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Assim, todas as atividades humanas são passíveis de representação artística. Não poderia ser
diferente com a sexualidade.
Os achados arqueológicos e estudos sobre a cultura grega evidenciam que o amor, na forma
de Eros (o deus do amor), era uma busca do belo: contemplavam-se os corpos e praticava-se o
sexo em busca do belo e do bem, o que levaria ao equilíbrio do homem e da polis (cidade).
Eros, o deus do amor, é um dos mais representados pelos artistas gregos. A palavra erotismo,
que tem sua origem em Eros, não deve ser confundida com o sentido dado à palavra
pornografia. Erotismo é uma força geradora da vida, da beleza, da inspiração artística e não
apenas uma relação física entre duas pessoas. Na Teogonia de Hesíodo (séc. VII a.C.), Eros é
um dos três deuses que existem antes da formação do universo: primeiro, foi o Abismo (Caos),
depois a Terra (Gaia) e, por fim, o Amor (Eros)1.
1 BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio,
2000. p. 319.
Na cultura romana, esses deuses foram substituídos por Cupido e Vênus. É, ainda, segundo a
versão romana, que surge a figura de Psique, terceira filha de um rei que é adorada pelos
homens em virtude de sua beleza e, por esse motivo, desperta a fúria de Vênus. A deusa,
irritada, exige que seu filho, Cupido (ou Amor), castigue a rival, mas ele se encanta por Pisque
(Alma) e a leva para um palácio onde, na forma de noivo invisível, contrai núpcias com a
amada.
Na poesia ocidental, Eros foi citado mais comumente pelo nome Amor. Na Idade Média e no
Renascimento, registra-se, especialmente no discurso literário, a dualidade Amor sagrado
(pureza, salvação) x Amor profano (sensualidade, pecado). Também se tornou mais constante
a representação de Eros (Amor), e não Cupido, como o par constante de Pisque.
Em relação aos aspectos humanos, na cultura greco-romana, as mulheres não tinham prestígio
social. Reduzidas socialmente à condição de escravas, tinham apenas a função de reproduzir a
casta grega; portanto, somente a relação entre homens era tratada com prestígio. Todavia,
não é correto falar em homossexualidade na Antiguidade Clássica, já que as classificações para
as práticas sexuais que hoje conhecemos não eram utilizadas pelos gregos nem pelos romanos.
3FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1984.
Temos na figura de Safo e seus envolvimentos afetivos, sejam eles lendários ou reais, uma das
primeiras representações artísticas das relações de gênero, nas quais homens e mulheres
serão retratados em conflitos amorosos e sociais e, às vezes, em encontros que marcaram a
história da humanidade.
Oh pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a vergonha me
impede. (Alceu)
Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não
permitirias que a vergonha te nublasse os olhos - dirias claramente aquilo que desejasses.
(Safo)
Durante a Antiguidade Clássica, a mulher era considerada escrava e a sua imagem era
representada por deusas ou ninfas. Na Idade Média, embora sem a marca social de escravidão,
a subalternidade continuou prevalecendo e a figura feminina ficou restringida a dois modelos
distintos: a nobre, representada na figura da Dama da Corte, e a camponesa ou pastora.
As cantigas medievais (poemas cantados por homens conhecidos como trovadores ou jograis)
mantinham, na arte, a mesma divisão social: às Damas era oferecido o amor sublime e
espiritualizado (Cantigas de Amor) e às camponesas e pastoras, o amor carnal (Cantigas de
Amigo).
A Igreja Cristã reforçou o sinal negativo que antecede a figura, associando-a ao pecado.
Somente através da maternidade (como a Virgem), ela poderia salvar-se.
A condição feminina torna-se um peso ainda maior durante a Inquisição, pois qualidades
inerentes à mulher ou por ela desenvolvidas, de acordo com as exigências sociais de seu
tempo (percepção aguçada, sensibilidade, afeto) poderiam ser consideradas atos de bruxaria.
Na Demanda do Santo Graal, novela de cavalaria de temática religiosa cuja origem remonta ao
século XIII, as mulheres aparecem como maléficas, como é caso da fada Morgana, ou
pecadoras, que levariam o homem à perdição, conduta da rainha Guinevère:
— Ai, Lancelot! Tão mau foi o dia em que vos conheci! Tais são os galardões do vosso amor!
Vós me lançastes neste grande sofrimento em que me vedes; e eu vos lançarei em tão grande
ou maior, e pesa-me muito, porque estou perdida e condenada ao grande sofrimento do
inferno; não queria que acontecesse assim a vós, antes queria que acontecesse a mim, se a
Deus prouvesse.
MEGALE, Heitor. A demanda do santo graal. (org.) São Paulo: EDUSP, 1988. p. 171.
A Revolução Francesa (1789) encorajou muitas mulheres a denunciar as sujeições a que eram
submetidas, criando clubes de ativistas femininas. No séc. XIX, as mulheres reivindicaram o
direito à participação política, pelo voto, e a uma especialização profissional, desejo
incrementado pela Revolução Industrial (1750) e a absorção do trabalho feminino nas fábricas
têxteis.
Os Estados Unidos e a Inglaterra, países mais desenvolvidos, são pioneiros na luta pelos
direitos das mulheres. Com a Revolução Russa (1917), as mulheres conquistaram o direito ao
voto, o que aconteceu gradativamente em diversos países da Europa; No Brasil, essa conquista
se deu apenas em 1932.
Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento feminista ganhou fôlego com as publicações de
O segundo sexo (1949), da francesa Simone de Beauvoir e de A mística feminina (1963), da
americana Betty Friedan, livro que critica a ideia de que a mulher só se realiza através da
criação dos filhos e de atividades domésticas. Surge o Women's Liberation (movimento de
libertação da mulher), conhecido como Women's Lib (1964). Mais do que conquistar direitos
civis, as mulheres almejavam descrever sua condição de oprimidas pela cultura masculina.
RELAÇÕES ENTRE FEMINISMO, MULHER E LITERATURA
Assim como em diversas áreas do saber, a mulher foi, na literatura, definida segundo os
interesses do mundo masculino. Mas, quando a mulher se torna escritora, as denúncias contra
a opressão de que são vítimas se fazem notar.
Nísia Flores Brasileira (1810-1885), por exemplo, fez uma adaptação do livro da inglesa Mary
Wollstocraft intitulado Vindication of the rigts of woman, que recebeu, em português, o título
Direito das mulheres e injustiça dos homens, publicado em 1832. No século XX, Ercília
Nogueira Cobra (1891) chocou a sociedade brasileira com sua obra Virgindade inútil – Novela
de uma revoltada, cujo lançamento coincidiu com a Semana da Arte Moderna em 1922. O
romance tematiza a natureza feminina, enfatizando a exploração social e sexual da mulher.
Por suas ideias feministas, a autora foi presa e torturada pela ditadura Vargas.
Deve-se incluir, no rol das primeiras escritoras no Brasil, a figura de Teresa Margarida da Silva
e Orta (1711 ou 1712-1793), que escreveu Aventuras de Diófanes (1752). No entanto, a obra
dessa autora, que teria sido a primeira mulher a publicar um romance, não possui caráter
feminista. Ao contrário, sua obra é de cunho moralista, muito embora Teresa Margarida, em
sua biografia, registre um casamento contra a vontade do pai, o que, para a época, seria uma
ousadia típica da conduta de uma feminista.
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_Nadia_Gotlib.htm
No século XX, as mulheres escritoras já não são colocadas à parte do cenário da literatura
nacional. Ao lado de figuras respeitadas nas artes plásticas como Tarsila do Amaral e Anita
Malfatti, outras mulheres se destacam na cena cultural. Rachel de Queirós, Clarice Lispector,
Cecília Meirelles, Adélia Padro e Hilda Hilst, entre tantas importantes autoras, marcaram a
literatura brasileira com uma escrita feminina. Aos poucos, a mulher brasileira — apesar de
sobre ela ainda pesar o olhar masculino severo e incrédulo de outros valores da mulher que
não são aqueles por elas desejados — conquistar seu espaço na sociedade e na arte literária.
Adélia Prado
Com licença poética
O Brasil concilia-se com essa proposta e, recentemente, o direito legal ao casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo foi reconhecido e abriu-se uma frente de debates que tem colocado o
tema em pauta no cotidiano dos brasileiros. As leis que se fazem têm respaldo na ciência, pois
há muito as práticas homossexuais deixaram de ser consideradas uma doença.
A partir da segunda metade do século XX, a arte homoerótica conquistou maior visibilidade.
No Brasil, ainda sem alcançar os resultados desejados, os artistas plásticos lutam por
reconhecimento. Destaca-se o nome Leonilson (1957-1993), com sua estética altamente
subjetiva. No Rio de Janeiro, foi realizada uma exposição pioneira intitulada Correspondências
(1995). E a internet tornou-se um importante instrumento de divulgação da arte homoerótica
com a nova tendência de expressão, que é a arte digital.
A arte literária, entre todas as outras, foi o território no qual mais livremente transitou a figura
do homossexual (masculino e feminino) e o tema do homoerotismo. Romances realistas e
naturalistas, em Portugal e no Brasil, apresentavam com frequência personagens que serviam
ao debate ou que suscitavam polêmicas entre os críticos.
Autores portugueses ousaram representar o homoerotismo nas letras, como Mário de Sá-
Carneiro (1890-1916) — que tem alguns de seus poemas musicados e gravados por Adriana
Calcanhoto — e Al Berto (Alberto Raposo Pidwell Tavares, 1948-1997), cujo nome foi dividido
para representar a sua identidade partida.
O poeta português Antonio Botto (1902-1959), cuja poesia está reunida em um único livro,
Canções (1921-22), faz surgir em seus poemas o objeto do desejo revelando sua
homossexualidade (apesar de ter sido casado com Carminda Rodrigues, com quem teve uma
forte ligação, até o fim de sua vida). Perseguido em Portugal (seus livros foram apreendidos
por ordem do governo, o poeta foi demitido de um órgão público e era alvo constante de
sarcasmo em teatros, livrarias e cafés), exilou-se voluntariamente no Brasil a partir de 1949,
onde faleceu.
Autores contemporâneos têm conseguido expressar mais livremente a sua arte homoerótica
na literatura. A poesia tornou-se o veículo natural do tema. Glauco Mattoso, Roberto Piva,
Antonio Cícero e Wally Salomão são nomes que devem ser respeitados, antes de tudo, pela
arte que produzem com a consciência dos direitos de todos à liberdade de expressão artística.
Autores contemporâneos têm conseguido expressar mais livremente a sua arte homoerótica
na literatura. A poesia tornou-se o veículo natural do tema. Glauco Mattoso, Roberto Piva,
Antonio Cícero e Wally Salomão são nomes que devem ser respeitados, antes de tudo, pela
arte que produzem com a consciência dos direitos de todos à liberdade de expressão artística.
Vivo solitário, você prisioneiro, e não podemos brincar. Castram nossa infância porque você é
igual a mim,
sua vontade igual à minha, mas nos fazem diferentes.