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8 ANDRE BAZIN valor no que se refere ao estado do cinema contemporaneo, hoje nao teriam mais que um valor de interesse retrospectivo. Eles foram eliminados, pois se a historia da critica ja nao passa de uma miga- tha, ade um particular nao interessa a ninguém, sequer a ele proprio, a ndo ser como exercicio de humildade. Restavam arti- 0s Ou estudos necessariamente datados pelas referencias dos mes que serviram de pretexto a eles, mas que nos pareceram, azo ou sem ela, conservar apesar do recuo um val Jamais hesitamos, naturalmente, em corrigi ou no fundo, quando nos pareceu util, Acont dirmos varios artigos que tratavam dé mesmo tema a par que poderiam se repetir dentro da coletai -orregdes S40 menores ¢ s idade que chamariam a quando nao necessério ao menos inevitavel, respeitar essa iltima, ‘A medida — por mais modesta que seja — que um artigo critico procede de um certo movimento do pensamento, que tem seu sua dimensao ¢ seu ritmo, ele se aparenta também com a aria € no poderiamos, sem quebrar 0 contetido com a forma, colocé-lo em outro molde. Pelo menos achamos que 0 bbalango da operacio seria d io para 0 preferimos deixar subsistir lacunas em relacdo ao plano ideal da coletanea, a tapar os buracos com uma critica digamos... conjuntiva. A mesma reocupacdo nos levou, em vez de inserir reflexdes atuais & forga nos artigos, a fazer notas de pé de pagina’. Contudo e apesar de uma escolha, que esperamos nao ser excessivamente indulgente, era inevitavel que 0 texto nem sempre fosse independente da data de sua concepgio ou que elementos de circunstancias fossem inseparaveis de reflexdes mais intempo- rais. Em suma, e apesar das correrdes a que foram submetidos, achamos justo indicar todas as vezes a referéncia original dos arti ‘205 que forneceram a substancia das paginas que virdo a sey A.B., 1958 foram agrupadss no final de cada capitulo. (N.E.) 1 ONTOLOGIA DA IMAGEM FOTOGRAFICA! ‘as consideraria talvez a pra- fato fundamental de sua génese. ura, descobriria 0 “complexo" ‘Uma psicanalise das artes pla tica do embals: Na origem da a defesa contra o tempo. A morte nao é sendo a vi Fixar artificialmente as aparéncias carnais do ser é salvé-lo da cor- renteza da duraglo: aprumé-l ra natural que tals aparéncias fossem salvas na propria materialidade do corpo, sem suas carnes ¢ 0ss0s. A primeira estatua egipcia é a mimia de um hhomem curtido e petrficado em natrdo. Mas as piramides e o labi- rinto de corredores nao eram garantia suficiente contra uma even- tual violagdo do sepulero; havia que se tomar ainda outras precau- ‘es contra o acaso, multiplicar as medidas de proteso. Por isso, perto do sarcéfago, junto com o trigo destinado & alimentagao do morto, eram colocadas estatuetas de terracota, espécies de rmiimias de reposicao capazes de substtuir 0 corpo caso este Fosse destruido. Assim se revela, a partir de suas origens religiosas, a fungdo primordial da estatudria: salvar o ser pela aparéncia. E pro- vavelmente pode-se considerar um outro aspecto do mesmo pro- , 0 urso de argila crivado (0 magico, identifi- -agada. evolusio paralela da arte e da civiliza- nao se fez embalsamar: contenta-se com 0 seu retrato, por Lebrun), Mas esta evolugdo, tudo 0 que conseguiu foi sul 20 ANDRE BAZIN ‘mar, pela via de um pensamento ldgico, esta necessidade incoerci- vel de exorcizar 0 tempo. Nao se acredita mais na ident logica de modelo e retrato, porém se admite que este recordar aquele e, portanto, a salva-lo de uma segunda morte espi- ritual. A fabricagdo da imagem chegou mesmo a se libertar de smo antropocéntrico. O que conta nao é mais a lo homem ¢ sim, em escala mais ampla, a criagdo s0 ideal & imagem do real Af gicas, explicariam tranquilamente a grande crise espiritual e nica da pintura moderna, que se origina por vol século passado. Em seu artigo de Verve, André Malraux escrevia que “ rio é sendo a instancia mais evoluida do realismo pl principiou com o Renascimento ¢ alcanou a sua expressai na pintura barroca’”. E verdade que a pintura universal alcangara diferentes tipos Tae equlbrio entre 0 simbolismo e 0 realismo das formas, mas no século XV 0 pntorocidental comesou a se afasar da prea < pagdo primordial de tao s6 exprimir a realidade espiritual por meios auténomos para combinar a sua expresso com a imitagio mais ou menos integral do mundo exterior. O acontecimento deci- sivo foi sem divida a inven¢do do primeiro “de certo modo, j& mecfnico: a perspectiva (a cémara Da Vinci prefigurava a de Nie ilusao de um espaco de trés di de meados do ite fa viu-se esquartejada entre duas aspira- -a— a expresso das realidad js em que 0 modelo se acha transcendido pelo simbolismo \das formas —, € 0 jue um desejo puramente {psicol6gico de’ sul ONTOLOGIA DA IMAGEM FOTOGRAFICA a a perspectiva resolvido © problema das formas, mas nao 0 do i longasse numa busca ie de quarta dimensio ., psiquica capaz de sugerir a vida na imobilidade torturada da arte barroca. £ claro que os grandes artistas sempre conseguiram a si dessas duas tendéncias: hierarquizaram-nas, dominando a real dade e absorvendo-a na arte. Acont 0s quais, bjetiva precisa saber dissociar, a fim de compreender de ilusdo nao cessou, a partir mente a pintura. Necessidade em_si mesma ndo estética, cuja origem 6 se Ipoderia buscar na mentalidade magica, mas.necessidade ef s. 10 verdadeiro realismo, que im ficagao a um | 6 tempo concreta € essencial do mundo, e o pseudo-realismo do | ompe leil (ou do trompe l’esprit), que se contenta com a ilusae ‘das formas.” Eis porque a arte medieval, por exemplo, parece no sofrer tal conflito: violentamente realista ¢ altamente espiritual a mesmo tempo, ela ignorava esse drama que as possi técnicas vieram revelar. A perspectiva foi o pecado ori tura ocidental. Niepce € Lumiére foram os seus redentores. A fotografia, a0 redimir 0 barroco, liberou as artes plasticas de sua obsessao pela semelhanga. Pois a pintura se esforcava, no fundo, em vao, por lusdo bastava a arte, enquanto a fotografia ¢ 0 encial na passagem 10 mero aperfeigoa- (a fotografia ainda co jor a pintura na imitaglo das cores), mas num fato psicolé- ico: a satisfacao completa do nosso afd de ilusdo por uma repro- dugdo mecdnica da qual o homem se achava excluido. A solugao ‘nao estava no resultado, mas na génese.* 2 ANDRE BAZIN Eis por que o conflito entre estilo e-semelhanca vem a ser um fenfmeno relativamente moderno,cujos rag quate nfo #40 ph siete XIX ate incia para Yaler a rie do roalaann, qual Picasso é hoje o mito, abalando ao miesmo-tempo tanto as formal das artes plisticas quanto Spinto mode ‘relega a massa,’ que entdo passa a ident 1, por wr no ser um outro objeto. Pela primeira vez, uma imagem do ‘mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervengao tra em jogo somente | orientacdo, pela pedagogia do Jo fenameno; orm na obra acabada, j4 nfo figura nela como-a-do-pint artes se fundam sobre a presenga do homem; unicamente na foto- grafia é que fruimos da sua auséncia. Ela age sobre nés como um fenémeno “natural”, como uma flor ou um cristal de neve térica. Sejam quais , somos obrigados a forem as objegdes do nosso espiri rer na existEncia do objeto representado, literalmente re-presen- tado, quer dizer, tornado presente no tempo e no espago. A foto- srafia se beneficia de uma transferéncia de realidade da coisa para a sua reproducl0.* O desenho-o mais fie pode nos fornecer mais indfeios acerca do modelo; jamais ele possuira, a despeito do nosso ‘spiro crtico, 0 poder irracional da fotografia, que nos arrebata a credulidade. "Por isso mesmo, a pintura j4 no passa de uma técnica infe- rior da semelhanga, um sucedaneo dos procedimentos de repro- dusto. $6 a objetiva nos dé, do objeto, uma imagem capaz de (© santo suditio de Turim.

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