleao@yahoo.com.br Carlos E. G. Pinheiro
Carlos César Ronquim – Carlos H. B. A. Prado
Carlos E. Pinheiro - cegp@unb.br Claudia Padovesi Fonseca
Carlos H. B. de Assis Prado - dchb@power.ufscar.br Christopher W. Fagg
Claudia Padovesi Fonseca - padovesi@unb.br Divino Brandão
Cleber J. R. Alho - alho@unb.br Edson Junqueira
Cristiane G. Batista – cristiane@mrs.com.br Edson Ryoiti Sujii
Éder de Souza Martins – eder@cpac.embrapa.br Eduardo Arcoverde de Mattos
Emerson M. Vieira - vieira@cirrus.unisinos.br Fabio Scarano
G. Wilson Fernandes – gwilson@icb.ufmg.br Glein Monteiro
Geraldo W. Fernandes - gwilson@icb.ufmg.br Guarino R. Colli
Guarino R. Colli - grcolli@unb.br Helena C. Morais
Helena C. Morais - morais@unb.br Hussan El Dine Zaher
Heloisa S. Miranda - hmiranda@unb.br Humberto Santos
Ivone Rezende Diniz – irdiniz@unb.br Ivan Schiavini
James Alexander Ratter - Jeanine Maria Felfili
s.bridgewater@rbge.org.uk João Augusto A. Meira Neto
Jean François Timmers – John D. Hay
florabrasil@sulbanet.com.br José Carlos Sousa Silva
Jeanine Maria Felfili - felfili@unb.br José Maria Cardoso da Silva
Jorge E. F. Werneck Lima – jorge@cpac.embrapa.br José Roberto R. Pinto
José Carlos Sousa Silva – jcarlos@cpac.embrapa.br José Roberto Pujol-Luz
José Felipe Ribeiro - felipe.ribeiro@embrapa.br Jucelino A. Azevedo
José Maria Cardoso – j.silva@conservation.org.br Keith S. Brown Jr.
Ludmila M. S. Aguiar – ludmilla@cpac.embrapa.br Leandro G. Oliveira
Luzitano B. Ferreira - luzitano@directnet.com.br Leopoldo M. Coutinho
Manoel Cláudio da Silva Júnior – mcsj@unb.br Ludmila M. S. Aguiar
Marcos Pérsio Dantas Santos - persio@ufpi.br Maria Lucia Meirelles
Margarete Naomi Sato - nsato@unb.br Miguel A. Marini
Maria Lea Salgado-Labouriau - mlea@unb.br Miguel Trefaut Rodrigues
Mariana Cristina Caloni Perón Mundayatan Haridassan
Miguel T. Urbano Rodrigues - mturadri@usp.br Nabil J. Eid
Mundayatan Haridasan - hari@unb.br Nilton Fiedler
Raimundo P. B. Henriques - henriq@unb.br Paulo César Motta
Reginaldo Constantino - constant@unb.br Paulo Eugenio A. M. de Oliveira
Reuber A. Brandão – reuberbrandao@yahoo.com.br Raimundo Paulo Barros Henriques
Ricardo B. Machado – Reginaldo Constantino
r.machado@conservation.org.br Ricardo B. Machado
Roberto Cavalcante - rbcav@unb.br Rosana Tidon
Rosana Tidon – rotidon@unb.br Silvio T. Spera
Denise F. Leite -nisefleite@hotmail.com Vânia R. Pivello
Samuel Bridgewater - s.bridgewater@rbge.org.uk Vitor Osmar Becker
Silmary J. Gonçalves-Alvim –
silmaryalvim@uol.com.br
Vânia R. Pivelo - vrpivel@ib.usp.br
William A. Hoffmann - william-hoffmann@ncsu.edu

IX
INTRODUÇÃO

O conhecimento das causas e conseqüências da destruição, fragmentação e


depauperamento dos habitats naturais é fundamental para a compreensão e
conservação de amostras funcionais representativas dos ecossistemas naturais e dos
recursos biológicos. Dentre os ecossistemas tropicais que sofrem com aceleradas
taxas de destruição destaca-se o Cerrado, esta vasta região do Brasil. Embora seja o
segundo bioma brasileiro em extensão, cobrindo quase um quarto do território
nacional, sua biodiversidade ainda é pouco conhecida, o que parece irônico, pois se
trata da mais rica e ameaçada savana tropical do planeta.

O conhecimento sobre o Cerrado vem sendo acumulado, porém o que é


conhecido e a capacidade em transformar o conhecimento em ações práticas tem
sido muito inferior à velocidade em que este bioma está desaparecendo. Diferente
de outros biomas brasileiros, como a Amazônia e a Floresta Atlântica, nem mesmo
a proporção de habitats naturais do Cerrado é conhecida. A paisagem natural do
Cerrado, manifestada em muitas fisionomias de vegetação que hospedam espécies
endêmicas, conhecimentos tradicionais, culturas particulares e cenários deslumbrantes
está rapidamente sendo transformada em monoculturas de soja e algodão e pastagens
para gado. A facilidade com que a vegetação pode ser removida, em comparação
àquelas de outros biomas, clima e solos propícios à agricultura e pecuária, juntamente
à falta de ordenamento na ocupação da paisagem e uso dos recursos naturais poderá
trazer conseqüências desastrosas. Não somente a biodiversidade será afetada em
sua composição, mas também os serviços advindos de ecossistemas, como a ciclagem
de nutrientes, a recarga dos aqüíferos e o fluxo das águas, dentre muitos outros,
comprometendo a qualidade de vida das populações e a sustentabilidade das
atividades econômicas e sociais da região.

Este livro está organizado em quatro seções principais: Determinantes Abióticos,


Comunidades de Plantas, Comunidades de Animais, e Conservação. Na primeira
seção são apresentados textos sobre solos, hidrologia, palinologia e as queimadas
no Cerrado. Na segunda seção, os textos tratam da biodiversidade, composição e
estrutura da vegetação, comparações ecológicas entre espécies e ecofisiologia de
plantas. Na terceira e maior seção, textos tratando da biodiversidade, distribuição,
biogeografia, caracterização da fauna do Cerrado e comparações entre áreas protegidas
e não protegidas são apresentados. Este volume é finalizado com a quarta seção,
composta de textos com perspectivas e desafios para a conservação e manejo dos
recursos naturais do Cerrado.

Esta publicação é uma amostra da capacidade dos pesquisadores, demonstrada


em suas pesquisas no Cerrado, baseada na perseverança e dedicação de muitos que
acreditam que é possível trilhar um caminho diferente daquele com base unicamente
na destruição dos ecossistemas naturais. A informação sobre os ecossistemas e
espécies do Cerrado ainda é necessária, assim como ações que efetivamente garantam

XI
amostras significativas e funcionais desse bioma às gerações futuras e um uso racional
dos recursos naturais existentes, com respeito às sociedades dessa região. É nosso
desejo e esperança que a informação aqui contida seja útil para a promoção da
pesquisa e formas mais sustentáveis de utilização dos recursos do bioma Cerrado.

Aldicir Scariot
José Carlos Sousa-Silva
Jeanine M. Felfili
(Organizadores)

14
XII
SUMÁRIO
Apresentação ......................................................................................... V
Homenageados ....................................................................................... VII
Autores e Revisores ................................................................................ IX
Introdução .............................................................................................. XI

Capítulo síntese ...................................................................................... 25

PARTE I – Determinantes abióticos


Capítulo 1. Classes de solo em relação aos controles da paisagem do
bioma Cerrado................................................................... 47
Capítulo 2. Estimativa da produção hídrica superficial do Cerrado
brasileiro. .......................................................................... 61
Capítulo 3. Influência da história, solo e fogo na distribuição e dinâmica
das fitofisionomias no bioma Cerrado. ............................... 73
Capítulo 4. Efeitos do fogo na vegetação lenhosa do Cerrado. .............. 93
Capítulo 5. Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos cerrados. .......... 107

PARTE II – Comunidades de plantas


Capítulo 6. Biodiversidade, estrutura e conservação de florestas
estacionais deciduais no Cerrado. ...................................... 121
Capítulo 7. Diversidade alfa e beta no cerrado strictu sensu, DF, GO, MG
e BA. ................................................................................. 141
Capítulo 8. Ecologia comparativa de espécies lenhosas de cerrado e de
mata.................................................................................. 155
Capítulo 9. Competição por nutrientes em espécies arbóreas do cerrado. 167
Capítulo 10. Biodiversidade de forma e função: implicações ecofisiológicas
das estratégias de utilização de água e luz em plantas lenhosas
do Cerrado. ....................................................................... 179
Capítulo 11. Balanço de carbono em duas espécies lenhosas de Cerrado
cultivadas sob irradiação solar plena e sombreadas. .......... 197

PARTE III – Comunidades de animais


Capítulo 12. A importância relativa dos processos biogeográficos na
formação da avifauna do Cerrado e de outros biomas
brasileiros. ........................................................................ 219
Capítulo 13. A biodiversidade dos cerrados: conhecimento atual e
perspectivas, com uma hipótese sobre o papel das matas
galerias na troca faunística durante ciclos climáticos. ......... 235
Capítulo 14. As origens e a diversificação da herpetofauna do Cerrado. . 247
Capítulo 15. Pequenos mamíferos de Cerrado: distribuição dos gêneros e
estrutura das comunidades nos diferentes habitats. ............ 265
Capítulo 16. Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado. .............. 283

15
Capítulo 17. Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito
Federal: implicações para a conservação. ........................... 295
Capítulo 18. Abundância e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera)
no cerrado de Brasília (DF) ................................................ 305
Capítulo 19. Padrões de diversidade e endemismo de térmitas no bioma
Cerrado. ............................................................................ 319
Capítulo 20. Drosofilídeos (Diptera, Insecta) do Cerrado. ....................... 335
Capítulo 21. A complexidade estrutural de bromélias e a diversidade de
artrópodes, em ambientes de campo rupestre e mata de galeria
no Cerrado do Brasil Central. ............................................. 353
PARTE IV – Conservação
Capítulo 22. Desafios para a conservação do cerrado face às atuais
tendências de uso e ocupação. ........................................... 367
Capítulo 23. Ocupação do bioma Cerrado e conservação da sua diversidade
vegetal. ............................................................................. 383
Capitulo 24. Manejo de fragmentos de Cerrado visando a conservação da
biodiversidade. .................................................................. 401
Capítulo 25. Caracterização dos ecossistemas aquáticos do Cerrado. 415
Capítulo 26. Perspectivas e desafios para conservar a biodiversidade do
Cerrado no século 21 ......................................................... 431

Lista de Figuras
PARTE I – Determinantes abióticos
Capítulo 1

Classes de solo em relação aos controles da paisagem do bioma Cerrado

Figura 1. Fatores de formação de solo e pedogênese ............................. 49


Figura 2. Índices pluviométricos do bioma Cerrado ............................... 55
Figura 3. Fluxograma de identificação dos controles da paisagem das 56
classes Neossolo Quartzarênico e Latossolos ..........................
Figura 4. Fluxograma de identificação dos controles da paisagem das 56
classes de solos com B textural e B incipiente .........................
Figura 5. Fluxograma de identificação dos controles da paisagem das 57
classes de solos sob ambiente de hidromorfismo ....................

Capítulo 2

Estimativa da produção hídrica superficial do Cerrado Brasileiro


Figura 1. Representação dos limites do Cerrado em relação às grandes 65
bacias hidrográficas do Brasil. ................................................
66
Figura 2. Distribuição espacial da precipitação média anual no Cerrado.
Figura 3. Estações utilizadas no trabalho, numeradas de 1 a 34, e suas
respectivas áreas de Cerrado, diferenciadas por cores, de acordo 67
com a bacia hidrográfica em que estão inseridas. ...................

16
Capítulo 3

Influência da história, solo e fogo na distribuição e dinâmica das


fitofisionomias no bioma Cerrado.
Figura 1. Distribuição geográfica do bioma do Cerrado no Brasil. As áreas
disjuntas nos outros biomas adjacentes são indicadas. ........... 77
Figura 2. Diagrama de bloco da distribuição das fisionomias de cerrado
sensu lato em relação à profundidade do solo na vertente de um
vale. 78
Figura 3. Distribuição dos valores de saturação de bases (%) e razão ki
nas áreas com cerrado sensu lato e florestas estacionais no Brasil
central. .................................................................................. 80
Figura 4. Ocorrência potencial das fisionomias de cerrado sensu lato em
função da profundidade e do conteúdo de água na superfície do
solo no fim da estação seca. Cc – capacidade de campo; Pm –
ponto de murchamento; CL – campo limpo; CS – campo sujo;
Css – cerrado sensu stricto; CD – cerradão. ............................ 82
Figura 5. Representação da hipótese de Lund (1835) do efeito do fogo na
evolução da vegetação no bioma dos cerrados. O fogo transforma
o cerradão em cerrado, que pela continuidade do fogo é
substituído pelo campo, que pode ser mantido pelo fogo
periódico. .............................................................................. 82
Figura 6. Esquema dos efeitos do fogo nos processos que determinam a
fisionomia aberta na vegetação dos cerrados. As setas mais
grossas indicam os principais processos. ................................ 84
Figura 7. Modelo conceitual de sucessão e regressão das fisionomias dos
cerrados, em função da profundidade do solo e do fogo no Brasil
central. .................................................................................. 87

Capítulo 5

Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos Cerrados


Figura 1. Cronologia das mudanças do clima durante os últimos 36 mil
anos. À esquerda, seqüência das mudanças nos altos Andes
tropicais. No centro, mudanças do clima em sete áreas de cerrado.
À direita, mudanças em duas áreas de mata dentro da região de
cerrados. Modificado de Salgado-Labouriau (1997). ............... 113

Parte II - Comunidades de plantas

Capítulo 6

Biodiversidade, estrutura e conservação de florestas estacionais deciduais


no Cerrado.
Figura 1. Localização geográfica da bacia do rio Paranã (GO e TO) e
distribuição das Florestas Estacionais Deciduais no Brasil (IBGE
1983) e suas respectivas classes de solos de ocorrência
(EMBRAPA 1981) na escala de 1:5.000.000, segundo o novo
Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA 1999). 125

17
Figura 2. Classificação pelo método de TWINSPAN de 11 fragmentos de
Floresta Estacional Decidual Submontana intactos (i) e explorados
(e) em áreas de planaltos (p) e afloramentos calcários (ac) no
município de São Domingos, Vale do Paranã (GO), em áreas
amostradas nas fazendas São Domingos (SD), Flor do Ermo (FE),
Traçadal (FT), Olho d’Àgua (OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do
Sul (CS), São Vicente (SV), Canadá (FC) e São José (SJ). ....... 133

Capítulo 7

Diversidade alfa e beta no cerrado sentido restrito, Distrito Federal, Goiás,


Minas Gerais e Bahia
Figura 1. Principais Unidades Fisiográficas do Brasil Central estudadas . 144
Figura 2. Locais de estudo em destaque nos Sistemas de terra nas Unidades
Fisiográficas estudadas. ......................................................... 145
Figura 3. Diversidade beta expressa pelo posicionamento das 15 áreas de
cerrado sensu stricto nos eixos de ordenação pelo método 151
DECORANA. ..........................................................................

Capítulo 8

Ecologia comparativa de espécies lenhosas de cerrado e de matas. 159


Figura 1. Comparação da resposta ao fogo de espécies de mata e de cerrado
Figura 2. Comparação da espessura da casca de dez pares de espécies de 160
cerrado e mata de galeria. ......................................................
Figura 3. A) Razão raiz/parte aérea de espécies de cerrado e de mata. B)
Alturas de plântulas de espécies de cerrado e de mata C) Razão
de área foliar (área foliar por unidade de peso total da planta) de 161
espécies de cerrado e de mata. ...............................................

Capítulo 9

Competição por nutrientes em espécies arbóreas do cerrado


Figura 1. Relação entre a biomassa e o número de árvores das 35 espécies
em um cerrado em Latossolo Vermelho no Distrito Federal (Silva, 174
1990). ....................................................................................
Figura 2. Compartilhamento da biomassa aérea entre as 35 espécies
arbóreas em um cerrado em Latossolo Vermelho no distrito 174
Federal (Silva, 1990) ..............................................................
Figura 3. Densidade relativa das 35 espécies arbóreas em um cerrado em 175
Latossolo Vermelho no Distrito Federal (Silva, 1990) ..............
Figura 4. Relação entre a concentração foliar de nutrientes e o número de
árvores das 35 espécies em um cerrado em Latossolo Vermelho 176
no Distrito Federal (Silva, 1990). ............................................

Capítulo 10

Biodiversidade de forma e função: implicações ecofisiológicas das


estratégias de utilização de água e luz em plantas lenhosas do
Cerrado.

18
Figura 1. Variações sazonais na porcentagem de folhas em ramos de 10
indivíduos de Caryocar brasiliense (A) e Myrsine guianensis (B)
em uma área de cerrado sensu stricto da Reserva Ecológica do
IBGE, Brasília, DF. ................................................................. 187
Figura 2. Variação da taxa de assimilação líquida de CO2 em função da
densidade de fluxo de fótons na faixa fotossinteticamente ativa
(DFF) em folhas de Blepharocalyx salicifolius (3 folhas) e
Sclerolobium paniculatum (2 folhas) em condições naturais em
um cerrado da Fazenda Água Limpa, Brasília, DF. .................. 189
Figura 3. Eficiência fotossintética em resposta a variações na densidade
de fluxo de fótons na faixa fotossinteticamente ativa (DFF) de
folhas de indivíduos jovens de Qualea grandiflora em uma área
de campo sujo e de cerradão na Fazenda Água Limpa, Brasília,
DF. ........................................................................................ 191

Capítulo 11

Balanço de carbono em duas espécies lenhosas jovens de Cerrado


cultivadas sob irradiação solar plena e sombreadas
Figura 1. Curso diário do fluxo de fótons fotossinteticamente ativos (FFFA)
nos locais onde as plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha foram cultivadas. ................................. 202
Figura 2. Fotossíntese líquida (A) expressa em área (μmol m-2 s-1) em
função do fluxo de fótons fotossinteticamente ativos (FFFA) em
folíolos totalmente expandidos de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura
(DAS), cultivadas sob sol. ...................................................... 206
Figura 3. Fotossíntese líquida (A) expressa em massa (μmol kg-1 s-1) em
função do fluxo de fótons fotossinteticamente ativos (FFFA) em
folíolos totalmente expandidos de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura
(DAS), cultivadas sob sol ....................................................... 206
Figura 4. Valores médios (colunas) e desvio padrão (linhas acima das
colunas) da área foliar total, massa específica foliar (MEF), razão
da área foliar (RAF) e número de folíolos das espécies lenhosas
jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha aos 240
e 360 dias após a semeadura (DAS), cultivadas sob sombra e
sob pleno sol ......................................................................... 208
Figura 5. Valores médios e desvio padrão da massa seca total, altura,
diâmetro do caule e razão da massa seca raiz/parte aérea das
espécies lenhosas jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura (DAS),
cultivadas sob sombra e sob pleno sol. .................................. 209
Figura 6 Fotossíntese líquida expressa em área (μmol m-2 s-1) em função
da concentração de CO 2 atmosférico em folíolos totalmente
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura
(DAS), cultivadas sob pleno sol e sob sombra. ....................... 210
Figura 7. Fotossíntese líquida expressa em massa (μmol kg-1 s-1) em função
da concentração de CO 2 atmosférico em folíolos totalmente
19
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura (DAS),
cultivadas sob sol e sob sombra. ............................................ 210
-2 -1
Figura 8. Fotossíntese líquida expressa em área (μmol m s ) em função
da concentração interna de CO 2 (Ci) em folíolos totalmente
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias após a semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno sol e sob sombra. .................................. 212

PARTE III – Comunidades de animais


Capítulo 12

A importância relativa dos processos biogeográficos na formação da


avifauna do Cerrado e de outros biomas brasileiros
Figura 1. O bioma do Cerrado no contexto da América do Sul. Note a
posição central do Cerrado no continente ............................... 222
Figura 2. Localidades de amostragem de aves no Cerrado: (a) todas as
localidades e (b) somente as localidades consideradas como
“minimamente amostradas” (modificado a partir de Silva 1995c). 226
Figura 3. Curvas de descobrimento de espécies de aves dependentes,
semidependentes e independentes de floresta no bioma do
Cerrado (curvas geradas a partir do apêndice 1 de Silva, 1995b,
com informações novas apresentadas neste capítulo). ............ 227
Figura 4. A contribuição relativa da produção de espécies (especiação intra-
regional) e intercâmbio biótico (colonização de uma região por
espécies de biomas adjacentes) na diversidade regional de aves
em cinco grandes biomas brasileiros: Amazônia, Floresta
Atlântica, Cerrado, Caatinga e Pantanal. ................................. 230

Capítulo 13

A biodiversidade dos Cerrados: conhecimento atual e perspectivas, com


uma hipótese sobre o papel das matas galerias na troca faunística durante
ciclos climáticos.
Figura 1: Esquema hipotético para explicar o possível papel assimétrico
desempenhado pelas matas de galeria no enriquecimento
faunístico de áreas florestadas durante ciclos climáticos. ........ 243

Capítulo 14

As origens e a diversificação da herpetofauna do Cerrado


Figura 1. Cladograma de áreas, obtido através de Análise de Parsimônia
de Endemismos de 213 espécies de lagartos em 32 localidades
neotropicais ........................................................................... 258

Capítulo 15

Pequenos mamíferos de Cerrado: distribuição dos gêneros e estrutura


das comunidades nos diferentes habitats.

20
Figura 1. Mapa do Brasil central com a localização das áreas amostradas. 269
Figura 2. Número de gêneros e espécies de pequenos mamíferos capturados
em sítios na região do Cerrado. .............................................. 272
Figura 3. Abundância relativa média dos gêneros de pequenos mamíferos
em função da freqüência de ocorrência. ................................. 272
Figura 4. Relação entre cada tipo de habitat e a média dos índices de
riqueza. ................................................................................. 273
Figura 5. Resultados da Análise de Correspondência Não-tendenciada
(DCA) para os sítios amostrados. ........................................... 273

Capítulo 16

Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado


Figura 1. Influência da riqueza de espécies de Leguminosae, do conteúdo
de nutrientes (MO, P, K, Mg e Fe) e da capacidade total de troca
de catíons (CTC) do solo sobre a riqueza de insetos galhadores
(índices de correlação de PearsonP e SpearmanS). ................... 289
Capítulo 17

Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito Federal:


implicações para a conservação
Figura 1. Dendrogramas baseados na similaridade da fauna de borboletas
em seis áreas de conservação (PNB, EEAE, EEJB, IBGE, FAL e
RCO) e em três áreas “não protegidas” do Distrito Federal. ..... 300

Capítulo 18

Abundância e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera) no cerrado


de Brasília (DF)
Figura 1. Porcentagem de espécies de Lepidoptera (n = 302) monófagas
(uma espécie de planta), oligófagas (um gênero ou uma família)
e polífagas (mais de uma família) no cerrado do Distrito Federal. 312
Figura 2. Porcentagem de espécies polífagas em diferentes famílias de
Lepidoptera, em cerrado sensu stricto do Distrito Federal. ....... 314

Capítulo 19

Padrões de diversidade e endemismo de térmitas no bioma Cerrado


Figura 1. Distribuição do esforço de inventário de cupins no Cerrado e
algumas savanas amazônicas. ................................................ 324
Figura 2. Composição taxonômica da fauna de cupins de cinco áreas de
cerrado. ................................................................................. 328
Figura 3. Composição de grupos funcionais na fauna de cupins de cinco
áreas de cerrado. ................................................................... 328
Figura 4. Dois padrões comuns de distribuição geográfica de espécies de
cupins no Cerrado. ................................................................ 330

21
Capítulo 21

A complexidade estrutural de bromélias e a diversidade de artrópodes,


em ambientes de campo rupestre e mata de galeria no Cerrado do Brasil
Central
Figura 1. Localização da área de estudo (Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros) no estado de Goiás, Brasil. .................................... 357
Figura 2. Número cumulativo de espécies de artrópodos em função do
número de bromélias examinadas na área de campo rupestre do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). .................. 359
Figura 3. Número cumulativo de espécies de artrópodos em função do
número de bromélias examinadas na área de mata de galeria do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). .................. 360
Figura 4. Análise discriminante canônica realizada com as medidas
morfométricas de quatro espécies de bromélias nas áreas de
campo rupestre e mata de galeria do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros (GO). ............................................................... 361
Figura 5. Relação entre a abundância de indivíduos (Log) e o diâmetro do
copo das bromélias nas áreas de amostragem do Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros (GO). ............................................ 361

Capítulo 23

Ocupação do bioma Cerrado e conservação da sua diversidade vegetal


Figura 1. Estimativa de ocupação do Cerrado em 1996 (Sano et al., 2001) 386
Figura 2. Evolução da produção de grãos em toneladas na área do domínio
do bioma Cerrado. Fonte: Embrapa Cerrados - Palestra
Institucional ........................................................................... 391

PARTE IV – Conservação
Capítulo 25

Caracterização dos ecossistemas aquáticos do Cerrado


Figura 1. Esquema geral do gradiente longitudinal de zonas úmidas do
bioma Cerrado ....................................................................... 422

Lista de Tabelas
PARTE I – Determinantes Abióticos
Capítulo 1

Classes de solo em relação aos controles da paisagem do bioma Cerrado


Tabela 1. Relações entre cor do solo associado às classes de solo e os
controles geológicos, geomorfológicos, climático, hídricos, e
fitofisionômicos da paisagem. ................................................. 58

22
Capítulo 2

Estimativa da produção hídrica superficial do Cerrado Brasileiro


Tabela 1. Análise dos dados hidrométricos das estações sob influência do
bioma Cerrado. ...................................................................... 68
Tabela 2. Estimativa da vazão gerada na região de Cerrado sem cobertura
das estações fluviométricas utilizadas. ................................... 69
Tabela 3. Produção hídrica do Cerrado por bacia hidrográfica. .............. 69

Capítulo 5
Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos Cerrados
Tabela 1. Distribuição dos gêneros das famílias mais freqüentes de
Angiospermas na região dos cerrados. Baseada na lista dada por
Mendonça et al. (1998) .......................................................... 111

Parte II - Comunidades de plantas


Capítulo 6
Biodiversidade, estrutura e conservação de florestas estacionais deciduais
no Cerrado.
Tabela 1. Distribuição do volume de precipitação e da temperatura média
por Estado de ocorrência das Florestas Estacionais Deciduais no
Brasil. .................................................................................... 126
Tabela 2. Estrutura da comunidade de árvores de Floresta Estacional
Decidual Submontana de fragmentos intactos (i) e explorados
(e) em planaltos (p) e afloramentos calcários (ac) no município
de São Domingos, Vale do Paranã (GO), em áreas amostradas
nas fazendas São Domingos (SD), Flor do Ermo (FE), Traçadal
(FT), Olho d’Água (OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do Sul (CS),
São Vicente (SV), Canadá (FC) e São José (SJ). ...................... 131
Tabela 3. Rol e posição das 10 espécies arbóreas mais importantes em
valor de importância (VI) amostradas em fragmentos de Floresta
Estacional Decidual Submontana, São Domingos, Vale do Paranã,
GO, em áreas amostradas nas fazendas São Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traçadal (FT), Olho d’Água (OA), Manguinha
(FM), Cruzeiro do Sul (CS), São Vicente (SV), Canadá (FC) e
São José (SJ). ........................................................................ 132

Capítulo 7
Diversidade alfa e beta no cerrado sentido restrito, Distrito Federal, Goiás,
Minas Gerais e Bahia
Tabela 1. Latitude, longitude, altitude (m) e precipitação média anual (mm)
nos locais de estudo no Brasil Central. ................................... 146
Tabela 2. Riqueza de espécies e diversidade alfa da flora lenhosa do cerrado
sensu stricto, incluindo plantas a partir de 5cm de diâmetro a
0.30m do nível do solo, em 15 locais de estudo, inclusos em três
Unidades Fisiográficas. .......................................................... 149

23
Tabela 3. Similaridade da flora lenhosa do cerrado sensu stricto, em plantas
a partir de 5cm de diâmetro a 0,30m do nível do solo, em 15
locais inclusos em três Unidades Fisiográficas Espigão Mestre
do São Francisco, Chapada dos Veadeiros e Chapada Pratinha
no Brasil Central. ................................................................... 150

Capítulo 9
Competição por nutrientes em espécies arbóreas do cerrado
Tabela 1. Disponibilidade de nutrientes em um Latossolo Vermelho
(Fazenda Água Limpa, DF) e um Neossolo Quartzarênico (Parque
Nacional Grande Sertão Veredas, MG) sob vegetação nativa de
cerrado (sentido restrito). ...................................................... 171
Tabela 2. Concentrações foliares de nutrientes em espécies arbóreas de
um cerrado (sentido restrito) em Latossolo Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990). ............................................................. 173

Capítulo 11

Balanço de carbono em duas espécies lenhosas jovens de Cerrado


cultivadas sob irradiação solar plena e sombreadas
Tabela 1. Características químicas do solo utilizado para o crescimento
das espécies jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
chrysotricha. .......................................................................... 201
Tabela 2. Valores máximos ± erro padrão da fotossíntese expressa em
área ....................................................................................... 207
Tabela 3. Valores máximos ± erro padrão da fotossíntese líquida em função
da concentração de CO2 expressa em área ............................... 209

PARTE III – Comunidades de animais


Capítulo 12

A importância relativa dos processos biogeográficos na formação da


avifauna do Cerrado e de outros biomas brasileiros
Tabela 1. Novas espécies de aves registradas para o bioma Cerrado após a
publicação de Silva (1995b). .................................................. 224

Capítulo 14

As origens e a diversificação da herpetofauna do Cerrado


Tabela 1 - Matriz utilizada na análise de parsimônia de endemismos
baseada na distribuição de 213 espécies de lagartos em 32
localidades neotropicais ......................................................... 255

24
Capítulo 15

Pequenos mamíferos de Cerrado: distribuição dos gêneros e estrutura


das comunidades nos diferentes habitats.
Tabela 1. Gêneros de pequenos mamíferos encontrados nos estudos
realizados em Cerrado. .......................................................... 271

Capítulo 16
Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado
Tabela 1. Distribuição do número de espécies de insetos galhadores e de
espécies vegetais (total e com galhas) nas famílias de plantas
predominantes no cerradão, cerrado sensu stricto, campo sujo e
canga, no sudeste do Brasil. ................................................... 287
Tabela 2. Matriz de similaridade florística (índice de Sorensen) entre as
fisionomias de vegetação amostradas, no sudeste do Brasil. ... 288

Capítulo 17
Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito Federal:
implicações para a conservação
Tabela 1. As principais unidades de conservação do Distrito Federal. .... 297
Tabela 2. Número de espécies em vários taxa de borboletas encontradas
nos parques, reservas e outras localidades “não protegidas” do
Distrito Federal. ..................................................................... 299

Capítulo 18
Abundância e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera) no cerrado
de Brasília (DF)
Tabela 1. Exemplos de espécies de Lepidoptera com local tipo na região
dos Cerrados brasileiros (Heppner, 1984, 1995; Thöny, 1997). 310
Tabela 2. Exemplos de espécies e gêneros reconhecidamente novos na
fauna de lagartas folívoras considerada neste trabalho (V. O.
Becker, com. pes.) e suas plantas hospedeiras. ....................... 310
Tabela 3. Famílias de Lepidoptera com o número total de espécies, espécies
representadas por apenas um adulto, espécies raras (2 a 10
adultos), espécies comuns (mais de 10 adultos) e o número de
espécies polífagas entre as raras e as comuns. ........................ 311
Tabela 4. Exemplos de lagartas polífagas em plantas do cerrado de Brasília
e suas amplitudes de dieta. .................................................... 314
Tabela 5. Exemplos de lagartas comuns e monófagas e suas plantas
hospedeiras no cerrado da Fazenda Água Limpa, DF. ............. 314

Capítulo 19
Padrões de diversidade e endemismo de térmitas no bioma Cerrado
Tabela 1. Térmitas registrados em vegetação de cerrado e fauna conhecida
de algumas regiões ou localidades.......................................... 325

25
Capítulo 20
Drosofilídeos (Diptera, Insecta) do Cerrado
Tabela 1. Relação das espécies de drosofilídeos registradas no Bioma
Cerrado ................................................................................. 339

Capítulo 21

A complexidade estrutural de bromélias e a diversidade de artrópodes,


em ambientes de campo rupestre e mata de galeria no Cerrado do Brasil
Central
Tabela 1. Relação das morfoespécies de artrópodes com número de
indivíduos encontrados nas bromélias de campo rupestre e mata
de galeria do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). 358

PARTE IV – Conservação
Capítulo 23

Ocupação do bioma Cerrado e conservação da sua diversidade vegetal


Tabela 1. Espécies lenhosas presentes em mais de 50% dos 376
levantamentos comparados [Os valores em parênteses são das
porcentagens encontradas respectivamente em levantamentos
anteriores Ratter and Dargie (1992) e Ratter et al. (1996)] .... 390
Tabela 2. Transformações na pesquisa, educação e nas políticas públicas
propostas para mudar o entendimento sobre o valor ambiental
do bioma Cerrado ................................................................ 395

Capítulo 25

Caracterização dos ecossistemas aquáticos do Cerrado


Tabela 1. Riqueza estimada (ordem de grandeza) de espécies da biota
aquática do Cerrado. .............................................................. 424

26
Capítulo Síntese

Biodiversidade, FOTO: GUARINO COLLI

ecologia e Jeanine Maria Felfili


Departamento de Engenharia Florestal

conservação do Universidade de Brasília - Brasília, DF


José Carlos Sousa-Silva
Embrapa Cerrados - Planaltina, DF

Cerrado: avanços Departamento de Engenharia Florestal - UnB


Aldicir Scariot
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

no conhecimento. Programa das Nações Unidas para o


Desenvolvimento (PNUD) - Brasília, DF

25
26
DIVERSIDADE SOB AMEAÇA
Dentro de um mesmo bioma (Allaby, 1992), os padrões fitogeográficos estão,
em geral, vinculados a determinantes físicos como solo, relevo e topografia, que no
caso do Brasil Central foram sobrepostos em um zoneamento publicado por Cochrane
et al. (1985). Estes identificaram um total de 70 sistemas de terra em 25 Unidades
Fisiográficas. Um sistema de terras é uma área, ou grupo de áreas, no qual existe um
padrão recorrente de clima, paisagem e solos, ou seja, no bioma Cerrado existe uma
diversidade de paisagens, tanto constituída por diferentes fisionomias de vegetação
vinculadas a fatores físicos e fisiográficos, como por um mesmo tipo de vegetação
com distintos padrões de composição florística também relacionadas às condições
do meio (Felfili & Silva Júnior, nesta publicação), sugerindo a necessidade de
estratégias de manejo e conservação que considerem os padrões recorrentes de
paisagens disjuntas ao longo do extenso bioma, que se distribui por mais de 20
graus de latitude.

Esta diversidade de paisagens determina uma grande diversidade florística,


que coloca a flora do bioma Cerrado como a mais rica entre as savanas do mundo,
com 6.429 espécies já catalogadas (Mendonça et al. 1998). A biota, com grande
percentual de endemismo na flora, com valores estimados por Silva & Bates (2002),
da magnitude de 44% para plantas vasculares, 30% para anfíbios, 20% para répteis,
12% para mamíferos e 1,4% para aves, é resultante de uma longa e dinâmica história
evolutiva conforme sugerem Silva & Santos (nesta publicação).

As interfaces com outros biomas são particularmente importantes no Cerrado,


pois este se limita com todos os demais biomas de terras baixas da América do Sul
conforme salientado por Silva & Santos (nesta publicação), ressaltando-se os ambientes
contrastantes como as interfaces entre Cerrado e Caatinga e aquelas entre Cerrado e
Florestas Tropicais úmidas.

27
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

O Cerrado contém as três maiores bacias hidrográficas sul-americanas. Do


ponto de vista hidrológico, por compreender zonas de planalto, a região possui
diversas nascentes de rios e, conseqüentemente, importantes áreas de recarga hídrica,
que contribuem para grande parte das bacias hidrográficas brasileiras (Lima & Silva,
nesta publicação). Seis das oito grandes bacias hidrográficas brasileiras têm nascentes
na região: a bacia Amazônica (rios Xingu, Madeira e Trombetas), a bacia do Tocantins
(rios Araguaia e Tocantins), a bacia Atlântico Norte/Nordeste (rios Parnaíba e
Itapecuru), a bacia do São Francisco (rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas,
Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande), a bacia Atlântico Leste
(Rios Pardo e Jequitinhonha) e a bacia dos Rios Paraná/Paraguai (rios Paranaíba,
Grande, Sucuriú, Verde, Pardo, Cuiabá, São Lourenço, Taquari, Aquidauana). Com
relação à importância relativa do Cerrado no sistema hídrico, este abrange 78% da
área da bacia do Araguaia-Tocantins, 47% do São Francisco e 48% do Paraná/
Paraguai. A região contribui com 71% da produção hídrica na bacia do Araguaia/
Tocantins, 94% no São Francisco e 71% no Paraná/Paraguai (Lima & Silva nesta
publicação). O Cerrado, com 24% do território nacional, contribui com 14% da
produção hídrica superficial brasileira, mas, quando se exclui a bacia Amazônica da
análise, verifica-se que o Cerrado passa a representar 40% da área e 43% da produção
hídrica total do restante do país. É de primordial importância, a contribuição hídrica
superficial do Cerrado para o Nordeste do Brasil, região freqüentemente assolada
por secas. No entanto, as áreas de recarga dos aqüíferos estão sendo desmatadas,
convertidas em áreas para pastagens e cultivos agrícolas, impermeabilizadas por
conglomerados urbanos e sendo utilizadas como fontes para sistemas de irrigação,
instalados sem o adequado planejamento.

Por estas razões, inclusive, o Cerrado foi identificado como um dos mais ricos
e ameaçados ecossistemas mundiais, um “hot spot” da biodiversidade (Mittermeier
et al. 1999). Alho (nesta publicação) explica que o conceito de “hot spot” se apóia
em duas bases, endemismo e ameaça: as espécies endêmicas são mais restritas em
distribuição, mais especializadas e mais susceptíveis à extinção em face das mudanças
ambientais provocadas pelo homem, em comparação com as espécies que têm
distribuição geográfica ampla. O endemismo de plantas é escolhido como o primeiro
critério para definir um “hot spot”, pois estas dão suporte a outras formas de vida.
O grau de ameaça é a segunda base do conceito de “hot spot” e é, fortemente,
definido pela extensão de ambiente natural perdido, isto é, quando a área perdeu
pelo menos 70% de sua cobertura original, onde se abrigavam espécies endêmicas.
Nesse mesmo estudo, é sugerido que dos 1.783.200 km2 originais do Cerrado, restam
intactos somente 356.630 km2, ou apenas 20% do bioma original, justificando a
caracterização desse bioma como “hot spot”.

DETERMINANTES E PROCESSOS
Os principais fatores considerados responsáveis pelos padrões e processos
das comunidades de savanas são estacionalidade climática, disponibilidade hídrica,
características edáficas como profundidade, textura e disponibilidade de nutrientes
no solo, fogo e herbivoria. No Cerrado, o papel da herbivoria tem sido minimizado
pela ausência de grandes populações de herbívoros de grande porte, apesar da

28
Avanços no conhecimento

intensa herbivoria por insetos. Henriques (nesta publicação) enfatiza também eventos
históricos, dentre os determinantes do Cerrado. Este autor sugere que parte das
diferenças observadas entre as fitofisionomias no Cerrado sensu lato pode ser explicada
pela profundidade e umidade do solo. Devido à capacidade da matéria orgânica em
reter nutrientes, os solos das fisionomias com maior cobertura vegetal (cerrado e
cerradão) tornam-se mais férteis do que aqueles com menor cobertura (Campo limpo
e Campo sujo) , ou seja, a dinâmica da vegetação assegura a sua manutenção.

A antiga hipótese de que a vegetação do Cerrado é uma formação vegetal


secundária resultante do corte e queima das florestas pelo homem ainda não foi
comprovada (Salgado – Labouriau – nesta publicação). Pois, o registro palinológico
mostra que o Cerrado é uma vegetação resiliente, que tem sido queimada
freqüentemente por, pelo menos, 40.000 anos, enquanto os indígenas, responsáveis
por queimadas, estabeleceram-se no Cerrado há cerca de 10.000 anos. Conforme a
autora, entre 28.000 e 20.000 AP, durante o último máximo glacial, o Cerrado era
frio e úmido com a presença de pólen de espécies do gênero Byrsonima, Neea e das
Leguminosae Andira, Cassia, Stryphnodendron. Pólen de espécies das famílias
Combretaceae, Gramineae, Melastomataceae, Myrtaceae e Palmae também coexistiram
na região. Além de espécies de Cerrado encontravam-se também pólen de plantas
arbóreas típicas de formações florestais dos gêneros Rapanea, Hedyosmum, Ilex,
Celtis, Salacia, Symplocos, Podocarpus, de espécies de Cunoniaceae e Moraceae.
Depois de 5.000 AP, lagos, pântanos e veredas começam a se formar nos cerrados do
Brasil Central e o clima passou para semi-úmido com uma estação seca prolongada
de três a cinco meses, conforme a localidade.

A estacionalidade do clima tem sido considerada como determinante das


fisionomias savânicas do bioma Cerrado, assim como exerce grande influência sobre
as Florestas Estacionais Deciduais e Semideciduais. Já o lençol freático, próximo à
superfície do solo compensa os efeitos da estacionalidade para as Matas de Galeria
permitindo a ocorrência de floresta tropical com vinculações florísticas às demais
formações tropicais úmidas brasileiras.

O clima do Cerrado apresenta duas estações bem definidas, uma seca, que tem
início no mês de maio, terminando no mês de setembro, e outra chuvosa, que vai de
outubro a abril, com precipitação média anual variando de 600 a 2.000 mm, com a
ocorrência freqüente de veranicos, períodos sem chuva, na estação chuvosa desta
região (Assad, 1994). A diversidade fisionômica das formações vegetais resulta em
uma exploração diferenciada da água disponível ao longo do perfil do solo e as
variações em altura, tamanho de copas, densidade de gramíneas. Outras características
proporcionam gradientes luminosos distintos tanto no transcurso da paisagem
e como ao longo da estrutura vertical da vegetação, resultando em diferenças
acentuadas no nível de sombreamento a que uma planta pode estar exposta
no decorrer de seu desenvolvimento. Além disso, a estação das chuvas
caracteriza-se por uma alta nebulosidade o que reduz consideravelmente a
intensidade luminosa e, provavelmente, afetando o balanço de carbono das folhas,
mesmo em ambientes expostos, conforme citado por Franco (nesta
publicação). Conforme este autor, espera-se que plantas lenhosas do

29
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

Cerrado possuam uma variedade de estratégias de utilização de água e luz, com


efeitos marcantes da sazonalidade no balanço de carbono de espécies com diferentes
fenologias. Plantas lenhosas do Cerrado apresentam taxas, relativamente, altas de
assimilação máxima de CO 2, entretanto, o investimento maciço em estruturas
subterrâneas representa um dreno importante dos produtos fotossintéticos que poderia
ser investido em crescimento da parte aérea (Franco, nesta publicação).

Alterações no metabolismo do carbono, na utilização da irradiação e na alocação


de biomassa para os compartimentos da planta, certamente, ajustaram a capacidade
de assimilação com as demandas de carbono, mantendo o crescimento de Cybistax
antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha, estudadas por Prado et al. (nesta publicação),
sob taxas menores na condição de sombra. Os resultados demonstraram a capacidade
de aclimatação de longo prazo à reduzida irradiação incidente em diferentes níveis
de organização da planta, explicando, ao menos em parte, a ampla distribuição
destas duas espécies nas diversas fisionomias do Cerrado.

O efeito da luz na germinação, crescimento e desenvolvimento de espécies nas


formações florestais, inclusive nas Matas de Galeria, já é bastante entendido com a
possibilidade de separação das espécies em grupos funcionais relativos à tolerância
ao sombreamento (Felfili & Abreu 1999; Felfili et al. 2001). Nos ambientes savânicos
de Cerrado, que se caracterizam por um estrato herbáceo contínuo, entrecortado por
um estrato arbóreo de densidade variável verifica-se também um gradiente lumínico
ao longo dos estágios de desenvolvimento das plantas. O nível de sombreamento a
que uma planta lenhosa no Cerrado estará exposta vai variar em função do seu
tamanho e da estrutura da vegetação, ou seja, na fase inicial de crescimento quando
germina sob a camada graminosa, uma planta estará sujeita a níveis de sombreamento
muito superiores àqueles que encontrará na sua fase adulta, depreendendo-se que,
mesmo em ambientes savânicos no Cerrado o sombreamento pode ser um fator
limitante no estabelecimento e desenvolvimento das plantas.

A maior sensibilidade ao fogo das espécies florestais sugere que esse fator tem
sido importante em limitar a distribuição atual de florestas (principalmente, Cerradão)
no bioma Cerrado. Hoffmann (nesta publicação) com base em experimentos em
viveiro com espécies congêneres de Cerrado e Mata de Galeria constatou essa diferença
na sensibilidade ao fogo e sugeriu que esta tem um importante papel na dinâmica do
ecótono Cerrado-Mata. Apesar das florestas serem menos inflamáveis do que Cerrado,
o fogo ocasionalmente penetra nelas, causando grandes danos devido à baixa
tolerância de espécies florestais ao fogo (Felfili 1997).

As diferenças em repartição de biomassa entre espécies florestais, que investem


mais em parte aérea e em espécies de Cerrado com comportamento contrário,
corroboram os resultados encontrados por Paulilo & Felippe (1998), Moreira & Klink
(2000) e Felfili et al. (2001). A consistência dessas características dentre as espécies
em cada ambiente indica evolução convergente, que é uma forte evidência de que
essas características são adaptações aos ambientes de Cerrado e de Mata, conforme
sugerido por Wanntorp et al. (1990). Em matas, onde a luz é considerada um dos
principais fatores que limitam o crescimento de plântulas, espécies com porte alto e
um grande investimento em área foliar teriam mais sucesso na competição por luz.
Em Cerrado, a luz é abundante, mas água e nutrientes, provavelmente, são mais

30
Avanços no conhecimento

limitantes, o maior investimento em raízes seria mais vantajoso, conforme sugerem


Gleeson & Tilman (1992).

As principais classes de solo que suportam o Cerrado sentido restrito na região


central do Planalto Central brasileiro são Latossolos Vermelhos (46%) e Neossolos
Quartzarênicos (Haridasan, nesta publicação). São solos profundos e bem drenados,
e não apresentam restrições ao crescimento radicular das árvores. Estas classes
representam respectivamente, cerca de 46 e 15% da superfície total da região (Reatto
& Martins, nesta publicação). Haridasan (nesta publicação), citando Burnham (1989)
e Nepstad et al. (2001), sugere que com o alto grau de intemperismo e profundidade
do solo, geralmente maior que 2m, as camadas inferiores não devem desempenhar
nenhum papel significativo na nutrição mineral das plantas nativas do Cerrado o
que leva à improbabilidade do aproveitamento de formas de P e K consideradas
indisponíveis (não extraídas pelos extratores convencionais como de Mehlich e de
Bray). Haridasan considera que a manutenção deste ecossistema deve depender de
uma reciclagem fechada e eficiente de macronutrientes (P, K, Ca e Mg), ainda existindo
a possibilidade de entrada de quantidades pequenas através de precipitação, como
preconizado por Coutinho (1979).

Quando a profundidade do solo torna-se limitante, por causa de concreções


lateríticas ou ferruginosas ou afloramento de rochas, a fisionomia comum é de Campo
cerrado ou Cerrado rupestre (Ribeiro & Walter 1998). Nestes ambientes, a distribuição
de raízes está concentrada nas camadas mais superficiais, diminuindo drasticamente
com a profundidade (Abdala et al. 1998, Delitti et al. 2001). Apesar da alta
biodiversidade de espécies arbóreas em comunidades nativas do Cerrado sentido
restrito em solos distróficos, relativamente, poucas espécies constituem as maiores
populações (Felfili et al., 2004) e segundo Haridasan (nesta publicação) contribuem
para a maior parte da biomassa e estoque de nutrientes. As concentrações de nutrientes
foliares variam bastante entre estas espécies. As espécies mais abundantes, entretanto,
parecem ser menos exigentes em nutrientes por apresentarem relativamente menores
concentrações foliares e maiores números de indivíduos.

O estabelecimento e desenvolvimento das plântulas estão relacionados ao


intervalo entre queimas, com queimadas freqüentes favorecendo a reprodução
vegetativa, pois com pequenos intervalos entre queimadas, as plântulas não se
desenvolvem o suficiente para atingir o tamanho crítico de escape ao fogo, cujo
efeito, na época seca seria mais negativo (Miranda, nesta publicação, com base em
Whelan, 1995). Vale ressaltar que os incêndios naturais, apesar de ocorrerem há
milhares de anos no Brasil Central, eram provavelmente menos concentrados na
estação seca do que atualmente, pois alguns seriam causados por raios durante
tempestades que, em geral, ocorrem a partir do início das chuvas, enquanto ainda
há muito material combustível acumulado. Apesar de muitas espécies de plantas
dos ambientes savânicos do Cerrado apresentarem características morfológicas que
conferem resistência ao fogo, os incêndios em intervalos muito curtos desfavorecem
a camada lenhosa (Felfili et al, 2000; Moreira, 2000) contribuindo para que vegetação
mais aberta suceda aos Cerrados mais densos.

Henriques (nesta publicação) sugere que cada tipo fisionômico do Cerrado


sensu lato pode ser considerado como um tipo de vegetação clímax. Na ocorrência

31
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

do fogo, todos os tipos fisionômicos sofrem um processo de regressão para uma


fisionomia (estágio) mais aberta, com desenvolvimento do estrato inferior dominado
por gramíneas e diminuição do componente lenhoso arbustivo. Considerando que a
região do bioma Cerrado pode estar com freqüência de fogo acima do regime normal,
devido à ação antrópica, é provável que as fisionomias abertas, em particular a de
Cerrado sensu stricto em áreas sem impedimento edáfico, estejam em diferentes
estágios sucessionais após o fogo. Vale ressaltar que uma fisionomia só pode alcançar
sua plenitude em função da capacidade de carga do ambiente, ou seja, mesmo
protegido de fogo, um campo úmido em solo hidromórfico não se tornará um Cerrado
típico, assim como, um Campo rupestre não se tornará uma Mata de Galeria. Por
outro lado, um Cerrado ralo sobre Latossolo profundo e bem drenado, protegido,
pode tornar-se um Cerrado denso, pois esta última, seria a formação clímax que
estava aberta pela recorrente ocorrência de incêndios.

PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO E IMPLICAÇÕES PARA CONSERVAÇÃO E


MANEJO
Na análise comparativa de pequenos mamíferos no Cerrado, Vieira e Palma
(nesta publicação) verificaram que as comunidades de pequenos mamíferos do
Cerrado podem ser divididas em três conjuntos, segundo sua composição:
comunidades em florestas, comunidades em áreas abertas (secas ou úmidas) e
comunidades em savanas (cerrados com diferentes graus de cobertura arbórea). A
riqueza de espécies de pequenos mamíferos no Cerrado atinge valores máximos em
Matas Ciliares e de Galeria, seguidas pelas Florestas Mesofíticas. Estes autores
destacam as comparações em escala regional realizadas com comunidades de répteis
e anfíbios (Colli et al., 2002) e pequenos mamíferos (Marinho-Filho et al., 1994).
Rodrigues (nesta publicação), parte da premissa que, com raras exceções, as espécies
da herpetofauna do Cerrado freqüentam livremente ou toleram a Mata de Galeria,
possuindo assim pré-adaptações mínimas para permanecerem em áreas florestadas.
A fauna de floresta, ao contrário, é estritamente umbrófila e, praticamente, não
tolera ambientes abertos. O autor refere-se a trabalhos de Silva (1995a, 1995b),
Cartelle (2000) e Fonseca et al. (2000), que apresentaram hipóteses para explicar a
distribuição atual e pretérita e a composição da fauna do Cerrado e os que buscaram
evidências sobre a importância das Matas de Galeria na dispersão de aves amazônicas
e da Floresta Atlântica nos Cerrados (Silva, 1996; Willis, 1992).

No que toca à vegetação, estudos comparativos de inventários de comunidades


têm sido realizados para detectar padrões fitogeográficos, diferenciando a região em
zonas fitogeográficas caracterizadas por táxons distintos (Ratter & Dargie, 1992;
Ratter et al., 1996; Ratter et al., 2003; Castro, 1994 e Castro et al., 1999) assim como
associar os padrões de distribuição, com base em amostragens padronizadas, a
fatores ambientais (Felfili & Silva Júnior, 1993, 2001 e nesta publicação; Felfili et al.
1994, 1997, 2004).

A análise dos padrões fitogeográficos e de diversidade de comunidades vegetais


do Cerrado sensu stricto apresentada por Felfili & Silva Júnior (nesta publicação)
indica que o Cerrado sensu stricto é uma rica e diversa fitofisionomia, com elevada

32
Avanços no conhecimento

diversidade alfa. O relacionamento positivo entre os padrões de diversidade e as


características físicas do ambiente, também verificado por Felfili & Silva Júnior (2001),
trazem a possibilidade de modelagem desses padrões de acordo com zoneamentos
fisiográficos e fisionômicos tais como o elaborado por Cochrane et al. (1985). Os
autores verificaram também que a diversidade beta é baixa nas comunidades de
Cerrado sensu stricto quando as comparações são baseadas em presença e ausência
de espécies devido a um elevado número de espécies comuns entre diferentes locais.
Porém, esta se torna elevada nas comparações baseadas na densidade de espécies
ou seja, a diversidade beta é elevada devido a uma distribuição de indivíduos por
espécies muito desigual nos locais ao longo do bioma, apesar de um grande número
de espécies ocorrerem em comum. A densidade de espécies é, portanto, um importante
parâmetro para tomada de decisões quanto à conservação e manejo do Cerrado. No
estabelecimento de unidades de conservação torna-se importante verificar tanto a
ocorrência das espécies, como o tamanho de suas populações. No delineamento de
estratégias para manejo e extrativismo sustentável, tornam-se fundamentais avaliações
quantitativas, com precisão suficiente para o planejamento da produção em nível
regional.

Quanto à representatividade das unidades de conservação em relação aos


padrões de diversidade beta, aqui estudados, verificou-se que a configuração original
do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é insuficiente para proteger a
diversidade florística daquela Chapada. Que todas as unidades de conservação da
Chapada Pratinha estão concentradas no Distrito Federal, deixando as terras baixas
da Chapada que incluem Paracatu-MG e Patrocínio-MG desprotegidas e que o Parque
Grande Sertão Veredas é bastante representativo do Espigão Mestre (Felfili & Silva
Júnior, nesta publicação).

Ribeiro et al. (nesta publicação), em termos de Cerrado sentido restrito, citam


que as análises biogeográficas realizadas por Castro (1994), Castro e Martins (1999),
Ratter & Dargie (1992), Ratter et al. (1996) e Ratter et al. (2003) com base em presença
e ausência de espécies permitiram a identificação de padrões de distribuição da flora
do bioma. Ratter et al. (1996) reconheceram os grupos Sul (São Paulo e sul de
Minas Gerais), Este-sudeste (principalmente, Minas Gerais), Central (Distrito Federal,
Goiás e porções de Minas Gerais), Centro-oeste (a maior parte de Mato Grosso,
Goiás e Mato Grosso do Sul), e Norte (principalmente Maranhão, Tocantins e Pará),
assim como um grupo de vegetação savânica disjunta na Amazônia. Neste estudo,
os autores mostraram não apenas que a diversidade tende a ser menor nos sítios
com solos relativamente mais férteis, onde existe a dominância de espécies indicadoras
como Callisthene fasciculata, Magonia pubescens, Terminalia argentea e Luehea
paniculata mas também a existência de intensa heterogeneidade entre os sítios
amostrados (diversidades beta e gama). O padrão de diversidade das espécies lenhosas
é principalmente constituído de um grupo restrito de 300 espécies (cerca de 1/3 do
total) relativamente comuns e 2/3 de espécies bastante raras, muitas das quais
poderiam ser classificadas como acessórias (Ratter et al. 2003). Este padrão de
oligarquia de um grupo de espécies comuns e muitas outras espécies raras, também
foi verificado para as Matas de Galeria (Silva Júnior et al. 2001). Os autores consideram
também que a intensa heterogeneidade florística local e regional aqui destacada
deve ser considerada para o estabelecimento de Unidades de Conservação, onde se

33
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

torna necessário proteger muitas áreas para representar adequadamente a


biodiversidade local e regional de plantas lenhosas. Os dados disponíveis evidenciam
que, para ser efetiva, a conservação deve ser fundamentada na integração entre as
fisionomias.

A similaridade florística entre as fisionomias florestais e savânicas é baixa,


Felfili & Silva Júnior (1992) comparando Matas de Galeria, Cerrado sensu stricto e
Cerradão da Fazenda Água Limpa, Distrito Federal, verificaram uma pequena
sobreposição de espécies lenhosas entre Cerrado sensu stricto e Matas de Galeria,
enquanto que o Cerradão foi composto de uma mistura de espécies do Cerrado e das
Matas de Galeria. Analisando-se a lista de espécies vasculares elaborada por Mendonça
et al. (1998) confirma-se esse padrão e verifica-se também que as florestas estacionais
em solos férteis apresentam uma flora diferenciada tanto do Cerrado como das Matas
de Galeria e que o Cerradão nos solos distróficos apresenta uma flora composta de
espécies de Cerrado sensu stricto e de Mata de Galeria, mas quando ocorre em solos
mesotróficos apresenta também, elementos de florestas estacionais deciduais e
semideciduais configurando-se como uma fisionomia de transição com uma estrutura
própria, mas com uma flora mista, composta de espécies das formações adjacentes.
O Carrasco é uma fisionomia que ocorre principalmente na zona de transição Cerrado/
Caatinga (Felfili & Silva Júnior 2001) e também se configura como uma fisionomia
de transição.

Scariot e Sevilha (nesta publicação) consideram, baseados em aspectos


florísticos e fisionômicos, que entre as formações brasileiras, as Florestas Estacionais
Deciduais estão mais associadas às Caatingas arbóreas, com espécies tidas como
típicas dessa formação, tais como Myracruodruon urundeuva Fr. All. (aroeira),
Schinopsis brasiliensis Engl. (braúna), Cavanillesia arborea K Schum. (barriguda),
Amburana cearensis (Fr. All.) A. C. Smith (cerejeira) e Tabebuia impetiginosa (Mart.)
Standl. (ipê roxo) entre outras, apesar dessas florestas poderem apresentar semelhança
também com outros tipos de vegetações adjacentes, dada a interpenetração de espécies
dessas outras formações. Da mesma forma, florística e estruturalmente, o componente
arbóreo das Florestas Estacionais Deciduais de áreas planas e de afloramentos calcários
de uma mesma região, como é o caso da bacia do rio Paranã, pode formar associações
distintas (Scariot & Sevilha 2003; nesta publicação).

Não obstante a singularidade das florestas estacionais deciduais, a riqueza em


espécies de importância madeireira, a alta taxa de desmatamento e o impacto da
perturbação antrópica nos remanescentes, poucas unidades de conservação
contemplam essa fitofisionomia (Sevilha et al., 2004). Essencial na extensa região
do vale do rio Paranã, onde ainda existem áreas dessa vegetação, é a imediata
implantação de novas unidades de conservação que permitam a conservação e a
preservação de amostras significativas da biodiversidade, da rica variedade de
fitofisionomias e das nascentes dos cursos de água e que assegurem, ainda, o fluxo
gênico entre populações isoladas. Scariot & Sevilha (nesta publicação) sugerem, que
neste contexto, a implementação de corredores ecológicos é um objetivo maior a ser
perseguido. Os corredores ecológicos são uma das formas de planejamento regional
que visam manter sistemas de áreas protegidas em uma matriz de uso humano da
paisagem. Esses autores destacam que, em um corredor ecológico, são desenhadas e
implementadas conexões entre áreas protegidas, de forma que os biomas naturais

34
Avanços no conhecimento

não sejam ilhados como resultado da ação antrópica. Ao combater a fragmentação,


mantêm-se os processos de migração, dispersão, colonização e intercâmbio genético
que permitem a sobrevivência da biota nativa na paisagem. Em termos de ecossistema,
também são mantidos os fluxos de matéria e energia que sustentam a produtividade
natural (Cavalcanti, nesta publicação).

Silva & Sousa (nesta publicação) relatam que nas últimas décadas foram
desenvolvidos estudos biogeográficos sobre as avifaunas dos cinco grandes biomas
brasileiros, permitindo assim estimar a importância relativa da especiação versus
intercâmbio biótico no processo de formação das avifaunas desses biomas e propor
um primeiro modelo. Com base no modelo, a produção de espécies parece ser o
principal fator que leva à alta diversidade regional de espécies na Amazônia e Floresta
Atlântica enquanto que nas avifaunas da Caatinga, Cerrado e Pantanal, o intercâmbio
biótico teve um papel mais importante na determinação da diversidade regional de
aves do que a produção de espécies. Em contraste com as avifaunas das três áreas
de formações abertas, as avifaunas da Amazônia e da Floresta Atlântica são compostas
por uma grande porcentagem de espécies endêmicas, muitas das quais são restritas
a somente uma porção da região. O Pantanal não possui endemismos em aves e
muito da sua avifauna é composta por elementos biogeográficos dos biomas
adjacentes. A Caatinga e o Cerrado possuem muito mais espécies endêmicas do que
o Pantanal, mas em ambos os biomas o grande número de espécies que têm os
centros de suas distribuições localizados em outros biomas é muito significativo. Na
Caatinga, os elementos de outros biomas estão principalmente nas florestas úmidas
encontradas nas encostas de planaltos residuais (localmente denominados de “brejos”)
ou nas transições ecológicas com relevo complexo (Chapada da Diamantina) para a
Floresta Atlântica e Cerrado. No Cerrado, os elementos dos outros biomas estão
principalmente nas Matas de Galeria, que cobrem menos de 10% da região, e nas
Florestas Estacionais (Matas Secas), que estão restritas a manchas de solos derivados
de rochas básicas, nas depressões localizadas entre planaltos. Os “brejos” e as Matas
de Galeria apresentam vínculos florísticos com a Floresta Atlântica (Felfili et al.
2001) e as Matas Secas ou Florestas Estacionais Deciduais apresentam elementos
florísticos comuns com a Caatinga arbórea (Andrade Lima, 1981, Felfili 2003) e com
as florestas semideciduais do Sudeste, para fins conservacionistas, hoje classificadas
como Floresta Atlântica, ou seja, a avifauna de outros biomas presentes nas formações
abertas são dependentes das formações florestais extra Cerrado ou extra Caatinga
que existem nos limites dos respectivos biomas.

Um planejamento biorregional de conservação deve ter como objetivo manter


os processos biogeográficos responsáveis pela diversidade regional de espécies. Esse
planejamento deveria tanto manter a produção de espécies e o intercâmbio biótico
com os biomas adjacentes como evitar a extinção em massa das espécies devido às
modificações ambientais causadas pelas atividades humanas. No Pantanal e no
Cerrado, extensos corredores ribeirinhos são essenciais para garantir o fluxo
permanente de populações e espécies dos biomas adjacentes para essas regiões. No
caso do Cerrado, as florestas ribeirinhas possuem também muitas espécies endêmicas.
Para a conservação das espécies endêmicas das áreas abertas do Cerrado, lugares
estratégicos devem ser selecionados com base nos padrões de variação da abundância
destas espécies ao longo da região. Mais especificamente, um esforço especial de

35
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

conservação deve ser direcionado para as três áreas de endemismo reconhecidas


para aves na região: o vale do rio Araguaia, o vale do rio Paranã e suas florestas
secas e a Chapada Diamantina com os seus campos rupestres (Silva & Bates,
2002).

Colli (nesta publicação) avalia que os principais eventos de vicariância que


afetaram a herpetofauna sul-americana, em geral, e do Cerrado, em particular, foram
em primeiro lugar, a diferenciação climática latitudinal e formação de províncias
florísticas ao final do Cretáceo e início do Terciário, que criou uma dicotomia entre
espécies de paisagens abertas, sob climas temperados e secos, versus espécies de
paisagens florestais, sob climas tropicais e úmidos. Em segundo lugar, a herpetofauna
foi subdividida pela formação da Cordilheira dos Andes a partir do Oligoceno,
resultando na divergência de elementos cis- versus trans-Andeanos. Depois, a grande
transgressão marinha do Mioceno promoveu uma maior diferenciação entre a
herpetofauna do Planalto Central Brasileiro em relação à do sul do continente. Em
seguida, o soerguimento do Planalto Central Brasileiro estimulou a diversificação da
herpetofauna do Cerrado, entre elementos dos platôs versus aqueles das depressões
interplanálticas. Finalmente, flutuações climáticas no Quaternário promoveram mais
especiação, principalmente em encraves de vegetação nas regiões de contato entre o
Cerrado e as Florestas Amazônica e Atlântica. A esses eventos de vicariância, há que
se acrescentar o enriquecimento adicional da herpetofauna de paisagens abertas,
incluindo o Cerrado, pela chegada de imigrantes das Américas Central e do Norte.
Essa seqüência de eventos presumivelmente deixou suas marcas, seja na composição
atual da herpetofauna dos biomas, seja nas filogenias dos clados sul-americanos, o
que pode ser verificado por meio de análises biogeográficas.

Baseado em dados da literatura, na análise de coleções zoológicas e em


levantamentos, Pinheiro (nesta publicação) apresenta uma lista contendo 645 espécies
de borboletas efetivamente registradas no Distrito Federal, indicando uma expressiva
riqueza, mas, mesmo assim, aproximadamente um terço de todas as borboletas que
ocorrem no Brasil Central (cerca de 210 espécies), nunca foi registrado em qualquer
unidade de conservação do Distrito Federal. Este fato é atribuído pelo autor, à ausência
nas Unidades de Conservação do DF em pelo menos duas das fisionomias de vegetação
de Cerrado que se constituem no habitat preferido de uma grande variedade de
espécies de borboletas: (1) as florestas semideciduais (também conhecidas como
florestas mesofíticas), que no DF ocorrem principalmente em regiões de solos calcários,
como na região de Sobradinho, na chapada da Contagem e na região da Fercal, e (2)
as Matas de Galeria associadas a rios de médio e grande porte, geralmente mais
densas e mais extensas do que aquelas encontradas ao longo dos pequenos córregos
e ribeirões presentes nos parques e reservas. O autor considera que nas últimas
décadas, o Distrito Federal vem passando por um intenso processo de urbanização e
pelo desenvolvimento de várias atividades econômicas que levam inexoravelmente
à destruição dos habitats naturais e, conseqüentemente, à perda em biodiversidade.
Com o avanço da urbanização, muitas das unidades de conservação vêm sendo
transformadas em verdadeiras “ilhas de vegetação”, geograficamente isoladas de
outras unidades. Neste trabalho verifica-se que mesmo ambientes com pouca
representatividade em área no bioma Cerrado estão revestidos de grande importância
para estratégias de conservação da biodiversidade. As florestas estacionais que

36
Avanços no conhecimento

ocorrem em fragmentos naturais e antrópicos no Brasil Central, arranjadas como


trampolins naturais de biodiversidade (Felfili, 2003), aproximam as extensas formações
estacionais da região da Caatinga, do Pantanal e do Chaco. Proporcionando, assim,
habitats exclusivos para uma flora (Scariot & Sevilha, nesta publicação, Pott & Pott
2003, Nascimento et al. 2004) e fauna de borboletas (Pinheiro, nesta publicação) de
distribuição restrita a este tipo de formação e que, em geral, não estão contempladas
nas Unidades de Conservação existentes. No Distrito Federal, as Florestas Estacionais
ocorrem na região da FERCAL, na APA de Cafuringa, fora das principais unidades de
conservação.

Os estudos sobre amplitude de dieta dos herbívoros, principalmente na região


tropical, podem esclarecer algumas questões ecológicas, entre elas as estimativas de
riqueza de espécies locais e regionais (Diniz & Morais, nesta publicação). Estas
autoras consideram que no Cerrado do Distrito federal, cerca de 47% das espécies de
lagartas (Lepidoptera) folívoras foram encontradas em apenas uma espécie de planta
(monófagas), enquanto 20% são oligófagas, ocorrendo em apenas uma família de
planta e 33% são polífagas, que se alimentam de várias famílias de plantas. Isto
reforça a idéia de que as lagartas têm uma amplitude de dieta estreita nos trópicos e
por isso a necessidade de conservação da biodiversidade. Aguiar et al. (nesta
publicação) analisando a complexidade estrutural de bromélias e a diversidade de
artrópodes, em ambientes de campo rupestre e Mata de Galeria no Cerrado do Brasil
Central constaram diferenças significativas entre esses habitats, ressaltando, também,
a importância da conservação do mosaico vegetacional do bioma Cerrado.

Fernandes & Gonçalves-Alvim (nesta publicação), citando Lara & Fernandes


(1996), sugerem que a fauna de insetos galhadores no Cerrado é uma das mais ricas
do mundo. Tidon et al. (nesta publicação) informam que foram identificados três
gêneros de Drosophilidae no bioma Cerrado. Drosophila, o maior desses três gêneros
na região Neotropical, contempla 55 das 57 espécies listadas, enquanto
Scaptodrosophila e Zaprionus estão representados por apenas uma espécie cada.
Dentre as 57 espécies de drosofilídeos reconhecidas, 48 são endêmicas da região
Neotropical e nove nela introduzidas. Várias dessas espécies são sinantrópicas e
colonizaram a área após a chegada do homem, alterando a composição da fauna
drosofiliana da região. Espécies da fauna nativa são encontradas em todas as
fitofisionomias do Bioma, demonstrando o alto grau de plasticidade adaptativa dessa
família. Um dado preocupante é que das nove espécies introduzidas na região
Neotropical e registradas no bioma Cerrado, sete foram capturadas pelas autoras na
Reserva Ecológica do IBGE e no Parque Nacional de Brasília, Unidades de Conservação
do Distrito Federal. Isso sugere que, embora mantidas como reservas ambientais,
essas áreas estão sofrendo colonizações de espécies introduzidas, que podem alterar
a fauna nativa da região.

Devido a sua capacidade incomum de digerir celulose, os térmitas são um


grupo funcional dominante no Cerrado, com grande impacto no fluxo de energia,
ciclagem de nutrientes e formação do solo. Uma fauna extremamente diversa depende
dos cupins para alimento ou abrigo. Por outro lado, a conversão de cerrados em
agrossistemas, freqüentemente, leva a desequilíbrios que transformam algumas
espécies de térmitas em pragas agrícolas (Constantino, nesta publicação). Os cupins
do bioma Cerrado podem ser divididos em quatro grupos funcionais: xilófagos,

37
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

humívoros, comedores de folhas da serapilheira (litter) e intermediários (espécies


que não se enquadram claramente em nenhum dos outros grupos), sendo uma
característica importante da fauna do Cerrado, a abundância e diversidade de
comedores de folhas mortas. As principais diferenças da termitofauna de Cerrado
em relação à de florestas são: a) menor proporção de xilófagos; b) maior proporção
de comedores de folhas da serapilheira. Dois padrões comuns de distribuição
geográfica podem ser estabelecidos com base em grupos mais bem conhecidos,
sugere o autor citando Cancello & Myles (2000). Algumas espécies, como Serritermes
serrifer, ocorrem em boa parte do Cerrado e em algumas savanas amazônicas, mas
têm um limite sul que corresponde aproximadamente à divisa entre Minas Gerais e
São Paulo. Várias outras, como Labiotermes brevilabius e Procornitermes araujoi,
ocorrem numa área menor, de São Paulo a Goiás. É provável também que existam
dois outros padrões comuns. O primeiro corresponderia à porção noroeste, incluindo
parte de Goiás até Rondônia, onde ocorrem Spinitermes allognathus e Spinitermes
robustus. O segundo seria a parte nordeste, em Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia.
A fauna dessa última área é praticamente desconhecida, mas uma espécie nova,
Noirotitermes noiroti, foi descoberta recentemente num Cerrado do Piauí.

A diversidade de espécies da ictiofauna no Cerrado é bastante expressiva


contendo mais de 500 das quase 3.000 espécies de peixes na América do Sul (Fonseca,
nesta publicação). Conforme a autora, os cursos d’água que nascem nesta região do
Cerrado fluem naturalmente para as bacias contíguas, constituindo muitas vezes
corredores ecológicos para muitas espécies aquáticas. Dependendo da capacidade
de adaptação das espécies, aliada às condições adequadas para o seu estabelecimento
em outras regiões, os deflúvios do Cerrado podem representar caminhos de dispersão
de espécies aquáticas. Dessa forma, o Cerrado brasileiro representa uma das áreas
indispensáveis para a preservação da diversidade biológica aquática e do seu
patrimônio genético. Citando Conservation International (1999), a autora considera
que as áreas de conexão entre as bacias, que compreendem as suas cabeceiras de
drenagem, são focos de endemismo para muitas espécies de água doce, representando
uma das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade aquática.

PROPOSTAS PARA CONSERVAÇÃO


Alho (nesta publicação) ressalta que tem sido difícil persuadir os políticos,
diante da pressão social, de que o combate à pobreza, à miséria, e também o desejo
de desenvolvimento econômico e social, pressupõem a necessidade de conservação
da natureza. A perda da biodiversidade, alcançada pela extinção irremediável de
espécies de flora e fauna só agrava os problemas da população humana. A prática
tem demonstrado que, no caso de destruição da natureza, a população local pobre
é a primeira que sofre a conseqüência da degradação da natureza. Este autor considera
que o conceito de biodiversidade se apóia num tripé: diversidade de espécies
(representando o número de formas de vida no nível de espécies e suas populações),
diversidade genética (representando as diversas variedades sub-específicas ou
genéticas das formas de vida) e diversidade ecossistêmica (representando as diversas
paisagens naturais como Campo, Campo sujo, Campo úmido, Cerrado no sentido
restrito, Campo cerrado, Cerradão, Mata Seca, Mata-Ciliar e de Galeria, Vereda e

38
Avanços no conhecimento

outras). E, que cada um desses elementos pode sofrer influência de pelo menos três
tipos de pressão: física (degradação ou perda de habitats), química (ação de
contaminantes ambientais e poluição), e biológica (introdução de espécies exógenas,
perturbação na cadeia trófica, eliminação de espécies-chave da comunidade ecológica)
e outros fatores. Aponta que há diversas causas ou fatores identificados como ameaças
ao Cerrado: (a) de ordem institucional (dificuldade de aplicar a legislação ambiental
existente, deficiências na fiscalização e carência de conscientização ambiental); (b)
fogo; (c) desmatamentos; (d) expansão agrícola e pecuária (sem ordenamento
ecológico-econômico); (e) contaminantes ambientais (emprego desordenado de
pesticidas, herbicidas e outros tóxicos ambientais, provocando poluição das águas e
do solo); (f) erosão (assoreamento de corpos d’água, lixiviação e perda de solos
devido ao emprego de técnicas não apropriadas de uso do solo); (g) uso predatório
de espécies (sobre-explotação de espécies da flora e fauna); (h) implantação de
grandes obras de infra-estrutura (impactos causados pela abertura de rodovias,
hidrovias, hidrelétricas e outras obras); (i) turismo desorganizado e predatório e
outras causas. A degradação e perda de habitats naturais, oriundas de diversas
causas, são as maiores ameaças identificadas sendo necessária a adoção pelo governo
e sociedade das diretrizes elaboradas para o Cerrado pelo grupo de trabalho criado
pela Portaria do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, número 298 de
11 de agosto de 1999.

Pivelo (nesta publicação) sugere que apenas a criação de unidades de


conservação não é suficiente para a manutenção do patrimônio natural, mas é também
necessário que medidas de manejo sejam adotadas para estas áreas, bem como para
toda a paisagem onde se inserem. Intervenções nos ecossistemas protegidos são
necessárias para direcionar seus processos e evitar ou remediar problemas que os
levem à deterioração. Dentre as constantes pressões antrópicas sobre o Cerrado, a
autora destaca as queimadas, invasões para sua ocupação com moradias e agricultura
de subsistência, entrada de gado, retirada de lenha e de espécies medicinais, além
da invasão biológica por espécies exóticas. Dentre os problemas enfrentados pelas
unidades de conservação do Cerrado, três são destacados devido à freqüência com
que ocorrem e à magnitude dos danos decorrentes: incêndios causados por queimadas
acidentais, invasões biológicas e fragmentação de habitats. Pivelo pondera que é
ampla a gama de dados já obtidos para o Cerrado, úteis para subsidiar seu manejo,
entretanto grande parte desse conhecimento biológico e fisiográfico está sob forma
descritiva e necessita ser organizado, analisado e trabalhado sob uma perspectiva
prática, e ainda integrado a aspectos sociais e econômicos, para sua utilização no
manejo ambiental. Mais do que isso, a informação precisa chegar aos agentes - os
técnicos responsáveis pelas unidades de conservação - e aos tomadores de decisões,
que elaboram as diretrizes e normas a serem adotadas.

Cavalcanti (nesta publicação) alerta que a capacidade de sustentação extrativa


de ecossistemas nativos é extremamente limitada e oferece poucas perspectivas de
ampliação como instrumento para promoção de conservação. Por outro lado, o uso
de paisagens naturais para fornecimento de serviços, onde não há necessidade de
remoção de matéria ou energia do sistema, permite um crescimento de escala
considerável, restando o desafio de promover um processo de valoração para justificar
sua manutenção. O autor informa que os esforços para conseguir valorar ecossistemas

39
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

naturais a título de serviços foram acelerados a partir da década de 1980. As principais


classes são: (a) serviços de ecossistema: manutenção da água, manutenção de clima,
fixação de carbono, controle de erosão e conservação do solo; (b) serviços biológicos:
manutenção da biodiversidade, bioprospecção, controle de predadores, serviços de
polinizadores, entre outros e; (c) serviços sociais/culturais: manutenção de identidade
cultural de populações locais, símbolo e local para rituais sociais e religiosos,
ecoturismo e turismo de aventura, lazer, manutenção da qualidade de vida. Entretanto,
Cavalcanti pondera, que na sociedade moderna, os serviços públicos, em geral,
assim como os recursos naturais têm sido sistematicamente não valorados, sub-
valorados, ou então têm seus custos subsidiados. Dessa forma, o real valor dos
ecossistemas naturais é invisível para a maioria da população e não conseguem
enfrentar em termos econômicos os outros usos potenciais da terra em que os retornos
são valorados de forma mais transparente. O ambiente terrestre é um ambiente
biológico, os principais elementos que mantém as condições de vida na terra são
conseqüências da transformação biológica do planeta durante o último bilhão de
anos. O teor de oxigênio na atmosfera, as condições climáticas locais como
temperatura, precipitação, umidade, ventos e o teor de água no solo são todos
mediados e em boa parte determinados pelas paisagens biológicas. A sustentação
da vida humana, também, em última instância depende da transformação biológica
da energia solar em alimentos, mediada pela fotossíntese. Desta forma é paradoxal
que grande parte da população humana dê maior valor aos elementos tecnológicos
de uma sociedade de consumo do que aos biológicos na determinação de nossa
qualidade de vida e sustentabilidade. Uma estratégia de proteção ambiental agrega
valor significativo para a viabilidade da ocupação humana de uma região. O custo
de não proteger áreas-chave é muito alto. No Cerrado, onde a precipitação se concentra
em seis meses do ano, a perenização dos rios depende de armazenamento de água
subterrânea, nos grandes sistemas de chapadões da Serra Geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da abordagem multidisciplinar contida neste capítulo-síntese, depreende-se
que o Brasil Central contém um mosaico de fisionomias savânicas e florestais, onde
o Cerrado sensu stricto sobre Latossolos profundos e bem drenados domina,
entretanto, uma grande variedade de fisionomias intercala-se com esta. Ou seja, em
uma escala ampla, a vegetação do Cerrado constitui-se em grandes manchas ou
fragmentos naturais que se intercalam estando a conectividade vinculada à
manutenção do mosaico de fisionomias associadas. Há diferenciações florísticas e
estruturais entre fisionomias, no entanto, há também diferenciações florísticas em
uma mesma fisionomia ao longo do espaço territorial. Em geral, estas diferenças
estão vinculadas a padrões recorrentes de características fisiográficas, gerando a
necessidade de estratégias de manejo e conservação que considerem os padrões
recorrentes de paisagens disjuntas ao longo do extenso bioma, que se distribui por
mais de 20 graus de latitude.

As interfaces com outros biomas são particularmente importantes no Cerrado,


ressaltando-se os ambientes contrastantes como as interfaces entre Cerrado e Caatinga
e aquelas entre Cerrado e Florestas Tropicais Úmidas.

40
Avanços no conhecimento

Esta diversidade de paisagens determina uma grande diversidade florística,


que coloca a flora do bioma Cerrado como a mais rica dentre as savanas do mundo.
A estacionalidade do clima tem sido considerada como determinante das fisionomias
savânicas do bioma Cerrado, assim como exerce grande influência sobre as florestas
estacionais deciduais e semideciduais. Já o lençol freático, próximo à superfície do
solo, compensa os efeitos da estacionalidade para as Matas de Galeria permitindo a
ocorrência de floresta tropical com vinculações florísticas às demais formações
tropicais úmidas brasileiras, enquanto a fertilidade do solo propicia a existência das
florestas estacionais. Profundidade do solo, umidade e a ciclagem de nutrientes
determinam as fisionomias de Cerrado sensu lato sobre solos distróficos.

A maior sensibilidade ao fogo das espécies florestais sugere que esse fator tem
sido importante em limitar a distribuição atual de florestas (principalmente, Cerradão)
no bioma Cerrado. Os incêndios naturais, apesar de ocorrerem há milhares de anos
no Brasil Central, eram provavelmente menos concentrados na estação seca do que
atualmente, pois alguns seriam causados por raios durante tempestades que, em
geral ocorrem a partir do início das chuvas, enquanto ainda há muito material
combustível acumulado. Apesar de muitas espécies de plantas dos ambientes
savânicos do Cerrado apresentarem características morfológicas que conferem
resistência ao fogo, os incêndios em intervalos muito curtos desfavorecem a camada
lenhosa contribuindo para que vegetação mais aberta suceda aos cerrados mais
densos. Considerando que a região do bioma Cerrado pode estar com freqüência de
fogo acima do regime normal, devido à ação antrópica, é provável que as fisionomias
abertas, em particular a de Cerrado sensu stricto em áreas sem impedimento edáfico,
estejam em diferentes estágios sucessionais após o fogo.

A fauna do bioma contém, em geral, elementos dos biomas adjacentes


atribuindo-lhe um caráter generalista, mas vários grupos são restritos a ambientes
específicos. A avifauna é composta por elementos biogeográficos dos biomas
adjacentes. Um planejamento biorregional de conservação deve ter como objetivo
manter os processos biogeográficos responsáveis pela diversidade regional de espécies.
Mamíferos do Cerrado, por exemplo, podem ser divididos em três conjuntos, segundo
sua composição: comunidades em florestas, comunidades em áreas abertas (secas
ou úmidas) e comunidades em savanas (cerrados com diferentes graus de cobertura
arbórea). Já as espécies da herpetofauna do Cerrado freqüentam livremente ou toleram
a Mata de Galeria, possuindo assim pré-adaptações mínimas para permanecerem
em áreas florestadas enquanto a herpetofauna de floresta, ao contrário, é estritamente
umbrófila e, praticamente, não tolera ambientes abertos.

Um planejamento biorregional para conservação da fauna e da flora deveria


tanto manter a produção de espécies e o intercâmbio biótico com os biomas adjacentes
como evitar a extinção em massa das espécies devido às modificações ambientais
causadas pelas atividades humanas. No Pantanal e no Cerrado, extensos corredores
ribeirinhos são essenciais para garantir o fluxo permanente de populações e espécies
dos biomas adjacentes para essas regiões. A manutenção do mosaico de paisagens
nesses corredores será fundamental para garantir a conservação da biodiversidade
do bioma Cerrado e a diversidade genética não só deste bioma, mas como daqueles
limítrofes.

41
Felfili, Sousa-Silva & Scariot

As florestas estacionais em afloramento calcáreos dispersos ao longo do bioma


Cerrado, em especial no Vale do Paranã em Goiás, abrigam elementos da flora e da
fauna comuns à Caatinga, à Chiquitania e ao Chaco, Incluindo-se araras azuis e
madeiras de lei como a aroeira e o ipê que estão ameaçadas pela exploração de
calcáreo e pela extração madeireira, merecendo especial cuidado no estabelecimento
de um sistema de unidades de conservação que preserve a configuração espacial dos
fragmentos na diagonal central do Brasil.

Do ponto de vista hidrológico, por conter zonas de planalto, a região possui


diversas nascentes de rios e, conseqüentemente, importantes áreas de recarga hídrica,
que contribuem para grande parte das bacias hidrográficas brasileiras; sendo
necessário um adequado planejamento para ocupação dessas áreas com a aplicação
da legislação ambiental e o estabelecimento de um sistema de unidades de conservação
que proteja tanto a biodiversidade como os recursos hídricos.

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44
Parte I

FOTO: ALDICIR SCARIOT

Determinantes Abióticos
Capítulo 1

FOTO: EDER MARTINS

Classes de solo
em relação aos
controles da paisagem
do bioma Cerrado Adriana Reatto
Éder de Souza Martins
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
Reatto & Martins

48
Solos e paisagem

INTRODUÇÃO formação do solo, que são: clima,


organismos, material de origem, relevo
e tempo. O material de origem e o relevo
O conceito de paisagem pode ser são considerados fatores ambientais
definido no espaço como um território, passivos, que se modificam pela atuação
ou uma região resultante de ações dos outros fatores. Os outros fatores
estáticas e dinâmicas em uma escala de ambientais – clima e organismos – são
observação. Essas ações são reflexos das considerados ativos. O clima age sobre
interações entre diversos fatores as rochas, transformando-as em solos e
ambientais que podem ser subdivididos sedimentos (Figura 1).
em bióticos, ação dos organismos e do
homem, e abióticos, ação do clima, Este capítulo tem como objetivo
características das rochas, relevo, que se estudar as relações entre as classes de
interagem e se modificam ao longo do solos e os controles de paisagem1 nos
tempo. A definição clássica de solo é o seguintes domínios físicos: geológico,
resultado de cinco variáveis interdepen- geomorfológico, hídrico, climático e
dentes, denominadas fatores de fitofisionômico.

Figura 1
Fatores de formação
do solo e
pedogênese.
1
Controle de paisagem será abordado no texto como um domínio físico de fatores ambientais inter-relacionados
com as classes de solos: composição e estrutura dos materiais de origem, formas de relevo, comportamento
hídrico, clima e fitofisionomia.

49
Reatto & Martins

PRINCIPAIS CLASSES DE SOLOS DO BIOMA CERRADO

Latossolos essencialmente de quartzo, com máximo


de 15% de argila, são muito porosos e
São solos altamente intem-
excessivamente drenados, normal-
perizados, resultantes da remoção de
mente em relevo plano ou suave-
sílica e de bases trocáveis do perfil (Buol
ondulado. No bioma Cerrado, estima-se
et al., 1981; Resende et al., 1995). Na
uma ocorrência de aproximada-
paisagem ocorre em relevo plano a
mente 15% da superfície total da região
suave-ondulado, solo muito profundo,
(Reatto et al., 1998), denominados de
poroso, de textura homogênea ao longo
Areias Quartzosas, na antiga
do perfil e de drenagens variando de
classificação (Camargo et al., 1987).
bem, forte a acentuadamente drenado.
No bioma Cerrado, estima-se uma Estes solos possuem baixa
ocorrência de aproximadamente 46% da capacidade de troca catiônica em
superfície total da região com base no conseqüência dos teores baixos em argila
Mapa de Solos do Brasil na escala e de matéria orgânica, mineralo-
1:5.000.000, (Reatto et al., 1998). Esta gicamente são dominados por quartzo,
classe é representada por: Latossolo portanto com baixa reserva de nutrientes
Vermelho (LV), correspondendo ao para as plantas. Os respectivos controles
Latossolo Roxo e ao Latossolo Vermelho- físicos da paisagem para essas classes
Escuro, na antiga classificação (Camargo de solos podem ser visualizados na
et al., 1987), com 22,1 % da área do Tabela 1.
bioma Cerrado; Latossolo Vermelho
Amarelo (LVA), denominados de Argissolos
Latossolo Vermelho Amarelo e Latossolo Formam classes de solos bastante
Amarelo, na antiga classificação heterogênea, que tem em comum
(Camargo et al., 1987), com 21,6% da aumento substancial no teor de argila
área e Latossolo Amarelo (LA) com a profundidade e (ou) evidências
denominados de Latossolo Amarelo e de movimentação de argila do horizonte
Latossolo Variação Una, na antiga superficial para o horizonte subsu-
classificação (Camargo et al., 1987), com perficial, denominado de B textural. No
2,0% da área. A composição bioma Cerrado, estima-se uma
mineralógica destes solos é dominada ocorrência de aproximadamente de 15%
por silicatos como a caulinita e (ou) sob da superfície total da região (Reatto et
a forma de óxidos e oxihidróxidos de Fe al., 1998), denominados de Argissolo
e Al como hematita, goethita, gibbsita e Vermelho (PV), com 6,9 % da área e
outros. Os respectivos controles físicos Argissolo Vermelho Amarelo (PVA), com
da paisagem para essas classes de solos 8,2% e na antiga classificação (Camargo
podem ser visualizados na Tabela 1. et al., 1987), respectivamente Podzólico
Neossolos Quartzarênicos Vermelho Escuro e Podzólico Vermelho
Amarelo. Ocupam, na paisagem, a
Geralmente são solos profundos porção inferior das encostas, em geral
(com menos 2m), apresentando textura nas encostas côncavas, onde o relevo
arenosa ou franco-arenosa, constituídos apresenta-se ondulado (8 a 20% de

50
Solos e paisagem

declive) ou forte-ondulado (20 a 45% de mica na massa do solo em alguns solos,


declive). Os respectivos controles físicos outros pela sensação de sedosidade na
da paisagem para essas classes de solos textura, devido ao silte. No Cerrado
podem ser visualizados na Tabela 1. correspondem a aproximadamente 3,1%
(Reatto et al., 1998). Geralmente estão
Nitossolos Vermelhos associados a relevos mais movimentados
Classes de solos derivados de rochas (ondulados e forte-ondulados), mas não
básicas e ultrabásicas, ricas em minerais exclui os relevos planos a suave-
ferromagnesianos, ou com influência de ondulados. Os respectivos controles
carbonatos no material de origem, físicos da paisagem para essas classes
apresentam semelhança com os de solos podem ser visualizados na
Argissolos porém com gradiente textural Tabela 1.
menos expressivo. Sua cor vermelha-
Chernossolos
escura tende à arroxeada. Possui
estrutura normalmente bem desenvol- Correspondem às antigas classes
vida no horizonte B textural (Bt), Brunizém e Brunizém Avermelhado
conferida por ser prismática ou em (Camargo et al., 1987). São solos não-
blocos subangulares. A cerosidade em hidromórficos, pouco profundos,
geral é expressiva. No bioma Cerrado, eutróficos, com um horizonte A
estima-se uma ocorrência de chernozêmico 2 sob um horizonte B
aproximadamente de 1,7% da superfície textural ou B incipiente, com argila de
total da região (Reatto et al., 1998), atividade alta. São solos com boa
denominados de Terra Roxa Estruturada, disponibilidade de nutrientes. No bioma
na antiga classificação (Camargo et al., Cerrado correspondem a menos de 0,1%
1987). Ocupam as porções média e (Reatto et al., 1998). Os respectivos
inferior de encostas onduladas até forte- controles físicos da paisagem para essas
onduladas. A vegetação original, quando classes de solos podem ser visualizados
remanescente, normalmente é Mata Seca na Tabela 1.
Semidecídua. Os respectivos controles
Plintossolos
físicos da paisagem para essas classes
de solos podem ser visualizados na Estas classes correspondem às antiga
Tabela 1. Laterita Hidromórfica (Adámoli et al.,
1986) e (ou) Concrecionários Lateríticos
Cambissolos
(Resende et al., 1988). São solos
Geralmente apresentam minerais minerais, hidromórficos, com séria
primários facilmente intemperizáveis, restrição à percolação de água,
teores mais elevados de silte, indicando encontrados em situações de alagamento
baixo grau de intemperização e com um temporário e, portanto, escoamento lento
horizonte B incipiente. Podem ser desde em épocas atuais ou pretéritas as quais
rasos a profundos, com profundidade não são mais evidenciados situações de
atingindo entre 0,2 a 1m. São hidromorfismo. Ocorrem em relevo
identificados no campo pela presença de plano e suave-ondulado, em áreas

2
Horizonte A Chernozêmico - Horizonte mineral de cor escura e saturação em bases maior ou igual
a 65%, com predomínio de Ca e Mg. O carbono orgânico apresenta valores iguais a maiores que
0,6%. A estrutura apresenta agregação e grau de desenvolvimento moderado ou forte. A espessura
pode variar, sendo maior ou igual a: 10cm se o solo não tiver horizontes B e C; 18cm para solos com
espessura < 75cm; para solos com espessura maiores ou igual a 75cm.

51
Reatto & Martins

deprimidas e nos terços inferiores da estratificadas sem relação pedogenética


encosta os Plintossolos Háplicos, com entre si e comumente acompanhada por
6% da área ou nas bordas das chapadas uma distribuição irregular de matéria
os Plintossolos Pétricos, correspondendo orgânica variando de estrato para estrato.
a 3% da área total do Cerrado (Reatto et Esta classe era denominada de Aluvial
al., 1998). Os respectivos controles segundo Camargo et al., 1987. Os
físicos da paisagem para essas classes respectivos controles físicos da paisagem
de solos podem ser visualizados na para essas classes de solos podem ser
Tabela 1. visualizados na Tabela 1.

Gleissolos Organossolos Mésico ou Háplico


São solos hidromórficos, que Compreendem solos pouco
ocupam geralmente as depressões da evoluídos, constituídos por material
paisagem, sujeitas a inundações. orgânico proveniente de acumulações de
Apresentam drenagem dos tipos: mal restos vegetais em grau variável de
drenado ou muito mal drenado, decomposição, acumulados em
ocorrendo, com freqüência, espessa ambiente mal drenado, de coloração
camada escura de matéria orgânica mal escura, (Embrapa, 1999). Esta classe era
decomposta sobre uma camada denominada de Orgânico, segundo
acinzentada (gleizada), resultante de Camargo et al., 1987. Os respectivos
ambiente de oxirredução. No Cerrado, a controles físicos da paisagem para essas
área estimada desses solos é de 2,3%, classes de solos podem ser visualizados
denominados de Gleissolo Melânico na Tabela 1.
(Gley Húmico) e Gleissolo Háplico (Gley
Pouco Húmico), na antiga classificação
(Camargo et al., 1987). Os respectivos CONTROLES DA PAISAGEM NO
controles físicos da paisagem para essas BIOMA CERRADO
classes de solos podem ser visualizados
na Tabela 1. Controle geológico

Neossolos Litólicos De acordo com Almeida et al., 1984,


o Brasil possui 10 províncias estruturais,
São solos rasos, associados a muitos sendo que seis destas estão situadas no
afloramentos de rocha. No Cerrado bioma Cerrado. As províncias são as
correspondem a aproximadamente 7,3% seguintes: Tocantins, Paraná, Parnaíba,
(Reatto et al., 1998), denominados de Tapajós, São Francisco e Mantiqueira.
Solos Litólicos, na antiga classificação Tocantins ocupa a região nuclear do
(Camargo et al., 1987). São pouco Cerrado, representando mais de 60%,
evoluídos, com horizonte A assentado enquanto as outras estão situadas nas
diretamente sobre a rocha (R) ou sobre transições com outros biomas.
o horizonte C pouco espesso.
Normalmente ocorrem em áreas bastante As rochas que ocorrem na Província
Tocantins têm sua composição bastante
acidentadas, relevo ondulado até
variável. No setor leste desta província
montanhoso.
dominam rochas metassedimentares de
Neossolos Flúvicos composição pelítica (compostas por
materiais onde dominam frações argila
São solos minerais, pouco evoluídos, e silte), psamítica (compostas por fração
formados por uma sucessão de camadas areia ou maior) e carbonáticas. No setor

52
Solos e paisagem

central ocorrem grandes variações de esse tipo de superfície é a sua posição


tipos petrográficos. Rochas metaígneas nas porções mais elevadas da paisagem.
máfico-ultramáficas (ex. Maciço Máfico-
O subtipo (Ia) apresenta perfis de
Ultramáfico de Niquelândia, Complexo
intemperismo espessos, da ordem de
Máfico-Ultramáfico de Itauçu-Anápolis)
dezenas a centenas de metros. Ocorre
e ácidas (ex. granitos de Rubiataba)
nível de couraça laterítica em seu topo
ocorrem adjacentes às rochas metasse-
ou na base do horizonte de solum, em
dimentares pelíticas. No setor centro-
diversos graus de degradação física e
oeste dominam rochas granito-gnáissicas
química. A dissecação deste subtipo é
entrecortadas por matabasitos, de
controlada pela organização e compo-
composição básica. No setor noroeste
sição das rochas. Quando a rocha não
dominam rochas metassedimentares de
mostra variações laterais em sua
composição psamítica e pelítica. Essas
composição, as vertentes dissecadas dos
variações de composição litológica
resíduos tendem a ser côncavas e a
condicionam os tipos de perfis de
apresentar transição brusca entre as
intemperismo da região, as carac-
porções planas de topo e as porções
terísticas de fertilidade natural dos solos
íngremes de encosta. Por outro lado,
e condiciona as formas de relevo.
quando as variações laterais na
composição das rochas são importantes,
as vertentes dos resíduos tendem a
Controle geomorfológico apresentar uma borda convexa, na forma
As paisagens do domínio morfo- de uma transição suave entre as porções
climático do Cerrado, definidas por planas de topo e as porções íngremes de
superfícies residuais de aplainamento – encosta. O recuo dos resíduos de
designadas como chapadas – com aplainamento é limitado geralmente pelo
diferentes graus de dissecação, resultam nível de couraça laterítica.
de uma prolongada interação de regime
climático tropical semi-úmido com O subtipo (Ib) é o mais comum de
fatores lito-estruturais, edáficos e bióticos se desenvolver sobre rochas
(Ab’Saber, 1977). sedimentares. Rampas longas, na forma
de cuestas, condicionadas pelo caimento
Os resíduos de aplainamento são suave das camadas é o mais típico dessas
fortemente controlados pela lito- regiões. A dissecação tende a ser linear,
estrutura. Há uma tendência geral dos
acompanhando zonas de fraturas e (ou)
resíduos de aplainamento serem mais
de falhas.
extensos, quando o acamamento das
rochas é próximo da horizontal. De O tipo II ocorre sobre rochas
forma inversa, a dissecação aumenta sua metamórficas, especialmente nas
influência, quando o acamamento porções periféricas e em algumas bacias
apresenta caimento elevado (Martins,
hidrográficas na porção nuclear do
2000).
bioma Cerrado, principalmente as
Ocorrem dois principais tipos tributárias do rio Tocantins, como é o
morfológicos de resíduos de superfícies caso do vão do Paranã e na planície do
de aplainamento. O tipo I ocorre sobre Tocantinzinho. Os limites do bioma
rochas metamórficas (Ia) e sedimentares Cerrado, sobre rochas metamórficas e
(Ib), na porção nuclear do Cerrado e nas ígneas apresentam esse tipo de
bacias intracratônicas, respectivamente. superfície. Ocorre também nas porções
A característica morfológica que define mais elevadas da Chapada dos

53
Reatto & Martins

Veadeiros. Geralmente, está associada a solos. As rochas, saprólitos e solos


relevos na forma de serras. argilosos de estrutura maciça tendem a
apresentar permeabilidade baixa. As
Essas extensas superfícies planas são
rochas e saprólitos arenosos, além dos
retocadas por córregos e rios, com baixo
solos com estrutura granular, tendem a
grau de aprofundamento de drenagem.
apresentar permeabilidade elevada.
A característica que define o tipo II é a
presença de relevos mais positivos que As drenagens formadas sobre rochas
a superfície plana, na forma de inselbergs metamórficas geralmente são assi-
e conjuntos de serras. Outra característica métricas devido ao caimento das
importante é o pequeno desen- camadas. As vertentes que apresentam
volvimento do perfil de intemperismo, inclinação no mesmo sentido do
com rochas frescas aflorantes ou em caimento das camadas tendem a ser mais
pequena profundidade, na ordem de suaves e a apresentar solos mais
alguns metros. A presença de couraças desenvolvidos que as vertentes que
lateríticas também é comum, mas pouco apresentam inclinação oposta ao sentido
desenvolvidas e geralmente associadas do caimento das camadas. Neste último
a horizonte de linha de pedras (ing., caso, a transição entre a vertente e o
stone line profiles). canal de drenagem tende a ser brusca,
em relevos movimentados.
As regiões dissecadas, adja-
centes aos resíduos de aplainamento Estas vertentes e as áreas com maior
descritos, são controladas também pela densidade de drenagens geralmente
lito-estrutura. apresentam menor aptidão agrícola e são
típicas de agricultura familiar ou de
As porções dissecadas, adjacentes às
subsistência, o que leva o agricultor a
superfícies do tipo I, geralmente
utilizar os recursos das Matas de Galeria
apresentam saprólitos e (ou) solos
como forma de capitalização.
espessos, aumentando a influência
destes no desenvolvimento das
drenagens. As porções dissecadas
associadas ao tipo II, geralmente
Controle climático
apresentam saprólitos e solos rasos, O bioma Cerrado apresenta
aumentando a influência da rocha no características climáticas próprias, com
desenvolvimento das drenagens. precipitações variando entre 600 a
800mm no limite com a Caatinga e de
2.000 a 2.200mm na interface com a
Controle hídrico Amazônia (Figura 2). Com esta
A maior densidade de drenagem em particularidade, existe uma grande
relevo acidentado no bioma Cerrado está variabilidade de solos, bem como,
associada à maior abundância das Matas diferentes níveis de intemperização.
de Galeria, controlada por materiais com Dois parâmetros devem ser
baixa permeabilidade. A menor considerados, uma vez que definem o
densidade de drenagens está associada clima estacional do bioma: a precipitação
a materiais com alta permeabilidade e média anual de 1.200 a 1.800mm e a
menor abundância de Matas de Galeria duração do período seco, que oscila entre
(Martins et al., 2001). Esses materiais cinco a seis meses, denominado de
podem constituir rochas, saprólitos ou veranico. Na região amazônica o déficit

54
Solos e paisagem

Figura 2
Índices
pluviométricos do
bioma Cerrado.
Fonte
Laboratório de
Biofísica Ambiental,
Embrapa Cerrados.

hídrico é inferior a três meses e na Campo: sujo, limpo e rupestre (Ribeiro


Caatinga entre sete a oito meses et al., 1983 e Ribeiro & Walter, 1998).
(Adámoli et al., 1986; Assad e
Evangelista, 1994).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Controle fitofisionômico A cor do solo é uma carac-
terística intrínseca de cada classe de solo,
O bioma Cerrado apresenta a ela é atribuída uma importância muito
vegetação cujas fisionomias englobam grande na identificação e distinção dos
formações florestais, savânicas e solos. Assim, por intermédio da cor,
campestres. Em sentido fisionômico, pode-se compreender o comportamento
floresta é a área com predominância de do ambiente que nos cerca, já que o solo
espécies arbóreas, onde há formação de está associado aos controles da paisagem
dossel, contínuo ou descontínuo. As nos seus aspectos geológicos, geomor-
formações florestais são representadas fológicos, climáticos, hídricos e
por Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata fitofisionômicos (Resende et al., 1988;
Seca e Cerradão. Savana é a área com Prado, 1991, 1995a, 1995b). Por meio
árvores e arbustos espalhados sobre um da caderneta de Munsell (1975) a
estrato graminoso onde não há formação padronização das cores tornou-se
de dossel contínuo. As formações universal e compreendida nos diversos
savânicas são representadas por Cerrado: campos da ciência do solo,
denso, típico, ralo e rupestre; Vereda, principalmente na pedologia, onde por
Parque de Cerrado e Palmeiral. O termo intermédio do matiz, valor e croma dos
campo designa áreas com predomínio solos é possível diferenciá-los em classes.
de espécies herbáceas e algumas A Tabela 1 procura enfatizar como a cor
arbustivas, observando-se a inexistência é capaz de diagnosticar a relação das
de árvores na paisagem. As formações classes de solos com os controles da
campestres são representadas por paisagem. A Figura 3 mostra uma chave

55
Reatto & Martins

de identificação para distinguir as controle pedogenético distingue as classes


classes Neossolo quartzarênico de com B textural e B incipiente. Já a Figura 5,
Latossolos, por meio dos controles por intermédio dos controles geomor-
da paisagem, especifica-mente o fológicos e hídricos variados, identifica as
geológico. A Figura 4 indica como o classes de solos em ambiente de
controle geomorfológico associado ao hidromorfismo.

Figura 3
Fluxograma de
identificação dos
controles da paisagem
de Neossolo
Quartzarênico e
Latossolos .

Figura 4
Fluxograma de
identificação dos
controles das classes de
solos com B textural e B
incipiente.

56
Solos e paisagem

Figura 5
Fluxograma de
identificação dos
controles da paisagem
das classes de solo sob
hidromorfismo.

57
Reatto
Solos e& Paisagem
Martins

Tabela 1. Relações entre cor do solo associado às classes de solo e os


controles geológicos, geomorfológicos, climático, hídricos, e
fitofisionômicos da paisagem.

58 58
Solos e paisagem

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59
Capítulo 2

FOTO: ALDICIR SCARIOT

Estimativa da
produção hídrica
superficial do Jorge Enoch Furquim Werneck Lima
Euzebio Medrado da Silva

Cerrado brasileiro Embrapa Cerrados


Planaltina, DF.
Reatto & Martins

62
Solos e paisagem

INTRODUÇÃO

O Cerrado constitui o segundo maior de exploração, o Cerrado já ocupa


bioma brasileiro, ocupando uma área de posição de destaque no cenário agrícola
aproximadamente 204 milhões de brasileiro, sendo atualmente responsável
hectares (Adámoli et al. 1986), o que por aproximadamente 25% da produção
corresponde a cerca de 24% do território de grãos e 40 % do rebanho nacional
nacional. Com o aumento da população (Embrapa Cerrados, 2002).
e, conseqüentemente, da demanda por
Segundo Salati et al. (1999), a
alimentos e outros bens de consumo, nos
possibilidade de manutenção da
últimos 40 anos, o Cerrado vem sendo
sustentabilidade dos ecossistemas
ocupado e explorado de forma rápida e
produtivos dentro de uma escala de
intensiva, principalmente para o
tempo de décadas ou séculos,
desenvolvimento do setor agrícola.
especialmente daqueles relacionados
Devido às aptidões naturais e às com a produção agrícola, dependerá de
tecnologias desenvolvidas e amplamente avanços tecnológicos, de mudanças de
difundidas para o aproveitamento estruturas sociais e institucionais, bem
agropecuário da região, em pouco tempo como da implementação de mecanismos

63
Lima & Silva

de proteção dos recursos naturais disponibilidade hídrica superficial per


centrados na conservação do solo, dos capita por ano, superando apenas os
recursos hídricos e da biodiversidade. Estados da Paraíba e de Pernambuco.
Planejado, inicialmente, para chegar ao
Embora o Brasil possua cerca de
ano 2000, com aproximadamente 500 mil
13% da produção e 18% da dispo-
habitantes, neste mesmo ano já havia
nibilidade hídrica superficial de todo o
alcançado a marca de dois milhões
planeta, a distribuição da água nas
(CODEPLAN & IBGE, 2000). Consi-
diversas regiões do país ocorre de forma
derando o potencial hídrico superficial
irregular no tempo e no espaço. A região
do Distrito Federal como igual a 2,8 km3/
Amazônica, por exemplo, detém mais de
ano (Rebouças et al., 1999), e, sendo a
70% da água doce superficial do país e,
entretanto, é habitada por apenas 5% sua população de dois milhões de
da população brasileira. Sendo assim, habitantes, estima-se que a
apenas 27% dos recursos hídricos disponibilidade hídrica anual per capita
nacionais estão disponíveis para 95% da da área seja de aproximadamente 1.400
população (Lima, 2000). m 3/hab.ano. Segundo a classificação
apresentada por Beekman (1999), este
A má distribuição espacial e valor configura um quadro de alerta
temporal dos recursos hídricos, aliada quanto à possibilidade de ocorrência de
ao aumento desordenado dos processos conflitos, havendo a necessidade de um
de urbanização, industrialização e manejo cuidadoso dos recursos hídricos
expansão agrícola, faz com que da região, de forma a minimizar as
problemas de escassez de água sejam restrições sociais, econômicas e
cada vez mais comuns no Brasil. ambientais que a falta d’água pode
Exemplos de conflitos podem ser ocasionar.
observados na bacia do rio São
Francisco, onde as projeções da Apenas para citar um dos problemas
demanda por água para a irrigação, para já existentes no Distrito Federal,
a navegação, para o Projeto de Dolabella (1996), efetuou o confronto
Transposição, para o abastecimento entre a oferta e a demanda dos recursos
humano e de animais e para a hídricos da bacia do rio Jardim e
manutenção dos aproveitamentos constatou que estes estavam sendo
hidrelétricos, mostram-se preocupantes superexplorados, indicando haver
em relação à disponibilidade hídrica da potencialidade para a ocorrência de
bacia. No Sudeste, evidenciam-se conflitos e de degradação ambiental na
conflitos nos rios Paraíba do Sul, região, em períodos críticos de seca.
Piracicaba e Capivari, citando apenas
Do ponto de vista hidrológico, por
alguns casos. No Sul, a grande demanda
conter zonas de planalto, a região de
hídrica para a irrigação de arrozais e a
Cerrado possui diversas nascentes de
degradação da qualidade da água,
rios e, conseqüentemente, importantes
principalmente nas regiões de uso
áreas de recarga hídrica, que contribuem
agropecuário intenso, são os casos que
para grande parte das bacias hidro-
se destacam (Lima et al., 1999).
gráficas brasileiras. Isso ressalta a
Em se tratando da região Cerrado, importância do uso racional dos recursos
segundo Rebouças et al. (1999), o naturais nestas áreas que, normalmente,
Distrito Federal já é a terceira pior possuem baixa capacidade de suporte
unidade federativa brasileira em (fragilidade), estando mais sujeitas a

64
Produção hídrica

problemas de assoreamento, conta- O clima do Cerrado pode ser


minação (poluição) ou superexploração dividido em duas estações bem
dos recursos hídricos. definidas, uma seca, que tem início no
mês de maio, terminando no mês de
Apenas para reforçar as informações
setembro, e outra chuvosa, que vai de
supracitadas, as águas brasileiras drenam
outubro a abril, com precipitação média
para oito grandes bacias hidrográficas,
anual variando de 600 a 2.000 mm,
e destas, seis têm nascentes na região
conforme apresentado na Figura 2
do Cerrado. São elas: a bacia Amazônica
(Assad, 1994). É importante ressaltar que
(rios Xingu, Madeira e Trombetas), a
durante o período chuvoso desta região
bacia do Tocantins (rios Araguaia e
é comum a ocorrência de veranicos, ou
Tocantins), a bacia Atlântico Norte/
seja, períodos sem chuva (Assad, 1994).
Nordeste (rios Parnaíba e Itapecuru), a
Portanto, para possibilitar a produção
bacia do São Francisco (rios São
agropecuária nos períodos secos e(ou)
Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas,
assegurar a manutenção da produ-
Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha,
tividade quando ocorrem veranicos, o
Corrente e Grande), a bacia Atlântico
uso da água para a irrigação configura-
Leste (rios Pardo e Jequitinhonha) e a
se como uma alternativa importante para
bacia dos rios Paraná/Paraguai (rios
o desenvolvimento da região (Assad,
Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde,
1994).
Pardo, Cuiabá, São Lourenço, Taquari,
Aquidauana, entre outros), conforme A grande preocupação quanto ao uso
apresentado na Figura 1. da água para irrigação é que, geralmente,

Figura 1
Representação dos
limites do Cerrado
em relação às
grandes bacias
hidrográficas do
Brasil.

65
Lima & Silva

sua demanda aumenta nos períodos estações fluviométricas existentes no


mais secos do ano, quando as vazões banco de dados “Hidro”, sob gestão da
são reduzidas. Nessas ocasiões, os Agência Nacional de Águas – ANA,
conflitos e os danos ambientais podem disponível no site http://hidroweb.
ser ampliados, ocorrendo com maior ana.gov.br. Como esses dados estão
freqüência e intensidade. classificados como consistidos, eles
foram usados diretamente neste trabalho.
Portanto, considerando a importân-
cia do Cerrado, no cenário hidrológico Com base na localização das
nacional, e a necessidade de que os estações fluviométricas existentes na
recursos naturais da região sejam área de Cerrado e na disponibilidade de
utilizados de forma racional, é essencial dados, foram selecionadas e analisadas
conhecer a produção e disponibilidade 34 estações, para realização da
hídrica das áreas sob este bioma. O estimativa da produção hídrica
objetivo deste capítulo é apresentar uma superficial média da área em estudo.
avaliação preliminar da contribuição
Por se tratar de uma avaliação de
hídrica superficial do Cerrado para as
caráter preliminar, não foi analisada a
grandes bacias hidrográficas brasileiras,
simultaneidade dos dados de diferentes
visando subsidiar estudos mais
estações, portanto, a vazão média de
aprofundados, além de ações e soluções
longo termo (Qmlt), apresentada na
para o desenvolvimento competitivo e
Tabela 1, refere-se à média aritmética de
sustentável dessa região.
toda a série existente no banco de dados
para cada estação, utilizando valores
diários. Além disso, foram adotadas
MATERIAL E MÉTODOS
outras simplificações que serão
Para a execução deste trabalho, devidamente explicitadas no decorrer do
foram utilizados os dados de vazão das trabalho.

Figura 2
Distribuição espacial
da precipitação média
anual no Cerrado
(Fonte: Assad, 1994).

66
Produção hídrica

Em muitos casos, apenas parte da foram determinadas a produção hídrica


área de drenagem de uma dada estação total e a vazão específica média nas áreas
estava inserida no bioma Cerrado, de de Cerrado cobertas por estações
modo que foi necessário utilizar fluviométricas, em cada bacia
ferramentas de geoprocessamento hidrográfica. Em seguida, utilizando a
(ArcView) para distinguí-las e determiná- vazão específica média, obtida na
las. Conhecida esta área e a vazão média primeira etapa, estimou-se a vazão
da estação correspondente, estimou-se, gerada nas áreas sem cobertura de
proporcionalmente, a produção hídrica estações fluviométricas. Dessa forma, foi
referente ao domínio do Cerrado. possível estimar a contribuição hídrica
total deste bioma, para cada bacia
A Figura 3 apresenta as estações hidrográfica brasileira, a partir da soma
utilizadas e suas respectivas áreas de dos valores obtidos nas áreas sob
Cerrado, bem como a bacia hidrográfica Cerrado, com e sem cobertura de
correspondente. estações fluviométricas.
Observa-se na Figura 3, que os As áreas de Cerrado, integrantes das
postos fluviométricos existentes não grandes bacias hidrográficas brasileiras,
foram suficientes para cobertura foram determinadas a partir da Figura
completa da área de Cerrado. Foi 1, utilizando ferramentas de geopro-
necessária, então, para estimar a vazão cessamento. Estes valores estão
total produzida neste bioma, a realização apresentados na Tabela 2, sob o título
do estudo em duas etapas. Na primeira, “A Cerrado”.

Figura 3
Estações utilizadas
no trabalho,
numeradas de 1 a
34, e suas
respectivas áreas de
Cerrado,
diferenciadas por
cores, de acordo
com a bacia
hidrográfica em que
estão inseridas.

67
Lima & Silva

RESULTADOS E DISCUSSÃO O item “A Cerrado” corresponde à fração


da área de drenagem de uma dada
A Tabela 1 apresenta as estações
estação, sob Cerrado. O parâmetro
fluviométricas utilizadas neste trabalho,
“Q Cerrado” representa a produção
suas respectivas áreas de drenagem e o
período de dados usados na deter- hídrica superficial estimada nas áreas de
minação da vazão média de longo termo Cerrado, cobertas por estações flu-
e da vazão específica de cada posto. viométricas.

Tabela 1. Análise dos dados hidrométricos das estações sob


influência do bioma Cerrado.

68
Produção hídrica

Tomando-se por base a média da calculada segundo procedimento


produção hídrica específica de cada descrito anteriormente.
estação (Tabela 1), observa-se que, na
Conforme indicado anteriormente,
mesma bacia, em geral, estes valores são
as vazões geradas nas zonas não-
pouco variáveis. Entretanto, entre bacias,
monitoradas foram obtidas, a partir das
esta variação é bastante significativa,
vazões específicas médias de cada bacia
indicando que este parâmetro pode ser
e suas respectivas áreas. Considerando
utilizado para indicar regiões com maior
que o percentual de contribuição das
potencial para ocorrência de escassez de
áreas de Cerrado, com e sem
água, o que depende, também, da
monitoramento, para cada bacia, varia,
demanda local por recursos hídricos. A
o mesmo vai ocorrer com a vazão
área de Cerrado presente na bacia
específica média. Neste estudo, foi
Amazônica (bacia 1), por exemplo,
registrou uma vazão específica média de encontrado, para área monitorada, o
24,49 L/s.km², enquanto as bacias valor de 12,39 L/s.km² e, para a não-
Atlântico Norte/Nordeste (bacia 3) e monitorada, de 13,78 L/s.km².
Atlântico Leste (bacia 5), apresentaram
A Tabela 3 apresenta o resumo dos
valores bem menores, 3,68 e 5,22 L/
resultados obtidos nesta análise,
s.km², respectivamente.
demonstrando a produção hídrica
A Tabela 2 contém a produção superficial do Cerrado e sua importância
hídrica do Cerrado nas áreas desprovidas para seis das oito grandes bacias
de monitoramento fluviométrico, hidrográficas do país.

Tabela 2. Estimativa da vazão gerada na região de Cerrado sem cobertura das


estações fluviométricas utilizadas.

Tabela 3. Produção hídrica do Cerrado por bacia hidrográfica.

*
Produção hídrica em território brasileiro.
**
SIH/ANEEL, 1999

69
Lima & Silva

Para melhor interpretação dos dados excluída do cálculo da vazão específica


apresentados na Tabela 3, há na primeira média deste bioma, obtém-se o valor de
linha, dados referentes à bacia 1, ou seja, 11,52 L/s.km², redução esta, considerada
à bacia Amazônica, que abrange 3,9 pequena em relação à disparidade entre
milhões de km² em território brasileiro, os dados desta bacia e das demais.
46% da área do Brasil. A produção
Se para a bacia Amazônica a
hídrica desta bacia é, em média, de influência territorial e hidrológica do
209.000m³/s (DNAEE, 1994), entretanto, Cerrado é pouco representativa, com
no território brasileiro, ela é igual a apenas 5% da área e 4% da sua
133.380m³/s. O complemento de sua produção hídrica, por outro lado, para
vazão média provém dos países que as bacias Araguaia/Tocantins, São
estão a montante na bacia. A vazão Francisco e Paraná/Paraguai, este bioma
gerada na fração brasileira da bacia mostrou-se responsável por mais de 70%
Amazônica corresponde a 73% da da vazão gerada. Deve-se salientar que
produção hídrica nacional. a concentração populacional e a
demanda por recursos hídricos são muito
O item “A Cerrado” indica a área da
maiores nestas bacias que na
bacia sob o bioma Cerrado, enquanto o
Amazônica.
“Q Cerrado” e o “Q esp.” representam,
respectivamente, a parte da vazão gerada Na bacia Araguaia/Tocantins, o
e a vazão específica média obtidas nesta Cerrado representa 78% da área e 71%
área. da sua produção hídrica, mesmo sendo
parte desta bacia influenciada pela
Depreende-se da Tabela 3 que o floresta Amazônica. A contribuição
Cerrado, mesmo englobando 24% do hidrológica da área de Cerrado é
território nacional, contribui com apenas significativa, o que pode ser comprovado
14% da produção hídrica superficial pela sua vazão específica de 14,22 L/
brasileira. Entretanto, excluindo-se a s.km².
bacia Amazônica da análise, verifica-se
que o Cerrado passa a representar 40% Na bacia Atlântico Norte/Nordeste,
a contribuição da área sob Cerrado
da área e 43% da produção hídrica total
apresentou-se baixa, menor que a média
do restante do país.
da bacia, pois engloba 27% da área e
Conforme apresentado na Tabela 3, produz apenas 11% da vazão.
a vazão específica média das áreas sob
A bacia do São Francisco é
o bioma Cerrado é de 12,85 L/s.km².
totalmente dependente, hidrologica-
Porém, dada a grande variabilidade deste
mente, do Cerrado que, com apenas 47%
valor entre as diferentes bacias
da área, gera 94% da água que flui
hidrográficas, fica evidente a impos- superficialmente na bacia. Merece
sibilidade de uso de um único coeficiente destaque sua importância para o
desta natureza para toda a região de abastecimento hídrico da Região
Cerrado. Em termos médios, esses Nordeste, bem como para a produção
valores apresentaram uma variação de de alimentos sob irrigação e a geração
3,68 L/s.km² na bacia Atlântico Norte/ de energia hidrelétrica, fundamentais
Nordeste a 24,49 L/s.km² na bacia para o desenvolvimento regional e
Amazônica. nacional.
Como a área de Cerrado na bacia Na bacia Atlântico Leste, a influência
Amazônica é pouco representativa, se exercida pelo bioma Cerrado é muito

70
Produção hídrica

pequena, tendo em vista sua pequena CONSIDERAÇÕES FINAIS


representatividade em relação à área total
da bacia e a baixa vazão específica Fica evidente neste trabalho a grande
apresentada. importância que a região de Cerrado
possui em relação à produção hídrica no
Conforme supracitado, a bacia
território brasileiro, contribuindo para
Paraná/Paraguai é outra que recebe
importante contribuição hidrológica do seis das oito grandes bacias hidrográficas
Cerrado que, compreendendo 48% de do país.
sua área total, gera 71% da vazão média
Apesar de esta região ocupar 24%
desta bacia.
do território nacional e representar
É importante destacar que, apesar apenas 14% da sua produção hídrica
de toda a área analisada pertencer a um superficial, observa-se, que excluindo-
mesmo bioma, a disparidade entre as se a bacia Amazônica da análise, região
vazões específicas obtidas nas diferentes de grande produção hídrica e onde vive
bacias hidrográficas demonstra que o pequena parcela da população do país,
parâmetro “cobertura vegetal”, em
um aumento substancial nestes valores,
termos globais, não teve tanta influência
que passam para 40% e 43%,
na estimativa da produção hídrica. Sendo
respectivamente, estando, portanto,
assim, não é recomendável utilizar um
único valor médio de vazão específica próximos à média do restante do Brasil.
para toda a área de Cerrado. Merece destaque a participação do
Cabe ressaltar que, por serem dados Cerrado na geração de vazão para a bacia
médios, obtidos por meio de estimativas do rio São Francisco, fundamental para
e aproximações, em escala regional, sem o desenvolvimento da Região Nordeste,
considerar o fator sazonal em sua análise tão carente em recursos hídricos.
e, por isso, as informações apresentadas
não devem ser utilizadas para fins de Diante do exposto e sendo a área de
gestão de recursos hídricos em escala Cerrado uma região com cabeceiras de
local. Entretanto, elas podem ser bacias hidrográficas, locais, geralmente,
importantes para a identificação de áreas com pequena capacidade de suporte, é
prioritárias para estudos e ações, com fundamental a ampliação dos conhe-
vistas a evitar ou remediar conflitos pelo cimentos referentes ao seu com-
uso da água. Um exemplo claro e que portamento hidrológico. Isso, porque,
ilustra a aplicação destas informações é
além dos prejuízos locais que o mau uso
a importância demonstrada da
destes recursos pode provocar, estes
contribuição hídrica superficial do
efeitos podem ser propagados por
Cerrado para o Nordeste do Brasil e como
este bioma deve receber especial extensões maiores, uma vez que ocorrem
atenção, em função do que representa nas áreas de montante das bacias
para aquela região. hidrográficas.

71
Lima & Silva

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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72
Solos e paisagem

Capítulo 3

FOTO: ALDICIR SCARIOTE


Influência da história,
solo e fogo na
distribuição e
dinâmica das
fitofisionomias no Raimundo Paulo Barros Henriques

bioma do Cerrado Departamento de Ecologia


Universidade de Brasília
Brasília, DF
DF..
73
Lima & Silva

74
Produção hídrica

INTRODUÇÃO

O bioma do Cerrado é provavelmente Monastério, 1975). A herbivoria tem


a maior savana do mundo, ocupando pouca importância nas savanas da região
aproximadamente 2.000.000 km 2 no Neotropical, devido à pequena biomassa
Brasil central, mais áreas disjuntas nos de ungulados.
outros biomas adjacentes. Uma das
principais questões sobre o bioma do Este capítulo, propõe que a
Cerrado é a determinação dos fatores ocorrência e a dinâmica dos diferentes
responsáveis pela sua distribuição e a tipos de fitofisionomias no bioma do
dinâmica das suas fitofisionomias. Cerrado resultam principalmente da
influência de três fatores: história, solo
Frost et al. (1986) indicou quatro e fogo. Um modo de abordar esta
fatores, principais responsáveis pelos
questão é observar quais os padrões e
padrões e processos das comunidades
processos que ocorrem nas
de savanas: água, nutrientes, fogo e
fitofisionomias que podem e não podem
herbivoria. Para as savanas da região
ser explicados usando estes fatores.
Neotropical, foram incluídos juntamente
com os três primeiros fatores o clima e A seguir as idéias que serão
eventos históricos (Sarmiento & examinadas ao longo deste trabalho:

75
Henriques

(i) A ocorrência de áreas disjuntas crescimento sucessional (Henriques &


com vegetação de cerrado sensu Hay, 2002). O tempo para uma
lato nos biomas adjacentes comunidade em fase inicial de
pode ser atribuída a uma maior crescimento atingir a fase de equilíbrio
distribuição geográfica da sua (homeostática) na ausência do fogo vai
área contínua no Brasil central, depender de outros fatores ecológicos
no passado. Nesse caso, as como: disponibilidade de água e
atuais áreas disjuntas seriam nutrientes no solo e distância da fonte
remanescentes desta distri- de propágulos.
buição original. Com a
Foram propostos por Pivello &
mudança do clima para mais
Coutinho (1996) e Meirelles et al. (1997)
úmido, as áreas com cerrados
modelos que, sugerem a evolução
ficaram isoladas em outros
sucessional das fisionomias abertas para
biomas;
as fisionomias fechadas do cerrado sensu
(ii) Parte das diferenças observadas lato, em função de vários fatores
entre as fitofisionomias no ambientais. Nesses modelos, as
cerrado sensu lato pode ser formações abertas (campo limpo, campo
explicada pela profundidade e sujo, etc.) são consideradas formas
umidade do solo. Normal- derivadas do cerradão e florestas
mente, a densidade e a altura estacionais, pela ação do homem (ex.
da vegetação lenhosa aumen- fogo, pastoreio), para onde a vegetação
tam proporcionalmente a esses invariavelmente converge na ausência de
fatores; perturbações humanas.

(iii) O terceiro fator importante é o Portanto, o conhecimento da


fogo, que tem ampla ocorrência história do solo e do fogo é fundamental
no bioma do Cerrado, provo- para se conhecer a distribuição e a
cando uma série de modifica- dinâmica das fitofisionomias no bioma
ções na estrutura da vegetação. do Cerrado. Este capítulo sintetiza o
conhecimento atual sobre a influência
A influência do fogo na dinâmica
desses fatores, na sua distribuição e
das fitofisionomias do Cerrado é um
propõe um modelo para explicar a
processo complexo ainda pouco
dinâmica das fisionomias do cerrado
conhecido. Após uma perturbação pelo
sensu lato, em função do fogo e dos
fogo pode ocorrer uma fase de imigração
fatores edáficos.
de espécies, com crescimento no número
de indivíduos e de área basal, sendo
seguida de uma fase de homeostase, com
equilíbrio nas taxas de imigração e TERMINOLOGIA E DEFINIÇÕES
extinção, recrutamento e mortalidade, BÁSICAS
respectivamente (Hallé et al., 1978).
Altas taxas de imigração de espécies, de O bioma do Cerrado se distribui
recrutamento de indivíduos e incremento como área contínua no Brasil central e
de biomassa sugerem que algumas áreas como áreas disjuntas em outros biomas
com fisionomia de cerrado sensu stricto (Figura 1), como na floresta Amazô-
e provavelmente, campo sujo, são nica, Caatinga, floresta Atlântica,
comunidades fora do equilíbrio, estando Pantanal e floresta de Pinheiro do sul do
atualmente em uma fase inicial de Brasil (Rizzini, 1979; Cole, 1986; Furley

76
História, solo, fogo e fitofisionomias

& Ratter, 1988; Prance, 1996). O conceito cerrado sensu stricto, cerradão (Figura
de bioma empregado aqui, refere-se ao 2). Este gradiente forma um continuum
conjunto das unidades fisionômico– vegetacional, não havendo limites
estrutural da vegetação que ocorrem na definidos entre uma fisionomia e outra,
região do Cerrado, além das áreas portanto, formas intermediárias podem
disjuntas em outros biomas. Este ocorrer entre elas. Apenas por
conceito é semelhante ao usado por conveniência, foram reconhecidos alguns
Oliveira-Filho & Ratter (2002), mas para tipos predominantes de fitofisionomias
uma conceituação diferente, veja e que serão usados ao longo desse
Coutinho (2000). A vegetação trabalho. Em função das características
predominante do bioma do Cerrado é estruturais, foram reconhecidos quatro
formada por um mosaico heterogêneo tipos fisionômicos do cerrado sensu lato:
de fisionomias vegetais, com as campo limpo é a fisionomia com a mais
formações campestres em uma alta cobertura de gramínea; campo sujo
extremidade e as formações florestais em apresenta uma alta cobertura de
outra extremidade, formando um gramíneas e uma baixa cobertura de
gradiente de altura-densidade (Eiten, arbustos; o cerrado sensu stricto
1972; 1982). apresenta uma menor cobertura de
gramíneas, e uma maior cobertura
Embora existam diferenças entre os arbustivo-arbórea e o cerradão é uma
autores, usando a altura e a densidade formação florestal que apresenta
de plantas lenhosas, podemos ordenar ausência de cobertura de gramíneas e a
as fisionomias vegetais em quatro tipos maior cobertura arbórea. No gradiente
principais (conhecidas como cerrado de cerrado sensu lato, o cerradão
sensu lato): campo limpo; campo sujo; apresenta algumas espécies de arbustos

Figura 1
Distribuição geográfica
do bioma do Cerrado
no Brasil. As áreas
disjuntas nos outros
biomas adjacentes são
indicadas.

77
Henriques

e árvores restritas a esta fisionomia, solos Latossolos férteis, derivados de


como a árvore Emmotun nitens (Furley rochas alcalinas ou nas vertentes
& Ratter, 1988), sendo aqui usada como inferiores aluviais sobre solos
indicadora da fisionomia de cerradão. Podzólicos, derivados de rocha calcária,
Essa classificação dos tipos fisionômicos ao lado da mata de galeria (Ratter et al.,
é aplicável, principalmente, para a região 1978a; 1978b; Eiten 1978; 1984).
do Brasil central
Existem outras formações vegetais
O campo limpo, incluído neste no bioma do Cerrado, com estruturas e
gradiente, é a fisionomia que ocorre fisionomias similares às do gradiente
sobre solos Litossólicos, rasos (~30 cm fisionômico do cerrado sensu lato, mas
de profundidade) (Eiten, 1978, 1979, diferenciam-se pela composição florística
1984) não se refere, portanto, ao campo e determinantes edáficos (ex. campos
úmido ao lado das matas de galeria rupestres, campos úmidos, mata de
(Goldsmith, 1974). Estes campos galeria; Eiten, 1982) e que não serão
possuem uma flora distinta com baixa tratadas neste capítulo.
afinidade florística com a flora herbácea
do cerrado sensu lato (Araújo et al.,
2002). A ORIGEM DA VEGETAÇÃO
DISJUNTA DO CERRADO SENSU
A floresta estacional pode ocorrer em
LATO
diferentes partes do gradiente
fisionômico de vegetação de cerrado A ocorrência de áreas isoladas com
sensu lato. Esta fisionomia apresenta vegetação de cerrado sensu lato, em
estreita afinidade florística com o outros biomas como, a floresta
cerradão (Rizzini 1963; 1979; Ratter et Amazônica, Caatinga, floresta Atlântica
al., 1971; 1973, 1977; 1978a; 1978b; e floresta de Pinheiro no sul do Brasil
Heringer et al., 1977; Oliveira-Filho & (Figura 1), levou vários autores a
Ratter, 1995). A floresta estacional pode proporem, que no passado houve uma
ocorrer, no topo dos interflúvios sobre distribuição mais ampla, da área

Figura 2
Diagrama de bloco da
distribuição das
fisionomias de cerrado
sensu lato em relação à
profundidade do solo
na vertente de um vale.

78
História, solo, fogo e fitofisionomias

contínua do bioma do Cerrado no Brasil no sudeste e sul do Brasil (Behling &


central, (Hueck, 1957; Ab’Saber, 1963; Hooghiemstra, 2001), o que indica um
1971; Rizzini, 1979; Cole, 1986; Filho, isolamento recente destas áreas.
1993; Prance, 1996). Segundo esses
A hipótese da distribuição do bioma
autores, a distribuição mais extensa do
do Cerrado, na área da floresta
bioma do Cerrado, seria decorrente de
Amazônica durante os períodos mais
um clima mais seco que teria favorecido
secos do final do Pleistoceno e Holoceno,
a distribuição da sua vegetação no
para explicar as ocorrências das áreas
passado.
disjuntas de cerrado sensu lato neste
A hipótese de uma distribuição bioma ainda é controversa (Colinvaux,
pleistocênica para as áreas disjuntas dos 1979; 1997; Colinvaux et al., 1996). As
cerrados é baseada em dois tipos de evidências baseadas na presença de
evidências (Gottsberg & Morawetz, 1986; polens, indicadores da ocorrência de
Prance, 1996): (1) A similaridade vegetação de cerrado sensu lato,
florística entre as áreas disjuntas dos demonstram que para as áreas
cerrados com a flora da sua área contínua atualmente com florestas úmidas no
de ocorrência no Brasil central, e (2) o limite sudoeste e sul da Amazônia, esta
baixo nível de endemismo de espécies vegetação esteve presente em vários
nas áreas disjuntas da Amazônia e da períodos no final do Pleistoceno (65.000
floresta Atlântica. O teste desta hipótese A.P., 49.000 A. P., 41.000 A. P., 23.000
requer o registro de polens no A. P., 13.000 A. P.) (Behling &
Quaternário que indiquem a ocorrência Hooghiemstra, 2001; van de Hammem
da flora do cerrado sensu lato, nas áreas & Hooghiemstra, 2000).
intermediárias entre a região contínua do
bioma do Cerrado do Brasil central e as
áreas disjuntas nos outros biomas. DETERMINANTES EDÁFICOS DAS
Vários estudos detectaram a ocorrência FISIONOMIAS DO CERRADO SENSU
de polens de Curatella americana e de
LATO
outras espécies do cerrado sensu lato,
em áreas atualmente com floresta de O gradiente fisionômico de
Pinheiro e floresta Atlântica no sudeste vegetação no cerrado sensu lato
e sul do Brasil (Ledru et al., 1996; 1998; apresenta uma variação inversa do
Behling, 1998; Behling & Hooghimstra, componente lenhoso (densidade, altura)
2001). Estes resultados indicam que a e do componente herbáceo, dominado
vegetação do bioma do Cerrado do Brasil por gramíneas (Goodland, 1971;
central se expandiu além do seu limite Goodland & Ferri, 1979). Esta variação
atual leste, sudeste e sul. As áreas fisionômica - estrutural da vegetação foi
disjuntas de cerrado sensu lato correlacionada com a fertilidade do solo
atualmente isoladas na floresta Atlântica (Goodland & Pollard, 1973, Lopes & Cox,
e floresta de Pinheiro, na região Sul e 1977), ocorrendo a maior densidade e
Sudeste, são remanescentes desta altura de plantas lenhosas onde o solo
distribuição mais extensa no passado apresentava maior fertilidade. No
(Hueck, 1957; Behling, 1998). A entanto, vários estudos encontraram
expansão das florestas úmidas, em resultados que não corroboram a
direção à área central do bioma do existência desta correlação (Gibbs et
Cerrado, pode ter ocorrido aproxima- al.,1983; Oliveira Filho et al., 1989;
damente nos últimos 1.000 anos A. P. Moreira, 2000; Ribeiro et al., 1982;

79
Henriques

Ruggiero et al., 2002). Diferenças de diferenças de duas características


escala e de metodologia podem explicar, edáficas de 47 amostras de solos, para a
em parte, os resultados conflitantes região core dos cerrados em Goiás (Krejci
encontrados por esses autores. et al, 1982). Observa-se que, as florestas
estacionais ocorrem em solos com maior
Relativamente, espera-se maior concentração de nutrientes do que as
fertilidade onde a vegetação é mais alta fisionomias de cerrado sensu lato
e densa, como no cerradão e floresta (Figura 3). A saturação média de bases
estacional, devido à maior contribuição em solos de floresta estacional foi maior
da matéria orgânica para o solo nestas (55,6 ± 8,7) do que em solos dos
fisionomias. Devido à maior capacidade cerrados (18,4 ± 14,7). Outra diferença
da matéria orgânica reter nutrientes, os observada foi na razão ki, o valor médio
solos das fisionomias com maior para os solos do cerrado sensu lato foi
cobertura vegetal (cerrado, cerradão) menor (1,5 ± 0,8) do que para os solos
tornam-se mais férteis do que aqueles da floresta estacional (2,1 ± 0,9) (Figura
com menor cobertura (campo limpo, 3). A razão ki (razão molecular do SiO2
campo sujo). Isto não indica que para Al 2 O 3 ) mede o grau de
originalmente as áreas com formações latossolização e indica a maturidade do
de maior cobertura possuíssem solos solo. Quanto maior o grau de
mais férteis. latossolização mais jovem é o solo e
Diferenças na fertilidade do solo maior o valor de ki. Independentemente
entre fisionomias foram registradas para da rocha matriz do solo, baixos valores
dois subtipos de cerradão (Furley & de ki estão associados com baixos
Ratter, 1988), os distróficos, de baixa
fertilidade e os mesotróficos, de maior
fertilidade, principalmente na
concentração de cálcio. Estas
características nutricionais estavam
associadas também a diferenças
florísticas, com as espécies do primeiro
subtipo classificadas como calcífugas e
as do segundo como calcífilas. No
entanto, a grande similaridade florística
dos cerradões mesotróficos com as
florestas estacionais (Ratter et al., 1978; Figura 3
Distribuição dos valores
Oliveira Filho & Ratter, 1995), pode
de saturação de bases
indicar que ambos pertençam ao mesmo
(%) e razão ki (razão
tipo de unidade florístico-fisionômica. molecular de SiO2 para
Al2O3, veja texto), nas
A floresta estacional ocorre em solos
áreas com cerrado sensu
com maior fertilidade (Ratter et al., lato e florestas
1978a), associada a afloramentos de estacionais no Brasil
rochas básicas. A distribuição deste tipo central. A caixa para
de fisionomia independente do gradiente 95% dos valores, indica
vegetacional do cerrado sensu lato é a média (linha contínua)
consistente com a sua associação aos a mediana (linha
pontilhada) e o desvio
substratos ricos em rochas básicas. Isto
padrão.
pode ser verificado na comparação das

80
História, solo, fogo e fitofisionomias

conteúdos de nutrientes. Com base no solo. Pelo exposto anteriormente, fica


levantamento de solos do Estado de São evidente que a fertilidade não explica as
Paulo, foi proposto por Eiten (1972), que diferenças entre as fisionomias do
o cerrado sensu lato ocorria apenas em cerrado sensu lato. As evidências para a
solos que apresentassem um valor de ki influência da profundidade do solo na
inferior a 1,8 e que, onde o solo variação das fisionomias do cerrado
apresentasse baixo conteúdo de sensu lato são baseadas nos resultados
nutrientes (ex. Latossolo Vermelho - de Eiten, (1972, 1978, 1979, 1982, 1984,
Amarelo textura arenosa e Regossolo), 1994) e Oliveira Filho et al. (1989).
apenas cerrado sensu lato era observado. Devido ao baixo conteúdo de nutrientes,
os aumentos da densidade e da altura
A Figura 3 mostra que para a região
da vegetação da fisionomia de cerradão
do Brasil central, embora, exista
são limitados pela profundidade do solo.
sobreposição nos valores de ki entre o Apenas em uma profundidade maior, o
cerrado sensu lato e a floresta estacional, solo possuiu um estoque de nutriente
o valor máximo de ki foi de 1,9 para suficiente para o desenvolvimento de
95% dos valores, o qual foi inferior ao uma maior biomassa da vegetação.
valor para as florestas estacionais (2,8). Paralelamente, resultados de Franco
O valor máximo para o cerrado sensu (2002) e Kanegae et al. (2000) mostram
lato observado no Brasil central, foi que o conteúdo de água na superfície
próximo ao valor de 1,8 registrado para do solo (até 30cm) das fisionomias
o cerrado sensu lato para o Estado de abertas para as fechadas no final da seca
São Paulo (Eiten 1972). aumenta.

Todos estes resultados sugerem Baseado nos estudos acima e nas


fortemente que as fisionomias de cerrado observações do autor no Distrito Federal,
sensu lato diferentemente da floresta uma distribuição hipotética dos tipos
estacional, estão associadas a solos de fisionômicos de vegetação do cerrado
grande maturidade, e altamente sensu lato é apresentada, em função da
intemperizados, como indicado pelos profundidade e do conteúdo de água do
baixos valores de ki, o que resultou em solo, no fim da estação seca (Figura 4).
solos com baixo conteúdo de nutrientes As fisionomias são colocadas na sua
e, na maioria dos casos, também com posição relativa aos dois fatores
alta saturação de alumínio. Como ambientais e representam o potencial
sugerido por Eiten (1972), parece que o máximo de desenvolvimento da
conteúdo de nutrientes, expresso pela vegetação para as referidas condições
soma de bases, e o valor de ki são os ambientais. A figura mostra também que,
melhores fatores edáficos para separar a fisionomia que apresenta o mínimo
o cerrado sensu lato da floresta impedimento edáfico para o
estacional. desenvolvimento de espécies arbóreas é
o cerradão. Neste caso, além disso, as
O primeiro modelo explicativo das condições para o estabelecimento e
diferenças fisionômicas para a vegetação desenvolvimento de uma vegetação
primária do bioma do Cerrado foi arbórea (cerradão) nas fisionomias
realizado por Eiten (1972). Neste abertas (ex. campo limpo e campo sujo),
modelo, são indicados três fatores para podem ser limitadas pelo conteúdo de
explicar esta diferenciação: pro- água na estação seca e pelo menor
fundidade, drenagem e fertilidade do estoque de nutrientes.

81
Henriques

IDÉIAS PIONEIRAS SOBRE O PAPEL dois anos de duração (1833– 1835).


DO FOGO NO BIOMA DO Como resultado das suas observações,
CERRADO Lund sugeriu que o cerradão
(Catanduva, como era chamado em São
A primeira hipótese para a origem Paulo e Minas Gerais no século 19) era a
das fisionomias abertas do cerrado sensu vegetação florestal primária na região do
lato (campo limpo, campo sujo e bioma do Cerrado do planalto central e
cerrado sensu stricto) devido à influência que, pela ação do fogo foi transformado
do fogo tem início na primeira metade em muitas áreas, nas fisionomias abertas
do século 19, com o trabalho de P. W. de campos e de cerrado sensu stricto
Lund “Anotações sobre a vegetação nos (Figura 5). Realizando observações
planaltos do interior do Brasil, independentes em Minas Gerais e Goiás,
especialmente fito-históricas” (Lund, Saint-Hilaire (1827; 1831) chegou às
1835). Lund era um botânico sistemata, mesmas conclusões. Posteriormente,
familiarizado com a flora e a fisionomia outras observações, realizadas em São
de várias áreas geográficas, parti- Paulo por Loefgren (1898; 1906; 1912),
cularmente São Paulo, Minas Gerais e foram consistentes com a hipótese de
Goiás, que conheceu em uma viagem de Lund. Uma série de evidências
Figura 4
Ocorrência potencial
das fisionomias de
cerrado sensu lato em
função da
profundidade e do
conteúdo de água na
superfície do solo no
fim da estação seca.
Cc – capacidade de
campo; Pm – ponto de
murchamento; CL –
campo limpo; CS –
campo sujo; Css –
cerrado sensu stricto;
CD – cerradão.

Figura 5
Representação da
hipótese de Lund
(1835) do efeito do
fogo na evolução da
vegetação no bioma
dos cerrados. O fogo
transforma o cerradão
em cerrado, que pela
continuidade do fogo é
substituído pelo campo,
que pode ser mantido
pelo fogo periódico.

82
História, solo, fogo e fitofisionomias

observacionais, realizadas depois destes evidências, Rawitscher et al. (1943,


estudos, sugerem que, em muitas áreas, 1948), refutam a hipótese de Warming
o cerrado se originou pela ação do fogo (1892), de que a limitação por água era
no cerradão (Ab’Saber & Junior, 1951; a causa da ausência das florestas em
Aubreville, 1959; Schnell, 1961; Eiten, áreas ocupadas com fisionomias abertas
1972, Rizzini, 1963, 1979). do cerrado sensu lato, demonstrando
também, que o conteúdo de água no solo
poderia manter formações florestas.
Rawitscher (1948) propõe que, em Emas,
ECONOMIA DE ÁGUA E O CARÁTER
São Paulo, o cerrado sensu stricto,
SECUNDÁRIO DAS FISIONOMIAS poderia ser uma vegetação secundária
ABERTAS DO CERRADO SENSU LATO resultante da ação do fogo em uma
A hipótese de Lund de que, pela ação fisionomia florestal primária.
do fogo, o cerradão pode dar lugar às Concluindo, considera que o solo no
fisionomias abertas do bioma do Cerrado cerrado sensu lato, tem condições de
(campo limpo, campo sujo, cerrado manter formações florestais, talvez do
sensu lato) foi aceita parcialmente por tipo cerradão, e que as fisionomias
Warming (1892), que não achava abertas poderiam ser formações
possível que este processo tivesse secundárias resultantes da ação do fogo
(Rawitscher, 1950; 1951).
ocorrido em tão grande extensão
geográfica. A ocorrência de fisionomias
abertas do cerrado sensu lato era
atribuída à limitação por água. Warming, IMPACTO DO FOGO NA
que considerava o cerrado uma vege- VEGETAÇÃO DO CERRADO SENSU
tação adaptada à deficiência de água
LATO
(xerofítica) (sensu Schimper 1903),
supunha que as fisionomias abertas do O fogo é um drástico agente de
cerrado sensu lato, ocorriam devido ao perturbação na vegetação do bioma do
período seco e à precipitação menor que Cerrado com grande impacto na
as das áreas de florestas (ex. floresta dinâmica das populações das plantas. O
Atlântica). Esta hipótese foi refutada a fogo causa a diminuição da altura da
partir dos resultados obtidos em uma vegetação (Hoffmann & Moreira, 2002)
série de estudos por Felix Rawitscher e e, uma mortalidade de plantas lenhosas
colaboradores (Ferri, 1944; Rachid, 1947; variando de 13 a 16%, dez vezes maior
Rawitscher et al., 1943; Rawitscher, em relação às áreas protegidas, incluindo
1948; 1950, 1951). Os principais árvores de 21cm de diâmetro e 8,5m de
resultados destes estudos mostraram: (1) altura (Sato & Miranda, 1996). O fogo
que as espécies mostravam de pequena também tem um grande efeito na
a nenhuma adaptação fisiológica para a composição de espécies do cerradão,
seca; (2) que a maioria das plantas eliminando espécies características desta
lenhosas possuía sistemas radiculares fisionomia e sensíveis ao fogo como,
profundos tendo acesso às camadas de Emmotum nitens, Ocotea pomaderroides
solo com água; e (3) que o solo com e Alibertia edulis (Hoffmann & Moreira,
fisionomia de cerrado sensu stricto 2002).
apresentava água disponível para a A mortalidade das plântulas pelo
vegetação o ano todo. Baseado nestas fogo é ainda maior (33% a 100%), o

83
Henriques

mesmo ocorrendo com as rebrotas de relação ao das áreas protegidas


crescimento vegetativo (7% a 47%) (Andrade, 2002). Nas áreas queimadas
(Hoffmann, 1996; 1999). Em áreas com também ocorre um aumento da
até um ano depois de queimadas, o abundância das gramíneas e do seu
estabelecimento das plantas é também banco de sementes (Miranda, 2002;
drasticamente reduzido (Hoffmann, Andrade, 2002). A maior abundância de
1996). Esse efeito é maior nas espécies gramíneas pode diminuir drasticamente
características de cerradão, como a sobrevivência de plântulas de espécies
Alibertia macrophyla, Pera glabrata e lenhosas (Heringer, 1971).
Ocotea pomaderroides.
Baseado nos resultados obtidos
Com maior freqüência de nesses estudos até o momento, a Figura
queimadas, as taxas anuais de cresci- 6 mostra um modelo geral descrevendo
mento populacional, favorecem as os efeitos do fogo na dinâmica da
formas de crescimento menores vegetação do cerrado sensu lato. Este
(arbustos) em detrimento das maiores modelo mostra as complexas relações
(árvores) (Hoffmann, 1999; Hoffmann & entre os principais processos internos,
Moreira, 2002). O fogo também aumenta modificando a vegetação. Algumas
a importância da reprodução vegetativa, características deste modelo devem ser
em relação à da reprodução sexuada ressaltadas. Os processos mostrados na
(Hoffmann, 1998; 1999). Isto ocorre pela Figura 6 podem ocorrer em qualquer
estimulação, pelo fogo, da reprodução vegetação submetida ao efeito do fogo,
vegetativa e do seu maior valor de mas alguns processos são mais
sobrevivência em relação à das plântulas. importantes na vegetação dos cerrados,
Além disso, algumas espécies de plantas como exemplo, a reprodução vegetativa
lenhosas reduzem drasticamente a e o rápido aumento da abundância de
produção de sementes ao nível gramíneas. A maior espessura das setas
populacional nas áreas recentemente representa a sua importância relativa aos
queimadas (Hoffmann, 1998). Isto se outros processos e também a
reflete na redução do banco de sementes importância da dependência entre os
destas espécies nas áreas queimadas, em processos. A magnitude do efeito dos

Figura 6
Esquema dos efeitos
do fogo nos
processos que
determinam a
fisionomia aberta na
vegetação dos
cerrados. As setas
mais grossas
indicam os principais
processos.

84
História, solo, fogo e fitofisionomias

processos na vegetação está na lato, como observado por Moreira


dependência da freqüência com que (2000).
ocorre o fogo (Hoffmann, 1996; 1998;
1999). Além disso, os fatores externos
não foram considerados neste modelo, O CARÁTER SUCESSIONAL DAS
como o efeito da variação de FISIONOMIAS ABERTAS DOS
precipitação, a ocorrência de veranicos, CERRADOS
herbivoria, geadas, ou fertilidade do
solo, os quais podem mudar a Coutinho (1982, 1990) realizou uma
importância relativa dos diferentes série de observações que mostraram que
processos. Todos os processos as fisionomias abertas dos cerrados,
apresentados na Figura 6 enfatizam o aumentavam de altura e densidade, com
grande impacto causado pelo fogo na a proteção contra o fogo. No cerrado
modificação das fisionomias dos sensu lato, a proteção contra o fogo
cerrados, de fisionomia fechada para resulta em um progressivo aumento da
aberta, principalmente no que se refere vegetação lenhosa (Henriques & Hay,
à modificação de fisionomias com maior 2002; Hoffmann & Moreira, 2002).
densidade/altura de lenhosas e baixa Portanto, onde as fisionomias abertas do
abundância de gramíneas (ex. cerradão) cerrado (campo limpo, campo sujo,
para uma fisionomia com baixa altura/ cerrado sensu stricto) não são
densidade de lenhosas e alta cobertura determinadas por limitação edáfica
de gramíneas (ex. cerrado sensu stricto, (Figura 4), mas resultantes da ação do
campo limpo, campo sujo). fogo em fisionomias mais fechadas, a sua
proteção contra o fogo deve permitir a
Através de simulações de modelos evolução sucessional em direção à
populacionais, foi estimado que com fisionomia primária mais fechada.
uma freqüência de queima maior que
quatro ou cinco anos, as populações de Em um gradiente fisionômico
algumas espécies de árvores não podem iniciando em campo sujo e indo até o
se manter no cerrado sensu lato cerradão, no Brasil central, Moreira
(Hoffmann, 1998; 1999). Nas condições (2000) mostrou que, depois de 18 anos
típicas de queimadas nos cerrados, de de proteção contra o fogo, as áreas
uma vez a cada dois anos (Eiten, 1972), protegidas apresentavam aumento
significativo no número de plantas
as fisionomias mais fechadas dos
lenhosas e na riqueza de espécies, em
cerrados (ex. cerradão), podem estar
relação às áreas não protegidas. Algumas
sendo substituídas por fisionomias mais
espécies arbóreas do cerradão, como
abertas (ex. campo limpo, campo sujo,
Blepharocalix salicifolius e Sclerolobium
cerrado sensu stricto), com drásticas
paniculatum, apresentaram maior
modificações na composição de espécies.
abundância no cerradão protegido do
Nestas fisionomias abertas, são
fogo do que no queimado enquanto
favorecidas as plantas não sensíveis ao
espécies características como Emmotum
fogo, que se reproduzem vegeta-
nitens e Ocotea pomaderroides (Furley &
tivamente. As alterações na composição
Ratter 1988), apenas foram encontradas
de espécies que acompanham esta
no cerradão protegido do fogo.
substituição podem estar diminuindo
drasticamente a diversidade das Estudando a dinâmica das
comunidades vegetais do cerrado sensu populações de plantas lenhosas de um

85
Henriques

cerrado protegido do fogo, Henriques & floresta estacional seca (Pennington et


Hay (2002) encontraram fortes al., 2000; Ratter et al., 1978a,1978b),
evidências que suportam a hipótese de sugerem que esta fisionomia pode ter
que o cerrado sensu stricto pode ser uma sido a vegetação primária nesta área. Do
comunidade fora do equilíbrio, tendo mesmo modo um penúltimo estágio que
uma natureza sucessional. Considerando foi identificado na área, apresenta as
a extensa ocorrência e a alta freqüência espécies: Bowdichia virgilioides e
das queimadas no bioma do Cerrado é Caryocar brasiliense, características do
possível que esta hipótese possa ser cerradão (Heringer et al., 1977; Ratter,
aplicada para uma grande área, ocupada 1971, 1991). Esses resultados sugerem
atualmente com as fisionomias abertas que, as áreas inicialmente com
do cerrado sensu lato. Esta hipótese é fisionomias abertas no estágio de campo
corroborada pelos resultados de sujo, foram substituídas por cerrado
Hoffmann (1999), que mostram que a sensu stricto, as áreas com cerrado sensu
diminuição da freqüência de fogo, pode stricto por cerradão e as com cerradão
permitir o crescimento líquido positivo por floresta estacional, quando a área
de populações de árvores, aumentando foi protegida do fogo.
a densidade e cobertura de lenhosas.

Se a vegetação do cerrado sensu lato, CONSIDERAÇÕES FINAIS


protegido do fogo, incrementa em
densidade e riqueza de espécies, quais Do que foi apresentado anterior-
seriam as trajetórias sucessionais para mente, podemos observar que na
as fisionomias dos cerrados? Em uma ausência ou baixa freqüência do fogo,
análise de agrupamento de fisionomias os diferentes tipos de vegetação no
queimadas e protegidas do fogo, Moreira gradiente fisionômico podem ser
(2000) encontrou maior similaridade resultantes de condições edáficas. E que
florística entre as áreas protegidas de cada um dos diferentes tipos
campo sujo e cerrado sensu stricto fisionômicos é o estágio mais maduro
queimado, e cerrado sensu stricto que a vegetação pode alcançar em cada
protegido com cerradão queimado. Estes posição no gradiente edáfico. Nesse
resultados sugerem uma seqüência sentido, em termos sucessionais, no
sucessional do tipo campo sujo – cerrado cerrado existem vários estágios finais de
– cerradão. sucessão para a mesma condição
Usando fotografias aéreas, Durigan climática. Esta idéia é consistente com o
et al., (1987) analisaram o compor- conceito de clímax-gradiente de
tamento das fisionomias do cerrado Whittaker (1953), onde ocorre uma
sensu lato após 22 anos de proteção continuidade espacial dos diferentes
contra o fogo em Assis, São Paulo. Seus tipos de comunidades clímax (gradiente
resultados mostraram que a densidade fisionômico), variando paralelamente
e a altura da vegetação das fisionomias com o gradiente ambiental, e não
abertas evoluíram para uma fisionomia necessariamente diferentes comunidades
florestal mais densa, de porte mais alto clímax discretas separadas, como no
após a proteção contra o fogo. A conceito de policlímax. Eiten (1972)
presença na fisionomia mais madura de também considerou o bioma Cerrado
Platypodium elegans e Machaerium dentro do conceito clímax-gradiente de
acutifolium, espécies características da Whittaker.

86
História, solo, fogo e fitofisionomias

Assim cada um dos tipos fisio- Com a proteção contra o fogo pode se
nômicos é considerado aqui como um iniciar o processo de sucessão da
tipo de clímax. Na ocorrência do fogo, vegetação. Um modelo conceitual
todos os tipos fisionômicos sofrem um resumindo as seqüências de estágios
processo de regressão para uma sucessionais hipotéticos é apresentado
fisionomia (estágio) mais aberta, com na Figura 7. Segundo este modelo, as
desenvolvimento do estrato inferior fisionomias abertas dos cerrados (campo
dominado por gramíneas e diminuição limpo, campo sujo e cerrado sensu
do componente lenhoso arbustivo – stricto), ocorrendo em solos, profundos
arbóreo (Figura 6). Com uma alta e estando protegidas do fogo, podem
freqüência de queima, espécies arbóreas apresentar o estabelecimento e
sensíveis ao fogo não conseguem manter crescimento das populações de arbustos
uma taxa positiva de crescimento e árvores (Henriques & Hay, 2002;
populacional, particularmente as Hoffmann & Moreira, 2002). Este
espécies arbóreas do cerradão (Figura 6). incremento na densidade é acom-

Figura 7
Modelo conceitual de
sucessão e regressão
das fisionomias dos
cerrados, em função
da profundidade do
solo e do fogo no
Brasil central.

87
Henriques

panhado de aumento da cobertura e análises de similaridade florística entre


altura da vegetação. Se não houver elas, podem apresentar nenhuma
impedimento edáfico (Figura 4), a congruência espacial, por exemplo, com
vegetação poderá evoluir até uma áreas próximas geograficamente
fisionomia arbórea como o cerradão. apresentando menor similaridade
Considerando que a região do bioma florística do que áreas mais afastadas,
do Cerrado pode estar apresentando uma por se encontrarem em diferentes
freqüência de fogo acima do regime estágios sucessionais após o fogo.
normal, devido à ação antrópica, é Este capítulo apresenta a existência
provável que as fisionomias abertas, em de correspondência entre atributos e
particular a de cerrado sensu stricto em
processos da vegetação em relação a três
áreas sem impedimento edáfico, estejam
fatores fundamentais: história, solo e
em diferentes estágios sucessionais após
fogo. Esses três fatores são considerados
o fogo, em uma fisionomia com
os agentes que determinam a forma e a
vegetação mais desenvolvida.
ocorrência das fitofisionomias do cerrado
Esta hipótese tem várias implicações sensu lato e floresta estacional. No
para estudos ecológicos de vegetação, entanto, embora ajudem precisamente a
principalmente em estudos fitosso- entender os resultados disponíveis no
ciológicos comparativos entre áreas com momento, servindo para estabelecer
cerrado sensu stricto. Considerando que futuras prioridades de pesquisa, são
estas áreas podem ter diferentes histórias necessárias mais informações de modo
do fogo, e se acharem em diferentes a aceitar ou rejeitar as hipóteses aqui
estágios sucessionais, os resultados de apresentadas.

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92
História, solo, fogo e fitofisionomias

Capítulo 4

FOTO: ALDICIR
FOTO: SCARIOT
ALDICIR SCARIOT
Efeitos do
fogo na
vegetação
lenhosa do Heloisa Sinátora Miranda
Margarete Naomi Sato
Departamento de Ecologia

Cerrado Universidade de Brasília


Brasília, DF

93
Henriques

94
História, solo, fogo e fitofisionomias

INTRODUÇÃO ocorrem de setembro a maio, no final


da estação seca e durante a estação
As formas fisionômicas mais chuvosa. As queimadas destinadas ao
comuns do Cerrado caracterizam-se por preparo da terra para o plantio de grãos
possuir um estrato rasteiro bastante ou ao manejo de pastagens naturais ou
desenvolvido, constituído princi- plantadas são, geralmente, realizadas
palmente por gramíneas, e um estrato durante a estação seca (Coutinho, 1990).
lenhoso não muito denso, onde as copas Embora, a vegetação lenhosa do Cerrado
das árvores não formam um dossel apresente características adaptativas ao
contínuo (Ribeiro & Walter, 1998). A fogo (Eiten, 1994; Coutinho, 1990), as
vegetação apresenta fenologia queimadas durante a época seca podem
marcadamente sazonal, havendo grande resultar em mudanças mais significativas
produção de biomassa durante a estação na estrutura e composição florística da
chuvosa (outubro a maio). Na estação vegetação do que as queimadas
seca, as gramíneas, em sua maioria, provocadas na época chuvosa.
estão inativas e a maior parte de sua Apresentamos neste capítulo uma
biomassa aérea seca morre favorecendo revisão dos dados disponíveis na
a ocorrência de incêndios (Klink & literatura sobre os efeitos do fogo na
Solbrig, 1996). O registro mais antigo de vegetação lenhosa do Cerrado. Nesta
fogo na região do Cerrado data de 32000 discussão, a expressão queimada está
A.P. (Ferraz-Vicentini, 1993), restrita àquelas prescritas e os termos
provavelmente sendo de origem natural. fogo ou incêndio se referem às
Registros mais recentes, 13700 A.P. e queimadas não prescritas ou de origem
8600 A.P., são apresentados por Oliveira desconhecida.
(1992) e Coutinho (1981), podendo ser
Diferentes tipos de danos na
de origem natural ou antrópica (Salgado- vegetação lenhosa têm sido relatados,
Labouriau & Ferraz-Vicentini, 1994). principalmente nos padrões repro-
Estudos recentes realizados por Ramos dutivos, no recrutamento e estabele-
Neto & Pivello (2000), no Parque cimento de novos indivíduos e taxas de
Nacional de Emas (GO), mostram que mortalidade. Estes serão os efeitos do
incêndios de Cerrado iniciados por raios fogo abordados neste capítulo.

95
Miranda & Sato

FLORAÇÃO de botões florais e flores de K. coriacea


entre uma área protegida de queima e
Uma intensa floração após a outra queimada no final da estação seca.
passagem do fogo tem sido amplamente Felfili et al. (1999) em estudo de longa
relatada para a vegetação do estrato duração sobre fenologia de S.
rasteiro do Cerrado (Freitas, 1998; adstringens, não observaram diferença
Haddad & Válio, 1993; César, 1980; significativa para a produção de flores,
Coutinho, 1976). Todavia, poucos são os um ano após um incêndio em área de
estudos sobre a resposta imediata da cerrado sensu stricto. Ao comparar
vegetação lenhosa. Miranda (1995) em resultados obtidos em uma área de
estudo da fenologia de um cerrado sensu cerrado sensu stricto protegida de queima
stricto, em Alter-do-Chão (PA), registrou por mais de sete anos e áreas queimadas
que imediatamente após um incêndio há um, dois e três anos, Hoffmann
não houve alteração significativa na (1998) mostra que o período após
floração do estrato arbóreo. Um mês queima não resultou em diferenças
antes da ocorrência do fogo havia oito significativas na produção de flores de
espécies em floração, e cinco espécies R. montana, embora tenha ocorrido uma
um mês após a queima. Para Byrsonima redução na porcentagem de indivíduos
crassifolia houve uma pequena redução com flores. Miyanishi & Kellman (1986)
do número de indivíduos em floração observaram que o máximo da floração
após a queima e Himatanthus falax de Miconia albicans ocorreu no terceiro
floresceu mais intensamente, com cerca período reprodutivo após a passagem do
de 26% dos indivíduos apresentando fogo, enquanto Hoffmann (1998) e
flores. Todavia, cerca de 60% dos Sanaiotti & Magnusson (1995)
indivíduos com flor apresentavam mais observaram a produção máxima de flores
de 5m de altura, sendo portanto, bem ao final de um período de dois anos após
maiores que a altura média das chamas a queima. Piptocarpha rotundifolia
(Frost & Robertson, 1987) e altos, o apresenta uma resposta positiva à
suficiente, para não permanecerem, por ocorrência de queimadas, sendo o
um período muito longo, expostos à número de capítulos produzidos no
coluna de ar quente. Para queimada de primeiro ano após a queimada,
campo sujo, Freitas (1998) registrou a significativamente maior do que em uma
floração de Erythroxylum suberosum, área sem queima (Hoffmann, 1998).
Stryphnodendron adstringens, Byrsonima Embora sem registrar as espécies,
coccolobifolia, Byrsonima verbascifolia e Miranda (1995) relata que um ano após
Palicourea rigida entre 14 e 94 dias após um incêndio em cerrado sensu stricto o
queimadas experimentais. número de espécies em floração não
Efeitos do fogo na produção de flores diferiu significativamente do registrado
no período seguinte à ocorrência de antes da ocorrência do fogo.
incêndios ou queimadas têm sido Os diferentes efeitos do fogo na
relatados com maior freqüência. O fogo produção de flores podem estar
parece não alterar a produção de flores refletindo a fenofase da espécie no
de Kielmeyera coriacea, Roupala momento da queima: danos parciais,
montana e Stryphnodendron adstringens. como morte de ramos resultando na
Landim & Hay (1996) observaram que, diminuição no porte do indivíduo; ou a
um ano após a ocorrência do fogo, não ocorrência de morte total da parte aérea,
há diferença significativa na produção com investimento preferencial na

96
Fogo e vegetação lenhosa

produção de rebrotas, ao invés de em queimadas anuais, dois anos sem


órgãos reprodutivos (Medeiros, 2002; queima e mais duas queimadas anuais)
Hoffmann, 1998). na produção de frutos em árvores e
arbustos em um cerrado na Amazônia.
Os diferentes regimes de queima
PRODUÇÃO DE FRUTOS E DE resultaram em diferentes efeitos na
SEMENTES produção de frutos para as espécies
arbóreas e arbustivas. Considerando as
Na vegetação do Cerrado, algumas espécies arbóreas presentes na área,
espécies apresentam frutos tolerantes às Anacardium occidentale, Byrsonima
altas temperaturas durante a passagem coccolobifolia, B. crassifolia, Myrcia sp.,
da frente de fogo (Cirne, 2002; Landim Pouteria ramiflora e Simarouba amara,
& Hay, 1996; Coutinho 1977), porém os autores concluíram que o fogo não
muitas sofrem um efeito negativo (Felfili alterou o número de espécies
et al., 1999; Miranda, 1995; Sanaiotti & frutificando, quando comparado ao
Magnusson, 1995). Landim & Hay (1996) período sem queima. Sanaiotti &
observaram que para indivíduos de K. Magnusson (1995) atribuem essa
coriacea, com altura entre um e três resposta à altura das copas, geralmente
metros, o fogo danificou cerca de 60% acima 1,5m (evitando a ação direta das
dos frutos, enquanto que em uma área chamas), e à eficiente proteção oferecida
protegida contra a queima apenas 8% pela casca espessa destas espécies. Não
dos frutos apresentavam dano. Cirne foi observado um único padrão de
(2002) mostrou que os frutos de K. produção de frutos pós-fogo para as
coriacea são eficientes na proteção das espécies arbustivas. Algumas espécies
sementes durante queimadas. A não tiveram a produção de frutos
temperatura máxima externa dos frutos alterada pela queimada, outras
pode atingir valores entre 390oC a 730oC, apresentaram um atraso no período de
dependendo da sua posição na copa, frutificação ou somente produziram
enquanto que no interior do fruto a frutos no ano seguinte à ocorrência do
temperatura máxima é da ordem de 62oC, fogo, e algumas espécies, como
sendo de cerca de 100s a permanência conseqüência da grande redução da parte
de temperatura superior a 60 oC, não vegetativa, necessitariam de três ou mais
afetando a viabilidade das sementes. O anos para retornar a situação pré-fogo.
autor também registrou um aumento
Em um estudo sobre o sucesso
significativo na deiscência de frutos após
reprodutivo de Byrsonima crassa, após
a passagem do fogo, confirmando que o
a ocorrência de um incêndio no final da
fogo promove a abertura de frutos de
estação seca em área de cerrado sensu
algumas espécies do Cerrado, como já
stricto, Silva et al. (1996) concluíram que
reportado para Anemopaegma arvenses,
o fogo estaria estimulando a produção
Gomphrena macrocephala, Jacaranda
de botões e frutos. Hoffmann (1998)
decurrens e Nautonia nummularia,
observou que os frutos e sementes de
espécies anemocóricas do estrato
Miconia albicans, Myrsine guianensis,
herbáceo-subarbustivo (Coutinho,
Roupala montana, Periandra
1977).
mediterranea, Rourea induta e
Sanaiotti & Magnusson (1995) Piptocarpha rotundifolia foram
apresentam resultados sobre o efeito de danificados por uma queimada ocorrida
diferentes regimes de queima (duas no final da estação seca. Todas as

97
Miranda & Sato

espécies, exceto P. rotundifolia, reprodução vegetativa de um grande


apresentaram um declínio na produção número de espécies lenhosas (Rizzini,
de sementes como resposta à queimada. 1971; Ferri, 1961), Kanegae et al. (2000),
Segundo o autor, o decréscimo no Braz et al. (2000), Nardoto et al. (1998),
número de sementes é conseqüência da Oliveira & Silva (1993) reportam que as
redução no tamanho dos indivíduos e plântulas de espécies lenhosas do
do investimento em reprodução Cerrado são capazes de sobreviver ao
vegetativa. Andrade (2002), em estudo estresse imposto pela longa estação seca.
sobre a recuperação do banco de Durante esse período, o fogo também
sementes no solo de uma área de cerrado pode representar mais um fator a
sensu stricto queimada em agosto, no dificultar o estabelecimento das plântulas
meio da estação seca, determinou que (Braz et al., 2000; Oliveira & Silva, 1993).
10 meses após a queima o número de
Hoffmann (1996) investigou o efeito
sementes viáveis de M. albicans era de
de diferentes regimes de queima no
40 sementes/m2, quatro vezes maior do
estabelecimento de plântulas de
que o determinado no dia anterior à
Brosimum gaudichaudii, Guapira noxia,
queimada. Felfili et al. (1999), em estudo
Kielmeyera coriacea, Miconia albicans,
sobre fenologia de Stryphnodendron
Myrsine guianensis, Periandra
adstringens, observaram que um
mediterranea, Roupala montana, Rourea
incêndio ocorrido no final da estação
induta e Zeyheria montana. Para isso, o
seca, afetou a produção de frutos. A
sucesso no estabelecimento foi
frutificação ocorreu no segundo ano após
comparado entre uma área de cerrado
o incêndio e o número de frutos
sensu stricto protegida de queima por
produzidos foi a metade daquele
mais de sete anos, e áreas queimadas há
registrado no período pré-fogo. Miranda
um ano, dois anos, e na estação seca
(1995) em estudo da fenologia de um
anterior. Os resultados mostram que,
cerrado sensu stricto registrou que, um
para todas as espécies, o estabelecimento
mês após a ocorrência de um incêndio,
de plântulas foi menor na área
houve uma redução de 33% no número
recentemente queimada do que nos
de espécies com frutos, e que após um
outros tratamentos, mas que não houve
ano, apenas sete das 19 espécies
diferença significativa no estabeleci-
inventariadas apresentavam frutos.
mento entre a área protegida e aquelas
Embora esses estudos avaliem efeitos do
queimadas há um e dois anos.
fogo na produção de frutos e sementes
para várias espécies lenhosas do Oliveira & Silva (1993) em estudos
Cerrado, há ainda a necessidade de sobre biologia reprodutiva de K. coriacea
estudos de longa duração para melhor mostraram que apenas 5% das plântulas
avaliação desses efeitos quando morreram como conseqüência do fogo
associados às variações temporais na acidental que ocorreu na primeira
fenologia das espécies. estação seca após o estabelecimento. Os
autores atribuem a alta taxa de
sobrevivência dessa espécie ao rápido
SOBREVIVÊNCIA DE PLÂNTULAS E desenvolvimento do sistema radicular,
INDIVÍDUOS JOVENS acumulando água e reservas de amido,
Embora na literatura sobre nos primeiros estádios de desenvol-
estratégias reprodutivas da vegetação do vimento da plântula. Braz et al. (2000),
Cerrado seja dada ênfase para a em estudo sobre estabelecimento e

98
Fogo e vegetação lenhosa

desenvolvimento de plântulas de intervalos entre queimadas, as plântulas


Dalbergia miscolobium, em uma área de não se desenvolvem o suficiente para
cerrado sensu stricto, também atingir o tamanho crítico de escape ao
determinaram baixa taxa de mortalidade fogo, e as sucessivas rebrotas resultam
(14%) após um incêndio, no final da em exaustão dos órgãos de reserva
estação seca e seguinte ao estabe- (Whelan, 1995).
lecimento. As plântulas sobre-
viventes rebrotaram a partir da base,
ocorrendo crescimento acentuado da TAXAS DE MORTALIDADE E
parte aérea nos primeiros meses após o SOBREVIVÊNCIA DE REBROTAS
fogo, resultando em um incremento de
5,5cm na parte aérea ao final da estação Embora muitas espécies do Cerrado
chuvosa. apresentem características morfológicas
de resistência ao fogo - como casca
Para Blepharocalyx salicifolius,
espessa, proteção de gemas e órgãos
Matos (1994) determinou após
subterrâneos - e fisiológicas como a
queimadas prescritas, taxas de
translocação de nutrientes para tecidos
mortalidade de cerca de 90% para
subterrâneos no início da seca
plântulas e 50% para os indivíduos
(Coutinho, 1990), diferentes tipos de
jovens. As rebrotas a partir da base foram
danos na vegetação lenhosa têm sido
da ordem de 10% e 4% para plântulas e
relatados. Esses danos são classificados
para juvenis, respectivamente. O
como leves, com chamuscamento e
tamanho crítico para sobrevivência de
queda das folhas, ou morte dos ramos
juvenis foi estimado em 50cm de altura
mais finos (Ramos, 1990); severos, que
e 0,6cm de diâmetro basal. Para plântulas
incluem a morte da parte aérea com
de M. albicans, Miyanishi & Kellman
rebrota basal e(ou) subterrânea
(1986) determinaram mortalidade de
(“topkill”); ou permanentes, resultando
40% após queima, e estabeleceram a
na morte do indivíduo (Sato, 2003; 1996;
altura crítica para tolerância ao fogo
Rocha e Silva, 1999; Souza & Soares,
como sendo entre 4,3 e 7,5cm. Hoffmann
1983). O conjunto desses danos resulta
(1998) observou que queimadas bienais
na alteração da composição de espécies
resultavam em altas taxas de mortalidade
e na estrutura da vegetação (Sato, 2003;
para plântulas e vergônteas de cinco
Sato et al., 1998).
espécies lenhosas do Cerrado. Para
plântulas de M. albicans a mortalidade A rápida recuperação pós-fogo, via
foi de aproximadamente 100%, 86% rebrotas na parte epigéia, a partir de
para M. guianensis, 64% para R. raízes gemíparas ou da parte basal do
montana, 50% para P. mediterranea e tronco tem sido amplamente reportada
de 33% para R. induta. Entretanto, para na literatura (Sato, 2003; 1996; Rocha e
vergônteas de M. guianensis, R. montana Silva, 1999; Cardinot, 1998; Coutinho,
e R. induta, com diâmetro entre 1,7 e 1990; Ramos, 1990; Souza & Soares,
2,4mm, foi observada alta taxa de 1983). Para espécies lenhosas de campo
sobrevivência. Esses estudos mostram sujo, Rocha e Silva (1999) mostrou que,
que o estabelecimento e desenvol- após três queimadas bienais, cerca de
vimento das plântulas estão relacionados 35 a 65% dos indivíduos apresentaram
ao intervalo entre queimas, com exclusivamente rebrotas na parte epigéia
queimadas freqüentes favorecendo a e que apenas 19% dos indivíduos
reprodução vegetativa. Com curtos apresentavam rebrotas basais ou

99
Miranda & Sato

subterrâneas. Para o cerrado sensu em uma redução de cerca de 4% no


stricto, Sato (1996) observou que, após número de indivíduos. O autor mostrou
duas queimadas bienais, cerca de 66% também que ocorreu uma redução da
da vegetação lenhosa apresentou rebrota ordem de 10cm na altura dos indivíduos,
na parte epigéia e 20% rebrotas basais indicando que queimadas freqüentes
ou subterrâneas. Para cerradão, após um podem atrasar o crescimento dos
incêndio em área que estava protegida indivíduos retardando a passagem para
contra o fogo por 50 anos, Souza & o estádio reprodutivo. Ramos (1990)
Soares (1983) observaram um padrão observou que indivíduos lenhosos com
inverso, 3% dos indivíduos apresen- altura até 128cm e com diâmetro, a 30cm
taram rebrotas na parte epigéia e 77% do solo, menores de 3cm são seriamente
exclusivamente rebrotas basais. danificados durante queimadas. Sato
(1996), em estudo sobre mortalidade da
Queimadas recorrentes podem ter
vegetação lenhosa em cerrado sensu
um grande impacto na sobrevivência de
stricto, mostrou que após uma queimada
rebrotas. Medeiros (2002) mostrou que
os indivíduos com altura entre 30 e
cerca de 60% das rebrotas que morrem
200cm, foram aqueles que apresentaram
em conseqüência de queimadas
maior taxa de mortalidade (40%) e que,
apresentam altura de até 60cm, que
como conseqüência dos danos sofridos,
corresponde à zona de temperaturas
uma queimada realizada dois anos
máximas determinadas para queimadas
depois, fez com que a mortalidade para
de Cerrado (Sato, 1996; Miranda et al.,
os indivíduos com altura inferior a 2m
1996; 1993). Medeiros (2002) mostrou
aumentasse para cerca de 70%.
também que cerca de 70% dessas
rebrotas apresentam diâmetro basal entre Sato (2003) calculou taxas de
0,5 e 1,5cm, indicando que as rebrotas mortalidade para a vegetação lenhosa de
não apresentam uma proteção efetiva da cerrado sensu stricto submetida a
casca contra as altas temperaturas. Rocha queimadas prescritas nos meses de
e Silva & Miranda (1996) e Guedes junho, agosto e setembro. Após cinco
(1993) determinaram uma espessura queimadas bienais a mortalidade foi de
mínima de 6 a 8mm para que a casca 39% na área queimada em junho, e
ofereça uma proteção efetiva ao câmbio cerca de 45% nas áreas queimadas em
durante queimadas de Cerrado. Nos agosto e setembro. Ao considerar
ramos mais baixos, nas rebrotas ou nos o total de caules destruídos
indivíduos jovens que não apresentem (“topkill” + mortos) estes valores
casca espessa, a temperatura no câmbio passam a ser da ordem de 44% para a
pode ultrapassar 60 oC por períodos área queimada em junho, 59% para a
longos o suficiente para causar a morte queimada em agosto e 75% para a
do tecido (Rocha e Silva & Miranda, queimada em setembro, indicando um
1996; Guedes, 1993). efeito diferenciado do fogo na vegetação
lenhosa em relação à época da queima,
O efeito de duas queimadas anuais
isto porque várias espécies lenhosas do
em indivíduos de pequeno porte, isto é,
Cerrado renovam as folhas, florescem ou
entre 20 e 100cm de altura e diâmetro
frutificam durante a estação seca
basal maior que 1,5cm, foi investigado
(Oliveira & Gibbs, 2000).
por Armando (1994) para nove espécies
lenhosas em área de cerrado sensu Para campo sujo, Medeiros (2002)
stricto. As duas queimadas resultaram mostrou que três queimadas anuais

100
Fogo e vegetação lenhosa

realizadas no meio da estação seca, após de sementes viáveis de mono-


25 anos de proteção contra o fogo, cotiledôneas da área queimada
resultaram na morte de 37% dos apresentou cerca de 103 sementes/m2
indivíduos lenhosos presentes na área e enquanto que o da área protegida apenas
77% de caules destruídos. Rocha e Silva 23 sementes/m2. Já o banco de sementes
(1999) em estudo sobre o efeito de de dicotiledôneas foi maior na área
diferentes regimes de queima na protegida (23 sementes/m2) do que na
vegetação lenhosa de campo sujo área queimada (6 sementes/m 2 ). O
mostrou que, após proteção contra fogo favorecimento das gramíneas também foi
por 18 anos, três queimadas bienais em observado por Sato (2003) ao mostrar
meados da estação seca, reduziram em que após 18 anos de proteção contra o
20% o número de indivíduos lenhosos fogo, as gramíneas representavam cerca
na área de estudo e, em área adjacente, de 45% do total de biomassa do estrato
submetida a duas queimadas qua- rasteiro, e que após cinco queimadas
drienais, a mortalidade foi de 21%. bienais passaram a representar cerca de
Entretanto, ao considerar o número de 70%. Estes estudos indicam que a
caules destruídos o autor obteve valores alteração na estrutura da vegetação
da ordem de 33% para a área sob regime lenhosa resultante de queimadas
bienal e de 54% para a área sob regime sucessivas, via altas taxas de mortalidade
quadrienal. A diferença no número de e “topkill”, resultam em sistemas com
caules destruídos apresentados por fisionomias mais abertas, com o
Medeiros (2002) e Rocha e Silva (1999) favorecimento das gramíneas em relação
pode ser consequência do limite mínimo às lenhosas. O que por sua vez, pode
adotado para o diâmetro dos indivíduos tornar o sistema mais susceptível a
inventariados. Medeiros (2002) incluiu queimadas durante a estação seca
todos os indivíduos com diâmetro igual dificultando a regeneração do sistema
ou superior a 2,0cm, enquanto que para sua forma fisionômica pré-fogo.
Rocha e Silva (1999) adotou 5,0cm como
diâmetro mínimo. Estes estudos mostram
que, embora a vegetação lenhosa CONSIDERAÇÕES FINAIS
apresente adaptações de proteção contra
Embora ainda não tenhamos
o fogo, queimadas sucessivas com
informação sobre a frequência de eventos
intervalos de um a quatro anos, comuns
de incêndios naturais no Cerrado, vários
na região do Cerrado (Coutinho, 1990;
estudos mostram que o fogo vem
1982), resultam em altas taxas de
ocorrendo há milhares de anos. Estudos
mortalidade e de “topkill” com alterações
recentes mostram também que os
significativas na estrutura da vegetação.
incêndios causados por raios ocorrem
A alteração na estrutura e preferencialmente no período de
composição da vegetação resultante de transição entre a estação seca e chuvosa
queimadas sucessivas foi investigada por e, em maior frequência, durante a
Andrade (2002) em estudo do banco de estação chuvosa. Porém, com a ocupação
sementes do solo em uma área de do Cerrado para fins agropastoris o
cerrado sensu stricto submetida a quatro regime natural de queima tem sofrido
queimadas bienais e em outra protegida alterações, com as queimadas sendo
do fogo por 25 anos. A autora mostra realizadas durante a estação seca e com
que o banco de sementes nas duas áreas intervalo entre queima de um a quatro
é significativamente diferente. O banco anos. O conhecimento sobre os efeitos

101
Miranda & Sato

do fogo na vegetação lenhosa do aqueles que investigam os efeitos do fogo


Cerrado, sintetizado nesta revisão, no funcionamento do sistema, quer seja
sugere que estas alterações no regime de na taxa de absorção de carbono ou de
queima resultam em fisionomias mais uso de água (Breyer, 2001; Santos, 1999;
abertas como consequência das altas Silva, 1999; Miranda et al., 1997), bem
como estudos relacionados à
taxas de mortalidade, alterações nas
recuperação do sistema. Portanto, é
taxas de recrutamento e favorecimento
necessário ampliar o número de espécies
da vegetação do estrato rasteiro. Embora
estudadas, iniciar estudos sobre
a literatura sobre o assunto seja recuperação de áreas submetidas a
considerável, fica evidente o pequeno queimadas freqüentes e também sobre
número de espécies estudadas, quanto aqueles relacionados aos processos e
à resposta ao fogo, em relação à alta funcionamentos do sistema, para que o
diversidade de espécies lenhosas deste fogo, como ferramenta de manejo, possa
Bioma. Poucos são os estudos de longa ser utilizado com critério e segurança
duração que analisam o efeito do fogo para a manutenção da diversidade da
em populações e comunidades e raros vegetação lenhosa do Cerrado.

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105
Capítulo 5

FOTO: MARIA LEA SALGADO-LABOURIAU

Alguns
aspectos sobre
a Paleoecologia Maria Léa Salgado-Labouriau

dos Cerrados Instituto de Geociências


Universidade de Brasília
Brasília, DF
Miranda & Sato

108
Fogo e vegetação lenhosa

INTRODUÇÃO 1980; Bradbury et al., 1981). Ao contrário


do que se supunha, por volta de 13.000
Nas décadas de 1960 e 1970 muitos AP (anos antes do Presente) não havia
ecólogos acreditavam que os cerrados e lago na região, mas um pântano ou lagoa
outros tipos de savana eram o resultado intermitente onde hoje está o grande lago
do desmatamento e queima das florestas. com cerca de 40m de profundidade.
A vegetação natural das terras baixas Nesse tempo a vegetação em torno do
tropicais seria a floresta. Infelizmente, pântano era do tipo semi-árido e sem
estas idéias ainda perduram em certos árvores. Essa situação continuou até
meios. cerca que 10.000 anos atrás quando os
estudos geoquímicos e o registro de
Quando, no final dos anos de 1970,
microfósseis mostraram o início da
nós apresentamos um projeto para
formação de uma lagoa salobra com
estudar os sedimentos do lago de
diatomáceas e ostracodes de água
Valência a 403m altitude, na Venezuela,
salgada e uma vegetação de plantas
com o propósito de conhecer a história
halófitas nas margens. Nessa época
deste lago, e a vegetação e clima da região
começa a ser depositado o pólen de
em torno no final do Quaternário, o
algumas árvores. O registro palinológico
projeto foi considerado sem sentido por
mostra, entre outros, a presença dos
alguns ecólogos e botânicos. Eles
gêneros Spondias e Bursera, duas árvores
acreditavam que toda a região, onde se
comuns na vegetação do espinar
situa o lago, era coberta por florestas
(Schnee, 1973, entre outros), que é
tropicais úmidas que foram cortadas e
semelhante à caatinga do Brasil, e
destruídas pelos europeus a partir do
ocorrem nela também (Joly, 1979).
século 18 para formar pastagens de
criação de gado e para agricultura. Por volta de 8.700 anos radiocar-
bônicos Antes do Presente (AP)
O estudo dos sedimentos do lago foi
diatomáceas, ostracodes e plantas
realizado por um grupo de cientistas de
halófitas foram substituídas por táxons
diferentes especialidades e mostrou que
de água doce. Isso indica que a
a realidade era outra (Salgado-Labouriau,
salinidade começou a diminuir e a lagoa

109
Salgado-Labouriau

a aumentar (Bradbury et al., 1981). Um porque havia muitos pares de espécies


lago de água doce começou a se formar vicariantes entre a mata seca e o cerrado
e a crescer e se manteve como tal, até o e, principalmente, porque existiam mais
presente, com pequenas oscilações de de mil espécies de Angiospermas
salinidade. exclusivas dos cerrados. Esta diversidade
não poderia ter surgido nos 400 anos de
A partir daí o vale de Valencia
colonização européia, nem poderiam ter
passou a ser coberto por uma savana,
se especiado tantos táxons durante os
semelhante ao cerrado, e por matas
10 ou 12 mil anos de ocupação da área
decíduas. Nas encostas das montanhas
pelos indígenas. As duas hipóteses foram
que circundam o lago surgiram faixas
veementemente debatidas entre 1960 e
altitudinais de floresta a partir de 1.000m
1973, como se pode constatar, por
de altitude. O clima, que no final do
exemplo, nas publicações do Segundo
Pleistoceno era semi-árido, passou a
Simpósio sobre o Cerrado (Labouriau,
semi-úmido, com uma estação seca
1966) e do Terceiro Simpósio sobre o
pronunciada durante a qual ocorre pouca
Cerrado (Ferri, 1971).
ou nenhuma precipitação de chuva.
Nesse tempo, indígenas pré-colombianos Estes dois pontos de vista
ocuparam vários sítios em volta do lago continuaram na literatura até o início da
e a população já era grande quando década de 1990: uma vegetação
chegaram os espanhóis na região, por secundária recente versus uma vegetação
volta do século 18. A partir daí houve natural muito antiga. Nessa época
grande desmatamento devido à começaram a surgir as publicações dos
introdução de agricultura e gado primeiros resultados sobre a
europeu. paleovegetação da região dos cerrados
que puseram um fim a este debate e
Idéias semelhantes em relação ao
deram informações relevantes sobre a
lago de Valência, de que as vegetações
história do ecossistema dos cerrados e
abertas como os campos e os cerrados
das matas da região.
seriam resultados de distúrbios
antropogênicos (ver comentários em
Salgado-Labouriau, 1980; Bradbury et
al., 1981), dominavam entre os biólogos VEGETAÇÃO ATUAL DA REGIÃO
e ecólogos do Brasil, da mesma forma DOS CERRADOS
que na Venezuela, nas décadas de 1960
A região dos cerrados é constituída
e 1970. Segundo F.K. Rawittscher e
por um mosaico de tipos de vegetação.
alguns outros pesquisadores, o cerrado
Nela ocorrem cerrados, campos, matas
era uma formação vegetal secundária
secas decíduas ou semidecíduas, matas
resultante do fogo e do desmatamento
de galeria, veredas (buritizais) e
feito pelo homem para criação de áreas
formações brejosas. O ecossistema dos
de agricultura e pecuária. Veja
cerrados domina sobre todos os outros
comentários a respeito em Beard (1953)
tipos de vegetação e ocupa a maior parte
e L. Labouriau (1966, p. 27-29).
da área (Warming, 1908; Labouriau,
Nos anos de 1960 surgiu uma outra 1966; Pereira et al., 1990; Sano e
hipótese para explicar a existência dos Almeida, 1998). Porém, o Cerrado não é
cerrados, defendida por Luiz G. um ecossistema simples, mas um
Labouriau. Ele argumentava que este tipo conjunto de savanas que vai desde uma
de vegetação deveria ser muito antigo formação vegetal aberta com poucas

110
Paleoecologia

árvores e arbustos até uma formação Outros tipos de vegetação ocorrem


fechada onde as copas das árvores quase na região dos cerrados. Existem algumas
se tocam (cerradão). Em todos eles as áreas de campo onde muitas ervas dos
gramíneas dominam o estrato inferior. cerrados crescem junto às espécies
As árvores são relativamente baixas, típicas dos campos, há áreas de mata
geralmente tortuosas e com folhas seca, semidecídua ou decídua e os
espessas. Em algumas áreas elas estão capões de mata. Ao longo dos numerosos
ausentes e o cerrado arbóreo é cursos de água que cortam a região,
substituído por um cerrado arbustivo. existem matas de galeria, brejos,
Em todos os tipos de cerrado as famílias pântanos e veredas (buritizais).
dominantes são as Gramineae, Podocarpus é o único gênero de
Compositae e Leguminosae (Tabela. 1).
Gimnospermas que ocorre na região,
Esta última inclui cerca de 400 espécies
mas ele só cresce nas matas secas e de
de árvores, arbustos e ervas de
galeria. As veredas (ou buritizais) são
Caesalpinoideae, Papilionoideae e
terrenos permanentemente inundados,
Mimosoideae exclusivas dos cerrados
geralmente cortados por um curso de
(Mendonça et al., 1998). Cerca de 90
água, e que são caracterizadas pela
famílias de dicotiledôneas e. oito de
palmeira Mauritia (buriti) que pode
monocotiledôneas ocorrem nos cerrados.
As Gimnospermas estão ausentes e as ocorrer em grande número (Ferraz-
Pteridófitas estão reduzidas a algumas Vicentini & Salgado-Labouriau, 1998;
espécies. Barberi et al., 2000).

Tabela 1. Distribuição dos gêneros das famílias mais freqüentes de


Angiospermas na região dos cerrados. Baseada na lista dada por
Mendonça et al. (1998)

*
Inclui matas úmidas, secas, semidecíduas e de galeria.
**
Inclui o cerrado propriamente dito, os campos, matas, florestas de galeria, pântanos, veredas e buritizais.

111
Salgado-Labouriau

A maior parte dos cerrados, do No final da última glaciação


cerradão e das matas secas do Brasil pleistocênica (Würm-Wisconsin) a parte
Central está sendo destruída nestes superior das montanhas, acima de
últimos 40 anos à medida que a 3.250m de altitude, nos Andes tropicais
população humana cresce. A vegetação (Colômbia, Venezuela e Equador), estava
original foi substituída em muitas áreas coberta por geleiras e gelo glacial
por pastagens e, ultimamente, por (Hastenrath, 1979; Schubert e
extensas plantações de soja. Ainda Clapperton, 1990; Clapperton, 1993) que
existem algumas áreas com um cerrado se estendiam a mais de mil metros abaixo
pouco perturbado, principalmente, em da linha atual das neves (4.700m de
parques nacionais e reservas. altitude). Entre 36.000 e 28.000 anos
radiocarbônicos Antes do Presente (AP)
As queimadas são comuns na
a parte alta dos Andes tropicais era muito
estação seca e as plantas dos cerrados
fria e úmida (van der Hammen, 1974;
têm vários tipos de adaptação
Hooghiemstra, 1984; Kuhry, 1988). Nas
morfológica e fisiológica ao fogo e à seca
localidades de cerrado, onde o registro
prolongada. Fogo antropogênico,
fóssil atinge estas idades (Cromínia e
deliberado ou acidental, ocorre desde o
vereda de Águas Emendadas) e no platô
século 18. Entretanto, o estudo de
de Carajás, no nordeste da Amazônia
sedimentos em lagos, lagoas e veredas
(Absy et al., 1991; Soubiès et al., 1991)
mostram que o fogo natural existe pelo
o clima era úmido e relativamente frio
menos desde 40.000 anos atrás (Salgado-
(Figura. 1). A temperatura não deve ter
Labouriau e Ferraz-Vicentini, 1994;
descido tanto como nos Andes e
Salgado-Labouriau et al., 1998).
provavelmente era de alguns poucos
graus abaixo da atual. Entre 28.000 e
20.000 anos radiocarbônicos Antes do
ANÁLISES PALEOECOLÓGICAS Presente (AP), durante o último máximo
glacial (LGM), os Andes eram muito frios
As análises paleoecológicas,
e secos, com temperaturas de 7o a 9 o C
incluindo pólen, esporos de fungos e
abaixo das médias atuais. Entretanto, nos
microalgas de sedimentos de cinco
cerrados, o clima ainda que fosse frio,
localidades do Brasil Central já foram
manteve a umidade da fase anterior e as
publicadas: lagoa dos Olhos, MG (de
análises mostram que o pólen arbóreo é
Oliveira, 1992), vereda perto de
abundante nessa época, indicando que
Cromínia, GO (Ferraz-Vicentini e
havia mais árvores que no presente.
Salgado-Labouriau, 1996; Salgado-
Labouriau et al., 1997), lagoa Santa, MG Durante essa fase úmida e fria os
(Parizzi et al., 1998), vereda das Águas conjuntos de palinomorfos mostram
Emendadas, DF (Barberi et al., 2000) e pólen arbóreo do cerrado (Byrsonima,
lagoa Bonita, DF (Barberi, 2001). Neea, Andira, Cassia, Stryphnodendron
Também foram estudados os últimos e outras Leguminosas, Melastomatáceas,
5.000 anos dos sedimentos da lagoa Feia, Combretáceas, Mirtáceas e Palmeiras de
GO (Ferraz-Vicentini, 1999) e as análises savana) e cerca de 40 a 60% de pólen
estão sendo completadas para os últimos de Gramíneas. Junto com eles encontra-
10.000 anos. Além destas, foram se pólen arbóreo de matas (Rapanea,
estudadas outras localidades fora da área Hedyosmum, Ilex, Celtis, Salacia,
core dos cerrados. Os dados e conclusões Symplocos, Podocarpus, Moraceae,
destes trabalhos são revistos neste artigo. Cunoniaceae e outros) que indicam a

112
Paleoecologia

presença de matas com muitos indígenas brasileiros começaram a


elementos de clima mais frio, junto às povoar a região por volta de 10.000 AP
lagoas e pântanos, sugerindo matas de e os assentamentos aumentaram
galeria. A presença de partículas de somente depois de 5.000 AP (Prous,
carvão vegetal há mais de 36.000 AP em 1992; Schmizt et al., 1997; Barbosa e
todas as localidades estudadas de Schmitz, 1998), este ecossistema não foi
Cerrado indica a presença de queimadas. originado pela queima de florestas
sendo, portanto, uma vegetação natural.
Esses resultados mostram que o Entretanto, os conjuntos de palinomorfos
ecossistema do Cerrado estava presente indicam que as comunidades de plantas
no Brasil Central a mais de 36.000 anos desta fase fria e úmida tinham uma
AP e continua até o presente. Como os composição diferente das atuais e uma

Figura 1
Cronologia das mudanças do clima durante os últimos 36 mil anos. À esquerda,
seqüência das mudanças nos altos Andes tropicais. No centro, mudanças do
clima em sete áreas de cerrado. À direita, mudanças em duas áreas de mata
dentro da região de cerrados. Modificado de Salgado-Labouriau (1997).

113
Salgado-Labouriau

freqüência alta de árvores de clima mais fato de que a temperatura dos cerrados
frio como Podocarpus, Hedyosmum, Ilex, nessa época estava 3º a 4º C mais baixa
Symplocos e Cunoniaceae. Porém, como que a atual.
a identificação palinológica é geralmente
Foi somente entre 22.000 e 18.000
limitada ao nível de gênero fica difícil,
AP, durante o final do Pleniglacial dos
atualmente, quantificar as diferenças
Andes tropicais, que a umidade começou
entre as comunidades florestais
a diminuir do norte para o sul nos
modernas e as do Pleistoceno Tardio.
cerrados. Na lagoa de Carajás (Absy et
Durante o LGM (último máximo al., 1991; Soubiès et al., 1991) e na
glacial) a palmeira Mauritia (buriti), vereda de Águas Emendadas (Barberi et
característica das veredas, buritizais e al., 2000) a deposição orgânica cessou
“morichales” da região dos cerrados e entre ~21.000-7.000 AP e foi substituída
de outras savanas do norte da América por uma fina camada de areia que sugere
do Sul está ausente do registro um hiato de sedimentação e a dessecação
palinológico da região dos cerrados destes sítios. Em outras localidades de
apoiando a idéia de que o clima era mais cerrado, como em Cromínia, a umidade
frio que o presente. O limite mais ao sul diminuiu, mas ainda havia alguma para
no qual esta palmeira ocorre é em manter pequenos pântanos e campos
veredas e buritizais nas partes oeste e (Salgado-Labouriau et al. 1998).
norte do Brasil Central, até
Por volta de 14.000 AP começou a
aproximadamente a 18º S. O buriti não
deglaciação nos Andes e no resto do
ocorre nas regiões de cerrados mais ao
mundo. Portanto, mais água começou a
sul, onde a estação seca (inverno) é mais
ser liberada para a atmosfera e os
fria. A ausência de Mauritia no final do
continentes devido ao derretimento das
Pleistoceno e no início do Holoceno
geleiras. O nível do mar começou a subir.
colaborou para a conclusão de que o
Entretanto, o cerrado e outros
clima na região dos cerrados era mais
ecossistemas de savana continuaram sob
frio que no presente.
um forte stress hídrico.
As análises palinológicas de duas
O máximo da fase seca ocorreu entre
localidades de mata no Brasil Central,
14.000 e 10.500 AP (Salgado-Labouriau,
na região de Salitre, MG, nas lagoas de
1997). O pântano no platô de Águas
Serra Negra (de Oliveira, 1992) e de
Emendadas e a lagoa na Serra dos
Salitre (Ledru, 1993; Ledru et al., 1996)
Carajás secaram e provavelmente o topo
detectaram a presença de pólen de destas montanhas desertificou. Nas
Araucaria junto com o pólen de árvores savanas mais ao norte, na região do lago
de mata no final do Pleistoceno (Figura de Valência, Venezuela, a vegetação era
1). No presente, esta gimnosperma forma semi-árida e o lago estava seco (hoje com
florestas fechadas do Paraná ao Rio 40m de profundidade); o local de
Grande do Sul (Floresta de Araucária) e perfuração era um pequeno pântano ou
também ocorre como um elemento lagoa intermitente (Peeters, 1984;
dentro da parte superior da Mata Bradbury et al., 1981) e esta fase seca
Atlântica na Serra do Mar, de São Paulo terminou à cerca de 10.000 AP. Estudos
até o Espírito Santo. Sua presença em recentes nas savanas da Colômbia
terras baixas do Brasil Central no final (Behling e Hooghiemstra, 1999)
do Pleistoceno e início do Holoceno, apresentam também essa fase seca, com
como um elemento de mata, reforça o pouca precipitação de chuvas no

114
Paleoecologia

Pleistoceno tardio e término à cerca de abaixamento de temperatura, durante o


10.690 AP. LGM, da ordem de 4º a 5º C. Entretanto,
a longa fase seca dos cerrados e savanas
O mesmo retardo na resposta do
não ocorreu em outras áreas tropicais da
clima das savanas para entrar na fase
América do Sul (Bush et al., 2001, e
seca foi encontrado para sair dela. Ela
referências citadas ali). Com toda a
terminou por volta de 10.000 AP em
certeza não houve essa fase seca no final
Carajás, em Valência e nos Llanos
colombianos. Entretanto, mais ao sul, do Pleistoceno nos Andes tropicais
nos cerrados do Brasil Central ela (páramos e superpáramos (veja, por
perdurou até cerca de 7.000 AP (Águas exemplo, van der Hammem, 1974;
Emendadas, Cromínia, Lagoa Bonita, Salgado-Labouriau, 1997). Nem ocorreu
Lagoa dos Olhos e em Lagoa Santa). A nas áreas florestais da Amazônia
fase relativamente menos seca começa ocidental (Colinvaux et al., 1996, 2000).
com chuvas torrenciais, deslizamentos O estudo palinológico de dunas fósseis
de terra e grandes depósitos aluviais em das caatingas do médio rio São Francisco
várias partes do Brasil Central (Salgado- também mostra um clima mais úmido
Labouriau, 1997; Parizzi et al., 1998). que o presente no início do Holoceno
(de Oliveira et al., 1999). Porém, o clima
Depois de 5.000 AP, lagos, pântanos
no lago do Pires (Behling, 1995) na faixa
e veredas começam a se formar nos
altitudinal de mata da Serra do
cerrados do Brasil Central e o clima passa
Espinhaço, MG, era mais seco que o
para semi-úmido com uma estação seca
atual de 9.700 a 5.500 AP.
prolongada de três a cinco meses,
segundo a localidade. Este tipo de clima Estes resultados, ainda que
continuou até o presente. preliminares porque a América do Sul
CONSIDERAÇÕES FINAIS tropical tem uma área muito grande e
falta muito ainda para ser feito, sugerem
As análises palinológicas em áreas que as mudanças de temperatura são de
de cerrados citadas aqui, bem como caráter global ao passo que as oscilações
algumas análises geoquímicas e mudanças de umidade e precipitação
((Bradbury et al., 1981; Soubiès et al., são de caráter regional.
1991; Salgado-Labouriau et al. 1997),
mostraram que a região das savanas da A seqüência de uma fase úmida e
América do Sul e, mais especialmente, fria durante o LGM, seguida de uma fase
dos cerrados do Brasil Central, tinha um seca e fria durante a deglaciação, e
clima mais úmido e um pouco mais frio seguida de uma longa fase seca e quente
que o atual de cerca de >36.000 AP até no começo do Holoceno, sugere que esta
cerca de 21.000-22.000 AP. Houve uma sequência foi repetida a cada ciclo glacial
mudança climática para um clima mais do Quaternário. Portanto, durante 1,6
seco que o presente, em uma fase seca milhões de anos (e mais de 16
que durou de aproximadamente 20.000 glaciações) o cerrado e as comunidades
até cerca de 10.000 AP no norte e até vegetais adjuntas a ele (campos, matas,
aproximadamente 7.000 AP no Brasil etc.) mudaram em área e composição em
Central. O máximo da fase seca foi entre um equilíbrio dinâmico com as
14.000 e 10.000 AP. mudanças no clima.
Em todas as áreas tropicais já Na reconstrução da vegetação no
estudadas nas Américas houve um Brasil tropical, alguns antropólogos e

115
Salgado-Labouriau

zoólogos colocam a distribuição das secundária resultante do corte e queima


áreas de cerrado durante a fase seca no das florestas pelo homem está hoje
topo das montanhas, chapadas e platôs, comprovadamente incorreta. O registro
e colocam as áreas de vegetação semi- palinológico mostra que o cerrado é uma
árida, do tipo da caatinga, nos vales e vegetação resiliente que tem sido
terras baixas entre montanhas. As queimada freqüentemente durante pelo
análises palinológicas nas localidades menos 40.000 anos. O homem aumentou
dentro do ecossistema cerrado, conforme a freqüência das queimadas nestas
demonstrado aqui, mostraram que é o últimas décadas e está pondo em perigo
inverso. O topo dos platôs e chapadas este ecossistema.
eram muito secos, com uma vegetação
rala, e a deposição de matéria orgânica
foi substituída por areia nos depósitos.
AGRADECIMENTOS
No início do Holoceno, os cerrados e
savanas só existiam nas depressões e A autora deseja agradecer ao
vales onde era possível manter um pouco Institute pour le Recherche et Development
de umidade. (IRD), França e à Universidade de
A antiga hipótese de que a vegetação Brasília (UnB) pelo apoio às suas
dos cerrados é uma formação vegetal pesquisas.

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118
Solos e paisagem

Parte II

FOTO: JANINE FELFILI

Comunidade de Plantas
119
Capítulo 6

Biodiversidade, FOTO: ALDICIR


FOTO: SCARIOT
ALDICIR SCARIOT

estrutura e Aldicir Scariot


Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia
conservação de Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD)
Brasília, DF

florestas estacionais Anderson C. Sevilha


Embrapa Recursos Genéticos e

deciduais no Cerrado. Biotecnologia


Brasília, DF
Reatto & Martins

122
Solos e paisagem

INTRODUÇÃO
estrutura dessas florestas ( Fernandes &
Bezerra 1990; Rizzini 1997; Fernandes
Um dos pontos mais controversos 2000; Ferraz 2002), reflexos do
relacionado às florestas cuja ocorrência componente histórico e dos processos
e distribuição estão condicionadas à ecológicos diferenciados que
estacionalidade climática (pluviosidade condicionam a dinâmica de cada sistema.
e(ou) temperatura) é a definição da A falta de conhecimento sobre a
terminologia adotada para a sua vegetação das florestas secas nas regiões
classificação, sendo englobada sob a Neotropicais, apontada por Pennington
denominação genérica de Florestas ou et al. (2000), é resultado da pouca
Matas Secas as mais variadas atenção dada a esse tipo de formação
fitofisionomias. (Murphy & Lugo 1986; Janzen 1988).
Essa ausência de informações, começa
Nessa designação estão agrupadas
ser modificada para a região dos
tanto as Florestas Estacionais Deciduais,
Cerrados, com o aparecimento de
quanto as Semideciduais, que no Brasil
trabalhos de composição, estrutura,
são subdivididas por Veloso (IBGE dinâmica e processos ecológicos das
1992), em função de sua localização em Florestas Estacionais Deciduais (ver
diferentes faixas altimétricas e Scariot & Sevilha 2000; Sampaio 2001;
geográficas, nas formações Aluvial, das Bueno et al. 2002, Vieira 2002). Porém,
Terras Baixas, Submontana e Montana. a falta da caracterização do tipo de
Embora utilizada com a finalidade vegetação e de informações climáticas,
exclusiva de propiciar o mapeamento principalmente temperatura e
contínuo de grandes áreas, tais pluviosidade, muitas vezes inviabiliza
formações parecem apresentar comparações entre as diferentes
correspondência com as diferenciações formações classificadas genericamente
encontradas na composição e na como florestas ou matas secas.

123
Scariot & Sevilha

CARACTERIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO 1,0ha, num gradiente de perturbação de


DAS FLORESTAS ESTACIONAIS florestas intactas até intensamente
perturbadas por exploração madeireira,
DECIDUAIS
98,6% dos indivíduos perdem
As Florestas Estacionais Deciduais totalmente as folhas na estação seca. A
caracterizam-se pelo elevado grau de única espécie que as mantém é Talisia
deciduidade foliar do componente esculenta (St. Hil.) Radik. Em áreas
arbóreo e estão distribuídas pelas mais intactas, o percentual de cobertura do
diversas regiões tropicais do planeta, sob dossel varia de 90%, no período das
a forma de um continuum florestal, ou chuvas, a 35%, na estação seca (Vieira
ainda, de fragmentos naturais isolados 2002), quando a cobertura do dossel é
por outros tipos de vegetação. Essas representada, principalmente, por galhos
florestas têm altura e área basal menores e troncos.
que as florestas úmidas e o crescimento
Inicialmente, acreditava-se que a
ocorre principalmente na estação
distribuição de espécies e a
chuvosa, período em que a camada de
heterogeneidade espacial encontrada em
folhiço, que se acumulou sobre o solo
florestas secas eram limitadas
no período seco, se decompõe. No
exclusivamente pela disponibilidade de
hemisfério norte, a maioria das espécies
água (Mooney et al. 1995).
é anemocórica e muitas florescem na
Posteriormente, passou-se a considerar
transição entre as estações seca e úmida,
também as variáveis ambientais que
quando as plantas estão despidas de
limitariam essa disponibilidade, tais
folhas (Bullock 1995). Porém, no
como topografia e características físicas
hemisfério sul, o florescimento ocorre
dos solos (Medina 1995; Mooney et al.
predominantemente no período de
1995; Martijena 1998). Revisões sobre a
transição da estação chuvosa para a seca
distribuição e estrutura desses sistemas
e a dispersão dos propágulos, que é
florestais nas Américas Central e do Sul
principalmente anemocórica, no final da
(Murphy & Lugo 1995; Sampaio 1995),
estação seca.
África (Menaut et al. 1995) e Ásia
Como o que ocorre em relação à (Rundel & Boonpragob 1995) indicam
classificação das florestas secas, também que a única característica climática
não existe consenso na literatura quanto marcante comum a esse tipo de formação
aos descritores e seus valores, que é a forte sazonalidade na distribuição de
deveriam ser utilizados para determinar chuvas. Essa sazonalidade, juntamente
a classificação de um tipo de com as diferenças no volume de
fitofisionomia como decidual, ou não. precipitação e a duração da estação
São consideradas deciduais aquelas chuvosa, seriam responsáveis pelas
florestas onde os indivíduos desprovidos diferenças entre florestas na altura de
de folhas, durante a estação seca, dossel, biomassa total e produtividade
representam mais de 50%, para IBGE (Mooney et al. 1995), assim como na
(1992); mais de 60%, para Fernandes intensidade da queda de folhas, cuja
(2000); e acima de 90%, para Eiten variação interanual dependerá da
(1983). Embora empíricos tais valores severidade da estação seca.
estão de acordo com aqueles
No Brasil, as Florestas Estacionais
encontrados para a Floresta Estacional
Deciduais distribuem-se tanto pelas
Decidual Submontana da bacia do rio
formações savânicas de Cerrado e
Paranã, Goiás. Em oito amostras de

124
Floresta estacional decidual

Caatinga, das regiões Centro-Oeste e Na região dos Cerrados, essas


Nordeste, quanto pelas formações florestas estão distribuídas em um eixo
florestais sempre verdes da floresta nordeste-sudoeste (Figura 1), ligando as
Amazônica, na região Norte, e da Províncias da Caatinga ao Chaco (Prado
Atlântica, na região Sul do país (Figura & Gibbs 1993; Oliveira Filho & Ratter
1), estando, portanto, associadas a 1995), sendo comuns nos estados da
diferentes tipos fitofisionômicos e Bahia, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso
regimes de estacionalidade em volume e Mato Grosso do Sul, onde os teores de
de precipitação e temperatura (Tabela 1), Cálcio e Magnésio são elevados e os de
topografia e características físicas e Alumínio, baixos. Exemplos são as
químicas dos solos. florestas sobre afloramentos calcários

Figura 1
Localização geográfica
da bacia do rio Paranã
(GO e TO) e
distribuição das
Florestas Estacionais
Deciduais no Brasil
(IBGE 1983) e suas
respectivas classes de
solos de ocorrência
(EMBRAPA 1981) na
escala de
1:5.000.000, segundo
o novo Sistema
Brasileiro de
Classificação de Solos
(EMBRAPA 1999).

125
Scariot & Sevilha

(Ratter et al. 1973, 1988), em solos novo sistema (EMBRAPA 1999),


profundos, geralmente Nitossolos inclusive os distróficos, e não apenas
(Podzólicos Vermelho Escuro eutróficos sobre aqueles relativamente mais férteis
(IBGE 1995; Scariot & Sevilha 2000) e (Figura 1). Embora a escala de
Terra-Roxa Estrutural similar eutrófica abordagem de ambos os mapeamentos
(Brasil 1982), em solos litólicos que seja muito ampla (1:5.000.000), a falta
contenham traços ou influência calcária, de estudos detalhados acerca da
sobre depósitos aluviais ricos em distribuição e da caracterização dos
nutrientes, tais como na região do fatores abióticos determinantes da
pantanal mato-grossense (Ratter et al. ocorrência dessas formações ficam
1988) e da bacia do rio Paranã (GO), e evidentes quando são apontadas, por
sobre solos originários do derramamento exemplo, as ocorrências dessas florestas
basáltico do sul do Goiás e Triângulo sobre Neossolos Quartzarênicos (areias
Mineiro (Oliveira-Filho et al. 1998). quartzosas distróficas), que, para James
A. Ratter (comunicação pessoal), só
Dessa forma, um importante fator
seriam possíveis se os teores de cálcio
determinante da ocorrência das Florestas
fossem elevados, como aqueles
Estacionais Deciduais do Brasil, seria o
encontrados na região do Jaíba, MG
solo relativamente mais fértil em
(Alexandre F. da Silva, comunicação
minerais (Ratter et al. 1973; Prado &
pessoal).
Gibbs 1993; Oliveira Filho & Ratter
1995), onde a capacidade competitiva
das populações desses sistemas
florestais, parece ser maior. No entanto, O CASO DA BACIA DO RIO
quando confrontados os mapas de PARANÃ
distribuição das Florestas Estacionais
Localização e ambiente
Deciduais do Brasil (IBGE 1983) com o
físico
de solos, confeccionados sobre o antigo
Sistema Brasileiro de Classificação de Na bacia do rio Paranã ocorre um
Solos (EMBRAPA 1981), observa-se que dos mais significativos encraves de
essa formação florestal distribui-se, por Florestas Estacionais Deciduais do Brasil.
pelo menos, 40 classes de solos Essa bacia, com 59.403 km 2, é uma
diferentes, o equivalente a 13 classes do depressão entre os relevos do Planalto

Tabela 1. Distribuição do volume de precipitação e da temperatura média


por Estado de ocorrência das Florestas Estacionais Deciduais no
Brasil.

Dados obtidos a partir da comparação dos mapas de vegetação (IBGE 1983) com os de precipitação (IBGE 1978a)
e temperatura (IBGE 1978b).

126
Floresta estacional decidual

do Divisor São Francisco-Tocantins e do A bacia do rio Paranã apresenta uma


Planalto Central Goiano e se estende do composição com unidades
nordeste do Estado de Goiás ao sudeste litoestratigráficas que refletem processos
do Estado do Tocantins, por 33 diversos ao longo de diferentes ciclos,
municípios. Ela está inserida na bacia como o Transamazônico, Uruaçuano e
hidrográfica do rio Tocantins e situa-se
Brasiliano. Predominam os terrenos que
no centro do território nacional, na
correspondem ao Complexo Goiano e ao
confluência da divisão política regional
Grupo Bambuí-Paraopebas, intercalados
do Brasil, entre as regiões Norte, Centro-
por uma vasta ocorrência do Grupo Araí,
Oeste, Nordeste e Sudeste (Figura 1).
na parte central da região (Fernandes et
Nela estão contidas as áreas de al. 1982).
importância biológica extremamente alta
“Vale e Serra do Paranã, Grande Sertão Dentre os grandes Domínios
Goiás-Bahia e Cavernas de São Domingos Geomorfológicos presentes na bacia do
e Florestas Semidecíduas do Sudeste do rio Paranã, são reconhecidas as
Tocantins” e, a área “Sul do Tocantins – Depressões Pediplanadas, os Planaltos
Região Conceição/Manuel Alves”, cujas em Estruturas Sedimentares
informações biológicas são insuficientes Concordantes e os Planaltos em
(Brasil 2002). Estruturas Sedimentares Dobradas. As
A bacia do rio Paranã está em uma zonas de depressões totalizam
zona de transição, entre os domínios dos 3.470.621ha (63%) da região, e
climas úmidos da região amazônica e os caracterizam-se por vãos
domínios dos climas semi-áridos da interplanálticos, balizados por saliências
região da Caatinga, sendo seu clima destacadas pela erosão e feições
classificado, segundo Köppen, em AW resultantes de processos de dissolução
(Clima Tropical, com duas estações bem (Mauro et al. 1982).
definidas), com variações para o CWa
(Clima Tropical de altitude) (IBGE 1995). Correspondendo ao Domínio das
Depressões Pediplanadas, das Regiões
As variações altitudinais entre os Geomorfológicas da bacia do rio Paranã,
planaltos acima de 1.000m e as
destaca-se a Depressão do Tocantins, que
depressões abaixo de 500m presentes ao
se estende de norte a sul da bacia, entre
longo da bacia, resultam em
o Planalto Divisor São Francisco-
diferenciações climáticas relacionadas às
Tocantins a leste, e o Planalto Central
médias anuais de pluviosidade e
temperatura registradas na região. Sobre Goiano, a oeste. As altitudes nessa
os relevos mais altos das serras e dos depressão variam de 300 a 800m, sendo
planaltos residuais, o volume de chuva que as altitudes maiores correspondem
é superior a 1.500mm/ano, enquanto, ao contato com o Complexo Montanhoso
que nas zonas de depressão, não Veadeiros-Araí, próximo de Teresina de
ultrapassa 1.300mm/ano. A distribuição Goiás e Cavalcante, e as mais baixas ao
das chuvas, ao longo do ano, caracteriza- longo dos rios Paranã e tributários
se por se concentrar num período de 5 (Mauro et al. 1982).
meses entre as estações da primavera e
do verão. A temperatura nas regiões Nessa região de tensão ecológica
serranas chega a ser, em média, 5 0C entre grandes biomas em contato
inferior às médias de 21 0C registradas geográfico (Cerrado, Caatinga e Floresta
nas regiões de depressões (IBGE 1995). Tropical Úmida), reflexo do contato de

127
Scariot & Sevilha

domínios climáticos, ocorrem solos com mente, a região foi negligenciada para
altas taxas de fertilidade onde são atividades econômicas convencionais, o
encontradas as Florestas Estacionais que contribuiu para a relativa
Deciduais. Dentre esses, destacam-se os preservação dos recursos naturais (Luíz
Nitossolos (Podzólicos Vermelho- 1998) e manutenção de parte das últimas
Escuros eutróficos (IBGE 1995) e a Terra- reservas florestais nativas de Goiás (IBGE
Roxa Estruturada Similar eutrófica (Krejci 1995). Atualmente são raras as áreas
et al. 1982). Estes solos se localizam, intactas, e quase sempre estão
principalmente, em áreas de precipitação localizadas em locais de difícil acesso,
média anual entre 800 e 1.100 mm, sobre geralmente sobre afloramentos de rochas
relevo plano a suavemente ondulado, calcárias.
com predominância das áreas aplainadas
A ocupação intensa a partir dos anos
(Krejci et al. 1982), onde a declividade
70, e principalmente nos anos 80,
varia de 0-3% (IBGE 1995). Estes ainda
resultado da imigração do sul e sudeste
podem apresentar uma fase rochosa
do País, culminou com intensa extração
composta pelos afloramentos calcários
madeireira para suprir os mercados
amplamente distribuídos pela região. São
paulista, goiano e paranaense (IBGE
destacadas as ocorrências nos
1995) e para subsidiar a implantação de
municípios de Iaciara, São Domingos e
pastagens. As condições naturais
Campos Belos (Krejci et al. 1982).
favoráveis e terras disponíveis, sem uso
Dentro das classes de solos agropecuário e, portanto, de baixo valor
identificados pelo antigo sistema de econômico, resultaram na remoção
classificação de solos do Brasil, o quase que total da cobertura vegetal para
Podzólico Vermelho-Escuro eutrófico implementação de fazendas de gado de
difere da Terra-Roxa Estruturada pelo corte. A extração de madeiras foi
material de origem. A primeira classe conduzida sem critérios técnicos e de
está relacionada a litologias calcárias maneira espontânea e empírica,
com possíveis influências de material executada por empreiteiros ou pelo
coluvionar (IBGE 1995), enquanto que próprio fazendeiro, procurando o
a segunda, desenvolvida a partir de máximo rendimento econômico, sem
rochas calcárias e ardósias do Grupo preocupação de reposição do estoque ou
Bambuí, tem altos teores de cálcio e a manutenção sustentada da atividade
magnésio, caracterizando-o como um (IBGE 1995).
dos solos mais férteis da região (Krejci
A escassez de árvores de espécies
et al. 1982).
de interesse econômico com diâmetros
comerciais reduziu as taxas de
exploração das décadas de 1980 e 1990,
A ocupação da paisagem
sendo que a maioria das serrarias,
Geograficamente, a bacia do rio paulatinamente, deixou de operar na
Paranã engloba a divisão administrativa última década (IBGE, 1995). Parte
da microrregião do Vão do Paranã, tida significativa da vegetação já foi
como a última área disponível para removida, porém ainda hoje ocorre a
expansão da fronteira agrícola no Estado extração comercial de madeira, tanto das
de Goiás, sendo já ocupada desde o formações florestais, utilizadas para
século 18, com a criação de gado em serrarias e produção de carvão, quanto
apoio à atividade aurífera. Posterior- das savânicas, utilizadas principalmente

128
Floresta estacional decidual

para carvão (IBGE, 1995). Em 1999, por atividades econômicas desenvolvidas no


exemplo, foi registrada a retirada de campo são representadas por lavouras
36.377 toneladas de madeira para permanentes (1,64%), silvicultura e
produção de carvão, 189.160 m3 para exploração florestal (1,14%), produção
produção de lenha e 21.769 m 3 para de carvão vegetal (0,52%), horticultura
produção de tora (IBGE, 2000). e produtos de viveiro (0,21%), pesca e
aqüicultura (0,01%) (IBGE, 2000).
As espécies mais utilizadas são
Myracrodruon urundeuva Fr. All. Além da pecuária, a construção de
(aroeira), Schinopsis brasiliensis Engl. hidrelétricas, representa um forte
(braúna) e Tabebuia impetiginosa impacto, tanto para a fauna quanto para
(Mart.) Standl. (ipê-roxo), para a flora das áreas de influência direta e
confecção de cercas e currais, Cedrela indireta, por modificar definitivamente
fissilis Vell. (cedro), Machaerium a dinâmica das bacias onde são
scleroxylon Tull. (pau-ferro), instaladas. A interrupção do fluxo natural
Enterolobium contortsiliquum (Vell.) dos organismos, provocado pelas
Morong (tamboril), Hymenaea courbaril barragens, pode ainda reduzir o tamanho
var. stilbocarpa (H.) Lee. & L. (jatobá), das populações de animais e plantas e
Aspidosperma spp. (perobas) e provocar extinções locais. Com isso, a
Amburana cearensis (Fr. All.) A. C. Smith crescente ocupação de áreas naturais na
(cerejeira), dentre outras, para atender região do vale do Paranã, desvinculada
a construção civil e a indústria de móveis do prévio conhecimento do potencial do
da região. Outras espécies são utilizadas ambiente, resultou em uma paisagem
indiscriminadamente para a produção de antropizada, onde estão imersos os
carvão vegetal. fragmentos de Florestas Estacionais
Deciduais e de Cerrado, principalmente.
Atualmente, cerca de 45% do total
das propriedades existentes na bacia do
rio Paranã têm entre 10 e 100ha (IBGE Composição, diversidade e
2000), estabelecidas, principalmente, nos estrutura das Florestas Esta-
municípios de relevo mais acidentado, cionais Deciduais Submon-
enquanto que as grandes fazendas, com tanas
tamanhos superiores a 500ha, estão nas
áreas de terras planas e de elevada Na região da bacia do rio Paranã, a
fertilidade natural, especialmente no Vão vegetação é constituída, basicamente,
do Paranã. por duas classes de formações, as
florestais e as savânicas. Além destas,
A pecuária é a principal atividade áreas de tensão ecológica estão
econômica e a maior fonte de impacto amplamente distribuídas ao longo do
negativo no meio ambiente, representada contato entre essas formações,
por mais de 1.300.000 cabeças de gado. principalmente entre as Florestas
Essa atividade responde por 69,4% da Estacionais Deciduais e Semideciduais e
economia de todos os estabelecimentos as formações savânicas de Cerrado e
agropecuários presentes na bacia do Caatinga. Áreas de formações
Paranã, enquanto que as áreas de secundárias em diferentes estádios de
produção mista (lavoura e pecuária), regeneração estão também amplamente
respondem por 15,47% e as lavouras distribuídas por essa bacia, resultado do
temporárias por 11,59%. As demais abandono ou mau uso da terra.

129
Scariot & Sevilha

Nessa região, encontram-se Caatingas arbóreas (Ratter et al. 1988;


dispersas as maiores disjunções das Fernandes & Bezerra 1990), com espécies
formações de Floresta Estacional tidas como típicas dessa formação, tais
Decidual Submontana do país (IBGE como M. urundeuva, S. brasiliensis,
1992). Originariamente, essas florestas Cavanillesia arborea K Schum., A.
predominavam nas áreas de afloramento cearensis, T. impetiginosa, dentre outras.
calcário e nas áreas planas de solos Contudo, essas florestas podem
eutróficos que cobrem grandes extensões apresentar semelhança também com
da bacia. As áreas de afloramentos outros tipos vegetacionais adjacentes,
calcários estão mais preservadas devido dada a interpenetração de espécies
à dificuldade na extração de madeira, dessas outras formações. Tal fato torna
enquanto que a ocupação desordenada as Florestas Estacionais Deciduais
das áreas planas resultou na particularmente singulares (Pedrali 1997;
fragmentação e na redução do tamanho Brina 1998), uma vez que estas
das populações de espécies arbóreas de congregam uma associação de espécies
interesse madeireiro e outras associadas, que é única para cada região.
que somente são encontradas em alguns
fragmentos, pouco ou nada explorados, Da mesma forma, florística e
que remanescem em meio às pastagens estruturalmente, o componente arbóreo
(Scariot & Sevilha 2000). das Florestas Estacionais Deciduais de
áreas planas e de afloramentos calcários
Segundo Oliveira Filho & Ratter de uma mesma região, como é o caso
(1995) a maioria das espécies das da bacia do rio Paranã, pode formar
florestas do Brasil Central parecem associações distintas. Nos levantamentos
ajustar-se a dois padrões de distribuição: florísticos realizados nessa região com
(1) espécies de floresta com diferentes base em amostragens fitossociológicas
níveis de caducifolia, que dependem de 11 fragmentos (três em afloramentos
essencialmente da ocorrência de calcários e oito em áreas planas, sendo
manchas de solos férteis dentro do
que destes, três estão em áreas intactas
domínio do Cerrado e tendem a
e cinco em áreas com diferentes níveis
distribuir-se, principalmente, dentro de
de exploração) (Scariot & Sevilha 2000;
um arco nordeste-sudoeste, conectando
Silva & Scariot 2003, 2004a, b),
a Caatinga às fronteiras do Chaco.
complementadas por caminhadas
Pennington et al. (2000), sugerem a
aleatórias, foram encontradas 128
existência de uma antiga formação
espécies arbóreas, de 90 gêneros e 41
contínua das florestas secas do Brasil
famílias. A família mais representativa
Central, que hoje, fragmentada, teriam
foi Leguminosae (subfamílias
formado corredores interligando estes
Mimosoideae - 11 gêneros e 14 espécies,
biomas; (2) grande parte das espécies
Faboideae - 10 gêneros e 18 espécies - e
dependente da alta umidade no solo, que
Caesalpinoideae - 7 gêneros e 8 espécies)
se distribuem das Florestas Pluviais
que contribuiu com 31% do total de
Amazônica à Atlântica, cruzando a
gêneros e de espécies de árvores
região dos cerrados no arco noroeste-
amostradas. Em vários estudos
sudeste pela rede dendrítica de florestas
realizados no Brasil, essa família tem se
associadas a sistemas ripários.
destacado como a mais importante
Em aspectos florísticos e fisio- dentre as diferentes fisionomias (Prance
nômicos, as Florestas Estacionais 1990; Lima & Guedes-Bruni 1994), sendo
Deciduais estão mais associadas com as ainda considerada como a mais

130
Floresta estacional decidual

importante nas florestas neotropicais calcário (Tabela 2). Embora as florestas


(Richards 1952; Gentry 1990). sobre afloramentos calcários tenham
valores médios de densidade superiores
Embora algumas áreas sobre
aos das áreas planas, os valores de área
afloramento calcário possam ter em um
basal são mais próximos aos amostrados
hectare um número maior de espécies
nas áreas mais perturbadas de floresta
arbóreas do que o encontrado em um
sobre relevo plano, o que denota o menor
hectare sobre áreas planas (Tabela 2), porte dos indivíduos que compõem as
no total, áreas de afloramento calcário associações sobre esses afloramentos
possuem menor riqueza de espécies que calcários.
áreas planas. Das 128 espécies
amostradas, 51 (40%) foram comuns às Os valores de diversidade estimados
florestas de áreas de planaltos e de estão, em geral, próximos entre si, mas
afloramentos calcários, enquanto que 57 abaixo daqueles estimados para outras
(44,5%) foram amostradas exclu- florestas tropicais. Já os valores de
sivamente nas áreas planas e 20 (15,5%) equitabilidade não indicam dominância
nas áreas sobre afloramento calcário. de espécies nos fragmentos amostrados.
Das 102 espécies amostradas nos
Em áreas de floresta intacta, a inventários, 31 perfazem as 10 espécies
densidade média de árvores estimadas mais importantes em valor de impor-
com diâmetro acima de 5cm é de 650 tância (VI) para cada levantamento e
indivíduos.ha-1 nas áreas planas e, de 770 somam, pelo menos, 60% do total do VI
indivíduos.ha-1 nas áreas de afloramento estimado para cada localidade (Tabela 3).

Tabela 2. Estrutura da comunidade de árvores de Floresta Estacional Decidual


Submontana de fragmentos intactos (i) e explorados (e) em
planaltos (p) e afloramentos calcários (ac) no município de São
Domingos, Vale do Paranã (GO), em áreas amostradas nas fazendas
São Domingos (SD), Flor do Ermo (FE), Traçadal (FT), Olho d’Água
(OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do Sul (CS), São Vicente (SV), Canadá
(FC) e São José (SJ).

131
Scariot & Sevilha

Diferenciações na composição e na daquelas sobre afloramentos calcários,


estrutura entre as formações florestais com elevado autovalor (0,469), o que
deciduais em áreas planas e de indica uma forte divisão (Gauch 1982).
afloramentos calcários são encontradas Das 102 espécies amostradas nos
quando as amostras originadas dos levantamentos fitossociológicos, 29
estudos fitossociológicos são foram apontadas como de ocorrência
classificadas por TWINSPAN (Two-way preferencial nos afloramentos calcários,
indicator species analysis, Hill 1979, dentre as quais se destacaram, pelos
Figura 2). Esta análise resultou em elevados valores de densidade e
basicamente dois grupos distintos que freqüência: Acacia glomerosa Benth.,
separaram as amostras das áreas planas Cabralea canjerana (Vell.) Mart.,

Tabela 3. Rol e posição das 10 espécies arbóreas mais importantes em valor


de importância (VI) amostradas em fragmentos de Floresta
Estacional Decidual Submontana, São Domingos, Vale do Paranã,
GO, em áreas amostradas nas fazendas São Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traçadal (FT), Olho d’Água (OA), Manguinha (FM),
Cruzeiro do Sul (CS), São Vicente (SV), Canadá (FC) e São José (SJ).

132
Floresta estacional decidual

Cecropia saxatilis Snethlage, Swartzia multijuga Vog., Sweetia


Commiphora leptophloeos (Mart.) Gillet, fruticosa Spreng., Talisia esculenta e
Cordia glabrata (Mart.) DC., Ficus Combretum sp., estão entre as 30 que
insipida Willd., Ficus pertusa L. f., ocorreram exclusivamente nas áreas
Jacaranda brasiliana (Lam.) Pers., planas, enquanto Cedrela fissilis Vell.,
Luehea divaricata Mart., Piranhea Enterolobium contortisiliquum (Vell.)
securinega A. Radcliffe-Smith & J. A Morong, Lonchocarpus montanus Tozzi,
.Ratter, Pseudobombax longiflorum Platypodium elegans Vog., Pouteria
(Mart. & Zucc.) A. Robyns, Simarouba gardnerii (Mart. e Miq.) Baehni. e
versicolor St. Hil., Commiphora sp. (esta, Spondias mombin L., embora
espécie nova para a ciência e em fase de amostradas sobre afloramentos, são
descrição), Jatropha sp. e Luetzelburgia apontadas como de ocorrência
sp. Destas, C. canjerana, C. saxatilis, F. preferencial de áreas de planaltos. Já
insipida, F. pertusa, P. securinega, Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan,
Commiphora sp. e Jatropha sp. não são Aspidosperma pyrifolium Mart.,
encontradas nas florestas de planaltos. Aspidosperma subincanum Mart.,
Astronium fraxinifolium Schott,
Os demais grupos formados pelas
Bauhinia brevipes Vog., Cavanillesia
dicotomias estão presentes apenas entre
arborea, Chorisia pubiflora (A. St. Hil.)
as amostras de áreas planas e agrupam
Dawson., Combretum duarteanum
os fragmentos geograficamente mais
Camb., Dilodendron bipinnatum Radlk.,
próximos entre si. Porém, as divisões
Guazuma ulmifolia Lam., Machaerium
foram pouco sensíveis, com autovalores
scleroxylon, Machaerium stipitatum
(0,147 e 0,176) baixos (Gauch 1982)
(DC.) Vog., Machaerium villosum Vog.,
Figura 2 (Figura 2). Myracrodruon urundeuva, Pseudo-
Classificação pelo
Dentre as espécies que se bombax tomentosum (Mart. & Zucc.) A.
método de TWINSPAN
Robins, Sterculia striata A. St. Hil. &
de 11 fragmentos de destacaram pelos elevados valores de
Floresta Estacional cobertura com que foram amostradas, Naud., Tabebuia impetiginosa e T. roseo-
Decidual Submontana Eugenia dysenterica DC., Machaerium alba (Ridley) Sand., estão entre as 40
intactos (i) e brasiliense Vog., Randia armata (Sw.) espécies indiferentes que foram
explorados (e) em DC., Senna speciosa (DC.) Irwin & Barn., amostradas em ambas as formações.
áreas de planaltos (p)
e afloramentos
calcários (ac) no
município de São
Domingos, Vale do
Paranã (GO), em
áreas amostradas nas
fazendas São
Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traçadal
(FT), Olho d’Àgua
(OA), Manguinha
(FM), Cruzeiro do Sul
(CS), São Vicente (SV),
Canadá (FC) e São
José (SJ). Números
entre parênteses
indicam os
autovalores.

133
Scariot & Sevilha

Estas podem ser consideradas como as 15,4% da superfície havia sido reduzida
mais importantes na estruturação das a somente 5,4% em 1999 (Andahur
comunidades de Florestas Deciduais da 2002). A maior perda de vegetação
região da bacia do rio Paranã. ocorreu nas áreas mais planas e com
solos mais aptos ao aproveitamento
Essa diferenciação implica na pecuário.
adoção de manejo diferenciado das
formações florestais de fragmentos sobre O desmatamento na região resultou
planaltos e fragmentos sobre afloramento na fragmentação do habitat , que
calcário. As populações das espécies de implicou na descontinuidade da
elevado valor econômico persistem em distribuição da vegetação original,
áreas de afloramento devido às reduziu o habitat disponível aos
organismos silvestres e acrescentou
dificuldades impostas pela topografia à
bordas a uma paisagem até então
exploração madeireira. Porém, nas áreas
contínua. Isto resulta em mudanças na
planas, essas populações estão
distribuição e abundância dos
ameaçadas de extinção local devido ao
organismos, afetando a demografia e
desmatamento e à exploração seletiva,
genética das populações e, con-
que remove as árvores maiores, com
seqüentemente, a biodiversidade
características de fuste mais adequadas
(Wilcove 1986). A maioria (65%) dos
ao aproveitamento madeireiro, causando fragmentos remanescentes da área acima
danos ecológicos e genéticos às amostrada tem menos de 1 hectare, e
populações dessas espécies. A remoção 88% estão abaixo de 5,0ha, sendo raras
dos indivíduos reprodutivos, além de (menos de 1%) as áreas acima de 100ha
potencialmente afetar a reprodução das (Andahur 2002).
árvores remanescentes, modifica a
estrutura da comunidade e, assim, afeta A drástica modificação da paisagem
o estabelecimento, crescimento e natural e o aumento da população
reprodução de outras espécies, humana ocorridos nas últimas décadas
exploradas ou não. Já a remoção de criaram as condições para a introdução
de espécies exóticas nas áreas
determinados indivíduos com
remanescentes de Florestas Estacionais
características mais adequadas à
Deciduais da bacia do rio Paranã.
comercialização madeireira pode resultar
Algumas dessas espécies foram
na seleção negativa desses genótipos na
deliberadamente introduzidas pelo
natureza.
homem, com objetivo de incrementar a
produção agropecuária, destacando-se
principalmente as gramíneas, como
Desmatamento, fragmen- Hyparrhenia rufa (Nees) Stapf., Panicum
tação e plantas invasoras maximum Jacq., Pennisetum purpureum
Schum., entre outras. Já Acacia
Embora grande parte da região do
farnesiana (L.) Willd., conhecida na
vale do rio Paranã tenha sido desmatada
bacia do rio Paranã como esponjinha,
na década de 1980, ainda nos anos de
também de origem africana, é uma
1990, proporção significativa da árvore invasora das pastagens, onde
vegetação continuou a ser removida. Em pode formar agrupamentos fechados.
uma área de 180.877ha estudada, onde Embora os legumes sejam ingeridos pelo
predominavam as Florestas Estacionais gado, que eventualmente dispersa as
Deciduais, estimou-se que a perda de sementes nas pastagens e nas florestas
vegetação nativa, que em 1991, cobria remanescentes, as plantas raramente se

134
Floresta estacional decidual

estabelecem no interior das florestas, populações nativas e equilíbrio no


sendo mais comum nas bordas desta número de espécies (Bentley & Catterral
com a pastagem. 1997). As principais razões para a
manutenção de corredores ecológicos
são a possibilidade de aumentar as taxas
Conservação de um ecossis- de imigração (Harris e Scheck 1991);
tema ameaçado de extinção assegurar rotas de movimento para
espécies de ampla distribuição geográfica
Não obstante a singularidade das
(Harris 1984); diminuir a depressão
Florestas Estacionais Deciduais, a
endogâmica (Harris 1984); e reduzir a
riqueza em espécies de importância
estocasticidade demográfica (Merriam
madeireira, a alta taxa de desmatamento
1991). Para isso é necessária a
e o impacto da perturbação antrópica nos
implementação de medidas que resulte
remanescentes, poucas unidades de
na (1) criação de unidades de
conservação contemplam essa
conservação, e (2) implantação de
fitofisionomia. Na região do Vale do rio
mecanismos que assegurem a
Paranã, somente o Parque Estadual de
persistência e recuperação das
Terra Ronca, com cerca de 57 mil ha, populações de espécies nativas nas áreas
tem porções significativas de Floresta remanescentes que estão sob pressão
Estacional Decidual Submontana, mas antrópica.
apenas sobre afloramentos calcários,
faltando as florestas sobre planaltos, a A criação de unidades de
mais ameaçada de todas as conservação deve necessariamente
fitofisionomias do bioma Cerrado. Além atender a critérios técnicos, porém
disso, esse parque ainda não foi oportunidades políticas e sociais não
implementado e a maior parte da devem ser desperdiçadas. Nesse
vegetação de sua área é constituída de contexto, grandes unidades de
pastagens e formações secundárias, que conservação de uso restrito devem ser
necessitam de medidas de facilitação criadas, assim como incentivada a
para acelerar a sua recuperação. criação de unidades menores, ao alcance
das condições dos municípios. Especial
Essencial nessa extensa região do atenção deve ser dada à criação de
vale do rio Paranã é a imediata reservas particulares do patrimônio
implantação de novas unidades de natural (RPPNs), o que demandará um
conservação, que permitam a trabalho criterioso junto aos
conservação e a preservação de amostras proprietários rurais da região. As RPPNs
significativas da biodiversidade, da rica podem desempenhar um papel
variedade de fitofisionomias e das fundamental no funcionamento de
nascentes dos cursos de água e que corredores ecológicos, exatamente pela
assegurem ainda, o fluxo gênico entre possibilidade de serem implementadas
populações isoladas. Neste contexto a de forma a distribuírem-se espacialmente
implementação de corredores ecológicos por toda a bacia do rio Paranã, o que
é um objetivo maior a ser perseguido. contribuiria para a preservação de uma
grande diversidade de fitofisionomias e
Corredores ecológicos podem
aumentaria a possibilidade de fluxo
aumentar a conectividade entre
gênico entre populações.
populações isoladas pela fragmentação,
pois podem assegurar rotas para o fluxo A implantação de medidas de
de genes, recolonização de fragmentos, manejo pode contribuir para que áreas,
aumento efetivo do tamanho de tanto em unidades de conservação como

135
Scariot & Sevilha

em propriedades privadas, possam ser medidas que possam vir a contribuir


partícipes efetivos dos corredores para reverter essa tendência, sejam
ecológicos. A recomendação e implementadas, dentre as quais:
implementação de medidas de manejo
1. Implantação de unidades de
devem, necessariamente, serem
conservação de uso restrito e
precedidas de pesquisas que constatem
tamanho adequado, inclusive a
a viabilidade ecológica e econômica das multiplicação de RPPNs na
mesmas. Exemplo disso é a utilização região;
dos remanescentes florestais pelo gado,
que além de pisotear e consumir 2. Implementação de medidas de
plântulas, preda as sementes de diversas manejo que contribuam para
facilitar a recuperação das
espécies de árvores (Vieira 2002),
características primárias das
podendo também dispersar sementes de
áreas exploradas;
espécies exóticas no interior das áreas
remanescentes de floresta. A exploração 3. Modificação no uso das áreas
seletiva de madeira causa modificações remanescentes de forma a
na estrutura dos remanescentes, tais diminuir o impacto sobre a
como aumento da abertura do dossel, biodiversidade; e
criação de clareiras e oportunidades para 4. Coleta de germoplasma para
o aumento de emaranhados de cipós, assegurar a conservação ex situ e
que podem afetar diferencialmente a subsidiar programas de
regeneração de árvores (Vieira 2002) e, reintrodução de populações
eventualmente, modificar a estrutura e extintas ou ameaçadas.
composição da comunidade de plantas O conhecimento científico sobre a
(Webb 1997). A compreensão da direção biodiversidade da região, necessa-
e intensidade dos efeitos do uso das áreas riamente, inclui:
remanescentes e do manejo da matriz
na biodiversidade é de fundamental 1. Inventários quantitativos e
qualitativos da biodiversidade;
importância para o manejo e
conservação da biodiversidade da região. 2. Desenvolvimento de técnicas de
manejo de espécies de
importância local (ameaçadas,
CONSIDERAÇÕES FINAIS economicamente importantes e
invasoras);
Não há duvidas de que Florestas
Estacionais Deciduais estão sendo 3. Desenvolvimento de técnicas
destruídas em velocidade e intensidade para a reintrodução de genótipos
alarmantes e que não estão sendo e populações localmente extintas;
adequadamente contempladas em 4. Desenvolvimento de técnicas
unidades de conservação, o que coloca para facilitação e recuperação de
em perigo a persistência dessa áreas degradadas; e
fitofisionomia em um futuro próximo.
Ademais, a exploração de espécies de 5. Valorização das espécies da flora
e fauna dessas florestas.
alto valor comercial pode extinguir
populações, selecionar negativamente Portanto, ao menos que a tendência
genótipos de algumas espécies e reduzir de negligência com que esse ecossistema
o fluxo gênico, sendo os exemplos mais tem sido tratado seja revertida, pouco
marcantes Amburana cearensis e Cedrela restará dos remanescentes pleistocênicos
fissilis, que são listadas como ameaçadas de floresta tropical estacional seca no
de extinção (IUCN 1997). É crucial que domínio do Cerrado.

136
Floresta estacional decidual

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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139
Capítulo 7

FOTO: M. HARIDASAN
Diversidade alfa e
beta no cerrado
sensu strictu,
Distrito Federal,
Goiás, Minas Jeanine Maria Felfili
Manoel Claudio da Silva Júnior
Departamento de Engenharia Florestal

Gerais e Bahia Universidade de Brasília


Brasília, DF
Scariot & Sevilha

142
Floresta estacional decidual

INTRODUÇÃO
O bioma Cerrado contém uma das Segundo Reatto et al. (1998) nas
mais ricas floras dentre as savanas áreas cobertas por cerrado s.s. encontra-
mundiais com 6.429 espécies já se o Latossolo Vermelho Amarelo
catalogadas (Mendonça et al. 1998), este ocupando 21,6%, Latossolo Vermelho
abrange uma vasta extensão territorial Escuro (18,6%), Areia Quartzoza
ocupando mais de 20 graus de latitude e (15,2%), Podzólico vermelho-Amarelo
10 graus de longitude e, contém as três (8,2%), Cambissolo (3,1%), Latossolo
maiores bacias hidrográficas sul- Amarelo (1,5), Latossolo variação UNA
americanas. No entanto, seus ambientes (0,5%). Estes solos podem ainda abrigar
naturais estão sendo rapidamente outras formações, além do cerrado s.s.,
convertidos em pastagens e cultivos mas a grande variedade de solos onde
agrícolas. Por essas razões, inclusive, já foi constatada a ocorrência desta
este foi identificado como um dos mais fisionomia sugere padrões floristicos
ricos e ameaçados ecossistemas diferenciados.
mundiais (Mittermeyer et al. 1999).
Dentro de um mesmo domínio
A vegetação do Cerrado ocorre sobre
climático ou bioma (Allaby, 1992) os
vários tipos de solo, mas a maior parte
padrões fitogeográficos estão, em geral,
destes são bem drenados, profundos,
vinculados a determinantes físicos como
ácidos, pobres em nutrientes e com alta
solo, relevo e topografia, que no caso
saturação de alumínio. O cerrado sentido
do Brasil Central foram sobrepostos em
restrito ou sensu stricto (s.s.), que ocupa
um zoneamento publicado por Cochrane
aproximadamente 70% do bioma
Cerrado, tem paisagem composta por um et al. (1985). Estes identificaram um total
estrato herbáceo dominado principal- de 70 sistemas de terra em 25 Unidades
mente por gramíneas e, um estrato de Fisiográficas. Um sistema de terras é uma
árvores e arbustos variando em área, ou grupo de áreas, no qual existe
cobertura de 10 a 60 % (Eiten 1972). um padrão recorrente de clima, paisagem

143
Felfili & Silva Júnior

e solos. Na presente análise, procurou- subsidiar estratégias de manejo e


se associar os padrões encontrados por conservação para a vegetação lenhosa.
Cochrane et al. (1985) que tem servido
de base para os projetos Biogeografia e
Biodiversidade do bioma Cerrado, em MÉTODOS
relação aos padrões de diversidade beta
encontrados. Áreas de estudo
As pesquisas sobre o modo como A vegetação lenhosa do cerrado
está organizada e distribuída a sensu stricto (s.s.) foi selecionada para
biodiversidade nas comunidades do a comparação de 15 locais em três
Cerrado são necessárias para avaliar os Unidades Fisiográficas do Brasil Central
impactos decorrentes de atividades (Cochrane et al. 1985), veja Figura 1.
antrópicas, planejar a criação de Estas foram: 1. “Pratinha” (“Chapada
unidades de conservação e para a adoção Pratinha”), 2. “Veadeiros” (“Chapada
de técnicas de manejo. dos Veadeiros ou Terras Altas do
O objetivo deste trabalho foi analisar Tocantins”) e 3. “São Francisco”
os padrões de diversidade alfa e beta (“Espigão Mestre do São Francisco”).
para o cerrado s.s. que é a vegetação Estas três Unidades Fisiográficas
predominante do bioma Cerrado em uma englobam seis sistemas de terra, dentre
extensão de 10 graus de latitude para os quais Pratinha contém dois, Veadeiros

Figura 1
Principais Unidades
Fisiográficas do
Brasil Central
estudadas: 1,2.
Superfície Pratinha;
3. Chapada do
Tocantins
(Veadeiros); 7.
Espigão Mestre do
São Francisco (Felfili
et al. 1994,
adaptado de
Cochrane et al.
1985).

144
Diversidade alfa e beta

contém três e São Francisco contém 1994), cinco na Chapada dos Veadeiros
apenas um. (Figura 2). (veja Felfili et al. 1997) e quatro no
Espigão Mestre do São Francisco (veja
As áreas de estudo (Tabela 1) foram
Felfili et al. 2001).
selecionadas ao longo de um gradiente
de dez graus de latitude e quatro graus Dos 15 locais estudados, cinco estão
de longitude iniciando-se da região em unidades de conservação e o restante
“core” (Pratinha), para o norte em locais não protegidos por lei (Tabela
(Veadeiros) e para o nordeste (São 1). Dentre as unidades de conservação,
Francisco). Na Chapada Pratinha foram três delas estão na Chapada Pratinha, no
amostradas seis áreas (veja Felfili et al. Distrito Federal e distantes cerca de 50km

Figura 2
Locais de estudo em
destaque nos
Sistemas de terra
nas Unidades
Fisiográficas
estudadas (1,2 =
Chapada Pratinha,
9, 17, 18 =
Chapada dos
Veadeiros e 14 =
Chapada do Espigão
Mestre do São
Francisco (Adaptado
de Felfili & Silva
Júnior 2001).

145
Felfili & Silva Júnior

umas das outras e localizadas no mesmo ou seja, Araguaia-Tocantins (Amazônia),


sistema de terras, conforme o São Francisco e do rio Paraná.
zoneamento elaborado por Cochrane et
O Parque Nacional de Chapada dos
al. (1985). As UCs estudadas foram o
Veadeiros em Goiás, com 65.000ha
Parque Nacional de Brasília, com cerca
ocupa completamente um dos três
de 30.000ha, cuja principal
sistemas de terra da Chapada dos
fitofisionomia é o cerrado s.s. sobre
Veadeiros, ficando os demais despro-
Latossolos bem drenados; a Área de
tegidos. Os campos dominam a paisagem
Proteção Ambiental (APA) Gama e
com o cerrado s.s. ocorrendo em
Cabeça de Veado, que compreende a
manchas nos solos rasos, porém,
Reserva Ecológica do IBGE, a Estação
rochosos na sua maioria.
Ecológica da Fazenda Água Limpa da
Universidade de Brasília e a Estação As unidades de conservação acima
Ecológica do Jardim Botânico de Brasília, descritas formam a zona nuclear da
as quais são contíguas e totalizam cerca Reserva da Biosfera do Cerrado e se
de 10.000ha cobertas principalmente por constituem em Patrimônio da
cerrado s.s. sobre Latossolos bem Humanidade reconhecido pela,
drenados; a Estação Ecológica de Águas Organização das Nações Unidas para a
Emendadas com. 10.000ha, coberta, Educação a Ciência e a Cultura
principalmente, por cerrado s.s. sobre (UNESCO, 2002).
latossolos bem drenados, contendo
também largas extensões de veredas. Outra unidade de conservação
Esta estação protege o local onde as incluída no estudo foi o Parque Nacional
bacias hidrográficas do Tocantins e do Grande Sertão Veredas com 80.000ha
São Francisco se encontram e formam localizado no Espigão Mestre do São
um divisor de águas para as três maiores Francisco, nos Estados da Bahia e de
bacias hidrográficas da América do Sul, Minas Gerais. Este ocorre em grande

Tabela 1. Latitude, longitude, altitude (m) e precipitação média anual (mm)


nos locais de estudo no Brasil Central.

146
Diversidade alfa e beta

parte sobre Areia Quartzoza e contém de 20 x 50m, totalizando dez parcelas


as várias fisionomias de Cerrado, além por local selecionado para amostragem.
de carrasco e extensas veredas. Nas parcelas, todos os troncos lenhosos,
a partir de 5cm de diâmetro e a 30cm do
Os demais locais estudados, fora das
nível do solo, foram identificados e
unidades de conservação, foram
mensurados com uma suta nesse ponto.
denominados em função do município
escolhido, como base para os trabalhos Na mensuração dos diâmetros,
de campo. quando os troncos apresentaram formato
irregular, afastando-se da forma
O clima de todos os locais estudados
cilíndrica, foram tomadas duas medidas
se enquadra como Aw, por Köppen, na
e feita a média destas. As alturas foram
Tabela 1 encontra-se a localização e
consideradas como a projeção vertical
outras características físicas desses
do ápice da copa ao solo. As coletas
locais.
botânicas, realizadas nas estações seca
As principais atividades econômicas e chuvosa, foram depositada no Herbário
nos municípios estudados foram a da Reserva Ecológica do IBGE onde as
produção de grãos, cuja cultura comparações foram realizadas.
mecanizada da soja está em expansão
Essa metodologia de amostragem e
no São Francisco, a pecuária extensiva,
coleta de dados foi padronizada de modo
especialmente em Silvânia (GO) e em
a assegurar a comparabilidade dos dados
todos os locais da Chapada dos
coletados em todos os locais amostrados.
Veadeiros e a produção de café em
A descrição detalhada da metodologia
Paracatu (MG) e Patrocínio (MG).
deste estudo está detalhada em Felfili &
Silva Júnior 2001 e em Felfili et al. 2001.
Amostragem e coleta de da-
dos
Análise dos dados
Em cada local, a fisionomia cerrado
s.s. foi localizada nas cartas do IBGE e Uma das unidades básicas em que
do Exército Brasileiro. Posteriormente, foi está organizada a biodiversidade são as
realizado um diagnóstico em campo para comunidades. Esta organização
a seleção de áreas com o menor número apresenta dois componentes: diversidade
de perturbações possíveis e que se alfa e diversidade beta. A diversidade
encontrassem em pontos extremos e alfa refere-se ao número e a abundância
intermediários dos sistemas de terra nas de espécies dentro de uma comunidade,
Unidades Fisiográficas estudadas. Ou enquanto que a diversidade beta, se
seja, cada local de estudo esteve relaciona com as diferenças na
completamente inserido em um sistema composição de espécies e suas
de terra de uma determinada Unidade abundâncias entre áreas dentro de uma
Fisiográfica. O número de locais comunidade (Magurran 1988).
amostrados por Unidade Fisiográfica Para avaliar a diversidade alfa nas
variou em função da extensão da comunidades foram utilizados os índices
Unidade e do número de sistemas de de Shannon-Wienner (H’) e o de
terra nela existente. equabilidade de Pielou (Magurran 1988).
Nessas áreas foram estabelecidas, de A magnitude da diversidade alfa está
modo o mais aleatório possível, parcelas relacionada com a riqueza ou número

147
Felfili & Silva Júnior

de espécies por unidade de área e à resultantes da forma como estão


equabilidade, ou seja, a distribuição do organizadas as comunidades de cerrado
número de indivíduos por espécie s.s. ao longo de um gradiente de 10 graus
(Magurran 1988). de latitude no bioma.

A diversidade beta foi avaliada pelos


índices de similaridade de Sørensen, que
compara presença e ausência de espécies RESULTADOS E DISCUSSÃO
nas áreas e pelo índice de Czekanowski Riqueza de espécies
que considera, além da presença e
ausência, a distribuição do número de A riqueza expressa pelo número de
indivíduos por espécie nas comparações. espécies, por área de estudo, variou de
Estes índices variam em uma escala de 55 no Parque Nacional de Brasília, na
0 a 1, sendo que a similaridade é Chapada Pratinha, a 97 em Serra Negra,
considerada elevada se os valores na Chapada dos Veadeiros.
superarem 0,5 (Margurran 1988, Kent &
Na Chapada dos Veadeiros, a riqueza
Coker 1992).
de espécies foi, em geral, elevada, mas
A diversidade beta é inversamente o índice de diversidade esteve em níveis
proporcional à similaridade, ou seja, se similares aos de outros locais menos
a similaridade entre duas áreas for ricos devido à distribuição de indivíduos
elevada, a diversidade beta é baixa ou por espécie, expressa pelo índice de
vice-versa. A diversidade beta é elevada equabilidade (Tabela 2). A distribuição
entre duas áreas quando há poucas de indivíduos por espécies foi, algumas
espécies em comum e quando a vezes, menos eqüitativa nas áreas mais
distribuição do número de indivíduos ricas como, por exemplo, na Serra Negra
por espécies comuns for diferenciada (GO), Serra da Mesa (GO) e em Alto
entre as áreas. Paraíso de Goiás (GO), onde o número
de espécies representadas por poucos
Uma matriz tendo a abundância, indivíduos foi mais elevado.
expressa pela densidade por hectare
como variável, foi utilizada para a No Espigão Mestre do São Francisco,
ordenação pelo método DECORANA o número de espécies foi muito similar
(“Detrended Correspondence Analysis”, nas quatro áreas amostradas variando
Kent & Coker 1992). A distância entre de 66 em Correntina-BA a 68 em Formosa
os locais no eixo de ordenação foi do Rio Preto-BA sendo um indicativo de
utilizada como um indicativo da que a similaridade física entre estas
diversidade beta para comparação com áreas, todas localizadas em um único
os resultados da aplicação dos índices sistema de terra, se reflete na riqueza
de diversidade. florística. Mesmo áreas separadas por
mais de 500km de distância como
Para todas as comparações foi Correntina (BA) e Formosa do Rio Preto
utilizada a densidade por hectare por (BA) apresentaram riqueza similar.
espécie em cada um dos 15 locais de
estudo. Na Chapada dos Veadeiros, o
número de espécies variou de 82 a 97
A diversidade beta, ou diversidade
enquanto na Chapada Pratinha a
entre comunidades em diferentes locais,
variação foi de 55 a 73 com a maioria
foi analisada, assim como os compo-
nentes de riqueza e diversidade dos locais contendo cerca de 60 espécies

148
Diversidade alfa e beta

lenhosas. Na Chapada dos veadeiros, as 55 a 97 espécies. Pode se inferir,


variações entre locais foram também portanto, que o cerrado s.s. do Brasil
mais acentuadas mesmo estando os Central contém, em geral, de 100 a 220
locais próximos geograficamente, com as espécies por hectare. Com estes níveis
maiores distâncias na faixa de 200km. de riqueza em espécies vasculares o
Nessa Chapada encontram-se três cerrado s.s. destaca-se dentre as
sistemas de Terra onde o cerrado pode formações tropicais, especialmente
ser localizado sobre Cambissolos em dentre as savanas.
afloramentos rochosos nas encostas,
sobre Areia Quartzoza e sobre Latossolo
(IBGE 1982) enquanto na Chapada Diversidade alfa
Pratinha predominam os Latossolos e no
Espigão Mestre as Areias Quartzozas. A diversidade alfa foi elevada, com
Isso evidencia que sob as condições índices de Shannon & Wienner variando
climáticas do bioma, as variações nos de 3,734, em Formosa do Rio Preto-BA
padrões de riqueza devem-se, no Espigão Mestre do São Francisco, a
principalmente, às características de 3,044 nats.ind-1 em Paracatu-MG na
solo, topografia, relevo e outras Chapada Pratinha, e, na maioria dos
características abióticas e bióticas. locais concentrando-se na faixa de 3,5
nats.ind-1 . Estes valores se aproximam
Considerando que a riqueza de daqueles encontrados em matas de
espécies herbáceo-arbustivas em cerrado galeria do Brasil central e nas florestas
s.s. variou de 54 a 121 para amostragens da Amazônia (Felfili 1995, Silva Júnior
também padronizadas (Felfili et al. 1998, et al. 1998). Das localidades comparadas
Filgueiras et al. 1998) e que neste estudo, apenas Silvânia e Paracatu, ambas na
em amostragens realizadas com a mesma Chapada Pratinha, apresentaram índices
base metodológica (Felfili & Silva Júnior de diversidade de Shannon & Wienner
2001, Felfili et al. 2001) a variação foi de abaixo de 3,4 nats.ind-1.

Tabela 2. Riqueza de espécies e diversidade alfa da flora lenhosa do cerrado


sensu stricto, incluindo-se plantas a partir de 5cm de diâmetro a
0.30m do nível do solo, em 15 locais de estudo, inclusos em três
Unidades Fisiográficas (Cochrane et al. 1985), São Francisco,
Veadeiros e Pratinha no Brasil Central.

149
Felfili & Silva Júnior

No estrato herbáceo estes índices Serra Negra x Serra Mesa e também,


variaram de 3,11 nats.ind-1 a 3,62 entre Alto Paraíso e Vila Propício. A
(Filgueiras et al. 1998) na Chapada similaridade entre algumas áreas em
Pratinha apresentando uma variação de diferentes sistemas de terra, nessa
diversidade comparável com a do estrato mesma unidade fisiográfica, foi baixa,
arbóreo. principalmente nas comparações com
Alto Paraíso. Portanto, pode-se afirmar
que nesta Chapada, a diversidade beta
Diversidade beta foi baixa dentro de um mesmo sistema
de terra, porém, foi elevada na
Na comparação florística, pelo índice comparação entre sistemas de terra, ou
de similaridade de Sørensen, entre todas seja, os padrões de diversidade
as áreas estudadas da Chapada Pratinha apresentaram uma correspondência com
e também do São Francisco verificou-se as variações do ambiente, as quais foram
que a diversidade beta foi baixa, pois a consideradas na definição dos sistemas
similaridade entre os locais foi elevada de terra, especialmente, classes de solo
(Tabela 3), com todos os valores acima (ver Haridasan et al. 1997).
de 0,5. Na Pratinha, os índices foram
elevados, mesmo nas comparações entre Os índices de similaridade de
áreas em diferentes sistemas de terra, tais Czekanowski, que consideram a
como Paracatu x Parque Nacional de composição florística e a distribuição de
Brasília. indivíduos por espécie, foram
proporcionalmente mais baixos do que
Em Veadeiros, a similaridade pelo os de Sørensen nas comparações,
Índice de Sørensen foi elevada entre áreas sugerindo uma diferenciação estrutural
no mesmo sistema de terras, tais como entre as áreas. De um total de 105

Tabela 3. Similaridade da flora lenhosa do cerrado sensu stricto, em plantas


a partir de 5cm de diâmetro a 0,30m do nível do solo, em 15 locais
inclusos em três Unidades Fisiográficas (Cochrane et al. 1985),
Espigão Mestre do São Francisco, Chapada dos Veadeiros e
Chapada Pratinha no Brasil Central.

FOR - Formosa; SDE - São Desidério; COR - Correntina; PGS - PARNA Grande Sertão; SNE - Serra Negra; SM - Serra da
Mesa; PVE - PARNA Veadeiros; ALP - Alto Paraíso; VPR - Vila Propício; AGA - APA Gama; PBR - PARNA Brasília; AEM
- Águas Emendadas; SIL - Silvânia; PAR - Paracatu; PAT – Patrocínio

Índice de Sørensen (qualitativo, varia de 0 a 100) com aproximação de 1cm.


Índice de Czekanowski (quantitativo, varia de 0 a 100) com aproximação de 1cm.

150
Diversidade alfa e beta

comparações, 63 foram elevadas para o unidades de conservação no bioma


índice de Sørensen, enquanto apenas Cerrado. Mesmo presentes em algumas
sete foram elevadas para o índice de unidades de conservação, algumas
Czekanowski. Portanto a diversidade espécies ainda não estão protegidas por
beta, ou seja, a diversidade entre locais ocorrerem em densidades muito baixas.
é, em geral, baixa nas comparações de
presença e ausência de espécies. Porém,
Ordenação
torna-se elevada quando o componente
abundância, expresso pelo número de A ordenação por DECORANA
indivíduos por espécie, é inserido na (Figura 3) indicou que o gradiente
análise, pois, a maior diferenciação entre florístico e estrutural seguiu a variação
locais está no tamanho das populações. ambiental englobada pelo zoneamento
elaborado por Cochrane et al. (1985)
Portanto, as comunidades de cerrado
especialmente em relação às unidades
s.s. estão organizadas de modo que a
fisiográficas, que funcionaram como
diversidade beta é elevada, devido a uma
unidades de paisagem ou unidades
distribuição de indivíduos por espécies
ecológicas com elevada correlação com
muito desigual nos locais ao longo do
as variáveis florístico e estruturais
bioma, apesar de um grande número de
analisadas. O primeiro eixo de ordenação
espécies ocorrerem em comum.
mostrou um gradiente, desde os cerrados
Há uma grande sobreposição na sobre Latossolos profundos na Pratinha
ocorrência de espécies em grande parte aos cerrados sobre areia quartzoza no
dos locais, mas o tamanho das suas São Francisco, terminando nos
populações é bastante diferenciado. As Cambissolos de Veadeiros (veja
espécies que ocorrem em comum são, Cochrane et al. 1985, Brasil 1982,
em geral, abundantes em uma área e Haridasan et al. 1997 e Haridasan 2001,
raras em outras. Isso ressalta a para a descrição dos tipos de solo dessas
necessidade de criação de outras regiões).

Figura 3
Diversidade beta
expressa pelo
posicionamento das
15 áreas de cerrado
sensu stricto nos
eixos de ordenação
pelo método
DECORANA, onde
APA GAMA = Área
de Proteção
Ambiental Gama e
Cabeça de Veado;
Parna = Parque
Nacional.

151
Felfili & Silva Júnior

Padrões fitogeográficos CONSIDERAÇÕES FINAIS


Locais em um mesmo sistema de O cerrado s.s. é uma rica e diversa
terras, mesmo distantes cerca de 500km, fitofisionomia que apresenta uma
tais como entre Correntina (BA) e elevada diversidade alfa.
Formosa do Rio Preto (BA), foram mais
semelhantes entre si do que locais A diversidade beta é baixa nas
distantes, em apenas 50km ou menos, comunidades de cerrado sensu stricto
como Alto Paraíso de Goiás x Parque quando as comparações são baseadas
Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) em presença e ausência de espécies
pelo índice de Sørensen. Ou seja, devido a um elevado número de espécies
gradientes fisiográficos como solo e comuns entre diferentes locais. Porém,
relevo podem exercer maior influência esta se torna elevada nas comparações
nos padrões de diversidade beta do que baseadas na densidade de espécies. Ou
as variações latitudinais e longitudinais seja, conforme já destacado, a
dentro do bioma Cerrado. Haridasan et diversidade beta é elevada devido a uma
al. (1997), em um estudo similar para distribuição de indivíduos por espécies
matas de galeria, verificaram que classes muito desigual nos locais ao longo do
de solo foram os fatores determinantes bioma, apesar de um grande número de
das diferenciações na Chapada dos espécies ocorrerem em comum.
Veadeiros.
A densidade de espécies é, portanto,
Apenas nove espécies foram comuns um importante parâmetro para tomada
a todos os locais, Acosmium de decisões quanto à conservação e
dasycarpum, Aspidosperma tomento- manejo do Cerrado. No estabelecimento
sum, Bowdichia virgilioides, Byrsonima de unidades de conservação torna-se
coccolobaefolia, Erythroxylum importante verificar tanto a ocorrência
suberosum, Kielmeyera coriacea, Ouratea das espécies como o tamanho de suas
hexasperma, Qualea grandiflora e populações. No delineamento de
Tabebuia ochracea, estas podem ser estratégias para manejo e extrativismo
consideradas como típicas do cerrado s.s. sustentável tornam-se fundamentais
na área core. Ratter et al. 2000 avaliações quantitativas com precisão
encontraram 27 espécies de ampla suficiente para o planejamento da
distribuição geográfica em 316 locais produção regional.
amostrados em levantamentos rápidos
no cerrado sensu lato, dentre as espécies O relacionamento entre os padrões
típicas encontradas neste estudo, apenas de diversidade e as características físicas
Aspidosperma tomentosum e Ouratea do ambiente (Felfili & Silva Júnior 2001)
hexasperma não estão presentes dentre traz a possibilidade de modelagem
as listadas pelos referidos autores, pois desses padrões de acordo com
não apresentam distribuição tão ampla. zoneamentos fisiográficos e fisionô-
micos, tais como o elaborado por
O baixo número de espécies comuns Cochrane et al. 1985.
a todos os 15 locais, a despeito da
elevada similaridade florística entre 60% Quanto à representatividade das
das comparações entre locais confirma unidades de conservação em relação aos
sugestões de Ratter & Dargie (1992) e de padrões de diversidade beta, aqui
Felfili & Silva Júnior (1993) de que a estudados, verificou-se que a confi-
distribuição de espécies no cerrado s.s. guração original do Parque Nacional da
ocorre em mosaicos. Chapada dos Veadeiros é insuficiente

152
Diversidade alfa e beta

para proteger a diversidade florística baixas da Chapada, que incluem


daquela Chapada. Também se verificou Paracatu-MG e Patrocínio-MG,
que todas as unidades de conservação desprotegidas e que o Parque Grande
da Chapada Pratinha estão concentradas Sertão Veredas é bastante representativo
no Distrito Federal, deixando as terras do Espigão Mestre.

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153
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154
Solos e paisagem

Capítulo 8

Ecologia FOTO: JOSÉ


FOTO: SOUSA-SILVA
CARLOS SOUSA-SILVA
JOSÉ CARLOS

comparativa de
espécies lenhosas
de cerrado e William A. Hoffmann
Department of Botany

de mata North Carolina State University


Raleigh, NC 27695-7612, EUA

155
Hoffmann

156
Ecologia comparativa de espécies lenhosas

INTRODUÇÃO al., 1992; Woodward et al.,1995). Essa


simplificação é incompleta, pois a
Entender os fatores que determinam distribuição de savanas tropicais não é
a localização atual de ecótonos é um somente determinada pela
desafio fundamental para gerar previsões disponibilidade de água, mas também
das distribuições dos principais tipos de pelo fogo, disponibilidade de nutrientes,
vegetação sob climas ou regimes de e em algumas regiões, pela herbivoria
distúrbios alterados. Nos trópicos, um (Solbrig 1992).
ecótono de grande importância é a
transição entre savana e floresta. No Outra premissa não muito realista
passado, essa transição sofreu grandes de alguns modelos, é que as espécies de
modificações, e fez com que as áreas de savana são decíduas, enquanto as
florestas se contraíssem ou expandissem, espécies de mata são sempre-verdes. Isso
conforme as mudanças climáticas não reflete a realidade do cerrado e das
(Delegue et al., 2001; Desjardins et al., outras savanas úmidas, onde a maioria
1996; Pessendra et al. 1998; van der das espécies savânicas mantém folhas
Hammen, 1992). Da mesma forma durante a estação seca. A maioria dos
espera-se que haja mudanças nas modelos nem reconhece que existe uma
distribuições desses biomas pelos climas diferença entres espécies de savana e de
futuros (Bergengren et al., 2001; Neilson floresta, pois supõem que a transição
et al., 1998). entre esses biomas é caracterizada
somente por uma descontinuidade na
As tentativas de modelar a dinâmica
densidade de árvores. Isso também é
do ecótono entre savanas e florestas
simplista, pois a flora do cerrado é quase
tropicais tem se baseado em premissas
completamente diferente das matas
extremamente simplistas e não-realistas
(Felfili & Silva Junior, 1992).
(Steffan 1996). Primeiro, de modo geral,
supõe-se que o determinante principal Esses problemas, na tentativa de
da transição savana-floresta é a modelar a dinâmica da transição entre
disponibilidade de água (Foley et al., savana e floresta, refletem a falta de
1996; Neilson et al., 1995, Prentice et estudos comparativos entre esses dois

157
Hoffmann

grupos de espécies. (Longman & Jeník, enquanto florestas são menos


1992). Em contraste a isso, nas florestas inflamáveis, onde o fogo freqüentemente
tropicais, muitos estudos se não penetra (Biddulph & Kellman, 1998;
concentraram em entender as diferenças Cochrane et al., 1999), embora distúrbios
entre pioneiras e espécies de clímax, antrópicos ou condições extremas de
fornecendo informações valiosas para clima possam aumentar a chance de o
entender a dinâmica de florestas. Para fogo adentrar em formações florestais
entender a dinâmica do ecótono savana- (Cochrane et al., 1999).
floresta, precisa-se de mais estudos
A resposta ao fogo de espécies de
comparativos entre as espécies desses
floresta e de cerrado reflete claramente
dois biomas. os regimes de fogo enfrentados nesses
O Cerrado oferece oportunidades ambientes. Espécies de cerrado têm uma
excelentes para desenvolver estudos maior capacidade de sobreviver ao fogo
comparativos entre espécies de savana do que as espécies de floresta (Figura
e de floresta. O grande número de 1). No estágio de plântula, essa diferença
gêneros contendo tanto espécies de já é evidente. De 12 espécies de cerrado
Cerrado quanto espécies de mata permite onde existem dados, 11 exibiram a
comparações estatisticamente poderosas capacidade de sobreviver ao fogo na
primeira estação seca após o
sem problemas de filogenia comuns em
estabelecimento (Figura 1A). A única
trabalhos comparativos.
espécie sem capacidade de sobreviver,
Aqui são apresentadas alguma Miconia albicans, parece ser sensível
comparações entre as espécies de floresta devido ao pequeno tamanho da semente
e as de cerrado, dando ênfase à (Hoffmann, 2000), pois dentre as 12
tolerância ao fogo e padrões de espécies a sobrevivência foi altamente
crescimento e repartição de biomassa. correlacionada com peso de semente
Deve-se ressaltar que existem diversas (Figura 1A; r = 0.77; P< 0.01). Em
formações florestais dentro do Bioma contraste, nenhuma das três espécies de
Cerrado, tais como cerradão (distrófico mata, ocorrendo neste caso em cerradão,
e mesotrófico), mata de galeria sobreviveu ao fogo (Figura 1A).
(inundável e não inundável), mata seca
Essa diferença de resposta ao fogo
(sempre-verde, semidecídua e decídua;
continua até a maturidade. A
Ribeiro & Walter 1998). Essas formações comparação dos efeitos de fogo no
florestais se encontram em condições estrato arbóreo em nove sítios em floresta
diversas de edafologia e hidrologia amazônica (Uhl & Buschbacher, 1985;
(Ribeiro & Walter 1998), com Kauffman, 1991; Holdsworth & Uhl,
composições florísticas distintas 1997; Cochrane & Schulze, 1999; Peres,
(Oliveira-Filho & Ratter 1995), 1999) com os efeitos em 11 sítios de
complicando qualquer tentativa de cerrado (Sato, 1996; Sato & Miranda,
comparar espécies florestais e savânicas.
1996; Silva et al., 1996; Silva, 1999)
revela a maior resistência de espécies de
RESPOSTA AO FOGO Cerrado ao fogo (Figura 1B). Na floresta
amazônica, a média de sobrevivência foi
Uma das principais diferenças entre de 38% enquanto no Cerrado essa média
o ambientes de savana e o de floresta é foi de 89%. No entanto, em mata seca
a freqüência de fogo. O cerrado e outras na Bolívia, a sobrevivência foi de 79%
savanas sofrem altas freqüências de fogo, (Pinard et al. 1999).

158
Ecologia comparativa de espécies lenhosas

Vários fatores podem contribuir para Essa diferença na sensibilidade ao


essas diferenças de sensibilidade ao fogo. fogo certamente tem um importante
Por exemplo, em comparação às espécies papel na dinâmica do ecótono cerrado-
de mata de galeria, espécies de cerrado mata. Apesar das florestas serem menos
tendem a ter casca mais espessa (Figura inflamáveis do que cerrado, o fogo
2), a qual fornece proteção contra ocasionalmente penetra nelas, causando
temperaturas altas (Vines, 1968; Silva & grandes danos devido à baixa tolerância
Figura 1
Miranda, 1996). Espécies de cerrado das espécies florestais ao fogo. Quando
Comparação da resposta
ao fogo de espécies de também investem mais em biomassa de ocorre repetidamente, existe o risco de
mata e de cerrado. A) raízes do que espécies de mata (Figura contração da área florestal, como foi
Sobrevivência de 3a; Hoffmann & Franco, 2003). Já que observado em savanas africanas
plântulas sujeitas à
os teores de carboidrato em raízes de 10 (Hopkins, 1992). Do mesmo modo,
queima no primeiro ano
de vida. Cada ponto espécies de cerrado não diferiram de 10 quando o ecótono é sujeito ao fogo
representa uma espécie. espécies de mata de galeria (Hoffmann freqüente, o estabelecimento (Hoffmann,
Dados de sobrevivência et al 2003), a maior biomassa de raízes 1996) e sobrevivência (Hoffmann, 2000)
são de Dalbergia
indica maior disponibilidade de de espécies florestais nas áreas de
miscolobium (Dmi;
Franco et al. 1996), carboidratos para a rebrota de espécies cerrado são pouco prováveis, eliminando
Blepharocalyx salicifolius de savana. a expansão florestal que é observada em
(Bs; Matos 1994),
Dimorphandra mollis
(Dmo; Andrade et al.
2001), Brosimum
gaudichaudii (Bg),
Guapira noxia (Gn),
Kielmeyera coriacea (Kc),
Miconia albicans (Ma),
Myrsine guianensis (Mg),
Periandra mediterranea
(Pm), Roupala montana
(Rm), Rourea induta (Ri),
Zeyheria montana (Zm),
Alibertia macrophylla
(Am), Ocotea
pomaderroides (Op), e
Pera glabrata (Pg;
Hoffmann 2000), Dados
sobre pesos de sementes
foram obtidos de
Hoffmann (2000) e
Lorenzi (1998). B)
Sobrevivência de adultos
queimados. Os dados
foram obtidos de estudos
feitos no nível de
comunidade em cerrado
e mata amazônica (Uhl &
Buschbacher (1985),
Kauffman (1991), Sato
(1996), Sato & Miranda
(1996), Silva, Sato &
Miranda (1996),
Holdsworth & Uhl
(1997), Silva (1999),
Cochrane & Schulze
(1999), Peres (1999))

159
Hoffmann

alguns casos de proteção contra o fogo vida, apesar de ter pesos secos
(Ratter, 1992). semelhantes. Enquanto essa tendência
é obvia para plantas adultas, pois
fisionomias florestais são mais altas do
REPARTIÇÃO DE BIOMASSA que formações de cerrado, essa diferença
Além da diferença na razão raiz/ em porte já se manifesta no inicio do
parte aérea (Figura 3A), existem outras desenvolvimento de plântulas (Figura 3B).
diferenças nítidas entre esses dois grupos
Espécies de cerrado também tendem
de espécies, principalmente na repartição
a ter baixos valores de RAF (razão de
de biomassa e morfologia. Hoffmann &
área foliar), ou seja, a área foliar dividida
Franco (2003) compararam o
pelo peso total da planta (Figura 3C),
crescimento e repartição de biomassa de
indicando que as espécies de cerrado
nove pares de espécies vicariantes em
investem menos na captura de luz. Esse
condições de viveiro. Cada par desse
valor menor de RAF é devido a menor
incluía uma espécie de mata e outra de
área foliar por peso foliar (folhas mais
cerrado. Em geral, as espécies de mata
espessas) e menor peso foliar por peso
foram mais altas que as de cerrado,
total da planta (Hoffmann & Franco,
mesmo nos primeiros cinco meses de
2003).

Figura 2
Comparação da
espessura da casca de
dez pares de espécies
de cerrado e mata de
galeria. (Hoffmann et
al, 2003). Em todos os
gêneros, a espécie de
cerrado teve casca mais
espessa (P< 0.01). As
espécies de cerrado são
A. tomentosum,
Byrsonima crassa, D.
macrocarpum, G. noxia,
H. stigonocarpa,
Miconia pohliana,
Myrsine guianensis, O.
hexasperma, S.
crassifolia e V.
thyrsoidea. As espécies
de mata são A.
subicanum, B. laxiflora,
D. morototoni, G.
areolata, H. courbaril,
Miconia chartacea,
Myrsine umbelata, O.
castaneafolia, S.
elliptica e V. tucanorum.

160
Ecologia comparativa de espécies lenhosas

Essas diferenças em repartição de competição por luz. Em cerrado, a luz é


biomassa corroboram os resultados abundante, mas água e nutrientes
encontrados por Felfili et al. (2001), provavelmente são mais limitantes, então
Moreira & Klink (2000) e Paulilo & o maior investimento em raízes é
Felippe (1998). A consistência dessas vantajoso (Gleeson & Tilman 1992).
características dentre as espécies em
cada ambiente indica evolução Apesar desses dois grupos de
convergente, que é uma forte evidência espécies exibirem claras diferenças na
de que essas características são repartição de biomassa, as espécies de
adaptações aos ambientes de cerrado e cerrado não tiveram menores taxas de
de mata (Wanntorp et al., 1990). Em crescimento relativo (TCR) do que as
mata, onde a luz é considerada como espécies de mata (Hoffmann & Franco,
um dos principais fatores que limitam o 2003). Porém, é muito provável que essa
crescimento de plântulas, espécies com diferença surja em fases mais avançadas
porte alto e um grande investimento em de desenvolvimento das plântulas.
área foliar teriam mais sucesso na Muitos estudos já demonstraram que a

Figura 3
A) Razão raiz/parte
aérea de espécies de
cerrado e de mata. B)
Alturas de plântulas de
espécies de cerrado e de
mata C) Razão de área
foliar (área foliar por
unidade de peso total
da planta) de espécies
de cerrado e de mata.
Os erros padrões foram
baseados na variação
entre espécies. Dados
são de Hoffmann &
Franco (2003) e as
espécies são Alibertia
concolor. A.
macrophylla, Aspi-
dosperma macrocarpon,
A. subincanum,
Brosimum gaudichaudii,
B. rubescens,
Enterolobium
gummiferum, E.
contortisiliquum,
Guapira noxia, G.
graciliflora, Hymenaea
stignocarpa, H.
courbaril, Jacaranda
ulei, J. puberbula,
Ouratea hexasperma, O.
castaneaefolia, Salacia
crassifolia e S. elliptica.

161
Hoffmann

TCR é fortemente correlacionada com a cerradão) no bioma Cerrado, como foi


razão de área foliar (Huante, et al., 1995; sugerido por outros autores (Oliveira-
Kitajima, 1994; Lambers & Poorter, 1992; Filho & Ratter, 2002). A maior
Wright & Westoby, 2000). Em termos capacidade de sobreviver ao fogo das
relativos, a razão de área foliar se reduziu espécies savânicas pode ser explicada
mais rapidamente nas espécies de pelo maior investimento em casca e em
cerrado do que nas de mata, ao longo raízes.
do estudo. Do 50o dia até o 150o dia, a
razão de área foliar das espécies de O maior investimento em raízes nas
cerrado diminuiu 33%, enquanto que a espécies de cerrado, relativo às de mata,
das espécies florestais diminuiu somente também deve melhorar a capacidade de
21% (Figura 3C). Se espécies de cerrado aquisição de água e nutrientes. Junto
continuarem a exibir maiores reduções com o fogo, esses fatores são
na razão de área foliar, então as taxas considerados importantes determinantes
de crescimento dessas plantas poderão da distribuição de savanas e florestas
ser menores do que as de mata (Frost et al. 1986). É preciso estudar
(Hoffmann & Franco 2003). melhor a resposta desses dois grupos de
espécies à disponibilidade de água e de
nutrientes, para entender mais
CONSIDERAÇÕES FINAIS profundamente a dinâmica das diversas
formas fisionômicas do bioma Cerrado.
Existe uma grande necessidade de
entender a dinâmica do ecótono entre O Cerrado oferece condições
cerrado e matas, e para realizar isso será excelentes para estudos comparativos
necessário um maior conhecimento das devido ao grande número de gêneros
diferenças ecológicas e fisiológicas entre contendo espécies de savana e de mata.
as espécies desses dois ambientes. A Em nenhuma outra região do mundo
maior sensibilidade ao fogo das espécies encontra-se uma situação tão favorável
florestais sugere que esse fator tem sido para realizar comparações robustas da
importante em limitar a distribuição ecologia, morfologia e fisiologia desses
atual de florestas (principalmente dois grupos.

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165
Capítulo 9

FOTO: M.
FOTO: HARIDASAN
M. HARIDASAN

Competição por
nutrientes em
espécies arbóreas Mundayatan Haridasan
Departamento de Ecologia

do cerrado Universidade de Brasília


Brasília DF
Hoffmann

168
Ecologia comparativa de espécies lenhosas

INTRODUÇÃO de copa para definir o cerrado. Ribeiro e


Walter (1998) definiram cerrado sentido
Uma questão interessante a ser
restrito em um sentido mais amplo para
levantada em qualquer estudo ecológico
incluir em um extremo, o cerrado denso
de comunidades de alta biodiversidade
com cobertura arbórea de 50 a 70% e,
é se há competição entre populações que
em outro, o cerrado rupestre e o cerrado
a compõem quanto à repartição de
ralo, com cobertura arbórea entre 5 e
recursos naturais, especialmente os mais
20%. Entre estes extremos, o cerrado
escassos. Nesse sentido, não se conhece
típico é definido como uma fisionomia
nenhuma análise das estruturas
com 20 a 50% de cobertura arbórea. A
populacionais das espécies arbóreas do
definição de cerrado ralo foi sugerida
cerrado, num ambiente reconhe-
para substituir o termo campo cerrado
cidamente pobre em nutrientes
utilizado por autores como Coutinho
(Haridasan, 2000, 2001). Além das
(1978).
adaptações nutricionais das espécies
individuais, a competitividade também
é um fator importante a ser estudado
para melhor definir o funcionamento COMPOSIÇÃO FLORÍSTICA DO
deste ecossistema e para futuro CERRADO
aproveitamento das espécies nativas. A
discussão a seguir está restrita aos A composição florística das
macronutrientes Ca, Mg, K e P no cerrado comunidades arbóreas do cerrado é um
(sentido restrito), definindo-o como uma assunto exaustivamente discutido na
fitofisionomia com cobertura arbórea literatura brasileira (Castro et al., 1999).
entre 20 a 50%. A terminologia utilizada Entretanto, uma das contribuições mais
para definir as variações que existem na importantes nos últimos anos foi o
fitofisionomia do cerrado varia bastante reconhecimento de padrões regionais
entre pesquisadores. Goodland (1971), (geográficos) na composição florística da
por exemplo, sugeriu os limites mínimo flora lenhosa por Ratter et al. (1996).
e máximo de 15 e 55% para cobertura Além de determinar a ocorrência de

169
Haridasan

diferentes comunidades vegetais em torno de 70. O número de espécies


solos distróficos e mesotróficos, ainda encontrado varia dependendo do
foi definida a existência de diferentes tamanho de área amostrada. Felfili et al.
grupos de espécies em distintas regiões (2000) encontraram 61 espécies em
geográficas. São poucas as espécies que parcelas permanentes de 1,9ha no início
possuem ampla distribuição geográfica de seus estudos em 1985, e 57 espécies,
na região do cerrado. Das 534 espécies nove anos depois. Nas diferentes
encontradas em 98 levantamentos, amostragens, 90% das espécies foram
apenas 28 ocorreram em mais de 50% encontradas na primeira metade (0,9ha)
dos locais e três espécies em mais de da área amostrada. Apenas oito espécies
70% dos locais. Adaptações (13% do total) foram responsáveis por
ecofisiológicas em resposta ao estresse 50% dos indivíduos e 19 espécies (31%)
hídrico em função da duração da época por 75%. Assim, como neste estudo, a
seca e da quantidade da precipitação, e maioria dos levantamentos comprova
em resposta às variações de temperatura, que menos da metade de todas as
especialmente da temperatura mínima espécies encontradas são responsáveis
durante o inverno, devem contribuir para por mais de 75% do número de
estes padrões geográficos. indivíduos e área basal da comunidade.
Por exemplo, Lilienfein et al. (2001), em
levantamento recente de um cerrado em
DENSIDADE ARBÓREA NO Latossolo Vermelho em Uberlândia,
CERRADO (SENTIDO RESTRITO) constatou que apenas sete espécies
representam 76% dos 602 indivíduos por
As estimativas da densidade arbórea hectare com mais de 2m de altura. Silva
em comunidades nativas do cerrado (1990), em um cerrado na Fazenda Água
(sentido restrito) variam conforme o Limpa no Distrito Federal, encontrou 204
critério utilizado para inclusão de plantas indivíduos em 1.800m2, correspondendo
lenhosas nos levantamentos a 1.133 árvores por hectare, com
fitossociológicos e a extensão da área de diâmetro maior que 5cm, a 30cm de
amostragem. Felfili et al. (2000) altura, distribuídas entre 35 espécies.
estudando durante nove anos as
alterações na composição florística de
um cerrado (sentido restrito) no Distrito COMPETIÇÃO POR LUZ E ÁGUA
Federal encontraram entre 806 e 945
indivíduos por hectare com diâmetro Franco (2002) discute as diferenças
mínimo de 5cm a 30cm de solo. Outros na capacidade fotossintética e nas
critérios utilizados por outros autores adaptações ecofisiológicas e nos
incluem a circunferência mínima do mecanismos de tolerância ao estresse
tronco na altura do peito (1,3m) de 10cm hídrico entre as espécies lenhosas do
e a altura mínima de 1 ou 2m. Assim, a cerrado. As evidências indicam a
estimativa da densidade de árvores pode existência de diferentes mecanismos
entre as espécies lenhosas que permitem
variar bastante entre levantamentos.
compartilhamento de recursos escassos
Um limite superior para o número e contribuem para a alta biodiversidade
de espécies arbóreas, por hectare, do neste ecossistema. As possíveis
cerrado (sentido restrito) parece ser em diferenças no sistema radicular e

170
Competição por Nutrientes

conseqüentes diferenças na utilização de apresentam restrições ao crescimento


água na comunidade arbórea do cerrado radicular das árvores. Quando a
foram analisados por Jackson et al. profundidade se torna limitante, por
(1999). causa de concreções lateríticas ou
ferruginosas ou afloramento de rochas,
a fisionomia comum é de campo cerrado
COMPETIÇÃO POR NUTRIENTES ou cerrado rupestre (Ribeiro & Walter,
1998).
De modo geral, podemos assumir
que o ambiente edáfico dentro de limites As disponibilidades de nutrientes em
de uma comunidade de cerrado (sentido um Latossolo Vermelho e um Neossolo
restrito) é relativamente uniforme. Quartzarênico sob cerrado (sentido
Quando os fatores edáficos como restrito) estão apresentadas na Tabela 1.
fertilidade, profundidade efetiva, Nestes ambientes a distribuição de raízes
presença de concreções e proximidade à está concentrada nas camadas mais
superfície do lençol freático variam, a superficiais, diminuindo drasticamente
fitofisionomia muda (Eiten, 1972; com a profundidade (Abdala et al., 1998;
Haridasan, 1994). As principais classes Delitti et al., 2001). Com o alto grau de
de solo que suportam o cerrado (sentido intemperismo e profundidade geralmente
restrito) na região central do Planalto maior do que 2m, as camadas inferiores
Central brasileiro são Latossolos não devem desempenhar nenhum papel
Vermelhos e Neossolos Quartzarênicos. significativo na nutrição mineral das
Estes solos, de modo geral, quando plantas nativas do cerrado (Burnham,
suportam cerrado (sentido restrito), são 1989; Nepstad et al., 2001). É improvável
profundos e bem drenados, e não também o aproveitamento de formas de

Tabela 1. Disponibilidade de nutrientes em um Latossolo Vermelho (Fazenda


Água Limpa, DF) e um Neossolo Quartzarênico (Parque Nacional
Grande Sertão Veredas, MG) sob vegetação nativa de cerrado
(sentido restrito).

171
Haridasan

P e K consideradas indisponíveis (não nutricionais são uma vantagem


extraídas pelos extratores convencionais competitiva.
como de Mehlich e de Bray) apesar da
Na Tabela 2 estão apresentadas as
quantidade total destes nutrientes no
concentrações foliares de K, Ca, Mg e P
solo ser bem maior que a fração
em 35 espécies arbóreas em um cerrado
disponível (Nepstad et al., 2001).
Portanto, a manutenção deste em Latossolo Vermelho distrófico no
ecossistema, deve depender de uma Distrito Federal (Silva, 1990). Doze
reciclagem fechada e eficiente de das 35 espécies deste levantamento
macronutrientes, P, K, Ca e Mg, ainda (Tabela 2) são de ampla distribuição
existindo a possibilidade de entrada de geográfica na região dos cerrados,
quantidades pequenas através de conforme Ratter et al. (1996). Nenhuma
precipitação (Coutinho, 1979). delas é citada como espécie indicadora
de solo mesotrófico. A seguir algumas
Uma das maneiras de comparar a características desta comunidade:
competitividade entre as espécies é
analisar as concentrações de nutrientes 1. As concentrações foliares
foliares para determinar as exigências encontradas estão na faixa de valores
nutricionais e o estado nutricional em comum em comunidades nativas em
condições naturais. Esta metodologia solos distróficos (Haridasan, 1992).
tem sido utilizada para comparar Algumas destas espécies quando
adaptações nutricionais das espécies ocorrem em solos mesotróficos
nativas em diferentes solos e para apresentam maiores concentrações de Ca
determinar a influência da fertilidade do e de outros cátions. A faixa de variação
solo na composição florística das das concentrações de nutrientes entre as
comunidades (Araújo & Haridasan, espécies ainda é grande, com a
1988; Haridasan, 1987, 1992; Medina & proporção entre os valores máximo e
Cuevas, 1989). Uma maior concentração mínimo sendo 3,9 no caso de Mg e 10,4
de nutrientes nos tecidos vegetais poderá no caso de Ca (Tabela 2). Para um
ser uma indicação de maior ambiente homogêneo isto indica uma
disponibilidade de nutrientes no solo, de diversidade alta na utilização de
maior exigência das espécies em relação nutrientes entre as espécies que ocorrem
aos nutrientes, ou de melhor no local, um conceito compatível com
aproveitamento do ambiente edáfico, por modelos como de Tilman (1982) e Cody
uma espécie em comparação a outras (1986) para explicar o compartilhamento
que apresentam menores concentrações. de recursos em ambientes pobres.
Se isso ocorre em relação às espécies que
apresentam maior dominância relativa 2. De modo geral, as espécies com
em uma comunidade em ambiente pobre maior número de indivíduos também
em nutrientes, seria uma comprovação apresentam a maior biomassa por
da melhor competitividade destas indivíduo (Figura 1). Entre as espécies
espécies, por causa de um melhor mais abundantes, com mais de 50
aproveitamento de nutrientes. Por outro indivíduos por hectare, as exceções
lado, menores concentrações de foram as espécies que não crescem em
nutrientes em espécies mais abundantes altura como Ouratea hexasperma,
serão evidências de que baixos requisitos Piptocarpha rotundifolia e Palicourea

172
Competição por Nutrientes
Competição por Nutrientes

Tabela 2. Concentrações foliares de nutrientes em espécies arbóreas de um


cerrado (sentido restrito) em Latossolo Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990).

*Espécies de ampla distribuição na região dos cerrados conforme Ratter et al. (1996).
173
173
Haridasan

rigida. Assim, o tamanho da população maior parte da biomassa da comunidade


não restringiu o tamanho do indivíduo, apresentaram as menores concentrações
nem houve competição significativa de nutrientes nas folhas (Figura 4). Elas
neste aspecto entre populações de podem ser consideradas menos exigentes
diferentes espécies. Com poucos em nutrientes e capazes de
indivíduos da maioria das espécies é desenvolverem bem em solos distróficos.
impossível determinar os efeitos de Essa menor exigência de nutrientes
competição em toda a comunidade. parece ser uma vantagem competitiva em
espécies mais abundantes, também
3. Apenas cinco espécies foram devido a sua maior contribuição para a
responsáveis por 78% da biomassa total biomassa total da comunidade. Por outro
(Figura 2) e sete espécies por 56% dos lado, algumas espécies com as maiores
indivíduos (Figura 3). De modo geral, concentrações apresentaram menor
estas espécies que contribuíram com o número de indivíduos e menor biomassa
maior número de indivíduos e com a por árvore, indicando que, talvez, estas

Figura 1
Relação entre a
biomassa e o
número de
árvores das 35
espécies em um
cerrado em
Latossolo
Vermelho no
Distrito Federal
(Silva, 1990).

Figura 2
Compartilhamento
da biomassa
aérea entre as 35
espécies arbóreas
em um cerrado
em Latossolo
Vermelho no
distrito Federal
(Silva, 1990)

174
Competição por Nutrientes

são mais exigentes em nutrientes e não eixos de disponibilidade de água e de


conseguem aumentar sua população em nutrientes) e de perturbações (Frost et
ambientes pobre em nutrientes. al., 1985; Baruch et al., 1996).
Entretanto, um melhor entendimento
4. Um aspecto que pode contribuir
sobre a competição por nutrientes,
para uma menor competitividade por
especialmente entre as espécies que
nutrientes entre as sete espécies com
contribuem com as maiores populações
maior número de indivíduos é o fato de
e biomassas, é essencial para explicar a
que elas pertencem a diferentes grupos
coexistência destas espécies nos
funcionais: Duas delas (Sclerolobium
ambientes distróficos.
paniculatum e Dalbergia violacea)
pertencem Leguminosae e diferem das
outras em relação ao uso de nitrogênio;
duas outras (Qualea parviflora e CONSIDERAÇÕES FINAIS
Palicourea rigida) são acumuladoras de Apesar da alta biodiversidade de
alumínio com um mecanismo diferente espécies arbóreas em comunidades
para superar o problema de alta nativas do cerrado (sentido restrito) em
disponibilidade deste elemento no solo. solos distróficos, relativamente poucas
Não se dispõe de informações sobre espécies constituem as maiores
aspectos como distribuição de raízes ou populações e contribuem para a maior
associações micorrízicas nestas espécies parte da biomassa e estoque de
para explorar melhor o assunto da nutrientes. As concentrações de
competitividade entre elas na utilização nutrientes foliares variam bastante entre
de nutrientes. estas espécies. Entretanto, aquelas mais
abundantes parecem ser menos exigentes
Discussões passadas, relativas a em nutrientes por apresentarem,
pesquisa sobre o funcionamento de relativamente, menores concentrações
ecossistemas do cerrado, têm enfatizado foliares e maiores números de
a necessidade de investigar os efeitos da indivíduos. Nesta categoria, Qualea
maior disponibilidade de água e de parviflora e Caryocar brasiliense, duas
nutrientes (deslocamento ao longo de espécies com maior número de

Figura 3
Densidade
relativa das 35
espécies arbóreas
em um cerrado
em Latossolo
Vermelho no
Distrito Federal
(Silva, 1990)

175
Haridasan

indivíduos e menor exigência nutricional


encontradas por Silva (1990) são de
ampla distribuição geográfica em toda a
região dos cerrados (Ratter et al., 1996).

Futuros estudos devem se concentrar


nos diferentes mecanismos que as
espécies nativas, possivelmente,
possuem para sobreviver nos ambientes
distróficos, talvez evitando superposição
de nichos nutricionais. A eficiência no
uso de nutrientes e a capacidade para
produzir grandes quantidades de
biomassa em solos com menor
disponibilidade de nutrientes, talvez seja
um critério importante na seleção de
espécies para a recuperação de áreas
degradadas (Montagnini, 2001).

Figura 4
Relação entre a
concentração foliar de
nutrientes e o número
de árvores das 35
espécies em um
cerrado em Latossolo
Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990).

176
Competição por Nutrientes

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178
Solos e paisagem

Capítulo 10

Biodiversidade de

FOTO: CMBBC
forma e função:
implicações
ecofisiológicas das
estratégias de
utilização de água e
luz em plantas
lenhosas do Augusto C. Franco.
Departamento de Botânica

Cerrado Universidade de Brasília


Brasília, DF

179
Haridasan

180
Competição por Nutrientes

INTRODUÇÃO tropicais colocam a água e os nutrientes


como recursos limitantes em um sistema
Na sua maior parte, o complexo solo-água de dois compartimentos (Two-
vegetacional do Cerrado está localizado layered soil-water system ; Walter 1973;
no Planalto Central do Brasil, no qual Walker & Noy-Meir 1982). O fator água
em termos fitofisionômicos, predominam impõe um limite à acumulação de
as formações savânicas, que se biomassa aérea e conseqüentemente à
caracterizam por um estrato arbóreo de densidade de árvores, enquanto o fogo,
densidade variável e um estrato as interações competitivas e a herbivoria
arbustivo-herbáceo dominado por contribuem para manter o tamanho das
gramíneas. O clima é sazonal, com populações abaixo deste limite (Walker
invernos secos e verões chuvosos. A & Noy-Meir 1982; Goldstein & Sarmiento
maior parte das chuvas se concentra no 1986). Gramíneas com o seu sistema
período de outubro a abril. Os solos são radicular superficial e denso são
geralmente profundos e bem drenados e presumivelmente melhores competidores
com uma baixa disponibilidade de por água (e possivelmente nutrientes) no
nutrientes (Goodland & Ferri 1979; perfil superior do solo, enquanto plantas
Haridasan 2001). Nitrogênio, fósforo e lenhosas com raízes profundas teriam
vários cátions ocorrem em níveis muito acesso exclusivo às camadas
baixos e os níveis de alumínio do solo subsuperficiais, que permanecem
são extremamente altos (Haridasan 1982; úmidas durante todo o ano. O
Sarmiento 1984). Além disso, são crescimento de plantas lenhosas estaria
freqüentes as queimadas na estação seca, efetivamente repartido entre as duas
causando impactos importantes na estações climáticas, com o incremento
estrutura e na composição florística da no diâmetro do caule ocorrendo durante
vegetação (Coutinho 1982). o período chuvoso e a produção de
folhas e a floração ocorrendo durante a
Modelos que procuram explicar a estação seca (Sarmiento 1984; Sarmiento
estrutura da vegetação em savanas et al. 1985). Gramíneas perenes, por

181
Franco

outro lado, atravessariam uma fase de estruturais (Oliveira-Filho et al. 1989;


dormência durante a estação seca. Está Henriques 1993), e ricas em espécies
também implícito, nesse modelo de dois lenhosas endêmicas. Mais de 500
compartimentos, que o recrutamento de espécies de árvores e arbustos foram
árvores é dependente da sua capacidade encontradas na região do cerrado (Ratter
de suportar a competição com raízes de et al. 1996) e parcelas individuais de
gramíneas durante o seu desenvol- 0,1ha podem conter mais de 70
vimento inicial e de apresentar um diferentes espécies (Felfili & Silva Jr.
rápido crescimento do sistema radicular 1993). A variedade na forma, no
para alcançar as reservas de água do tamanho e grau de esclerofilia do limbo
subsolo (Medina & Silva 1990). foliar das espécies lenhosas, assim como,
a grande diversidade de formas de vida
Uma das grandes limitações destes
são características marcantes em
modelos é não considerarem os impactos
qualquer área de cerrado (Eiten 1972).
da diversidade funcional e estrutural da
Além disso, a vegetação arbustivo-
vegetação lenhosa e suas implicações na
arbórea se ressalta pela riqueza de tipos
utilização espacial e temporal dos
fenológicos (Franco 2002; Paula 2002;
recursos. A complexidade funcional e
Franco et al. 2005). Essa diversidade
estrutural do componente herbáceo das
fenológica e morfológica provavelmente
savanas tropicais foi abordada por
implica em diferentes padrões de
Sarmiento (1984), que analisou os
distribuição do sistema radicular e em
impactos das diferentes estratégias
diferentes estratégias de utilização de
fenológicas na utilização e repartição
água. Apesar das diferenças na extensão
temporal dos recursos do ambiente.
do sistema radicular (Rawitscher 1948;
Apesar de reconhecer a complexidade
Rizzini & Heringer 1962; Jackson et al.
estrutural do componente lenhoso,
1999), o alto investimento em estruturas
Sarmiento (1984) considerou a grande
subterrâneas caracteriza as espécies
maioria das espécies lenhosas como
lenhosas do cerrado (Abdala et al. 1998;
perenifólias, com acesso às camadas
Paulilo & Felippe 1998; Hoffmann &
mais profundas do solo, que
Franco 2003). Isto tem um efeito
permaneceriam úmidas ao longo do ano.
considerável no balanço de carbono,
Sarmiento et al. (1985) analisaram
representando um dreno importante dos
alguns aspectos relacionados à
produtos fotossintéticos que poderia ser
diversidade funcional do componente
investido em desenvolvimento da parte
arbóreo, ao discutirem as possíveis
aérea.
estratégias de utilização de água e
nutrientes entre espécies lenhosas A vegetação do cerrado caracteriza-
decíduas e perenifólias. se por uma grande heterogeneidade
estrutural, ao englobar formações
As análises de Sarmiento (1984) e
predominantemente campestres, como o
Sarmiento et al. (1985) tiveram como
campo sujo e formações florestais, como
base, estudos realizados nas savanas da
o cerradão, que diferem na composição
Venezuela. No entanto, as savanas do
florística e fitossociológica (Goodland &
norte da América do Sul são
Pollard 1973; Goodland & Ferri 1979).
caracterizadas por uma baixa
Essa diversidade fisionômica resulta em
diversidade de espécies lenhosas,
uma exploração diferenciada da água
enquanto as comunidades de cerrado são
disponível ao longo do perfil do solo
extremamente complexas em termos
(Franco 2002). Além disso, proporciona

182
Uso de água e luz em plantas lenhosa

gradientes luminosos distintos ao longo mês de transição, em que a


da paisagem e ao longo da estrutura disponibilidade de água nas camadas
vertical da vegetação, resultando em superficiais do solo apresenta grandes
diferenças acentuadas no nível de variações interanuais (Franco 2002).
sombreamento que uma planta pode Dessa maneira, espécies lenhosas teriam
estar exposta ao longo do seu um período de sete a oito meses para
desenvolvimento. Portanto, espera-se germinar e se desenvolver até o início
que plantas lenhosas do cerrado da estação seca, quando a disponibi-
possuam uma variedade de estratégias lidade de água nas camadas superficiais
de utilização de água e luz, com efeitos do solo decresce rapidamente (Franco
marcantes da sazonalidade no balanço 2002). No entanto, dependendo da sua
de carbono de espécies de fenologias duração, períodos secos durante a
contrastantes. estação chuvosa (veranicos) podem
reduzir significativamente a disponibi-
Este capítulo aborda os efeitos da
lidade de água nas camadas superficiais
sazonalidade das chuvas nas relações
do solo (Franco 2002) e conseqüen-
hídricas, fotossíntese e produtividade de
temente podem afetar a sobrevivência e
espécies lenhosas do cerrado e na sua
o desenvolvimento inicial de plântulas
capacidade de estabelecimento em
(Hoffmann 1996). Portanto, espera-se
condições naturais. Aspectos relacio-
que plantas do Cerrado invistam
nados ao alto investimento de plantas
inicialmente no crescimento rápido do
em estruturas subterrâneas e suas
sistema radicular e no desenvolvimento
implicações também são examinados.
de órgãos de reserva para garantir a
Finalmente, postula-se que a tolerância
sobrevivência na seca e às queimadas
e o potencial de aclimatação a diferentes
freqüentes que ocorrem durante esta
níveis de sombreamento têm um papel
estação (Labouriau et al. 1963; Handro
importante na capacidade de espécies
1969; Hoffmann et al. 2004).
lenhosas de colonizar as diferentes
formações vegetais que caracterizam a Em termos de biomassa, plantas do
paisagem do cerrado. Cerrado investem predominantemente
em sistema radicular nos estágios iniciais
de desenvolvimento, com uma razão
INVESTIMENTO EM SISTEMA raiz/parte aérea entre 1 e 9 para plantas
RADICULAR: SUAS IMPLICAÇÕES entre 5 e 7 meses de vida (Paulilo &
NO ACESSO A RESERVAS DE ÁGUA Felippe 1998; Moreira & Klink 2000). Em
DO SUBSOLO E SUA FUNÇÃO um estudo comparativo de pares
COMO ESTRUTURAS DE congenéricos de espécies de cerrado e
mata de galeria, Hoffmann & Franco
ARMAZENAMENTO.
(2003) encontraram valores da relação
Para germinar as sementes raiz/parte aérea na faixa de 2,3 para as
necessitam de água. Em condições espécies de cerrado com 5 meses de
naturais, espécies lenhosas do Cerrado idade, enquanto as espécies de mata de
germinam com facilidade na época galeria atingiram o valor de 1,3. Na
chuvosa, mas têm que enfrentar um maioria das espécies de cerrado, os
longo período seco (Labouriau et al. valores da relação raiz/parte aérea
1963). No Planalto Central, a estação aumentaram ao longo dos primeiros 5 a
chuvosa geralmente se estende de 7 meses de idade (Moreira & Klink 2000;
outubro a abril. O mês de maio é um Hoffmann & Franco 2003). No entanto,

183
Franco

o alto investimento em raízes não após as queimadas, que resultam em


significa necessariamente que as raízes perda total da folhagem. Estudos
atinjam grandes profundidades. Em uma relacionando o desenvolvimento inicial
compilação dos dados existentes na do sistema radicular com a fenologia e a
literatura, Rizzini (1979) mostrou que a capacidade de sobreviver a queimadas
maioria das espécies mantinha as raízes se fazem necessários.
acima de 0,5m de profundidade após um
Este alto investimento em raízes se
ano de vida e não ultrapassavam cerca
mantém nos indivíduos adultos. Ao nível
de 1m de profundidade após o segundo
de ecossistema, a razão raiz/parte aérea
ano de vida. Estudos mais recentes
varia entre 1 e 8, dependendo do tipo de
confirmam a pouca profundidade
fitofisionomia de Cerrado (Castro &
alcançada pelas raízes de espécies
Kauffman 1998; Abdala et al. 1998). As
lenhosas do cerrado nos primeiros meses
raízes podem atingir profundidades
de vida (Moreira & Klink 2000).
superiores a 6-7m, onde a
A forma de investimento no sistema disponibilidade de água é mais estável
radicular poderia depender da fenologia ao longo do ano (Rawitscher 1948;
da espécie. Dessa maneira, espécies Abdala et al. 1998; Jackson et al. 1999).
decíduas necessitariam de reservas de No entanto, estudos de distribuição de
carboidratos estocadas na raiz para raízes de plantas do cerrado mostraram
rebrotar e desenvolver a nova copa. que a exploração do perfil do solo é
Plântulas e indivíduos jovens de espécies complexa e depende da espécie (Ferri
decíduas típicas do cerrado como 1944; Rawitscher 1948; Ferri & Coutinho
Kielmeyera coriacea e Dalbergia 1958), resultando na extração de água
miscolobium já possuem alta capacidade ao longo de todo o perfil do solo (Jackson
para rebrotar e de sobreviver às et al. 1999; Bucci 2001).
queimadas características da época seca,
A presença de um sistema radicular
mesmo com a perda total da parte aérea
profundo em muitas espécies implica
(Oliveira & Silva 1993; Franco et al.
que as raízes superficiais fiquem envoltas
1996a; Nardoto et al. 1998; Braz et al.
em um solo seco durante a estação seca,
2000). Por outro lado, plântulas de
enquanto as raízes mais profundas
espécies perenifólias, como Sclerolobium
estariam em contato com um solo úmido.
paniculatum e Vochysia elliptica,
Portanto, existiria a possibilidade de
dependeriam de um crescimento inicial
ocorrência de ascenso hidráulico, ou
rápido das raízes para ter acesso às
seja, uma parte da água extraída das
camadas mais profundas e úmidas do
camadas mais úmidas pelas raízes seja
solo durante a estação seca ou de
perdida para as camadas superficiais do
mecanismos fisiológicos de resistência
solo, se o potencial hídrico do solo for
à falta de água. Além disso, muitas
mais negativo do que o potencial hídrico
espécies que não perdem totalmente as
das raízes superficiais (Richards &
folhas apresentam uma redução
Caldwell 1987; Dawson 1993). Ascenso
considerável no número de folhas
hidráulico ocorre geralmente à noite,
durante a estação seca ou trocam as
quando a diminuição da transpiração é
folhas durante a época seca (Franco
suficiente para permitir que o potencial
1998; Maia 1999; Franco et al. 2005).
hídrico das raízes exceda o potencial
Portanto, estas também vão necessitar
hídrico das camadas mais secas do solo.
de reservas de nutrientes para repor
Baseado nos padrões diários de fluxo de
rapidamente a copa ou para rebrotar

184
Uso de água e luz em plantas lenhosa

seiva na raiz e no caule e manipulações disponibilidade de água do solo deveria


experimentais, Scholz et al. (2002) afetar a sobrevivência de plântulas e
mostraram a ocorrência de ascenso indivíduos jovens, cujos sistemas
hidráulico na época seca para várias radiculares ficariam mais expostos à
espécies do cerrado. Estes resultados escassez de água nas camadas
foram confirmados por Moreira et al. superficiais do solo, característico da
(2003), que utilizaram solução de água época seca. No entanto, a seca sazonal
deuterada como marcador para não parece ter um grande efeito na
demonstrar transferência da água sobrevivência de plântulas de espécies
resultante de ascenso hidráulico, das lenhosas do cerrado. Handro (1969)
raízes laterais das plantas cuja raiz relatou que mudas de Andira humilis,
principal recebeu esta solução de água com dois meses de idade, transplantadas
deuterada, para as camadas superficiais no cerrado durante a estação chuvosa,
do solo e para as plantas vizinhas. No eram capazes de sobreviver à estação
entanto, falta determinar a importância seca subseqüente. Resultados
e o impacto dessa redistribuição da água semelhantes foram encontrados para K.
do solo por ascenso hidráulico para o coriacea (Nardoto et al. 1998) e D.
balanço hídrico da vegetação do cerrado. miscolobium (Braz et al. 2000).

Além dos seus efeitos marcantes no Oliveira & Silva (1993), em um


balanço hídrico do solo e da vegetação, trabalho com duas espécies de
este maciço investimento em estruturas Kielmeyera no cerrado, mostraram que
subterrâneas resulta num reservatório de essas espécies germinavam prontamente
nutrientes (Rizzini & Heringer 1962; no campo e as plântulas resultantes
Paviani 1978; Arasaki & Felippe 1991; apresentavam uma alta taxa de
Sassaki & Felippe 1998), que permite o sobrevivência apesar da ação do fogo e
rebrotamento da vegetação em resposta de uma seca intensa que ocorreu no
a distúrbios como queimadas, corte ou primeiro ano. Bowdichia virgilioides
herbivoria. Desta maneira, pode ocorrer Kunth é uma leguminosa arbórea comum
um rápido aumento na biomassa do nos cerrados do Planalto Central e em
outras savanas da América do Sul, como
componente lenhoso do Cerrado em
os llanos venezuelanos (Sarmiento
áreas protegidas do fogo (Goodland &
1984). Sementes escarificadas desta
Ferri 1979; Henriques 1993).
espécie germinam rapidamente em
condições naturais e a maior parte de
sua mortalidade ocorre logo após a
OS EFEITOS DO DEFICIT HÍDRICO emergência, durante a estação chuvosa
SAZONAL NO ESTABELECIMENTO E (Kanegae et al. 2000), mostrando assim
DESENVOLVIMENTO DE PLÂNTULAS que a estação seca não é um fator
importante de mortalidade. Plântulas de
Este alto investimento inicial em D. miscolobium e K. coriacea também
biomassa radicular não implica que o possuem alta mortalidade durante a
deficit hídrico sazonal não seja um fator estação chuvosa (Franco et al. 1996b).
limitante para o estabelecimento e Por outro lado, a estação seca afeta a
desenvolvimento de plântulas. As raízes produtividade mesmo de espécies
continuam expostas ao deficit hídrico perenifólias, como B. virgilioides e
sazonal nos primeiros anos de vida, pois Copaifera langsdorffii, pelo menos nos
não atingem as camadas de solo mais primeiros anos de vida (Kanegae et al.
úmidas. Portanto, a limitação na 2000, Azevedo et al. 2001).

185
Franco

OS EFEITOS DO DEFICIT HÍDRICO Lüttge 2002). Períodos secos de curta


SAZONAL NAS RELAÇÕES duração na estação chuvosa rapidamente
HÍDRICAS. levam a uma redução considerável na
abertura estomática e na taxa de
Em uma primeira abordagem, assimilação de CO2 (Mattos et al. 2002).
poder-se-ia especular que plantas do
cerrado não estariam expostas às A regulação da abertura estomática
variações pluviométricas, a partir do se reflete no fluxo transpiratório da
momento que o sistema radicular tivesse planta. A utilização de medidores de
acesso às camadas mais profundas do fluxo de seiva permite a medição
solo, que permanecem sempre úmidas. contínua do fluxo transpiratório ao nível
No entanto, o simples acesso a reservas de indivíduo. Meinzer et al. (1999),
de água no subsolo não garante que uma Naves-Barbiero et al. (2000) relataram
planta consiga extrair água suficiente que espécies lenhosas do cerrado
para fazer frente à demanda evaporativa regulam o fluxo transpiratório tanto na
da atmosfera e seja capaz de manter um estação seca como na estação chuvosa.
balanço hídrico favorável sem regular a A restrição do fluxo transpiratório nas
taxa de transpiração. horas de maior demanda evaporativa e
que se acentua na estação seca, foi
Tradicionalmente considera-se que também relatada ao nível de
espécies lenhosas do cerrado transpiram ecossistema, utilizando métodos
livremente, mesmo durante a estação micrometeorológicos (Maitelli & Miranda
seca. Em grande parte, isto se deve a 1991; Miranda et al., 1997). Desta
uma interpretação errônea dos resultados maneira muitas espécies lenhosas do
obtidos por Rawitscher, Ferri e outros, cerrado regulam a abertura estomática,
utilizando folhas destacadas nas décadas que resulta em um controle acentuado
de 1940 a 1960. Em uma revisão destes da taxa de transpiração ao nível de
resultados, Rizzini (1976) já mostrava indivíduo e de ecossistema.
que estes autores encontraram um
contínuo de respostas, desde espécies Como a perda de água pelas plantas
que aparentemente não diminuíam a ocorre principalmente pelas folhas, a
transpiração, a espécies que apresenta- necessidade de regulação do fluxo
vam uma restrição considerável da transpiratório poderia depender da
transpiração durante a estação seca. fenologia da planta. Baseado em estudos
Estudos mais recentes, utilizando realizados na Venezuela, Sarmiento al.
métodos físicos para determinar o grau (1985) postularam que espécies decíduas
de abertura estomática nas folhas, de savanas tropicais teriam um sistema
demonstraram que a grande maioria das radicular superficial, uma forte regulação
espécies lenhosas restringe a abertura da abertura estomática e só rebrotariam
estomática durante a estação seca após o início da estação chuvosa. Por
(Johnson et al. 1983; Franco 1983; Perez outro lado, espécies sempre-verdes
& Moraes 1991a,b; Franco 1998; Moraes teriam raízes profundas que forneceriam
& Prado 1998; Franco & Lüttge 2002). um suprimento adequado de água,
Algumas espécies apresentam restrição permitindo a manutenção de altas taxas
estomática mesmo durante a estação de transpiração mesmo durante a estação
chuvosa, dependendo da demanda seca. No entanto, o estudo de Jackson
evaporativa da atmosfera (Franco 1998; et al. (1999) comparando a composição
Naves-Barbiero et al. 2000; Franco & isotópica do hidrogênio da água do solo

186
Uso de água e luz em plantas lenhosa

de diferentes profundidades com a da com sistema radicular superficial, que


seiva do xilema, mostrou que muitas rebrotam na seca (Franco et al. 2005).
espécies decíduas possuíam um sistema Ajustes na razão entre a área foliar e a
Figura 1 radicular profundo, enquanto espécies área do xilema e a regulação da abertura
Variações sazonais na sempre-verdes apresentavam um sistema estomática em resposta a variações no
porcentagem de folhas em radicular mais superficial em um cerrado deficit de saturação de vapor do ar levam
ramos de 10 indivíduos de
Caryocar brasiliense (A) e
do Brasil Central. Estes resultados estão a uma diminuição considerável das
Myrsine guianensis (B) em de acordo com os padrões fenológicos flutuações sazonais da transpiração em
uma área de cerrado de espécies decíduas, em que o plantas lenhosas do cerrado (Bucci et al.
sensu stricto da Reserva rebrotamento ocorre no final da estação 2005). Além disso, a capacidade de
Ecológica do IBGE,
Brasília, DF. Para C.
seca, atingindo pleno desenvolvimento armazenamento de água também pode
brasiliense, foram da copa no início da estação chuvosa minimizar as variações na demanda
selecionadas 20 folhas de (Figura1; Franco et al. 2005). Em várias transpiratória e no balanço hídrico, como
cada indivíduo escolhidas espécies sempre-verdes, como Myrsine demonstrado em árvores de florestas
aleatoriamente em 10 de
outubro de 1997 e que
guianensis, a produção de novas folhas tropicais (Goldstein et al. 1998). Espécies
foram acompanhadas até só se inicia com o retorno das chuvas decíduas e sempre-verdes respondem de
a queda. Os valores (Figura 1). No entanto, existem espécies uma maneira similar a variações no
porcentuais foram sempre-verdes e decíduas do cerrado déficit de saturação de vapor do ar (Bucci
expressos em relação a
esse número inicial de 200
folhas. Folhas produzidas
em 1998 são as novas
folhas que emergiram
neste mesmo ano, em 5-9
ramos dos 10 indivíduos
selecionados. Neste caso,
os valores foram expressos
em relação ao número
máximo de folhas, que foi
obtido em 31 de outubro
e se manteve em 30 de
novembro de 1998. Em M.
guianensis, o total de
folhas corresponde à
fração de folhas que
foram contadas em ramos
dos 10 indivíduos
selecionados, em relação
ao número máximo de
folhas que foi observado
em 26 de janeiro de 1998.
A quantidade de folhas
novas foi expressa em
relação ao número total
de folhas determinado a
cada data de contagem de
folhas. Para cada um
destes indivíduos de M.
guianensis foi
acompanhada a produção
de folhas de 7-15 ramos
por indivíduo. A barra
negra delimita a estação
seca. Adaptado de Maia
(1999).

187
Franco

et al. 2005), mas não existem estudos está correlacionada a uma redução na
sobre a capacidade de armazenamento abertura estomática que ocorre tanto
de água em espécies lenhosas do durante a estação seca, quanto ao longo
cerrado, seus efeitos nos fluxos do dia em qualquer época do ano, se a
transpiratórios e no balanço hídrico da demanda evaporativa da atmosfera for
planta e sua relação com a fenologia. muito alta (Franco 1998; Meinzer et al.
Franco (2002) apresenta uma análise 1999; Naves 2000). O fechamento parcial
detalhada da interação entre o solo, dos estômatos e as altas taxas de
planta e atmosfera na determinação do fotorrespiração implicam em uma
balanço hídrico de plantas do cerrado e redução marcante na taxa de assimilação
na sua capacidade de rebrotar durante a potencial de CO 2 ao longo do dia,
estação seca. impondo uma forte limitação no balanço
de carbono foliar de espécies lenhosas
do cerrado (Franco & Lüttge 2002).
OS EFEITOS DO DEFICIT HÍDRICO Estudos com mudas de espécies lenhosas
SAZONAL NA FOTOSSÍNTESE E do cerrado mostraram que o ponto de
PRODUTIVIDADE compensação fotossintético (ACO2=0) é
atingido quando o potencial hídrico foliar
Em última análise, a produtividade está na faixa de –2,4 a –3,9 MPa (Prado
de uma planta depende principalmente et al. 1994; Sassaki et al. 1997; Moraes
da área verde disponível para absorção & Prado 1998). O potencial hídrico das
de luz e das taxas de fotossíntese. O camadas superficiais do solo atinge
carbono assimilado no processo valores nessa faixa durante a estação
fotossintético é repartido entre os seca (Kanegae et al. 2000; Franco 2002).
processos de crescimento, manutenção, A maioria das espécies apresenta uma
reprodução e armazenamento. Plantas redução acentuada da área foliar
lenhosas do cerrado apresentam taxas disponível durante a estação seca mesmo
relativamente altas de assimilação em espécies que mantém uma copa
máxima de CO2, entre 6 a 20 μmol m-2 s- verde ao longo do ano (Figura 1; Franco
1
(Prado & Moraes 1997; Moraes & Prado 1998; Naves 2000).
1998; Franco & Lüttge 2002). No entanto,
o investimento maciço em estruturas Apesar de manterem uma copa
subterrâneas representa um dreno verde, o balanço de carbono de espécies
importante dos produtos fotossintéticos sempre-verdes sofre uma restrição
que poderia ser investido em crescimento considerável durante a época seca.
da parte aérea. Franco (1998) estimou que para a espécie
sempre-verde R. montana, haveria uma
No cerrado, as variações sazonais redução de 66% na absorção de CO2 pela
na disponibilidade de água do solo e planta no final da estação seca, em
variações diurnas e sazonais na demanda função de reduções na taxa de
evaporativa da atmosfera são assimilação de CO2 e redução na área
consideráveis (Franco 1998; 2002; foliar total da planta, devido à queda de
Meinzer et al. 1999). As taxas de folhas e perda parcial do limbo foliar
assimilação de CO2 (ACO2) sofrem uma devido à herbivoria. Redução da área
diminuição significativa para a maioria foliar causada por patógenos não foi
das espécies durante a estação seca considerada e pode ter um efeito mais
(Franco 1998; Moraes & Prado 1998; significativo do que herbivoria para
Maia 1999; Naves 2000). Esta diminuição muitas espécies do cerrado. Marquis et

188
Uso de água e luz em plantas lenhosa

al. (2001) encontraram que herbivoria HETEROGENEIDADE DE HABITAT E


por insetos no final da estação seca SOMBREAMENTO: EFEITOS NO
resultou em uma perda de área foliar de BALANÇO DE CARBONO
6,8%, enquanto os danos causados por
patógenos resultaram em uma perda de A taxa de assimilação de CO 2
17,3% para 25 espécies do cerrado. depende da densidade de fótons na faixa
Enquanto a maior parte do ataque por fotossinteticamente ativa (DFF) que são
herbívoros ocorre nos estágios iniciais absorvidos pela folha. Em condições
de desenvolvimento do limbo foliar, a naturais, espécies do cerrado apresentam
ação de patógenos se estende ao longo uma grande variação na resposta
Figura 2 de todo o período de duração de uma fotossintética a variações da DFF (Prado
Variação da taxa de
folha (Marquis et al. 2001). Portanto, & Moraes 1997; Franco & Lüttge 2002).
assimilação líquida de
folhas de duração mais longa tenderiam Em uma área de cerrado sensu stricto do
CO2 em função da
densidade de fluxo de a acumular mais danos devido à ação Brasil Central, Blepharocalyx salicifolius
fótons na faixa de patógenos. Franco et al. (2005) apresenta características típicas de
fotossinteticamente apresenta uma análise detalhada do plantas de ambientes sombreados, ou
ativa (DFF) em folhas balanço de carbono em espécies seja, a taxa de assimilação de CO 2
de Blepharocalyx decíduas e sempre-verdes do cerrado. No aumenta rapidamente sob baixas
salicifolius (3 folhas) e intensidades luminosas e alcança
entanto, deve-se ressaltar que existe uma
Sclerolobium
diversidade de tipos fenológicos entre as rapidamente a saturação, enquanto
paniculatum (2 folhas)
em condições naturais espécies lenhosas do Cerrado, que deve Sclerolobium paniculatum só satura a
em um cerrado da ser considerado nos modelos de previsão altas intensidades luminosas (Figura 2).
Fazenda Água Limpa, do balanço de carbono em nível de folha
O cerrado, como outras savanas,
Brasília, DF. Franco ou de indivíduo.
(1998) apresenta uma caracteriza-se por um estrato herbáceo
descrição da área de
estudo. Os dados
foram coletados com
um sistema portátil
para medir
fotossíntese e
transpiração modelo
301-PS da CID Inc.,
Vancouver, USA. A DFF
foi atenuada com
auxílio de telas
sobrepostaas de
sombrite brancas ou
pretas, colocadas
sobre a câmara foliar
do aparelho. Dados
coletados nos dias 4 e
7 de junho de 1994,
entre 9-11h da
manhã. O solo estava
úmido, com o
potencial de água do
solo maior do que -0,1
MPa a 30 e 60cm de
profundidade (Franco
1998).

189
Franco

contínuo, entrecortado por um estrato chuvas caracteriza-se por uma alta


arbóreo de densidade variável. Ao longo nebulosidade, reduzindo considera-
da paisagem encontra-se desde velmente a intensidade luminosa durante
formações campestres como o campo o período luminoso e provavelmente
limpo, em que árvores e arbustos são afetando o balanço de carbono das
praticamente inexistentes, até formações folhas, mesmo em ambientes expostos
florestais, como o cerradão. Desta (Franco 2002).
maneira, o nível de sombreamento a que
uma planta lenhosa no cerrado estará
exposta vai variar em função do seu HETEROGENEIDADE DE HABITAT E
tamanho e da estrutura da vegetação.
SOMBREAMENTO: POTENCIAL DE
Devido ao dossel arbóreo, os efeitos do
sombreamento podem ser críticos no
ACLIMATAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE
cerradão. Por exemplo, B. virgilioides BIOMASSA.
ocorre no campo sujo, em que Essa heterogeneidade nas condições
predomina o estrato herbáceo e em luminosas em função da variabilidade
formações florestais, como o cerradão. do componente arbóreo implica que
Neste tipo de fitofisionomia, Kanegae et espécies típicas do cerrado deveriam
al. (2000) mostraram que a DFF possuir capacidade de aclimatação a
incidente a 5cm acima do solo, resultaria condições contrastantes de sombrea-
em um valor estimado de A CO2 de mento. O aparato fotossintético de
somente 40 a 70% da ACO2 para a mesma Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
altura no campo sujo e entre 20 e 40% chrysotricha mostrou uma boa
da A CO2 para uma superfície sem capacidade de aclimatação a condições
sombreamento. No campo sujo, à contrastantes de sombreamento (Prado
proporção que a planta cresce, o et al. 2005). No entanto, essas duas
sombreamento diminuiria rapidamente, espécies são mais características de
devido ao baixo porte do dossel ambientes florestais. Em termos de
herbáceo, que atingiu uma altura anatomia foliar, Miconia ibaguensis e M.
máxima de 50cm. Resultados stenostachya apresentaram uma alta
semelhantes foram observados para K. plasticidade, quando foram comparadas
coriacea (Nardoto et al. 1998) e D. folhas coletadas em um cerrado aberto
miscolobium (Braz et al. 2000). Esses e no sub-bosque de uma mata ripária
resultados sugerem que o sombreamento (Marques et al. 2000). Os dados não
pode ser um dos principais fatores que foram correlacionados às variações na
limitam o desenvolvimento inicial de sua capacidade de assimilação de CO2
plantas lenhosas do cerrado. ou aos padrões de crescimento nesses
À medida que a planta cresce em dois ambientes. Folhas de indivíduos
ambientes abertos, a disponibilidade de jovens de Qualea grandiflora no sub-
luz aumenta e o efeito do sombreamento bosque de um cerradão e no campo sujo
diminui. No entanto, o sombreamento mantiveram valores semelhantes de
continuaria sendo um fator restritivo eficiência fotossintética sob baixas
para a assimilação de CO2 em ambientes intensidades luminosas (Figura 3). No
florestais como o cerradão, mesmo para entanto, as folhas das plantas do
plantas adultas, se não atingirem o dossel cerradão apresentaram menores valores
superior. Espécies heliófitas seriam mais de eficiência fotossintética quando
afetadas. Além disso, a estação das expostas a altas intensidades luminosas,

190
Uso de água e luz em plantas lenhosa

indicando uma maior suscetibilidade à mento de carboidratos no sistema


fotoinibição. radicular. Por outro lado, o investimento
em sistema radicular resulta em uma
O sombreamento afetou a menor capacidade de competição com
capacidade de acumulação de biomassa espécies florestais, que investem
e sua distribuição em mudas de principalmente nas estruturas aéreas e
Copaifera langsdorffii submetidas a no crescimento em altura (Hoffmann &
diferentes níveis de sombreamento em Franco 2003).
viveiro (Salgado et al. 2001). Mudas
expostas a 90% de sombreamento Esta diferença marcante nos níveis
Figura 3
de sombreamento pode implicar em uma
Eficiência fotossintética tiveram um maior crescimento em altura
em resposta a sucessão de espécies ou tipos funcionais
e um maior número de folhas, quando
variações na densidade ao longo da paisagem, em que espécies
de fluxo de fótons na comparadas a mudas em condição de
tolerantes ao sombreamento seriam
faixa pleno sol. No entanto, apresentaram uma
características de formações florestais
fotossinteticamente diminuição acentuada na quantidade de
ativa (DFF) de folhas de como o cerradão e espécies heliófitas
biomassa acumulada. A maior parte do
indivíduos jovens de com mecanismos eficientes para tolerar
Qualea grandiflora em aumento de biomassa para as mudas ou amenizar os efeitos potenciais de
uma área de campo expostas ao pleno sol deveu-se à fotoinibição vão predominar em
sujo e de cerradão na acumulação acentuada de biomassa em
Fazenda Água Limpa, ambientes abertos. Devido ao alto grau
Brasília, DF. Kanegae et sistema radicular. Resultados semelhan- de variabilidade da cobertura arbórea na
al. (2000) apresentam tes foram encontrados para outras paisagem, espécies com ampla
uma descrição da área espécies do cerrado (Hoffmann & Franco distribuição entre os diferentes tipos
e das variações diurnas
e sazonais da DFF nas 2003). Portanto o sombreamento pode fisionômicos de vegetação do cerrado
duas fitofisionomias. limitar a tolerância dessas espécies a deveriam apresentar uma maior
Os valores de eficiência estresses ambientais como o deficit capacidade de aclimatação a diferentes
fotossintética do
hídrico sazonal e perturbações como o níveis de sombreamento. Esta hipótese
fotossistema II foram
obtidos a partir de fogo, devido a limitações no armazena- nunca foi testada para o cerrado.
medidas de
fluorescência da
clorofila a, com um
fluorômetro portátil
PAM 2000 da Heinz
Walz GmbH, Effeltrich,
Alemanha. Cada folha
foi acondicionada na
câmara foliar do
aparelho e mantida no
escuro por quinze
minutos, cobrindo a
câmara com papel
laminado. Em seguida
a intensidade luminosa
foi aumentada em
intervalos de dois
minutos utilizando o
LED de luz vermelha ou
a lâmpada de
halogênio do
instrumento para obter
os diferentes valores de
DFF. Em cada
fitofisionomia, foram
medidas 4 plantas
(uma folha por planta).

191
Franco

CONSIDERAÇÕES FINAIS um fator importante de mortalidade para


plantas em processo de estabelecimento.
Devido à alta demanda evaporativa Por outro lado, o sombreamento pelo
da atmosfera e a seca sazonal, árvores e
estrato arbóreo pode ter um efeito
arbustos do cerrado regulam fortemente
marcante na capacidade de assimilação
a abertura estomática, mesmo na época
de carbono. Isto pode implicar em uma
chuvosa e com isso reduzem a sua
capacidade potencial de assimilação de sucessão de espécies ou tipos funcionais
carbono. Além disso, os altos valores de ao longo da paisagem, em que espécies
irradiação solar e altas temperaturas tolerantes ao sombreamento seriam
incrementam a fotorrespiração, que pode características de formações florestais
levar a perdas consideráveis de carbono como o cerradão e espécies heliófitas
pelas folhas. Estas restrições diurnas e com mecanismos eficientes para tolerar
sazonais na capacidade de assimilação ou amenizar os efeitos potenciais de
de carbono e o alto investimento em fotoinibição vão predominar em
sistema radicular limitam o rápido ambientes abertos e teriam uma maior
desenvolvimento da parte aérea. capacidade de rebrotar e tolerar os altos
Apesar do seu efeito na produti- níveis de irradiação solar após uma
vidade, a seca sazonal não parece ser queimada.

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196
Solos e paisagem

Capítulo 11

FOTO: CARLOS H. B. A. PRADO


Balanço de carbono
em duas espécies
lenhosas de Cerrado
cultivadas sob
Carlos Henrique B. de Assis Prado

irradiação solar Carlos Cesar Ronquim


Mariana Cristina Caloni Peron
Departamento de Botânica

plena e sombreadas Universidade Federal de São Carlos


São Carlos, SP

197
Franco

198
Uso de água e luz em plantas lenhosa

INTRODUÇÃO plantas jovens que acabaram de


germinar no Cerrado (Kanegae et al.,
O período inicial de desenvol-
2000).
vimento é crítico para a sobrevivência e
estabelecimento de plantas jovens A disponibilidade de recurso que
autônomas (plantas jovens originárias de varia de forma mais evidente entre as
sementes e sem a conexão com a planta diferentes fisionomias do Cerrado é
mãe). Por mais preparado que possa aquela relacionada à irradiação solar. Se
estar o embrião, acompanhado de boa a germinação ocorrer no campo sujo o
reserva de carboidratos, protegido por estrato herbáceo interceptará
um tegumento e munido de informações (especialmente as gramíneas) a maior
já selecionadas por gerações passadas, parte da irradiação solar antes das
há ainda muito que superar até a idade espécies jovens menores que 50 cm
adulta. A intensidade de herbivoria, a (Nardoto et al., 1998). Na fisionomia
possibilidade de infecção e a disponi- florestal do Cerrado, o cerradão, o maior
bilidade de recursos (água, calor, número de árvores por área provoca uma
nutrientes, luz e CO2) variam em função atenuação da irradiação (aos 50 cm
do local em que a semente foi depositada acima do solo), a qual está ainda mais
após a dispersão. Alguns metros podem intensa e permanente durante o curso
representar grandes diferenças no do dia (Kanegae et al., 2000). Esta menor
ambiente natural. Mesmo se o programa disponibilidade de irradiação no campo
de produção e dispersão for cumprido sujo ou no cerradão irá condicionar
com sucesso pela planta mãe, eventos menores taxas de fotossíntese líquida
estocásticos como veranicos durante a (Prado & Moraes, 1997; Kanegae et al.,
época chuvosa podem representar um 2000) e menor acúmulo de biomassa
sério risco para o estabelecimento das total (Ronquim et al., 2003).

199
Prado, Ronquim & Peron

Portanto, as espécies lenhosas atmosfera enriquecida com CO 2 (700


jovens de Cerrado devem ser capazes de ppm) após 10, 20 e 25 semanas em
responder à disponibilidade de relação aos exemplares que cresceram
irradiação durante o crescimento, sob concentração de 350ppm. No
alterando o metabolismo do carbono na entanto, as respostas da fotossíntese em
folha em função do sombreamento da plantas de cerrado sob altas con-
copa das árvores do cerradão ou abaixo centrações de CO 2 ainda não são
do estrato herbáceo do campo sujo. Estas conhecidas. Estas respostas necessitam
mudanças no metabolismo foliar devem de mais atenção devido ao contínuo
ocorrer no sentido de tornar o balanço incremento anual de CO2 na atmosfera
de carbono mais positivo, alterando, por provocado pela queima de biomassa e
exemplo, a capacidade fotossintética, a de combustíveis fósseis. Este incremento
taxa de respiração no escuro e o ponto na concentração de CO2 pós-revolução
de compensação à luz (Ronquim et al., industrial não é desprezível para o
2003). As folhas expostas diretamente metabolismo do carbono, podendo
ao sol na maior parte do dia (folhas de alterar as taxas fotossintéticas, a
sol) apresentam maiores valores de concentração total de carboidratos
capacidade fotossintética, respiração no foliares não-estruturais, a partição e o
acúmulo de biomassa (Körner, 2000) ou
escuro, ponto de compensação à luz,
mesmo as taxas de fotorrespiração
massa específica foliar (massa de folha/
(Sharkey, 1988).
área de folha) e maior eficiência de
carboxilação (Larcher, 2000). Para estas Neste trabalho foram estudadas as
folhas é possível manter um balanço de respostas da fotossíntese líquida às
carbono favorável com estas variações no fluxo de fótons
características funcionais e, quando fotossinteticamente ativos e à
expostas a uma maior concentração de concentração de CO2 em duas espécies
dióxido de carbono na atmosfera, podem lenhosas do Cerrado, cultivadas sob
responder mais intensamente que as irradiação solar plena ou sombreadas por
folhas de sombra em relação ao aumento estrato arbóreo equivalente ao cerradão.
da capacidade fotossintética (Herrick & Procurou-se simular extremos de
Thomas, 1999). disponibilidade de irradiação em
condições naturais de Cerrado: acima do
A capacidade fotossintética de estrato herbáceo no campo sujo (plena
espécies lenhosas de cerrado não é irradiação) e abaixo das copas das
pequena (expressa em massa ou em área árvores do cerradão (sombreadas).
de folha) se comparada com outras O objetivo principal foi o de avaliar o
vegetações tropicais ou temperadas impacto da disponibilidade de
(Prado & Moraes, 1997; Paula, 2002). A irradiação no balanço de carbono
exposição das plantas do Cerrado às durante a fase jovem das espécies
maiores concentrações de CO 2 pode lenhosas estudadas. As respostas da
elevar ainda mais a capacidade fotossíntese também foram relacionadas
fotossintética das espécies lenhosas à alocação de biomassa buscando revelar
alterando o balanço de carbono. aclimatações de longo prazo que
Hoffmann et al., (2000) obtiveram assegurassem a sobrevivência de
resultados maiores de acúmulo de indivíduos jovens crescendo sob
biomassa em plantas jovens de condições contrastantes de irradiação no
Kielmeyera coriacea crescendo sob Cerrado.

200
Balanço de Carbono

MATERIAIS E MÉTODOS utilizado (latossolo distrófico, Lorandi


1985) foi coletado na reserva de Cerrado
Espécies estudadas, solo
(21o58’-22o00’ S e 47o51’-47o52’ W) da
utilizado, rega e clima do
Universidade Federal de São Carlos
local de crescimento
(UFSCar) em uma área de 30 m2 e na
Foram estudados indivíduos jovens profundidade de 20 cm. Antes de
das espécies lenhosas Cybistax ensacado este solo foi peneirado com
antisyphilitica, (Mart.) Mart. (Bigno- malha de 2mm2 e seco ao ar livre. Na
niaceae) e Tabebuia chrysotricha (Mart. Tabela 1 são mostradas as principais
ex DC) Mart. (Bignoniaceae). A família características químicas do solo
Bignoniaceae está entre as 10 mais utilizado.
importantes na composição da vegetação
alta do Cerrado (Rizzini, 1997). No Durante todo o experimento o solo
Cerrado T. chrysotricha é também uma foi irrigado duas vezes por semana no
das espécies arbóreas mais comuns em tratamento a pleno sol e uma vez a cada
mata galeria (Leite, 2001) enquanto C. 20 dias nas condições sob sombra, até
antisyphilitica apresenta-se distribuída atingir a capacidade de campo. A rega
na mata, cerradão e cerrado (Mendonça foi necessária tanto na época seca como
et al., 1998). Exemplares das duas durante os veranicos na época chuvosa
espécies distribuem-se ainda por vários para a manutenção da hidratação do
outros ecossistemas brasileiros, tais solo. O clima da região é sazonal com
como restinga (Rizzini, 1997) e em inverno seco (geralmente entre junho e
remanescentes de Mata Atlântica setembro) seguido por verão úmido e,
(Lombardi, 2000). Os indivíduos das de acordo com a classificação de
duas espécies foram adquiridos em Koeppen, situa-se entre Aw e Cwa,
viveiro (viveiro Camará Mudas apresentando médias de temperatura de
Florestais, Ibaté, SP) com 30 dias após a 18,1°C durante o mês mais frio e 23,1°C
semeadura (DAS) e transferidos no mês mais quente; com precipitação
diretamente para recipientes plásticos média mensal de 24 mm durante o mês
próprios para mudas com capacidade de mais seco e 286 mm durante o mês mais
armazenamento de 10L de solo. O solo úmido (Tolentino, 1967).

Tabela 1. Características químicas do solo utilizado para o crescimento das


espécies jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha.
pH=valor determinado em solução centimolar de CaCl2; P=fósforo
extraído por resina trocadora de íons; MO=matéria orgânica total;
H+Al=acidez potencial; CTC=capacidade de troca catiônica.

*
CTC = K+ + Ca2+ + Mg2+ + H+ + Al3+
**
mmolcdm-3 = milimol de cargas por dm3; 10 mmolc dm-3 = 1 meq 100 mL-1

201
Prado, Ronquim & Peron

Disponibilidade de irradia- FFFA de uma câmara foliar PLCN-4


ção, idade e número de (ADC, Hoddesdon, UK). Os dados de
plantas jovens em cada assimilação de CO 2 , biomassa e
tratamento biometria foram coletados nos mesmos
indivíduos jovens nas respectivas idades
Para simular a disponibilidade total
aos 240 e 360 DAS nas duas espécies
de irradiação acima do estrato herbáceo
estudadas. Em cada condição de
na fisionomia aberta do Cerrado (campo
Ï% luminosidade cresceram 40 plantas
sujo), plantas jovens das duas espécies
jovens de cada espécie, sendo utilizados
estudadas cresceram em área sem
10 indivíduos escolhidos ao acaso de
sombreamento no Jardim Experimental
do Departamento de Botânica da UFSCar. cada espécie estudada ao longo de cada
Situação similar de atenuação da período de análise (Poorter & Garnier,
irradiação a 50cm do solo na 1996).
fitofisionomia de cerradão como a
descrita por Kaneagae et al., (2000) foi
obtida cultivando as plantas jovens das Determinação da massa
duas espécies sob a copa das árvores de seca e de parâmetros
um fragmento florestal localizado ao lado biométricos
do Jardim Experimental. O Fluxo de
As plântulas foram desenvasadas
Fótons Fotossinteticamente Ativos
com o auxílio de um jato de água
(FFFA; λ= 400 a 700 nm) a pleno sol e
trabalhando em baixa intensidade,
na área sombreada durante o curso do
dia foi determinado em quatro períodos: lavadas e separadas em diferentes
em julho de 2001 e de 2002 (período compartimentos (folhas, caule e raiz).
seco) quando ocorreu abscisão parcial A seguir, foram colocadas em estufa a
das folhas das copas das árvores da área 80 ºC por 48 horas e pesadas em balança
sombreada e em novembro de 2001 e de analítica digital METTLER modelo
2002 (período chuvoso) quando a área AE260, com precisão de 10-3 g, para a
foliar do dossel já estava totalmente determinação da biomassa total e
Figura 1
recomposta (Figura 1). As medições do biomassa dos diferentes compartimentos Curso diário do fluxo
FFFA foram feitas através do sensor de da planta. de fótons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) nos
locais onde as plantas
jovens de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
foram cultivadas.
Média ± desvio
padrão dos valores de
FFFA em 2001 e 2002
a pleno sol (símbolos
abertos, e ) e em
área sombreada
(símbolos cheios, e
) na época seca
(julho, e ) e na
época chuvosa
(novembro, e ).

202
Balanço de Carbono

Foram determinados os seguintes


parâmetros biométricos: número de
folíolos por indivíduo, área foliar, altura,
diâmetro do caule, razão de área foliar Os valores expressos em grama
(RAF, superfície foliar total/matéria seca foram transformados em quilograma
total) e massa específica foliar (MEF, (μmol CO2 kg-1 s-1) a fim de facilitar a
massa folha/área de folha). A imagem visualização e o trabalho com os
da área foliar foi captada primeiramente resultados.
em um digitalizador antes das folhas
serem secas, e posteriormente calculada Respostas da fotossíntese
pelo programa pro-image da firma norte- líquida (A) ao fluxo de fótons
americana Media Cybernetics, versão 4.0 fotossinteticamente ativos
para Windows. A altura total (cm) foi (FFFA) e à concentração de
determinada com régua milimétrica CO2
desde o colo da planta até a inserção da
O aparelho utilizado para as
última folha. O diâmetro do caule da medições da fotossíntese líquida foi um
planta (mm) foi determinado com um analisador portátil de gás por
paquímetro graduado em décimos de infravermelho (IRGA) da firma inglesa
milímetros, a 2cm de altura do solo. Analytical Development Company (ADC,
Hoddesdon, UK) modelo LCA-4,
acoplado a um canhão de luz (PLU-2,
Obtenção da massa ADC, Hoddesdon, UK) e uma câmara
específica foliar e da foliar PLCN-4 (ADC). A variação da
capacidade fotossintética intensidade de luz no canhão PLU-2 foi
expressa em massa obtida de duas formas. Em intensidades
entre 1800–800 mmol m-2 s-1 variou-se a
Os folíolos selecionados para se diferença de voltagem aplicada
obter a massa específica foliar (MEF, g utilizando-se um controlador de
m-2) de cada espécie, em cada idade nos voltagem entre a bateria e a fonte de luz.
dois tratamentos, apresentavam-se Nas intensidades entre 800–10 μmol
expandidos, sem traços de senescência m-2 s-1 utilizou-se também filtros de vidro
ou herbivoria. De cada folíolo foram neutro (Comar Instruments, Cambridge,
retirados discos foliares de 5,0mm de UK) com variadas transmitâncias
diâmetro (1 disco por folíolo) num total posicionados entre a fonte de luz e o
de 50 discos em 10 indivíduos de cada folíolo da planta.
tratamento. Os discos foram secos em Os folíolos selecionados para
estufa a 80°C durante 48 horas e pesados obtenção da curva da resposta da
na mesma balança digital utilizada para fotossíntese líquida (A), em função do
obtenção dos valores de biomassa seca. fluxo de fótons fotossinteticamente ativos
O valor médio da MEF foi obtido pela (FFFA), normalmente eram os anteriores
divisão da massa seca de cada disco pela aos mais jovens, totalmente expandidos,
área do disco foliar (Prado & Moraes sem sinais de herbivoria, infecção ou
1997). senescência e que apresentavam a maior
taxa de fotossíntese líquida. A curva A-
A divisão da taxa fotossintética FFFA foi obtida a partir de um único
líquida expressa em área pela MEF folíolo selecionado através de medições
(equação I) resulta na taxa fotossintética prévias em dois folíolos pertencentes a
expressa em massa (Prado & Moraes três indivíduos distintos. O folíolo que
1997). apresentou a maior taxa de fotossíntese

203
Prado, Ronquim & Peron

líquida foi o escolhido. As curvas A-FFFA cilindro contendo CO2 a 1600ppm. O


para as duas espécies aos 240 e 360 DAS cilindro contendo CO2 foi conectado ao
e cultivadas sob distintas disponibili- registro e ao rotâmetro, e, por último,
dades de irradiação foram obtidas em ao diluidor de gases, antes de chegar à
condições de laboratório entre os folha, perfazendo um circuito semi-
horários de sete e nove horas da manhã aberto onde as concentrações de CO2
e com o folíolo ligado ao corpo da planta. foram controladas por meio do diluidor
A temperatura do folíolo foi mantida de 200 em 200 ppm.
entre 25–27°C por meio do sistema
Os valores máximos de fotossíntese
Peltier (ADC, Hoddesdon, UK) de
líquida em função do CO2 (AmaxCO2) e do
controle de temperatura, acoplado
ponto de compensação ao CO2 (Γ) foram
abaixo da câmara PLCN-4 na altura de
determinados por intermédio dos
inserção da folha. A equação utilizada
resultados obtidos nas curvas A-CO 2
para ajustar os pares de pontos na curva
utilizando a equação II, porém trocando
A-FFFA foi a mesma utilizada por Prado
a variável independente: de FFFA para
& Moraes (1997) em 20 espécies lenhosas
concentração de CO 2. Os valores de
do Cerrado:
eficiência de carboxilação aparente (ε,
equação III) foram obtidos por meio da
primeira derivada da equação II
Onde:
utilizando os dados de concentração
A=fotossíntese líquida; interna de CO2 (Ci, valores calculados
A max =fotossíntese líquida máxima; pelo IRGA nas curvas A-CO2) em curvas
e=base do logaritmo natural; A-Ci.
k=constante de proporcionalidade;
FFFA=fluxo de fótons fotossintetica-
mente ativos; PCL=ponto de Onde:
compensação à luz.
ε=eficiência de carboxilação
Os valores do ponto de saturação à aparente; k=constante de propor-
luz (PSL) e da respiração no escuro (Re) cionalidade; e=base do logaritmo
também foram determinados por natural; Γ=ponto de compensação ao
intermédio da equação II. Para o cálculo CO2.
do PSL projetou-se para a fotossíntese O valor constante de FFFA utilizado
líquida (A) o valor de 90% de Amax e para para saturação de A nas curvas A-CO2
o cálculo de Re atribuiu-se o valor zero foi determinado após as curvas A-FFFA.
para o FFFA (Prado & Moraes 1997). Os valores escolhidos foram de 1.800
μmol m -2 s -1 para os indivíduos que
Para obtenção da curva da resposta
cresceram sob irradiação plena e 1.100
da fotossíntese líquida (A) em função
μmol m -2 s -1 para os indivíduos que
da concentração momentânea de CO2 cresceram sombreados. Estes valores
utilizou-se de procedimentos idênticos estão, em média, cerca de 400 μmol
aos citados para as curvas A-FFFA. As m-2 s-1 acima do valor de FFFA que satura
curvas A-CO 2 foram obtidas com o a fotossíntese líquida dos indivíduos em
auxílio de um diluidor de gases modelo cada tratamento. A taxa de FFFA acima
GD-602 (ADC), um rotâmetro do valor de saturação é necessária para
(manufaturado pela OMEL, São Paulo, se atingir valores máximos de A quando
Brasil) e um registro para controle de a folha trabalha sob altas concentrações
pressão e fluxo de saída de gás do de dióxido de carbono.

204
Balanço de Carbono

Cálculo do valor da fotorrespiração Diego, USA). Após a confirmação da


simultânea à taxa de Amax distribuição normal destes conjuntos de
dados os valores médios nos distintos
Para o cálculo da fotorrespiração (Fr,
mmol CO2 m-2 s-1) simultânea ao valor tratamentos foram comparados através
correspondente de Amax assumiu-se que de um teste t ao nível de 5% de
a fotorrespiração possui metade do valor probabilidade. Os valores e o erro padrão
da taxa de oxigenação (ν0, mmol O2 m-2 de A max , PCL, e A maxCO2 foram
s-1 ) realizada pela RuBP carboxilase- determinados por intermédio dos ajustes
oxigenase, sendo ν0 calculada de acordo não-lineares das curvas A-FFFA e A-CO2,
com Sharkey (1988): utilizando o programa Microcal Origin
versão 3.0 (Microcal Software,
Northampton, USA).
Onde:

A=fotossíntese líquida; Re=respi-


ração no escuro, calculada a partir das RESULTADOS E DISCUSSÃO
curvas A-FFFA, e Φ = ν0/νc (taxa de
As Figuras 2 e 3 mostram as curvas
oxigenação pela de carboxilação, νc), o
de fotossíntese líquida expressa em área
valor de Φ é condicionado pela
(Figura 2) e em massa (Figura 3) em
temperatura, pressão atmosférica e pela
concentração do CO 2 no sítio de função do FFFA para as plantas jovens
carboxilação, Sharkey (1988): das duas espécies lenhosas estudadas
aos 240 e 360 DAS. Na Tabela 2 são
mostrados os valores de capacidade
Onde: fotossintética expressa em área (Amaxa) e
em massa (A maxm ), o ponto de
P=pressão atmosférica (bar),
compensação (PCL) e de saturação à luz
T=temperatura (oC), e C=concentração
(PSL), a respiração no escuro (Re) e a
de CO2 no sítio de carboxilação (mbar),
fotorrespiração (Fr) obtidos a partir das
cerca de 0,6 vezes a concentração de CO2
curvas A-FFFA. Os valores de Amaxa, Fr,
da atmosfera nas condições de trabalho
PCL e Re são em média, respectivamente,
favoráveis à capacidade fotossintética
(Sharkey, 1988). 1,8, 1,9, 3,0, e 2,4 vezes maiores nos
indivíduos cultivados sob pleno sol nas
duas espécies lenhosas estudadas
ANÁLISE DOS DADOS (Tabela 2). Os valores de A maxm são
Os valores de massa seca total, praticamente iguais nas duas idades, nos
altura, diâmetro, razão raiz/parte aérea, indivíduos de Cybistax antisyphilitica e
área foliar total, massa específica foliar maiores (1,3 vezes, em média) para os
(MEF), razão da área foliar (RAF) e indivíduos de Tabebuia chrysotricha
número de folíolos em cada tratamento cultivados sob sombra em relação aos
nos dois períodos de amostragem foram indivíduos sob irradiação plena (Tabela
primeiramente testados para a 2). No entanto, os valores médios de
verificação de uma distribuição normal, Amaxm são similares considerando as duas
por meio do programa GraphPad InSTAT, espécies nos dois períodos de
versão 3.0 (GraphPad software, San amostragem (Tabela 2).

205
Prado, Ronquim & Peron

Ficou evidente que ambas as 1998). Com a diminuição dos valores do


espécies apresentam capacidade de PCL os indivíduos cultivados sob sombra
aclimatação do metabolismo de carbono puderam também aproveitar a irradiação
da folha quando cultivadas sob sombra. atenuada neste ambiente mesmo no
Diminuindo as taxas de Re estas duas início e no final do dia (Figura 1).
espécies podem compensar, ao menos
em parte, os menores valores de Amaxa Para as duas espécies as taxas de
que apresentaram desenvolvendo-se sob fotorrespiração variaram de 26,4 a 28,8%
o dossel das árvores de um Cerradão. A do valor de Amaxa sob pleno sol, e de 24,7
manutenção de um balanço positivo de a 26,3% de Amaxa na condição sombreada
carbono sob intenso sombreamento é (Tabela 2). Marenco et al. (2001)
condicionada principalmente por obtiveram valores da fotorrespiração
reduzidas taxas de respiração (Medina, variando de 27,6 a 36,8% de Amaxa para

Figura 2
Fotossíntese líquida (A)
expressa em área
(μmol m-2 s-1) em
função do fluxo de
fótons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) em
folíolos totalmente
expandidos de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
após a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (símbolos abertos) e
sombreadas (símbolos
cheios).

Figura 3
Fotossíntese líquida (A)
expressa em massa
(μmol kg-1 s-1) em
função do fluxo de
fótons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) em folíolos
totalmente expandidos
de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
após a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (símbolos abertos) e
sombreadas (símbolos
cheios).

206
Balanço de Carbono

duas espécies tropicais lenhosas 3,06 a 11,37 μmol m-2 s-1 sob 1.000 μmol
Swietenia macrophylla e Dipteryx odorata fótons m-2 s-1 e de 2,87 a 15,16 μmol
crescendo sob condições de campo m-2 s-1 sob 2000 μmol fótons m-2 s-1).
aberto e sob sombra. Além da acentuada
A menor diferença entre os valores
diminuição da respiração no escuro, a
de fotossíntese líquida expressa em
pequena variação dos valores de
massa ocorreu devido a uma diminuição
fotorrespiração em relação aos valores
mais acentuada dos valores de massa
de Amaxa (entre 24,7-28,8 %) demonstrou
específica foliar (MEF, figura 4) do que
também a capacidade de adaptação do
dos valores de A maxa nos indivíduos
balanço de carbono das duas espécies
sombreados. Este evento resultou em
estudadas nas diferentes condições de
valores próximos ou mesmo maiores de
irradiação disponível. Os valores de
A maxm nos exemplares cultivados sob
fotorrespiração obtidos (de 1,8 a 2,7
atenuação da irradiação (e.g. valores
μmol m-2 s-1, sob sombreamento e de 3,4
maiores de Amaxm nos indivíduos de C.
a 5,3 μmol m-2 s-1, sob irradiação plena,
antisyphilitica aos 360 dias e de T.
Tabela 2) são menores, em relação aos
chrysotricha aos 240 e 360 dias quando
valores obtidos por Franco & Lüttge
sombreados, Tabela 2).
(2002), em quatro outras espécies
lenhosas do cerrado crescendo em Esta alteração demonstra a
condições naturais na época chuvosa (de capacidade de aclimatação das duas

Tabela 2. Valores máximos ± erro padrão da fotossíntese expressa em área (Amaxa,


μmol m-2 s-1) e em massa (Amaxm, μmol kg-1 s-1) e do ponto de compensação
à luz (PCL, μmol m-2 s-1). Também são mostrados os valores máximos de
luz saturante da fotossíntese (LSF, μmol m-2 s-1), respiração no escuro (Re,
μmol m-2 s-1), fotorrespiração (Fr, μmol m-2 s-1), a proporção Fr/Amaxm (%) e
a razão dos valores médios entre os tratamentos (Sol/Sombra) em duas
espécies lenhosas do Cerrado com idades de 240 e 360 dias após a
semeadura (DAS). Os valores foram obtidos por meio das curvas da
fotossíntese líquida em função do fluxo de fótons fotossinteticamente ativos
(FFFA).

207
Prado, Ronquim & Peron

espécies lenhosas estudadas, cons- aclimatação certamente atribui às duas


truindo folhas estruturalmente mais espécies lenhosas a possibilidade de
simples (menor valor de MEF) e exigindo estabelecimento em ambientes com uma
menos carbono onde a captação deste ampla faixa de intensidade de
elemento na forma de CO2 não é possível sombreamento. É importante destacar
de ser mantida nas taxas processadas que nenhum dos indivíduos sombreados
pelas folhas expostas diretamente à morreu mesmo aos 570 DAS, ou mesmo
irradiação solar. A irradiação a 50 cm do mostraram sinais de definhamento
solo na área sombreada nunca alcançaria (morte prematura de folhas ou ausência
os valores necessários para a saturação de produção de novas folhas durante a
da fotossíntese líquida das folhas de sol época chuvosa) por um balanço negativo
nas duas espécies lenhosas estudadas de carbono.
(valor médio de LSF igual a 1.300 μmol
No entanto, a diminuição dos
m-2 s-1, Tabela 2). Mesmo na época seca
valores do PCL, LSF e Re nas folhas e o
(quando as copas das árvores perdem
aumento dos valores de RAF nos
suas folhas) o valor máximo do FFFA
indivíduos sombreados não foram
sob sombra poderia atingir apenas cerca
suficientes para economizar carbono a
da metade dos valores necessários para
ponto de superar a área foliar ou o
a saturação da fotossíntese líquida (700
número de folíolos dos indivíduos
mmol m-2 s-1) e, mesmo assim, somente
cultivados sob irradiação plena (Figura
em dias claros e entre os horários de dez
4). Os indivíduos das duas espécies
e treze horas (Figura 1). Nesta condição
cultivados a pleno sol apresentaram Figura 4
de sombreamento intenso, as alterações
maiores valores de biomassa total, altura Valores médios
fisiológicas (diminuição dos valores de
(exceção aos 360 dias em C. (colunas) e desvio
PCL, LSF, Re, Tabela 2) e estruturais
antysiphilitica), diâmetro do caule e padrão (linhas acima
(diminuição dos valores de MEF, Figura das colunas) da área
também maiores valores da razão da
4) na folha são necessárias para foliar total, massa
massa seca raiz/parte aérea (Figura 5).
aumentar a eficiência de utilização de específica foliar (MEF),
carbono (carbono assimilado/carbono razão da área foliar
investido em estruturas de assimilação) (RAF) e número de
onde a aquisição deste elemento é folíolos das espécies
lenhosas Cybistax
fortemente limitada.
antisyphilitica e
Simultaneamente às alterações Tabebuia chrysotricha
fisiológicas e estruturais na folha aos 240 e 360 dias
após a semeadura
ocorreram também modificações na
(DAS), cultivadas sob
alocação de matéria seca nos sombra (colunas
compartimentos da planta aumentando escuras) e sob pleno sol
a área de captação (área foliar) de (colunas claras). Os
energia luminosa em relação à massa valores médios
seca total da planta nos indivíduos das seguidos pela mesma
duas espécies que cresceram sombreadas letra na mesma idade
(DAS), entre as
(incremento dos valores da RAF aos 240
condições de irradiação
e 360 DAS, Figura 4). Portanto,
(colunas claras e
modificações em vários níveis de escuras) em cada
organização do corpo do vegetal parâmetro, não diferem
aconteceram ao mesmo tempo nos dois entre si a 5% de
tratamentos. Esta capacidade de probabilidade. n=10.

208
Balanço de Carbono

Assim, ficou evidente o efeito quais obtiveram maiores valores de


significativo e positivo da irradiação biomassa seca na raiz, no caule e em
solar plena, dando condições de toda a planta em indivíduos de duas
acrescentar mais matéria orgânica e, espécies de Cerrado (Copaifera
Figura 5 provavelmente, aumentando a langsdorffii e Eriotheca gracilipes) com
Valores médios capacidade de defesa (Chapin, 1990) e 360 DAS crescendo sob irradiação solar
(colunas) e desvio
desenvolvimento da plântula, os dois plena, e valores significativamente
padrão (linhas acima
das colunas) da massa processos mais importantes antes da fase menores naqueles indivíduos que
seca total, altura, adulta. Resultados semelhantes foram cresceram sob 80 e 30% de
diâmetro do caule e obtidos por Ronquim et al. (2003) os transmitância.
razão da massa seca
raiz/parte aérea das As curvas A-CO2 evidenciaram que
espécies lenhosas os indivíduos das duas espécies
Cybistax antisyphilitica cultivados sob irradiação solar plena se
e Tabebuia mostraram mais capazes de seqüestrar
chrysotricha aos 240 e
CO 2 atmosférico por área de folha,
360 dias após a
semeadura (DAS), apresentando valores de capacidade
cultivadas sob sombra fotossintética expressa em área, em
(colunas escuras) e média, duas vezes maior que os
sob pleno sol (colunas indivíduos sombreados nas duas idades
claras). Os valores de medição (Figura 6). No entanto,
médios seguidos pela quando os resultados de capacidade
mesma letra na
fotossintética sob condições saturantes
mesma idade (DAS),
entre as condições de de CO2 são expressos em massa de folha
irradiação (colunas a diferença entre tratamentos é nula ou
claras e escuras) em menor (Figura 7, Tabela 3).
cada parâmetro não
diferem entre si a 5% Esta aproximação de valores,
de probabilidade. quando a capacidade fotossintética é
n =10. expressa em massa, ocorreu de forma

Tabela 3. Valores máximos ± erro padrão da fotossíntese líquida em função


da concentração de CO2 expressa em área (AmaxaCO2, μmol CO2 m-2 s-
1
) e em massa (AmaxmCO2, μmol CO2 kg-1 s-1). Também são mostrados
os valores da eficiência de carboxilação aparente (εε, mol CO2 m-2
s-1) e a razão da média entre os tratamentos (Sol/Sombra) em duas
espécies lenhosas do Cerrado com idades de 240 e 360 dias após a
semeadura (DAS). Os valores foram obtidos através das curvas da
fotossíntese líquida em função da concentração externa (para
AmaxaCO2 e AmaxmCO2) e interna (para ε) de CO2.

209
Prado, Ronquim & Peron

similar nas curvas A-FFFA (Figuras 2 e 2,3 vezes menores que os correspon-
3) e pelo mesmo motivo: os valores de dentes na Tabela 3.
MEF (Figura 4) diminuem mais que os
O aumento da capacidade
valores de capacidade fotossintética sob fotossintética sob elevada concentração
sombra. de CO2 ocorre porque a proporção CO2/
No entanto, deve ser notado que O2 atual na atmosfera (1,69 x 10-3) não é
favorável à fotossíntese. O O2 inibe a
houve um aumento do valor de Amax
carboxilação e incrementa a
expressa em área ou em massa quando
fotorrespiração simultaneamente
as folhas foram expostas momenta-
(Bowes, 1993). O aumento da
neamente às altas concentrações de CO2
capacidade fotossintética em espécies de
(Figuras 6 e 7). Em qualquer situação Cerrado, expostas momentaneamente a
(idade, massa, área, espécie ou altas concentrações de CO2 (acima de 700
tratamento) os valores de Amax Figura 6
ppm), também foi obtido em plantas Fotossíntese líquida
apresentados na Tabela 2 são de 1,7 a jovens de Aloysia virgata crescendo a (A) expressa em
área (μmol m-2 s-1)
em função da
concentração de
CO2 atmosférico em
folíolos totalmente
expandidos de
plantas jovens de
Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia
chrysotricha aos 240
e 360 dias após a
semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno
sol (símbolos
abertos) e sob
sombra (símbolos
cheios).

Figura 7
Fotossíntese líquida
(A) expressa em massa
(μmol kg-1 s-1) em
função da
concentração de CO2
atmosférico em
folíolos totalmente
expandidos de plantas
jovens de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
após a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (símbolos abertos)
e sob sombra
(símbolos cheios).

210
Balanço de Carbono

pleno sol (Amax = 45 μmol m-2 s-1, duas sol para Cybistax antisyphilitica e
vezes maior que em condições Tabebuia chrysotricha foram de 0,07 e
atmosféricas normais de CO2); em folhas 0,13 mol m-2 s-1, respectivamente (Tabela
de sol de indivíduos adultos de Miconia 3). Tezara et al., (1998) obtiveram
albicans e Bauhinia rufa em condições valores semelhantes, 0,07 e 0,12 mol
naturais na época chuvosa (39 e 46 μmol m-2 s-1, respectivamente para Jatropha
m -2 s -1 , três vezes maior que sob gossypifolia e Ipomoea carnea, ambos
concentrações normais de CO2) e em arbustos C3 crescendo sob condições de
indivíduos jovens de Copaifera campo a pleno sol e disponibilidade
langsdorffii (34 μmol m-2 s-1, quatro vezes hídrica favorável. Os valores de ε foram
maior), dados de Prado et al. (não maiores nos indivíduos cultivados sob
publicados). irradiação solar plena (Tabela 3). Estes
maiores valores de ε estão relacionados
Portanto, é provável que o aumento com a concentração e ativação da enzima
da concentração de CO2 na atmosfera RuBP carboxilase-oxigenese (a Rubisco)
deve, de imediato, incrementar a no estroma do cloroplasto (Bowes,
capacidade fotossintética de espécies 1993). Maior concentração e atividade
lenhosas jovens e adultas de Cerrado da Rubisco aumentam potencialmente as
crescendo sob o sol ou sombreadas. No taxas de carboxilação, seqüestrando
entanto, em médio e longo prazo este mais rapidamente o CO 2 a cada
efeito pode diminuir ou mesmo ser incremento da disponibilidade deste gás
anulado (Bowes, 1991). Uma maior antes da saturação da fotossíntese.
aquisição potencial de carbono, devido Assim, é evidente o maior ângulo entre
à maior disponibilidade de CO2, poderá a fase linear inicial da curvas A-Ci e o
ter conseqüências sobre a folha alterando eixo da variável independente nos
as concentrações de carboidratos indivíduos cultivados sob irradiação
solúveis (Körner 2000), o tempo de vida solar plena (Figura 8). Este resultado era
(Cavender-Bares et al., 2000), a esperado, pois folhas de sol apresentam
concentração de nitrogênio (Bowes, maior capacidade de trabalho
1993), e a capacidade fotossintética fotoquímico (maior atividade dos
(Henrrick & Thomas, 1999). Poderá fotossistemas e maior velocidade de
haver, também, conseqüências sobre a transporte eletrônico) e bioquímico
planta aumentando a produção de (maior atividade da ATP-sintase por
biomassa (Ceulemans et al., 1999), a clorofila e maior atividade da Rusbisco)
capacidade de rebrota (Hoffmann et al., no processo fotossintético (Larcher
2000) e a razão de área foliar (Cavender- 2000). Hoflacher & Bauer (1982)
Bares et al., 2000). Ainda não existem obtiveram o dobro da atividade da
trabalhos com espécies de Cerrado Rubisco em folhas de sol de Hedera helix
submetidas por períodos médios ou (uma liana sempre verde) quando
longos (1-4 meses ou anos, comparado com folhas de sombra.
respectivamente) para que se possam
estimar mudanças ou mesmo adaptações A concentração da Rubisco pode
metabólicas e de alocação de biomassa aumentar de maneira significativa e
às altas concentrações de CO2. positiva em função do conteúdo de
nitrogênio nas folhas (em g de N m-2,
A média entre os valores de Osborne et al., 1998). Com um sistema
eficiência de carboxilação aparente (ε) radicular mais desenvolvido e
nos dois períodos de amostragem a pleno apresentando maiores valores de MEF

211
Prado, Ronquim & Peron

(Figura 5), os indivíduos que cresceram (por exemplo, durante a estação de seca
sob radiação solar plena podem ter maior no Cerrado) diminuindo os custos
capacidade de absorção de nutrientes e envolvidos na aquisição de carbono
maior conteúdo de nitrogênio por área (Chapin et al. 1990). Os carboidratos
de folha. Uma determinação do conteúdo estocados são reservas que podem ser
de nitrogênio foliar foi realizada aos 240 mobilizadas para os dois processos vitais
e 360 DAS nas duas espécies nos dois durante a fase jovem (o crescimento e a
tratamentos. Foram obtidos maiores defesa) aumentando as chances de
valores do conteúdo de nitrogênio por sobrevivência.
área de folha nos indivíduos que
Os indivíduos das duas espécies,
cresceram sob irradiância plena (2,8 e
quando cultivados sob sombra,
2,2 g N m-2 em C. antysiphilitica e T.
apresentaram capacidade de ajuste
chrysotricha, respectivamente, n=4) em
fisiológico (diminuição dos valores de
relação aos que cresceram sombreados
Re, Fr, PCL, LSF) e estrutural (diminuição
(2,0 e 1,6 g N m-2 em C. antysiphilitica e
dos valores de MEF e aumento da RAF)
T. chrysotricha, respectivamente, n=4).
capazes de mitigar os efeitos dos
menores valores de capacidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS fotossintética no balanço de carbono sob
sombreamento intenso. Estas
Foi evidente a ação positiva e aclimatações de longo prazo explicam
significativa da irradiação solar plena parcialmente a ocorrência de C.
sobre os indivíduos cultivados em área antisyphilitica em fitofisionomias de
aberta nas duas espécies lenhosas Cerrado (cerrado stricto sensu e
estudadas. Com maior disponibilidade cerradão) com diferentes regimes de
de energia luminosa houve maiores irradiação e em mata (Mendonça et al.,
valores de biomassa total e da razão raiz/ 1998). Por outro lado, o estabelecimento
parte aérea. Nesta situação, as plantas de T. chrysotricha em mata-galeria (Leite,
cultivadas sob irradiação plena 2001), onde deve responder a diferentes
certamente obtiveram maior reserva de disponibilidades de energia luminosa
carboidratos. Esta reserva poderá ser antes de alcançar o dossel, pode também
utilizada em uma situação desfavorável ser em parte explicada pelos ajustes Figura 8
Fotossíntese líquida
(A) expressa em área
(μmol m-2 s-1) em
função da
concentração interna
de CO2 (Ci) em
folíolos totalmente
expandidos de
plantas jovens de
Cybistax antisyphilitica
e Tabebuia
chrysotricha aos 240
e 360 dias após a
semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno
sol (símbolos abertos)
e sob sombra
(símbolos cheios).

212
Balanço de Carbono

fisiológicos e estruturais na folha Portanto, ainda é necessária uma


evidenciados neste trabalho. As duas série de experimentações com plantas
espécies ainda são encontradas em jovens e adultas de Cerrado, expostas
restinga e em remanescentes de Mata por períodos mais longos a altas
Atlântica (Rizzini, 1997). concentrações de CO 2. Neste tipo de
Tanto os indivíduos cultivados sob experimento poderiam ser avaliadas as
as copas quanto sob irradiação solar respostas pós-exposição, as quais podem
plena responderam ao aumento da ser muito diferentes das respostas
concentração momentânea de CO2 com imediatas. Um projeto de grande porte
alterações significativas na assimilação utilizando câmaras de topo aberto e o
(capacidade fotossintética) e na sistema FACE (“Free Air CO 2
desassimilação (respiração e fotorres- Enrichment”) seria imprescindível para
piração). A alteração na estrutura da testar várias respostas ao nível foliar e
folha (MEF) compensou o maior individual em espécies de Cerrado
aumento da capacidade fotossintética
crescendo sob condições controladas ou
expressa em área, aproximando os
sob condições naturais, mas expostas a
resultados de capacidade fotossintética
altas concentrações de CO2 (por exemplo,
entre os tratamentos quando a
fotossíntese foi expressa em massa. No cerca de 700 ppm).
entanto, a própria assimilação de
carbono pode ser alterada após um
tempo mais longo de exposição a altas AGRADECIMENTOS
concentrações de CO 2, retornando a
valores de capacidade fotossintética Este trabalho teve o apoio do CNPq
anteriores. Este evento parece ser (PRONEX e bolsa PIBIC), da FAPESP
mediado pelo declínio da atividade da (bolsa Doutoramento), e do Fundo
Rubisco (Bowes, 1991), mas só pode ser Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
testado em experimentos com tempo de Agradecemos a colaboração da MSc.
exposição das folhas a altas
Izabel P. Corrêa na ajuda durante a
concentrações de CO2 durante alguns
obtenção dos dados de biomassa e área
meses (Cavender-Bares et al., 2000) ou
após alguns anos (Herrick & Thomas, foliar. Este trabalho é dedicado a Adam
1999). Homonnay (in memoriam).

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215
Parte III

FOTO: ANDERSON SEVILHA

Comunidades de animais
Capítulo 12

FOTO: ROBSON SILVA-FOSFERTIL


A importância relativa
dos processos
biogeográficos na
formação da avifauna
do Cerrado e de outros José Maria Cardoso da Silva
Conservação Internacional
Belém, PA

biomas brasileiros Marcos Pérsio Dantas Santos


Universidade Federal do Piauí
Teresina, PI
Reatto & Martins

220
Solos e paisagem

INTRODUÇÃO bioma do Cerrado que, de alguma forma,


interferem na distribuição das espécies
O Cerrado sempre foi identificado de aves na região. A segunda seção
como um dos mais distintos biomas sul- apresenta uma síntese sobre o que se
americanos. Centenas de espécies de conhece e o que precisa ser conhecido a
animais e plantas são endêmicas deste respeito da composição e a diversidade
bioma (Müller, 1973; Rizzini, 1979; da avifauna do Cerrado em uma escala
Cracaft, 1985; Haffer, 1985; Myers et al., regional. A última seção compara a
2000), sendo, portanto, testemunhas de avifauna do Cerrado com as avifaunas
uma longa e dinâmica história evolutiva. dos biomas adjacentes e, como
Tal história teve como palco os antigos, conseqüência, apresenta uma hipótese
mas nem por isso estáveis, planaltos do sobre a importância relativa dos
Brasil Central (Ab’Saber, 1983; Brasil & processos biogeográficos na formação da
Alvarenga, 1989; Silva, 1997). Apesar de avifauna destas regiões. Desse modo,
suas características fascinantes, a esta seção, também, discute as
distribuição e a evolução da biota do implicações desta hipótese para o
Cerrado continuam ainda muito pouco estabelecimento de propostas para a
investigadas, com um esforço científico conservação da avifauna em cada um
inferior ao que foi alocado para se dos grandes biomas brasileiros.
compreender a evolução das ricas
florestas sul-americanas (Silva, 1995a).

Este capítulo tem como objetivo


O CERRADO: CONTEXTO
fazer um breve resumo sobre o que se GEOGRÁFICO
conhece sobre a composição, O Cerrado é a maior região de savana
diversidade e evolução da avifauna do tropical na América do Sul, com cerca
Cerrado. Ele é organizado em três seções. de 1,8 milhão de km2. O Cerrado inclui
A primeira descreve resumidamente as grande parte do Brasil Central e partes
principais características ambientais do do nordeste do Paraguai e leste da Bolívia

221
(Figura 1). O bioma ocupa uma posição depressões periféricas (100-500m),
central na América do Sul e, por isso, apesar de serem planas e pontuadas com
limita-se com todos os maiores biomas relevos residuais, são muito mais
de terras baixas do continente. Ao norte, heterogêneas, pois são revestidas por
o Cerrado possui limites com a diferentes tipos de vegetação, tais como
Amazônia, a nordeste com a Caatinga, cerrados, florestas mesofíticas e extensas
a leste e sudeste com a Floresta Atlântica florestas ribeirinhas. De acordo com
e a sudoeste com o Chaco e o Pantanal. mapa publicado pelo IBGE (1998),
Nenhum outro bioma sul-americano estima-se que a vegetação do cerrado
possui esta diversidade de contatos (incluindo campos rupestres e florestas
biogeográficos com biomas tão distintos. ribeirinhas associadas) ocupe 72% do
bioma Cerrado. O restante do bioma é
A maior parte do Cerrado está sobre
coberto por mosaicos (áreas de tensão
planaltos sedimentares ou cristalinos,
ecológica, segundo Brasil, 1998)
que formam grandes blocos homogêneos
compostos por cerrado e florestas
separados entre si por uma rede de
mesofíticas (24%) ou somente por
depressões periféricas ou interplanálticas
florestas mesofíticas (4%).
(Brasil & Alvarenga, 1989). Esta variação
geomorfológica ajuda a explicar, pelo As florestas ribeirinhas estão
menos em parte, a distribuição dos presentes em quase todo o bioma, tanto
grandes tipos de vegetação na região sobre os planaltos como sobre as
(Cole, 1986). O topo dos planaltos (500 depressões. Oliveira-Filho & Ratter
a 1.700m) é geralmente plano e revestido (2002) estimaram em 10% a área
principalmente pela vegetação do recoberta por matas galeria no bioma
cerrado (ver revisões em Eiten, 1972, Cerrado. As florestas ribeirinhas estão
1990; Furley & Ratter, 1988; Ribeiro & associadas à complexa rede de drenagem
Walter, 1998), com florestas ribeirinhas regional, que inclui parte das bacias de
formando corredores lineares ao longo alguns dos principais rios sul-
dos cursos d’água. Em contraste, as americanos, tais como o São Francisco,

Figura 1
O bioma do
Cerrado no
contexto da
América do Sul.
Note a posição
central do Cerrado
no continente
o Tocantins, o Araguaia e o Paraguai reproduzem na região (Tabela 1). Assim,
(Innocencio, 1989). A partir destes a avifauna do Cerrado passa a ter 856
planaltos, estes rios correm para espécies, das quais 777 (90,7%) se
diferentes direções, propiciando a reproduzem na região.
oportunidade de contato entre as suas
florestas ribeirinhas e as florestas Silva (1995b) listou 29 espécies de
ribeirinhas existentes nos biomas aves endêmicas ao bioma Cerrado.
adjacentes. Desde então, uma nova espécie
endêmica foi descrita, Suiriri islerorum
Encraves de cerrado são encontrados (Zimmer et al., 2001), aumentando este
isolados em outros biomas brasileiros, número para 30. Esta alteração
como a Amazônia, Floresta Atlântica e combinada com os novos registros de
Caatinga (Eiten, 1972). Estes encraves
espécies para o Cerrado, mantém em
são verdadeiros laboratórios naturais
3,8% a porcentagem de espécies
para o estudo da diferenciação ecológica
residentes endêmicas ao bioma. Silva
e evolutiva de populações que estão
(1995b) não definiu claramente os
passando pelo processo de isolamento
critérios utilizados para considerar uma
geográfico, pois suas biotas são
espécie como endêmica ao bioma, o que
testemunhas de uma época, na qual a
gerou críticas à classificação de uma ou
vegetação do cerrado possuía uma
distribuição muito mais extensa do que outra espécie. Assim, é necessária uma
a atual (Cole, 1986). Infelizmente, muitos descrição dos dois critérios utilizados.
destes encraves foram parcialmente ou O primeiro critério adotado foi o grau
totalmente alterados pela expansão das de sobreposição entre a distribuição
atividades humanas nestas regiões. geográfica conhecida da espécie e a
região nuclear do domínio morfo-
climático do Cerrado, tal como
DIVERSIDADE E COMPOSIÇÃO DA delimitado por Ab’Saber (1977). O limite
AVIFAUNA DO CERRADO mínimo de sobreposição para a espécie
ser considerada como endêmica foi
O que se conhece? definido em 95%.

Silva (1995b) apresentou uma Este critério poderia ser utilizado


síntese sobre a diversidade da avifauna isoladamente e já seria satisfatório, mas
do Cerrado. Foram registradas 837 várias espécies de aves que possuem
espécies de aves para a região, grande parte de suas distribuições dentro
distribuídas em 64 famílias. Destas, 759 do bioma do Cerrado, possuem também
(90,7%) se reproduzem dentro do populações isoladas em manchas de
bioma, 26 (3,1%) são migrantes do savana que estão isoladas no núcleo de
hemisfério norte, 12 (1,5%) são outros biomas brasileiros ou nas
migrantes do sul da América do Sul, 8 complexas zonas de transição entre o
(0,9%) são possivelmente migrantes
Cerrado e os biomas adjacentes. Por
altitudinais das montanhas do sudeste
causa disso, um segundo critério teve
brasileiro e 32 (3,8%) possuem o status
que ser adotado para classificar uma
desconhecido. Desde que esta lista foi
espécie como endêmica ou não: a
publicada, 19 espécies foram registradas
distância da população isolada em
pela primeira vez para o bioma (Tabela
relação à borda mais próxima da região
1). Todas estas espécies, com exceção
nuclear do domínio morfoclimático do
da narceja-de-bico-torto (Rostratula
semicollaris), possivelmente se Cerrado. A partir das medidas de largura
Silva & Santos

das zonas de transição entre o Cerrado bioma do Cerrado e a distância das


e os outros biomas adjacentes, definiu- populações isoladas, em relação à borda
se como critério a distância máxima de do bioma, é inferior a 430km. Este estudo
430km, pois esta é a largura máxima da sugere que se use o termo “quase-
zona de transição entre o domínio do endêmico” para as espécies que
Cerrado e os domínios da Amazônia e preenchem somente o primeiro dos
Floresta Atlântica (Silva, 1996). Os dois critérios descritos aqui.
critérios foram utilizados de forma
combinada. Assim, espécies como o Silva (1995b) classificou a avifauna
cigarra-do-campo (Neothraupis fasciata), do Cerrado em três categorias ecológicas
que possui uma população isolada nas de acordo com a dependência das
savanas do Amapá, a mais de 700km de espécies em relação às florestas da
distância da borda mais próxima do região. Espécies dependentes são aquelas
bioma do Cerrado, não foi considerada que se alimentam e se reproduzem
como endêmica ao bioma. Em contraste, principalmente em florestas, incluindo
o papa-moscas-de-costas-cinzenta aí o cerradão, as florestas secas e as
(Polystictus superciliaris), que é florestas ribeirinhas. Espécies
encontrada somente nos campos independentes de floresta são aquelas
rupestres do Espinhaço e em ilhas de espécies que se alimentam e se
vegetação aberta na Mantiqueira, foi reproduzem principalmente no cerrado
considerada como endêmica, pois a e em outros tipos de vegetação aberta.
maior parte de sua distribuição está no Por fim, espécies semidependentes são

Tabela 1. Novas espécies de aves registradas para o bioma


Cerrado após a publicação de Silva (1995b).

224
Biogeografia e avifauna

espécies que podem se alimentar ou se de pesquisa feitos nos últimos seis anos,
reproduzir tanto em florestas como em nota-se que a situação pouco se
áreas abertas na região. Esta classificação modificou. Apesar das localidades de
é grosseira, porque não leva em conta a amostragem de aves cobrirem grande
grande variação estrutural que existe parte do bioma (Figura 2a), o esforço
tanto entre as florestas como entre os feito na maioria destas localidades foi
diferentes tipos de cerrado e outras áreas abaixo do mínimo exigido para que a
abertas (Ribeiro & Walter, 1998). localidade pudesse ser considerada como
Entretanto, ela é suficiente para mostrar minimamente amostrada. O mapa,
que a grande maioria (393; 51,8%) das somente com as localidades
espécies de aves residentes no bioma do consideradas como “minimamente
Cerrado são dependentes de floresta, amostradas” (Figura 2b), permite a
enquanto 208 são independentes e 158 identificação das áreas mais importantes
são semidependentes. Com a inclusão para serem inventariadas na região:
das novas espécies de aves registradas Maranhão, Piauí, Bahia, Tocantins, leste
neste bioma, o número de espécies por do Mato Grosso do Sul, central Mato
categoria passa a ser o seguinte: Grosso do Sul e sudoeste de Minas
dependentes (399), semidependentes Gerais.
(161) e independentes (218). Estes
Dentro destas áreas prioritárias,
resultados significam que as florestas do
todos os ambientes devem ser
bioma do Cerrado, mesmo cobrindo
amostrados para que a avifauna local
menos de 10% da região, abrigam total
possa ser conhecida adequadamente.
ou parcialmente cerca de 72,0% da
Entretanto, é possível analisar as curvas
diversidade total de espécies na região.
históricas de descobrimento de espécies
Assim, pode-se descrever a avifauna do
de aves dependentes, semidependentes
Cerrado como predominantemente
e independentes de floresta em uma
florestal, vivendo em um bioma coberto
escala regional (Figura 3), a fim de
principalmente por savanas.
identificar em quais macrohabitats há
maior probabilidade de encontrar novas
O que precisa ser espécies de aves para o Cerrado. As
conhecido? curvas de descobrimento das espécies
semidependentes e independentes
Silva (1995c) avaliou o estado do subiram rapidamente nos primeiros anos
inventário da avifauna do Cerrado e de exploração ornitológica do bioma do
descobriu que grande parte do bioma Cerrado, para depois apresentarem um
nunca teve sua avifauna estudada crescimento muito pequeno ao longo dos
minimamente. Como “minimamente anos. Em contraste, a curva de
estudada”, Silva (1995c) considerou descobrimento de espécies de aves
todas aquelas localidades onde pelo dependentes de floresta continua a
menos 80 espécimes foram coletados ou crescer e não mostra qualquer sinal de
pelo menos uma lista com 100 espécies estabilização. Com base nesta análise
foi produzida. Estes números foram simples é possível predizer que: (a) se
utilizados porque correspondiam aos novas espécies de aves forem registradas
resultados mínimos que poderiam ser no bioma do Cerrado, elas serão
obtidos entre 3 e 4 dias de trabalho de encontradas principalmente nas florestas
campo intensivo na região do cerrado. da região; (b) novas espécies de florestas
Mesmo adicionando-se todos os esforços continuam a serem registradas, devido

225
Silva & Santos

à avifauna deste tipo de ambiente Apesar das limitações do conheci-


apresentar maior turnover de espécies do mento científico, as aves constituem-se
que a avifauna das áreas abertas; (c) a no grupo zoológico mais bem conhecido
avifauna semidependente e indepen- de todo o bioma do Cerrado. Como os
dente de floresta no bioma do Cerrado habitats, onde a maioria das espécies
pode ser considerada, pelo menos em ocorre são conhecidos, é possível,
uma escala regional, como bem portanto, modelar a distribuição de
conhecida. A análise de Cavalcanti muitas espécies, por meio da integração
(1999) apóia a predição b, pois, ao entre os registros (de coleções, de campo
comparar listas de aves de várias e da literatura) e mapas detalhados de
localidades dentro do bioma Cerrado, foi vegetação ou paisagens. Este tipo
encontrado que a maior parte das simples de modelagem pode ser feito,
diferenças em espécies está associada facilmente, com programas de sistemas
aos elementos florestais e aquáticos e de informação geográfica disponíveis
não aos elementos de cerrado. atualmente. Entretanto, é necessário

Figura 2
Localidades de
amostragem de aves
no Cerrado: (a) todas
as localidades e (b)
somente as
localidades
consideradas como
“minimamente
amostradas”
(modificado a partir de
Silva 1995c).

226
Biogeografia e avifauna

também que os mapas de distribuição estes faltou consistência metodológica na


potencial gerados pela modelagem sejam determinação da distribuição potencial
revistos por especialistas que conheçam das espécies.
bem tanto as espécies e suas
necessidades ecológicas como as
paisagens da região. Esta etapa é A IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS
fundamental, pois ela ajuda na definição PROCESSOS BIOGEOGRÁFICOS NA
mais precisa dos possíveis limites das FORMAÇÃO DA AVIFAUNA DOS
distribuições das espécies assim como BIOMAS BRASILEIROS
na eliminação de possíveis erros
causados por registros antigos, baseados Processos biogeográficos e a
em taxonomia ultrapassada. Como formação das biotas
qualquer mapa de distribuição é uma
Uma das questões mais interessantes
hipótese, o sucesso desta metodologia
da moderna biogeografia é estimar a
para a determinação de distribuições
importância relativa de seus diferentes
potenciais das espécies pode ser avaliado
processos, na determinação da
de forma criteriosa por intermédio de
diversidade de espécies, em uma
trabalhos de campo bem planejados.
determinada região biogeográfica.
Mapas com a distribuição potencial de
Ricklefs (1989) apresenta um modelo
espécies que foram gerados a partir de
simples que mostra as conexões entre
uma metodologia explícita e com
diversidade regional e diversidade local.
pressupostos bem fundamentados são
De acordo com esse modelo, a
muito úteis em estudos biogeográficos e
diversidade regional de espécies é um
no planejamento para conservação, entre
produto da interação de três grandes
outras aplicações. Não se recomendam,
processos: produção de espécies,
pelo menos em escala regional, análises intercâmbio biótico e extinção em massa.
baseadas em mapas grosseiros Os dois primeiros processos causam um
publicados em obras como, por exemplo, aumento da diversidade regional,
Ridgely & Tudor (1989, 1994), pois a enquanto o terceiro causa sua redução.

Figura 3
Curvas de
descobrimento de
espécies de aves
dependentes,
semidependentes e
independentes de
floresta no bioma do
Cerrado (curvas geradas
a partir do apêndice 1
de Silva, 1995b, com
informações novas
apresentadas neste
capítulo).

227
Silva & Santos

Produção de espécies é uma Métodos de estimativa


conseqüência da especiação, entretanto
A importância relativa da produção
nem toda especiação em uma região
aumenta a diversidade regional. Assim, de espécies, do intercâmbio biótico e da
é preciso distinguir entre especiação extinção em massa na determinação da
intra-regional, que consiste na divisão diversidade regional das biotas das
de uma linhagem em duas ou mais grandes regiões intracontinentais precisa
linhagens descendentes no interior de ser ainda melhor calculada. Estimar a
uma determinada região, e especiação importância da extinção em massa
inter-regional que consiste na divisão de requer material fóssil abundante e bem
uma linhagem em duas ou mais conservado (e.g., Olson & James, 1982).
linhagens descendentes, cujos limites de Os métodos da ecologia histórica podem
distribuições coincidem com os limites ser utilizados para estimar a contribuição
das grandes regiões naturais. Somente a da produção de espécies e do
especiação intra-regional aumenta a intercâmbio biótico na formação de
riqueza de espécies de uma área, mas biotas modernas (Brooks & McLennan,
ambos os tipos de especiação, desde que 1993). Há casos, entretanto, onde o
não sejam seguidos por eventos de estudo das distribuições geográficas das
dispersão, aumentam o número de espécies em uma região utilizando uma
espécies endêmicas de uma determinada abordagem macroecológica pode
região. também ser útil. Por exemplo, Silva
(1996), ao estudar a distribuição das
O intercâmbio biótico consiste no espécies de aves florestais no Cerrado,
fluxo natural de espécies entre regiões descobriu que a maioria dessas espécies
adjacentes. A diversidade de espécies de tinha seus centros de distribuição na
uma região aumenta quando ela é Amazônia ou na Floresta Atlântica e que
colonizada por espécies de regiões
elas estavam lentamente expandindo
adjacentes pelo processo de dispersão
suas distribuições no interior do Cerrado
(Ricklefs, 1989). Enquanto a dispersão
seguindo a expansão das florestas
por saltos (jump dispersal) pode ser
ribeirinhas. Nessa área de investigação,
importante na formação de biotas em
dada a complexidade dos fatores que
ilhas oceânicas, a difusão e a dispersão
interferem na determinação da
secular parecem ser as formas mais
distribuição de uma espécie (Brown &
prováveis de dispersão quando se estuda
Lomolino, 1998), uma abordagem
a formação de biotas regionais dentro
metodológica pluralista, certamente, é a
de grandes continentes (Cracraft, 1994;
mais recomendável como ponto de
Brown & Lomolino, 1998).
partida.
A extinção em massa pode ser
Uma forma simples de se iniciar o
causada por vários fatores, bióticos ou
trabalho é estudar as distribuições
abióticos (Raup, 1984). Entretanto, há
geográficas individuais das espécies que
cada vez mais razões para se acreditar
foram registradas em uma determinada
que extinções em massa foram causadas
região e agrupá-las em três categorias:
por algum tipo de mudança ambiental
(a) espécies amplamente distribuídas;
drástica, apesar da natureza exata dessas
(b) espécies endêmicas ou quase-
perturbações e seus efeitos sobre os
endêmicas; e (c) espécies que possuem
organismos serem difíceis de serem
grande parte de suas distribuições em
deduzidos claramente (Brown &
uma segunda região, mas que ocorrem,
Lomolino, 1998).

228
Biogeografia e avifauna

na região sob análise, como isolados Floresta Atlântica, Caatinga, Cerrado e


geográficos ou associadas a tipos Pantanal. A Amazônia e a Floresta
especiais de vegetação que possuem Atlântica são regiões naturais que estão
distribuição restrita, tal como matas (ou estavam, no caso da Floresta
galerias. Espécies amplamente Atlântica!) recobertas, especialmente,
distribuídas em diferentes regiões por extensas florestas tropicais. Essas
ajudam pouco a elucidar a formação da duas regiões são separadas entre si por
biota de uma região, assim elas podem um corredor de formações abertas
ser excluídas da análise. As espécies formada pela Caatinga, Cerrado e
endêmicas e semi-endêmicas com uma Pantanal. A não ser pelo caráter aberto
ou mais espécies-irmãs dentro da mesma de suas vegetações, essas três regiões
região indicam a importância relativa do têm pouco em comum. A Caatinga está
processo de produção de espécies. Por localizada, principalmente, em uma
fim, as espécies da categoria c indicam extensa depressão, recoberta por uma
a importância relativa do processo de vegetação xérica que cresce sobre solos
intercâmbio biótico com uma ou mais rasos e está sujeita a longos períodos de
regiões adjacentes. seca (Eiten, 1982), enquanto o Pantanal
é uma depressão revestida, sobretudo,
por uma savana sazonalmente inundável
OS BIOMAS BRASILEIROS E SUAS pelos ciclos de cheias da extensa rede
AVIFAUNAS de drenagem que domina a região (Eiten,
1982).
O Brasil é um laboratório fenomenal
para estudos sobre sistemática, evolução
e biogeografia de aves neotropicais. A A hipótese
avifauna brasileira é composta por
aproximadamente 1.700 espécies de aves Estudos biogeográficos sobre as
(Sick, 1997). Este número representa, avifaunas dos cinco grandes biomas
entretanto, apenas uma subestimativa. brasileiros foram desenvolvidos nas
Estudos recentes têm demonstrado que últimas décadas. A Amazônia foi
muitas espécies politípicas são na estudada por Haffer ( 1978; 1985), o
verdade compostas por conjuntos de Cerrado por Silva (1995a, 1995b, 1996),
populações bastante distintos, cada qual a Floresta Atlântica por Willis (1992), o
com suas características únicas de Pantanal por Brown (1986) e a Caatinga
plumagem, voz e comportamento por Silva et al. (em preparação). A partir
(Willis, 1988; Prum, 1994). Estes desses estudos e de novas análises é
conjuntos de populações devem ser, possível estimar a importância relativa
portanto, reconhecidos como espécies da especiação versus intercâmbio biótico
distintas, tanto sob o conceito biológico no processo de formação das avifaunas
como sob o conceito filogenético de desses biomas e propor um primeiro
espécie. A identificação e o mapeamento modelo gráfico (Figura 4).
desses conjuntos distintos de populações Com base no modelo, a produção
é um dos maiores desafios da moderna de espécies parece ser o principal fator
ornitologia brasileira. que leva a alta diversidade regional de
A maioria das espécies de aves espécies na Amazônia e Floresta
brasileiras está distribuída em cinco Atlântica. Em contraste com as avifaunas
grandes regiões naturais: Amazônia, das três áreas de formações abertas, as

229
Silva & Santos

avifaunas da Amazônia e da Floresta os biomas é bastante significativo o


Atlântica são compostas por uma grande grande número de espécies que têm os
porcentagem de espécies endêmicas, centros de suas distribuições localizados
muitas das quais são restritas a somente em outros biomas. Na Caatinga, os
uma porção da região. Além disso, a elementos de outros biomas estão
presença de inúmeros grupos principalmente nas florestas úmidas
monofiléticos de aves compostos por encontradas nas encostas de planaltos
duas ou mais espécies que se substituem residuais (localmente denominadas de
geograficamente (“superespécies” de “brejos”) ou nas transições ecológicas
acordo com Haffer, 1986) dentro destas com relevo complexo (Chapada da
regiões serve para ilustrar muito bem a Diamantina) para a Floresta Atlântica e
importância da especiação intra-regional Cerrado. No Cerrado, os elementos dos
no aumento da diversidade regional de outros biomas estão sobretudo nas
aves dessas regiões. florestas de galeria, que cobrem menos
de 10% da região, e nas florestas secas,
Para as avifaunas da Caatinga,
que estão restritas a manchas de solos
Cerrado e Pantanal, o intercâmbio biótico
derivados de rochas básicas nas
teve um papel mais importante na
depressões localizadas entre planaltos.
determinação da diversidade regional de
aves do que a produção de espécies. O O papel da extinção em massa na
Pantanal não possui endemismos em determinação da diversidade regional de
aves e muito da sua avifauna é composta aves nas cinco regiões investigadas ainda
por elementos biogeográficos dos biomas não pode ser avaliado concre-
adjacentes. A Caatinga e o Cerrado tamente com base nos dados atualmente
possuem muito mais espécies endêmicas disponíveis. Paleontólogos têm docu-
do que o Pantanal, no entanto, em ambos mentado a extinção em massa de grandes

Figura 4
A contribuição relativa
da produção de
espécies (especiação
intra-regional) e
intercâmbio biótico
(colonização de uma
região por espécies
de biomas adjacentes)
na diversidade re-
gional de aves em
cinco grandes biomas
brasileiros: Amazônia,
Floresta Atlântica,
Cerrado, Caatinga e
Pantanal.

230
Biogeografia e avifauna

mamíferos que habitavam formações conservação para as cinco macro-regiões


abertas sul-americanas durante o último brasileiras. Na Amazônia e Floresta
período glacial (Cartelle, 2000), mas não Atlântica, uma atenção especial deveria
há evidências de que este padrão seja ser dada à conservação daquelas áreas
válido para outros grupos de organismos. com grandes concentrações de espécies
O estado ainda embrionário da endêmicas, pois essas regiões podem
paleontologia de aves no Brasil impede estar funcionando, ainda hoje, como
qualquer conjectura a esse respeito. fontes de espécies para as áreas
adjacentes mais dinâmicas ecologica e
historicamente. No Pantanal e no
IMPLICAÇÕES PARA A Cerrado, extensos corredores ribeirinhos
CONSERVAÇÃO DA são essenciais para garantir o fluxo
permanente de populações e espécies
BIODIVERSIDADE
dos biomas adjacentes para essas
Além do interesse puramente regiões. No caso do Cerrado, as florestas
acadêmico, a compreensão dos ribeirinhas possuem também muitas
processos que promovem a diversidade espécies endêmicas. No Cerrado, mais
da avifauna de uma região é muito especificamente, um esforço especial de
importante para a elaboração de sistemas conservação deve ser direcionado para
eficientes de reservas que tenham como as três áreas de endemismo reconhecidas
objetivo conservar a biodiversidade de para aves na região: o vale do rio
uma região. Na verdade, qualquer Araguaia, o vale do rio Paranã e suas
planejamento biorregional de conser- florestas secas e a Chapada da
vação deve ter como objetivo manter os Diamantina com os seus campos
processos biogeográficos responsáveis rupestres (Silva & Bates, 2002). Para a
pela diversidade regional de espécies. Ou conservação das espécies endêmicas das
seja, tal planejamento deveria tanto áreas abertas do Cerrado, lugares
manter a produção de espécies e o estratégicos devem ser selecionados com
intercâmbio biótico com os biomas base nos padrões de variação da
adjacentes como evitar a extinção em abundância destas espécies ao longo da
massa das espécies, devido às região. Na Caatinga, especial atenção
modificações ambientais causadas pelas deve ser direcionada para a conservação
atividades humanas. das florestas nas encostas de planaltos
residuais e das caatingas arbóreas
Com base no modelo apresen-
adjacentes, pois são estas que mantém
tado acima é possível sugerir algumas
uma grande parte da diversidade de aves
estratégias de desenho de sistemas de
na região.

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233
Capítulo 13

A biodiversidade dos
Cerrados:

FOTO: MARIA LUIZA S. PARCA


conhecimento atual e
perspectivas, com uma
hipótese sobre o papel
das matas galerias na
troca faunística
durante ciclos Miguel Trefaut Rodrigues
Departamento de Zoologia

climáticos. Universidade de São Paulo,


São Paulo, SP
Silva & Santos

236
Biogeografia e avifauna

INTRODUÇÃO preservação da diversidade biológica da


área. Embora faça algumas conside-
O domínio morfoclimático dos rações de caráter mais geral, este
cerrados brasileiros abrange uma área de trabalho baseia-se principalmente na
2.000.000 km2; é o segundo em ordem herpetofauna, grupo ao qual o autor tem
de grandeza espacial do país (Ab’Saber, se dedicado e lhe é mais familiar.
1981). Desta área, apenas cerca de 20%
permanecem intocados e um total de
aproximadamente 1,5 % estão prote- RIQUEZA DE ESPÉCIES E
gidos em áreas de conservação ENDEMISMOS
(Mittermeier et al., 1999). Este capítulo
apresenta reflexões sobre algumas Vários trabalhos apresentados no
questões que a este autor parecem decorrer deste encontro mostraram
importantes para melhor compreender números aproximados de espécies para
a história e a diversidade da fauna dos alguns grupos da biota dos Cerrados;
Cerrados. Assim, inicia-se comentando geralmente, os valores absolutos
alguns dos problemas operacionais que fornecidos estiveram acompanhados da
levam à definição do número de espécies porcentagem de espécies endêmicas. Há
e dos endemismos do bioma, apre- nos Cerrados cerca de 10.000 espécies
sentando a seguir, e em linhas gerais, a de plantas lenhosas (4.400 ou 44%
situação atual do conhecimento sobre a endêmicas); 837 espécies de Aves (29
biodiversidade dos Cerrados e as razões ou 3,4% endêmicas); 161 de mamíferos
para incentivar esses estudos. Procu- (19 ou 11% endêmicas); 120 de répteis
rando contribuir para tal, este estudo (24 ou 20% endêmicas) e 150 espécies
apresenta uma hipótese sobre um dos de anfíbios (45 delas ou 30%
possíveis papéis históricos das matas de endêmicas). Ou seja, considerando
galeria na diferenciação da fauna apenas as plantas e os vertebrados
neotropical. O texto se encerra com terrestres, a taxa de endemismo dos
considerações de caráter estratégico que Cerrados estaria entre os 3% e os 50%.
pedem ação urgente no que respeita aos Os dados acima, extraídos de Mittermeier
destinos da pesquisa futura e à adequada et al. (1999), concordam parcialmente

237
Rodrigues

com números mais detalhados para rupestres como pertencentes aos


alguns grupos que vêm sendo Cerrados; outros incluem, entre a fauna
apresentados, mas há diferenças dos Cerrados, espécies tipicamente
importantes com outros e, obviamente, amazônicas, ou de outros biomas, que
entre grupos (Marinho-Filho; Colli, penetram marginalmente nos Cerrados.
2003). Em alguns casos as diferenças são Não é possível proceder a comparações
consideráveis. Comparações quanti- adequadas sem definições precisas. Um
tativas como estas, buscando explicações terceiro fator complicador ao analisar as
para a diversidade entre faunas, têm sido taxas de endemismo é a qualidade da
freqüentes e servem de exemplo para cobertura geográfica da área estudada.
mostrar que é preciso, inicialmente, Não há dois grupos que tenham sido
compreender as razões destas igualmente amostrados. Todos estes
discrepâncias. Deixando, por ora, de lado fatores afetam profundamente os
as fontes de variação devidas aos números e devemos estar cientes de sua
processos diretamente responsáveis pela importância quando realizamos
origem da diversidade, três fatores são comparações entre faunas de biomas
relevantes para explicá-las: (1) o nível distintos ou entre a diversidade ou a taxa
taxonômico de conhecimento; (2) a de endemismo de grupos diferentes
unidade básica de trabalho; e, (3) a dentro do mesmo bioma. O número, por
qualidade da amostragem. si só, não diz nada se não for calcado
em base qualitativa sólida que permita
As taxas de endemismo do Cerrado
comparações confiáveis.
variam de grupo para grupo e entre
grupos, pois dependem muito do nível Ainda que idealmente todos estes
do conhecimento taxonômico. A problemas estejam equacionados de
variação devida a este fator, está forma adequada, as taxas de endemismo
diretamente relacionada ao número de para o Cerrado serão bastante distintas
pesquisadores envolvidos no estudo e entre grupos (por exemplo, entre os
ao nível de refinamento taxonômico grupos de vertebrados), pois cada um
atingido pela sistemática do grupo em tem suas próprias peculiaridades
questão, mas não se restringe apenas a históricas e ecológicas. O que se deve
estas fontes. Parte dela deve-se também ressaltar é que a presença de espécies
à tradição taxonômica em voga no grupo. endêmicas mostra que, ao contrário do
Muitas vezes a predominância de escolas que se assumiu por algum tempo
sistemáticas de classificação distintas em (Vanzolini, 1974, 1976), o Cerrado
grupos diferentes (por exemplo, entre possui fauna própria, distinta daquela
Aves e Squamata), resulta em números presente nas Caatingas e no Chaco
finais de espécies que, por não estarem (Rodrigues, 1988; Colli, 2003). Ela resulta
baseados nos mesmos critérios, torna de uma história bastante complexa,
difícil a comparação direta entre associada ao soerguimento dos Planaltos
indicadores de diversidade. Outra Brasileiro e das Guianas no final do
variável importante que afeta as taxas Cretáceo e durante o Terciário, e à
de endemismo está na unidade escolhida instalação na área de uma vegetação
para estudo, ou seja, nos diferentes original e sua modificação desde então
conceitos de Cerrado empregados. Para (Colli, 2003). Uma das tarefas
alguns, as matas-galeria não fazem parte importantes a realizar é tentar resgatar
do Cerrado, para outros, sim. Alguns esta história a partir do estudo da fauna
consideram a fauna dos campos e flora dos Cerrados atuais para que se

238
Matas de Galeria e trocas faunísticas

possa melhor conhecer as causas que lhe dois casos, apesar do conhecimento
deram origem e, assim, obter orientação insuficiente que também há sobre
adequada para conservá-la de modo aqueles biomas, sabe-se, pelo menos,
mais eficaz. dizer algo a respeito das áreas de
endemismo mais importantes daqueles
domínios. Ainda que se desconheça
A SITUAÇÃO ATUAL DO profundamente a diversidade da
CONHECIMENTO Amazônia, já se dispõe de vários
modelos para explicar a especiação e,
Embora as pesquisas sobre a fauna conseqüentemente, parte da diversidade
e flora dos Cerrados tenham avançado de sua fauna e flora (Haffer, 2001). Tais
muito, é necessário admitir que a hipóteses têm dado margem a amplos
diversidade biológica do bioma ainda é debates, gerado controvérsias, e assim
muito pouco conhecida. Imensas áreas estimulado exponencialmente a
não foram sequer inventariadas, numa elaboração de projetos procurando testá-
época em que ainda existem sérios las. Estes, aprimorando a qualidade e a
problemas taxonômicos em grupos de cobertura geográfica dos levantamentos,
espécies que, se melhor conhecidos, têm acarretado avanços substanciais no
poderiam auxiliar a compreender melhor nosso conhecimento sobre a área. O
os principais padrões de distribuição de modelo clássico dos refúgios, por
sua fauna e flora. exemplo, é um dos que se dispõe para
explicar a diversidade da fauna
Apesar do imenso esforço dedicado
amazônica (Haffer, 1969; Vanzolini &
pela comunidade científica a
Williams, 1970 ); há muitos outros, como
levantamentos, ao longo da última
o modelo dos rios atuando como
década, os cerrados ainda permanecem
barreiras (Wallace, 1852) e o dos
muito mal inventariados. Deixando de
gradientes (Endler, 1982); (veja Vieira
lado os peculiares e complexos campos
et al., 2001). É importante lembrar que
rupestres que apresentam uma biota
em face da realidade das flutuações
característica (Heyer, 1999), não se sabe
climáticas que afetaram a distribuição
dizer ainda quais são as principais áreas
espacial das florestas amazônicas ao
de endemismo dos Cerrados brasileiros.
longo do tempo, dispõe-se também dos
Este conhecimento é fundamental para
requisitos mínimos, em termos de
tentar compreender sua história e assim
cenários geográficos e fisionômicos, para
estabelecer uma lista de áreas prioritárias
testar a aplicabilidade dos vários dos
para a conservação. Ao contrário do que
modelos de diferenciação propostos.
ocorre para os demais domínios
Assim, ainda permanecem na Amazônia
morfoclimáticos brasileiros, também não
grandes áreas naturais de matas
se dispõe de modelos de aplicabilidade
contínuas, seja na planície seja em terras
geral que permitam explicar a especiação
altas, manchas de florestas isoladas fora
e a diversidade nos Cerrados.
dela (por exemplo, os “brejos” nas
O nível do estado atual de Caatingas) e enclaves de vários tipos de
conhecimento atingido sobre os paisagens abertas no próprio domínio
Cerrados, insuficiente e grave por si só, amazônico. Estas áreas são aquelas que
torna-se mais crítico quando contraposto nos permitem resgatar a informação
comparativamente ao que se dispõe para necessária para testar os principais
a Amazônia e para a Mata Atlântica. Nos modelos invocados para explicar a

239
Rodrigues

diversidade biológica do mais rico complexa fauna e flora. Apesar de tudo,


ecossistema brasileiro. O quadro geral é deve-se dizer que, há algumas hipóteses
similar para a Mata Atlântica, apesar de biogeográficas para a fauna de alguns
a devastação ter reduzido sua área grupos que vivem nos Cerrados
intocada a apenas cerca de 7%. Dispõe- brasileiros. Por exemplo, os trabalhos de
se de modelos de especiação para Cartelle (2000) e Fonseca et al. (2000)
explicar a diversidade de espécies da área apresentam hipóteses para explicar a
(o dos refúgios e o da diferenciação em distribuição atual e pretérita e a
ilhas da plataforma continental, por composição da mastofauna das áreas
exemplo) e ainda se dispõe dos cenários abertas do continente. De modo similar,
com suas paisagens naturais que há hipóteses biogeográficas para explicar
permitem testá-los: áreas contínuas de os padrões gerais de distribuição da
mata em regiões de baixos e altos avifauna dos Cerrados (Silva, 1995a,
relevos; os brejos nordestinos e as ilhas 1995b) e evidências sobre a importância
florestadas na plataforma continental. das florestas de galeria na dispersão de
Nos dois casos, a disponibilidade de aves amazônicas e da Floresta Atlântica
modelos que procuram explicar a nos Cerrados (Silva,1996, Willis, 1992).
diversidade destes biomas tem Faltam, contudo, estudos mais
constantemente estimulado a pesquisa detalhados, baseados em inventários
e ajudado a delinear áreas prioritárias representativos para outros grupos, que
para estudo e conservação. No caso de possibilitem uma visão comparativa e
áreas abertas, a situação é similar para uma definição mais precisa das áreas de
a fauna das Caatingas: falta conhecer endemismo dos Cerrados.
muito, mas já se sabe onde estão
Embora o modelo dos refúgios
algumas das áreas de endemismo e se
assuma que a fase de expansão das
dispõe de hipóteses para compreender
florestas e das áreas abertas foram
parte de sua diversidade, o que tem
complementares ao longo do Terciário e
permitido políticas científicas e de
Quaternário, a aplicação do modelo aos
conservação mais adequadas (Rodrigues,
Cerrados nunca foi efetivamente testada.
2002).
Ainda que se assuma sua comple-
Este estudo chama a atenção para o mentaridade para explicar a diferen-
fato de que, sob este contexto, a situação ciação de algumas espécies, a imensa
dos cerrados é gravíssima. Muitas das maioria dos cenários geográficos que
áreas naturais que permitiriam resgatar permitiriam testar a hipótese foi
informação da maior relevância para destruída. Grandes extensões de áreas
traçar com certa precisão alguns dos contínuas de Cerrados já foram quase
padrões de distribuição ou das áreas de que totalmente eliminadas; as poucas
endemismo do Cerrado, já foram ainda intocadas, situadas nos chapadões
completamente destruídas. Assim, do Piauí, Bahia e Maranhão, estão sob
provavelmente como conseqüência de intensa pressão antrópica. De modo
amostragens insuficientes e de estudos similar, os enclaves de Cerrados
desacompanhados de filogenias relictuais no domínio das Caatingas ou
confiáveis, não apenas não se pode dizer da Mata Atlântica estão praticamente
onde estão as áreas de endemismo do destruídos. Restam quase que apenas as
domínio, como não se dispõe de modelos manchas isoladas, atualmente, ainda
de diferenciação adequados para explicar encerradas em áreas de difícil acesso na
ao menos parte da história de sua Floresta Amazônica. Deve haver

240
Matas de Galeria e trocas faunísticas

empenho para preservá-las urgen- fauna dos Cerrados é de tal ordem que
temente, assim como procurar não podemos nos dar ao luxo de
maximizar a preservação das regiões da considerar uma ou outra área como não-
área nuclear que ainda permanecem com merecedora de investigação prioritária.
cobertura original. Absolutamente tudo deve ser
considerado prioritário. No estado atual
Sabe-se que há endemismos nos do conhecimento, não se pode dizer se
Cerrados, que as matas de galeria do um chapadão ou um vale isolados e
domínio - no caso da herpetofauna, em esquecidos no meio da paisagem,
particular, e no de muitas espécies de idênticos a muitos outros, foram ou não
outros grupos - não constituem barreira cenários de processos histórico-
para a fauna adaptada aos ambientes evolutivos que levaram à divergência de
abertos dos Cerrados. A mata de galeria, parte da fauna que abrigam. Somente um
tão característica do domínio, não trabalho intenso no campo pode eliminar
apresenta fauna própria expressiva, essas dúvidas. A descoberta surpre-
sendo utilizada pela maioria das espécies endente de áreas de endemismo nas
encontradas nos Cerrados abertos, talvez Caatingas, que possuem herpetofauna
com mais freqüência no período seco muito melhor conhecida que a dos
(Marinho & Gastal, 2000; Silva & Cerrados, apóia esta linha de
Viellard, 2000). Quais foram as barreiras pensamento (Rodrigues, 1991, 1996,
e os mecanismos que levaram à 2002).
complexificação progressiva da fauna
dos Cerrados? Quais foram os quadros É no contexto do cenário geográfico
de paisagens que dominaram o espaço ainda oferecido pelos enclaves de
dos Cerrados à altura dos períodos Cerrados isolados da Amazônia que se
úmidos? Que tipos de vegetação aberta pode testar a aplicabilidade do modelo
estavam instalados no alto dos dos refúgios aos Cerrados. É nestas áreas
chapadões e nos vales ao longo dos isoladas, com áreas de ordem de
grandeza muito diversa, que a fauna dos
períodos glaciais? Como ocorreu a
Cerrados vem passando por diferen-
transição para o cenário atual? Apesar
ciação. No estudo destes experimentos
de haver muitos avanços no domínio do
naturais, está a chave para a
conhecimento palinológico e na
compreensão de alguns dos mecanismos
reconstrução de paleoambientes
que permitem explicar a diversidade
(Laboriau, Ledru, 2003), ainda não se
atual e a origem da fauna do bioma. É
sabe muito sobre a composição, a
ali também que se deve buscar as
permanência e a extensão geográfica das
explicações para o papel das florestas
paleopaisagens que ocuparam a área dos
de galeria na evolução da fauna dos
Cerrados ao longo do Quaternário.
Cerrados.
Perceber e tentar compreender as
pequenas diferenças na organização
estrutural e biótica da paisagem, que
coletivamente é denominada de Cerrado, ESPECIAÇÃO DURANTE CICLOS
é fundamental para entender o passado CLIMÁTICOS E A IMPORTÂNCIA
(Ab’Saber, 2000). DAS MATAS DE GALERIA.
O desconhecimento sobre os Atualmente, admitem-se dois
processos ecológico-evolutivos que mecanismos alopátricos de especiação
levaram à origem e diferenciação da para explicar a origem de novas espécies

241
Rodrigues

durante fases alternantes dos ciclos diferenciação e ao enriquecimento da


climáticos: o modelo clássico dos fauna dos Cerrados e das áreas
refúgios (Haffer, 1969, Vieira et al. 2001; florestadas. Elas forneceram, diferen-
Vanzolini, 1981; Vanzolini & Williams, cialmente, muito mais espécies às
1970) e o do refúgio evanescente florestas do que aos Cerrados. A hipótese
(Vanzolini & Williams, 1981). Sob o parte da premissa de que, com raras
modelo dos refúgios, a expansão das exceções, as espécies do Cerrado
formações abertas na fase seca do ciclo freqüentam livremente ou toleram a mata
provocaria o isolamento e a diferenciação de galeria, possuindo assim pré-
de espécies de floresta; de modo similar, adaptações mínimas para permanecer
durante as fases úmidas, corresponderia em áreas florestadas. A fauna de floresta,
à expansão das matas que isolaria ao contrário, é estritamente umbrófila e,
populações de áreas abertas provocando praticamente, não tolera ambientes
sua diferenciação específica. Sob o abertos.
modelo do refúgio evanescente,
Nas fases úmidas dos ciclos
originalmente proposto para áreas
climáticos, quando manchas de Cerrados
florestadas, espécies umbrófilas de mata,
(ou paisagens abertas similares) com
isoladas em refúgios que desapareceriam
matas de galeria perdem espaço para as
durante períodos secos, poderiam se
florestas, as matas de galeria poderiam
tornar espécies vicariantes de ambientes
desempenhar o papel de provedoras de
abertos e vice-versa: espécies vivendo
espécies para as áreas florestadas. Nesta
em ambientes abertos isolados por
situação, espécies de Cerrado envolvidas
florestas, poderiam, desaparecendo as
por ambientes florestados em expansão,
áreas abertas, tornarem-se espécies
poderiam invadir a floresta através das
vicariantes de áreas florestadas. Para
matas de galeria e ali se manter. Sob esta
espécies de requisitos ecológicos rígidos,
hipótese, caso a expansão e a
nos dois casos, os modelos são
coalescência das florestas, durante uma
teoricamente simétricos e comple-
fase úmida, levassem ao total
mentares. Estes dois mecanismos têm
desaparecimento do Cerrado rema-
sido, ao menos em teoria, utilizados para
nescente nas áreas próximas, as espécies
tentar explicar parte da origem da
do Cerrado original estariam capturadas
diversidade neotropical. Nenhum deles,
pela mata, permanecendo ali isoladas.
contudo, considera o papel das matas
Nesta fase populações isoladas dos
de galeria.
estoques parentais poderiam se
Apresenta-se aqui, a título de diferenciar. Vale lembrar que este
hipótese de trabalho, um modelo mecanismo é muito similar ao do refúgio
sugerindo que as florestas de galeria evanescente, diferindo dele porque é
podem contribuir substancialmente ao assimétrico e se aplica a praticamente
aumento da diversidade de espécies. toda a fauna que transita entre dois tipos
Mais uma vez, este estudo atém-se à de ambientes contrastantes. Sua
herpetofauna. A Figura 1 mostra as assimetria deve-se não apenas ao fato
principais seqüências de eventos do da fauna de floresta não tolerar os
modelo apresentado. Postula-se aqui que ambientes abertos. Mas também porque,
as matas de galeria, ao longo do tempo ainda que se admitisse a comple-
e durante ciclos climáticos alternados, mentaridade do processo em fase seca,
desempenharam um papel assimétrico o desaparecimento da ilha-de-mata,
no que respeita a sua contribuição à tornaria a estreita área de floresta-galeria

242
Matas de Galeria e trocas faunísticas

disponível, incapaz de manter as exemplificar isolamentos mais recentes.


populações ali presentes, sujeitando-as Em alguns locais da Amazônia, algumas
à deriva genética e à extinção. Esta das populações destas espécies se
parece ser uma das possíveis explicações encontram em ambientes florestais
para a presença disjunta de animais típicos, possivelmente, porque
tipicamente de Cerrado em matas hoje habitavam matas-galeria que já foram
incorporadas ao corpo principal de incorporadas ao corpo principal de
floresta da Amazônia. Há exemplos. floresta, exatamente como prevê a
Entre os lagartos, os gimnoftalmídeos hipótese de trabalho apresentada. Em
Colobosaura modesta e as formas do tese, a assimetria deste mecanismo
complexo Cercosaura servem para também ajudaria a explicar a maior

Figura 1
Esquema hipotético
para explicar o
possível papel
assimétrico
desempenhado pelas
matas de galeria no
enriquecimento
faunístico de áreas
florestadas durante
ciclos climáticos.

243
Rodrigues

diversidade local e espacial da cultural muito diversa que hoje ali vivem:
Amazônia, quando comparada aos gaúchos, paranaenses, mato-grossenses,
Cerrados. Filogenias adequadas que paulistas, nordestinos, mineiros e muitos
possibilitassem verificar o número e a outros, entre eles, imigrantes de diversas
posição relativa dos clados associados a procedências. A diversidade de culturas
vicariâncias ecológicas em linhagens exige estratégias elaboradas que
monofiléticas, permitiriam testar a envolvem investimentos em tempo,
hipótese. Casos como o dos geconídeos energia e recursos financeiros que são
do gênero Coleodactylus, dos scincídeos diferentes para cada um destes grupos
do gênero Mabuya, teídeos do gênero culturais. Não é através de uma receita
Kentropyx, policrotídeos do gênero simples, muitas vezes eficiente nos
Anolis, e de muitos outros, com espécies países de primeiro mundo, onde há
tanto na mata como nos Cerrados, muito existe certa homogeneidade
poderiam também ser alvo de cultural, que obteremos o retorno
investigação para testar o modelo. necessário para estancar a erosão das
paisagens naturais do Cerrado. As ações
aqui devem envolver um planejamento
CONSIDERAÇÕES FINAIS específico, integrado, uma visão mais
Há muito por fazer no que respeita estratégica do que temos hoje para
ao estudo da biodiversidade e à preservar nossa diversidade biológica.
conservação dos Cerrados e deve-se agir Sabemos que a sensibilização da
rapidamente, pois a situação do bioma sociedade será lenta e, em face da
é crítica. Mal inventariado e altamente urgência que se impõe, ela deve ser
ameaçado o Cerrado ainda tem poucas procurada com todos os meios que
unidades de conservação regula- estiverem ao alcance. Isto exige a
mentadas. A falta de conhecimento participação de jornalistas, escolas,
básico impede a delimitação mais precisa zoológicos, e a produção de abundante
das áreas potenciais de conservação e material educativo. Exige que se mudem
não tem permitido frear a ocupação das conceitos antigos, estagnados, sobre o
paisagens naturais que ainda restam. O papel social de algumas instituições. Os
ecossistema deve ser alvo prioritário de zoológicos, por exemplo, têm um
políticas públicas voltadas à conservação enorme potencial de sensibilização
e educação ambiental. Não se trata de cultural da sociedade que é pouco
parar o desenvolvimento, mas de aproveitado. É preciso valorizar nossa
repensá-lo criticamente. fauna e mostrar sua importância: dos
pequenos roedores e marsupiais à onça,
A enorme expressão espacial dos
dos invertebrados às pererecas. Este
Cerrados e sua história de ocupação
estudo cita, como exemplo, a
econômica produziram uma diversidade
importância conferida mundialmente à
cultural de tal ordem que as ações de
fauna australiana, fato que só acontece,
conservação precisam ser muito bem
pois eles souberam valorizá-la.
planejadas. O processo educativo que
permite perceber a importância de As tarefas acima só poderão ser
preservar o Cerrado com sustenta- cumpridas a tempo se a comunidade
bilidade não é o mesmo para um índio científica sair do seu imobilismo. Os
dos Parecis, do Araguaia, ou para a cientistas devem sair de suas salas e
infinidade de grupos com educação também assumir a responsabilidade, que

244
Matas de Galeria e trocas faunísticas

têm, de ajudar a sensibilizar a sociedade, ambiental e a comunidade científica


aumentando sua inserção social. A evolua. O Brasil é líder mundial em
mídia, os zoológicos, ou os jardins diversidade biológica, os Cerrados o
botânicos, por exemplo, só poderão segundo maior domínio morfoclimático
mostrar adequadamente a importância brasileiro e, como foi visto, está
do patrimônio biológico do país se forem desaparecendo sem que se possa
informados por eles, aqueles que geram recuperar informações valiosas sobre sua
o conhecimento. Embora seja a história e diversidade. É preciso uma
comunidade científica, por intermédio do estrutura mais ágil, por parte dos órgãos
seu esforço, quem dá a conhecer ao ambientais, que facilite o trabalho
mundo as plantas e os animais daqueles que se ocupam da descrição
desconhecidos, a transposição para a da diversidade biológica. É também
sociedade destas descobertas, por meio necessário que a comunidade científica
da sua divulgação, em parte, também
compreenda a importância de repassar
lhe cabe. É preciso tomar consciência
ao IBAMA as informações de que dispõe,
disso.
para que este possa traçar políticas cada
Neste complexo processo de vez mais eficientes de fiscalização,
conscientização que conduz à manejo e utilização das paisagens
preservação das áreas remanescentes de naturais. É necessário sentar à mesa para
Cerrado, visando salvar a informação conversar, de modo a maximizar a
ainda disponível, é também altamente utilização das melhores capacidades do
desejável que a relação entre a agência meio científico.

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246
Solos e paisagem

Capítulo 14

FOTO: GUARINO COLLI

As origens e a
diversificação da
herpetofauna do Guarino R. Colli
Departamento de Zoologia

Cerrado Universidade de Brasília


Brasília, DF

247
Rodrigues

248
Matas de Galeria e trocas faunísticas

Quaternário e suas conseqüências


INTRODUÇÃO
(Vanzolini, 1970, 1974, 1976; Heyer,
Por uma série de razões, não foi feita 1978; Duellman, 1979), em detrimento
até o presente qualquer reconstrução de eventos do Terciário, quando ocorreu
sobre as origens da herpetofauna do grande parte da diversificação da
Cerrado. Uma vez que praticamente herpetofauna sul-americana (Heyer &
inexistem localidades fossilíferas de Maxson, 1982; Estes & Báez, 1985;
vertebrados no Brasil central (Báez & Bauer, 1993; Duellman, 1993).
Gasparini, 1979; Estes & Báez, 1985), os Considerando essas limitações, o cenário
estudos sobre a evolução da delineado abaixo é extremamente
herpetofauna das paisagens abertas sul- preliminar e terá atingido seus objetivos
americanas são baseados quase que se apenas estimular pesquisas futuras
inteiramente nos registros fósseis da sobre o assunto.
porção mais meridional do continente
Os fósseis mais antigos de famílias
(e.g., Webb, 1978; Cei, 1979). Além
viventes de anfíbios e répteis da América
disso, com poucas exceções, não existem
do Sul datam do Cretáceo Superior,
análises filogenéticas envolvendo os
aproximadamente 75 milhões de anos
táxons relevantes. Interpretações
atrás (Báez & Gasparini, 1979). Eles
confiáveis sobre os fatores históricos que
incluem Leptodactylidae, Iguania (sensu
moldaram as distribuições dos
Frost & Etheridge, 1989), Teiidae, Boidae
organismos só podem ser obtidas pela
e Podocnemididae (Estes & Báez, 1985;
consideração de suas relações
Albino, 1996). À exceção de Teiidae,
filogenéticas (e.g., Ball, 1975; Wiley,
todos esses táxons são presumivelmente
1981). Ainda, uma ênfase excessiva tem
originários de Gonduana (Bauer, 1993;
sido dada a eventos históricos recentes,
Duellman, 1993). Os teiídeos
como flutuações climáticas do

249
Colli

aparentemente surgiram na América do glossinae na América do Sul (Savage &


Norte, dispersaram-se durante o Cretáceo Lips, 1993). Dessa forma, a evidência
para a América do Sul, onde sofreram disponível indica que a maior parte das
uma radiação no Terciário, e se famílias viventes da herpetofauna do
extinguiram abruptamente na América Cerrado é originária de Gonduana e já
do Norte na transição Cretáceo-Terciário havia divergido ao encerramento da Era
(Presch, 1974; Estes & Báez, 1985; Gao Mesozóica.
& Fox, 1996). Um provável Teiidae foi
Pelo Cretáceo Superior (Campa-
assinalado no Cretáceo Inferior do Chile
niano-Maastrichtiano), cerca de 37
por Gayet et al. (1992) e Albino (1996),
milhões de anos haviam decorrido desde
ambos citando trabalho em preparação
que a África e a América do Sul haviam
de J. Valencia, que nunca foi publicado.
se separado e a América do Norte ainda
Se confirmado, esse registro implicaria
estava conectada à América do Sul
na evolução de Teiidae no Cretáceo
(Parrish, 1993a; Pitman et al., 1993). O
Inferior da América do Sul (Gonduana),
clima na América do Sul exibia elevada
com sua posterior dispersão para a
precipitação na região equatorial (na
América do Norte no Cretáceo Superior
extremidade norte do continente) e
(Gayet, 1992). Recentes achados de
variava de moderadamente úmido a
fósseis de Teiidae no Cretáceo Inferior
árido no resto do continente, incluindo
(Aptiano-Albiano) da América do Norte,
o Escudo Central Brasileiro (Parrish,
entretanto, corroboram a origem
1993b). Três províncias da microflora são
setentrional do grupo (Nydam, 2002;
reconhecidas na América do Sul durante
Nydam e Cifelli, 2002ab).
o Maastrichtiano: a Província Microfloral
Não se conhecem fósseis de algumas das Palmeiras (“Palm Microfloral
das famílias que habitam o Cerrado. Province”) do norte da América do Sul,
Dentre elas, Centrolenidae, Dendro- onde diversas famílias viventes de
batidae, Pseudidae, Gymnophthalmidae, angiospermas aparecem pela primeira
Hoplocercidae, Polychrotidae, Tropi- vez, e as Províncias Microflorais Mista e
duridae e Anomalepididae são endê- de Notofagiditas (“Mixed and
micas ou mais diversificadas na América Nothofagidites Microfloral Provinces”)
do Sul (Duellman & Trueb, 1986; Guyer do sul da América do Sul, de natureza
& Savage, 1986; Frost & Etheridge, 1989; mais xérica e temperada (Romero, 1993).
Pough et al., 1998) e, presumivelmente, Assim, a dicotomia fundamental entre
são originárias desse continente. Outras, regiões úmidas e quentes versus xéricas
como Microhylidae, Amphisbaenidae, e frias já havia se estabelecido na
Scincidae, Leptotyphlopidae e Typh- América do Sul no Cretáceo Superior e,
lopidae, estão ausentes do registro fóssil presumivelmente, se espelhava na
sul-americano, mas aparentemente se herpetofauna. As divergências mais
originaram em Gonduana (Vanzolini & profundas nas linhagens da herpetofauna
Heyer, 1985). Membros da família devem datar dessa época e, possi-
Anguidae também não possuem fósseis velmente, estão associadas a preferências
na América do Sul e provavelmente ecológicas por habitats florestais versus
dispersaram-se da América do Norte, savânicos. Por exemplo, embora de
onde seu registro fóssil vem desde o forma não claramente associada a essa
Cretáceo (Báez & Gasparini, 1979; Gao dicotomia, membros já extintos das
& Fox, 1996), diversificando-se subfamílias viventes de Teiidae, Teiinae
posteriormente na linhagem Diplo- e Tupinambinae, são reconhecidos desde

250
Origem e diversificação da Herpetofauna

o Cretáceo Superior (Presch, 1974; Gao primeira vez no registro fóssil no


& Fox, 1996). Paleoceno da América do Sul, sugerindo
uma origem em Gonduana. Elas incluem
O Terciário foi principalmente um
Caeciliidae, Bufonidae, Hylidae,
período de isolamento da América do
Gekkonidae e Chelidae (Báez &
Sul, que resultou na diversificação de
Gasparini, 1979; Estes & Báez, 1985).
uma biota endêmica. Durante todo o
Aligatorídeos e aniliídeos fósseis estão
início do Terciário o clima foi se tornando
presentes no Paleoceno da América do
cada vez mais úmido, atingindo um
Sul, mas aparentemente possuíam ampla
máximo durante o Eoceno, mas depois
distribuição nas Américas durante o
se tornou mais árido e frio, especial-
Cretáceo (Estes & Báez, 1985). O
mente no sul do continente, após o
Terciário deve ter sido um período de
soerguimento dos Andes (Haffer, 1974;
grande diversificação da herpetofauna do
Webb, 1978; Parrish, 1993b). Além disso,
Cerrado. Paisagens abertas e climas
houve uma crescente diferenciação
secos dominaram a América do Sul,
latitudinal do clima, em contraste com o
especialmente depois do Oligoceno, e
clima mais homogêneo do Cretáceo
aparentemente prevaleceram até o
Superior (Pascual & Jaureguizar, 1990).
Uma ampla diferenciação de famílias de Pleistoceno (Del’Arco & Bezerra, 1989;
plantas ocorreu na América do Sul Pascual & Jaureguizar, 1990). Assim, a
durante o Terciário. Na região equatorial, herpetofauna de paisagens abertas gozou
a Província Microfloral das Palmeiras é de um período longo e favorável para
reconhecível até o Paleoceno, após o qual sua diversificação. Além disso, o
famílias modernas se tornaram mais estabelecimento de um pronunciado
abundantes formando a Província gradiente latitudinal de temperatura
Microfloral Neotropical, que originou as também deve ter contribuído para a
atuais florestas úmidas e formações mais compartimentação da herpetofauna,
mésicas da América do Sul (Romero, como descrito para a mastofauna
1993). Na porção meridional, a flora da (Pascual & Jaureguizar, 1990). Por
Província Microfloral Mista se exemplo, é possível que a divergência
desenvolveu em uma combinação de das subfamílias de Tropiduridae em um
elementos temperados e tropicais, grupo meridional, Liolaeminae, e dois
incluindo diversas espécies adaptadas a grupos setentrionais, Tropidurinae e
ambientes secos. A Província Microfloral Leiocephalinae (Frost & Etheridge, 1989;
Mista presumivelmente originou as mas vide Hedges, 1996), tenha sido
atuais savanas da América do Sul, dirigida pelo aprofundamento do
incluindo o Cerrado (Romero, 1993). Se gradiente climático do início do Terciário.
a presença de um estrato graminoso é
Durante o Mioceno houve uma
um requerimento para a definição de
grande transgressão marinha na América
savanas, como o Cerrado, então esse tipo
do Sul, que separou o Escudo Central
de vegetação pode ter existido desde o
Brasileiro da porção meridional do
Eoceno, quando os primeiros registros
continente (Räsänen et al., 1995; Webb,
de Poaceae aparecem (Romero, 1993).
1995). Essa transgressão provavelmente
Savanas muito similares às atuais já
teve uma profunda influência na
ocorriam no Mioceno da América do Sul
evolução da biota das paisagens abertas
setentrional (Van der Hammen, 1983).
sul-americanas, pela fragmentação da
Diversas famílias atuais da distribuição de táxons amplamente
herpetofauna do Cerrado aparecem pela distribuídos (Pascual & Jaureguizar,

251
Colli

1990). Alguns grupos do Cerrado com soerguimento do Planalto Central


parentes próximos no sul do continente Brasileiro provavelmente deu o ímpeto
podem ter divergido durante esse evento, final para a diferenciação da biota do
como Tupinambis merianae e T. duseni, Cerrado, eminentemente em relação aos
do centro-norte da América do Sul, biomas abertos adjacentes, a Caatinga e
versus T. rufescens, do sul da América o Chaco (Silva, 1995). Diversos padrões
do Sul, uma vez que os fósseis mais de distribuição da herpetofauna parecem
antigos de Tupinambis datam do ter sido determinados por esse evento.
Mioceno (Estes, 1961). Lagartos geconídeos do gênero
Lygodactylus estão representados na
A chegada de imigrantes de
América do Sul por duas espécies, L.
paisagens abertas das Américas Central
klugei da Caatinga e L. wetzeli do Chaco
e do Norte enriqueceu ainda mais a
(Vanzolini, 1968ab, 1974; Bons &
herpetofauna sul-americana durante o
Pasteur, 1977; Smith et al., 1977), mas
Terciário. A primeira onda de imigrantes
não existem registros do gênero no
apareceu durante o Mioceno, com a
Cerrado. É possível que a distribuição
chegada dos testudinídeos e colubrídeos,
de um ancestral comum tenha sido
provavelmente por dispersão através do
fragmentada pelo soerguimento
mar (Estes & Báez, 1985). Quando a
do Planalto Central Brasileiro, seguida
conexão entre a América do Norte e a
pela extinção no Cerrado e pela
América do Sul foi restabelecida no
diferenciação na Caatinga e no
Plioceno, diversos membros da
Chaco. O gimnoftalmídeo Vanzosaura
herpetofauna atual do Cerrado
rubricauda mostra uma distribuição
colonizaram a América do Sul, incluindo
geográfica semelhante (Rodrigues, 1991;
Ranidae, Emydidae, Kinosternidae,
Vanzolini & Carvalho, 1991). Ainda, a
Iguanidae, Elapidae e Viperidae
divergência de Kentropyx paulensis e K.
(Vanzolini & Heyer, 1985). Presu-
vanzoi, endêmicos do Cerrado, de sua
mivelmente, a mesma rota foi utilizada
presumida espécie-irmã, K. viridistriga,
por lagartos do gênero Norops (os Anolis
do Pantanal e do Chaco, pode também
beta de Williams, 1976), um grupo que
ter sido influenciada pelo soerguimento
evoluiu na América Central depois que
do Planalto Central Brasileiro, mesmo
a distribuição de um ancestral com
tendo Gallagher (1979, 1992) proposto
ampla ocorrência nas Américas Central
causas mais recentes.
e do Sul foi fragmentada, ao final da Era
Mesozóica (Guyer & Savage, 1986). Em resumo, o Terciário foi
provavelmente o período no qual o
Finalmente, no final do Terciário, o
caráter da herpetofauna do Cerrado se
soerguimento epeirogênico do Planalto
definiu, primariamente como
Central Brasileiro promoveu uma
conseqüência da formação de um forte
compartimentação adicional da gradiente latitudinal de temperatura na
paisagem, com a formação de amplas América do Sul, da modernização da
depressões entre platôs, como as do Província Microfloral Mista, de eventos
Guaporé, Pantanal, Araguaia e Tocantins de vicariância promovidos por uma
(Brasil & Alvarenga, 1989; Del’Arco & grande transgressão marinha e pelo
Bezerra, 1989). Antes desse evento, deve soerguimento do Planalto Central
ter existido um franco intercâmbio entre Brasileiro e, finalmente, pela chegada de
as biotas de paisagens abertas, desde o imigrantes das Américas Central e do
sul até o nordeste da América do Sul. O Norte. Essa visão é corroborada por

252
Origem e diversificação da Herpetofauna

Heyer and Maxson (1982) que, baseados presumivelmente foram isoladas por
em dados imunológicos, indicaram que florestas (Harley, 1988). Entretanto, o
boa parte da diversificação do grupo impacto dos ciclos climáticos do
fuscus do gênero Leptodactylus, típico de Quaternário na diversificação da biota
paisagens abertas, ocorreu no Terciário, sul-americana tem sido superestimado
com alguns eventos de especiação tendo (Lynch, 1988; Colli, 1996).
ocorrido tão cedo quanto o Eoceno.

A característica mais significativa do UMA ANÁLISE BIOGEOGRÁFICA


Quaternário na América do Sul são ciclos
alternados de aridez e umidade, O cenário delineado implica que os
associados com períodos glaciais e principais eventos de vicariância que
interglaciais das zonas temperadas, afetaram a herpetofauna sul-americana,
respectivamente (vide revisões em em geral, e do Cerrado, em particular,
Prance, 1982; Whitmore & Prance, 1987). são os seguintes. Em primeiro lugar, a
Esses ciclos climáticos causaram diferenciação climática latitudinal e a
retrações e expansões de florestas e formação de províncias florísticas ao
vegetações abertas (Van der Hammen, final do Cretáceo e início do Terciário
1974; Absy & Van der Hammen, 1976; criaram uma dicotomia entre espécies de
Van der Hammen & Absy, 1994), paisagens abertas, sob climas
presumivelmente promovendo espe- temperados e secos, versus espécies de
ciação alopátrica em enclaves de floresta, paisagens florestais, sob climas tropicais
durante períodos secos, e em enclaves e úmidos. Em segundo lugar, a
de savanas, durante períodos úmidos. herpetofauna foi subdividida pela
Essa “Hipótese dos Refúgios Pleis- formação da Cordilheira dos Andes a
tocênicos” se tornou tão popular, que partir do Oligoceno, resultando na
diversos autores a utilizaram, de forma divergência de elementos cis versus trans-
pouco crítica, para explicar seus dados Andeanos. Depois, a grande transgressão
(diversos exemplos em Duellman, 1979). marinha do Mioceno promoveu uma
Inquestionavelmente, ciclos climáticos maior diferenciação entre a herpetofauna
do Quaternário promoveram alguma do Planalto Central Brasileiro em relação
especiação na herpetofauna do Cerrado. à do sul do continente. Em seguida, o
Por exemplo, o isolamento em enclaves soerguimento do Planalto Central
atuais de vegetação aberta aparen- Brasileiro estimulou a diversificação da
temente resultou na diferenciação de herpetofauna do Cerrado, entre
espécies de Tropidurus em Rondônia e elementos dos platôs versus das
na Serra do Cachimbo (Vanzolini, 1986; depressões interplanálticas. Finalmente,
Rodrigues, 1987; Vitt, 1993), ambas as flutuações climáticas no Quaternário
regiões situadas na borda meridional da promoveram mais especiação, princi-
Floresta Amazônica. Ainda, diversos palmente em enclaves de vegetação nas
endêmicos do Cerrado na Serra do regiões de contato entre o Cerrado e as
Espinhaço, como Eurolophosaurus Florestas Amazônica e Atlântica. A esses
nanuzae (Rodrigues, 1981), Hyla eventos de vicariância, há que se
cipoensis (Haddad et al., 1988) e H. acrescentar o enriquecimento adicional
saxicola (Pombal & Caramaschi, 1995), da herpetofauna de paisagens abertas,
podem também ter se originado pelo incluindo o Cerrado, pela chegada de
isolamento durante máximos de imigrantes das Américas Central e do
umidade, quando essas áreas Norte. Essa seqüência de eventos

253
Colli

presumivelmente deixou suas marcas, Chaco, Llanos, e Patagônia (Tabela 1), e


seja na composição atual da analisada a matriz resultante com o
herpetofauna dos biomas, seja nas método de Análise de Parsimônia de
filogenenias dos clados sul-americanos, Endemismos – APE (Rosen, 1988, 1992;
o que pode ser verificado através de Morrone et al., 1994). Esse método
análises biogeográficas. considera áreas como táxons e
ocorrências de espécies (presenças-
Os estudos anteriores que
ausências) como caracteres, submetendo
investigaram de forma quantitativa as
os dados a uma análise de parsimônia.
relações entre áreas da Região
Assim, a ocorrência de um mesmo táxon
Neotropical, baseados na herpetofauna,
em diferentes áreas é considerada como
focalizaram principalmente a floresta
evidência de uma história compartilhada
pluvial (e.g., Duellman, 1990; Donnelly,
entre as mesmas, tendo a distribuição
1994; Guyer, 1994; Ávila-Pires, 1995;
resultado da ausência de especiação
Ron, 2000; Azevedo-Ramos & Galatti,
quando as áreas se separaram. Nessa
2002). Silva and Sites (1995) analisaram
análise, eventos de dispersão ou extinção
as relações entre localidades neotropicais
são considerados como homoplasias.
baseados na composição de suas
Ávila-Pires (1995) e Ron (2000) utili-
herpetofaunas, utilizando o coeficiente
zaram a APE em análises biogeográficas
de similaridade de Jaccard e UPGMA.
da herpetofauna neotropical, mas se
Eles incluíram duas localidades do
concentraram em áreas florestais.
Cerrado e uma da Caatinga, concluindo
que as herpetofaunas desses dois biomas Uma vez que houve preocupação,
são mais similares entre si do que com especialmente, com as relações históricas
qualquer outro bioma florestal da Região entre localidades de vegetação aberta e
Neotropical. Com poucas exceções, a para não ter que postular um ancestral
maioria desses estudos se baseou em hipotético destituído de táxons
métodos de distâncias para obter (enraizamento de Lundberg), utilizei
dendrogramas indicativos de relações foram utilizadas três localidades da
entre áreas. Diversas dificuldades, América Central (Barro Colorado,
entretanto, existem com essa classe de Chinajá, e La Selva) como grupos
métodos, incluindo a subjetividade na externos, para enraizar os cladogramas
seleção das medidas de distância (ou de áreas resultantes (Watrous & Wheeler,
similaridade) e do algoritmo de agru- 1981). A matriz foi analisada com o
pamento, o significado de “distância”, a
programa PAUP v. 4.0b10 (Swofford,
falta de aditividade, a perda de
1999) com as seguintes configurações:
informação durante a conversão de
critério de otimização da parsimônia
dados brutos para distâncias e a não-
máxima, todos os caracteres não-
consideração da história dos táxons
ordenados e com pesos iguais, ausências
(Ridley, 1986; Rosen, 1988; Brooks &
codificadas como zeros, busca
McLennan, 1991; Humphries & Parenti,
heurística, cladogramas iniciais obtidos
1999).
por adição passo-a-passo, seqüência de
Para contornar algumas dessas adição simples, um cladograma retido a
dificuldades, foi reunido um conjunto de cada passo e algoritmo TBR (tree-
dados de ocorrências de 213 espécies de bisection-reconnection) de troca de
lagartos provenientes de 32 localidades ramos. Para determinar o suporte de
neotropicais, incluindo 19 localidades de clados individuais utilizei uma análise
biomas abertos Caatinga, Cerrado, de decaimento tradicional ou suporte de

254
Origem e diversificação da Herpetafauna
Herpetofauna

Tabela 1. Matriz utilizada na análise de parsimônia de endemismos baseada


na distribuição de 213 espécies de lagartos em 32 localidades
neotropicais

255
Colli
Colli

Tabela 1. Matriz utilizada na análise de parsimônia de endemismos


baseada na distribuição de 213 espécies de lagartos em 32
localidades neotropicais (continuação)

Nota: O indica ausências, enquanto que 1 indica presença. As espécies são as seguintes: 1. Alopoglossus angulatus,
2. A. atriventris, 3. A. buckleyi, 4. A. carinicaudatus, 5. Ameiva ameiva, 6. A. festiva, 7. A. leptophrys,
8. A. quadrilineata, 9. Anolis auratus, 10. A. biporcatus, 11. A. bombiceps, 12. A. capito, 13. A. carpenteri,
14. A. chrysolepis, 15. A. frenatus, 16. A. fuscoauratus, 17. A. humilis, 18. A. lemurinus, 19. A. limifrons,
20. A. lionotus, 21. A. meridionalis, 22. A. ortonii, 23. A. pentaprion, 24. A. philopunctatus, 25. A.
poecilopus, 26. A. punctatus, 27. A. sericeus, 28. A. gr. fuscoauratus, 29. A. trachyderma, 30. A. transversalis,
31. A. tropidogaster, 32. A. vittigerus, 33. Arthrosaura kockii, 34. A. reticulata, 35. Bachia bresslaui, 36.
B. cophias, 37. B. panoplia, 38. Bachia sp., 39. B. trisanale, 40. Basiliscus basiliscus, 41. B. plumifrons,
42. B. vittatus, 43. Briba brasiliana, 44. Caliptommatus leiolepis, 45. C. nicterus, 46. C. sinebrachiatus,
47. Celestus rozellae, 48. C. hylaius, 49. Cercosaura ocellata, 50. Cnemidophorus cryptus, 51. C. gramivagus,
52. C. lemniscatus, 53. C. longicaudus, 54. C. ocellifer, 55. Cnemidophorus sp., 56. Coleodactylus
amazonicus, 57. C. brachystoma, 58. C. meridionalis, 59. Colobosaura mentalis, 60. C. modesta, 61.
Corytophanes cristatus, 62. Crocodilurus lacertinus, 63. Ctenoblepharys donosobarrosi, 64. Diploglossus
bilobatus, 65. D. fasciatus, 66. D. lessonae, 67. D. monotropis, 68. Diplolaemus bibronii, 69. D. darwinii,
70. D. leopardinus, 71. Dracaena guianensis, 72. D. paraguayensis, 73. Enyalioides cofanorum, 74. E.
laticeps, 75. Enyalius bilineatus, 76. E. iheringii, 77. E. leechii, 78. Eumeces schwartzei, 79. E. sumichrasti,
80. Gonatodes albogularis, 81. G. concinnatus, 82. G. eladioi, 83. G. hasemani, 84. G. humeralis, 85.
Gymnodactylus geckoides, 86. G. speciosus, 87. Hemidactylus agrius, 88. H. frenatus, 89. H. mabouia, 90.
H. palaichthus, 91. Homonota borelli, 92. H. darwinii, 93. H. fasciata, 94. H. horrida, 95. Hoplocercus
spinosus, 96. Iguana iguana, 97. Iphisa elegans, 98. Kentropyx altamazonica, 99. K. calcarata, 100. K.
paulensis, 101. K. pelviceps, 102. K. striata, 103. K. viridistriga, 104. Laemanctus longipes, 105. Leiosaurus
bellii, 106. Lepidoblepharis festae, 107. L. heyerorum, 108. L. sanctaemartae, 109. L. xanthostigma, 110.
Lepidophyma flavimaculatum, 111. Leposoma guianense, 112. L. parietale, 113. L. pericarinatum, 114. L.
southi, 115. Liolaemus archeforus, 116. L. austromendocinus, 117. L. bibronii, 118. L. boulengeri, 119. L.
buergeri, 120. L. ceii, 121. L. chacoensis, 122. L. chiliensis, 123. L. darwinii, 124. L. elongatus, 125. L.
fitzingeri, 126. L. gracilis, 127. L. kingii, 128. L. kriegi, 129. L. lineomaculatus, 130. L. magellanicus,
131. L. rothi, 132. L. ruizleali, 133. L. tenuis, 134. L. wiegmannii, 135. Lygodactylus klugei, 136. L.
wetzeli, 137. Mabuya bistriata, 138. M. dorsivittata, 139. M. frenata, 140. M. guaporicola, 141. M. heathi,
142. M. nigropunctata, 143. M. unimarginata, 144. Micrablepharus atticolus, 145. M. maximiliani, 146.
Neusticurus bicarinatus, 147. N. ecpleopus, 148. Notobachia ablephara, 149. Ophiodes intermedius, 150.
O. striatus, 151. Pantodactylus schreibersii, 152. Phyllodactylus ventralis, 153. Phyllopezus pollicaris, 154.

256
256
Origem e diversificação da Herpetofauna

Bremer, que determina o número de abertos, com exceção da Serra do Japi,


passos adicionais necessários para que uma localidade da Floresta Atlântica, que
um determinado clado desapareça do mostrou mais parentesco com
consenso estrito de cladogramas localidades do Cerrado, Chaco e
subótimos (Bremer, 1994). Considerou- Patagônia (Figura 1). Esse resultado está
se, de forma arbitrária, clados com índice de acordo com a previsão feita
de decaimento igual ou superior a cinco anteriormente, de que a primeira
como “robustos”. divergência biogeográfica na
herpetofauna sul-americana produziu
A APE produziu nove cladogramas
dois conjuntos de espécies, um de
mais parsimoniosos de igual
paisagens abertas e outro de paisagens
comprimento (comprimento = 312,
florestais. A estreita relação entre a Serra
índice de consistência = 0,68, índice de
do Japi com localidades de biomas
retenção = 0,77). O cladograma de
abertos possivelmente resultou da
consenso estrito mostra que todas as
presença de enclaves de vegetação aberta
localidades formam clados coincidentes
na região, da grande proximidade dessa
com os biomas das quais são
localidade ao Cerrado e,
provenientes, sugerindo que a
presumivelmente, de conexões históricas
compartimentação da herpetofauna em
entre essa localidade e o Cerrado durante
biomas é natural e que a classificação
flutuações climáticas do Quaternário
dos biomas é adequada (Figura 1).
(Ab’Saber, 1992; Leitão-Filho, 1992).
Entretanto, o suporte para os biomas
Entretanto, o grau de suporte para esse
Caatinga, Cerrado e Chaco, revelado pelo
posicionamento foi extremamente baixo
índice de decaimento, foi apenas
(Figura 1).
moderado. A dicotomia basal no grupo
interno representa localidades de biomas As localidades amazônicas
florestais versus localidades de biomas formaram um grupo monofilético com

Nota - continuação

Phymaturus palluma, 155. P. patagonicus, 156. Polychrus acutirostris, 157. P. gutturosus, 158. P.
marmoratus, 159. Prionodactylus argulus, 160. P. eigenmanni, 161. P. manicatus, 162. P. oshaughnessyi,
163. Prionodactylus sp., 164. Pristidactylus fasciatus, 165. Procellosaurinus erythrocercus, 166. P.
tetradactylus, 167. Proctotretus pectinatus, 168. Pseudogonatodes guianensis, 169. Pseudogonatodes sp.,
170. Psilophthalmus paeminosus, 171. Ptychoglossus brevifrontalis, 172. Sphaerodactylus homolepis,
173. S. lineolatus, 174. S. millipunctatus, 175. Sphenomorphus cherriei, 176. Stenocercus aculeatus, 177.
S. caducus, 178. S. doellojuradoi, 179. S. roseiventris, 180. Stenocercus sp., 181. Teius teyou, 182.
Thecadactylus rapicaudus, 183. Tretioscintus agilis, 184. Tropidurus amathites, 185. T. azureum, 186. T.
cocorobensis, 187. T. divaricatus, 188. T. erythrocephalus, 189. T. etheridgei, 190. T. flaviceps, 191. T.
guarany, 192. T. hispidus, 193. T. itambere, 194. T. montanus, 195. T. oreadicus, 196. T. pinima, 197. T.
plica, 198. T. psammonastes, 199. T. semitaeniatus, 200. Tropidurus sp., 201. T. spinulosus, 202. T.
torquatus, 203. T. umbra, 204. Tupinambis duseni, 205. T. merianae, 206. T. quadrilineatus, 207. T.
rufescens, 208. T. teguixin, 209. Uranoscodon superciliosus, 210. Urostrophus gallardoi, 211. U. vautieri,
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Argentina (Cei, 1979); Tucuruí, Brasil (Silva & Sites, 1995); Vacaria, Brasil (Rodrigues, 1996).

257
Colli

alto grau de suporte e se dividiram em Llanos do que com a do Cerrado, Chaco


dois grupos, um da Amazônia Ocidental e Patagônia. Ainda, o cladograma de
e outro da Amazônia Oriental, ambos consenso estrito indica que a
com moderado grau de suporte (Figura herpetofauna do Cerrado compartilha
1). Essa divisão biogeográfica na uma história mais recente com a do
Amazônia já havia sido identificada em Chaco que com a de outros biomas
estudos anteriores com diversos abertos sul-americanos. Entretanto, o
organismos, incluindo anfíbios (Ron, grau de suporte para esses grupos de
2000), lagartos (Ávila-Pires, 1995; Ron, localidades de biomas abertos foi baixo,
2000), aves (Haffer, 1987) e primatas à exceção da Patagônia e dos Llanos
(Silva & Oren, 1996). Por outro lado, as (Figura 1).
localidades de biomas abertos (mais a
Serra do Japi) formaram um grupo
monofilético com baixo nível de suporte CONSIDERAÇÕES FINAIS
(Figura 1). Os resultados indicam que a
herpetofauna da Caatinga compartilha Os principais eventos que marcaram
uma história mais recente com a dos a diferenciação da herpetofauna do

Figura 1
Cladograma de áreas,
obtido através de
Análise de Parsimônia
de Endemismos de
213 espécies de
lagartos em 32
localidades
neotropicais.
Cladograma é o
consenso estrito de 9
cladogramas mais
parsimoniosos.
Números indicam
índice de decaimento
ou suporte de Bremer.

258
Origem e diversificação da Herpetofauna

Cerrado consistem do estabelecimento Parsimônia de Endemismos, corroboram


de um gradiente climático associado à a importância de alguns desses eventos.
formação de três províncias florísticas Muita ênfase tem sido dada a eventos
ao início do Terciário, a grande do Quaternário sobre a diferenciação da
transgressão marinha do Mioceno, o herpetofauna sul-americana, enquanto
soerguimento do Planalto Central e a que aparentemente o Terciário teve muito
chegada de imigrantes das Américas maior importância. Estudos sobre a
Central e do Norte ao final do Terciário paleontologia da herpetofauna sul-
e flutuações climáticas do Quaternário. americana, assim como sobre as relações
Parte dos padrões de distribuição da filogenéticas de grupos endêmicos, são
herpetofauna sul-americana, fundamentais para uma melhor
interpretados à luz de uma Análise de compreensão de sua gênese.

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263
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264
Solos e paisagem

Capítulo 15

FOTO: ANDREAS SOELTER


Pequenos
mamíferos de
Cerrado:
distribuição dos
gêneros e estrutura
das comunidades Emerson M. Vieira
Laboratório de Ecologia de Mamíferos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

nos diferentes UNISINOS


São Leopoldo, RS
Alexandre R. T. Palma

habitats. Universidade de Brasília


Brasília, DF

265
Colli

266
Origem e diversificação da Herpetofauna

precipitação pluviométrica relativamente


INTRODUÇÃO
alta, são características que favorecem o
O Cerrado originalmente cobria desenvolvimento de uma ampla gama
cerca de 2.000.000 km2 do Brasil central de adaptações por parte da fauna e,
(Ribeiro & Walter, 1998), estendendo-se conseqüentemente, alta riqueza das
de 6°S a 26°S (IBGE, 1993). Esse bioma comunidades animais (Dueser & Brown,
é formado por um conjunto de tipos de 1980; August, 1983). Por apresentar
habitats distintos, que variam em grau essas características, o Cerrado é uma
de cobertura arbórea desde áreas região com potencial para uma alta
completamente abertas, cobertas por diversidade faunística. De fato, para
vegetação graminóide (e. g. campo vários grupos animais o Cerrado é
limpo), passando por formações considerado uma região de fauna rica e
savânicas (e.g. cerrado sensu stricto) até diversificada (e. g. aves [Silva, 1995],
áreas com habitats florestais (e. g. anfíbios e répteis [Colli et al., 2002]).
floresta de galeria) (Eiten, 1993). As Para mamíferos, ocorrem no mínimo 159
transições entre esses subtipos podem espécies nesse bioma, sendo dessas 41
ser tanto graduais como abruptas (Eiten, roedores e 14 marsupiais (Fonseca et al.,
1993; Ribeiro & Walter, 1998). A 1996). As espécies dessas duas ordens
diversidade de espécies vegetais do são os componentes principais do grupo
Cerrado é reconhecidamente alta. dos pequenos mamíferos não-voadores.
Considerando-se apenas as formações Muitas das espécies são fieis a
savânicas, há mais de 2.500 espécies de determinadas características de habitat
plantas vasculares reconhecidas e podem ser fortemente influenciadas por
(Coutinho, 1990). Essas espécies estão alterações ambientais, como queimadas,
sujeitas a uma forte variação sazonal na fragmentação, substituição da vegetação
precipitação pluviométrica, com ciclos nativa por monoculturas, entre outras
anuais de seca e chuva bem definidos. perturbações (e.g Borchert & Hansen,
1983; Malcolm, 1997; Vieira, 1999)
Áreas com grande extensão
territorial, aliadas à alta heterogeneidade As origens biogeográficas dos
ambiental, alta diversidade vegetal e pequenos mamíferos de Cerrado, assim

267
Vieira & Palma

como de outros componentes da fauna de uma mesma área ou região. O


desse bioma podem variar. Como o Brasil presente estudo, apresenta uma análise
central é drenado em sua maior parte geral da ocorrência e distribuição de
por três bacias hidrográficas distintas: pequenos mamíferos (roedores e
Amazônica, Platina e do São Francisco, marsupiais) nos distintos tipos de habitat
sendo circundado por diversos tipos de existentes no Cerrado. Especificamente,
vegetação: Chaco ao sul, Caatinga ao foi analisada a riqueza associada a cada
nordeste, Floresta Amazônica ao norte- habitat e padrões gerais de distribuição
noroeste e Mata Atlântica ao leste- dos gêneros e associação desses às
sudeste, essa configuração permite distintas fisionomias de Cerrado.
múltiplas origens para os componentes
das comunidades do Cerrado, como já
foi sugerido para aves (Silva, 1995; 1996) METODOLOGIA
e plantas (Prado & Gibbs, 1993; Oliveira-
Filho & Ratter 1995; 2000). Para este estudo foram utilizados
alguns dados da literatura, outros não
Os fatores ecológicos e geográficos publicados dos próprios autores e outros
citados produzem variabilidade na também não publicados, mas
estrutura das comunidades, tanto entre disponibilizados por outros pesquisa-
habitats, como entre regiões. Estudos dores. Foram incluídas nas análises,
comparando comunidades em escala comunidades de pequenos mamíferos no
regional no Cerrado foram feitos com domínio do Cerrado, incluindo também
endemismos e afinidades biogeográficas matas de galeria, matas mesofíticas e
em aves (Silva 1995; 1996; 1997), habitats perturbados. Foram consi-
composição de comunidades de plantas derados apenas grupos regularmente
(Oliveira-Filho & Ratter, 1995; 2000; capturados com armadilhas conven-
Ratter et al., 1996), composição e cionais (Didelphidae, Echimyidae e
diversidade de comunidades de répteis Muridae), excluindo outros pequenos
e anfíbios (Colli et al., 2002). Especial- mamíferos raramente capturados (e. g.
mente para pequenos mamíferos, com Cavidae e Lagomorpha). Foram
exceção do estudo de Marinho-Filho et considerados apenas levantamentos com
al. (1994), que apresenta uma análise no mínimo 10 indivíduos capturados e
preliminar de variação na composição com um esforço de captura mínimo de
de comunidades de roedores e 500 armadilhas-noite, o que é o mínimo
marsupiais situadas em seis diferentes recomendado por Jones et al. (1996) para
áreas de Cerrado, não existem estudos inventariar um habitat. Seguindo estes
mais abrangentes sobre variação na critérios, 82 sítios (comunidades) em 17
composição de espécies e associação áreas foram incluídos na base de dados
destes aos diferentes habitats de Cerrado. (Figura 1, Apêndice I). Como sítio
Alguns estudos já demonstraram considerou-se uma grade ou linha de
claramente que há forte preferência de armadilhas e como área micro-bacias,
algumas espécies de pequenos unidades de conservação ou municípios.
mamíferos a determinados habitats (e.g. Sítios foram classificados pelo tipo
Alho et al., 1986; Mares et al., 1986; de habitat do local. Considerou-se como
Redford & Fonseca, 1986). Todos os habitats distintos, tipos de vegetação
trabalhos existentes, no entanto, foram com características edáficas e fisio-
feitos analisando somente comunidades nômicas bem distintas, seguindo as

268
Pequenos mamíferos

classificações propostas por Eiten (1993) pequenos mamíferos sul-americanos


e Ribeiro & Walter (1998), com (veja Kasahara & Yonenaga-Yassuda
modificações. As áreas foram 1984, Vivo 1996, Patton et al. 1997). Uma
classificadas de acordo com a formação vez analisadas as espécies com uma
florística regional apresentada por duas ampla gama de adaptações locomotoras
classificações: a do IBGE (1993), que é e alimentares (Fonseca et al., 1996),
um sistema de classificação altamente assumiu-se que espécies de um mesmo
dependente da fisionomia e das gênero têm requerimentos ecológicos
condições climáticas, e a classificação similares e representam variações de um
apresentada por Ratter et al. (1996), mesmo tipo funcional. Esta abordagem
baseada exclusivamente em critérios é a mesma seguida por Kaufman (1995)
florísticos. Os habitats considerados que sugeriu que padrões de distribuição
foram (ordenados em ordem crescente de macrotaxa refletem restrições do tipo
de cobertura vegetal): campo úmido e ecológico na distribuição geográfica e,
vereda, campo limpo, campo sujo, portanto na diversidade. Este autor se
campo cerrado, cerrado sensu stricto, refere a tipos funcionais como
cerradão, mata mesofítica, mata de “bauplans”.
galeria e mata ciliar.
Estimamos a α-diversidade de cada
Adotou-se o arranjo de espécies em habitat como a riqueza média de gêneros
gêneros de Wilson & Reeder (1993). Este nos sítios de determinado habitat. Essa
arranjo difere dos nomes de espécies riqueza de gêneros por sítio foi obtida
originalmente adotados em alguns por rarefação (n = 10 indivíduos – limite
estudos utilizados como base de dados. mínimo para inclusão na base de dados),
Para todas as comparações de usando o software BioDiversity Pro
composição de fauna foram usados (McAleece et al., 1997). Esses valores
gêneros como unidades taxonômicas de médios de riqueza de gêneros para cada
organização. Isto foi feito para evitar habitat foram relacionados com o grau
problemas e dúvidas sobre delimitação de cobertura arbórea dos habitats por
e distribuição de espécies, que ainda intermédio de uma regressão linear. Para
existem no conhecimento atual dos essa regressão ordenou-se os habitats

Figura 1
Mapa do Brasil
central com a
localização das áreas
amostradas.
Detalhes sobre as
áreas na Tabela 1.

269
Vieira & Palma

quanto à cobertura arbórea, atribuindo Foram utilizados os dados de


o valor 1 para as áreas mais abertas abundância relativa de gêneros em cada
(campo limpo, campo úmido e campo sítio para executar uma DCA (“Detrended
sujo), valor 2 para as áreas com alguma Correspondence Analysis”, ou Análise de
cobertura arbórea (campo cerrado), e Correspondência Não-tendenciada),
assim sucessivamente. usando o programa PC-ORD 4.0. Por
intermédio dessa análise podemos ver
Visando avaliar o quanto sítios de como os sítios se agrupam em função
um mesmo habitat eram similares em da composição da fauna e avaliar a
termos de composição de espécies importância relativa de cada gênero para
estimou-se a β-diversidade de cada as comunidades (Ter Braak, 1995).
habitat. Essa diversidade beta é Pudemos também, com essa análise,
essencialmente uma medida do quão visualizar a relação dos gêneros com os
diferentes (ou similares) são um tipos de habitat de Cerrado.
conjunto de comunidades em termos de
composição de espécies (Magurran,
1988). Para essas estimativas foi RESULTADOS
utilizado o Índice de Whittaker - bw: bw
Registramos no total a ocorrência de
= S/a - 1; onde S = riqueza de gêneros
28 gêneros de pequenos mamíferos em
total no conjunto de comunidades (total
Cerrado (Tabela 1). Os gêneros
de sítios) e a = riqueza média de gêneros
geralmente foram representados por
por comunidade (sítio). Esse índice é
apenas uma espécie nas comunidades
considerado simples e um dos mais
de Cerrado estudadas (razão espécies/
adequados para estimativas de
gêneros = 1,06 ± 0,10; valor máximo
similaridade entre sítios (Magurran,
= 1,33). Isto resulta numa forte
1988).
correlação entre riqueza de espécies e
Realizou-se também uma riqueza de gêneros (r = 0.969; p <
comparação da dissimilaridade entre 0.001; n = 82), de forma que pouca
pares de sítios e da distância geográfica informação sobre a diversidade é perdida
entre eles. Para estimar a dissimilaridade (R2 = 0,938) quando as comunidades
utilizou-se o índice de Czekanowski - D são analisadas em nível de gênero. Há
= 2Σ min(xA, xB) / Σ (xA + xB); sendo dependência entre riqueza de gêneros e
que xA = proporção de cada gênero na esforço de captura (r = 0.307; P = 0.005;
comunidade A e xB = proporção de cada N = 81), e entre riqueza de gêneros e
gênero na comunidade B. Esse índice número de indivíduos capturados (r =
fornece uma boa estimativa do quão 0.321; P = 0.004; N = 78), mas ambos
dissimilares são duas comunidades em os fatores explicam pequena proporção
relação à abundância relativa de cada da variabilidade da riqueza de gêneros
uma das espécies (ou gêneros, nesse (R 2 = 0,094 e R 2 = 0,103,
caso), que as compõem (Pielou, 1984). respectivamente). Nas comunidades
Esses valores calculados foram estudadas, os números modais de
correlacionados com a distância espécies e gêneros por comunidade
geográfica entre as áreas por meio do foram 5 e 4,5 respectivamente (Figura
teste de Mantel (Manly, 1986). 2). As diferenças entre comunidades
Considerou-se apenas as distâncias entre (Índice de Czekanowski) não mostraram
sítios de áreas diferentes. Distâncias entre correlação significativa com distância
sítios na mesma área foram consideradas geográfica (teste de Mantel, rm = -0,672;
zero. p = 0,406).

270
Pequenos mamíferos

Foi detectada uma correlação foram representados por espécies


significativa entre a abundância local dos simpátricas em várias áreas amostradas.
gêneros que ocorrem em Cerrado e a o Equimiídeos (Proechimys e Thrichomys)
número de sítios onde esses ocorreram
tenderam a ser restritos a poucos locais,
(r = 0,63, P < 0,05; Figura 3). A maioria
onde foram particularmente abundantes.
desses gêneros é de roedores murídeos.
Vários dos gêneros mais freqüentes ou Marsupiais tenderam a ser raros, com
abundantes (Akodon, Calomys, exceção dos gêneros Didelphis e
Oecomys, Oligoryzomys e Oryzomys) Gracilinanus.

Tabela 1. Gêneros de pequenos mamíferos encontrados nos


estudos realizados em Cerrado. Grupos taxonômicos
segundo Wilson e Reeder (1993), modo de
locomoção segundo Fonseca et al. (1996).

271
Vieira & Palma

Houve também uma relação 0.001; Figura 4). As áreas mais abertas
significativa entre a ordenação dos apresentaram uma menor riqueza média
habitats, por grau de cobertura arbórea, de espécies e as florestas de galeria
e a riqueza dos mesmos, estimada por apresentaram a maior riqueza média de
rarefação (r² = 0,85, g.l. = 80, P < espécies. As áreas de campo úmido, que

Figura 2
Número de gêneros
e espécies de
pequenos mamíferos
capturados em sítios
na região do
Cerrado.

Figura 3
Abundância relativa
média dos gêneros de
pequenos mamíferos
em função da
freqüência de
ocorrência (proporção
do número total de
sítios de Cerrado
estudados; N = 82).
Os gêneros mais
abundantes estão
indicados por códigos.
Os códigos dos
gêneros estão
explicados na Tabela 1.
Os códigos em negrito
indicam os gêneros de
marsupiais, códigos
sublinhados indicam os
gêneros de roedores
equimiídeos e todos os
outros indicam
roedores murídeos.

272
Pequenos mamíferos

Figura 4
Relação entre cada possuem algumas espécies típicas deste Cerrado estão alguns gêneros mais raros,
tipo de habitat e a tipo de formação (e. g. Oxymycterus como Eurizygomatomys, Wiedomys e
média dos índices de roberti) são mais ricas do que as outras Thylamys. O gênero Oxymycterus, por
riqueza (rarefação – sua vez está associado às áreas úmidas.
formações campestres (campo limpo e
eixo da esquerda) e a
diversidade beta para campo sujo). Quanto à β-diversidade Essas áreas estão posicionadas no centro
cada habitat (índice de (variação entre sítios), não houve um do gráfico, junto com as áreas
Whittaker - eixo da padrão aparente em relação à campestres secas. A grande maioria dos
direita). As barras de marsupiais está relacionada às formações
complexidade de vegetação. Os habitats
erro indicam o desvio florestais. Nessas formações parece não
padrão das médias. Os com maiores valores foram o cerrado s.s.
habitats foram e a mata de galeria (Figura 4). haver diferenças entre os gêneros que
ordenados de acordo ocorrem em matas mesofíticas e em
com o grau de Os resultados da DCA indicaram dois matas de galeria.
cobertura vegetal. eixos principais com maior relevância
CUMI = campo úmido biológica (autovalores de 0,895 e 0,757). Além dos marsupiais, os habitats
e vereda, CLCS = florestais possuem uma série de gêneros
campo limpo e campo Essa análise mostrou padrões claros de
sujo, CCER = campo associações de gêneros a determinados de Muridae estritamente associados aos
cerrado, CESS = tipos e habitat (Figura 5). Bolomys, mesmos (Figura 5). A posição central dos
cerrado sensu stricto, Thalpomys e Calomys são importantes gêneros Oryzomys e Oligoryzomys pode
CDÃO = cerradão, ser explicada por esses serem gêneros
MMES = mata em áreas de cerrado (s. l.). Também
mesofítica e MGAL = associadas às formações savânicas de poli-específicos, com espécies associadas
mata de galeria e mata
ciliar. As áreas úmidas
estão apresentadas
separadas das outras
formações abertas por
apresentarem
condições ambientais
características e fauna
diferenciada. No
entanto esses dois
habitats (CUMI e CLCS)
foram analisados em
conjunto para o cálculo
da regressão (ver
texto).

Figura 5
Resultados da Análise
de Correspondência
Não-tendenciada
(DCA) para os sítios
amostrados. Códigos
dos gêneros como na
Figura 3. A posição
dos códigos dos
gêneros indica sua
localização real ao
longo dos eixos,
exceto nos casos
onde as setas
indicam a localização
exata.

273
Vieira & Palma

a habitats mais abertos e espécies gêneros é um bom indicador da riqueza


ocupando habitats florestais. Entre os de espécies.
Echimyidae, dos quatro gêneros
Em abordagens utilizando gêneros
capturados nos estudos analisados, três
como unidades taxonômicas, perdem-se
grupos mostram preferências distintas de
detalhes da estrutura das comunidades,
habitat. O gráfico da DCA indica que
particularmente no caso de pares de
Clyomys está mais próximo de áreas mais
espécies congenéricas simpátricas como,
abertas, Thrichomys e Eurizygomatomys
por exemplo, os gêneros Akodon,
de habitats de cerrado s. l., e Proechimys
Oryzomys, Oligoryzomys, Oecomys,
a habitats florestais (Fig 5).
Calomys e Thalpomys, sendo que os três
primeiros possuem espécies simpátricas
especializadas em habitats diferentes.
DISCUSSÃO Quando todas as espécies de um mesmo
O presente estudo apresenta uma gênero ocupam habitats similares, como
comparação de dados provenientes de os três últimos citados, ou quando os
diferentes fontes. Os dados desses gêneros são mono-específicos, como a
estudos originais tinham diferenças maioria dos equimídeos, os padrões
intrínsecas, causadas principalmente por obtidos são mais facilmente
diferenças na amostragem das interpretáveis.
comunidades (tipo de isca, número, tipo Palma & Vieira (1997) e Vieira (1999)
e tamanho das armadilhas, estratos de apresentam uma análise de comunidades
vegetação amostrados). Embora essas de pequenos mamíferos de 40 locais em
diferenças possam causar uma variação Mata Atlântica e encontraram um
nos resultados que obtivemos, não é número modal de 11 espécies e nove
possível obter amostras representativas gêneros. As comunidades de Cerrado
de comunidades em ambientes tão apresentaram uma riqueza de espécies
distintos (e. g. campos e florestas) (moda = 5) e gêneros (moda 4,5) bem
usando uma metodologia única. Tais menor do que a encontrada na Mata
diferenças metodológicas limitam o uso Atlântica. Esses padrões eram esperados,
de métodos estatísticos e são inevitáveis pois o Cerrado engloba habitats mais
em estudos que comparam dados distintos com alta variação de
obtidos de diversos estudos. complexidade e heterogeneidade. August
Segundo Sarmiento (1983) “gêneros (1983) detectou uma relação significativa
são uma ferramenta de análise mais entre complexidade e heterogeneidade
adequada para proporcionar uma ambiental e riqueza de pequenos
perspectiva evolutiva mais ampla de mamíferos neotropicais. Os dados
mudanças e relações faunísticas.” Em um compilados nesse estudo indicam
estudo, como esse apresentado aqui, que claramente essa mesma relação para
aborda estrutura de comunidades de habitats de Cerrado. As matas de galeria
pequenos mamíferos em uma escala e ciliares foram os habitats com maior
geográfica tão ampla, não é possível α-diversidade, enquanto as áreas abertas
ainda usar espécies como unidades tiveram uma menor riqueza média de
taxonômicas. Grelle (2002) fez uma gêneros. Quanto à β-diversidade, não
análise geral de riqueza de mamíferos houve um padrão tão claro, pois áreas
neotropicais em diferentes níveis de mata de galeria e cerrado s. s.
taxonômicos e concluiu que riqueza de apresentaram uma maior diversidade

274
Pequenos mamíferos

entre sítios. Essa maior variação quanto Oligoryzomys, situados na região central
à composição das comunidades pode do gráfico da DCA, parecem ocorrer mais
reforçar a necessidade de preservação de freqüentemente nesses dois habitats
várias áreas com essas formações para distintos.
garantir a preservação de toda a
O tipo de habitat parece ser o
biodiversidade de pequenos mamíferos
principal fator determinante da estrutura
associada aos cerrados s.s. e matas de
das comunidades de pequenos
galeria.
mamíferos do Cerrado, onde essas
A ocorrência de roedores da comunidades podem ser divididas em
subfamília Murinae (Rattus spp.) foi três grupos: um primeiro formado por
limitada a poucos sítios (5%) e em baixa espécies savânicas (campos cerrados a
abundância, exceto em uma mata de cerrados densos), um segundo grupo,
galeria (sítio B35) próxima a casas e bastante distinto do primeiro, formado
ruínas. As capturas de Mus musculus em por espécies tipicamente florestais,
ambientes naturais do Cerrado também incluindo gêneros arborícolas (e. g.
são extremamente raras, ocorrendo em Rhipidomys, Micoureus), gêneros de
uma área recém-queimada (A. R. T. habitats semi-aquáticos (e.g. Nectomys)
Palma, obs. pess.). Isto demonstra que e alguns outros gêneros que, mesmo
no Cerrado estes animais têm sido sendo essencialmente cursoriais, são
capazes de invadir habitats naturais exclusivos de florestas (e.g. Proechimys).
apenas quando ocorre forte perturbação Pela análise dos resultados da DCA,
antrópica, como observado em outros pode-se identificar ainda um terceiro
locais (Fox, 1982; Soulé et al., 1991; E. grupo, intermediário, que ocorre em
M. Vieira, obs. pess.). áreas abertas, secas e úmidas. Essas
áreas geralmente estão situadas entre os
Com relação à distribuição dos ambientes savânicos e os florestais.
gêneros nos habitats de Cerrado, o Embora haja gêneros característicos
padrão de espécies arborícolas dessas áreas (e. g. Oxymycterus), nelas
concentradas em florestas é trivial, ocorrem também gêneros de habitats -
enquanto que a concentração de espécies generalistas (e.g. Oligoryzomys, Bolomys)
de didelfídeos em matas reflete um e gêneros mais comuns em outros
padrão que ocorre com a família em nível habitats, que eventualmente ocorrem em
continental, uma vez que a maioria dos ambientes vizinhos mais abertos, como
gêneros de didelfídeos é Gracilinanus e Nectomys. Com isso os
predominantemente florestal ou é habitats abertos se situaram em uma
euritópico (Emmons & Feer, 1990). As posição central no gráfico da DCA.
exceções são os gêneros Lestodelphis e
Thylamys (Nowak, 1991; Vieira & Palma, A correlação positiva entre
1996), que ocorrem predominantemente abundância local e distribuição
fora de florestas. No Cerrado Thylamys geográfica encontrada neste estudo
e também Monodelphis ocorrem em ocorre em vários grupos (ex.: Hanski,
áreas mais abertas. 1982). Os gêneros de pequenos
mamíferos do Cerrado formam um
Quanto aos roedores, pode-se continuum de algumas espécies
identificar uma dicotomia quanto à abundantes e de distribuição ampla
distribuição da maioria dos gêneros entre (Oryzomys, Bolomys, Oligoryzomys e
habitats florestais e habitats savânicos. Didelphis) a várias espécies raras
Somente dois gêneros, Oryzomys e presentes em poucos sítios. Os gêneros

275
Vieira & Palma

que foram relativamente abundantes, máximos em matas ciliares e de galeria,


porém com ocorrência relativamente seguidas pelas matas mesofíticas. As
restrita, foram aqueles geralmente comunidades de alguns habitats do
especialistas de habitat, como Cerrado, como as veredas, matas ciliares,
Oxymycterus (campo úmido), Akodon e matas mesofíticas e cerradões, foram até
Proechimys (ambientes florestais). hoje muito pouco amostradas. Esses
Proporcionalmente ao total de gêneros habitats, especialmente os dois últimos,
encontrados, houve relativamente já são naturalmente menos freqüentes e
poucos gêneros abundantes em várias associados a solos mais valorizados para
áreas e muitos restritos a poucos sítios. a agricultura. Dessa forma, levanta-
Esse padrão, aliado à alta β-diversidade mentos nas áreas remanescentes desses
entre habitats e mesmo entre sítios, tipos de vegetação deveriam ser
reforça a necessidade da existência de considerados prioritários, para um maior
várias áreas de proteção, em diferentes conhecimento da diversidade de
regiões do Cerrado, para conservação da pequenos mamíferos associada ao
diversidade geral desse bioma. Cerrado.
O presente levantamento dos A grande maioria dos levantamentos
trabalhos publicados em Cerrado indicou feitos até hoje foi realizada na região sul
que a mata de galeria e o cerrado (s. s.) e central da distribuição do bioma do
foram os habitats melhor amostrados em Cerrado. Algumas regiões do Cerrado
termos de comunidades de pequenos representam grandes lacunas quanto ao
mamíferos. Outros habitats, porém, conhecimento da simples ocorrência de
carecem de amostragens representativas, espécies de pequenos mamíferos. Essas
particularmente a vereda, não associada regiões, que devem ser consideradas
com mata, a mata ciliar, a mata prioritárias para o levantamento da sua
mesofítica e o cerradão. Essa necessidade mastofauna associada, incluem toda a
é especialmente crítica para a mata ciliar, metade norte do Cerrado, Mato Grosso,
por sua alta α-diversidade e para a mata Mato Grosso do Sul e manchas de
mesofítica, por sua diversidade Cerrado na Amazônia.
fisionômica (Ribeiro & Walter 1998), cuja
influência sobre as comunidades de Embora ainda haja lacunas a serem
pequenos mamíferos é ainda des- preenchidas no conhecimento, a
conhecida. associação das espécies de roedores e
marsupiais aos diversos habitats de
Cerrado é hoje razoavelmente bem
conhecida. No entanto, padrões de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
associação de espécies e características
As comunidades de pequenos mais finas do habitat (microhabitat)
mamíferos do Cerrado podem ser ainda são escassos, especialmente para
divididas em três conjuntos segundo sua as espécies de ambientes florestais. Além
composição: comunidades em florestas, disso, faltam ainda, para o Cerrado,
comunidades em áreas abertas (secas ou estudos que analisem padrões de
úmidas) e comunidades em habitats composição de comunidade e potenciais
mésicos savânicos (cerrados com fatores que possam influenciar a
diferentes graus de cobertura arbórea). estrutura das mesmas, na linha dos
A riqueza de espécies de pequenos estudos já realizados para comunidades
mamíferos no Cerrado atinge valores de roedores australianos (Fox, 1989),

276
Pequenos mamíferos

norte-americanos (Fox & Brown, 1993) por ARTP, enquanto ele era bolsista de
e chilenos (Kelt, 1996). doutorado do CNPq no curso de Pós-
Graduação em Ecologia da Universidade
de Brasília. Agradecemos aos colegas que
AGRADECIMENTOS permitiram a inclusão de dados não
publicados nas análises deste trabalho
Agradecemos aos organizadores, (veja apêndice I): M. Prada, F. M. Diniz,
Aldicir Scariot, Jeanine M. Felfili e José D. C. Briani e R. G. Gonçalves. Versões
Carlos Sousa-Silva por viabilizar a iniciais desse capítulo foram revisadas e
publicação deste livro e possibilitar a receberam sugestões de Ludmilla Aguiar
nossa participação no mesmo. Parte dos e um revisor anônimo, os quais em muito
dados que utilizamos foram coletados melhoraram a versão final.

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280
Pequenos mamíferos

Apêndice I Características dos locais e habitats amostrados. Os locais são indicados


por letras (áreas) e números (sítios dentro das áreas).

281
Vieira
Vieira &
& Palma
Palma

Apêndice I (cont.)

282
Solos e paisagem

FOTO: GERALDO W. FERNANDES


Capítulo 16

Biodiversidade
de insetos
galhadores no G. Wilson Fernandes
Silmary J. Gonçalves-Alvim
Ecologia Evolutiva de Herbívoros Tropicais/DBG,

Cerrado Universidade Federal de Minas Gerais


Belo Horizonte, MG

283
Fernandes & Gonçalves-Alvim

284
Insetos galhadores

INTRODUÇÃO radiação em ambientes áridos e pobres


em nutrientes, já que galhas estão
Estudos sobre padrões de comumente associadas a plantas
distribuição e diversidade de insetos esclerófilas. Estas apresentam folhas com
herbívoros têm indicado que insetos alto conteúdo de compostos fenólicos e
galhadores não se enquadram na baixos teores de nutrientes (Sobrado &
hipótese do gradiente latitudinal, que Medina, 1980; Fernandes & Price, 1991).
prevê maior riqueza de espécies com a Devido às restrições nutricionais,
diminuição da latitude (Price et al., químicas e filogenéticas, plantas
1998). Ao contrário da maioria dos esclerófilas dificultam a sua utilização
grupos estudados, os insetos galhadores por herbívoros de vida livre (Coley, 1983,
apresentam maior riqueza em latitudes 1987; Coley & Aide, 1991; Ribeiro et al.,
intermediárias, em habitats quentes e 1998). Todavia, a esclerofilia não
com vegetação esclerófila do tipo funciona como barreira para a
mediterrâneo. Este tipo de vegetação colonização de insetos galhadores. Por
inclui o ‘chaparral’ (Estados Unidos), serem previsíveis no espaço e no tempo,
‘fynbos’(África do Sul) e a maioria das a utilização de plantas esclerófilas
fitofisionomias do Bioma Cerrado aumenta a probabilidade de colonização
(Brasil). Estes ambientes são e sobrevivência da prole (Fernandes et
caracterizados por alta incidência de al., 1994). Além disso, os nutrientes
radiação solar, disponibilidade irregular podem ser manipulados para se
de água, baixo teor de nutrientes no solo concentrarem no tecido do qual a larva
e estão sujeitos a queimadas constantes se alimenta, representando ainda um
durante a estação seca (Eiten, 1972; Ferri, espaço livre de inimigos naturais, como
1977; Goodland & Ferri, 1979; Silva et predadores e patógenos (Fernandes &
al., 1986; Secco & Lobo, 1988; Silva & Price, 1988, 1991).
Rosa, 1990; Silva et al., 1996).
O conhecimento da riqueza de
Segundo Fernandes & Price (1991, insetos galhadores e flora associada, em
1992), insetos galhadores provavelmente ecossistemas tropicais, é importante para
tiveram taxas maiores de especiação e o entendimento e determinação de

285
Fernandes & Gonçalves-Alvim

padrões globais de distribuição deste hospedeiras corrobora o padrão


grupo de herbívoros. Entretanto, poucos observado em outros estudos (Mani,
estudos têm sido realizados nas regiões 1964; Gagné, 1989; Fernandes, 1987;
tropicais enfocando este aspecto. No Fernandes et al., 1994; Lara & Fernandes,
Brasil, estes estudos foram iniciados por 1996; Wright & Samway, 1998), que
Tavares (1915, 1917a e b, 1922) e apontam os Cecidomyiidae como o
importantes contribuições foram dadas grupo mais bem representado em todas
posteriormente por Fernandes et al. as regiões biogeográficas. Além disso,
(1988, 1995, 1996, 1997), Maia & Leguminosae, Asteraceae, Myrtaceae e
Monteiro (1999), Maia (2001) e Maia & Malpighiaceae são indicadas como as
Fernandes 2004. Assim, neste capítulo mais ricas famílias em fauna de insetos
serão abordados os mecanismos galhadores na América do Sul
envolvidos na determinação da (Fernandes, 1987, 1992; Fernandes et al.,
biodiversidade dos insetos galhadores na 1988).
vegetação do Cerrado, contribuindo para
Aproximadamente 125 espécies
a obtenção de dados ecológicos que
(morfotipos) de insetos galhadores em
auxiliem estudos biogeográficos e de
31 famílias de plantas e 84 espécies
conservação deste Bioma.
vegetais foram encontradas em quatro
fisionomias do Cerrado, em Minas Gerais
(Gonçalves-Alvim & Fernandes, 2001a e
PADRÕES DE RIQUEZA DE INSETOS
b). Leguminosae, Myrtaceae, Malpi-
GALHADORES E PLANTAS
ghiaceae e Asteraceae, Erythro-
HOSPEDEIRAS xylaceae, Bignoniaceae e Malvaceae
Os levantamentos de riqueza de englobaram cerca de 65% das espécies
insetos galhadores realizados em quatro de plantas hospedeiras e apresentaram
localidades no sudeste do Brasil estão 70% das espécies de galhadores
apresentados no Quadro 1. Nesses amostrados (Tabela 1). A maior riqueza
levantamentos foram realizadas coletas de insetos galhadores foi observada no
ao longo de transectos com 10 metros cerrado sensu stricto (com um total de
de largura e comprimento definido de 50 espécies), seguido de canga (33
acordo com o número dos diferentes espécies), campo sujo (29 espécies) e
tipos arquitetônicos observados, cerradão (23 espécies).
totalizando 1.000 ervas, 100 arbustos e Comparada a de outros ecossistemas
45 árvores em cada transecto (Fernandes investigados, a fauna de insetos
& Price, 1988) ou através de três galhadores no Cerrado é uma das mais
caminhadas aleatórias de uma hora em ricas do mundo (veja Lara & Fernandes,
cada ponto de amostragem (Price et al., 1996). Wright & Samway (1998)
1986). Esses métodos de amostragem de observaram menos de 25 espécies de
galhadores são amplamente conhecidos galhadores nos “fynbos”, na África do
e têm sido utilizados em inúmeros Sul. Blanche (2000) coletou cerca de 30
trabalhos, permitindo comparações entre espécies de galhadores ao longo de um
comunidades de galhadores em gradiente de precipitação nas savanas
diferentes partes do mundo (veja Price australianas, enquanto Fernandes et al.
et al., 1998). (2002) encontraram 29 espécies de
A distribuição de insetos galhadores insetos galhadores, em cinco áreas do
entre os grupos de insetos e de plantas Chaco central na Argentina. Mesmo no

286
Insetos galhadores

Tabela 1. Distribuição do número de espécies de insetos galhadores e de


espécies vegetais (total e com galhas) nas famílias de plantas
predominantes no cerradão, cerrado sensu stricto, campo sujo e
canga, no sudeste do Brasil.

287
287
Fernandes & Gonçalves-Alvim

Brasil, em áreas de habitats úmidos, do Cipó, em diferentes altitudes,


como Pantanal e Floresta Amazônica, o demonstraram que há menores taxas de
número de espécies de insetos mortalidade de galhadores causadas por
galhadores foi menor, 133 e 52 espécies, inimigos naturais em habitats xéricos,
respectivamente (Julião et al., 2002; ou seja, estressados higrotérmica e
Yukawa, 2001), quando comparado, por nutricionalmente (Fernandes & Price,
exemplo, às 236 espécies encontradas no 1991, 1992, Ribeiro–Mendes et al., 2002).
Vale do Jequitinhonha (Quadro 1). Nestes ambientes, temperaturas elevadas
favoreceriam o aumento do teor de
Gonçalves-Alvim & Fernandes compostos fenólicos, aumentando a
(2001a) observaram ainda que sete resistência da planta à invasão de
espécies de insetos galhadores foram patógenos e diminuindo a mortalidade
comuns ao cerrado sensu stricto e campo de galhadores causada por estes
sujo, enquanto apenas duas espécies organismos. A pressão seletiva exercida
foram compartilhadas pelo cerrado sensu sobre a capacidade de resposta das
stricto e cerradão. Apesar de uma maior plantas ao ataque de galhadores, como
semelhança entre as áreas de campo mecanismos de hipersensitividade, seria
sujo, cerrado sensu stricto e cerradão, também menor em habitats xéricos que
que não apresentaram nenhuma espécie em mésicos (Fernandes et al., 1994).
de galhador em comum com as das áreas Além disso, a preferência da fêmea do
de canga, observou-se pouca inseto galhador e o aumento da
similaridade entre todas as áreas performance larval em plantas
amostradas. Isto evidencia que uma hospedeiras em habitats estressados
baixa similaridade florística entre
Tabela 2. Matriz de similaridade
fisionomias (Tabela 2), acompanhada da florística (índice de
alta diversidade de insetos galhadores, Sorensen) entre as
fisionomias de vegetação
pode ser comum no Cerrado. amostradas (Cg = canga,
Cs = campo sujo, Ce =
cerrado sensu stricto, Cr =
MECANISMOS QUE FAVORECEM O cerradão), no sudeste do
Brasil.
AUMENTO DA RIQUEZA DE
INSETOS GALHADORES NO
CERRADO
Estudos realizados no deserto do
Arizona e nos campos rupestres da Serra

Quadro 1. Levantamentos de insetos galhadores e plantas hospedeiras em


áreas de Cerrado, em Minas Gerais.

288
Insetos galhadores

foram também observados por < 0,05] (Gonçalves-Alvim & Fernandes,


Fernandes & Price (1988), reforçando o 2001a). Este resultado pode estar
padrão de maior sucesso de galhadores relacionado a alguns atributos presentes
em habitats xéricos. neste grupo, tornando as leguminosas
adequadas à colonização por insetos
Entre os fatores que influenciam a
galhadores. Por exemplo, a maioria das
riqueza de insetos galhadores, em
espécies amostradas é de árvores e
diferentes fisionomias do Cerrado, estão
arbustos, com maior complexidade
a riqueza de espécies de Leguminosae e
estrutural e diversidade de nichos, o que
a baixa fertilidade do solo (Gonçalves-
possibilitaria a manutenção de maior
Alvim & Fernandes, 2001a; Figura 1).
riqueza de galhadores. Em geral,
Diferentemente da Austrália, onde a
espécies de Leguminosae não acumulam
riqueza de galhadores em Myrtaceae é
alumínio e apresentam associações com
que determina o padrão de distribuição
bactérias nitrificantes (Haridasan, 1982),
de espécies de insetos galhadores
implicando em diferentes estratégias
(Blanche, 1994), Leguminosae, uma
fisiológicas, que também poderiam
família numerosa e de distribuição ampla
favorecer a nutrição de insetos
no Brasil (Barroso, 1991), foi a que mais
galhadores no Cerrado.
se destacou nos levantamentos
realizados no Cerrado (Quadro 1). Além Dentre as variáveis investigadas no
disso, a riqueza de espécies de solo, Gonçalves-Alvim & Fernandes
Leguminosae explicou 43% da variação (2001a) observaram que a riqueza de
no número de espécies de insetos galhadores correlacionou-se negativa-
galhadores em quatro fisionomias do mente com o conteúdo de magnésio,
Cerrado em Minas Gerais [Log(y +1) = potássio, fósforo, matéria orgânica e a
1,45 + 0,388x; r² = 0,43; F1,11 = 7,40; p capacidade total de troca de cátions

Figura 1
Influência da
riqueza de
espécies de
Leguminosae, do
conteúdo de
nutrientes (MO, P,
K, Mg e Fe) e da
capacidade total
de troca de catíons
(CTC) do solo
sobre a riqueza de
insetos galhadores
(índices de
correlação de
PearsonP e
SpearmanS).

289
Fernandes & Gonçalves-Alvim

(CTC) (Fig. 1). Entretanto, houve um galhadores seria exercida pelo ataque de
aumento da riqueza de galhadores com parasitóides (como os microhime-
o aumento no conteúdo de ferro, que em nópteros), pois grande parte das galhas
níveis elevados é prejudicial ao de Cecidomyiidae é atacada por este
desenvolvimento da vegetação (Ferri, grupo de insetos (Maia, 2001). Portanto,
1985). O conteúdo destes nutrientes e a este conjunto de características (cenário
CTC explicaram 72% da variação ambiental) seria responsável pelo
observada na riqueza de galhadores nas sucesso evolutivo de insetos galhadores
fisionomias estudadas (y = 1,22 - nas plantas esclerófilas do Cerrado, com
0,043Mg - 0,162K + 0,00326Fe - a ação de predadores e patógenos sobre
0,0199CTC; r² = 0,72; F4,11 = 4,47; p < os insetos galhadores sendo menos
0,05), corroborando a hipótese de efetiva em ambientes mais estressados
Fernandes & Price (1991) de que plantas (Fernandes & Price, 1988, 1991, 1992;
mediam o efeito do estresse abiótico (i.e., Fernandes et al., 1994; Price et al., 1998;
deficiência de água e de nutrientes Ribeiro et al., 1998).
essenciais no solo) na riqueza de insetos
galhadores.

Em ambientes estressados nutricio- CONSIDERAÇÕES FINAIS


nalmente, as plantas desenvolveriam A baixa similaridade tanto de
mecanismos de tolerância à menor espécies vegetais hospedeiras quanto de
disponibilidade de nutrientes e, como insetos galhadores, entre as diferentes
conseqüência, apresentariam esclerofilia fisionomias no Cerrado, evidencia que
(devido principalmente à estocagem, em a presença de espécies raras deve ser
excesso, de carboidratos e lipídios e à comum no Cerrado. Segundo Myers et
baixa produção de proteínas; Goodland, al. (2000), os cerrados brasileiros
1971), folhas e caules grossos e alta constituem uma das 25 regiões do
concentração de compostos de defesa mundo com maior biodiversidade e,
nos tecidos (e.g., glicosídeos ciano- portanto, prioritárias para conservação
gênicos, alcalóides, compostos fenólicos (“hotspots”). Entretanto, os grupos
e terpernóides) (Fernandes & Price, 1988, taxonômicos de invertebrados, como
1991). insetos galhadores, ainda continuam
Além disso, a deficiência de pouco estudados e não foram citados
naquele estudo.
elementos, como magnésio e potássio
(importantes no processo de fotossíntese, A documentação e elucidação dos
ativação de várias enzimas e controle padrões de biodiversidade são essenciais
osmótico celular), pode bloquear a para a conservação de espécies de
síntese de proteínas, provocando a insetos e dos organismos que se
acumulação de aminoácidos nos tecidos, alimentam destes. O fato de insetos
além de reduzir a formação de fibras, o galhadores estarem intimamente
que resulta em um alimento de melhor associados às suas plantas hospedeiras
qualidade para o galhador (veja White, e possuírem hábito séssil os torna ainda
1969, 1976,1984). Esta deficiência leva mais suscetíveis à extinção, caso a
ainda a formação de compostos fenólicos cobertura vegetal de uma determinada
que atuariam como inibidores de fungos área seja modificada por ação antrópica
e outros patógenos (Rhoades, 1979). (e.g., mineração, fogo, expansão das
Maior pressão seletiva sofrida por fronteiras agrícolas).

290
Insetos galhadores

Além disso, o manejo inadequado dos mecanismos ecológicos e processos


da vegetação pode aumentar a evolutivos atuantes, antes que este
abundância de uma espécie ou família Bioma seja totalmente descaracterizado.
de planta, o que também pode ter
implicações negativas na riqueza de AGRADECIMENTOS
galhadores. Portanto, estudos biogeo-
gráficos e de biodiversidade são cada vez À M. M. Espírito-Santo e aos
revisores pelas sugestões ao manuscrito.
mais necessários, principalmente nas
Este trabalho foi apoiado pela Sociedade
regiões fora da área central de
Brasileira de Cultura Japonesa através do
distribuição do Cerrado (e.g., Norte e
Fundo Bunka de Pesquisa/Banco
Nordeste). Estudos desta natureza Sumitomo, WWF, Fundep, Fapemig e
permitiriam um melhor entendimento CNPq.

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Insetos galhadores

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184 - 207. Brasiliensis/CNPq, Brasília, Esakia 41: 11-15.
Brasil.

293
Capítulo 17

FOTO: CARLOS E. G. PINHEIRO


Estudos
comparativos sobre
a fauna de
borboletas do
Distrito Federal:
implicações para a Carlos E. G. Pinheiro

conservação Departamento de Zoologia


Universidade de Brasília
Brasília, DF
Pinheiro

296
Fauna de lepidoptera e conservação

INTRODUÇÃO conservação de toda a fauna existente


nos cerrados do Brasil central,
Comparado aos demais estados especialmente no caso de animais de
brasileiros que têm a vegetação de pequeno porte, como os insetos.
cerrado como formação vegetal
Dentre os insetos, as borboletas
predominante, o Distrito Federal parece
(Lepidoptera: Papilionoidea e Hespe-
privilegiado em relação ao número de rioidea) constituem um grupo
unidades de conservação efetivamente especialmente interessante para estudos
implantadas dentro de seus limites de biodiversidade e conservação. As
legais. Estas unidades incluem: um larvas alimentam-se de tecidos vegetais
Parque Nacional, três Estações e muitas espécies alimentam-se apenas
Ecológicas, quatro Reservas Ecológicas de uma (monófagas) ou poucas
(Tabela 1) e vários pequenos parques, (oligófagas) plantas hospedeiras. Assim,
áreas de proteção de mananciais ou de a presença de uma determinada espécie
relevante interesse ecológico. Entretanto, de borboleta em certo local, pode
não se sabe com precisão se estas também implicar na presença de uma
unidades são suficientes para a ou de determinadas plantas naquela

Tabela 1. As principais unidades de conservação do Distrito Federal.

297
Pinheiro

mesma região (Carter, 1982; Brown, Reino Unido (Carter, 1982). Infelizmente,
1991, 1996). Além disso, a maioria das entretanto, foi constatado nos
espécies ocorre apenas em alguns levantamentos de fauna realizados, que
habitats e microhabitats, sob um número próximo a 1/3 de todas as
determinadas condições de luz, borboletas que ocorrem no Brasil Central
temperatura e umidade. Portanto, a (cerca de 210 espécies) nunca foi
presença (ou não) de certas espécies registrado em qualquer unidade de
também pode fornecer indicações sobre conservação do Distrito Federal. A
o estado de conservação do habitat. Por explicação para este fenômeno é, como
estas razões, têm-se verificado este estudo pretende demonstrar, o fato
recentemente um uso crescente de de que nas unidades de conservação
borboletas em programas de
existentes não se encontram repre-
monitoramento de biodiversidade em
sentadas pelo menos duas das
países da Europa (Carter, 1982; Dennis,
fisionomias de vegetação de Cerrado que
1992) e na América do Norte (Scott,
se constituem no habitat preferido de
1986), ou como indicadores para a
uma grande variedade de espécies de
conservação de áreas no Brasil (Brown,
borboletas: (1) as florestas semidecíduas
1996; Brown & Freitas, 2000).
(também conhecidas como florestas
O Distrito Federal apresenta uma rica mesofíticas), que ocorrem no DF,
fauna de borboletas. Com base em dados principalmente, em regiões de solos
da literatura, na análise de coleções calcários, como na região de Sobradinho,
zoológicas e em levantamentos na Chapada da Contagem e na região da
realizados por este autor e colaboradores Fercal, e (2) as matas de galeria
nos últimos quinze anos, foi possível associadas a rios de médio e grande
compilar uma lista contendo 645 porte, geralmente mais densas e mais
espécies efetivamente registradas nesta extensas do que aquelas encontradas ao
unidade da federação. É altamente longo dos pequenos córregos e ribeirões
provável, entretanto, que novas espécies presentes nos parques e reservas.
venham a ser acrescentadas a esta lista
à medida que outras regiões ainda pouco Neste capítulo são apresentados
exploradas venham a ser amostradas. alguns dados envolvendo a riqueza e a
Com base na distribuição geográfica de similaridade de espécies de borboletas
várias espécies em estados vizinhos e encontradas nas principais unidades de
em dados ainda não disponíveis na conservação e em três regiões situadas
literatura estima-se que o número total em áreas “não protegidas” do DF, que
de espécies do DF seja, de fato, superior contêm estas fisionomias de vegetação
a 750 (Brown & Freitas, 2000). de cerrado não encontradas nas unidades
Para se ter uma idéia da represen- já implantadas. Os resultados sugerem
tatividade desta fauna, pode-se verificar, que, caso se quisesse realmente
por exemplo, que este número é maior conservar esta extraordinária diversidade
que toda a fauna de borboletas da de espécies de borboletas, dever-se-ia
América do Norte (incluindo a região não apenas ampliar o número de
neotropical do sul do México, Scott, unidades de conservação nessa região,
1986), é sete vezes maior do que a fauna mas também adotar uma série de
de borboletas da Europa ou 13 vezes medidas para a proteção efetiva da fauna
maior que a fauna de borboletas do nas unidades existentes.

298
Fauna de lepidoptera e conservação

MATERIAL E MÉTODOS Sobradinho e florestas de Sobradinho;


CCF = com dados agrupados da
Dados incluídos nas análises de Chapada da Contagem e região da Fercal;
similaridade, apresentadas a seguir, e RMa = rio Maranhão) foi também
foram obtidos dos levantamentos de realizada por intermédio da utilização
fauna realizados por Brown & Mielke do pacote estatístico para análise
(1967a,b) nas florestas de Sobradinho e multivariada MVSP versão 3.1, para
matas de galeria do rio Sobradinho, na vários taxa distintos de borboletas
Chapada da Contagem, Fercal e rio (Pieridae, Papilionidae e alguns
Maranhão; por Ferreira (1982) na EEJB Nymphalidae), cuja sistemática se
e IBGE; por Pinheiro & Ortiz (1992) na encontra relativamente bem resolvida.
EEJB; por Pinheiro et al. (1992) no PNB;
por Pinheiro & Emery (dados não
publicados) na EEAE, no rio Maranhão RESULTADOS E DISCUSSÃO
e na RCO; e por Diniz & Morais (1995,
1997) na FAL, IBGE e PNB, além de O total de espécies encontrado em
dados obtidos nas coleções zoológicas cada área de estudo para os diferentes
da UnB e do IBGE. taxa investigados está mostrado na
Tabela 2. Com exceção dos Papilionidae
A similaridade de espécies foi (r= 0,94; p<0.05) não foram encontra-
estimada por intermédio do Coeficiente das correlações significativas entre a
de Jaccard. Uma análise de cluster riqueza de espécies e a área das unidades
(UPGMA) envolvendo seis dos principais de conservação para qualquer outro
parques e reservas do Distrito Federal táxon investigado (r= 0,34 para os
(PNB, EEAE, EEJB, IBGE, FAL e RCO) e Pieridae; r= -0,39 para os Ithomiinae e
três áreas não protegidas (SWR = rio r= -0,58 para os demais taxa

Tabela 2. Número de espécies em vários taxa de borboletas encontradas


nos parques, reservas e outras localidades “não protegidas” do
Distrito Federal (Nym= Nymphalinae, Lim= Limenitidinae, Cyr =
Cyrestidinae, Bib = Biblidini e Col = Coloburinae).

299
Pinheiro

agrupados). No caso dos Ithomiinae e Em primeiro lugar, observa-se a


dos taxa agrupados foram encontradas grande similaridade de espécies (em
correlações negativas, que poderiam ser geral > 0.8) encontrada entre os locais
explicadas, pelo fato de muitas espécies EEJB, IBGE e FAL, um resultado já
destes grupos ocorrerem apenas em esperado em vista da proximidade que
áreas de florestas mais densas, úmidas estas áreas mantêm entre si e que
e escuras, condições não encontradas em compõem, em seu conjunto, a chamada
algumas áreas maiores, como a Estação APA Gama-Cabeça de Veado.
Ecológica de Águas Emendadas. Estes
Em segundo lugar, nota-se
resultados sugerem que a diversidade de
claramente que as localidades da APA
espécies não depende apenas da área,
Gama-Cabeça de Veado geralmente se
mas dos tipos de vegetação encontrados
agrupam com os demais parques e
nas diferentes regiões ou unidades de
reservas do DF (PNB, EEAE e RCO), com
conservação.
os quais também mantêm uma alta
Os dendrogramas produzidos pelas similaridade de espécies (geralmente
análises de cluster (baseados na matriz entre 0.6 e 0.8). Esta alta similaridade
de similaridade de espécies) entre as de espécies encontrada entre os parques
unidades de conservação e outras regiões e reservas do DF poderia ser explicada
do DF são apresentados na Figura 1. Três pela grande semelhança de altitudes (em
padrões bastante característicos parecem geral variando de 1.000 a 1.150m),
ocorrer nos quatro dendro-gramas topografias (todas situadas em regiões
apresentados (Figuras A, B, C e D). relativamente planas ou com declives

Figura 1
Dendrogramas
baseados na
similaridade da fauna
de borboletas em seis
áreas de conservação
(PNB, EEAE, EEJB,
IBGE, FAL e RCO) e
em três áreas “não
protegidas” do
Distrito Federal (RMa
= rio Maranhão, SWR
= rio Sobradinho e
florestas de
Sobradinho, e CCF =
Chapada da
Contagem e Fercal).
Análises são
apresentadas
separadamente para
(A) Pieridae, (B)
Papilionidae, (C)
Ithomiinae e (D) um
aglomerado de outros
Nymphalidae.

300
Fauna de lepidoptera e conservação

suaves) e tipos fisionômicos de Agrias claudia godmani (Charaxinae), a


vegetação predominantes, em geral espécie mais procurada por
contendo grandes extensões de cerrado colecionadores. Este rio, um dos
sensu strictu, algumas manchas de principais formadores do rio Tocantins,
campos abertos e de cerradões, e matas também parece funcionar como um
de galeria associadas a pequenos cursos corredor de fauna para várias espécies
d’água. amazônicas que conseguem atingir o
Brasil central (como a espetacular
Em terceiro lugar, podemos perceber
Morpho rhetenor, Morphinae) e que
nos dendrogramas apresentados que os
representam aproximadamente 8% de
menores índices de similaridade de
todas as espécies que ocorrem no DF
espécies encontrados no estudo (entre
(Brown & Mielke, 1967a). Estes dados
0.4 e 0.6) ocorrem exatamente entre as
demonstram claramente a necessidade
unidades de conservação e as áreas “não
de criação de uma unidade de
protegidas” (RMa, SWR e CCF) que
conservação na região desse rio.
contêm os tipos fisionômicos de
vegetação não representados nos Outros habitats que requerem
parques e reservas. Estes locais, atenção especial para a sua conservação
geralmente mais acidentados e mais são os remanescentes naturais de
heterogêneos do que as demais regiões florestas semidecíduas da região de
do DF, constituem-se no habitat preferido Sobradinho, considerada por Brown &
de um grande número de espécies de Mielke (1967a) como a área mais rica
borboletas, como os Papilionidae: em espécies de todo o DF, e da região da
Parides burchellanus, Heraclides Fercal. Além das espécies já citadas,
hectorides e vários Protesilaus spp várias outras borboletas do DF só foram
(RMa); Pieridae: Phoebis trite (RMa), registradas nestes locais específicos, hoje
Phoebis neocypris (RMa, CCF), Eurema fortemente ameaçados pela chegada de
arbela (RMa, CCF) e Hesperocharis vários condomínios habitacionais e pela
anguitea (CCF); Ithomiinae: Hypoleria indústria de extração do calcário.
emyra (RMa), Aeria olena (SWR) e Oleria
aquata (RMa); Limenitidini: Adelpha
aethalia (CCF), A. delphicola (RMa) e
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A. cocala (SWR); Biblidini: Callicore Este trabalho procurou enfatizar a
hydaspes (CCF), Callicore pygas necessidade de criação de novas
splendens (RMa, CCF), Dynamine unidades de conservação na região do
limbata (SWR), Eunica macris (RMa), Distrito Federal, de modo a incluir outros
Phyciodes velica sejona (RMa, CCF) e tipos fisionômicos de vegetação de
Ectima liria lirissa (CCF). Cerrado não representados nos parques
e reservas já implantados, como as
Além disso, duas das espécies mais
florestas semidecíduas e matas de galeria
raras e ameaçadas de extinção de todo o
associadas a rios de grande porte, que
bioma do Cerrado ocorrem no rio
contêm não apenas uma grande
Maranhão: Parides burchellanus
diversidade de borboletas, mas várias
(Papilionidae), observada apenas nesse
espécies que parecem ocorrer
local e numa outra localidade no estado
exclusivamente nestas formações
de Minas Gerais, chegando a constar na
vegetais. Entretanto, esta é apenas uma
lista de espécies ameaçadas da IUCN Red
das várias frentes de batalha para a
Data Book (Collins & Morris, 1985) e
conservação da fauna dos cerrados.

301
Pinheiro

Nas últimas décadas o Distrito estas áreas, ou corre-se o risco de sofrer


Federal vem passando por um intenso uma grande perda em biodiversidade, até
processo de urbanização e pelo mesmo em espécies supostamente
desenvolvimento de várias atividades protegidas.
econômicas que levam inexoravelmente
Além desses problemas, os parques
à destruição dos habitats naturais e,
e reservas estão ainda sujeitos a várias
conseqüentemente, à perda em
outras perturbações como incêndios,
biodiversidade. Com o avanço da
caça, invasões por animais domésticos,
urbanização, muitas das unidades de
presença de plantas invasoras, depósitos
conservação que aí se encontram vêm
de lixo e diferentes agentes poluidores
sendo transformadas em verdadeiras
que afetam não apenas as borboletas
“ilhas de vegetação”, geograficamente
como toda a fauna e flora presentes. Um
isoladas de outras unidades. Os efeitos
exemplo extremo da ação destes fatores
advindos do isolamento sobre as
pode ser observado na Reserva Ecológica
populações locais, como a interrupção
do Gama, cuja flora e fauna originais já
do fluxo gênico e o aumento da taxa de
se encontram tão descaracterizadas que
endocruzamento são obviamente
se optou por não incluir neste estudo os
negativos (exemplos em Soulé, 1986). É
dados levantados por Brown & Mielke
necessário, portanto, conceber novas
(1967a,b) sobre a fauna de borboletas
estratégias de conservação que
daquele local.
propiciem certa “conectividade” entre

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Fauna de lepidoptera e conservação

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303
ROSEVALDO QUEIROZ
Capítulo 18
Abundância e
amplitude de dieta
de lagartas
(Lepidoptera) Ivone R. Diniz
Departamento de Zoologia
Universidade de Brasília

no cerrado de Brasília, DF
Helena C. Morais
Departamento de Ecologia

Brasília (DF)
Universidade de Brasília
Brasília, DF
Pinheiro

306
Fauna de lepidoptera e conservação

INTRODUÇÃO plantas. Mesmo assim, está apenas


começando-se a entender como a
As plantas terrestres e seus insetos diversidade das assembléias de inseto-
fitófagos constituem mais da metade de planta é determinada, seja em ambiente
todas as espécies terrestres conhecidas temperado ou tropical.
(Coley & Barone, 1996; Bernays, 1998;
Informações sobre a dieta das
Farrell et al., 1992). A importância
lagartas são fundamentais para a
ecológica dos insetos herbívoros está
compreensão dos mecanismos de
relacionada principalmente à redução da
coevolução ou de evolução paralela
aptidão das plantas e, na cadeia trófica,
envolvidos nesta radiação (Powell 1980;
à transformação de um alimento pobre
JERMY 1984; Powell et al. 1999; Menken
em proteínas, rico em fibras e de baixa
1996.) Por outro lado, a dieta das lagartas
digestibilidade, em outro formado por
pode ser influenciada por fatores
pequenos pacotes concentrados de
próximos como a pressão de predação e
proteínas. Os insetos herbívoros
parasitismo (Bernays, 1998) e espécies
constituem uma das principais fontes de
generalistas podem ter dieta restrita em
alimento para lagartos, pássaros e
um local ou serem especialistas em
pequenos mamíferos, bem como para
partes de plantas (Ballmer & Pratt, 1989;
outros invertebrados predadores e
Pratt & Pierce, 2001).
parasitas. Evolutivamente, a interação
planta-herbívoro é provavelmente Os estudos sobre amplitude de dieta
responsável pela maior parte da dos herbívoros, principalmente na região
diversidade terrestre (Farrell et al., 1992) tropical, podem esclarecer algumas
e os lepidópteros constituem a maior questões ecológicas, entre elas as
radiação entre os insetos fitófagos estimativas de riqueza de espécies locais
(Scoble, 1992), com a quase totalidade e regionais. Desde o início dos anos 1980
das lagartas vivendo a expensas de até os dias de hoje, estimativas globais

307
Diniz & Moraes

de riqueza de espécies têm sido baseadas lagartas apresentam uma amplitude de


no grau de especificidade de dieta de dieta bastante estreita nos trópicos foi
vários grupos de insetos herbívoros evidenciada para algumas espécies de
(Erwin, 1982; May, 1990; Odegaard et borboletas de Ithomiinae e Heliconius
al., 2000; Novotny et al., 2002). Apesar (Nymphalidae) que se alimentam
da discussão sobre a amplitude de dietas basicamente de uma a três espécies
de insetos herbívoros estar presente em dentro de uma família de planta (Benson,
vários trabalhos de diferentes 1978; Brown, 1987). Marquis (1991)
pesquisadores, ainda é bastante difícil a mostrou que 71% dos geometrídeos que
comparação entre ecossistemas. Em atacam as espécies de Piper (Piperaceae)
muitos desses trabalhos as coletas na floresta úmida de La Selva (Costa
basearam-se em um grupo taxonômico Rica) estão restritas a uma ou duas
específico ou em conjuntos de herbívoros espécies de plantas desse gênero. Alguns
que atacam determinadas espécies ou estudos comparativos entre regiões
famílias de plantas. Estas metodologias temperadas e tropicais também sugerem
são efetivas, mas a extrapolação dos que os insetos herbívoros devem
resultados para determinados locais deve apresentar uma dieta mais restrita nos
ser vista com cuidado, principalmente trópicos, (Marquis & Bracker 1994)
nos ambientes de alta riqueza da flora, enquanto outros sugerem exatamente o
como é o caso do Cerrado. Algumas contrário (Beaver, 1979; Wood &
espécies de plantas são atacadas Olmstead 1984; Novotny et al., 2002).
preponderantemente por herbívoros Barone (1998) argumenta que nas
generalistas enquanto outras apresentam florestas tropicais, grupos como as
uma predominância de herbívoros mariposas que apresentam boas
especialistas (Barone, 1998). habilidades dispersoras tendem a
apresentar dietas mais restritas. Mas o
Em geral, as informações sobre dieta
que acontece no Cerrado? Lagartas são
de lagartas são restritas a poucas
dominadas por espécies com maior ou
espécies ou gêneros de Lepidoptera,
menor especificidade de dieta? Qual a
envolvendo grupos taxonômicos bem
relação entre a amplitude de dieta e as
conhecidos. Isso se deve aos problemas
espécies de lagartas comuns e raras nas
inerentes a qualquer grupo com grande
plantas? Para responder essas questões
riqueza de espécies, que incluem
as autoras iniciaram um programa de
taxonomia não resolvida, grande número
levantamento de lagartas em plantas do
de espécies não descritas e desconhe-
cerrado no início dos anos 1990 e que
cimento da grande maioria dos estágios
continua até o momento. Nesse capítulo
imaturos. Uma exceção é o trabalho
apresentamos um resumo dos resultados
extenso de Janzen (1988, 1993) que
gerais obtidos sobre a composição dessa
estimou que cerca de 50% das espécies
fauna e o grau de especificidade da dieta
de lagartas da floresta seca no Parque
de lagartas de lepidópteros associadas a
Nacional de Santa Rosa (Costa Rica)
plantas hospedeiras do cerrado no
estão restritas a uma única espécie de
Distrito Federal.
planta (monófagas) e as que se
alimentam de várias famílias de plantas
(polífagas) são bastante raras. Nas outras
METODOLOGIA
lagartas, a amplitude de dieta se restringe
a espécies dentro de uma mesma família Os dados que apresentamos nesse
de planta (oligófagas). A idéia de que as capítulo foram obtidos a partir da coleta

308
Dieta de Lagartas

de lagartas folívoras externas, durante RESULTADOS E DISCUSSÃO


dez anos, em plantas hospedeiras no
cerrado sentido restrito da Fazenda Água Características da fauna de
Limpa (FAL) da Universidade de Brasília, lagartas
no Distrito Federal. Maiores detalhes Apesar da alta concentração de
sobre a vegetação da FAL e sobre a forma informações sobre Lepidoptera no
e intensidade de coleta estão disponíveis cerrado do Distrito Federal, a taxonomia,
em Ratter (1986), Diniz & Morais (1997) a biologia e o conhecimento sobre as
e Diniz et al. (1999). Uma lista de plantas hospedeiras ainda são muito
espécies e suas plantas hospedeiras é precários. Das espécies de lagartas
apresentada em Diniz et al. (2001). Todas coletadas e criadas no laboratório,
as lagartas foram coletadas e criadas em somente 43% estão identificadas com
laboratório para a obtenção de adultos, nome específico até o momento. A
utilizando como alimento as folhas das maioria delas foi descrita nos séculos 18
plantas em que foram encontradas. Neste e 19 (63%) e na primeira metade do
capítulo não foram incluídas informações século 20 (31%). Grande parte possui
sobre dieta disponíveis na literatura ou como local tipo outros biomas das
dados referentes às coletas qualitativas Américas do Sul e Central, indicando
realizadas pelas autoras ao longo dos uma ampla distribuição geográfica e a
anos. possibilidade de uma grande variação na
dieta entre locais. Esse quadro é similar
Foram realizadas coletas quantita-
ao mostrado por Janzen (1988) para o
tivas, em 63 espécies de plantas, com a
Parque Nacional de Santa Rosa, na Costa
vistoria semanal de 15 indivíduos de
Rica.
cada espécie, durante pelo menos um
ano, perfazendo uma amostra de cerca Quinze espécies foram descritas
de 700 indivíduos por planta hospedeira. após 1950 e nove delas possuem como
Aqui são apresentadas apenas as local tipo áreas na região dos Cerrados
informações sobre os adultos obtidos nas brasileiros (Tabela 1). Nesta fauna estão
criações em laboratório. As plantas representadas seis espécies reconheci-
hospedeiras foram constituídas damente novas e dois gêneros novos (V.
basicamente por dicotiledôneas, com a O. Becker, com. pes.) (Tabela 2). Alguns
inclusão de algumas espécies de grupos, como Gelechioidea, são pouco
palmeiras (Arecaceae) e de Vellozia conhecidos e apresentam sérios
(Velloziaceae), e foram identificadas com problemas taxonômicos. Em Elachis-
a colaboração de Tarciso Filgueiras tidae, 49 espécies estão denominadas
(IBGE) e de professores e técnicos do pelo gênero e sete pela subfamília. Em
Herbário da Universidade de Brasília. Gelechiidae, 24 estão em gênero e 30 em
família, enquanto o gênero Inga
A maioria das identificações dos (Oecophoridae) possui nove espécies
lepidópteros foi feita por Vitor O. Becker sem o binômio. Outros grupos ainda
(Brasília, DF) e Keith S. Brown Jr. exigem um grande esforço de
(Campinas, SP), com a colaboração de identificação como em Geometridae em
Olaf H. H. Mielke (Curitiba, PR) e Klaus que oito espécies estão denominadas
Zattler (Alemanha). Todos os espécimes pelo gênero e 11 pela família. Estes
obtidos estão depositados na Coleção resultados reforçam a necessidade de um
Entomológica do Departamento de grande investimento em trabalhos de
Zoologia da Universidade de Brasília. taxonomia. O nome de uma espécie e o

309
Diniz & Moraes

respectivo material depositado em as borboletas estão melhores


coleção representam a linguagem básica representadas pelos Hesperiidae e
de comunicação entre pesquisadores da Riodinidae. Entretanto, 12 famílias estão
área biológica. Apesar da possibilidade representadas por apenas uma ou duas
de utilização de vários tipos de análises espécies (Tabela 3).
com o uso de “morfoespécies”, não é
As 486 espécies obtidas a partir da
possível, por exemplo, a troca de
criação de lagartas em laboratório
informações sobre a dieta de insetos
representam menos de 5% do número
herbívoros, ou sobre a distribuição
geográfica das espécies, sem o binômio de espécies de lepidópteros estimado
correto. para a região do cerrado brasileiro a
partir da coleta de adultos com o uso de
Foi obtido um total de 486 espécies armadilhas luminosas (V. O. Becker,
de lagartas folívoras de 38 famílias de com. pes.; Diniz & Morais, 1997).
Lepidoptera em 63 espécies de 30
famílias de plantas. As famílias de No laboratório houve emergência de
mariposas com maior número de 4.238 adultos de 38 famílias de
espécies foram Elachistidae, Gelechiidae Lepidoptera. O número de adultos por
e Pyralidae, esses microlepidópteros família variou de três (Acrolepiidae,
representam 39% das espécies, enquanto Aididae e Gracillariidae) a 934 (38%) em

Tabela 1. Exemplos de espécies de Lepidoptera com local tipo na região dos


Cerrados brasileiros (Heppner, 1984, 1995; Thöny, 1997)

Tabela 2. Exemplos de espécies e gêneros reconhecidamente novos na fauna


de lagartas folívoras considerada neste trabalho (V. O. Becker, com.
pes.) e suas plantas hospedeiras.

310
Dietas
Dieta de Lagartas

Tabela 3. Famílias de Lepidoptera com o número total de espécies, espécies


representadas por apenas um adulto, espécies raras (2 a 10
adultos), espécies comuns (mais de 10 adultos) e o número de
espécies polífagas entre as raras e as comuns.

311
311
Diniz & Moraes

Elachistidae e, no geral, cada espécie está (Sphingidae) foram fortemente


representada em média por sete parasitadas por dípteros em diferentes
indivíduos, contudo essa média pode anos (1992 e 1997) e Stenoma cathosiota
atingir 21 adultos como, por exemplo, (Elachistidae) por himenópteros em
nas espécies de Oecophoridae. Por outro 1997. Apesar desses problemas a
lado, para 184 espécies de lagartas de indicação de baixa abundância de
28 famílias foi obtido apenas um adulto indivíduos é confirmada por dados de
nas criações de laboratório (Tabela 3). morfoespécies (Price et al., 1995) e por
Algumas famílias com um número alto estudos populacionais de lagartas
de espécies como Noctuidae e (Morais et al., 1996; Bendicho-López,
Notodontidae (Tabela 3) estão 2000).
representadas, relativamente, por poucos
indivíduos (55 e 42 respectivamente) e,
apenas 10 famílias estão representadas DIETA DAS LAGARTAS
por mais de 100 indivíduos. Nesse tipo
Os estudos sobre dieta de lagartas
de banco de dados, o número de adultos
no cerrado esbarram em problemas que
obtidos pode estar relacionado à
envolvem desde o número de espécies
abundância ou raridade inerentes ao
de plantas da amostra, à falta de
grupo ou pode estar sendo afetado por
conhecimento da biologia dos imaturos
problemas metodológicos. Alguns
até à identificação das espécies dos
grupos são difíceis de criar em
lepidópteros. Aqui os resultados sobre
laboratório, como é o caso de Pycnotema
dieta se baseiam naquelas espécies que
sp. (Zygaenidae), cujas lagartas são
foram representadas por pelo menos dois
gregárias, com grupos de mais de 50
adultos (n=302).
indivíduos, especialistas em Davilla
elliptica (Dilleniaceae) (Righetti, 1992), Cerca de 47% das espécies de
e apesar da abundância no campo, essa lagartas folívoras foram encontradas em
espécie está representada por apenas apenas uma espécie de planta
dois adultos na coleção. O sucesso de (monófagas), enquanto 20% são
criação é também afetado pela presença oligófagas ocorrendo em apenas uma
de parasitóides em lagartas coletadas no família de planta e 33% são polífagas
campo. Por exemplo, Eunica bechina (Figura 1). A alta proporção de espécies
(Nymphalidae) e Isognathus caricae monófagas no cerrado (47%) é

Figura 1
Porcentagem de
espécies de Lepi-
doptera (n = 302)
monófagas (uma
espécie de planta),
oligófagas (um
gênero ou uma
família) e polífagas
(mais de uma
família) no cerrado
do Distrito Federal.

312
Dieta de Lagartas

semelhante à encontrada por Janzen Das sete espécies com mais de 100
(1988) para lagartas da floresta seca de indivíduos quatro são polífagas -
Costa Rica (50%). No estudo de Janzen Compsolechia sp. (Gelechiidae), Fregela
a proporção de espécies oligófagas é semiluna (Arctiidae), Inga phaeocrossa
maior do que a de polífagas enquanto (Oecophoridae), Pococera sp. (Pyralidae)
no cerrado as polífagas ocorrem em - uma é oligófaga ocorrendo em um
maior proporção. A baixa oligofagia gênero de planta hospedeira - Cerconota
encontrada deve-se, parcialmente, ao achatina (Elachistidae) - e duas são
conjunto de plantas amostradas e, monófagas - Argyrotaenia sp.
principalmente, às próprias caracte- (Tortricidae) e um Epipaschiinae
rísticas da flora local de cerrado. Por (Pyralidae).
exemplo, em relação a gêneros foram
Um arctiideo, Fregela semiluna,
amostradas duas espécies de Eremanthus
apresentou a maior amplitude de dieta
(Asteraceae), três espécies de Byrsonima
utilizando 33 espécies de plantas na FAL
(Malpighiaceae), de Miconia (Melasto-
(Diniz et al., 2000a) e outros exemplos
mataceae) e de Qualea (Vochysiaceae),
de lagartas generalistas são apresentados
e quatro espécies de Erythroxylum
na Tabela 4. Algumas delas chamam a
(Erythroxylaceae), enquanto para
atenção do observador como Megalopyge
Ouratea (Ochnaceae) apenas uma
albicollis por ser uma lagarta grande com
espécie ocorre em abundância na área
longos pelos urticantes e Hylesia
de estudos e, ainda, famílias como
schuessleri que são gregárias, com
Caryocaraceae, Proteaceae e Styracaceae
grupos de mais de 150 indivíduos, e uma
estão representadas por uma única
biologia similar à descrita para H. lineata
espécie na área.
na Costa Rica (Janzen, 1984). Várias
Cerca de um terço das espécies (100 espécies apresentam especificidade de
spp.) é polífaga e essa proporção é dieta e são relativamente comuns em
bastante variável entre as diferentes suas plantas hospedeiras (Tabela 5).
famílias de Lepidoptera. Considerando Algumas espécies consomem apenas um
as famílias representadas por mais de gênero de planta como é o caso de
10 espécies, encontramos uma proporção Cerconota achatina e Gonioterma
de espécies polífagas que varia de 75% indecora em espécies de Byrsonima
em Saturniidae a 16% em Pyralidae (Andrade et al., 1995; Diniz et al.,
(Tabela 3; Figura 2). 2000b), Stenoma muscula em espécies
de Qualea, Cyclomia mopsaria e Eloria
O número de adultos emergidos no
subapicalis em espécies de Erythro-
laboratório foi utilizado como indicativo
xylum.
da abundância e, nesse caso, obtivemos
210 espécies raras (de dois a 10 Conforme já mencionado, a fauna
indivíduos) e 92 comuns (mais de 10 de lagartas nas plantas do cerrado é
indivíduos). Entre as espécies raras caracterizada pela baixa freqüência de
29,5% são polífagas e entre as mais indivíduos (Price et al., 1995; Marquis
comuns 41,3% (Tabela 3). Esse resultado et al., 2002). Essa característica pode
mostra que há uma alta proporção de levar a uma superestimativa dos
monófagas e oligófagas (>50%) tanto especialistas e, provavelmente, isso está
entre as espécies raras como entre ocorrendo com os resultados apresen-
aquelas comuns. tados aqui. No entanto, após dez anos

313
Diniz & Moraes

Figura 2
Porcentagem de
espécies polífagas
em diferentes
famílias de Lepi-
doptera, em
cerrado sensu
stricto do Distrito
Federal

Tabela 4. Exemplos de lagartas polífagas em plantas do cerrado de Brasília


e suas amplitudes de dieta.

Tabela 5. Exemplos de lagartas comuns e monófagas e suas plantas


hospedeiras no cerrado da Fazenda Água Limpa, DF.

314
Dieta de Lagartas

de experiência das autoras com plantas hospedeiras de mariposas no


levantamentos e criação de lagartas, esse Distrito Federal foi iniciada pelo Dr. Vitor
parece ser um quadro bastante real para O. Becker e os resultados apresentados
o cerrado. aqui representam o primeiro e único
grande esforço de obtenção de
Nossos resultados mostram que o
informações sobre amplitude de dieta
cerrado apresenta uma proporção de
desses insetos no cerrado brasileiro.
espécies de lagartas polífagas (33%), que
representa mais que o dobro da Um outro ponto importante nas
encontrada por Barone (1998) para informações sobre amplitude de dieta de
herbívoros mastigadores (15%) nas insetos herbívoros é a extensão da área
florestas úmidas do Panamá e bem maior geográfica e a variação de habitats em
do que a proporção encontrada por que as informações são obtidas.
Janzen (1988) nas florestas secas da Claramente uma espécie pode ser
Costa Rica e, ainda, não corroboram o polífaga quando considerada toda a sua
argumento defendido por Novotny et al. distribuição geográfica e ter dieta restrita
(2002), no trabalho com herbívoros na localmente. Os resultados apresentados
floresta de Nova Guiné, da ocorrência aqui foram obtidos somente em áreas de
de uma alta oligofagia nos ambientes cerrado típico no Distrito Federal e
tropicais. Mostram ainda, como informações sobre outras fitofisionomias
esperado, que essa é uma fauna pouco e outros locais são necessárias para os
conhecida com várias espécies descritas estudos dos padrões e processos da
em um passado recente e, muitas outras, evolução da dieta desses grupos de
incluindo, também, gêneros ainda não
lepidópteros no Cerrado.
descritos, exigindo um considerável
esforço de trabalho taxonômico. Lagartas que se alimentam
internamente em tecidos vegetais (p.ex.,
minadores e brocadores) e as que
CONSIDERAÇÕES FINAIS utilizam abrigos formados por folhas ou
outros materiais tendem a ter dieta mais
As maiores dificuldades nas análises
restrita que as lagartas expostas (Gaston
do grau de especificidade de dieta nos
et al., 1992). Dados iniciais indicam uma
diferentes grupos de mariposas são
predominância de lagartas que utilizam
devidas à escassez de informações sobre
suas plantas hospedeiras. Por exemplo, abrigos no cerrado, provavelmente
para as mais de 30 mil espécies de relacionado à maior dessecação durante
Geometridae listadas para o mundo a estação seca, do que na mata de galeria
menos de 5% têm referência sobre onde há predominância de lagartas livres
plantas hospedeiras (Scoble, 1999). Entre (Becker, 1991; Andrade et al., 1994). Isso
os Gelechioidea somente uma pequena resulta tanto em composições de espécies
fração das lagartas é conhecida e a distintas como em diferentes proporções
polifagia nesse grupo deve ser mais de especialistas nestas comunidades. A
comum do que os dados fragmentados relação da amplitude de dieta com várias
indicam (Powell et al., 1999). Mesmo características das plantas e das lagartas,
para borboletas, bem melhor estudadas assim como, a expansão geográfica das
que as mariposas, o desconhecimento áreas de estudo favorecerá o progresso
de estágios imaturos e de suas plantas dessa linha de pesquisa e, poderá ainda
hospedeiras é muito grande (DeVries, fornecer pistas sobre hospedeiros
1997). A obtenção de informações sobre alternativos de pragas de culturas nos

315
ambientes naturais, melhorando o cerrado” coletando e criando lagartas.
entendimento sobre a dinâmica e o À FINATEC, ao CNPq (Proc. 520351/97-
controle dessas populações nos 5), à UnB e ao PIBIC/CNPq/UnB que ao
agroecossistemas.
longo dos últimos anos vem financiando
esse estudo por meio de auxílio-pesquisa
AGRADECIMENTOS e bolsas de estudo. Aos revisores
anônimos cujos comentários colabora-
Aos estudantes que participaram
ram para uma maior clareza do texto.
do Projeto “Herbívoros e herbivoria no

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318
Solos e paisagem

Capítulo 19

FOTO: REGINALDO CONSTANTINO


Padrões de
diversidade e
endemismo de
térmitas no Reginaldo Constantino

bioma Cerrado Departamento de Zoologia


Universidade de Brasília
Brasília, DF
319
Diniz & Moraes

320
Dieta de Lagartas

INTRODUÇÃO servem de abrigo a uma fauna diversa,


incluindo artrópodes, vertebrados e
Os cupins são insetos sociais da outros grupos. Os ninhos velhos e
ordem Isoptera, que contém cerca de abandonados servem de substrato para
2.800 espécies conhecidas no mundo. o desenvolvimento de várias de plantas.
Mais conhecidos por sua importância Devido a esse poder de modificar a
econômica como pragas de madeira e de estrutura do habitat, os cupins podem
outros materiais celulósicos, os cupins ser incluídos entre os “engenheiros do
são detritívoros e formam um dos grupos ecossistema” (Lawton, 1997),
dominantes na fauna de solo de organismos que afetam a disponibilidade
ecossistemas tropicais, exercendo um de recursos para outras espécies através
papel importante nos processos de de mudanças físicas em materiais
ciclagem de nutrientes e formação de solo bióticos ou abióticos. Isso significa que
(Eggleton et al., 1996). Devido à sua a eliminação de algumas espécies de
capacidade incomum de digerir celulose, cupins de um ecossistema em particular
causaria a perda de inúmeras espécies
eles direcionam para si uma proporção
de outros organismos que dependem
considerável do fluxo de energia,
destes insetos para sobreviver e se
atingindo biomassa elevada e ao mesmo
reproduzir.
tempo servindo de alimento para um
grande número de organismos (Wood & A maioria das espécies de cupins
Sands, 1978). Ao abrir túneis e construir vive nas regiões tropicais e subtropicais,
seus ninhos, os cupins arejam e com algumas poucas se estendendo até
melhoram a estrutura do solo, além de latitudes mais elevadas, raramente além
movimentar verticalmente grande de 40o norte ou sul. Mais espécies de
quantidade de partículas. Os termiteiros cupins podem ser encontradas num

321
Constantino

único hectare de floresta ou savana região aumentou bastante, principal-


tropicais do que em toda a Europa. Como mente no Brasil, e o conhecimento sobre
a maioria dos entomólogos vive na esse importante grupo de insetos tem
América do Norte e na Europa, o estudo avançado mais rapidamente. Um dos
dos cupins tem sido tendencioso por se maiores obstáculos para o desenvol-
concentrar nas poucas espécies comuns vimento da termitologia neotropical tem
nessas regiões. A maioria das sido a falta de informações taxonômicas.
generalizações sobre a biologia de cupins Poucos grupos foram adequadamente
se baseia em estudos detalhados de revisados e existem poucos especialistas,
algumas poucas espécies norte- dificultando o trabalho de identificação.
americanas e européias pertencentes às Isso tem resultado em muitos trabalhos
famílias Kalotermitidae, Rhinotermitidae com identificações incorretas ou
e Termopsidae. No entanto, a fauna incompletas, o que impede a acumulação
tropical é dominada pela família ordenada de informações e a comparação
Termitidae, que foi muito menos de resultados de trabalhos diferentes.
estudada.

A diversidade de cupins da região


Neotropical, com 505 espécies, é CUPINS DO CERRADO
ultrapassada apenas pelas regiões
Os cupins formam um componente
Etiópica e Oriental (Constantino, 1998).
dominante e conspícuo da fauna do
Entretanto, enquanto os cupins dessas
Cerrado, atingindo densidades impres-
duas regiões foram mais bem estudados,
sionantes em algumas áreas. Alguns
a fauna de vastas áreas da Neotrópica
deles, como Cornitermes cumulans,
permanece pouco conhecida. A fauna de
podem ser considerados espécies-chave
cupins da Colômbia, por exemplo, é
(“keystone species”) devido a sua grande
praticamente desconhecida. O Brasil é o
abundância e impacto sobre o ambiente
único país da América Latina com
(Redford, 1984). Essa fauna começou a
tradição no estudo dos cupins, e sua
ser conhecida no início do século 20,
fauna é a mais bem conhecida da região,
quando o entomólogo italiano Filipo
com cerca de 280 espécies registradas.
Silvestri estudou os cupins em algumas
Até o final do século 19, o partes de Mato Grosso (Silvestri, 1903)
conhecimento sobre os cupins neotro- e descreveu algumas das espécies mais
picais se limitava a informações comuns dessa região, como Armitermes
fragmentadas coletadas por naturalistas euamignathus, Constrictotermes
europeus. As pesquisas termitológicas cyphergaster, Embiratermes festivellus e
neotropicais se aceleraram durante a Velocitermes heteropterus. Nas décadas
primeira metade do século 20 como de 1950 a 1970, Renato L. Araujo realizou
resultado do trabalho desenvolvido por levantamentos principalmente nos
entomólogos europeus e norte- cerrados de Minas Gerais e São Paulo
americanos. O brasileiro R.L. Araujo (Araujo, 1958a; Araujo, 1958b) e
realizou importantes estudos sobre a organizou a importante coleção de
termitofauna brasileira, de 1950 até sua Isoptera do Museu de Zoologia da USP,
morte prematura, em 1978; sua obra que serviu de base para muitos trabalhos
mais importante foi o Catálogo dos taxonômicos realizados por ele e outros
Isoptera do Novo Mundo (Araujo, 1977). autores. O trabalho realizado por
Nas últimas duas décadas do século 20, Mathews (1977) na Serra do Roncador
o número de termitólogos nativos da foi o primeiro a incluir informações

322
Diversidade e endemismo de térmitas

ecológicas e taxonômicas mais 46 espécies. Entre essas, seis eram novas,


detalhadas da fauna do Cerrado. A obra 12 não puderam ser identificadas e
de Mathews tem sido usada como quatro eram registros novos para o
referência para a termitofauna do Cerrado. Dentre as espécies identi-
Cerrado, embora limite-se a uma ficadas, várias eram previamente
pequena área de Mato Grosso na conhecidas apenas da respectiva
transição para a Amazônia, e inclua localidade-tipo. A fauna das matas da
muitas espécies de distribuição região do Cerrado é pouco conhecida,
amazônica (que têm sido erroneamente mas sabe-se que contém elementos da
incluídas na fauna do Cerrado). Coles Mata Atlântica e da Amazônia e
(1980) e Coles de Negret & Redford aparentemente poucos endêmicos.
(1982) acrescentaram novos dados sobre
O mapa da Figura 1 mostra a
a biologia e ecologia dos cupins do
distribuição do esforço amostral com
Cerrado, infelizmente sem um
base em dados publicados e das coleções
tratamento taxonômico adequado. Coles
da Universidade de Brasília e do Museu
(1980) registrou 60 espécies para o
Paraense Emílio Goeldi (MPEG). As áreas
Distrito Federal, mas sua lista contém
melhor amostradas são: Serra do
muitas identificações incorretas.
Roncador (Mathews, 1977), Distrito
Domingos et al. (1986) encontraram 47
Federal (Coles, 1980, Constantino, dados
espécies de cupins num levantamento
não publicados), Cuiabá (Silvestri,
exaustivo de uma área de 5.000m² de
1903), Manso, MT (Constantino &
cerrado em Sete Lagoas, MG.
Schlemmermeyer, 2000), Sete Lagoas,
Constantino & Schlemmermeyer (2000)
MG (Domingos et al., 1986). Inventários
estudaram a fauna de cupins da região
disponíveis em coleções incluem Serra
do Manso, MT, onde foram registradas
da Mesa, GO, e Paracatu, MG (coleção
76 espécies, 64 das quais em cerrado
UnB, Constantino, dados não
propriamente. Além disso, existem
publicados). Existem também dados
vários estudos mais específicos sobre a
esparsos de várias localidades de Minas
biologia de algumas espécies (Brandão,
Gerais (Araujo, 1958b) e de São Paulo
1991; Domingos, 1985; Domingos &
(Araujo, 1958a). Em relação a Savanas
Gontijo, 1996; Godinho et al., 1989) e
Amazônicas, várias delas com fauna
estudos de faunas locais e
semelhante à do Cerrado, existem
“comunidades” (Brandão & Souza, 1998;
inventários de Humaitá, AM, e Amapá
Gontijo & Domingos, 1991; Lacher et al.,
(coleção MPEG, Constantino, dados não
1986).
publicados), de Vilhena e Pimenta-
Bueno, RO (coleção UnB, Constantino,
INVENTÁRIOS DISPONÍVEIS dados não publicados), e dados esparsos
de outras localidades.
Os cupins do Cerrado são ainda
A Figura 1 mostra claramente que
muito mal inventariados e as
existem vastas áreas com fauna
informações existentes concentram-se
desconhecida ou pouco conhecida.
em algumas poucas localidades. O grau
Mesmo na área melhor amostrada, o
de conhecimento da taxonomia dos Distrito Federal, a amostragem se
cupins do Cerrado pode ser ilustrado concentra em poucos pontos e novos
com o exemplo do rápido inventário registros têm sido feitos com freqüência.
realizado há alguns anos em Serra da A lista original de Coles (1980) continha
Mesa, Goiás, onde este autor registrou 60 espécies, incluindo também as de

323
Constantino

mata. Nos últimos quatro anos foram agrupados, a lista real deve conter pelo
acrescentadas cerca de 20 espécies, menos 150 espécies. Algumas delas,
incluindo as de mata e da área urbana. marcadas com asterisco na lista, são
É também surpreendente que a fauna dos mais típicas de matas e ocorrem
cerrados do Estado de São Paulo seja ocasionalmente em cerrados mais
pouco amostrada. Os dados publicados densos.
limitam-se a registros isolados em Devido a limitações taxonômicas, é
algumas poucas localidades. Os cerrados impossível apresentar uma lista acurada.
de Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia A taxonomia das espécies neotropicais
são praticamente desconhecidos, assim da subfamília Apicotermitinae é caótica
como os do Mato Grosso do Sul e as listas de espécies publicadas contêm
(incluindo o Pantanal) e Paraná. apenas morfoespécies tentativas. Os
Apicotermitinae são cupins sem
soldados, abundantes na fauna de solo.
COMPOSIÇÃO E CARACTERÍSTICAS Devido aos inventários limitados e aos
DA FAUNA DE CUPINS DO problemas taxonômicos também é difícil
CERRADO ter certeza de quais espécies são
realmente endêmicas do Cerrado e sua
As espécies registradas na região do associação com os vários tipos de
Cerrado, em vegetações abertas, isto é, habitats. De modo geral, poucas espécies
excluindo as matas, estão listadas na vivem bem tanto em floresta como em
Tabela 1. São pelo menos 139 espécies, áreas abertas. Ou seja, existe uma fauna
mas como os Anoplotermes spp. estão típica de savanas e outra típica de matas.

Figura 1
Distribuição do
esforço de
inventário de cupins
no Cerrado e
algumas savanas
amazônicas. A área
dos círculos é
proporcional ao
esforço amostral em
cada área (número
de amostras).
Baseado em
inventários
publicados e nos
catálogos das
coleções da UnB e
do Museu Paraense
Emílio Goeldi.
Pontos com menos
de 50 amostras
foram omitidos e
pontos próximos
foram agrupados.

324
Diversidade e endemismo de térmitas

325
Constantino
Constantino

Tabela 1 (continuação)

326
Diversidade e endemismo de térmitas

Tabela 1 (continuação)

* Espécies que ocorrem predominantemente em florestas e apenas ocasionalmente em cerrados.


(1) Espécies em negrito são aparentemente endêmicas do Cerrado e algumas Savanas Amazônicas.
(2) O gênero Aparatermes foi descrito após a publicação das listas de Roncador e Sete Lagoas; anteriormente essas espécies eram incluídas em
Anoplotermes.
(3) O número de espécies corresponde ao total registrado na localidade e pode incluir espécies indeterminadas não listadas nesta tabela. Esse
número é maior do que o total de espécies marcadas com X.
(4) O número de amostras indicado é aproximado e serve como medida do esforço amostral.

A Figura 2 apresenta a composição de abundância e quase todos os


taxonômica das faunas de cinco locais termiteiros epígeos e arborícolas em
bem amostrados de cerrado. Fica cerrado são construídos por
evidente a grande dominância da Nasutitermitinae. Essa dominância é
subfamília Nasutitermitinae, que típica da fauna Neotropical, mas é um
corresponde a mais da metade das pouco mais acentuada no Cerrado. Por
espécies. Da lista toda, eles outro lado, a família Kalotermitidae é
correspondem a cerca de 60%. Esse pouco representada, com apenas
grupo é dominante também em termos algumas poucas espécies registradas

327
Constantino

ocasionalmente. Devido aos hábitos folhas da serapilheira (litter) e


extremamente crípticos dos Kaloter- intermediários (espécies que não se
mitinae, que vivem em pequenas enquadram claramente em nenhum dos
colônias em madeira dura, é certo que outros grupos). Não existe consenso
sua presença é subestimada. Por outro sobre essa classificação e sobre quais
lado, eles não devem ser abundantes de espécies devem ser incluídas em cada
fato no Cerrado, já que a quantidade de grupo. A Figura 3 mostra a proporção
madeira disponível é muito menor que dessas guildas alimentares nas faunas de
em florestas. A família Rhinotermitidae, cinco locais. Fica claro que o grupo mais
apesar de representada por poucas diversificado é o dos humívoros. A
espécies, contém algumas de ampla proporção de espécies de humívoros
provavelmente está subestimada devido
distribuição e extremamente abundantes,
a limitações taxonômicas, já que os
especialmente os Heterotermes spp.
Apicotermitinae são quase todos desse
Os cupins do Cerrado podem ser grupo. Uma revisão mais cuidadosa
divididos em quatro grupos funcionais: certamente aumentaria a proporção de
xilófagos, humívoros, comedores de humívoros ao revelar a diversidade real

Figura 2
Composição
taxonômica da
fauna de cupins de
cinco áreas de
cerrado. Fontes:
ver Tabela 1.

Figura 3
Composição de
grupos funcionais
na fauna de cupins
de cinco áreas de
cerrado. Fontes:
ver Tabela 1.

328
Diversidade e endemismo de térmitas

de Apicotermitinae, como no estudo da maioria das espécies. Com base nessas


fauna de Paracatu. Outra característica estimativas e supondo um pequeno peso
importante da fauna do Cerrado é a médio (hipotético) de 10g por colônia, a
abundância e diversidade de comedores biomassa total estaria em torno de
de folhas. Alguns desses forrageiam em 15kg.ha-1. A biomassa real deve, portanto
grande número na superfície durante a ser maior que isso. Como referência para
noite, comendo ou recolhendo pedaços comparação, as estimativas para florestas
de folhas mortas. Todos os Syntermes, da Amazônia estão em torno de 20kg.
Velocitermes, Rhynchotermes e ha-1 (Martius, 1994).
Ruptitermes estão incluídos nesse grupo.
As principais diferenças da termitofauna Em termos de hábitos de
de cerrado em relação à de florestas são: nidificação, apenas cerca de 20% das
a) menor proporção de xilófagos; b) espécies da Tabela 1 constroem ninho
maior proporção de comedores de folhas epígeo ou arborícola. O restante ocorre
da serapilheira. no solo, em madeira ou em ninhos de
outras espécies. É extremamente comum
Não existe nenhuma estimativa da a ocupação do mesmo termiteiro por
biomassa de cupins no Cerrado. As várias espécies. Geralmente uma espécie
dificuldades práticas são muito grandes, constrói e outras, os chamados
já que muitos deles vivem dentro de inquilinos, invadem gradativamente
madeira dura ou em túneis difusos no partes diferentes do ninho, modificando
solo. O fato de viverem em colônias mais sua estrutura. As galerias são mantidas
ou menos discretas implica numa separadas e não existe interação direta
distribuição altamente agregada no entre diferentes espécies. Alguns casos
ambiente, o que resulta em grande de inquilinismo são bem específicos,
variância em qualquer tipo de como os Inquilinitermes, que vivem
amostragem. Além disso, a distribuição exclusivamente em ninhos de
dos ninhos de várias espécies também é Constrictotermes. Os Inquilinitermes são
claramente agregada, com altas humívoros e se alimentam do material
densidades em algumas áreas e baixa fecal de Constrictotermes, acumulado na
densidade ou ausência em outras. Ou base do ninho. Constrictotermes
seja, para cada espécie existe uma cyphergaster é o único cupim arborícola
variação muito grande na abundância comum no Cerrado. Seus ninhos são bem
local, o que dificulta ainda mais qualquer típicos e atingem alta densidade em
estimativa de biomassa média nos algumas áreas. Os ninhos epígeos mais
cerrados. Não se sabe se isso se aplica conspícuos são os de Cornitermes, que
também às espécies subterrâneas. De podem também atingir altas densidades,
qualquer modo, é evidente que os cupins principalmente em áreas de vegetação
estão entre os animais mais abundantes mais aberta.
no Cerrado e, provavelmente, alcançam
biomassa maior que todos os
vertebrados somados. As estimativas de
densidade de termiteiros em cerrado PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO
sensu stricto estão entre 564.ha-1 (Coles, GEOGRÁFICA, ENDEMISMO E
1980) e 972.ha-1 (Domingos et al., 1986) DIVERSIDADE
e o de colônias entre 1.296.ha-1 (Coles,
1980) e 1.804.ha -1 (Domingos et al., Devido às limitações dos dados
1986). Esses números são certamente disponíveis, é possível apenas
subestimativas considerando-se a reconhecer, tentativamente, padrões
dificuldade em encontrar as colônias da muito gerais. A definição melhor dos

329
Constantino

padrões de distribuição geográfica, A determinação de padrões de


endemismo e diversidade depende de distribuição geográfica e endemismos
amostragem de áreas pouco conhecidas esbarra tanto no problema de
e, principalmente, de estudos amostragem como da falta de estudos
taxonômicos. A diversidade local em taxonômicos. Muitas espécies são ainda
áreas de cerrado está em torno de 40-60 conhecidas apenas da localidade-tipo ou
espécies. Coles (1980) registrou 37 de algumas poucas localidades. Os
espécies em um quadrado de cerrado padrões são mais claros para espécies
sensu stricto de 50 x 50m em Brasília, que constroem ninhos conspícuos e com
enquanto Domingos et al. (1986) taxonomia revisada, como os
encontraram 47 espécies num quadrado Cornitermes, e totalmente obscuros em
similar em Sete Lagoas, MG. A espécies altamente crípticas e com
comparação dos dados dos estudos taxonomia menos estudada, como os
disponíveis é dificultada pela ausência Apicotermitinae e os Kalotermitidae. Das
de padronização de protocolos de espécies listadas na Tabela 1, cerca de
amostragem. Aparentemente os cerrados 50% são endêmicas do Cerrado, uma
de São Paulo apresentam diversidade proporção bastante alta. A proporção de
mais baixa, o que é esperado devido à endemismo em aves no Cerrado, por
latitude e ao conseqüente clima mais frio, exemplo, é muito mais baixa, em torno
especialmente a ocorrência de geadas, de 3%. A Figura 4 mostra dois padrões
que aparentemente restringe a comuns de distribuição geográfica,
distribuição de alguns gêneros e estabelecidos com base em grupos
espécies. melhor conhecidos. Algumas espécies,

Figura 4
Dois padrões
comuns de
distribuição
geográfica de
espécies de cupins
no Cerrado. Padrão
A: Serritermes
serrifer, Cornitermes
silvestrii,
Cyranotermes
timuassu. Padrão B:
Labiotermes
brevilabius,
Procornitermes
araujoi, Syntermes
wheeleri, S.
praecellens,
Cornitermes villosus,
Dihoplotermes
inusitatus. A
distribuição é
aproximada,
podendo ser maior
ou menor para
algumas dessas
espécies.

330
Diversidade e endemismo de térmitas

como Serritermes serrifer, ocorrem em e composição taxonômica diferente. A


boa parte do Cerrado e em algumas fauna dos Llanos foi estudada muito
savanas amazônicas (Figura 4, área A), superficialmente e sabe-se apenas que
mas têm um limite sul que corresponde alguns gêneros comuns no Cerrado,
aproximadamente à divisa entre Minas como Armitermes, Velocitermes e
Gerais e São Paulo. Várias outras, como Nasutitermes, também são abundantes
Labiotermes brevilabius e Procornitermes lá, mas as espécies não foram
araujoi, ocorrem numa área menor identificadas (San Jose et al., 1989). Não
(Figura 4, área B), de São Paulo a Goiás. existe nenhum inventário da fauna do
É provável também que existam dois Chaco, apenas registros isolados de
outros padrões comuns. O primeiro espécies. No entanto, os registros
corresponderia à porção noroeste, existentes correspondem a várias
incluindo parte de Goiás até Rondônia, espécies comuns no Cerrado, o que
onde ocorrem Spinitermes allognathus e sugere que existe alguma semelhança
Spinitermes robustus. O segundo seria a entre essas faunas.
parte nordeste, em Tocantins, Maranhão,
As faunas dos vários tipos de mata
Piauí e Bahia. A fauna dessa última área
da região do Cerrado são muito mal
é praticamente desconhecida, mas uma
conhecidas. Os poucos dados do Distrito
espécie nova, Noirotitermes noiroti, foi
Federal e do Manso indicam que a fauna
descoberta recentemente num cerrado do
das matas de galeria é composta de
Piauí (Cancello & Myles, 2000).
elementos da Amazônia e da Mata
As relações da termitofauna do Atlântica. Até o momento, a única
Cerrado com a de outros biomas da espécie aparentemente endêmica de
América do Sul são ainda bastante matas dessa região é Angularitermes
obscuras. O maior problema é a falta de tiguassu, conhecida apenas de uma mata
informações sobre os outros biomas de de Goiânia. Como existem poucos
vegetação aberta, como a Caatinga, o inventários, é possível que exista uma
Chaco e os Llanos da Venezuela. fauna endêmica e desconhecida em
Acredita-se que durante o Pleistoceno algumas matas na região do Cerrado.
todas essas áreas estiveram interligadas.
Algumas espécies de cupins estão
distribuídas por várias dessas áreas, CONSIDERAÇÕES FINAIS
como Syntermes grandis. É provável a
ocorrência de formas vicariantes entre Devido à sua capacidade
essas áreas, mas ainda não existe incomum de digerir celulose, os térmitas
nenhum caso conhecido, possivelmente são um grupo funcional dominante no
devido à falta de estudos taxonômicos. Cerrado, com grande impacto no fluxo
A fauna da Caatinga foi amostrada por de energia, ciclagem de nutrientes e
Cancello (1996), que encontrou uma formação do solo. Uma fauna
grande proporção de espécies não extremamente diversa depende dos
descritas. Os resultados detalhados do cupins para alimento ou abrigo. Por
estudo desse material ainda não foram outro lado, a conversão de cerrados em
publicados e não é possível comparar agrossistemas freqüentemente leva a
essa fauna com a do Cerrado. Um estudo desequilíbrios que transformam algumas
superficial de Martius et al. (1999) indica espécies de térmitas em pragas agrícolas.
que a fauna da Caatinga é distinta da do Vários estudos mostraram que os cupins
Cerrado, com baixa densidade de ninhos são fortemente afetados pelas alterações

331
Constantino

antrópicas (DeSouza & Brown, 1994; Os cupins constituem um grupo


Eggleton et al., 1996). O estudo de faunas adequado para estudos voltados à
locais e sua dinâmica é importante para conservação devido aos seguintes
o desenvolvimento de estratégias de fatores: 1) riqueza de espécies tratável,
manejo que garantam os serviços entre 150 a 200 espécies no bioma
positivos executados pelos cupins, Cerrado; 2) taxonomia em situação
especialmente no solo, e ao mesmo muito melhor que a da maioria dos
tempo evitem problemas com o outros grupos de insetos; 3) alta
surgimento de pragas. proporção de endêmicos; 4) boa
fidelidade de habitat; 5) grande
A determinação mais detalhada de abundância e papel importante no
padrões de distribuição geográfica e ecossistema; 6) facilidade de
endemismo é essencial para os esforços amostragem através de protocolos
de conservação da biota do Cerrado, e padronizados, independente de
deve ser baseada numa amostragem sazonalidade, já que as colônias têm
balanceada de diversos grupos longa duração (a maioria dos outros
funcionais e taxonômicos. Os cupins insetos apresenta forte sazonalidade); 7)
estão entre os insetos mais bem são fortemente afetados pelas alterações
estudados do Cerrado. Não porque a antrópicas. Por outro lado, isso não
termitofauna do Cerrado seja bem significa que os padrões apresentados
conhecida, mas devido à ausência de pelos cupins possam ser extrapolados
informações sobre a maior parte da para todos os “invertebrados”. Mas eles
entomofauna. Os padrões observados na representam um grupo funcional
megafauna, especialmente aves e importante devido à socialidade, com
mamíferos, que apresentam baixo colônias de longa duração presentes no
endemismo, claramente não se aplicam ambiente em altas densidades, e ao seu
a outros elementos da biota do Cerrado. papel na cadeia detritívora.

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Diversidade e endemismo de térmitas

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333
Capítulo 20

FOTO: ALDICIR SCARIOT

Drosofilídeos Rosana Tidon


Denise F. Leite

(Diptera, Insecta) Luzitano B. Ferreira


Bárbara F. D. Leão
Departamento de Genética e Morfologia

do Cerrado Universidade de Brasília


Brasília, DF.
Constantino

336
Diversidade e endemismo de térmitas

INTRODUÇÃO A família Drosophilidae possui


representantes em praticamente todas as
regiões biogeográficas, em diversos tipos
Os insetos são excelentes orga-
de ecossistemas. Algumas espécies são
nismos para investigar questões endêmicas de determinadas áreas e
ecológicas, tais como a proposição de outras são cosmopolitas, sendo que
modelos que visem o desenvolvimento muitas desta última categoria
sustentável do planeta, em face das dispersaram-se pelo mundo devido à sua
acentuadas modificações ambientais capacidade de associação ao homem.
causadas pelo homem (Lawton, 2001). São conhecidas mais de 2.800 espécies
Drosofilídeos, em particular, são de Drosophilidae, quase 60% delas
extremamente apropriados para explorar pertencentes ao gênero Drosophila.
tais questões, uma vez que são pequenos Wheeler (1986) se refere a 1.595 espécies
e numerosos em termos de indivíduos e desse gênero no “Catalog of the World
Drosophilidae”, e desde então dezenas
de espécies, amplamente distribuídos,
de espécies novas foram registradas na
sensíveis a modificações ambientais,
literatura, inclusive, no Brasil (Val &
facilmente coletados, possuem ciclo de
Marques, 1996; Vilela & Bächli, 2000;
vida curto e são facilmente manipulados
Tidon-Sklorz & Sene, 2001). Certamente,
nos laboratórios. Devido a essas a fauna das regiões temperadas é muito
características, esses insetos têm sido melhor conhecida do que a das regiões
intensivamente utilizados em pesquisas, tropicais, onde provavelmente existem
produzindo uma vasta literatura em centenas de espécies ainda por descrever
várias áreas da Biologia. Nenhum outro (Wheeler, op. cit.).
modelo biológico tem sido estudado com
Em geral, as moscas dessa família
tanta freqüência e em níveis tão diversos
são pequenas (cerca de 3mm) e apre-
quanto as moscas do gênero Drosophila: sentam coloração amarela, marrom ou
em 1900 já havia 358 citações desse preta, algumas vezes com padrões
gênero em trabalhos científicos (Powell, coloridos na parte dorsal do tórax. As
1997). asas geralmente são claras e o abdome

337
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

freqüentemente possui faixas ou na literatura, no período compreendido


manchas que podem estar presentes em entre 1950 e 2001. Nesse levantamento,
alguns ou em todos os tergitos (Wheeler, foram incorporadas apenas as
1981). A maioria dos drosofilídeos localidades incluídas no bioma Cerrado
alimenta-se de microorganismos, sensu Ab’Saber (1977). Áreas com
principalmente leveduras, presentes em vegetação de cerrado sensu stricto
situadas além dos domínios desse bioma
fungos ou vegetais em decomposição.
não foram consideradas. Adicio-
Algumas espécies são restritas
nalmente, foram considerados dados de
ecologicamente, utilizando como sítio de
coletas realizadas por nós, em diversas
reprodução somente uma espécie localidades do Brasil Central, no período
hospedeira; outras são mais versáteis, compreendido entre 1997 e 2002. Nesta
podendo utilizar uma variada gama de categoria, incluem-se visitas mensais ao
recursos em diferentes fungos e(ou) Parque Nacional de Brasília (PNB: 15o
plantas. 40' S; 47o 54’W) e à Reserva Ecológica
do IBGE (RECOR: 15o 56' S; 47o 53' W)
Embora os primeiros dados sobre
durante um período de dois anos, em
espécies brasileiras de Drosophila
ambientes urbanos da cidade de Brasília
tenham sido publicados por Duda em durante um ano, além de outras coletas
1925, levantamentos mais sistemáticos esparsas mencionadas oportunamente.
foram realizados apenas a partir da
década de 1940 (Pavan & Cunha, 1947; A captura de drosofilídeos geral-
Dobzhansky & Pavan, 1943, 1950; Pavan, mente envolve o uso de iscas de frutas
1950, 1959; Mourão et al., 1965). fermentadas (em armadilhas ou
depositadas diretamente sobre o solo),
Posteriormente, com base nas infor-
cujos microorganismos atraem essas
mações dos trabalhos precedentes e de
moscas. Os insetos atraídos, coletados
um extensivo programa de coletas, Sene
com rede entomológica, em geral são
et al. (1980) e Vilela et al. (1983) levados vivos para o laboratório, onde
discutiram a fauna drosofiliana dos são identificados sob lupa binocular
domínios morfoclimáticos brasileiros, (Dobzhansky & Pavan, 1943; Pavan &
visando conhecer a distribuição Cunha, 1947; Freire-Maia & Pavan, 1949;
geográfica das espécies mais comuns. A Frota-Pessoa, 1954). Em alguns casos a
fauna de drosofilídeos do Brasil Central, determinação das espécies é feita
entretanto, foi pouco amostrada nesses mediante a análise da genitália
trabalhos. masculina, cuja morfologia é diagnóstica
(Val, 1982; Vilela & Bachli, 1990; Vilela,
Nesse contexto, o objetivo do 1992). Assim, é importante ressaltar que
presente trabalho foi o de listar as as espécies de Drosophilidae mencio-
espécies de drosofilídeos atualmente nadas neste trabalho restringem-se
conhecidas no Cerrado, discutindo sua àquelas atraídas por iscas de frutas
ocorrência na região em termos fermentadas, não incluindo, portanto
ecológicos e biogeográficos. espécies associadas a fungos, flores e
eventuais outros substratos.

METODOLOGIA
ESPÉCIES DE DROSOFILÍDEOS
A presente compilação foi elaborada REGISTRADAS NO BIOMA CERRADO
com base em dois tipos de fontes. A
primeira refere-se aos registros de A Tabela 1 lista as espécies cuja
ocorrência de drosofilídeos publicados ocorrência já foi registrada no Cerrado.

338
Drosofilídeos
Drosofilídeos

Tabela 1. Relação das espécies de drosofilídeos registradas no Bioma Cerrado

339
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

(continuação)

Tabela 1. Relação das espécies de drosofilídeos registradas no Bioma Cerrado

*: novos registros para o Cerrado


Registros - 1. Burla & Pavan, 1953; 2. Dobzhansky & Pavan, 1950; 3. Ehrman & Powell, 1982; 4. Magalhães, 1962;
5. Pavan, 1950; 6. Pavan, 1959; 7. Pavan & Breuer, 1954; 8. Sene et al., 1980; 9. Tidon-Sklorz & Sene, 1995a; 10.
Tidon-Sklorz & Sene, 2001; 11. Tidon-Sklorz et al., 1994; 12. Val & Sene, 1980; 13. Val, et al., 1981; 14.Vilela et al.,
1983; 15. Vilela & Mori, 1999; 16. Coletas na RECOR; 17. coletas no PN; 18. Coletas em ambientes urbanos de
Brasilia-DF 19. Coletas na Fazenda Água Limpa, DF; 20 Coletas em Pirenópolis-GO. - ca = cerradão, ce = cerrado
sensu stricto, mg = mata de galeria, po = pomar, ar = afloramento rochoso, au = ambientes urbanos.

Após o nome da espécie seguem as kikkawai, D. malerkotliana, D.


referências que a registram no bioma e melanogaster, D. simulans, Scapto-
os tipos de ambientes onde foi feita a drosophila latifasciaeformis e Zaprionus
captura (informação nem sempre indianus). Várias dessas espécies são
disponível). sinantrópicas e colonizaram a área após
a chegada do homem, alterando a
Foram identificados três gêneros de
Drosophilidae no bioma Cerrado. composição da fauna drosofiliana da
Drosophila, o maior na Região Neotro- região. Espécies da fauna nativa são
pical, contempla 75 das 77 espécies encontradas em todas as fitofisionomias
listadas. Scaptodrosophila e Zaprionus do bioma, demonstrando o alto grau de
estão representados por apenas uma plasticidade adaptativa dessa família.
espécie cada um.
A seguir, são apresentadas algumas
Dentre as 77 espécies de informações a respeito de cada uma das
drosofilídeos reconhecidas, 67 são espécies encontradas no Cerrado. Os
endêmicas da Região Neotropical e 10 gêneros e subgêneros estão ordenados
nela introduzidas (D. ananassae, D. segundo sua importância relativa na
busckii, D. hydei, D. immigrans, D. Região Neotropical. As categorias

340
Drosofilídeos

“grupo” e “subgrupo”, embora não D. annulimana (Duda) e D. aff.


reconhecidas formalmente pela arapuan (Cunha & Pavan) foram
taxonomia, têm sido amplamente coletadas apenas na Serra do Cipó (Vilela
utilizadas para reunir espécies de & Mori, 1999), localizada no extremo
drosofilídeos presumivelmente aparen- leste do bioma Cerrado.
tadas (Patterson & Stone, 1952; Vilela,
1983). Tais agrupamentos, definidos com
Grupo aureata
base na morfologia do adulto, das formas D. aureata (Wheeler), a única
imaturas, e dos cromossomos, são espécie deste grupo, já havia sido
elaborados com o intuito de refletir registrada do México ao Panamá. Sua
grupos monofiléticos de espécies. ocorrência na Serra do Cipó (Vilela &
Informações detalhadas sobre a Mori, 1999) ampliou sua distribuição
classificação dos drosofilídeos, bem para a América do Sul continental.
como referências relativas às descrições
das espécies, podem ser consultadas on Grupo bromeliae
line no banco de dados TaxoDros (Bächli, O único espécime de D. bromelioides
1999). (Pavan & Cunha) registrado no Cerrado
foi coletado na Serra do Cipó (Vilela &
Gênero Drosophila Mori, 1999). Todas as espécies deste
pequeno grupo neotropical criam-se e
Subgênero Drosophila alimentam-se em flores, não sendo,
portanto, comuns em iscas de frutas
Grupo annulimana
fermentadas.
Este grupo compreende 15 espécies
Grupo calloptera
neotropicais, encontradas principalmen-
te em florestas úmidas (Tosi & Pereira, As oito espécies deste grupo (Val et
1993). Cinco delas estão registradas no al., 1981) possuem manchas escuras nas
Cerrado. asas, compondo desenhos peculiares. No
Cerrado foram capturadas duas espécies,
D. aragua (Vilela & Pereira) e D.
ambas em matas de galeria: D. schildi
arauna (Pavan & Nacrur) já eram
(Malloch), que ocorre desde o sudeste
conhecidas de áreas florestadas do
do Brasil até a América Central (Burla &
Estado de São Paulo (Vilela & Pereira,
Pavan, 1953), e D. atrata (Burla &
1982; Tidon-Sklorz & Sene, 1992; Tosi &
Pavan), espécie amplamente distribuída
Pereira, 1993) e, no caso de D. aragua,
em florestas da América do Sul (Val et
também da Argentina. Este é o primeiro
al., op. cit.). Este é primeiro registro de
registro dessas espécies no Cerrado, onde
D. atrata no domínio do Cerrado.
foram capturadas em matas de galeria e
cerrados sensu stricto (neste último Grupo canalinea
apenas D. aragua).
D. canalinea (Patterson & Mainland)
D. ararama (Pavan & Cunha) ocorre foi registrada em diversas localidades
em ambientes onde normalmente não se brasileiras na década de 1950
coletam espécies deste grupo, tais como (Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan,
cerrados e restingas (Mourão, 1966; Sene 1959), inclusive nos cerrados de Goiás.
et al., 1980). No Brasil Central, essa Expedições mais recentes não fazem
espécie foi registrada em cerrados e referência a este grupo, que inclui outras
matas de galeria. 10 espécies.

341
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

Grupo cardini Grupo dreyfusi


Segundo Heed e Russell (1971) o As nove espécies que compõem este
grupo inclui 16 espécies ecologicamente grupo são, aparentemente, restritas a
versáteis, amplamente distribuídas nas florestas. Embora D. camargoi
Américas. Quatro delas foram (Dobzhansky & Pavan) tenha sido
encontradas no Cerrado. registrada no Cerrado na década de 1950
D. cardini (Sturtevant) e D. (Pavan, 1950; Pavan & Breuer, 1954), não
cardinoides (Dobzhansky & Pavan) são tem sido coletada no Brasil Central. D.
morfologicamente muito semelhantes, e dreyfusi (Dobzhansky and Pavan), por
suspeita-se que vários dos inventários outro lado, foi recentemente encontrada
realizados no Brasil possam ter na Serra do Cipó (Vilela & Mori, 1999).
confundido essas duas espécies (Vilela
Grupo guarani
et al., 2002). De qualquer maneira,
ambas já haviam sido registradas no Este grupo é formado por 13 espécies
Cerrado (Sene et al., 1980), onde neotropicais (Tidon-Sklorz et al., 1994),
ocorrem em diversos tipos de ambientes. cinco delas registradas no Cerrado. D.
maculifrons (Duda) é amplamente
D. polymorpha (Dobzhansky &
Pavan) ocorre da Guatemala até o Brasil, distribuída no Brasil em vários
onde vem sendo coletada desde os ambientes, com a exceção das caatingas
primeiros levantamentos (Dobzhansky & (Sene et al., 1980), e vem sendo
Pavan, 1943, 1950), em diversos tipos registrada no Cerrado desde a década de
de ambientes: florestas, cerrados, 1950. Em contraste, D. griseolineata
restingas, e até mesmo em associação (Duda) e D. guaraja (King) foram
com o homem. Trata-se de uma espécie coletadas apenas na Serra do Cipó.
relativamente abundante nos diferentes
D. ornatifrons (Duda) ocorre na Mata
domínios morfoclimáticos, exceto nas
Atlântica (Sene et al., 1980) e em
caatingas (Sene et al., 1980).
diversos ambientes do bioma Cerrado.
D. neocardini (Streisinger) também D. guaru (Dobzhansky & Pavan),
é uma espécie amplamente distribuída coletada no Estado de São Paulo nos
no Brasil, mas geralmente rara nas levantamentos pioneiros (Dobzhansky &
coletas (Sene et al., 1980), este é seu Pavan, 1943), não vinha sendo registrada
primeiro registro no Cerrado onde foi em coletas mais recentes; entretanto, em
capturada em matas de galeria e cerrado 1999 ela foi encontrada em mata de
sensu stricto. galeria no Parque Nacional de Brasília,
Grupo coffeata seu primeiro registro no Cerrado.

Este grupo inclui quatro espécies Grupo immigrans


neotropicais (Vilela & Bächli, 1990), e
D. immigrans (Sturtevant) é uma
apenas D. fuscolineata (Duda) foi
espécie introduzida e cosmopolita, a
coletada no Cerrado até o momento
única deste grupo que ocorre na Região
(tanto em matas de galeria como em
Neotropical (Val et al., 1981). Ela já havia
cerrado sensu stricto). Essa espécie, que
sido coletada em associação com o
possui ampla distribuição geográfica, do
homem e em áreas de cerrados e
México até o Brasil, foi descrita também
como D. castanea e D. fumosa (Vilela & florestas, entretanto nunca foi registrada
Bächli, op cit.). em caatingas e dunas (Sene et al., 1980).

342
Drosofilídeos

Esta espécie tem sido capturada registrada com regularidade em diversos


regularmente em diversos ambientes do tipos de ambientes desse bioma, em
Cerrado. baixas freqüências.

Grupo pallidipennis Subgrupo mercatorum


D. pallidipennis (Dobzhansky & Das quatro espécies incluídas no
Pavan) distribui-se em diversos tipos de subgrupo mercatorum, duas ocorrem no
ambientes, com exceção das caatingas Cerrado. D. mercatorum (Patterson &
(Sene et al., 1980). Tem sido capturada Wheeler) é abundante em ambientes
esporadicamente em cerrado sensu naturais, principalmente os de vegetação
stricto. aberta (Sene et al., 1981; Vilela et al.,
1983), e foi encontrada também em
Grupo repleta quintais e quitandas (Oliveira & Sene,
Este é o maior grupo de drosófilas 1993). D. paranaensis (Barros) é uma
neotropicais abrangendo, atualmente, espécie críptica de D. mercatorum que,
mais de 100 espécies. Inclui seis embora mais rara, também é
subgrupos (Rafael & Arcos, 1989), cinco amplamente distribuída, ocorrendo em
deles presentes no Cerrado. ambientes naturais do México à
Argentina. No Brasil, já foi encontrada
Subgrupo fasciola em vegetação de cerrado, dunas, e matas
É formado por 20 espécies secundárias (Vilela et al., 1983; Sene &
predominantemente associadas a matas, Santos, 1988). As duas espécies foram
embora algumas delas tenham cactáceas registradas tanto em ambientes naturais
como local de criação. Três delas foram como urbanos.
registradas no Cerrado. D. coroica Subgrupo mulleri
(Wasserman) foi encontrada nos
cerrados de Campo Grande (MS), Com mais de 35 espécies descritas,
Bolívia, Argentina, e em matas este é o maior subgrupo do grupo repleta,
mesofíticas do Estado de São Paulo e praticamente todas as suas espécies
(Vilela et al., 1983; Tidon-Sklorz & Sene, usam cactáceas como local de criação.
Em decorrência desta especificidade de
1992). D. rosinae ocorre na região
nicho, estas espécies ocupam áreas onde
oriental da América do Sul, incluindo a
ocorrem cactáceas em todo continente
Serra do Cipó, e D. onca (Dobzhansky &
americano, predominantemente em
Pavan) distribui-se desde o Cerrado até
regiões semidesérticas ou desérticas.
o sul do Brasil (Vilela et al., op. cit.).
D. buzzatii (Patterson & Wheeler),
Subgrupo hydei provavelmente originada no Chaco
O subgrupo hydei é formado por seis argentino, foi levada pelo homem,
espécies nominais que se distribuem na juntamente com um dos seus
parte norte da América do Sul, América hospedeiros, Opuntia ficus-indica, para
Central, e sudeste da América do Norte. várias partes do mundo. No Brasil ela é
D. hydei (Sturtevant) é a única espécie abundante nos estados do sul, ocorrendo
cosmopolita do subgrupo. Foi registrada junto com O. monachanta. Embora
por Vilela et al. (1983) em vegetação demonstre preferência por cactos do
aberta na América do Sul, incluindo o gênero Opuntia, suas larvas também já
Cerrado, especialmente em áreas foram observadas criando-se em cactos
alteradas pelo homem e continua sendo do gênero Cereus (Pereira et al., 1983).

343
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

Essa espécie, que já havia sido registrada de identificação inerente a todas as


no Cerrado (Vilela et al., 1983), foi espécies do grupo, Vilela (1983)
capturada por nós em afloramentos encontrou cerca de 10 sinonímias desta
rochosos próximos à cidade de espécie. D. zotti (Vilela) e D.
Pirenópolis-GO. pseudorepleta (Vilela and Bächli) tem
ocorrência registrada nas porções
D. nigricruria (Patterson &
sudeste e sul da América do Sul; no
Mainland) possui ampla distribuição
Cerrado, são conhecidas apenas da Serra
geográfica, já havia sido registrada no
do Cipó.
Estado de Goiás (Vilela et. al., 1983), e
tem sido capturada em cerrados sensu Grupo tripunctata
stricto e matas de galeria.
Segundo Vilela (1992), este grupo
D. meridionalis (Wasserman) ocorre de espécies é o segundo maior de
em diversos locais com vegetação seca drosófilas na Região Neotropical, de
na América do Sul, incluindo os limites onde é endêmico; a única espécie do
orientais do bioma Cerrado, onde há grupo que ocorre fora dessa área é D.
áreas com esse tipo de vegetação (Tidon- tripunctata (Loew), registrada na Região
Sklorz et al., 1994). D. Borborema, uma Neartica. O grupo tripunctata foi
espécie endêmica da Caatinga, também proposto formalmente por Sturtevant, em
ocorre nos limites orientais do bioma 1942, e desde então diversas espécies
Cerrado (Vilela et al., 1983, Tidon-Sklorz novas foram nele incluídas (Frota-
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D. serido (Vilela & Sene) era Pipkin & Heed, 1964).
considerada uma espécie politípica
A identificação das espécies deste
amplamente distribuída na América do
grupo geralmente é difícil, devido à
Sul (Sene et al., 1988). Atualmente, as
grande variação intra-específica e, em
relações filogenéticas que compõem esse
alguns casos, à semelhança entre
conjunto de espécies já estão mais bem
diferentes espécies. Como ocorre com
esclarecidas (Tidon-Sklorz & Sene,
outros grupos de Drosophila, a
1995b), de maneira que podemos
identificar as duas espécies que ocorrem morfologia da genitália masculina tem
no bioma Cerrado: D. seriema (Tidon- sido usada como um caráter confiável
Sklorz & Sene), restrita aos campos de para discriminar as espécies. Ilustrações
altitude da Cadeia do Espinhaço (Tidon- sobre a genitália dessas espécies, assim
Sklorz & Sene, 1995c), e D. gouveai como maiores informações sobre sua
(Tidon-Sklorz & Sene), distribuída nas sistemática, podem ser obtidas em Vilela
áreas mais secas da região central do país (1992) e referências inclusas.
(Tidon-Sklorz & Sene, 2001).
Segundo Sene et al. (1980), os
Subgrupo repleta espécimes deste grupo são muito
abundantes em florestas, podem ser
D. repleta (Wollaston), uma das sete
encontrados em baixas freqüências em
espécies desse subgrupo, é generalista e
cerrados, dunas, e estão ausentes das
encontrada em praticamente todos os
ambientes urbanos (quitandas, ban- caatingas. Pavan (1959) sugere que as
heiros, lixões, etc.), sendo dificilmente moscas do grupo tripunctata são mais
coletada em ambientes naturais. Dada a freqüentes nas proximidades de rios e
sua ampla distribuição e à dificuldade lagos durante os meses frios do ano.

344
Drosofilídeos

Atualmente, 13 espécies deste grupo (Lemeunier et al. 1986; Toda, 1991).


são conhecidas no Cerrado, sendo que Quatro delas têm registro do Cerrado.
três delas estão sendo registradas nesse
D. kikkawai (Burla) já era conhecida
bioma pela primeira vez. D.
no Brasil desde a década de 1950 (Freire-
bandeirantorum (Dobzhansky & Pavan),
Maia, 1953), porém, de acordo com
D. medioimpressa (Frota-Pessoa), D.
Freire-Maia (1964), nessa ocasião essa
mediopunctata (Dobzhansky & Pavan),
espécie era ocasionalmente confundida
D. mediostriata (Duda) e D.
com D. montium (Meijere). Segundo
paraguayensis (Duda), já haviam sido
Wheeler (1981), D. montium ocorre
registradas no Bioma, e continuam sendo
somente em Java, e D. kikkawai é uma
capturadas principalmente em matas de
espécie subtropical. Embora esta última
galeria. Por outro lado, D. albirostris
tenha registro nos cerrados próximos à
(Sturtevant), D. mediopicta (Frota
Brasília (Sene et al., 1980), ela não tem
Pessoa), D. mesostigma (Frota Pessoa),
sido encontrada desde 1996.
D. trapeza (Heed & Wheeler) e D.
unipunctata (Patterson & Mainland) D. malerkotliana (Parshad & Paika)
foram coletadas apenas na Serra do Cipó. foi encontrada na América do Sul pela
Por fim, este é o primeiro registro no primeira vez em 1976 (Val & Sene, 1980).
Cerrado de D. bifilum (Frota-Pessoa), D. Acredita-se que tenha sido introduzida
neoguaramunu (Frydenberg) e D. também na África, onde se tornou muito
paramediostriata (Townsend & abundante (Chassagnard et al., 1989).
Wheeler). Há registros de D. malerkotliana em
diversos biomas incluindo o Cerrado
Grupo virilis.
(Sene et al., 1980), onde ocorre em
D. virilis (Sturtevant) é uma espécie diversos tipos de ambientes.
amplamente distribuída, a única do
D. melanogaster (Meigen) é uma
grupo que ocorre na região Neotropical.
espécie sinantrópica e sua presença pode
No Cerrado, foi encontrada apenas na
ser considerada um indicador de
Serra do Cipó.
atividades humanas nas proximidades.
Não agrupadas Essa espécie já havia sido registrada no
Cerrado (Sene et. al., 1980), e continua
D. impudica (Duda) (syn = D.
sendo capturada em freqüências muito
para), espécie com ampla distribuição
baixas.
geográfica, e D. caponei (Pavan &
Cunha), espécie aparentemente D. simulans (Sturtevant) tem sido a
associada a florestas, foram encontradas espécie deste grupo mais abundante em
na periferia do bioma Cerrado. várias localidades, e muito mencionada
nos inventários de drosofilídeos (por
Subgênero Sophophora exemplo: Dobzhansky & Pavan, 1950;
Grupo melanogaster Pavan, 1959; Sene et al., 1980; Val &
Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz & Sene,
Com mais de 160 espécies descritas 1992). Das espécies introduzidas na
e, provavelmente, originário do sudeste região Neotropical, é a que melhor se
asiático, este grupo apresenta espécies adaptou às diferentes regiões
que foram introduzidas em várias regiões fitogeográficas, principalmente em áreas
do mundo e que se tornaram abertas (Perondini et al., 1979). É muito
cosmopolitas ou subcosmopolitas abundante no Cerrado, em diversos tipos

345
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

de ambientes (uma notável exceção é a Grupo willistoni


mata de galeria do Parque Nacional de
Brasília, onde houve predominância das Este grupo, praticamente neotrópico,
espécies do subgrupo willistoni). Em inclui 23 espécies nominais, e a maioria
contraste, D. ananassae (Doleschall), delas pode ser classificada em dois
uma espécie muito rara na região subgrupos (Val et al., 1981).
Neotropical, foi registrada apenas na
O subgrupo willistoni é muito
Serra do Cipó e em baixas freqüências.
homogêneo e inclui seis espécies
Grupo saltans crípticas de difícil identificação,
amplamente distribuídas na América do
Este grupo é formado por cerca de
Sul em diversos tipos de ambientes,
20 espécies (Val et al., 1981), todas
principalmente nos florestados. Embora
conhecidas da Região Neotropical.
Segundo alguns autores (Pavan, 1959; D. willistoni (Sturtevant), D. paulistorum
Sene et al., 1981), estas moscas (Dobzhansky & Pavan) e D. tropicalis
apresentam acentuada variação sazonal (Burla & Cunha) já tenham sido
e são muito sensíveis às técnicas de coletadas no Cerrado (Ehrman & Powell,
coleta. 1982), amostras coletadas por nós
(Parque Nacional de Brasília) e
D. austrosaltans (Spassky) foi
identificadas pela Dra Marlúcia Martins
considerada por Mourão (1966) como
(Museu Goeldi) acusaram somente D.
uma espécie rara. No Cerrado, foi
willistoni. Essa espécie esteve ausente
registrada por Sene et al. (1980) em
nos ambientes urbanos, apresentou
Caracol (MS), e tem sido capturada na
baixas freqüências nos cerrados sensu
Reserva Ecológica do IBGE.
stricto e altas freqüências nas matas
Embora D. neocordata (Magalhães) somente na estação úmida.
tenha sido registrada no Cerrado por
Sene et al. (1980), não foi identificada Metade das 12 espécies do subgrupo
em nossas coletas. D. neoelliptica (Pavan bocainensis foi registrada no Cerrado. D.
& Magalhães) já foi reconhecida em capricorni (Dobzhansky & Pavan) e D.
Goiás (Pavan, 1950; Magalhães, 1962), fumipennis (Duda), registradas nesse
mas aparentemente é mais comum na bioma na década de 1950, não foram
Floresta Atlântica (Sene et al., 1980). reconhecidas em coletas mais recentes.
Também não foi capturada por nós nas D. bocainensis (Pavan & Cunha),
imediações de Brasília. distribuída em diversos pontos da
D. prosaltans (Duda) e D. sturtevanti América do Sul, tem sido coletada em
(Duda) são espécies amplamente cerrados sensu stricto e matas de galeria.
distribuídas nas Américas Central e do Por fim, D. bocainoides (Carson) e D.
Sul. Ocorrem em diferentes domínios parabocainensis (Carson) foram
morfoclimáticos, embora tenham maior encontradas apenas na Serrado Cipó.
afinidade pelos cerrados (Sene et al.,
D. nebulosa (Sturtevant) é a única
1980). As duas têm sido coletadas nesse
espécie deste grupo que é mais
bioma, inclusive por nós, em diferentes
abundante em formações abertas, tais
ambientes. No caso de D. sturtevanti, é
possível que nossas amostras incluam como o cerrado e a caatinga, do que em
ainda outras espécies crípticas à florestas. Distribuída amplamente na
mencionada, o que deverá ser Região Neotropical, tem sido capturada
esclarecido em estudos posteriores. com freqüência desde a década de 1950

346
Drosofilídeos

(Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan, ocorrem no Brasil, sendo que S.


1959; Mourão, 1966; Sene et al., 1980; latifasciaeformis (Duda) é a única
Val & Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz & presente em diversos tipos de ambientes
Sene, 1992). Ocorre em ambientes (Sene et al., 1980). Introduzida e
naturais e urbanos, sendo mais cosmopolita, freqüentemente está
abundante nos cerrados sensu stricto.
associada ao homem (Val & Kaneshiro,
Subgênero Dorsilopha 1988). No Cerrado, essa espécie foi mais
comum em cerrados sensu stricto do que
O subgênero Dorsilopha tem origem
em matas de galeria.
na Região Oriental, e é constituído por
três espécies, das quais apenas uma, D.
busckii (Coquillett), se tornou CONSIDERAÇÕES FINAIS
cosmopolita (Toda, 1986). Essa espécie
introduzida no Brasil é freqüentemente As 77 espécies de drosofilídeos
associada a ambientes modificados pelo registradas no Cerrado certamente
homem, mas pode ser também representam uma subestimativa da
encontrada em ambientes naturais, diversidade desses insetos no bioma,
principalmente formações vegetais onde inventários regulares passaram a
abertas. Registrada no Cerrado desde ser efetuados somente a partir de 1997,
1950, D. busckii tem sido encontrada em e concentram-se nas imediações do
diversos tipos de ambientes naturais e Distrito Federal. No Estado de São Paulo,
urbanos, mas principalmente em que ocupa uma área cerca de oito vezes
cerrados sensu stricto. menor que o Cerrado, já foram
Gênero Zaprionus registradas 97 espécies desses insetos
(Tidon-Sklorz & Sene, 1999).
O gênero Zaprionus inclui mais de Considerando que em todas as grandes
50 espécies descritas, distribuídas pelo universidades paulistas há laboratórios
mundo todo, mas muito abundantes na que estudam drosófilas, essa
África (Tsacas et al., 1981; Chassagnard discrepância pode ser facilmente
& Tsacas, 1993). Z. indianus (Gupta) é explicada pela diferença nos esforços de
uma espécie generalista que se adapta coleta realizados em ambas as regiões.
facilmente a diversos tipos de ambientes No período decorrido entre 1997 e 2002
(Parkash & Yadav, 1993), registrada no foram registradas nas imediações de
Brasil pela primeira vez por Vilela, em
Brasília oito novas ocorrências de
1999. Desde então tem se disseminado
espécies de Drosophilidae, além de
rapidamente, de maneira que já se
diversas outras pertencentes à família,
encontra distribuída por todo o território
mas cuja determinação em nível de
nacional. Como é uma espécie que ataca
espécie ainda não foi possível.
plantações de figo tem sido monitorada
Expedições que investigarem outras
por diversos pesquisadores (Stein et al.,
1999). Z. indianus tem sido muito regiões do bioma certamente vão
abundante na região de Brasília, aumentar a lista das espécies conhecidas
principalmente em cerrados sensu stricto no Cerrado.
e durante estação chuvosa (Tidon et al., É importante ressaltar que, nas
2003). coletas de drosofilídeos, geralmente se
Gênero Scaptodrosophila utilizam iscas de frutas fermentadas,
muitas vezes no interior de armadilhas.
Este gênero possui mais de 170 Isto faz com que cada coleta seja
espécies distribuídas em diversas altamente influenciada pelo tipo e
Regiões Biogeográficas. Duas delas localização de iscas e armadilhas, além

347
Tidon, Leite, Ferreira & Leão

da eventual competição entre elas e os nativa da região. Essas invasões,


substratos naturais presentes na área de possivelmente, ocorrem devido ao
coleta (Pavan, 1959; Sene et al., 1981; aumento desenfreado de urbanização
Carson & Heed, 1983). Mais raramente, nas áreas adjacentes àquelas que estão
são coletados também substratos sendo preservadas. O exemplo mais
naturais de criação das moscas, tais recente é a invasão da espécie
como fungos, flores ou frutos em oportunista Zaprionus indianus,
decomposição (Valente & Araujo, 1991), introduzida na Região Neotropical,
os quais são mantidos no laboratório até provavelmente em 1999, ano em que
a emergência dos adultos. Esse último comprometeu cerca de 50% da safra de
procedimento permite a captura de figo do Estado de São Paulo (Stein et al.,
espécies que não são atraídas pelas iscas 1999). Desde então tem se tornado uma
normalmente utilizadas, e, portanto, das espécies de Drosophilidae mais
deveria ser adotado regularmente nos abundantes em vários pontos do
inventários desses insetos. território brasileiro, inclusive no Cerrado.
Até o momento, nosso programa regular
Apesar das limitações acima,
de coletas mensais já capturou cerca de
drosofilídeos são considerados
20.000 indivíduos pertencentes a essa
excelentes modelos para estudos
espécie no IBGE (entre 1999 e 2002),
ecológicos (Powell, 1997), uma vez que,
14.000 no Parque Nacional de Brasília
assim como diversos outros artrópodos,
(entre 1999 e 2001) e 10.000 em
apresentam a maioria das características
ambientes urbanos (entre 2000 e 2001).
listadas por Hilty & Merelender (2000)
É importante ressaltar que os primeiros
para monitorar mudanças ambientais:
registros dessa espécie no Brasil (Vilela,
são sensíveis a variações no ambiente,
1999) e no Cerrado (Galinkin & Tidon-
numerosos em termos de indivíduos e
Sklorz, 2000) são contemporâneos e
de espécies, possuem ciclo de vida curto,
muito recentes.
e são facilmente coletados e
manipulados. A intensidade com que Os dados aqui apresentados
esses insetos têm sido utilizados em sustentam a necessidade de se preservar
pesquisas é uma vantagem adicional: só a heterogeneidade espacial do Cerrado.
nos últimos dez anos foram publicados A Tabela 1 mostra o(s) ambiente(s) de
mais de 15.000 artigos sobre essas ocorrência de 73 espécies, das quais 20
moscas (Web of Science, 2004). Essas foram registradas somente em matas de
características, somadas ao relativamente galeria, sete apenas em cerrados sensu
baixo custo das pesquisas com stricto, e três exclusivamente em
drosofilídeos, sugerem o uso desses afloramentos rochosos. As demais
insetos como eventuais indicadores de espécies, embora registradas em mais de
perturbações ambientais (Parsons, 1991, um ambiente, em geral foram mais
1995, Mata & Tidon, 2003). abundantes em um deles (dados não
apresentados).
A Tabela 1 mostra que das 10
espécies introduzidas na Região Em síntese, este trabalho mostra que
Neotropical e registradas no bioma, sete a fauna de drosofilídeos do Cerrado
foram capturadas por nós na Reserva ainda é relativamente pouco conhecida
Ecológica do IBGE e no Parque Nacional e que, devido ao potencial desses insetos
de Brasília. Isso sugere que, embora para a bioindicação, seu estudo pode
mantidas como reservas ambientais, eventualmente contribuir para o
essas áreas estão sofrendo colonizações estabelecimento de políticas que visem
de espécies que podem alterar a fauna à conservação desse bioma.

348
Drosofilídeos

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352
Solos e paisagem

Capítulo 21

A complexidade

FOTO: ROSANA TIDON


estrutural de
bromélias e a
diversidade de Ludmilla M. de S. Aguiar
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF.

artrópodes, em Ricardo B. Machado


Conservação Internacional do Brasil-CI
Brasília, DF

ambientes de campo Reuber A. Brandão


Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA
Brasília, DF
rupestre e mata de Cristiane G. Batista
Departamento de Ecologia
Universidade de Brasília

galeria no Cerrado Brasília, DF


Jean François Timmers
Departamento de Zoologia

do Brasil Central Universidade de Brasília


Brasília, DF

353
Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

354
Bromélias e antrópedes

pois elas são verdadeiras ‘ilhas’


INTRODUÇÃO biológicas, nas quais a riqueza de fauna
A família Bromeliaceae, endêmica à está associada ao tamanho das plantas.
região Neotropical, é caracterizada por
Vários estudos têm sido realizados
plantas terrestres, saxícolas ou epífitas,
com bromélias, focando a saúde das
de pequeno porte, que possuem folhas
populações humanas, pois os copos de
simples dispostas em forma de roseta, e
água formados na planta são habitats
em sua base central, formam um copo,
perfeitos para a ovoposição e o
onde ocorre acúmulo de água e detritos
desenvolvimento de larvas (Barrera &
orgânicos (Leme, 1984). A água da chuva
Medialdea, 1996), principalmente dos
acumulada na planta pode ser
gêneros de mosquitos Aedes (Marques
considerada um ambiente limnológico
et al., 2001), Anopheles (Chadee, 1999)
isolado, um microhabitat para muitas
e Culex (Hogue, 1975). Estudos
micro e macroespécies de animais e
ecológicos abordam a relação de
plantas (Picado, 1913), que vivem ali em
espécies, populações e comunidades
simbiose. Essa comunidade associada
associadas a essas plantas. A
supre as bromélias com nutrientes em
importância das bromélias como
troca de habitat (Por, 1992). Bromélias,
microhabitats para artrópodes e anfíbios
portanto, são estruturas biológicas
é bem documentada para as florestas
complexas (Beutelspacher, 1971) e não
úmidas tropicais, onde são utilizadas por
apenas fitotelmatas (Richardson, 1999).
várias espécies como locais de
Fitotelmatas são plantas não-aquáticas
nidificação, fonte de alimentação e
que armazenam água em suas folhas
refúgio contra predadores (Monteiro et
modificadas ou outras estruturas
al., 2001; Teixeira et al., 2002).
morfológicas, como flores e frutos
abertos, ou mesmo uma depressão, que O Cerrado (sensu lato) é formado por
provoque acúmulo de água. Monteiro et um mosaico vegetacional onde existem
al. (2001) questionam a caracterização desde formações do tipo arbóreo denso
de bromélias apenas como fitotelmatas, até gramíneo-lenhoso, criando assim

355
Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

situações e contextos ecológicos 13 o50’e 14 o12’ S e 47 o25’ e 47 o53’ W


extremamente diferenciados (Eiten, (Figura 1). A altimetria da região varia
1972). Para o bioma Cerrado, essa entre 400 e 1.676m. O clima
relação fauna-bromélias ainda não é bem predominante é tropical-quente-sub-
documentada. Em ecossistemas alagados úmido (Köppen), caracterizado por duas
ou arenosos, a presença de bromélias estações bem definidas, com um verão
pode compensar a falta de lugares chuvoso entre os meses de outubro e
apropriados para a pedofauna e abril, e um inverno seco entre maio e
criptofauna, oferecendo condições setembro. A pluviosidade média anual
subótimas comparáveis às suas situa-se entre 1.500 e 1.750 mm, sendo
exigências ecológicas. A peculiaridade que 50% da precipitação anual ocorre
das bromélias em guardar umidade na de novembro a janeiro. As temperaturas
base das folhas e, dependendo das médias anuais oscilam entre 24 e 26oC
espécies e do tamanho, formar um (MMA, 1995). A vegetação do parque é
reservatório de água no centro da roseta, constituída por um mosaico de
condiciona este papel. Seria esperado, formações, com campos rupestres
então, que o tamanho e a complexidade localizados nas serras e afloramentos
estrutural da planta determinem o seu rochosos; áreas de cerrado, nas encostas
potencial de oferecer uma diversidade de menor declividade; veredas, campos
de recursos, alimentos e microhabitat, úmidos e matas ciliares nos fundos dos
podendo assim hospedar uma vales. As áreas de amostragem foram
quantidade e variedade maior de estabelecidas em duas dessas formações:
organismos. Fatores do próprio 1) campo rupestre, com estrato arbóreo
ecossistema, como disponibilidade de médio de 2-3m e uma cobertura arbórea
habitat, estrutura da comunidade, grau de 1-10% (Ribeiro & Walter, 1998).
de predação e de competição intra e Ocorre em altitude acima de 900m, com
interespecífica por recursos e habitat, ventos constantes e grande amplitude
determinam também o tipo e a térmica diária, em solo profundo e
intensidade de ocupação das bromélias rapidamente drenado. São características
por artrópodes e outros animais deste ambiente, as espécies das famílias
(Monteiro et al., 2001). Cactaceae, Araceae, Bromeliaceae e
Orchidaceae (WWF 1995, Felfili et al. ,
Nesse contexto, os objetivos deste
1995); 2) mata de galeria alagada, que
trabalho são: 1) determinar a relação
ocorre ao longo das linhas de drenagem,
entre riqueza e abundância de espécies
ou seja, beira de rios e córregos. É uma
de artrópodes e a arquitetura de
mata sempre verde, com altura média
bromélias; 2) comparar dois ambientes:
do estrato arbóreo entre 20-30m e
campo rupestre de altitude e mata de
cobertura arbórea de 80-100% (Ribeiro
galeria, localizados no Parque Nacional
& Walter, 1998).
da Chapada dos Veadeiros, no Cerrado
do Brasil Central. Durante o mês de dezembro de 1996
(período de chuva), durante quatro dias,
foram estabelecidos em cada um dos
MATERIAIS E MÉTODOS ambientes trabalhados um quadrado de
30x30m onde todas as bromélias
O Parque Nacional da Chapada dos presentes foram investigadas. Para cada
Veadeiros está localizado no Planalto bromélia detectada nos quadrados,
Central brasileiro entre as coordenadas foram anotadas as seguintes medidas:

356
Bromélias e antrópedes

altura em relação ao solo, diâmetro morfoespécies. As identificações e a


máximo, diâmetro do copo da bromélia nomenclatura estão de acordo com
(centro da roseta) e número de folhas. Borror & Delong (1988).
Além disso, foi medida a distância entre
Para as análises de preferência de
uma bromélia e outra e sua vizinha mais
ocorrência em uma ou outra área foi
próxima. Foram coletados exemplares
utilizado o teste Chi-quadrado (χ2). A
das bromélias presentes nos quadrados
relação entre diversidade de artrópodes
para identificação. O material coletado
e morfologia das bromélias foi analisada
foi comparado com exsicatas do herbário
por regressão múltipla, sendo que os
do Departamento de Botânica da
dados foram transformados para uma
Universidade de Brasília (UnB). Os
escala logarítmica (base 10) para um
artrópodes presentes nas bromélias
melhor ajuste, conforme Zar (1984). O
(copo e axilas) foram coletados com
efeito do ambiente (campo ou mata)
pinças e armazenados em álcool 70%
sobre a morfologia das bromélias foi
para posterior identificação. As espécies
testado por análise de variância
foram identificadas em nível de ordem
(Manova) com o teste de Tukey HSD para
ou família, sendo separadas em

Figura 1
Localização da área
de estudo (Parque
Nacional da
Chapada dos
Veadeiros) no
estado
de Goiás, Brasil.

357
Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

amostras desiguais. Foi feita uma análise similaridade de Sorensen (Magurran,


discriminante canônica para verificar se 1988). Como estavam se comparando
as espécies de bromélias podiam ser bromélias de diferentes áreas, verificou-
discriminadas em função de sua se, também, se o padrão de distribuição
morfologia. A riqueza de espécies, espacial dos indivíduos de bromélias era
encontrada nas áreas de mata e campo, o mesmo. Para tanto foi utilizado o índice
foi comparada usando-se o índice de de distribuição espacial (C) dado por

Tabela 1. Relação das morfoespécies de artrópodes com número de


indivíduos encontrados nas bromélias de campo rupestre e mata
de galeria do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO).

Observação: relacionados apenas os indivíduos adultos das morfoespécies encontradas nas bromélias

358
Bromélias e antrópedes

Ludwig & Reynolds (1988). O nível de A área de mata apresentou um maior


significância considerado para as número de artrópodes (119) em relação
análises foi de p ≥ 0,05. à área de campo rupestre (67
indivíduos). Apenas um grupo de
espécies, da família Formicidae, ocorreu
RESULTADOS preferencialmente na área de mata (χ2
= 7,28; p<0,05). As formigas
Foram identificadas 38 espécies de predominaram tanto na área de mata,
artrópodes em 81 bromélias avaliadas. quanto na área de campo, totalizando
A maior parte da riqueza corresponde à 58% e 29,8% dos indivíduos coletados,
classe Insecta (32 espécies), seguida da respectivamente.
classe Arachnida (cinco espécies) e
Miryapoda, com apenas uma espécie. A Foram encontradas cinco espécies de
ordem com maior número de espécies bromélias, identificadas ao nível de
foi a Orthoptera com 11 espécies, seguida gênero. No quadrado da área de campo
de Coleoptera (nove espécies) e rupestre estavam presentes Dychia sp. e
Himenoptera (oito espécies). A área de Bromelia sp., e na área de mata de galeria
campo rupestre, onde foram investigadas Bilbergia sp., Aechmea sp. e Vriesea sp.
51 bromélias, apresentou uma riqueza Como Bilbergia sp. apresentou poucos
de 26 espécies enquanto que a área de indivíduos, ela não foi considerada nas
mata de galeria, que teve 30 bromélias análises. A despeito das características
investigadas, apresentou 24 espécies taxonômicas, as bromélias estudadas
(Figuras 2 e 3, Tabela 1). Na área de foram classificadas em função de suas
campo rupestre a presença de artrópodes arquiteturas (número de folhas, altura
foi detectada em 49% das bromélias e da bromélia, diâmetro do copo).
na mata esse índice foi de 80%. A Os resultados da análise de
sobreposição de espécies entre as duas variância, para testar o efeito da área
áreas foi de 48%, segundo o índice de (campo ou mata) sobre as bromélias,
similaridade de Sorensen. indicam que as de mata são diferentes

Figura 2
Número cumulativo
de espécies de
artrópodes em
função do número de
bromélias
examinadas na área
de campo rupestre
do Parque Nacional
da Chapada dos
Veadeiros (GO).

359
Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

das da área de campo (F4,74 = 0,291; morfométricas das bromélias não há


p<0,05) devido ao diâmetro do copo e diferenças significativas (R2 = 0,131; F4,44
ao número de folhas. A análise = 1,666; p>0,05).
discriminante (Figura 4 e Quadro 1)
As análises de regressão entre a
corroborou esse resultado, com a
abundância de Formicidae e o diâmetro
separação das bromélias, sendo duas por
da bromélia e do copo mostram uma
cada área, em função das variáveis
relação significativa (R2 = 0,692; F1,16
morfométricas escolhidas.
= 36,096; p>0,05; R2 = 0,332; F1,16 =
Não foi encontrada uma correlação 7,973; p>0,05, respectivamente),
significativa entre a arquitetura evidenciando que há mais formigas em
(morfologia) das bromélias e a riqueza bromélias de maior porte.
de espécies de artrópodes da área de
Foi determinado que o arranjo
campo rupestre (R 2 = 0,296; F 4,20 =
espacial das bromélias na área de
2,109; p<0,05), da mata de galeria (R2
amostragem de campo rupestre é do tipo
= 0,267; F4,19 = 1,732; p<0,05) ou de
agrupado enquanto na mata de galeria
ambas (R 2 = 0,169; F 4,44 = 2,247;
esse padrão tendeu para homogêneo. As
p<0,05).
bromélias na área de campo estão, em
A análise de regressão entre a média, localizadas a 49,9cm umas das
abundância de indivíduos e as variáveis outras (N=51, DP=30,8) e na área de
morfométricas, em escala logarítmica, mata estão a 53,2cm (N=30; DP=66,6).
mostra que há um maior número de
indivíduos em bromélias que possuem
maiores diâmetros de copo (R2 = 0,100; DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES
F1,47 = 4,476; p<0,05) (Figura 5). Para
FINAIS
abundância de indivíduos e as outras
variáveis morfométricas, altura, diâmetro O processo de dispersão apresenta
e número de folhas, e entre o número de algumas diferenças entre animais e
espécies e o conjunto de variáveis vegetais. Nesses últimos, há uma

Figura 3
Número
cumulativo de
espécies de
artrópodos em
função do número
de bromélias
examinadas na
área de mata de
galeria do Parque
Nacional da
Chapada dos
Veadeiros (GO).

360
Bromélias e antrópedes

movimentação passiva, que depende de competição e predação intra e


fatores alheios ao controle da planta, interespecíficas.
como a existência de animais
Para que o processo de colonização
dispersores, correntes de ar, água etc.
seja bem sucedido, é necessário que o
Nos animais, o acaso tem uma menor
ambiente explorado ofereça condições
influência. A maioria dos animais, exceto
propícias ao estabelecimento das
os sésseis, é capaz de se locomover em
espécies. As bromélias representam, para
busca de outros ambientes, explorando
alguns animais, locais onde é possível a
as possibilidades de colonização de
obtenção de alimentos, nidificação ou
novas áreas. Vários fatores estão
mesmo proteção temporária contra
envolvidos nesse processo, mas os
predadores.
principais são a capacidade específica de
locomoção, a amplitude de ambientes Mestre et al. (2001) coletaram 1.639
que satisfazem as necessidades de macroinvertebrados em 36 bromélias
estabelecimento e as relações de durante estudo de um ano na mata

Figura 4
Análise
discriminante
canônica realizada
com as medidas
morfométricas de
quatro espécies de
bromélias nas áreas
de campo rupestre
e mata de galeria
do Parque Nacional
da Chapada dos
Veadeiros (GO).

Figura 5
Relação entre a
abundância de
indivíduos (Log) e o
diâmetro do copo
das bromélias nas
áreas de
amostragem do
Parque Nacional da
Chapada dos
Veadeiros (GO).
Observação: R2 =
0,100; F1,47 =
4,476; p < 0,05.

361
Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

Atlântica. Grande parte desses longo do ano e a presença de pupa sugere


macroinvertebrados consistia em formas que as formigas não estão utilizando as
imaturas e foram mais abundantes os bromélias apenas devido ao
Coleoptera Scirtidae, Diptera e Hymeno- comportamento alimentar. Nesse estudo,
ptera. Nesse estudo, encontramos grande encontramos que a presença de formigas
número de Orthoptera, Coleoptera e está positivamente associada à
Hymenoptera, sendo Orthoptera o mais arquitetura das bromélias. Uma
abundante, seguido por Coleoptera. explicação para a presença das formigas
Orthoptera nunca havia sido na mata de galeria pode estar relacionada
mencionado, em outros estudos, como às condições do solo. Como esse
fauna dominante em bromélias. O ambiente é constantemente inundado, e
segundo táxon mais abundante, o nível de água aumenta durante o
Coleoptera, já tem sua ocorrência em período de chuvas, há uma restrição para
bromélias bem conhecida. Um dos o estabelecimento de colônias sob o solo.
motivos dessa ocorrência é a dieta desse Provavelmente o mesmo pode ocorrer
grupo que consiste em algas e fungos com térmitas que nidificam no solo. A
aquáticos, encontrados na água retida opção mais viável é a ocupação das
nos copos das bromélias (Mestre et al., bromélias.
2001).
Algumas hipóteses poderiam
Diptera são os artrópodes mais explicar a maior utilização das bromélias
estudados em associação com bromélias, por artrópodes na área de mata de
focando principalmente ecologia de galeria: o espaçamento das bromélias, a
população (Frank, 1990) e comunidade arquitetura ou a existência de locais
(Salamandra, 1977; Privat, 1979; Ochoa, alternativos na área do cerrado para o
1993). Mestre et al. (2001) encontraram abrigo dos artrópodes. Uma vez que o
a prevalência desse táxon nas bromélias padrão de distribuição das bromélias na
terrestres, embora não existam dados área de campo foi agrupado e a distância
que detectem essa preferência entre média entre as bromélias foi pequena, a
bromélias epífitas e terrestres. distribuição espacial das bromélias não
explicaria a falta de artrópodes. Caso tal
Entre os Hymenoptera, como
variável fosse importante, seria de se
observado por Privat (1979), a
esperar que na mata, onde o padrão de
predominância é da família Formicidae.
distribuição não é agrupado e as mesmas
No entanto, Oliveira et al. (1994)
localizam-se suspensas em árvores (não
discordam dessa afirmação e não
foi verificada a presença de bromélias
consideram formigas como
terrestres na área estudada), a presença
características da fauna de bromélias.
de artrópodes fosse menor. Outra
Eles deduziram que a alta freqüência
hipótese, a da arquitetura das bromélias,
desses animais em bromélias,
poderia explicar a variação na
geralmente, é devida ao comportamento
colonização. As maiores bromélias deste
alimentar de formigas de colônias
estudo (Bilbergia sp. e Aechmea sp.)
vizinhas. Em nosso estudo na mata de
foram encontradas na área de mata e
galeria há significante presença de
essas se distinguem das do campo
formigas em bromélias, além de uma
rupestre (Bromelia sp. e Dychia sp.). As
preferência pela área de mata de galeria.
bromélias do campo rupestre apresentam
Mestre et al. (2001) observaram que a
uma arquitetura mais semelhante entre
freqüência desse táxon pode variar ao
si, possuem menor porte do que as de

362
Bromélias e antrópedes

mata e quase não concentram água entre vimento desse estudo. Também à
suas folhas. A existência de locais administração do Parque Nacional da
alternativos como locas entre pedras, Chapada dos Veadeiros que deu
para o abrigo dos artrópodes seria a permissão para o trabalho na área.
hipótese mais razoável para explicar a Obrigada também a Naíldes P. da Silva
ausência desse tipo de fauna nas que ajudou nas coletas, e a J. A. de
bromélias do campo rupestre. Carvalho e Dr. J. Ratter pela assistência.
Agradecemos ao CNPq e CAPES pelo
apoio financeiro durante nosso curso de
AGRADECIMENTOS doutorado. E finalmente agradecemos
aos dois revisores desse trabalho que
Agradecemos ao Prof. Alexandre B.
forneceram valiosas contribuições.
Araújo, pelo incentivo ao desenvol-

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Sano, S.M. & Almeida, S.P. (eds.). Hall, Engewood Cliffs, New Jersey, USA.

364
PParte
arte IV

Conservação
365
Capítulo 22

FOTO: M. HARIDASAN
Desafios para a
conservação do
Cerrado, em face
das atuais
tendências de uso Cleber J. R. Alho
Universidade para o Desenvolvimento do

e ocupação Estado e da Região do Pantanal


Campo Grande, MS.
368
Desafios para a conservação

INTRODUÇÃO consiste, em resumo, nas bases


biológicas da conservação da natureza
Este trabalho sobre conservação do que prevêem as conseqüências da ação
Cerrado motiva mais uma oportunidade do homem sobre os ecossistemas
de se concentrar foco nos valores da naturais e as espécies do bioma.
sociedade brasileira e nas direções que
devem ser tomadas diante da
necessidade de progresso e das ameaças AMEAÇAS: A QUESTÃO MAIS
à biodiversidade. O ciclo de vida na AMPLA DA EXTINÇÃO DE ESPÉCIES
natureza, agora, não apenas muda por
causa dos eventos naturais, como Na década passada, a questão da
estações de seca e chuva, ou, numa conservação do Cerrado foi discutida a
escala mais ampla, pela força da seleção partir de argumentos conflitantes, com
natural, mas, muda drasticamente pela posições de pessoas que defendiam o
ação do homem, eliminando e reduzindo preservacionismo (meio ambiente
habitats naturais e suas espécies intocável), chegando a extremos, com
associadas. acusações de iniciativas antidesen-
A ausência de conhecimento volvimentistas. Hoje, a diversidade de
científico e de tecnologia para uso e visões sobre a conservação da natureza
ocupação do Cerrado, hoje, está reflete a diversidade de inspirações e
significantemente compensada pelo convicções em defesa do Cerrado: para
avanço e contribuição da pesquisa e da uso sustentável de recursos, inclusive,
experimentação. Entretanto, é essencial genético e de biotecnologia; para
uma conscientização e uma firme atitude recreação e turismo; para manter os elos
a ser tomada pela implementação de culturais e espirituais de sociedades
políticas públicas, para a conservação e tradicionais; pelos serviços ecossis-
o uso sustentável deste bioma. O têmicos de água limpa, ar puro e controle
conhecimento científico sobre o Cerrado, de epidemias; pelo valor intrínseco e
acumulado nos últimos anos, tem estético da natureza e suas espécies; por
oferecido contribuição valiosa para a questões morais e éticas, e por várias
Biologia da Conservação, ciência que outras razões.

369
Alho

Essa diversidade de visões e do enorme portfolio de espécies na


convicções, também, se consolida entre natureza.
cientistas, como ocorreu em agosto de
Os “hotspots” identificados de
2001, na reunião internacional em Hilo,
biodiversidade apresentam grande
Havaí, organizada pela Society for
variedade de espécies e excepcional
Conservation Biology, onde manifes-
perda de habitats . Desse modo, o
tações desesperadas, diante da perda da
conceito de “hotspot” se apóia em duas
biodiversidade, contrastaram com
bases: endemismo e ameaça (CI, 2000).
opiniões mais conservadoras (Gibbs,
As espécies endêmicas são mais restritas
2001). Entre muitos cientistas há um
em distribuição, mais especializadas e
quase desespero, diante do nível
mais susceptíveis à extinção, em face das
alarmante de espécies que estão
mudanças ambientais provocadas pelo
desaparecendo (Levin, 2001; Lomborg,
homem, em comparação com as espécies
2001; Regan et al., 2001). Contudo, tem
que têm distribuição geográfica ampla.
sido difícil determinar com precisão essa
O endemismo de plantas é escolhido
taxa de extinção em ambientes de alta
como primeiro critério para definir um
diversidade de espécies, como o Cerrado.
“hotspot”, porque plantas dão suporte
O temor manifesto de alguns a outras formas de vida. O grau de
conservacionistas é que esse “holocausto ameaça é a segunda base do conceito de
biótico”, segundo alguns, esteja “hotspot” e é, fortemente, definido pelo
eliminando do patrimônio natural, grau de perda de habitat , isto é, quando
espécies cujo código genético nunca a área perdeu pelo menos 70% de sua
chegaremos a conhecer. cobertura original onde se abrigavam
espécies endêmicas. Segundo o estudo
Tem-se considerado, por exemplo, o
citado da Conservação Internacional, dos
peso real das espécies de vertebrados e
1.783.200 km 2 originais do Cerrado,
plantas superiores, tão enfatizadas na
restam intactos 356.630 km2, ou 20% do
preocupação de conservação, mas que
bioma original, justificando a
são minorias no portfolio da diversidade
caracterização desses habitats como
de vida na natureza. Como cerca de 90%
“hotspots”.
das espécies na natureza (principalmente
organismos inferiores na escala biológica A questão central da conservação
como nematódeos, insetos, crustáceos, recai sobre o tema político e social, onde
vírus, bactérias, fungos, algas e outras o cientista tem participação pouco
formas de vida) foram sequer expressiva na elaboração das políticas
inventariadas, fica difícil estimar o exato públicas. Tem sido difícil persuadir os
nível de extinção e a conseqüente perda políticos, diante da pressão social, que
da biodiversidade. O próprio enfo- o combate à pobreza, à miséria, e
que da preocupação em mamíferos (com também o desejo de desenvolvimento
4.650 espécies conhecidas no mundo, econômico e social, pressupõem a
195 no Cerrado, contrastando com mais necessidade de conservação da natureza.
de 1 milhão de espécies de insetos) e, A perda da biodiversidade, alcançada
do mesmo modo, em aves e peixes, tem pela extinção irremediável de espécies
levado os conservacionistas a de flora e fauna só agrava os problemas
determinarem os chamados “hotspots” da população humana. A prática tem
para conservação, o que centraliza a demonstrado que, no caso de destruição
preocupação num componente pequeno da natureza, como desmatamento, sobre-

370
Desafios para a conservação

pesca, sobre-caça etc., destruindo às de produtividade, principalmente em


vezes irreversivelmente os habitats Mato Grosso. Para a safra 2004/2005,
naturais, a população local pobre é a está prevista a colheita de cerca de 130,9
primeira que sofre as conseqüências da milhões de toneladas de grãos, segundo
degradação da natureza. o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA). Os custos da
Por que a Convenção da Biodiver-
produção da soja no Cerrado, com as
sidade, assinada por 178 países durante
experimentações e a tecnologia que a
a conferência mundial Rio 92, ainda não
Empresa Brasileira de Pesquisa
foi plenamente implementada? Apesar de
Agropecuária (EMBRAPA) e o setor
hoje haver bom conhecimento do
privado conduziram, são cerca de a
potencial dos recursos da biodiversidade,
metade do custo da produção nos
com aplicações na biotecnologia, nos
Estados Unidos. No ano de 2003, as
alimentos, nos medicamentos e em
vendas externas de produtos
outros fins, o principal empecilho
agropecuários renderam ao Brasil US$
levantado é o nível de pobreza das
36 bilhões, com superavit de US$ 25,8
populações humanas nos países ricos em
bilhões (MAPA, 2004).
biodiversidade.
Embora esses dados variem de ano
Além disso, têm-se enfatizado os
para ano, em função da produção de
“serviços ecossistêmicos”, prestados
outros países e do comércio inter-
pela biodiversidade, tais como qualidade
nacional, o fato inconteste é que a
da água, do ar, estoques pesqueiros,
agricultura e a pecuária têm tido
proteção contra pragas e outros aspectos
expressão no Cerrado. Enquanto se
pragmáticos, para persuadir os
celebra esse sucesso econômico, a custo
tomadores de decisão, reservando o
da conversão da vegetação natural em
enfoque moral da extinção de espécies e
campos produtivos, por outro lado, a
o tema estético e ético da conservação
conservação dos diferentes ecossistemas
da natureza ao âmbito dos
naturais (campos, Cerrado, Cerradão,
conservacionistas.
mata de galeria etc.) não tem
O grande problema da persuasão acompanhado esse progresso.
sobre a importância da conservação da
A cultura da soja, com a utilização
biodiversidade está relacionado sempre
de sementes geneticamente modificadas,
ao aspecto socioeconômico da questão,
tem-se expandido no Brasil, com maior
isto é, ao argumento utilitário. O Governo
expressão entre pequenos e médios
e os produtores rurais defendem que o
produtores do estado do Rio Grande do
avanço da soja no Cerrado tem
Sul. A legislação vigente, preocupada
contribuído substancialmente para a
com as conseqüências dessa prática, faz
riqueza da região, aumentando as
recair sobre os produtores a respon-
exportações e gerando divisas para o
sabilidade de possíveis danos ao meio
país. Economistas apontam para o fato
ambiente e a terceiros, devendo eles
de a produção rural ter registrado
responderem, solidariamente, pela
expansão mais estável e superior à média
indenização ou reparação integral do
da economia. A safra de grãos de 2003/
dano, independentemente da existência
2004 teve números expressivos: 47,4
de culpa (MAPA, 2004).
milhões de hectares de área plantada e
colheita de 119,3 milhões de toneladas, Outros argumentos econômicos e
com a soja acusando significativo ganho utilitários, resistentes à necessidade da

371
Alho

conservação, afunilam para um ponto desmatamentos para diversos objetivos;


ainda mais radical: por que proteger expansão da fronteira agrícola e pecuária
centenas e milhares de espécies, se (sem ordenamento ecológico-econô-
somente cerca de 30 espécies de vegetais mico); contaminantes ambientais
cultivados suprem cerca de 90% das (emprego desordenado de pesticidas,
calorias da dieta do homem e somente herbicidas e outros tóxicos ambientais,
cerca de 14 espécies de animais provocando a bio-magnificação na
contribuem com 90% da dieta de cadeia trófica, além da poluição das
proteína animal? águas e do solo); erosão, assoreamento
de corpos d’água, lixiviação e perda de
solos devido ao emprego de técnicas não
AMEAÇAS: REDUÇÃO, PERDA, apropriadas de uso do solo; uso
MODIFICAÇÃO OU DEGRADAÇÃO predatório de espécies (sobre-explotação
de espécies da flora e fauna);
DE HABITATS
implantação de grandes obras de infra-
Há consenso em concluir que tem estrutura (impactos causados pela
havido um processo de extirpação abertura de rodovias, hidrovias,
significante da biodiversidade do construção de hidrelétricas e outras
Cerrado pela ação do homem. Esse grandes obras); turismo desorganizado
impacto adverso é devido à magnitude e predatório e outras causas.
da escala da ocupação do bioma pelo
Dois fatores têm sido identificados
homem. É bom lembrar que o conceito
como empecilhos para a implementação
de biodiversidade se apóia num tripé:
da legislação ambiental: a fragilidade
diversidade de espécies (representando
institucional, com a conseqüente
o número de formas de vida no nível de deficiência na fiscalização, e a falta de
espécies e suas populações), diversidade conscientização sobre a necessidade da
genética (representando as diversas proteção do meio ambiente. Dois casos
variedades subespecíficas ou genéticas podem ser ressaltados para ilustrar essas
das formas de vida) e diversidade deficiências: a dificuldade de imple-
ecossistêmica (representando as diversas mentar integralmente a chamada Lei de
paisagens naturais como campo, campo Crimes Ambientais ou Lei da Natureza
sujo, campo úmido, cerrado no sentido (Lei n.o 9.605/98) e o cumprimento da
restrito, campo-cerrado, cerradão, mata- Lei de Recursos Hídricos (Lei n.o 9.433/
seca, mata-ciliar e de galeria, vereda 97) para, por exemplo, proteção das
etc.). Cada um desses elementos pode nascentes e matas ciliares.
sofrer influência de pelo menos três tipos
A análise e interpretação dessas
de pressão: física (degradação ou perda
ameaças merecem um estudo mais
de habitats), química (ação de
refinado para caracterizar melhor o grau
contaminantes ambientais e poluição),
e a escala da perda e modificação, do
e biológica (introdução de espécies
impacto sobre as espécies locais,
exógenas, perturbação na cadeia trófica,
inclusive com a introdução de espécies
eliminação de espécies-chave da
exógenas e dispersão de doenças. Essa
comunidade ecológica) e outros fatores.
análise, por exemplo, poderia focar sobre
Há diversas causas ou fatores as espécies oficialmente listadas como
identificados como ameaças ao Cerrado: ameaçadas de extinção, de acordo com
fogo (sem controle, ateado durante a a Lista Nacional de Espécies da Fauna
época de seca para “limpar” o pasto); Brasileira Ameaçadas de Extinção,

372
Desafios para a conservação

elaborada pelo MMA (Ministério do Meio Florestas Nacionais (FLONAs),


Ambiente) e parceiros, publicada em 27 perfazendo um total de 4.056.980ha de
de maio de 2003. Igualmente, a Portaria áreas protegidas pelo Sistema Nacional
37-N, de 3 de abril de 1992, do IBAMA de Unidades de Conservação (SNUC), a
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e cargo do IBAMA (excetuando-se aqui as
dos Recursos Naturais Renováveis), Reservas Particulares do Patrimônio
relaciona 107 espécies da flora brasileira Natural – RPPNs). Esse total representa
ameaçadas de extinção (IBAMA, 2004). 2,06% da área do bioma, o que está
muito longe do alvo indicado pelo
O foco a partir de algumas espécies
Congresso Internacional de Áreas
ameaçadas começa a ser feito, com a
Protegidas ocorrido em Caracas,
elaboração de aproximadamente dez
Venezuela, e adotado pelo Governo
planos de manejo para espécies animais
Brasileiro como um alvo a ser atingido.
listadas, como a jaguatirica Leopardus
Deve-se ressaltar ainda a carência de
pardalis e o lobo-guará Chrysocyon
implementação efetiva dessas unidades
brachyurus e de plantas, como a cerejeira
de conservação, em particular das APAs,
Amburana cearensis e o cedro Cedrela
cujo objetivo conservacionista tem sido,
fissilis. Contudo, é necessário o enfoque
na prática, bastante contestado.
a partir da visão de grau de ameaça para
tentar categorizar a perda e destruição O 5° Congresso Internacional sobre
de habitats do Cerrado. Parques (Fifth World Parks Congress)
que ocorreu em Durban, África do Sul,
A questão histórica das ameaças e
em setembro de 2003, e o Congresso
de suas tendências atuais estão
Brasileiro de Unidades de Conservação,
documentadas na literatura (Alho e
ocorrido este ano de 2004, em Curitiba-
Martins, 1995). Por outro lado, enquanto
PR, mostraram que pouco se alcançou
a ocupação do Cerrado se intensifica, as
quanto ao objetivo de proteger a
medidas de implantação de áreas
diversidade de espécies que ocorre no
protegidas e mesmo a efetiva
bioma (Rodrigues et al., 2004)., Embora
participação de projetos conserva-
tenha havido expansão das áreas
cionistas têm sido tênues, de vez que as
protegidas, no sentido de atingir o alvo
áreas efetivamente protegidas estão bem
de 10% da área do bioma, estabelecido
aquém do planejado. Lista de Unidades
pelo congresso internacional anterior,
de Conservação no Cerrado, de acordo
ocorrido em Caracas, Venezuela. Quando
com a Diretoria de Ecossistemas do
os autores cruzam a distribuições de
IBAMA, atualizada em 15/6/2004
espécies do bioma com a distribuição
(www.ibama.gov.br) mostra que há
das unidades de conservação existentes,
1.867.430ha de área protegida na
aplicando análise de vazios (gap
categoria de Parques Nacionais
analysis), concluem que as atuais áreas
(PARNAs); 3.461ha de Reservas
protegidas não abrigam todas as espécies
Biológicas (REBIOs); 502.517ha de
do bioma. Cerca de 20% das espécies
Estações Ecológicas (ESECs); 128.521ha
ameaçadas são identificadas como
de Refúgios de Vida Silvestre ();
espécies de falhas, isto é, não são
1.516.219ha como Áreas de Proteção
protegidas pelas unidades de
Ambiental (APAs); 2.329ha como Áreas
conservação existentes.
de Relevante Interesse Ecológico
(ARIEs.); 20.172ha como Reservas A meta anunciada do Governo tem
Extrativistas (RESEXs) e 16.331ha como sido proteger pelo menos 10% da área

373
Alho

do bioma, o que evidentemente, na ameaças (conversão de habitats naturais


prática, está longe de ser atingido no caso para agricultura e pecuária).
do Cerrado. Além disso, os chamados
Os estudos consideraram
projetos integrados de conservação e
também a questão da perda de habitats,
desenvolvimento têm tido dificuldades
no período entre 1985 e 1997, sobre a
de aferir seus resultados efetivos
fauna regional, tomando mamíferos
(Salafsky e Margolius, 1999). De tal
silvestres como indicadores. No enfoque
modo, que há dúvidas se a intervenção
do estudo, a perda de habitats pondera
conservacionista, por intermédio dos
o percentual de habitat potencial de cada
chamados projetos com enfoque
espécie de mamífero silvestre estudada
socioeconômicos, está de fato
durante os 12 anos considerados. Foram
funcionando. Uma dificuldade na
selecionadas 100 espécies de mamíferos
implementação e monitoramento de
silvestres ocorrendo no local,
projetos é a falta de definição clara de
representadas por nove ordens e 25
indicadores ambientais, embora, por
famílias, dentre as quais há 13 espécies
exemplo, o Banco Mundial tenha
consideradas sob algum grau de ameaça
proposto diretrizes para esse fim
de extinção em nível nacional (lista do
(Segnestam, 1999).
IBAMA) ou internacional (lista vermelha
da UICN e anexos da CITES). Os
resultados apontaram para cinco grupos
AMEAÇAS: ESTUDO DE CASO de animais. O primeiro grupo, com 14
SOBRE A BACIA DE MANSO, MATO espécies de mamíferos, sofreu redução
GROSSO. de habitat superior a 40%, e era
representado por espécies que utilizavam
A bacia hidrográfica do rio
prioritariamente ambientes florestados e
Manso (com 10.880 km2, onde hoje há
arborizados (matas de galeria e cerrado
uma represa hidrelétrica) caracteriza-se
sentido restrito). O segundo grupo de
por um mosaico de fitofisionomias de
mamíferos perdeu entre 30 e 40% do
Cerrado, com diversos tipos de habitats
habitat , representado por espécies que
e fauna silvestre bem representada (Alho
habitam ambientes florestados,
et. al., 2000; Alho et al., 2003). A
arborizados e campos. O terceiro grupo
expansão da agricultura e pecuária
sofreu redução de 8 a 12% do habitat
reduziu as áreas naturais em 30%, entre
potencial. O quarto grupo de mamíferos,
1985 e 1997, e a vegetação remanescente
capazes de explorar habitats alterados,
perdeu outros 3% com a implantação da
sofreu redução de habitat potencial em
usina hidrelétrica, conforme documenta
4%. E, finalmente, o quinto grupo de
estudo baseado em imagens de satélites
mamíferos, representado por seis
e verificação no campo (Schneider e
espécies, se beneficiou das alterações,
Alho, no prelo; Schneider et al., no
pois são espécies que exploram
prelo). Dentre os indicadores de
ambientes abertos e modificados.
paisagem do local, o percentual da
vegetação natural remanescente foi o Dentre as 17 espécies identificadas
indicador que sofreu ação mais com maior grau de risco, na área de
desfavorável, devido ao seu decrescente estudo, estão o tatu-canastra Priodontes
percentual, durante os 12 anos maximus e primatas como Ateles chamek
analisados e em virtude da alta e Aotus azarai, para citar somente três
vulnerabilidade diante da pressão das exemplos. Em síntese, a perda de

374
Desafios para a conservação

habitats potenciais afetou drasticamente de que há forte interação entre essas


24% das espécies de mamíferos espécies dentro de cada guilda, mas com
silvestres que ocorrem no local, sendo interações fracas entre guildas diferentes;
que 17% das espécies estudadas estão e (2) sincronização na escala de tempo
em situação de risco. de agregação de espécies (abundância)
com a oferta de recursos sazonais,
notadamente, alimento e nichos
DIVERSIDADE DE ESPÉCIES E reprodutivos.
MOSAICO DE HABITATS: Há indícios de que a cadeia trófica,
EVIDÊNCIAS COM VERTEBRADOS nesse caso, faculta maior abundância de
espécies da fauna, e no caso de
Com o advento da Biologia da
vertebrados, principalmente aves,
Conservação, os pesquisadores em
anfíbios e alguns répteis e mamíferos,
Ecologia passaram a enfatizar o papel
onde os elos alimentares sazonais atuam
da diversidade e abundância de espécies
mais no nível da abundância local, sendo
da fauna silvestre em seus habitats
mais ou menos independentes da
naturais como a expressão de interações
diversidade (Alho et al., 2003).
ecológicas, particularmente competição
por recursos alimentares, reprodutivos, Desse modo, a distribuição de
de uso de espaço e outros. Os processos espécies, numa escala ampla, varia
ecológicos que anualmente - ou em desde os limites máximos de onde a
períodos esporádicos maiores – espécie ocorre (distribuição geográfica)
influenciam nos ciclos de vida da fauna a uma área de maior ocorrência da
silvestre, como os períodos sazonais de espécie (distribuição regional). Já o
seca e chuva do Cerrado, atuam nas termo abundância é usado para designar
escalas temporal e espacial, estabele- o tamanho (ou densidade) da população
cendo diferenças locais ou regionais, local. Na prática, o termo “local” se
quando comparadas, em larga escala refere sempre à área amostral de um
biogeográfica com os biomas vizinhos determinado estudo.
(Alho et al., 2002; Alho et al., 2003).
É bem conhecido que as espécies
Em Ecologia, há consenso de que a capazes de explorar um leque amplo de
diversidade de espécies é fruto de uma recursos se tornam, no decorrer de sua
variedade de processos ecológicos e evolução, de distribuição geográfica
evolutivos, com causas históricas e ampla e localmente abundante. Algumas
geográficas. Contudo, o número de espécies de vertebrados do Cerrado
espécies coexistindo numa escala parecem seguir essa tendência: têm
espacial ampla, como no Cerrado, varia distribuição geográfica ampla, ocorrendo
significantemente em abundância local, em todo o bioma e em outros biomas
em função de recursos sazonais brasileiros, mas ocorrem em altas
regionais. densidades em certos períodos sazonais
da região. Por exemplo, parece não haver
A oferta sazonal desses recursos leva diferenças interespecíficas de verte-
a dois fenômenos: (1) associações e brados entre o Cerrado e o Pantanal (não
agregações de espécies que interagem parece haver diferença no grau de
entre si, resultando no compartilhamento especiação ecológica), mas algumas
de unidades ecológicas, que formam as populações que ocorrem no Pantanal
chamadas guildas, com a característica usam recursos que são mais abundantes

375
Alho

ou mais produtivos (Alho et al., 2002 e menor de espécies endêmicas para o


Alho et al., 2003). Cerrado. Já as plantas vasculares do
Cerrado contam com cerca de 10 mil
Há evidências documentadas por
espécies, sendo 4.400 endêmicas,
trabalhos científicos que mostram que a
comparadas com 20 mil espécies da Mata
variação da estrutura da fauna do
Atlântica, sendo 8 mil endêmicas (Eiten,
Cerrado (composição de espécies e
1993).
diversidade de aves e pequenos
mamíferos) ocorre em escala regional ou Outros estudos (MMA, 1999; Alho
biogeográfica, por exemplo, quando et al., 2002) citam para o Brasil 195
esses estudos comparam diferentes espécies de mamíferos para o Cerrado
bacias hidrográficas (Silva, 1996; Palma, (sendo 95 espécies voantes – morcegos,
2002; Alho, no prelo). Essas diferenças e 96 que dependem de habitats
em composição de espécies podem estar florestados ou arborizados, contra
relacionadas à penetração faunística que somente 14 espécies que vivem em áreas
historicamente se deu pela malha exclusivamente abertas ou em habitats
hidrográfica de outros biomas, como a aquáticos). Esses números, no Pantanal
Amazônia, no caso da bacia do rio (que é um bioma com grande influência
Manso. Essa penetração faunística pode, de Cerrado, mas com características de
ainda, ser explicada pela expansão de uma planície inundável com drástico
florestas ocorrida no passado sobre a regime anual de enchente e vazante),
região do Cerrado (Ledru et al. 1998). mostram 132 espécies de mamíferos para
a planície inundável (sendo 62 voantes,
Há, também, diferenças na
55 dependentes de habitats florestados
composição das comunidades
e arborizados e 15 de habitats abertos e
ecológicas, tanto de animais como de
aquáticos). Estudos mais específicos
plantas, quando os estudos comparam
indicam 144 espécies de morcegos, das
diferenças intra-habitat, isto é, no
quais 80 são citadas para o Cerrado.
mesmo tipo de habitat, e inter-habitats,
Levantamentos feitos localmente, por
ou seja, entre habitats diferentes (Alho,
exemplo, no município de Serranópolis,
1981; Alho et al. 1986; Silva, 1996;
sudoeste de Goiás (18° 25' S e 52° 00'
Oliveira-Filho e Ratter, 1995 e Palma,
W), em 758 coletas de morcego foram
2002).
identificadas 25 espécies, com
Segundo levantamento da predominância de morcegos insetívoros,
Conservação Internacional (2000) há no seguidos de frugívoros (Zortea, 2001).
Cerrado os seguintes números de Os índices de diversidade aplicados nos
vertebrados: anfíbios - 150 espécies, dados desse estudo mostram que o local
sendo 45 endêmicas; répteis - 120 é de alta diversidade de espécies e alta
espécies, sendo 24 endêmicas; aves - 837 abundância para Glossophaga soricina.
espécies, sendo 29 endêmicas;
Quando se compara a distribuição
mamíferos - 161 espécies, sendo 19
de anfíbios, répteis, aves e mamíferos
endêmicas; perfazendo um total de 1.268
do Cerrado com a do Pantanal, e de
espécies de vertebrados terrestres (sendo
outros biomas vizinhos, as seguintes
117 endêmicas). Esse total do Cerrado,
conclusões são ressaltadas (Alho et al.,
comparado com a Mata Atlântica, outro
2002):
bioma ameaçado (que tem 1.361 espécies
de vertebrados terrestres com 567 1. Há 85 espécies de répteis
endêmicas), indica um número bem ocorrentes na planície inundável

376
Desafios para a conservação

do Pantanal (sem serem herpetofauna da porção norte do


exclusivas da região) e outras 94 Pantanal e da localidade no
somente registradas, até o planalto. Enquanto na primeira a
momento, em áreas do entorno, representatividade de anfíbios e
num total de 179 espécies de de répteis com hábitos aquáticos
répteis para a bacia do Alto ou semi-aquáticos é superior à de
Paraguai, isto é, região de formas fossoriais, no planalto
Cerrado. Quanto aos anfíbios ocorre o inverso, sendo as formas
(anurofauna), são conhecidas de hábitos fossoriais relativa-
pelo menos 45 espécies na mente mais numerosas do que na
planície e 80 no entorno planície;
(Cerrado). Apresentando menor
4. Há 837 espécies de aves
heterogeneidade de habitats e
ocorrendo no Cerrado (das quais
maior disponibilidade de corpos
759 ou cerca de 90%, se
d’água permanentes (menor
reproduzem no bioma, Silva,
número de habitats com
1995) contra 444 espécies
condições ecológicas contras-
distribuídas no Pantanal. Cerca de
tantes), a planície inundável
80% das aves do Cerrado
abriga espécies de anfíbios em
dependem de habitats florestados
geral abundantes e de ampla
ou arborizados. A grande abun-
distribuição. Já as áreas de
dância documentada da avifauna
entorno da bacia do alto Paraguai,
do Pantanal é composta por aves
especialmente as altas cabeceiras
paludícolas que se agregam em
em área de Cerrado, são
torno de recursos sazonais
virtualmente desconhecidas do
alimentares ou reprodutivos,
ponto de vista de sua anurofauna.
formando, em muitos casos,
Os poucos inventários existentes
guildas de espécies.
indicam haver, aí, maior número
de espécies num dado sítio e 5. O comportamento reprodutivo de
maior “turnover” de espécies algumas espécies mostra sincro-
entre sítios; nismo entre o regime de enchente
e vazante, com reflexos no
2. Na planície, formas exclusivas de
sucesso reprodutivo.
biomas abertos representam cerca
de 54% da fauna total de répteis, 6. Há deslocamento sazonal das
enquanto que, no planalto, essa aves paludícolas entre a planície
contribuição equivale a apenas e o planalto, ou mesmo entre
42%. Já o número de formas diferentes sub-regiões da planície,
“amazônicas”, por exemplo, é embora esses dados ainda sejam
duas vezes maior na fauna de incipientes para muitas espécies
répteis de localidade no planalto e contenham evidências para
(Cerrado) do que entre os répteis outras, como é o caso do tuiuiú.
registrados para o Pantanal;
7. Tanto no Pantanal quanto no
3. A importância relativa de formas Cerrado, a grande diversidade de
com hábitos aquáticos ou semi- espécies resulta da presença de
aquáticos e de formas com ambientes florestados nesses dois
hábitos fossoriais distingue a biomas, tais como matas ciliares,

377
Alho

matas de galeria, cerradão e Trabalho, estabelecido em cumprimento


demais formações arborizadas. ao Termo de Compromisso assinado pelo
Ministro, por seus Secretários e outras
8. A ampla distribuição de mamí- autoridades, para propor subsídios para
feros no bioma Cerrado encontra essas diretrizes e ações.
na planície pantaneira ambientes
propícios de oferta de nichos Esse Grupo de Trabalho, formado
alimentares e reprodutivos, por representantes dos Estados, das
dentre outros, que favorecem a instituições acadêmicas e de pesquisa
abundância, principalmente em científica, das ONGs, em conjunto com
áreas abertas, próximas a áreas a equipe do Ministério, numa feição
arbóreas, como é o caso da multidisciplinar e interinstitucional,
capivara Hydrochaeris hydro- trabalhou de fevereiro a novembro de
cheris e do cervo Blastocerus 2000, com reuniões mensais em Brasília,
sob os auspícios do Ministério do Meio
dichotomus;
Ambiente, produzindo o documento
9. As análises que mostram as “Diretrizes para uma política integrada
espécies de mamíferos mais de conservação e uso sustentável para o
dependentes de ambientes Cerrado/Pantanal”, (MMA, 2000a).
florestados podem sugerir
As diretrizes identificadas pelo
espécies indicadoras ou espécies-
Grupo de Trabalho (tomando por base
chave para esse tipo de ambiente,
também os tópicos ressaltados nos
como é o caso do bugio Alouatta
documentos “Subsídios à elaboração da
caraya para as matas ciliares ao
Agenda 21 Brasileira”) convergem para
longo dos rios do Pantanal. Por
ações dos governos federal, estaduais e
outro lado, as espécies indica-
municipais, da pesquisa científica, do
doras de ambientes abertos,
setor privado, mormente da área rural,
como a capivara e o cervo, têm
das ONGs, dos povos locais, enfatizando
grande apelo para o ecoturismo
suas tradições e culturas, enfim, da
da região.
sociedade (MMA, 2000b). Estas
diretrizes dão, ainda, destaque ao
compromisso do Governo, no que tange
AÇÃO PARA POLÍTICA PÚBLICA: estabelecer áreas protegidas represen-
DOCUMENTOS RELEVANTES tativas dos ambientes focais do bioma,
bem como da implementação no campo
Iniciativas do Ministério do Meio
da legislação recente, como a de recursos
Ambiente visando estabelecer diretrizes
hídricos. As dimensões ambientais,
para a conservação e o uso sustentável
do Cerrado/Pantanal resultaram na econômicas e sociais do documento
promoção das “Ações Prioritárias para a orientam as diretrizes e metas para a
Conservação da Biodiversidade do conservação do Cerrado/Pantanal, ao
Cerrado e Pantanal”, (MMA, 1999) mesmo tempo em que se inserem no
representando a contribuição oriunda compromisso de repensar e agir com
das atividades promovidas em 1997/ novas ações para o uso do ambiente, em
1998, com a participação de várias direção do desenvolvimento, para as
instituições. Em prosseguimento, o várias atividades humanas, incluindo o
Ministério criou, pela Portaria nº 298 de meio urbano e metropolitano e sua
11 de agosto de 1999, um Grupo de dependência do campo.

378
Desafios para a conservação

O impacto dramático das ameaças à demonstrado a importância do bioma em


biodiversidade e outros recursos diversidade de espécies e riqueza
naturais, como a água, está bem genética e ecossistêmica, no mosaico de
documentado na literatura (ANA, 2004). ambientes que contém essa cobertura
Este documento inspira o desejo de natural.
expansão, de progresso, de demanda de
recursos da natureza, sem se sobrepor
ao fato de que há meios identificados
CONSIDERAÇÕES FINAIS
que podem conciliar o desenvolvimento, O Grupo de Trabalho multidis-
de maneira sustentável, com o ciplinar interinstitucional, que atuou sob
compromisso de proteger parcelas o patrocínio do Ministério do Meio
representativas da biodiversidade. O Ambiente, propôs diretrizes prioritárias
desafio não é desmobilizar o conflito, de políticas públicas para conservação
mas indicar o caminho conciliado em e uso sustentável do Cerrado, as quais
busca de necessidades competitivas, por devem ser resgatadas para imple-
meio da intervenção, da gestão, do mentação.
manejo, com a aceitação de que tudo
isso é para benefício de todos. Embora se tenha avançado na
questão conceitual da conservação do
O documento mantém a preocu- Cerrado, há ainda um longo caminho a
pação em conciliar o desenvolvimento percorrer para a implementação
econômico e social com os compro- concreta, e de fato, de medidas efetivas,
missos de conservação e uso sustentável em todos os enfoques. Dois exemplos
de recursos. Enfoca, ainda, o processo
ilustram essa distância entre o ideal e a
de conscientização e educação ambien-
realidade de ocupação e uso: primeiro,
tal, os temas de biossegurança, o
a dificuldade de se aplicar o que
processo participativo e de integração do
determina o código florestal brasileiro,
Cerrado/Pantanal com os outros biomas
particularmente, a proteção de matas
brasileiros e o contexto dos acordos,
ciliares e de galerias, nos campos onde
tratados e convenções internacionais
avançam o cultivo de grãos; segundo,
assumidos pelo País.
embora o percentual de áreas protegidas
Há, portanto, informações consisten- no Cerrado ainda esteja bem aquém do
tes para um plano de ação que se espera nível de compromisso do Governo
possa ser implementado. O IBAMA tem, (idealmente 10% do bioma), muitas
ainda, identificado novas áreas unidades de conservação, oficialmente
potenciais para serem protegidas por declaradas como tal, não estão
unidades de conservação. A conversão apropriadamente implementadas, sendo
ou modificação da cobertura natural do o que se denomina de “parques de
complexo Cerrado do país, para diversos papel”. O grau de vulnerabilidade dos
usos, tem sido drástica, conforme “parques de papel” depende do grau de
ressaltado em trabalhos apresentados implementação que a área, oficialmente
neste Simpósio. Por outro lado, a protegida, de uso indireto, tem
literatura científica especializada tem experimentado (WWF, 1999).

379
Alho

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381
Capítulo 23

Ocupação do FOTO: GUARINO COLLI

bioma Cerrado e José Felipe Ribeiro


Embrapa Cerrados

conservação da Planaltina, DF
Samuel Bridgewater
James Alexander Ratter
Royal Botanic Gardens
sua diversidade Edimburgo
Escócia
José Carlos Sousa-Silva

vegetal Embrapa Cerrados


Planaltina, DF
Alho

384
Ocupação e conservação

INTRODUÇÃO apresentação de um rápido histórico da


ocupação do Cerrado, a partir da
A conservação da biodiversidade do segunda metade do século 20, a
bioma Cerrado precisa ser inversamente caracterização dos aspectos da riqueza
proporcional a sua ocupação? Desen- de espécies em fitofisionomias desse
volvimento implica apenas em ocupar bioma e, finalmente, a discussão do
novas e grandes áreas com agricultura papel da agricultura de grãos, soja em
mecanizada e grandes cidades? especial, e da pecuária como elementos
Qualidade de vida pode ser medida de alterações na diversidade natural, no
apenas com incremento de renda? uso do solo e nos meios de vida das
Apesar de fisionomicamente homo- populações humanas. Assumindo a
gênea, a paisagem savânica do Cerrado continuação do ritmo dessa ocupação,
apresenta a mesma diversidade florística essas informações são úteis no
em todo o bioma? Qual é a riqueza de redirecionamento de políticas públicas
espécies e o papel das matas ribeirinhas para o Cerrado.
na manutenção dos ambientes vizinhos?
Este texto aborda algumas das respostas
a estas perguntas, apresentando HISTÓRICO
resultados existentes sobre a intensa
heterogeneidade local e regional da flora Preocupados com a exploração de
das matas ribeirinhas e do Cerrado ouro e pedras preciosas, no início do
sentido amplo, mostra, também, as século 18, os pioneiros da ocupação do
tendências do ritmo da ocupação Cerrado criaram as condições iniciais
humana na região e sugere alternativas para o estabelecimento de diversas
para o ordenamento dessa ocupação por cidades no Centro-Oeste. Com a depleção
intermédio da definição de novas desses recursos, a atenção foi transferida
políticas públicas. Os objetivos para a pecuária extensiva, que ocupou a
específicos deste trabalho são: a atenção desta região, até praticamente o

385
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

final da década de 1950. Com a satélite mostram 67,1% como área


construção de Brasília, o desenvol- ocupada para o Cerrado (MMA-SBF. 2002).
vimento de infra-estruturas viárias
A população total do Centro-Oeste,
(ferrovias e rodovias) e as políticas
em 1950, era de 1.736.965 habitantes.
agrícolas desenvolvimentistas baseadas
Ao final da década, em 1960, a
nos princípios da revolução verde, como
população da região era de 2.942.992
o Programa de Desenvolvimento do
habitantes. A partir dessa data o
Cerrado (POLOCENTRO) e o Programa
crescimento demográfico vinculou-se,
Cooperativo Nipo-Brasileiro para o
principalmente, à capacidade de atração
Desenvolvimento do Cerrado (PRODE-
migratória da fronteira agrícola regional.
CER), houve condições para a expansão
No ano 2000, o contingente
de uma agricultura extremamente
populacional, praticamente, atingiu os 28
comercial (Alho & Martins 1995). Dentre
milhões de pessoas (49,8% são do sexo
os principais cultivos havia milho, arroz,
masculino e 50,2% feminino) dos quais
feijão e mais recentemente café,
21,64% estão na área rural e 78,36% na
mandioca e, principalmente, a soja.
urbana. Algumas áreas apresentam até
O domínio do bioma Cerrado ocupa 37% de população rural, como é o caso
204 milhões de hectares dos quais pelo do Vão do Paranã, no nordeste de Goiás.
menos 127 milhões (62% do total)
A desaceleração do crescimento
acontecem em solos com boas
demográfico, com exceção do norte do
perspectivas de mecanização agrícola.
Mato Grosso, pode estar acontecendo
Sano et al. (2001), utilizando um sistema
pelo relativo esgotamento da capacidade
geográfico de informação, estimaram que
de atração migratória da fronteira
a área ocupada do bioma Cerrado em
agrícola. Este fato corrobora a idéia que
1996 era de cerca de 120 milhões de
a ocupação do solo no Cerrado, foi
hectares (59%), com aproximadamente
principalmente provocada pelo fluxo
48 milhões (23%) com pastagem
migratório da década de 1950 até 1990 e
cultivada, 27 milhões (13%) com
possui relação direta com as atividades
pastagem nativa, 10 milhões com
agropecuárias nele desenvolvidas
culturas anuais (5%), 38 milhões (18%)
(Ribeiro & Barros 2002).
com outros usos (ex.: culturas perenes,
florestais e urbanização), restando
aproximadamente 85 milhões de RIQUEZA DE ESPÉCIES
hectares (41%) como áreas relativamente
intocadas (Figura 1). Entretanto, A idade geológica da formação do
previsões baseadas em imagens de bioma e as mudanças dinâmicas do

Figura 1
Estimativa de
ocupação do
Cerrado em 1996
(Sano et al., 2001).

386
Ocupação e conservação

quaternário, assim como fatores estudada no Cerrado sentido amplo


espaciais locais e regionais da atualidade, (Cerrado Denso, Típico, Ralo e Campo
levaram à enorme biodiversidade do Sujo) e nas Matas de Galeria.
bioma Cerrado (Ratter & Ribeiro 1996).
As Matas de Galeria e Matas Ciliares,
Dias (1992) estimou valores superiores
com mais de 30% das espécies de
a 160.000 para a riqueza de espécies da
plantas vasculares do bioma (Felfili et
biota do bioma Cerrado onde insetos,
al., 2001), têm extrema importância na
fungos e angiospermas são responsáveis
riqueza total do bioma, pois muitos são
por 87% dessa diversidade. Dessa
os elementos itinerantes da fauna das
estimativa, as angiospermas somariam
outras fitofisionomias do bioma Cerrado
cerca de 10.000 espécies.
que dependem dessa flora para
Valores publicados, entretanto, alimentação, reprodução e nidificação.
mostram o imenso desconhecido que Com relação aos mamíferos, essas matas
ainda resta, para quantificar adequa- abrigam 80% das espécies comuns no
damente estas espécies. Os números Cerrado, 50% dos endemismos e 24%
disponíveis apresentam cerca de 6.500 das espécies ameaçadas de extinção da
espécies para plantas vasculares região (Marinho Filho & Guimarães,
(Mendonça et al., 1998). Já a fauna do 2001), para lagartos, das 47 espécies
Cerrado apresenta baixo grau de encontradas 25,5% são endêmicas
endemismo (Vanzolini, 1963; Sick, 1965; (Brandão & Araújo 2001) e para os
Redford & Fonseca, 1986; Marinho-Filho anfíbios das 113 espécies, 28,3% também
& Reis, 1989) apud Marinho-Filho & são endêmicas (Brandão & Araújo 2001).
Guimarães (2001), compreendendo 212 Outro fator importante: essas matas são
para mamíferos (Marinho Filho & diretamente responsáveis pela
Guimarães, 2001), 180 para répteis quantidade e qualidade da água que
(Brandão & Araujo 2001), 837 para aves corre nos cursos d’água do Brasil Central.
(Silva 1995, Bagno & Marinho-Filho, Ademais, o Cerrado é considerado “o
2001). É importante ressaltar que o berço da águas”, pois abriga nascentes
Cerrado é responsável por mais de 50% de importantes bacias hidrográficas da
das espécies de aves encontradas no América do Sul. Em termos de área o
Brasil, sendo que 90,7% se reproduzem Cerrado abrange 78% da bacia do
nesse bioma (Silva 1995) e apenas 32 Araguaia-Tocantins, 47% do São
são endêmicas do Cerrado (Silva, 1997; Francisco e 48% do Paraná/Paraguai
MMA – SBF. 2002). (Lima & Silva 2002). Estes mesmos
autores realçam ainda que, em termos
Enquanto o número de espécies
de contribuição para a quantidade de
endêmicas da fauna é relativamente
água das bacias, os números são ainda
pequeno, o mesmo não acontece para
mais relevantes, pois o Cerrado é
flora. Myers et al. (2000) estimaram que
responsável por 71% na bacia do
44% da flora do bioma é endêmica. O
Araguaia/Tocantins, 94% no São
número de plantas vasculares apontado
Francisco e 71% no Paraná/Paraguai.
por Mendonça et al., (1998) no bioma
Assim sendo, qualquer ocupação no
Cerrado chega a 6.429, onde 33% delas,
Cerrado vai refletir em outros locais.
apesar de também ocorrerem em outros
biomas, no Cerrado são encontradas O estabelecimento e a distribuição
apenas nos ambientes ribeirinhos. A espacial das espécies nas florestas
biodiversidade do bioma foi mais bem ribeirinhas, em termos locais, parecem

387
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

ser mais relacionados às condições como freqüentes, porém não exclusivas


hídricas que com a fertilidade natural (Copaifera langsdorffii, Faramea cyanea,
(Walter & Ribeiro 1997). A distribuição Tapirira guianensis e Dendropanax
espacial localizada das espécies nas cuneatum), e como eventuais (Acacia
matas (zonação) pode depender da glomerosa, Anadenanthera colubrina var.
resposta das sementes e plântulas ao cebil, Roupala brasiliensis, Alibertia
encharcamento do solo, como discutido sessilis e Coussarea hydrangeifolia).
em Ferreira & Ribeiro (2001). Entretanto, como enfatizaram esses
Correlacionar topografia, material de autores, esta distribuição não pode nem
origem, características do solo e altura deve ser generalizada para todas as
do lençol freático com a distribuição local Matas do Bioma. Concordamos com esse
das espécies têm sido objeto de estudos ponto já que a espécie Protium
de variações da vegetação entre Matas heptaphyllum também pode ser
de Galeria e dentro delas. Schiavini encontrada nos Cerradões e Matas Secas
(1992) e Walter (1995) sugeriram esta em áreas do Brasil Central.
estratificação do ambiente sob Matas de Adicionalmente, Walter (1995)
Galeria. Walter (1995) descreve que o mostrou que diferenças florísticas entre
ambiente é não-inundável se o lençol porções da mesma mata podem ser
freático é baixo ou é inundável se o maiores que diferenças entre matas
lençol é mais alto, independentemente diferentes. A análise de Silva et al. (2001)
se este acontece na borda externa, no em 21 levantamentos realizados em
meio da mata ou próxima ao córrego. matas diferentes no Distrito Federal
Felfili et al. (2001) incluem na flora das mostrou que a similaridade florística de
matas ribeirinhas 2.031 espécies, em 686 Sørensen em alguns casos foi tão baixa
gêneros e 134 famílias, distribuídas em como 0,3, enquanto a similaridade
424 espécies herbáceas, 69 epífitas, 156 média de 0.4 indicou a baixa semelhança
subarbustos, 237 trepadeiras, 403 florística entre os levantamentos. Esse
arbustos e 854 árvores. Esses autores autor listou apenas para o Distrito
ressaltam que, enquanto para as Federal 378 espécies, 44.1% do total de
formações florestais Mata de Galeria/ 854 sugerido por Felfili et al. (2001) para
Mata Ciliar a proporção do estrato as matas do bioma.
arbustivo-herbáceo para o arbóreo é de
A progressiva exploração desor-
1:1,1 na formação savânica Cerrado
denada e predatória desse ambiente e a
sentido amplo, a proporção é de 4:1.
ausência ou mesmo ineficácia de
A forma natural de ocupação do políticas públicas ambientais para sua
espaço pelas espécies e sua associação gestão na região do Cerrado podem
com as características ecológicas conduzir à insustentabilidade ecológica
encontradas nos ambientes florestais e social. Como a legislação ambiental
podem ajudar a definir grupos de protege esses ambientes, sua preservação
espécies características. Schiavini et al. resultaria em redução dos espaços
(2001) descreveram para uma produtivos, implicando em impacto
toposequência específica para a região direto nos rendimentos de produtores
de Uberlândia, como exclusivas das familiares de comunidades que vivem
Matas de Galeria, (Calophyllum nas regiões ribeirinhas. Por outro lado,
brasiliense, Talauma ovata, Protium vale lembrar que a depredação das
heptaphyllum e Inga vera ssp. affinis) mesmas levará à redução da oferta

388
Ocupação e conservação

hídrica essencial para a sustentabilidade e sul de Minas Gerais), Este-sudeste


da produção agrícola, e que os resultados (principalmente Minas Gerais), Central
encontrados mostram que a conservação (Distrito Federal, Goiás e porções de
destas matas ribeirinhas vai manter Minas Gerais), Centro-oeste (maior parte
importantes corredores ecológicos para de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso
o deslocamento da fauna e da flora, do Sul), e Norte (principalmente
possibilitando serviços ambientais Maranhão, Tocantins e Pará), assim
essenciais para a própria ocupação como um grupo de vegetação savânica
sustentável do bioma. disjunta na Amazônia. Neste estudo os
autores mostraram não apenas que
Quanto à vegetação savânica, dados diversidade tende a ser menor nos sítios
disponíveis sobre a flora lenhosa do com solos relativamente mais férteis,
Cerrado, sentido amplo, indicam que, na onde existe a dominância de espécies
área nuclear contínua, o número de indicadoras como Callisthene fasciculata,
espécies em uma área (diversidade alfa) Magonia pubescens, Terminalia argentea
pode variar de 20 a 193 espécies lenhosas e Luehea paniculata, mas também a
arbóreas, enquanto áreas disjuntas do existência de intensa heterogeneidade
bioma, concentradas nas savanas entre os sítios amostrados (diversidades
amazônicas, podem apresentar valores beta e gama).
bem menores (Ratter et al., 2002, 2003).
É claro que parte dessa variação na área A análise da vegetação lenhosa da
nuclear pode ser oriunda da forma de fisionomia Cerrado sentido amplo
amostragem, mas existem evidências de compreende hoje levantamentos em 376
que a grande maioria dessa variação seja sítios (Ratter et al., 2003) com um total
real e deva ser estudada com maiores de 953 espécies de árvores e grandes
detalhes, como é o caso de áreas arbustos, onde apenas 38 estiveram
encontradas em solos mesotróficos. Estes presentes em 50% ou mais deles (Tabela
solos apresentam níveis de cálcio e 1). Este estudo evidencia ainda que 309
espécies (35,3%) ocorreram em apenas
magnésio, na camada superior, maiores
um local, enquanto somente 300 espécies
que a média e estão associados com a
ocorreram em mais de oito locais
presença de menor número de espécies.
(≥ 2,5%). O padrão de diversidade das
Espécies características desses ambientes
espécies lenhosas é principalmente
são Terminalia argentea, Callisthene
constituído desse um grupo restrito de
fasciculata, Magonia pubescens,
300 espécies (cerca de 1/3 do total)
Astronium fraxinifolium entre outras
relativamente comuns e 2/3 de espécies
(Ratter et al., 1977; Furley & Ratter 1988).
bastante raras, muitas das quais
As análises biogeográficas realizadas poderiam ser incluídas como acessórias
por Castro (1994), Castro e Martins (Ratter et al., 2003). Este padrão de
(1999), Ratter & Dargie (1992) e Ratter oligarquia de um grupo de espécies
et al. (1996) e Ratter et al. (2003) comuns e muitas outras espécies raras,
permitiram a identificação de padrões de também foi reportado para as Matas de
distribuição da flora do bioma. Por Galeria (Silva Júnior et al., 2001) e para
exemplo, Ratter et al. (1996) matas amazônicas de terra firme no
reconheceram os grupos Sul (São Paulo Equador e Peru (Pitman et al., 2001).

389
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

Alguns pesquisadores (e.g. Rizzini, vizinhos. Isto demonstra não


1963, 1979) postularam que na área apenas a significante heteroge-
central do bioma Cerrado haveria mais neidade da flora, mas as
espécies que na periferia, e consideraram particularidades de cada local.
que a riqueza seria principalmente
Alguns estudos demonstraram a
composta por espécies acessórias
importância do Cerrado como um dos
oriundas dos biomas vizinhos.
centros de biodiversidade mais
Entretanto, Ratter et al., (2003) relataram
importantes do planeta (Myers et al.,
dois pontos relevantes:
2000). Sem dúvida, a heterogeneidade
1 - Apesar de muitas localidades da do ambiente, já demonstrada em termos
região central serem de fato ricas de precipitação pluviométrica (Assad &
em espécies, localidades na Evangelista, 1994), solo (Reatto et al.
periferia da área nuclear do 1998), água (Lima & Silva 2002) e
Cerrado, nas proximidades dos vegetação (Ratter et al. 1996; 2002;
Rios Araguaia, Tocantins e Xingu, 2003), é fundamental na manutenção
ou ainda, no estado de São Paulo, dessa biodiversidade.
mostraram riqueza tão grande ou
Uso agrícola: produção atual e
até superior que a porção central.
perspectivas futuras
2 - A riqueza da flora periférica é
A produção agrícola no Centro-
composta de espécies tipicamente
Oeste, até a década de 1950, era pouco
savânicas, ou seja, não é formada
expressiva, a indústria não existia e
por espécies oriundas de biomas

Tabela 1. Espécies lenhosas presentes em mais de 50% dos 376


levantamentos comparados [Os valores em parênteses são das
porcentagens encontradas respectivamente em levantamentos
anteriores Ratter and Dargie (1992) e Ratter et al. (1996)].

390
Ocupação e conservação

apenas a pecuária bovina apresentava A área plantada, em 2001, foi de pelo


relevância na região. Este panorama, no menos de 6.970 milhões de hectares,
entanto, sofreu alterações provenientes assumindo que a produção da soja hoje
da abertura da fronteira agrícola nacional para o Cerrado seja de cerca de 20
e do conseqüente fluxo migratório em milhões de toneladas e a produtividade
direção ao oeste brasileiro. Na década média de 2.926 kg/ha (www.cnp
de 1960, a quantidade de soja produzida soja.embrapa.br./radarsoja/conab0203).
no Brasil era de apenas 400 mil Assim, dos 10 milhões de hectares
toneladas/ano. Em 1997 a produção plantados com grãos (Sano et al., 2001),
nacional superou 25 milhões de quase 65% da área total de grãos esteve
toneladas e segundo estimativas da destinada a esta espécie. A partir desses
Companhia Nacional de Abastecimento números, verifica-se que em 1986 a soja
(CONAB) para a safra 2001/02, este era responsável pela ocupação direta de
montante pode chegar a 41 milhões de mais de 3% da área bioma Cerrado.
toneladas. Dos 27 estados brasileiros, 15 Além disso, observa-se que a área
estão produzindo soja. A Região Sul era plantada na região tem crescido
a maior produtora do país até meados intensamente. Com isso, o Cerrado
da década de 1990. Na safra 2000/01, o respondia por 41,83% de toda a
Sul respondeu com 42,26% da safra produção de soja brasileira. Se por um
nacional, enquanto o Centro-Oeste já lado a maior ocupação acontece com
produziu 44,35%. Estimativas para a pastagem cultivada (38%) (Sano et al.,
safra de 2001/02 apontam que a 2001), por outro, a abertura de novas
produção no Centro-Oeste tende a crescer áreas nos últimos anos está praticamente
chegando a 19 milhões de toneladas, o em função da soja e milho (Figura 2).
que significaria 46,9% de toda a
O incremento de produção de um
produção de soja do país. A participação
determinado plantio agrícola, em termos
da Região Nordeste cresceu bastante
simples, vai depender de três fatores: (i)
entre 1997 e 2001, quando apresentou
abertura de novas áreas, (ii) aumento da
percentuais de 3% e 6,87%, respec-
produtividade ou (iii) utilização de áreas
tivamente, com ênfase para o estado da
anteriormente plantadas com outras
Bahia que responde por cerca de 70%
culturas. A soja na região duplicou de
da produção local. Mas qual é essa área
1985 a 1995 e praticamente triplicou nos
de soja plantada e qual é o impacto
últimos 15 anos (Figura 1). O incremento
ambiental?

Figura 2
Evolução da
produção de grãos
em milhões de
toneladas na área
do domínio do
bioma Cerrado.
Fonte: Embrapa
Cerrados –
Palestra
Institucional

391
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

na produção até agora foi decorrente dos DISPONIBILIDADE DE


dois primeiros fatores, abertura de novas INFORMAÇÕES
áreas e aumento da produtividade. Da
década de 1970, a produtividade As unidades de conservação de
aumentou de 1.300 para algo em torno proteção integral correspondiam a 1,5%,
de 2.800 kg/ha em 2001. Esta até 1998, do bioma Cerrado. Se a este
produtividade pode aumentar ainda número fossem somadas as unidades de
mais, pois bons produtores, com técnicas uso sustentável, o Cerrado protegido não
apropriadas, poderão alcançar padrões passaria de 3% de sua extensão inicial
mais altos. (Aguiar et al. 2003). A intensa
heterogeneidade florística local e regional
A conservação do bioma Cerrado vai
aqui destacada tem conseqüências
depender da criação de novas unidades
importantíssimas em planos de manejo
de conservação e também da diminuição
para o estabelecimento de unidades de
da pressão de ocupação agrícola. O
conservação. Assim, os dados florísticos
aproveitamento de áreas com baixa
mostram que é necessário proteger
ocupação ou abandonadas por outras
muitas áreas relativamente menores no
culturas seria muito importante. Assim,
sentido de representar adequadamente
dos 49 milhões de hectares ocupados por
a biodiversidade local e regional.
pastagens, estima-se que 30 milhões
estejam degradados, sendo solos, Todo esse conhecimento é muito útil
teoricamente, potenciais para a no momento de decidir localização e
reincorporação ao sistema produtivo de tamanho das unidades de conservação,
grãos, plantios com espécies perenes e já que a ocupação humana nas ultimas
sistemas agroflorestais. Esta área três décadas, seja por agricultura,
degradada é três vezes maior do que o pastagem, produção de carvão,
espaço ora ocupado por todos os plantios urbanização, entre outras, reduziu a
de grãos. Entretanto, esta incorporação vegetação natural para algo ao redor de
depende de vários fatores como a 30%. Muito embora no Cerrado, a
disponibilidade de técnicas de riqueza de espécies e endemismo sejam
recuperação do solo e do uso da água altos (Mittermeier et al., 1999; Davis et
(pesquisa), estudos das necessidades al., 1994 – 1997; Groombridge, 1992;
específicas para a próxima cultura
Heywood, 1995 apud Myers et al. 2000
(pesquisa), a conscientização e o
e Brooks et al. 2002), a proteção
treinamento dos produtores (educação)
ambiental é pequena e a taxa de
e a implementação de procedimentos
ocupação sensivelmente alta.Estimativas
políticos e sociais que apóiem o uso
de antropização (incluindo urbanização,
destas áreas (política).
agricultura e áreas pouco perturbadas
utilizadas como pastagem nativa) foram
POLÍTICAS PÚBLICAS de 40% em 1995 (Alho & Martins 1995);
59% em 1996 (Sano et al., 2002); de
O estabelecimento apropriado e
67,1% em 1998 e de cerca de 70% em
eficiente de políticas públicas para
1999 (Cerrado e Pantanal, 2002). Em
conservação vai depender da dispo-
alguns estados como São Paulo e Paraná,
nibilidade de informações coerentes e
atualizadas, da integração e análise das por exemplo, somente pequenos
informações disponíveis e a análise dos vestígios dessa vegetação natural
interessados em todos os níveis. permanecem.

392
Ocupação e conservação

INTEGRAÇÃO E ANÁLISE DESSAS que sirvam como corredores mésicos


INFORMAÇÕES entre a Floresta Amazônica e a Mata
Atlântica, permitindo assim a manu-
O desafio, portanto, está em agrupar tenção da fauna característica de
e associar toda a informação disponível formações florestais sem adaptações
do ambiente físico e biológico e dos específicas a ambientes tipicamente
usuários, sejam eles comunidades xéricos (Redford & Fonseca, 1996).
tradicionais ou novos assentamentos,
para estruturar sugestões para políticas
públicas pertinentes e convincentes, INTERESSADOS
procurando atingir o desenvolvimento
sustentável com uma agricultura mais A principio, o objetivo único e
amigável com o ambiente e com ênfase principal almeja o capital monopolista e
na conservação dos 20% de reserva a economia exportadora especializada
legal. em produtos alimentícios e matéria-
prima, onde a soja aparece como
Além disso, os dados disponíveis elemento-chave. Atitudes, em futuro bem
evidenciam que, para ser efetiva, a próximo, devem considerar dois pontos:
conservação deve acontecer a quem esse desenvolvimento interessa
considerando a integração entre as (beneficiários) e qual a sua necessidade
fisionomias. Conservar apenas a de implantação em curto prazo, sem a
vegetação ribeirinha, sem que sejam devida análise das conseqüências dessas
levadas em conta a sua dinâmica natural atitudes.
e as relações com as fisionomias
adjacentes seria ineficiente. Dessa A região Centro-Oeste, em termos de
maneira, a interface com o campo úmido beneficiários, responde pela menor
e o Cerrado sentido amplo é muito participação da agricultura familiar no
importante, principalmente no que diz país, exatamente devido a esse alto
respeito às espécies pioneiras da índice de concentração fundiária
vegetação, transitórias como os animais (Expansão... 2000) de 500ha por
ou mesmo com o lençol freático no solo. propriedade, estabelecido como padrão
Por outro lado, manter uma reserva pela monocultura empresarial
apenas com vegetação savânica (PRODECER II na região de Balsas, por
apresentaria sérios problemas pela exemplo). Com isso, percebe-se que há
ausência de ligação com os ambientes um impacto econômico positivo para o
ribeirinhos, tão importantes para a novo proprietário da terra, enquanto por
manutenção da fauna. Bagno & Marinho- outro lado, as populações tradicionais
Filho (2001) observaram que apenas são pressionadas para um intenso
20% das aves do Distrito Federal são processo de êxodo rural devido à perda
independentes das florestas, ou seja, a de competitividade dos seus meios de
grande maioria ocorre tanto nos produção e das formas tradicionais de
ambientes abertos quanto nos florestais. manejo de recursos naturais.
Muito embora englobem apenas 5% da Os impactos da ocupação agrícola
área total do bioma Cerrado, 50% dos tecnificada, especialmente soja,
endemismos e 24% das espécies evidenciam uma área de ocupação de 3%
ameaçadas de mamíferos são encon- do Cerrado em valores absolutos (Sano
tradas nessas matas (Marinho-Filho & et al., 2001), porém é fundamental
Gastal 2000), com sérias evidências de discutir e considerar as conseqüências

393
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

indiretas ao estímulo de atividades comunidade poderia valorizar corre-


complementares, e tidas como de tamente o ambiente onde vive. Isso se
desenvolvimento regional, como torna mais crítico ao se constatar que o
implementos e insumos agrícolas, número de produtores vindos de outras
comercialização, transporte e moradia regiões do Brasil, no Cerrado, é muito
(Expansão... 2000). alto. Foi verificado no Distrito Federal e
em seu entorno, por exemplo, que 82,5%
Essas atividades econômicas, sem
da população amostrada nasceu fora
dúvida, vão implicar na demanda de
dessa área, e que a grande maioria não
infra-estrutura que acaba influenciando
possuía raízes culturais vinculadas ao
no surgimento de outras culturas anuais
ambiente Cerrado, pois seriam oriundas,
(milho, feijão, arroz) ou perenes
principalmente, das regiões Sul, Sudeste
(banana, abacaxi). O Centro-Oeste tem
e Nordeste.
implementado o estabelecimento de
agroindústrias para o processamento de É evidente que se os aspectos de
grãos de soja que não foram admitidos valoração ambiental tivessem sido
em outras regiões do país pelo impacto amplamente aplicados e divulgados
ambiental dos subprodutos e dejetos. junto ao sistema privado de colonização
e expansão da produção agropecuária
Recomenda-se que a decisão da
organizada por grandes empresas do
localização das reservas legais, leve em
setor ou proprietários capitalizados, os
consideração toda essa integração. A
resultados positivos sobre produção
determinação do local da reserva,
sustentada e conservação já poderiam
geralmente, é tomada pelo proprietário
ter sido colocados em prática. Entretanto,
ou muitas vezes pelo seu encarregado,
o procedimento até agora observado
o que torna a escolha muitas vezes
parece conseqüência da pequena
inapropriada, pois é tomada com base
articulação, tanto no aspecto setorial
em um conhecimento insuficiente dos
quanto no espacial. Muito pouco tem
recursos naturais disponíveis. A ausência
sido divulgado nas cooperativas do setor
deste conhecimento deve ser suprida
de produção de grãos sobre produção
com intensos programas de educação
sustentada e conservação. Além disso,
ambiental.
essa divulgação ainda varia de região
Políticas de conscientização, para região. Esse desconhecimento pode
educação e apoio para a ocupação levar a atitudes precipitadas e
ambientalmente sustentável seriam inconseqüentes.
imprescindíveis. Liberação de recursos
para plantios agrícolas deveria estar
associada a técnicas de plantio e a PROPOSIÇÕES
preservação do solo, da água, da
vegetação e da fauna. Este procedimento Este estudo propõe transformações
deveria ser acompanhado de educação que devem partir dos seguintes
ambiental, que estaria acontecendo com precedentes:
toda a comunidade, das crianças até os
mais idosos. A sugestão seria a aplicação 1) Desenvolvimento tem que ser
da educação ambiental no sentido amplo desdobrado em pleno
de Paulo Freire, ou seja, utilizando o envolvimento, entendendo que o
ambiente em que a comunidade vive prefixo “des”, nesse caso, não
para educá-la; somente assim a deve ser compreendido como

394
Ocupação e conservação

negativa de envolvimento, tal longo prazos. A matriz a seguir


como em des-ligar (não ligar) e apresenta os principais aspectos
des-conversar (não conversar); desses níveis e prazos.

2) Pleno envolvimento seria, então,


assumir que conservação e
ocupação sustentada são como CONSIDERAÇÕES FINAIS
faces de uma mesma moeda. Para
O bioma Cerrado é regional e
que essa moeda tenha mais valor,
localmente heterogêneo, particular-
as duas faces devem estar juntas,
mente, no que diz respeito às espécies
lembrando que o ser humano é
vegetais raras e endêmicas. Dessa
parte da natureza.
maneira, é essencial a implementação de
3) Devem acontecer em pelo menos um sistema de unidades de conservação,
três níveis (Tabela 2): Pesquisa, que seja capaz de representar devida-
Política e Educação e dependendo mente as subprovíncias florísticas já
da situação, em curto, médio e identificadas em vários estudos e

Tabela 2. Transformações na pesquisa, educação e nas políticas públicas


propostas para mudar o entendimento sobre o valor ambiental do
bioma Cerrado

395
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

revisadas em Ratter et al., (2003). Além “tomadores de decisão” são incluídos


disso, todas as formações florestais, aqui políticos, pesquisadores, produ-
savânicas ou campestres, ali presentes tores, caseiros e até mesmo cada um de
devem também ser consideradas e nós, como consumidores de produtos
incluídas nesse sistema, além das provenientes do Cerrado. Esse grupo
fitofisionomias e suas variações deve entender que o ambiente faz parte
ambientais, como classes de solo e clima. do sistema de produção agrícola. É o
Fica bastante clara a necessidade de ambiente que vai agir como filtro de
criação de unidades de conservação em poluição de elementos essenciais para a
chapadas de latossolo, devido à intensa nossa sobrevivência, como o ar e a água,
seleção dessas áreas para a ocupação além de funcionar como sensor da
agrícola nas ultimas três décadas. qualidade ambiental, indicando quando
o sistema está desequilibrado, pois sua
A importância da implementação de capacidade de suporte foi ultrapassada.
leis e procedimentos ambientalmente Somente com esses procedimentos
amigáveis é premente. Decisões devem teríamos possibilidades de garantir a
acontecer em seqüência e em diversos conservação do bioma Cerrado e
níveis como políticas, pesquisas, possibilitar a sustentabilidade da
produtores e consumidores. Então, como produção agrícola com longa duração.

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398
Ocupação e conservação

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espécies perenes em uma Mata de

399
Capítulo 24

Manejo de FOTO: ANDERSON


FOTO: SEVILHA
ANDERSON SEVILHA

fragmentos de
Cerrado: princípios
para a conservação Vânia R. Pivello
Departamento de Ecologia

da biodiversidade Universidade de São Paulo


São Paulo, SP
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

402
Manejo de fragmentos

POR QUE MANEJAR OS biental, a conservação in situ, por meio


do estabelecimento de unidades de
ECOSSISTEMAS NATIVOS EM
conservação, mostra-se como uma das
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO? melhores alternativas para a manutenção
O processo de desenvolvimento que da biodiversidade nativa, uma vez que
se instalou nas regiões Sudeste e Centro- se mantém não apenas as espécies, mas
oeste do Brasil a partir do século 20, também seus habitats, as relações entre
acompanhado de grande crescimento elas e os processos ecológicos.
populacional, levou à rápida procura por
Entretanto, a grande maioria das
terras agricultáveis, locais para instalação
áreas hoje destinadas à conservação
de indústrias e cidades, bem como
nada mais são do que pequenas ilhas
utilização direta dos recursos da
em meio à ocupação urbano-rural,
natureza. Em decorrência, os ecos-
sofrendo todo o tipo de pressão do
sistemas nativos sofreram e ainda vêm
entorno. Uma vez que resistência,
sofrendo intensa fragmentação,
resiliência e capacidade de auto-
substituição e descaracterização, sendo
sustentação dos ecossistemas são
que aqueles que hoje restam geralmente
propriedades que ocorrem dentro de
constituem fragmentos pequenos e
limites, mesmo a biodiversidade
isolados nas paisagens modificadas pelo
“protegida” nas unidades de conser-
homem, ou, mesmo quando mais
vação está sujeita a sérios problemas e
extensos, também alterados em sua
a grandes perdas, advindas da
composição, estrutura e processos. Além
fragmentação e isolamento dos habitats
das perdas diretas de indivíduos e
e das pressões do entorno. Assim, o
espécies, esses fragmentos sofrem
processo de fragmentação de habitats é
inúmeras pressões externas, vindas de
apontado como o principal responsável
seu entorno alterado.
pelas atuais perdas de biodiversidade,
Diversas estratégias voltadas à sejam elas em nível genético, específico
proteção da biodiversidade existem, ou ecossistêmico (WWF, 1989). Essas
sendo elas de ordem política, econômica, questões vêm sendo muito bem
educativa e ambiental, e devendo estar exploradas nas duas últimas décadas,
todas interligadas. Na vertente am- especialmente no contexto da ecologia

403
Pivello

de paisagens (Naveh & Liebermann, mundo” ou “área de expansão da


1994; Forman, 1995; Meffe & Carroll, fronteira agrícola”, com estímulo oficial
1997; Primack et al., 2001; Turner et al., à sua substituição. Em conseqüência,
2001), com o intuito de fornecer apenas 2,09% deste bioma é protegido
embasamento a alternativas para a nas diversas categorias de unidade de
conservação biológica. conservação (situação em 18/02/2002,
IBAMA, 2002).
Conclui-se, então, que apenas a
criação de unidades de conservação não Dentre as constantes pressões
é suficiente para a manutenção do antrópicas sobre o Cerrado, destacam-
patrimônio natural; é também necessário se: queimadas, invasões para sua
que medidas de manejo sejam adotadas ocupação com moradias e agricultura de
para estas áreas, bem como para toda a subsistência, entrada de gado, retirada
paisagem onde se inserem. Intervenções de lenha e de espécies medicinais, além
nos ecossistemas protegidos são da invasão biológica por espécies
necessárias para direcionar seus exóticas.
processos e evitar ou remediar
Todavia, o Cerrado é detentor de
problemas que os levem à deterioração.
imensa riqueza fisionômica - congre-
Os planos de manejo são uma gando mais de 20 formas vegetacionais
primeira abordagem para o estabe- florestais, savânicas e campestres
lecimento de diretrizes e ações para a (Ribeiro & Walter, 1998) - e florística,
proteção dos recursos naturais, tendo sido registradas mais de 6.000
entretanto, deve-se destacar outras espécies vasculares para esse domínio
estratégias, como políticas e ações morfoclimático (Mendonça et al., 1998).
institucionais de planejamento – Seguindo uma paisagem diversificada e
incluindo a elaboração e o cumprimento com grande variabilidade de habitats, a
de zoneamentos regionais –, políticas de fauna do Cerrado apresenta-se também
incentivos e acordos, bem como ações exuberante, com cerca de 1.270
de restauração e reabilitação de áreas vertebrados terrestres. O grupo das aves
degradadas. é o mais rico, estando representado por
mais de 800 espécies; seguido pelos
mamíferos, anfíbios e répteis (Myers et
A BIODIVERSIDADE E A PROTEÇÃO al., 2000).
DO CERRADO
Desde há várias décadas, já se
Um dos biomas que mais tem estado reconhece o alto grau de peculiaridade
sujeito à ocupação e à descaracterização e endemismo da flora do Cerrado
é o Cerrado1. Os fatores de indução do (Rizzini, 1971; 1997; Goodland & Ferri,
desenvolvimento, aliados a uma política 1979), entretanto, contrariando idéias
governamental de incentivo agrícola no mais antigas, o maior conhecimento de
Cerrado – estabelecida na década de sua fauna também vem mostrando
1970 – e desprovida de uma proposta padrão semelhante, com grande número
paralela de proteção ambiental, de espécies endêmicas às fisionomias do
resultaram num processo acelerado de bioma. Silva & Bates (2002), congre-
sua destruição e substituição. Ainda gando dados de diversos trabalhos,
hoje, o Cerrado é visto como “celeiro do mostram graus de endemismo da
1
Cerrado, iniciado com letra maiúscula, refere-se, no presente texto, ao bioma ou ao domínio morfoclimático;
quando iniciado com letra minúscula, refere-se a ambientes de cerrado.

404
Manejo de fragmentos

magnitude de 44% para plantas econômicos, para sua utilização no


vasculares, 30% para anfíbios, 20% para manejo ambiental. Mais do que isso, a
répteis, 12% para mamíferos e 1,4% para informação precisa chegar aos agentes -
aves. os técnicos responsáveis pelas unidades
de conservação - e aos decisores, que
Essa imensa riqueza biológica, com elaboram as diretrizes e normas a serem
alto grau de endemismo, merece, sem adotadas. Em suma, o conhecimento
dúvida, maior atenção e dedicação à sua prático deve ser gerado e a comunicação
proteção, por meio de estratégias entre as partes envolvidas no sistema de
conservacionistas diversas e manejo proteção ao meio ambiente necessita ser
adequado. grandemente melhorada (Pivello, 1992).

Quanto à legislação ambiental


O MANEJO DE FRAGMENTOS DO brasileira, grandes progressos têm
CERRADO ocorrido a partir dos anos de 1980,
voltados à proteção dos remanescentes
A grande maioria das unidades de nativos, entretanto, as determinações na
conservação brasileiras não recebe ações legislação têm sido sempre voltadas à
de manejo sobre sua biota. Isso decorre restrição de usos e ações, e raramente
de políticas ambientais ultrapassadas, ao manejo ativo. Mesmo havendo, na
excessivamente conservadoras, que não legislação, a permissão para ações de
admitiam intervenção alguma nos manejo ecológico em unidades de
ambientes protegidos. Essa defesa da conservação (por exemplo: Decreto
“não-ação” decorre, em parte, por se Federal nº. 84.017, de 21/9/1979;
acreditar que ainda falta o conhecimento Resolução CONAMA nº. 11, de 14/12/
necessário para o estabelecimento das 1988; Decreto Federal nº. 97.635, de 10/
ações de manejo e, em parte, em virtude 5/1989), estas só podem ser aplicadas
da legislação brasileira ter sido, quando estabelecidas em seus planos de
historicamente, muito restritiva em manejo. Ainda, o Sistema Nacional de
relação às unidades de conservação. Unidades de Conservação (SNUC),
instituído em julho de 2000 (Lei Federal
No primeiro caso, a insegurança nº. 9.985), embora tenha corrigido
poderia ser justificada em parte, pois há, várias incompatibilidades anteriormente
realmente, grandes lacunas de existentes, não é suficientemente claro e
conhecimento em relação à dinâmica de detalhado quanto aos objetivos das
nossos ecossistemas. Essas lacunas unidades de conservação e quanto às
ocorrem em diversos níveis: na coleta intervenções permitidas, o que reflete
dos dados, na análise e síntese das também em deficiências nos planos de
informações, na disseminação do manejo.
conhecimento e em sua recepção Para a grande maioria das unidades
(Pivello, 1992). Por outro lado, é ampla de conservação que protegem o Cerrado,
a gama de dados já obtidos para o os planos de manejo, quando existem,
Cerrado, úteis para subsidiar seu manejo; são antigos e não-direcionados ao
entretanto, grande parte desse manejo ecológico das comunidades, mas
conhecimento biológico e fisiográfico sim a aspectos administrativos. O meio
está sob forma descritiva e necessita ser biofísico é tratado de forma
organizado, analisado e trabalhado sob extremamente descritiva e ações práticas
uma perspectiva prática, e ainda diretamente voltadas ao manejo da flora
integrado a aspectos sociais e e da fauna praticamente inexistem.

405
Pivello

Desta forma, pode-se perceber que rápida propagação. Quando há grande


o principal passo para o manejo ativo acúmulo de material combustível, a
em unidades de conservação do Cerrado intensidade do fogo pode ser alta,
está na re-elaboração dos planos de prejudicando a biota - causando a morte
manejo. Nestes, deve haver, primei- de animais de locomoção mais lenta,
ramente, uma delimitação muito clara especialmente os tamanduás, e de
dos objetivos para a área, seguida de um elementos lenhosos da vegetação (Sato
bom diagnóstico da situação atual e do & Miranda, 1996) - e ameaçando
delineamento de cenários futuros e comunidades humanas próximas.
desejados. Nesta última etapa, as Entretanto, muitos benefícios também
principais perguntas a serem respon- provêm das queimadas à biota do
didas são: O que fazer? Quando (etapas)? Cerrado, por meio da ciclagem dos
Como? Com que recursos (materiais e nutrientes acumulados na serapilheira,
humanos)? do estímulo à floração, frutificação,
brotamento e germinação de várias
plantas, e conseqüente aumento da oferta
PRINCIPAIS PROBLEMAS de alimento aos animais, dentre outros
ECOLÓGICOS DO CERRADO (Coutinho, 1990).
Dentre os problemas enfrentados Invasões biológicas
pelas unidades de conservação do
Cerrado, considera-se que três merecem Praticamente todas as unidades de
especial destaque, devido à frequência conservação que visam à proteção do
com que ocorrem e à magnitude dos Cerrado encontram-se hoje invadidas por
danos decorrentes: incêndios causados espécies exóticas, que lá encontraram
por queimadas acidentais, invasões ambiente propício e ausência de inimigos
biológicas e fragmentação de habitats. naturais. Dentre estas, as mais
abundantes são as gramíneas africanas
Queimadas acidentais Melinis minutiflora (capim-gordura),
Embora as queimadas sejam um Hyparrhenia rufa (capim-jaraguá),
componente natural dos cerrados, as Panicum maximum (capim-colonião) e
atividades humanas alteraram profun- Brachiaria spp. (braquiárias), introdu-
damente o regime de fogo, aumentando zidas como forrageiras, além da
muito sua freqüência e, possivelmente, pteridófita Pterydium aquilinum. No
alterando a época de sua incidência estado de São Paulo, Pinus elliottii
(Coutinho, 1990; Pivello, 1992; Ramos- também se tornou espécie invasora em
Neto & Pivello, 2000). Hoje, a grande algumas unidades de conservação
maioria das queimadas acidentais próximas a silviculturas.
iniciam-se próximas aos limites das Pesquisas relacionando invasoras
unidades de conservação, associadas a em cerrados e seus efeitos são ainda
fazendas vizinhas, estradas, caçadores muito poucas, entretanto, em reservas
ou pescadores. Entretanto, queimadas de cerrado em São Paulo, já foram
naturais, causadas por raios, podem
verificados prováveis efeitos
ocorrer e mostraram-se bastante
competitivos entre Melinis minutiflora e
freqüentes no Parque Nacional das Emas
Brachiaria decumbens e as herbáceas
(GO) (Ramos-Neto & Pivello, 2000).
nativas, com perigo de exclusão destas
Queimadas acidentais podem se últimas (Pivello et al., 1999-a; 1999-b).
transformar em grandes incêndios, de Estas gramíneas exóticas mostraram-se

406
Manejo de fragmentos

dominantes tanto na porção vegetativa dada à sua proteção. Ainda, as poucas


como no banco de sementes do solo áreas protegidas de cerrado que existem
(Freitas, 1999; Pivello et al., 1999-a; são mal distribuídas e, por todas as
1999-b). Além disso, as gramíneas razões citadas – poucas, pequenas,
exóticas produzem grande quantidade de isoladas e mal distribuídas – ineficientes
biomassa, altamente inflamável, em sua função de proteção ao bioma.
aumentando o risco de incêndios durante Não há zonas-tampão, tampouco há o
a estação seca. cumprimento da legislação ambiental, no
sentido de se manter as áreas de
Fragmentação de habitats
preservação permanente (APPs) - em
O Cerrado encontra-se hoje num alto zonas ripárias e nascentes, topos de
grau de fragmentação e os fragmentos morros, altas declividades. Poucos são
remanescentes apresentam-se como os proprietários que mantêm as reservas
“ilhas”, circundados por pastos ou legais exigidas por lei. Em suma, os tipos
grandes monoculturas, principalmente e formas de uso das terras no entorno
de grãos (sobretudo soja), cana-de- das unidades de conservação raramente
açúcar ou árvores exóticas fornecedoras respeitam a legislação e denotam
de madeira e celulose. ausência de planejamento regional.
Essa situação de fragmentação tem
levado a grandes perdas de biodi-
versidade, locais e regionais, seja ALTERNATIVAS DE MANEJO
diretamente pela substituição de espécies
Este item considerará algumas
nativas por outras de interesse
alternativas para lidar com os três
econômico (pastagens e culturas), seja
principais problemas apontados para os
pelo pequeno tamanho dos fragmentos
fragmentos de cerrado sob forma de
remanescentes – que se tornam
unidades de conservação.
incapazes de suportar populações
viáveis – ou ainda, pelo seu isolamento, Há diferentes níveis de abordagem
encontrando-se cercados por uma matriz para o manejo dos ecossistemas,
“hostil” e, portanto, incapazes de manter dependendo do tipo de problema
fluxos de matéria e energia com outros existente e dos objetivos desejados, tais
fragmentos semelhantes. A insularização como: manejo de populações e
expõe os fragmentos naturais aos efeitos comunidades, manejo de habitats, ou
de borda, à invasão de espécies exóticas manejo da paisagem. Por exemplo, um
e a alterações em sua estrutura e problema de invasão biológica pode ser
funcionamento, devido a mudanças em
tratado junto à espécie invasora (manejo
características de luminosidade e
da população), ou à comunidade
temperatura, entre outras.
invadida; ou o enfoque pode ser voltado
Além de pequenas e isoladas, as à recuperação do habitat afetado, ou
áreas protegidas no Cerrado são muito ainda, podem ser aplicadas medidas que
poucas em relação à extensão territorial alterem os usos das terras ou as relações
que esse bioma originalmente ocupava. espaciais entre os elementos da
O Cerrado permaneceu secundário nas paisagem. Dentro destas abordagens, há
preocupações ambientais, mais voltadas ainda estratégias preventivas e
aos ecossistemas florestais; apenas remediadoras (Wittenberg & Cock,
recentemente, maior atenção tem sido 2001).

407
Pivello

Iniciando, então, pelo problema das O fogo pode ser outra alternativa
invasões biológicas e, mais especif- para o controle de gramíneas exóticas.
icamente, considerando as invasões por No caso de Melinis minutiflora, há
gramíneas africanas nos cerrados, controvérsia quanto à sua resistência ao
percebe-se que quase não há estudos fogo (Asner & Beatty, 1996; Costa &
sobre o controle dessas espécies, uma Brandão, 1988; D´Antonio & Vitousek,
vez que são de interesse econômico e a 1992), entretanto, observou-se ao longo
grande maioria dos estudos tem o de vários anos que, nos cerrados,
objetivo oposto, ou seja, são voltados queimadas periódicas a cada 2-3 anos,
ao aumento de sua produtividade. É, principalmente se conduzidas durante
portanto, premente a necessidade de sua floração, podem reduzir seu vigor e
experimentação, in loco e em laboratório, favorecer as herbáceas nativas (Pivello,
para se testar técnicas de combate 1992). Essa estratégia de manejo da
mecânico, químico e de arranjo espacial comunidade visa, portanto, aumentar a
capacidade competitiva das nativas em
dos elementos na paisagem, a fim de
relação a essa invasora.
controlar a invasão dessas gramíneas
exóticas. Contrariamente, tem sido observado
que o fogo parece estimular o
Dentre as técnicas mecânicas, o
crescimento da Brachiaria decumbens
arranquio, o corte e o sombreamento
(agora, concordando com Aronovich &
podem ser opções, embora adequadas
Rocha, 1985; D´Antonio & Vitousek,
para situações diferentes. O arranquio
1992 & Filgueiras, 1990). Esta espécie
manual ou mecanizado tem a grande
tem se mostrado extremamente agressiva
desvantagem de revolver o solo, o que,
em fragmentos de cerrado do estado de
para várias dessas espécies, pode São Paulo, com vantagem competitiva
estimular ainda mais sua disseminação, sobre as nativas e até mesmo sobre
uma vez que se observa seu estabe- Melinis minutiflora (Pivello et al., 1999-
lecimento em áreas preferencialmente a; 1999-b), formando grandes manchas
perturbadas (Coutinho, 1982-a; 1982-b; monoespecíficas onde se estabelece. Em
Freitas, 1999). Entretanto, pode ser casos assim, e cientes de todos os riscos
aplicado em focos pequenos e isolados, ambientais possíveis numa unidade de
tomando-se o cuidado de exercer conservação, acredita-se que o controle
perturbações mínimas. químico, por meio de herbicidas de baixo
efeito residual, seja uma das
A opção pelo corte raso tem por
pouquíssimas opções para o controle
princípio a retirada de nutrientes por
dessa invasora (Pivello, 1992; Durigan
meio da biomassa epígea e o
et al., 1998). Certamente, todas as
conseqüente enfraquecimento da planta.
precauções devem ser tomadas para se
A melhor época e frequência de aplicação evitar poluição do solo e corpos d´água
devem ser testadas. Imagina-se que o ou envenenamento de animais. Técnicas
sombreamento também promova mistas, com a combinação de fogo e
enfraquecimento e morte das gramíneas herbicida, ou fogo e corte, bem como o
invasoras, especialmente por elas terem sobrepastejo nas manchas monoes-
metabolismo C 4 (Klink & Joly, 1989; pecíficas de Brachiaria, especialmente
Mozeto et al., 1996). O grau de quando estas se situam nas bordas da
sombreamento, porém, deve ser testado unidade de conservação e permitem
e balanceado para que não afete maior controle dos animais, também
severamente as espécies nativas. merecem ser testadas.

408
Manejo de fragmentos

Dentre as técnicas preventivas, uma queimadas periódicas para sua


das estratégias pode ser a manipulação manutenção (Coutinho, 1980; 1990;
dos elementos da paisagem com a Pivello, 1992). Os diversos registros de
finalidade de dificultar o fluxo de fragmentos de carvão vegetal fóssil
diásporos das espécies potencialmente encontrados em regiões de cerrado
invasoras. O uso de “cortinas verdes” - (Coutinho, 1981; Salgado-Labouriau &
barreiras para minimizar a ação do Ferraz-Vincentini, 1994; Pessenda et al.,
vento, estabelecidas pelo plantio de 1998) reforçam a idéia de que o fogo fez
espécies preferencialmente lenhosas - é parte da evolução dessa vegetação.
comum em agrossilvicultura,
No estado de São Paulo,
especialmente para a conservação do
principalmente, tem sido observada a
solo e diminuição da erosão (Bilbro &
descaracterização da flora em unidades
Fryrear, 1997; Peri & Bloomberg, 2002).
de conservação de cerrado que vêm
Todavia, considerando-se que as
sendo mantidas há mais de duas décadas
gramíneas se dispersam eficientemente
sem fogo (neste caso, merece destaque
pelo vento, a instalação de cortinas
a Reserva Biológica de Mogi-Guaçu,
verdes ao redor de unidades de
Fazenda Campininha), onde espécies
conservação pode ser uma opção para
típicas do estrato herbáceo vão se
diminuir a chegada das sementes
tornando raras, ou inexistentes, e as
anemocóricas das invasoras (With,
exóticas passam a dominar. Ainda, o
2002). Esta técnica, entretanto, necessita
total impedimento de queimadas é difícil
ser testada quanto à sua eficácia. O
e custoso, pois exige vigilância
planejamento de uso das terras no
permanente na época de estiagem,
entorno das unidades de conservação,
principalmente na porção nuclear do
com o estabelecimento de zonas-tampão
bioma - onde o clima é mais seco.
preferencialmente ocupadas por espécies
Inevitavelmente, a área acaba por
arbóreas perenes, e não por espécies
queimar e, quando o fogo vem, após
forrageiras, também poderia minimizar
vários anos de material combustível
a chegada de propágulos de gramíneas
acumulado, torna-se de grande
invasoras nos ecossistemas nativos.
intensidade e, aí sim, danoso.
Existem prós e contras em relação a
A maneira mais prática e menos
todas as técnicas acima citadas. As
dispendiosa para diminuir a incidência
opiniões divergem quanto à sua eficácia,
de queimadas acidentais em unidades
ainda mais porque as invasoras podem
de conservação de cerrado é por meio
responder diferentemente aos
do consumo periódico do material
tratamentos. Entretanto, quase nada
combustível acumulado, promovendo-se
ainda foi testado. Sem experimentos que
queimadas prescritas e controladas, de
elucidem a questão, as invasões vão
baixa intensidade e em mosaico. Neste
progredindo rapidamente nos cerrados.
caso, seriam queimadas várias pequenas
O problema das queimadas porções das unidades de conservação a
acidentais nos cerrados é outro assunto cada ano, alternadamente, mantendo-se
polêmico. Muitos defendem a exclusão sempre áreas recém-queimadas,
do fogo nas reservas, pelo aparente dano queimadas há mais tempo e nunca
que causam. Entretanto, se esquecem queimadas (fisionomias ripárias e
que essa biota evoluiu com o fogo e que florestais), onde estas últimas
depende, em diversos aspectos, de forneceriam abrigo para os animais

409
Pivello

durante a passagem do fogo e para o O terceiro grande problema


banco de sementes de espécies menos apontado para os cerrados diz respeito
tolerantes ao fogo. As áreas recém- à fragmentação de seus habitats. Grande
queimadas, desprovidas de material parte dos efeitos da fragmentação
combustível, atuariam como aceiros, decorre da falta de planejamento das
impedindo o alastramento do fogo, no atividades produtivas humanas e do não-
caso de queimadas acidentais, para cumprimento à legislação ambiental.
grandes extensões. A intensidade do fogo
pode ser controlada pela quantidade e Em recente análise do uso das terras
grau de dessecação do material na região de Santa Rita do Passa Quatro
combustível, além de parâmetros (SP), onde se localiza o Parque Estadual
climáticos locais (Pivello, 1992; Pivello de Vassununga, foi observada uma
& Norton, 1996; Ramos-Neto & Pivello, tendência ao total aproveitamento do
2000). espaço físico das propriedades com
culturas, sem a manutenção das áreas
Além de diminuir o risco de de proteção ambiental e reservas legais,
incêndios, as queimadas prescritas determinadas em lei. Esse padrão ocorre
atuam no sentido de manter a na maior parte da região do Cerrado,
diversidade biótica do Cerrado – levando ao isolamento da biota e à
favorecendo as espécies adaptadas e
degradação do meio físico, com erosão
dependentes do fogo e reciclando
acentuada e prejuízos aos corpos d’ água
nutrientes, controlando certas espécies
(Korman, 2003). Verificou-se também
invasoras, aumentando a quantidade de
que, apenas com o cumprimento da
forragem e frutos aos animais do estrato
legislação ambiental, a situação de
herbáceo. Esse instrumento de manejo
conectividade entre as unidades de
vem sendo usado há pelo menos duas
conservação já aumentaria muito. A
décadas em diversos parques nacionais
região do Cerrado é rica em rios de
que conservam savanas, tanto na
diversas ordens, e a manutenção dos
Austrália como na África do Sul
corredores ripários poderia estabelecer
(Edwards, 1984; Parsons et al., 1986;
a interligação entre diversos fragmentos.
Schullery, 1989; Australian National
Outros remanescentes da vegetação
Parks and Wildlife Service, 1991; Conroy
nativa poderiam ser preservados, mesmo
et al., 1997; Russel-Smith, 1997), com
êxito na manutenção da diversidade que pequenos, podendo funcionar como
florística e faunística. stepping stones - ou trampolins
biológicos - para diversas espécies
Ressalta-se, entretanto, que o fogo (Korman, 2003).
deve ser utilizado apropriadamente e
com segurança, para não trazer O planejamento de uso das terras no
consequências desastrosas. As entorno das unidades de conservação,
queimadas prescritas devem seguir com o estabelecimento de zonas tampão
especificações detalhadas quanto ao e de culturas agrícolas que permitissem
regime de fogo mais adequado, o maior permeabilidade da matriz à biota
tamanho da área a ser queimada, as nativa constituem outra medida
áreas a serem protegidas, as condições necessária, mas de implementação em
climáticas ideais, os aceiros a serem médio e longo prazos. Ainda, o
instalados. Maiores detalhes quanto a estabelecimento de práticas agrícolas
estes aspectos encontram-se em Pivello adequadas à capacidade de suporte das
(1992) e Pivello & Norton (1996). terras e a aplicação racional de

410
Manejo de fragmentos

agroquímicos minimizaria a perda de da máxima diversidade de seres vivos e


habitats por erosão, o assoreamento e a de ambientes naturais, fica claro que
contaminação de corpos d´água, e a intervenções de manejo tornam-se
morte de animais por envenenamento –
necessárias quando esses objetivos não
como é frequente em unidades de
conservação vizinhas de grandes estão sendo atingidos.
fazendas de soja e cana-de-açúcar,
Há necessidade de se rever diretrizes
situações típicas dos estados de Goiás e
São Paulo, respectivamente. ambientais e legislação para adequá-las
ao manejo de áreas protegidas, tornando-
Entretanto, todas essas medidas, as capazes de atender à realidade de
para serem implementadas e tornarem-
nossas unidades de conservação. Os
se efetivas, necessitam passar por um
sistema rígido de fiscalização ambiental, planos de manejo necessitam de urgente
educação e conscientização da revisão e atualização, ou elaboração, no
população, especialmente dos residentes caso das unidades de conservação que
nos arredores de unidades de nem mesmo os possuem. Devem ser
conservação. O estabelecimento de claramente definidos os objetivos das
incentivos fiscais e créditos agrícolas são unidades de conservação e as ações
também eficientes instrumentos de
práticas para a solução de problemas
estímulo à proteção ambiental.
ecológicos e não apenas administrativos.
Por fim, o constante monitoramento Em todos esses níveis – legislação,
das ações de manejo é necessário para a planos de manejo, diretrizes – maior
verificação do alcance das metas,
integração entre decisores e técnicos é
determinando a continuidade das ações
estabelecidas, complementação com necessária para que definam as
novas ações/técnicas, ou mudanças de prioridades e técnicas de manejo,
rumo. contemplando as necessidades e
limitações. A difusão do conhecimento
gerado em universidades e instituições
CONSIDERAÇÕES FINAIS de pesquisa aos decisores e técnicos é
Uma vez que o maior objetivo das também fundamental para melhorar a
unidades de conservação é a manutenção qualidade dos planos de manejo.

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413
Capítulo 25

FOTO: MARIA JÚLIA MARTINS SILVA

Caracterização dos
ecossistemas
aquáticos do Claudia Padovesi Fonseca

Cerrado Departamento de Ecologia


Universidade de Brasília
Brasília - DF
Pivello

416
Ecossistemas aquáticos

INTRODUÇÃO questões mais contundentes na


atualidade. Água é um recurso de alto
A região nuclear do Cerrado no valor, com potenciais usos como:
Brasil, considerada mais característica e geração de energia elétrica,
contínua, ocupando dois milhões de abastecimento doméstico e industrial,
km2, está situada no Planalto Central navegação, irrigação, recreação,
Brasileiro (Brasil, 1998). O relevo piscicultura e pesca, entre outros.
apresenta extensas superfícies planas a Constitui, dessa forma, uma das maiores
suaves onduladas, as chapadas, situadas riquezas do planeta.
em cotas elevadas de altitude (acima de
1000m). A predominância de terras altas A posse das fontes naturais e
nesta região fornece condições para que nascentes é elemento-chave para a
as suas águas superficiais sejam obtenção de água e na gestão de recursos
drenadas por três principais bacias hídricos regionais. O Brasil detém uma
hidrográficas do país: Tocantins/ parcela expressiva dos deflúvios dos rios
Araguaia, São Francisco e Paraná do mundo, ou seja, 12,7% de deflúvio
(Ferrante et al., 2001). Com isso, esta estão em suas redes hidrográficas (Brasil,
região representa o principal divisor das 1998). O bioma Cerrado oferece
águas no país. Nascentes e uma infinita mananciais ainda preservados e muito
rede de ecossistemas lóticos de pequeno valorizados. Grande parte das nascentes
porte, como riachos e córregos, fluem está localizada em áreas de proteção
em profusão. Lagoas naturais e zonas ambiental e de difícil acesso, o que de
úmidas são formadas pelo afloramento alguma forma impede o avanço da
das águas subterrâneas. Com isso, a ocupação e uso dos recursos ambientais
região nuclear do bioma Cerrado é pela população nestas áreas, embora
considerada o “berço das águas” uma parcela significativa seja ocupada
brasileiras. irregularmente.

A obtenção de águas de boa Se por um lado o núcleo do Cerrado


qualidade para diversos usos pela brasileiro é especial por representar a
humanidade é considerada uma das região de nascentes e divisor de águas,

417
Fonseca

por outro lado, há de ter habilidades na estas atividades realizadas de forma


gestão de seus recursos hídricos pelas inadequada, foram produzidos diversos
dificuldades inerentes em acumular e impactos sobre o meio ambiente. A
utilizar esta profusão de águas contaminação das águas subterrâneas e
superficiais e subterrâneas. O volume de superficiais, assoreamento dos cursos
água nos continentes é finito e os d´água e perda de matas ripárias
mananciais estão irregularmente constituem os principais impactos sobre
distribuídos. Atualmente, sua disponi- a biota aquática no Cerrado.
bilidade diminui gradativamente devido
É consenso que, apesar dos esforços
à degradação ambiental, ao crescimento
de estudos sobre a fauna e flora do
populacional desordenado e à expansão
Cerrado, com a estimativa de 160 mil
de fronteiras agrícolas (Klink, et al.,
espécies, ainda pouco se conhece sobre
1995).
a biodiversidade deste bioma. Esta
O lençol freático, que é a parte das situação é notável para diversidade de
águas subterrâneas localizada mais perto grupos aquáticos, como invertebrados,
da superfície, é bem raso, e chega a algas, macrófitas aquáticas e peixes
aflorar em alguns pontos, formando as (Conservation International, 1999).
nascentes. A primeira impressão é que
O presente capítulo apresenta uma
nesta região a água é abundante. Na
caracterização geral dos ecossistemas
realidade, a água é de boa qualidade,
aquáticos naturais do Cerrado e sua
mas é escassa. Os assentamentos
importância sobre a comunidade
humanos em áreas de recarga que
aquática. A biota aquática é apresentada
abastecem os lençóis freáticos tornaram-
com limitações devido ao seu pouco
se um dos principais problemas no uso
conhecimento dentro deste bioma.
da água nesta região dos cerrados. Os
aqüíferos tendem a ser de pequeno porte,
e os assentamentos humanos rurais e CARACTERIZAÇÃO DOS
urbanos atendidos com águas subter-
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS
râneas reduzem expressivamente a sua
recarga. Com isso, muitos olhos d´água O Cerrado apresenta uma variedade
e até lagoas naturais estão secando de ecossistemas aquáticos naturais. Além
(Campos & Freitas-Silva, 1998). de corpos d’água lóticos (águas cor-
rentes) e lênticos (águas paradas), têm-
O Cerrado representa um dos
se a presença de outros sistemas
maiores biomas pertencente ao domínio
aquáticos específicos para esta região,
morfoclimático do Brasil e da América
que estão associados às áreas inun-
do Sul, com uma biodiversidade compa-
dáveis, inseridas nas categorias das
rada à amazônica (Oliveira & Marquis,
zonas úmidas. Segundo a Convenção de
2002). Além da alta biodiversidade, o
Ramsar (1971), é considerada zona
Cerrado é considerado um bioma com
úmida toda extensão de pântanos,
elevado grau de endemismo (Myers et
charcos e turfas, ou superfícies cobertas
al., 2000). As atividades humanas, como
de água, de regime artificial ou natural,
agropecuária e mineração, propiciaram
permanentes ou temporárias, doce,
um avanço econômico no centro-oeste
salobra ou salgada.
do Brasil, com quase 35% de sua área
substituída por pastagens e A presença e ampla extensão de
monocultivos (Klink et al., 1995). Com zonas úmidas no Cerrado brasileiro é

418
Ecossistemas aquáticos

uma peculiaridade notável, trazendo e partículas em suspensão. Estes


uma amplificação entre os meios materiais, tanto dissolvidos como em
ambientes terrestre e aquático, e uma suspensão, são em grande parte
área de investigação científica ainda provenientes da bacia de drenagem, com
muito pouco explorada. uma ampla superfície de interação com
o ambiente terrestre. Esta tendência
decorre do fato destes riachos serem
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS mais extensos que largos, além de serem
LÓTICOS bem rasos (Wetzel & Likens, 2000).

Os ecossistemas aquáticos lóticos A vegetação ribeirinha é formada por


compõem os cursos d´água superficiais matas formando corredores fechados, as
dos continentes. Um grande número de matas de galeria (Ribeiro e Walter, 1998).
riachos e de ribeirões participa dos Estas matas são localizadas em fundos
sistemas de drenagem no Cerrado. É uma de vales ou nas cabeceiras dos riachos,
rede hidrográfica de pequenos cursos e acompanham os cursos d´água de
d’água que nascem nas encostas das pequeno porte. Em riachos de médio e
chapadas, e na porção inicial e mais alta, grande porte do Cerrado, a vegetação
são originalmente protegidos por uma ripária sofre modificações, com faixas
densa mata de galeria (Ribeiro et al., mais estreitas e sem a formação de
2001). Em condições naturais são muito galerias, descrita como mata ciliar
pobres em nutrientes, levemente ácidos (Ribeiro e Walter, op. cit.).
e com baixa condutividade elétrica (até
A proporção de chuvas que entra nos
10µS/cm). Por serem rasos, de pequeno
riachos depende de vários fatores
porte e sombreados, a temperatura da
regionais, como o tipo de solo e
água não varia muito ao longo do ano
desenvolvimento da vegetação marginal,
(17 a 20 oC). Em certos casos, rios
relevo, entre outros. O clima
considerados mais quentes, a
predominante na região do Cerrado é
temperatura da água pode chegar a
“tropical de savana”, segundo
25 oC na época chuvosa (Rocha, 1990).
classificação de Köppen. Apresenta uma
As características hidrológicas, estação chuvosa e mais quente, entre
químicas e biológicas de um córrego outubro e abril, e uma estação seca e
refletem o clima, a geologia e a cobertura mais fria, entre maio e setembro. A
vegetal de sua bacia de drenagem região pode ficar sem chuvas por até três
(Hynes, 1970; Giller & Malmqvist, 1999). meses, diminuindo expressivamente a
Os cursos d´água desta região são de vazão e velocidade de corrente dos
planalto e perenes, com as principais riachos, em especial nos trechos mais
bacias hidrográficas identificadas por um planos e sinuosos (Abreu, 2001).
padrão de drenagem radial (Ferrante et
Após um período seco prolongado
al., 2001). Pelas características de rios
no Cerrado, as primeiras chuvas
de planalto, é comum apresentarem
geralmente são incorporadas pela
corredeiras ou mesmo grandes quedas
vegetação e solos da bacia, não atingindo
d´água, formando cachoeiras.
diretamente os cursos d´água. As chuvas
Os ecossistemas lóticos de pequeno subseqüentes tendem a entrar nos
porte são caracterizados por um riachos, aumentando a vazão e a
movimento d´água ao longo de seu eixo correnteza, notadamente em trechos
longitudinal, com materiais dissolvidos situados perto das cabeceiras. Durante

419
Fonseca

a época chuvosa, os cursos d´água ficam relevante no estudo da biodiversidade,


mais largos e um pouco mais profundos. pois muitas ocorrem sob condições
As chuvas neste período são freqüentes ambientais diferenciadas e endêmicas à
e quase diárias, mas com intensidade e região.
volume variáveis, produzindo picos de
Atualmente, em extensas áreas, a
vazão.
vegetação ripária no Cerrado se encontra
Na região do Cerrado, os solos bastante alterada ou até inexistente, e
hidromórficos são importantes ao longo muitas vezes substituída por gramíneas
dos córregos e nascentes dos principais (Ribeiro et al., 2001). Erosão das margens
rios (Ferrante et al., 2001). Estes solos e assoreamento dos cursos d´água, além
são associados ao afloramento do lençol de poluição e contaminação de suas
freático, com relevos geralmente de águas são as principais conseqüências
planos a suave ondulados. A vegetação dos usos das bacias de drenagem pela
de mata de galeria é típica deste tipo de população humana. Atividades como
solo, e pode também ocorrer em campos mineração, com a retirada de cascalho
de murundus e nascentes. Apesar de a do leito dos rios, lançamentos de esgotos
mata ciliar acompanhar um curso domésticos e agrotóxicos usados na
d´água, não está relacionada com lençol agricultura representam os principais
freático superficial (Ribeiro & Walter, agentes de degradação da qualidade de
1998). água e perda de biodiversidade aquática
do Cerrado. Organismos bentônicos são
A presença da vegetação ripária em
excelentes como bioindicadores de
cursos d´água no Cerrado exerce papel
qualidade ambiental. Riachos do Cerrado
fundamental na preservação da
situados em áreas urbanizadas podem
biodiversidade da biota aquática. A
apresentar alto nível de poluição, e a
cobertura densa desta vegetação impede
comunidade bentônica reflete as
a incidência direta de raios solares, o que
condições ambientais do local
tende a reduzir a produtividade primária
(Fernandes, 2002).
realizada pelos vegetais aquáticos. A
escassez de luz associada à corrente
fluvial e pobreza de nutrientes limitam
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS
o desenvolvimento de organismos
LÊNTICOS
aquáticos, e, por conseguinte influen-
ciam toda a rede alimentar. Por outro Lagos são corpos d´água continen-
lado, a presença de vegetação ripária tais com delimitações de extensão e
evita o aquecimento excessivo da água, profundidade geralmente bem definidas
fornece energia alóctone com a entrada (Margalef, 1983; Esteves, 1998). Cada
de folhas, frutos e sementes no curso lago ou cada grupo de lagos apresenta
d´água, além de evitar a erosão das características físicas e químicas
margens e fornecer condições ambientais próprias. Estas características são
para reprodução de muitas espécies. Os reflexos das condições da bacia
materiais alóctones, como restos vegetais hidrográfica em que o lago está inserido,
ou mesmo insetos, são fontes adicionais como tipo de solo, relevo, geologia, entre
de alimento ao sistema lótico, conferindo outros. Os lagos surgem e desaparecem
elos na amplificação da rede alimentar ao longo do tempo geológico, e
(Margalef, 1983). Dessa forma, espécies constituem elementos transitórios na
presentes no Cerrado exercem papel paisagem. A curta durabilidade dos lagos

420
Ecossistemas aquáticos

está associada a vários fenômenos, como Mesmo estando em áreas mais


a entrada de sedimentos da bacia de preservadas, algumas lagoas naturais já
drenagem e de afluentes e o acúmulo de se encontram alteradas devido à
materiais no sedimento. expansão agrícola e assentamentos
humanos. Como são formadas pelo
Um grande número de lagos
afloramento do lençol freático, o uso
existente na Terra é considerado raso e
pequeno, inclusive os lagos brasileiros, indevido da água pela população diminui
e neste caso, muitos deles são lagoas a recarga dos aqüíferos e afeta a
(Esteves, op. cit.). No caso de lagoa, esta qualidade da água, inviabilizando o seu
é um corpo d´água raso em que a uso para diversos fins (Campos & Freitas-
radiação solar pode atingir o fundo e toda Silva, 1998).
a coluna d´água é iluminada,
Como exemplo, com o uso da água
propiciando o crescimento de macrófitas
subterrânea de forma indiscriminada por
aquáticas.
meio de construção de poços, lagoas
O Cerrado brasileiro apresenta uma localizadas em áreas urbanas podem
grande variedade de lagoas naturais ficar completamente secas, como foi o
formadas pelo afloramento de águas caso da lagoa do Jaburu, em área urbana
subterrâneas. Grande parte delas ainda de Brasília, Distrito Federal.
não foi objeto de estudo científico. A Assoreamento e contaminação também
colonização de macrófitas aquáticas representam impactos ambientais sobre
representa uma heterogeneidade lagoas e olhos d´água localizados em
ambiental e exerce influência sobre o regiões agrícolas e assentamentos
metabolismo destas lagoas (Esteves, humanos.
1998), conferindo uma amplificação dos
grupos ecológicos e da biodiversidade Uma parcela significativa destas
local. As lagoas tendem a ficar mais rasas lagoas está situada em áreas de proteção
no período seco, e na estação chuvosa ambiental. Nesta região de planalto,
há flutuação no nível de água das lagoas podem estar em locais elevados e
dependendo do regime de chuvas. divisores de águas, funcionando como
Durante o período chuvoso, a água fica corredores ecológicos, com a interligação
mais turva, devido à entrada de da flora e da fauna de bacias contíguas.
sedimentos oriundos dos solos ao redor, Estas áreas do bioma Cerrado podem
ou de veios d´água de nascentes. abrigar espécies ameaçadas de extinção
e endêmicas, revelando um enorme
As lagoas podem ficar mais isoladas
patrimônio genético (Oliveira & Marquis,
ou inseridas em áreas alagadas, em um
2002).
conjunto de brejos, campos úmidos e
córregos. No Estado de Tocantins há
regiões preservadas, como a do Jalapão
e do Vale do rio Paranã, como exemplos ZONAS ÚMIDAS
de paisagem de áreas alagadas com
O desenvolvimento de zonas úmidas
lagoas, onde a água subterrânea flui
abundantemente. A lagoa Mestre típicas do Cerrado promove uma
d´Armas (lagoa Bonita), localizada na paisagem bastante peculiar à região.
Estação Ecológica de Águas Emendadas, Nestas áreas, o lençol freático tende a
Distrito Federal, é um exemplo de lagoas ser raso, e muitas vezes aflora à
mais isoladas, sem a formação de superfície, e os solos permanecem
alagados. grande parte do tempo saturados de

421
Fonseca

água. O desenvolvimento da vegetação vivem em charcos, como gramíneas,


é condicionado por vários outros fatores, ciperáceas e pteridófitas. No outro estrato
como tipo de solo e sua fertilidade, o das veredas ocorre uma faixa de buritis
nível de saturação de água no solo (Mauritia flexuosa), palmeiras proe-
durante a estação seca, além da minentes, alcançando, muitas vezes,
profundidade e flutuações de volume das mais de 20 metros de altura. As veredas
águas subterrâneas. Em áreas bem são muito importantes em termos
drenadas e mais altas, a cobertura vegetal ecológicos, pois funcionam como local
é composta de gramíneas, arbustos e de pouso, nidificação e alimentação para
pequenas árvores. Em áreas mais baixas a avifauna e como área de refúgio, abrigo
e com solos saturados de água, a e reprodução, além de fonte de alimentos
vegetação fica predominantemente para a fauna terrestre e aquática.
graminosa. Ao longo dos cursos d’água
se desenvolvem as matas de galeria. Esta
seqüência de vegetação de Cerrado,
CAMPOS ÚMIDOS
campo alagado e mata de galeria compõe
uma paisagem característica da região Os campos úmidos constituem um
central do Brasil (Eiten, 1982) (Figura tipo de brejo com ampla distribuição no
1). Em terras mais altas que permanecem Cerrado do Brasil Central. Estes campos
úmidas, a cobertura vegetal é composta se desenvolvem sobre solo inclinado nas
por plantas típicas da região, os buritis encostas dos vales ao longo de margens
(Mauritia flexuosa). Descrições mais das matas de galeria. O lençol freático
detalhadas sobre as fitofisionomias de permanece na superfície do solo durante
zonas úmidas no Cerrado brasileiro parte do ano, especialmente na estação
podem ser encontradas em Eiten (1982), chuvosa, e na seca o solo fica encharcado
Furley & Ratter (1988) e Ratter et al.
nas camadas subsuperficiais. A
(1997).
vegetação é composta por gramíneas, de
estrato herbáceo, com solo altamente
orgânico (não-turfoso) e esponjoso. As
VEREDAS águas superficiais e mais profundas do
As veredas são fitofisionomias muito solo tendem a ser levemente ácidas (pH
comuns no Planalto Central Brasileiro ao redor de 5), pobres em íons
que ocorrem em solo permanentemente (condutividade elétrica abaixo de 10
saturados de água. Apresenta uma densa μmS/cm), temperaturas mais baixas (até
camada de vegetação rasteira composta 22oC) e bem oxigenada (acima de 60%)
de espécies herbáceas paludícolas, que (Reid, 1993a).

Figura 1
Esquema geral do
gradiente
longitudinal de
zonas úmidas do
bioma Cerrado
(sem escala
definida).

422
Ecossistemas aquáticos

Os campos úmidos se situam entre Os murundus presentes em áreas de


matas de galeria e campo cerrado ou campos úmidos formam um arranjo
veredas. Suas bordas com o cerrado na espacial descontínuo ao longo de um
encosta acima e com a mata de galeria eixo longitudinal até as bordas, e de
na encosta abaixo geralmente são muito alguma forma influencia na distribuição
nítidas. A composição de espécies de e abundância dos organismos aquáticos.
plantas graminosas e juncos em áreas
de campo úmido é bem diversificada, e
apresenta um zoneamento espacial bem BIOTA AQUÁTICA
demarcado (Goldsmith, 1974). Em áreas
menos encharcadas podem ser O alto grau de endemismo da biota
encontradas plantas de brejo, do Cerrado já é reconhecido, com uma
pertencentes aos gêneros Drosera, excepcional riqueza biológica (Oliveira
Sphagnum e Utricularia. Em áreas & Marquis, 2002). Diante disso, é
saturadas de água, na superfície se considerado um dos hotspots mundiais,
desenvolvem complexas redes de ou seja, é um dos biomas mais ricos e
filamentos de algas. ameaçados do planeta (Myers et al. ,
2000). As áreas mais importantes para
preservação biológica concentram-se ao
longo do eixo central do Cerrado
CAMPO DE MURUNDUS brasileiro (Conservation International,
O interior dos campos úmidos pode 1999).
apresentar áreas com solos mais
O Brasil central, por ser uma região
elevados e expostos, os chamados
de nascentes e divisor de águas das
murundus. Os murundus são ilhas de
principais bacias hidrográficas do país,
campo limpo ou de campo cerrado, exerce um papel de grande valor na
arredondadas e um pouco mais altas, diversidade biológica. O forte
com cerca de 1 a 10 metros de diâmetro endemismo no bioma Cerrado reforça a
e alguns decímetros de altura. São importância para a conservação da
formados por erosão diferencial do diversidade biológica, e em especial da
terreno e muitas vezes ocupados por biota aquática. As áreas de conexão entre
cupins. as bacias, que compreendem as suas
Segundo Furley (1986), há duas cabeceiras de drenagem, são focos de
situações para formação de murundus. endemismo para muitas espécies de água
Em áreas situadas em terrenos mais doce, representando uma das áreas
baixos dos vales, a formação de prioritárias para a conservação da
murundus é afetada pelo afloramento do biodiversidade aquática (Conservation
International, 1999).
lençol freático, localizado muito perto da
superfície do solo. Neste caso, os solos Os cursos d’água que nascem nesta
ao redor de murundus geralmente são região do Cerrado fluem naturalmente
orgânicos e permanentemente para as bacias contíguas, constituindo
encharcados. A outra situação ocorre em muitas vezes corredores ecológicos para
áreas mais planas, e os murundus são muitas espécies aquáticas. Dependendo
menos perceptíveis, e a sua formação é da capacidade de adaptação das
influenciada pelo ciclo sazonal de chuvas espécies, aliada às condições adequadas
e escoamento superficial da água, tendo para o seu estabelecimento em outras
pouco contato com a água subterrânea. regiões, os deflúvios do Cerrado podem

423
Fonseca

representar caminhos de dispersão de na Tabela 1. Apesar de vários grupos


espécies aquáticas. Dessa forma, o de organismos apresentarem uma
Cerrado brasileiro representa uma das elevada riqueza de espécies, esta é
áreas indispensáveis para a preservação estimada, considerando a potencialidade
da diversidade biológica aquática e do e abrangência do bioma Cerrado em
seu patrimônio genético. Além disso, abrigar uma elevada biodiversidade, em
esta necessidade se torna iminente, pois especial da biota aquática. Além disso,
menos de 0,5% do Cerrado está riqueza de espécies de vários outros
contemplado por unidades de grupos, como macrófitas aquáticas,
conservação genuinamente aquáticas perifíton e meiofauna, não foi sequer
(Conservation International, 1999). estimada.

No entanto, pouco se conhece a A diversidade de espécies da


respeito da riqueza de espécies aquáticas ictiofauna no Cerrado é bastante
e sua distribuição dentro do bioma expressiva. Estimativas apontam a
Cerrado. Os dados obtidos até o ocorrência de quase 3.000 espécies de
momento são esparsos e centrados em peixes na América do Sul, sendo que
poucos grupos de organismos. A riqueza mais de 500 espécies podem ser
da biota aquática do Cerrado brasileiro encontradas no Cerrado. Este número
é estimada na ordem de 9.580 espécies pode ser bem maior, pois há estimativas
(Dias, 1996; Martins-Silva et al., 2001; que entre 30 e 40% das espécies de
Padovesi-Fonseca et al., 2001). Os dados peixes de água doce no Brasil continuam
em relação à riqueza de espécies desconhecidas, além de registros não
aquáticas do Cerrado são apresentados publicados. Informações sobre a

Tabela 1. Riqueza estimada (ordem de grandeza) de espécies da biota


aquática do Cerrado.

(1)
Fonte: Dias, 1996 ; Padovesi-Fonseca et al., 2001(2); Martins-Silva et al., 2001 (3)
.

424
Ecossistemas aquáticos

ictiofauna das bacias hidrográficas do espécies de rotíferos apresenta uma


Brasil central destacam uma composição distribuição ubíqua, presente em quase
de espécies nativas, incluindo as espécies todos os tipos de habitats de água doce.
migradoras (Ribeiro, 1998). Das 457 espécies brasileiras conhecidas,
Considerando o potencial para o pelo menos 30% estão em águas doce
endemismo no Cerrado, e ameaças de do Cerrado, com 4% das espécies
extinção de ictiofaunas em várias regiões provavelmente endêmicas. Os
do Cerrado, é imprescindível a ampliação Copepoda, junto com os Cladocera, são
do pouco conhecimento desta fauna, em os dois grupos mais representativos de
especial nas cabeceiras. microcrustáceos nas águas doces. A
estimativa da riqueza de espécies para
O conhecimento sobre os
os microcrustáceos no Cerrado até o
invertebrados aquáticos no Cerrado
momento é bastante grosseira, podendo
ainda é incipiente e muito incompleto.
atingir até 100 espécies (Tabela 1). O grau
Entre os microinvertebrados, os Protozoa
de endemismo das espécies destes
são o grupo menos conhecido (Brasil,
grupos é elevado, e associado ao pouco
1998). Apesar de sua importância no
estudo realizado no Cerrado, abre uma
funcionamento dos ecossistemas
perspectiva de aumento da
aquáticos, especialmente como elos
biodiversidade no país.
adicionais na rede alimentar, há
necessidade de técnicas especiais e Nos substratos e sedimentos de
muitas vezes onerosas para amostragem riachos e lagoas do Cerrado há uma
e identificação dos organismos, o que fauna bentônica, onde se encontram os
de alguma forma limita o seu estudo. macroinvertebrados ou zoobentos. Estes
Entre os grupos de Protozoa, os animais são sedentários e com ciclo de
flagelados representam o de menor vida longo, e com isso, não são capazes
conhecimento, pois a sua diversidade de evitar, rapidamente, mudanças
sequer pode ser estimada. Entre os prejudiciais e exibem variados graus de
sarcodinos, as tecamebas são as mais tolerância à poluição (Metcalfe, 1989).
conhecidas com uma riqueza estimada Como são muito sensíveis aos distúrbios
na ordem de 400 espécies para o Cerrado que ocorrem no meio ambiente, eles têm
brasileiro (Tabela 1). No entanto, em sido amplamente utilizados como
estudos realizados no Brasil até o bioindicadores de qualidade de água
momento, foram identificados cerca de (Navas-Pereira & Henrique, 1996).
20 gêneros e 150 espécies de tecamebas Representam também um papel
(Brasil, 1998). Os ciliados são os importante na decomposição de matéria
protozoários mais expressivos em termos orgânica e ciclagem de nutrientes
de riqueza de espécies, além de serem (Esteves, 1998), e como fonte de
úteis como indicadores na avaliação da alimento para níveis tróficos superiores,
qualidade da água. Das 8.000 espécies como peixes (Devái, 1990).
descritas no mundo, o Cerrado brasileiro
A comunidade macrobêntica é
apresenta uma riqueza estimada na
composta por vários grupos, como
ordem de 1.500 espécies (Tabela 1), com
cnidários, anelídeos, moluscos e insetos
147 gêneros registrados no Brasil.
aquáticos, entre outros (Martins-Silva et
Considerando os microinvertebrados al., 2001). A grande maioria dos estudos
planctônicos, além dos protozoários, aborda os insetos aquáticos. Estudos
devem ser evidenciados representantes realizados em vários riachos do Brasil
do Filo Rotifera, e dos microcrustáceos central revelaram uma fauna bastante
Cladocera e Copepoda. Grande parte das variada, embora com resultados

425
Fonseca

abordando diferentes níveis taxonô- estudada. Ainda assim, os trabalhos


micos, com poucos taxa identificados até desenvolvidos nesta região detectaram
espécie (Medeiros, 1997, Bispo et al., uma diversidade biológica bastante
2001, Martins-Silva et al., 2001, expressiva e com espécies endêmicas.
Fernandes, 2002). Dessa forma, a Invertebrados bentônicos são numerosos
composição faunística da comunidade e os peixes são de pequeno porte. Dentre
bentônica no Cerrado apresenta ainda eles, o pirá-brasília (Cynolebias boitonei)
uma configuração generalizada, com é endêmico nas veredas do Distrito
perspectivas para ampliar a biodiver- Federal e está ameaçado de extinção
sidade, inclusive com o potencial de (Rocha, 1990). Esta espécie apresenta
ocorrência de espécies novas para a uma beleza física exuberante, sendo
região. usado como peixe ornamental. Análise
taxonômica de algas em áreas
A flora aquática do Cerrado,
preservadas foi realizada por Senna &
considerando macrófitas aquáticas,
Ferreira (1986, 1987), com a observação
fitoplâncton e perifiton, tem sido pouco
de uma elevada variedade fitoplanc-
avaliada em ambientes aquáticos
tônica. Em áreas alagadas e riachos da
naturais. Leite (1990) encontrou uma
região do Vale do Paranã (TO), Adamo
microflora riquíssima composta por algas
& Padovesi-Fonseca (2003) observaram
desmidiáceas em estudo realizado na
uma fauna associada bastante variada e
Lagoa Bonita. Em cursos d´água da bacia
composta por taxa novos e ainda não
do lago do Descoberto, Caramasch et al.
descritos. Em estudos da meiofauna de
(1997) realizaram estudo preliminar de
campos úmidos, Reid (1982, 1984, 1987,
comunidades planctônicas. Por sua vez,
1993b) encontrou uma comunidade
ao longo de um tributário da mesma
dominada por nematóides, rotíferos e
bacia, Abreu (2001) revelou uma
copépodos harpacticóides, além de
comunidade fitoplantônica com elevado
protozoários, turbelários, copépodos
número de taxa (acima de 160), apesar
ciclopóides, cladóceros, ostrácodes,
da baixa freqüência de ocorrência e
oligoquetos, hidrocarinos e várias
densidade numérica dos organismos.
famílias de larvas de insetos. Pelo menos
Elevada riqueza de organismos de
10 espécies de Copepoda foram
comunidade perifítica associada a
classificadas pela primeira vez, e
macrófitas aquáticas em ambiente lótico
identificadas como espécies novas e
foi observada por Mendonça-Galvão
endêmicas à região.
(2002), no córrego Roncador, situado na
Reserva Ecológica do IBGE, Distrito
Federal, com a detecção de 171 taxa.
Estes poucos trabalhos revelam a elevada CONSIDERAÇÕES FINAIS
biodiversidade dos ecossistemas Apesar de o Cerrado ser considerado
aquáticos naturais do bioma Cerrado, e um dos biomas mais biodiverso e
com isso, a necessidade de intensificar ameaçado do mundo, pouca atenção tem
os estudos nesta região. sido dirigida para a conservação dos
A presença de ecossistemas alagados ecossistemas aquáticos naturais e da
em áreas de cerrado amplia o leque de biota aquática.
estudos do inventário de espécies
aquáticas no país. A comunidade O grau de endemismo no Cerrado é
aquática que se desenvolve nas áreas elevado, e aliado ao desconhecimento
alagadas do Brasil Central é pouco científico de uma parcela significativa

426
Ecossistemas aquáticos

dos ecossistemas aquáticos naturais e de ramentas que favoreçam a conservação


sua biota, revelam lacunas importantes ambiental da região.
para a avaliação da biodiversidade e
Um dos aspectos particularmente
conservação deste bioma.
importantes em relação à conservação
As áreas definidas para a de ambientes aquáticos é a ausência de
conservação ambiental raramente dados sobre sistemas prístinos do
contemplam os ambientes aquáticos e Cerrado. Além de compor uma fonte
sua biota. Este aparente desinteresse de essencial para a biodiversidade, pode-
inclusão de ambientes aquáticos pode se constituir uma referência para
estar associado à aceitação geral que ao programas de recuperação de sistemas
proteger os ambientes terrestres perturbados por atividades humanas.
automaticamente os aquáticos são
Diante deste contexto, torna-se
protegidos, como foi discutido por Junk
evidente a necessidade de intensificar
(1983) e Tundisi & Barbosa (1995).
esforços nos estudos destes ecossistemas
Considerando a potencialidade e peculiares à região, bem como da
abrangência do bioma Cerrado em biodiversidade e distribuição de suas
abrigar uma elevada biodiversidade, a espécies aquáticas. Tais propósitos vêm
flora e a fauna aquáticas devem ser ao encontro de garantir embasamento
consideradas e avaliadas com o intuito teórico para a preservação e uso
de fornecer subsídios necessários e sustentável de fontes de água para
essenciais para a definição de fer- gerações futuras.

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429
Capítulo 26

FOTO: GUARINO COLLI

Perspectivas e
desafios para
conservação do Roberto B. Cavalcanti
Departamento de Zoologia
Universidade de Brasília

Cerrado no século 21 Brasília, DF


Conservation International
Washington DC ,EUA
Fonseca

432
Perspectivas e desafios para a conservação

INTRODUÇÃO experimentava acelerado crescimento


demográfico e econômico na década de
A conservação da biodiversidade
1990, trouxe pouco progresso, como
hoje é bem estabelecida no rol de
indicado pela acentuada deterioração nos
preocupações das sociedades modernas.
ambientes biologicamente mais ricos,
Uma série de conferências globais de
seja medido na cobertura de florestas
grande porte, a partir de Estocolmo, em
tropicais ou nos recifes de corais do
1972 e culminando no Rio de Janeiro,
planeta.
em 1992, gerou o envolvimento dos
governos e a adoção de leis e acordos Atualmente vivemos um processo
reconhecendo a importância do contínuo de perda de recursos
patrimônio biológico e a necessidade de biológicos, que embora reconhecido e
conservá-lo para as gerações futuras. freqüentemente lamentado, ainda não
pode ser revertido devido a conflitos com
A partir de meados da década de
outras prioridades das sociedades
1980, com o relatório da Comissão
modernas. O objetivo deste capítulo é
Brüntland para a ONU, desenhou-se um
fazer uma breve revisão de alguns destes
cenário para promoção do
conflitos e identificar formas potenciais
desenvolvimento econômico e social
de promover a coexistência entre as
incorporando valores de conservação
populações humanas e a biodiversidade
dos recursos naturais, no chamado
do planeta.
desenvolvimento sustentável. Durante
os anos 1990 e particularmente após a
Conferência do Rio de Janeiro, este
BIODIVERSIDADE E EXTRATIVISMO
modelo foi seriamente explorado por
governos de vários países, pelo setor A produtividade dos ecossistemas
privado, e por organizações não- naturais é insuficiente para os seus
governamentais de todos os naipes. recursos manterem de forma sustentável
Entretanto, o duplo desafio de realizar as populações humanas nas densidades
uma transição para outro modelo de modernas. Embora este seja um fato
desenvolvimento, enquanto o mundo reconhecido há milênios, e razão óbvia

433
Cavalcanti

de nossa dependência da agricultura e novas gerações de árvores, também


da criação de animais domésticos, em sustentariam populações de consumi-
muitas partes do mundo, a exploração dores como as araras, roedores, insetos
industrial dos ecossistemas naturais vem e toda uma fauna própria.
dizimando a flora e a fauna nativa, seja
Não se quer dizer aqui que o
na África e Ásia, ou na América do Sul
extrativismo é incompatível com a
com a indústria madeireira. Trata-se de
manutenção de elementos da biota
um sistema perverso, pois em muitos
natural, mas alertar que a capacidade de
casos estas regiões sustentavam
sustentação extrativa de ecossistemas
populações humanas extrativistas de
nativos é extremamente limitada e
baixas densidades.
oferece poucas perspectivas de
Com a abertura de estradas e o ampliação como instrumento para
acesso a cidades, a população consu- promoção de conservação. Por outro
midora potencial é enormemente lado, o uso de paisagens naturais para
elevada, e a extração rapidamente supera fornecimento de serviços, onde não há
a capacidade de regeneração biológica necessidade de remoção de matéria ou
natural. Trata-se aqui de uma transição energia do sistema, permite um
complexa, mudando o uso dos crescimento de escala considerável,
ecossistemas naturais para fontes de restando o desafio de promover um
serviços (água, manutenção do clima, processo de valoração para justificar sua
reservas de biodiversidade, estabilização manutenção.
da paisagem), e o fomento a ecossis-
Os esforços para conseguir valorar
temas manejados para suprirem as
ecossistemas naturais a título de serviços
necessidades das populações humanas.
foram acelerados a partir da década de
Embora muitos preconizem a 1980. As principais classes são:
continuidade de atividades extrativas
• Serviços de ecossistema: manu-
como justificativa para manutenção de
tenção da água, manutenção de
paisagens nativas, na maioria dos casos
clima, fixação de carbono, controle
a conservação destas é uma conseqüên-
de erosão e conservação do solo.
cia apenas temporária. Como a
produtividade biológica é insuficiente • Serviços biológicos: manutenção
para atender à pressão extrativa, da biodiversidade, bioprospecção,
rapidamente entra-se em um processo de controle de predadores, serviços de
consumo dos estoques e degradação no polinizadores, entre outros.
longo prazo. Um bom exemplo é o efeito
da coleta de castanhas sobre o • Serviços sociais/culturais: manu-
recrutamento de novas plantas na tenção de identidade cultural de
Amazônia, estudado por Peres et al. populações locais, símbolo e local
(2003). Nas áreas de extração de longo para rituais sociais e religiosos,
prazo, não há plantas jovens de menor ecoturismo e turismo de aventura,
diâmetro o que indica que a população lazer, manutenção da qualidade de
não está se regenerando localmente. vida.
Outros efeitos também conhecidos são Entretanto, como é bem conhecido,
resultantes da remoção física do produto na sociedade moderna os serviços
da floresta. Caso não houvesse coleta, públicos, em geral, assim como
as castanhas além de serem a fonte das os recursos naturais têm sido

434
Perspectivas e desafios para a conservação

sistematicamente não valorados, alimentar e a saúde. Por outro lado, a


subvalorados, ou então têm seus custos presença física de 6,5 bilhões de pessoas
subsidiados. Dessa forma o real valor sobre o planeta, com crescimento
dos ecossistemas naturais é invisível previsto de até 25 bilhões antes de se
para a maioria da população. Pior, não estabilizar, demonstra claramente que os
conseguem enfrentar em termos fatores limitantes passam a ser cada vez
econômicos os outros usos potenciais da mais os sistemas de sustento ecológico
terra em que os retornos são valorados do planeta, incluindo suprimentos de
de forma mais transparente. alimentos e o meio ambiente.

IMPORTÂNCIA DA CONSERVAÇÃO OCUPAÇÃO DAS GRANDES ÁREAS


NATURAIS
O ambiente terrestre é um ambiente
biológico. Os principais elementos que O processo de ocupação das áreas
mantém as condições de vida na Terra naturais do planeta continua a passos
são conseqüências da transformação largos. Na Amazônia, os dados de
biológica do planeta durante o último desmatamento para 2003 mostram a
bilhão de anos. O teor de oxigênio na segunda maior cifra da história –
atmosfera, as condições climáticas locais 23.000km2. Mesmo que haja um esforço
como temperatura, precipitação, adicional para conter tais processos, o
umidade, ventos, e o teor de água no crescimento da população humana e a
solo, são todos mediados e, em boa necessidade de fornecimento de
parte, determinados pelas paisagens alimentos continuarão a exercer pressão.
biológicas. A sustentação da vida Atualmente 83% das áreas agrícolas do
humana também, em última instância, planeta são abastecidas por água da
depende da transformação biológica da chuva, sendo responsáveis por 2/3 do
energia solar em alimentos, mediada pela suprimento alimentar global (Gleick
fotossíntese. Dessa forma é paradoxal 1993 apud Rockström et al. 1999). A
que grande parte da população humana produção agrícola é mediada por luz e
dê maior valor aos elementos água, para realizar fotossíntese. Estima-
tecnológicos, de uma sociedade de se que um crescimento da população
consumo, do que aos biológicos na humana para 8,5 bilhões, em 2025,
determinação de nossa qualidade de vida exigiria um aumento de 46% no
e sustentabilidade. consumo de água para agricultura ou
seja, em torno de 3.100km3 (Rockström
Este conceito está começando a
et al. 1999).
mudar por algumas razões. A eficiência
dos processos industriais permite Dessa forma, não é surpreendente
fornecer insumos a grande parte da que, mundialmente, haja um processo
sociedade humana, a custos moderados, de expansão agrícola nas áreas de
incluindo aí bens e serviços tecnológicos. floresta tropical, onde existem água e sol
A descoberta da estrutura do DNA na em abundância. Similarmente, há
década de 1950 viabilizou a engenharia acelerado crescimento em regiões semi-
genética, promovendo a aplicação dos áridas dotadas de aqüíferos subterrâneos
processos tecnológicos da sociedade disponíveis para serem explorados.
industrial aos sistemas biológicos com Outros fatores limitantes, inclusive
conseqüências sobre a produtividade qualidade do solo e mesmo a fisiologia

435
Cavalcanti

das plantas, podem ser modificados por modelos de ocupação que viabilizem a
meios tecnológicos. Os avanços da sobrevivência da biota nativa na
engenharia genética, clonagem, e o paisagem regional.
crescimento da infra-estrutura de
Os corredores de biodiversidade são
transportes permitem que regiões
uma das formas de planejamento
remotas do mundo produzam alimentos
regional que visam manter sistemas de
de paladar global a custos competitivos.
áreas protegidas em uma matriz de uso
Em resumo, a proteção de áreas humano da paisagem. No Brasil, os
naturais hoje apresenta custos de denominados corredores ecológicos
oportunidade significativos, se foram propostos no âmbito do Programa
comparada à situação na década Piloto para a Proteção de Florestas
passada, em função desses avanços da Tropicais (PP-G7) para Amazônia e mata
infra-estrutura de transportes, bem como Atlântica (Ayres et al. 1997), e mais tarde
do desenvolvimento tecnológico e da incorporados pelo governo Federal,
demanda de alimentos. Estaduais, organizações conservacio-
nistas e agências de desenvolvimento
Ao mesmo tempo, uma estratégia de
para os demais biomas. Em um corredor
proteção ambiental agrega valor
de biodiversidade, são desenhadas e
significativo para a viabilidade da
implementadas conexões entre áreas
ocupação humana de uma região. O
protegidas, de forma que os biomas
custo de não proteger áreas-chave é
naturais não sejam ilhados como
muito alto. Ainda no caso da Amazônia,
resultado da ação antrópica. Ao
estima-se que o desmatamento poderá
combater a fragmentação, mantêm-se os
reduzir em até 20% a precipitação anual.
processos de migração, dispersão,
Nos cerrados, onde a precipitação se
colonização e intercâmbio genético que
concentra em seis meses do ano, a
permitem a sobrevivência da biota nativa
perenização dos rios depende de
na paisagem. Em termos de ecossistema,
armazenamento de água subterrânea,
também são mantidos os fluxos de
nos grandes sistemas de chapadões da
matéria e energia que sustentam a
Serra Geral.
produtividade natural.

OPORTUNIDADES DE
CONSERVAÇÃO CORREDOR CERRADO-PANTANAL
A ocupação acelerada do Brasil Um exemplo interessante é o
central e da Amazônia é um processo Corredor Cerrado-Pantanal, planejado
de difícil reversão, motivado por uma por ocasião do Workshop Áreas
demanda global de recursos naturais e Prioritárias para Conservação da
de alimentos, aliado a tecnologias Biodiversidade dos Biomas Cerrado e
altamente eficientes de produção e Pantanal (MMA, Funatura, Conservação
expectativas de desenvolvimento social Internacional (CI), Universidade de
das populações locais. As perspectivas Brasília, Fundação Biodiversitas), em
de conservação da região dependem da 1998, o qual teve sua implantação
capacidade de se alavancar parte do iniciada a partir de 1999, sob um
investimento e do retorno econômico consórcio multinstitucional incluindo a
gerado em atividades de proteção da ONG Conservação Internacional (CI).
biodiversidade, bem como na adoção de Este corredor cobre a área desde as

436
Perspectivas e desafios para a conservação

nascentes do rio Taquari na região do expressam e se reproduzem por meio de


Parque Nacional das Emas, abrangendo organismos, e as comunidades e
sua bacia e o rio Negro no Pantanal do ecossistemas são descritos em termos de
Mato Grosso do Sul. sua composição de espécies e fluxos de
matéria e energia. Ao escolher espécies
Ao longo dos últimos cinco anos,
como alvo de proteção, é possível
foram criadas pelos governos novas áreas
caracterizar as medidas que darão como
públicas de conservação (Parques
conseqüência também a proteção dos
Estaduais do Rio Negro e das Nascentes
do Taquari, no MS), reservas particulares genes e dos ecossistemas.
(RPPN Fazenda Rio Negro); financiados As áreas protegidas têm se mostrado
estudos de populações de fauna para como um dos mecanismos mais efetivos
mapear movimentos e dispersão e e com melhor relação custo/benefício
realizados programas de conscientização para manter a diversidade de espécies
e educação ambiental, com o objetivo (Brunner et al. 2000). Além disso,
de consolidar a proteção da
oferecem a oportunidade de agregar as
biodiversidade na paisagem regional.
funções de serviços ambientais descritos
Um dos aspectos mais inovadores é o
anteriormente, contribuindo com fonte
planejamento de áreas de reserva legal
adicional de recurso para viabilizar a
de propriedades particulares. Em
conservação da biodiversidade.
colaboração com as agências de governo
e fazendeiros, as ONGs Oréades e CI
Brasil usam imagens de satélite para
MUDANÇAS DE LONGO PRAZO
classificar a paisagem, sobrepondo os
polígonos das propriedades, e gerando Não se pode deixar de fazer
cenários alternativos para cumprimento referência a fatores de longo prazo que
da exigência legal de proteção de 20% podem ameaçar a sobrevivência dos
das superfícies de cada propriedade. cerrados. As mudanças climáticas
globais, com o aquecimento da superfície
Estas análises permitem planejar
estratégias de proteção que, compatíveis do planeta, podem afetar o clima da
com as exigências de uso econômico das região tanto no aspecto de temperatura
fazendas, multiplicam o potencial de quanto de precipitação, e por
conservação regional, por meio da conseguinte ter efeitos dramáticos sobre
interligação das reservas legais entre si a distribuição das comunidades
e com as áreas públicas de proteção da biológicas. Infelizmente, ainda há grande
biodiversidade. incerteza tanto sobre os cenários
climáticos como em predizer os futuros
“envelopes” bioclimáticos da vegetação
ÁREAS PROTEGIDAS E PROTEÇÃO do cerrado, tornando difícil prognosticar
DAS ESPÉCIES a capacidade de resistência da biota
local. Estudos feitos para outras regiões,
Qual deve ser o alvo da conservação
por exemplo, no sul da África,
da biodiversidade? Em geral, considera-
mostraram extinções globais signifi-
se que devem ser protegidas as suas
cativas de espécies como resultado de
diversas manifestações: a diversidade
mudanças climáticas.
genética, a diversidade de organismos,
e a diversidade de sistemas biológicos. De maneira semelhante, a redução
Destas, o alvo mais concreto é a da área de ambiente nativo do Cerrado
diversidade de organismos. Os genes se aumenta o risco de extinções, ao reduzir

437
Cavalcanti

as populações de espécies a uma fração • Transição social, para eliminação


do seu tamanho anterior e tornando-as da pobreza em massa e desi-
mais suscetíveis ao desaparecimento em gualdade.
função de eventos catastróficos. • Transição tecnológica, com a
Novamente, este aumento de risco é promoção de tecnologias limpas e
difícil de estimar quantitativamente. de baixo impacto ambiental.
Destaca-se que muitas espécies não são • Transição econômica, para que os
homogeneamente distribuídas pela preços de bens e serviços reflitam
região, concentrando-se ao contrário em os reais custos ambientais.
habitat restritos como os campos
• Transição para o consumo
rupestres, ou em pequenas partes do
sustentável.
bioma, por exemplo, nas matas do rio
Paranã, vale do rio Araguaia, ou na • Transição em conhecimento e
região do Distrito Federal. aprendizagem, provendo a base
científica para tomada de decisões
A introdução de espécies exóticas e e a difusão deste conhecimento.
doenças é outro impacto potencialmente
• Transições institucionais, que
irreversível. Gramíneas africanas, promovam a mudança na gestão
trazidas como pastagem para o gado, internacional de recursos do
persistem mesmo após áreas de pasto ambiente e promovam iniciativas
serem abandonadas, impedindo a locais de base na gestão ambiental.
regeneração dos cerrados. Espécies • Transição em cultura e conscien-
arbóreas introduzidas como Pinus e tização, para incorporar nos
Acacia também persistem em cerrado. valores individuais a conservação
Uma vez estabelecidas, espécies do meio ambiente.
introduzidas podem excluir perma-
nentemente espécies nativas, levando-as Muitas destas transições estão em
à extinção. Suspeita-se que o declínio de curso no momento. Entretanto, os
espécies como o cachorro-do-mato- processos de declínio da biodiversidade
vinagre pode estar vinculado à presença continuam acelerados (Wilson et al.
de doenças trazidas por animais 2004). Espera-se que o desenvolvimento
domésticos. sustentável chegue a tempo de salvar as
espécies que dividem o planeta conosco.

TRANSIÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos principais proponentes do Vivemos hoje um momento de


desenvolvimento sustentável, Gustave decisão, pois o processo de
Speth, ex-administrador do PNUD e co- desaparecimento do Cerrado é muito
fundador do World Resources Institute, bem documentado, e existem métodos
propôs um conjunto de oito transições bem estabelecidos para realizar a
necessárias para que a sociedade global conservação do bioma. Precisamos
tenha um futuro sustentável no uso dos
implementar com a rapidez necessária e
recursos naturais do planeta (Speth,
o apoio da sociedade a proteção efetiva
2004). São elas:
do Cerrado para que o patrimônio
• Transição demográfica, para uma natural possa continuar a beneficiar a
população global estável ou humanidade e manter a vida na terra
menor. para as gerações futuras.

438
Perspectivas e desafios para a conservação

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