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Dunkirk

A guerra é feita por anônimos


Dunkirk chega aos cinemas na época em que a imprensa e o público tentam
discernir o statusparticular do diretor Christopher Nolan dentro da indústria. Por
um lado, ele trabalha pelas regras do mercado, elaborando grandes produções
de super-herói, contratando estrelas para os papéis principais e produzindo
ficções científicas de outros diretores. Por outro lado, se recusa a filmar com
tecnologia digital, evita o 3D, aposta no formato antigo do 70mm e se posiciona
contra exibições em telas pequenas, incluindo o lançamento de filmes
diretamente em plataformas de streaming.

Nolan é visto ao mesmo como um


visionário e um conservador, um autor popular e culto. Sua posição de
“outsider dentro do sistema” faz com que a imprensa recorra a hipérboles
absurdas para descrevê-lo: enquanto os britânicos o comparam a Stanley
Kubrick, círculos franceses o reduzem a um artesão de obras redundantes, nas
quais o som repete a imagem. Os dois soam exagerados. Além de acirrar as
discussões, este novo filme serve para sublinhar as imensas qualidades do
cineasta e reafirmar suas fraquezas recorrentes.

Como proposta visual, Dunkirk é excelente. O diretor tem plena consciência


dos ângulos, lentes e movimentos de câmera adequados para provocar a
máxima experiência de tensão. O cenário da guerra é captado de maneira ao
mesmo tempo grandiosa, pela amplitude das praias, mares e céus, e também
intimista, por se focar em dramas humanos pontuais, silenciosos, envolvendo a
vida de anônimos. As cenas de Tommy (Fionn Whitehead) correndo com uma
maca pela praia, agarrando um barco em movimento ou se escondendo entre
as vigas de um píer são muitíssimo bem filmadas e montadas.

Ao invés de captar as cenas com distância contemplativa, a câmera se


posiciona no meio da ação, entre os soldados espremidos na areia ou no fundo
do mar, quando um navio explode. A imersão é tão eficiente que relembra a
capacidade do cinema em 2D de explorar sensações tão bem quanto qualquer
3D. Paralelamente, a trilha sonora de Hans Zimmer, com seus violinos tensos,
consegue compor uma melodia convergente com as explosões e os motores
de avião, a ponto de se tornar difícil separar música de ruídos. Cada
enquadramento, cada movimento, cada som é muitíssimo bem pensado e
executado.

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O projeto também impressiona pela
ousadia narrativa e comercial. Nolan cria uma história dividida em três
vertentes, cada uma com um protagonista: o garoto Tommy tentando fugir da
praia, o patriota Dawson (Mark Rylance) indo voluntariamente à batalha, e o
piloto Farrier (Tom Hardy) tentando destruir aviões inimigos. A trama demora
em conectá-los, e não revela imediatamente a ambiciosa relação de
temporalidade entre os três segmentos. O resultado é um projeto sem
protagonismo definido, com poucos atores famosos, em trajetória não linear, e
que não perde tempo explicando particularidades da guerra.

Além disso, Dunkirk evita a sucessão de explosões e cenas de heroísmo. O


que Nolan entende muito bem – e que Michael Bay ainda não compreendeu –
é que uma explosão só possui impacto se vier após a calmaria, e um diálogo
potente faz sentido apenas entre momentos de silêncio. Bombas ininterruptas
se tornariam entediantes, porém o roteiro evita a saturação ao investir na
potência de olhares e gestos. A imagem de um pé na areia, ou a negociação
silenciosa para tapar buracos de um barco dizem mais sobre cumplicidade do
que discursos repletos de frases de efeito. Durante dois terços de sua duração,
o resultado é tão grandioso no escopo das imagens quanto contido em termos
de melodrama. Ele chega a se tornar brutal na trama do piloto cuja ação se
limita a matar ou ser morto, atirar e se defender. Mais simples que isso,
impossível.

Apesar de tantas qualidades, a produção tem seus revezes. A curiosa direção


de fotografia oscila entre cores completamente realistas, nas tomadas aéreas,
e cenas ultra saturadas, como se viessem de um espetáculo em Technicolor de
60 anos atrás. A subtrama envolvendo o garoto George (Barry Keoghan) soa
abrupta, neste que é o segmento mais fraco da história, por tentar incluir em
poucos minutos temas grandiosos como o perdão, o rancor e a vingança. Os
momentos naturalistas de sobrevivência, envolvendo Tommy, funcionam muito
melhor.

O maior problema se encontra no terço


final, quando o heroísmo sabiamente evitado durante mais de uma hora
aparece com força. Rumo à conclusão, o diretor abraça a trilha sonora

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lacrimosa, as cenas de sacrifício ao pôr do sol e a canonização quase imediata
dos soldados resgatados. Este é o aspecto spielbergiano que desperta tantas
críticas a Nolan: a necessidade de concluir sua trama com a reafirmação
didática dos valores da tradição, família e propriedade, após uma longa
narrativa que não trabalhava necessariamente estes temas. Nolan, como
Spielberg, confia na capacidade cognitiva de seu público até certo ponto,
contanto que a ousadia seja domesticada no final.

Como retrato de guerra, o projeto tem despertado críticas justificáveis. A


evacuação de mais de 300 mil soldados em 1940 foi fruto de um esforço
conjunto de britânicos, franceses e tropas magrebinas, mas o roteiro retrata
apenas a coordenação das tropas britânicas. O único francês retratado na
história é salvo por britânicos, e o personagem do Comandante Bolton (um
brilhante Kenneth Branagh) dá a entender que os colegas franceses foram
salvos graças à boa vontade do vizinho europeu. Para cada personagem
naturalista e simples com Tommy, existe um mártir como Farrier.

Por fim, Dunkirk se revela um filme excepcional para representar o ambiente,


as cores, as texturas e os sons da guerra. Em outras palavras, ele trabalha
muito bem as sensações deste período, mas não possui o mesmo êxito na
hora de pensar a guerra. Além de afirmar que os soldados esperavam “por um
milagre”, ele se abre com uma frase sobre as tropas encurraladas “pelo
inimigo” (Mas quem é esse inimigo? O que ele pretende obter neste confronto
específico? Qual foi o papel de Dunkerque dentro da Segunda Guerra?). O
filme torna-se politicamente vago, tão preocupado em usar aviões reais e
uniformes idênticos aos da época quanto displicente ao investigar as questões
geopolíticas envolvidas. Uma guerra é feita de indivíduos e de pequenos
gestos, é claro, mas também é movida por nações, com interesses políticos e
econômicos muito específicos. Dunkirk é um projeto magnífico quando se
dedica aos indivíduos, porém negligente quando retrata coletividades.

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‘Dunkirk’,

Chegado esta semana às salas de cinema portuguesas, Dunkirk depressa foi


alvo de elaborados elogios mas também de severas críticas negativas. Nem só
de um ou de outro se faz esta última obra do consagrado (mas também mal-
amado) Christopher Nolan. Dunkirk é um épico de guerra que viverá sempre
aquém das suas expectativas mas que perdurará por tempo indeterminado nas
nossas cabeças, assim como a sua fantástica fotografia, merecedora de
menção especial e um dos grandes motivos de elogio neste filme.
Comecemos por aí, pela maravilhosa fotografia a cargo de Hoyte Van
Hoytema. Ao longo dos teasers e trailers que durante os últimos meses nos
foram chegando, motivo de conversa era já a fotografia de Dunkirk. Do mesmo
director de fotografia de filmes como Interstellar (também realizado
por Nolan), Her, The Fighter ou Let The Right One In, cujas imagens ainda
hoje nos assaltam a mente (sobretudo os dois primeiros), emDunkirkacontece
não raras vezes uma simbiose quase perfeita dos elementos que compõem a
acção em cena, resultando em frames belíssimos que ajudarão a perdurar este
filme na nossa memória e serão motivo de referências futuras para serem
dados como exemplo.
Essa fotografia ajuda a relevar toda a experiência vivida em Dunquerque e que
é retratada neste filme. Os disparos, a luta contra o mar, a corrida, a
ansiedade, a falta de fôlego, tudo isto é filmado próximo dos rostos daqueles a
que podemos chamar de protagonistas (sobretudo Tommy, um jovem soldado),
dos olhos que vêem um inimigo que nós, espectadores, nunca chegamos a
encarar, mas que lhe ouvimos os disparos e cuja vontade de impedir a
sobrevivência destes seus inimigos é quase tangível. Esta indiferença é
também, de certa forma, mostrada no lado dos aliados, sobretudo quando na
praia são filmadas fileiras sem fim de homens que esperam a sua vez de entrar
num barco que tanto pode significar a sua salvação como o seu fim. Homens
tratados como maquinaria de guerra e cuja harmonia espacial apenas é
afectada momentaneamente pelo perigo iminente das bombas que são
largadas por meios aéreos. Feitas as vítimas, os soldados levantam-se e
formam novamente fila ordeiramente. A cruel naturalidade da situação
espelhada de forma certeira, e que não nos deixa indiferentes.

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Dunkirk é um filme de poderosa mensagem humana. Já perto do final é-nos
referido que “a sobrevivência não é justa”, o que nos diz muito sobre todo o
desenrolar da obra. Há sofrimento, há silêncios e há dor que não é partilhada
mas que é comum a tantos. Escrito por Christopher Nolan, Dunkirk retrata a
retirada das tropas aliadas de Dunquerque para a Grã-Bretanha durante a
Segunda Guerra Mundial. Cercadas por tropas alemãs, na praia estavam
cercadas centenas de milhares de tropas britânicas, francesas e belgas que
aguardavam por salvação via mar. O retratado no filme é toda essa luta, essa
angústia e toda essa luta pela sobrevivência no meio do caos. É em ambientes
como estes que a verdadeira natureza humana vem ao de cima,
e Dunkirk retrata bem isso em muitos momentos acompanhando sobretudo as
personagens interpretadas na perfeição por Fionn
Whitehead (Tommy), Anneurin Barnard (Gibson) e Harry Styles – esse
mesmo, o de One Direction – (Alex); três personagens que representam o lado
mais humano e o mais cruel de toda esta história. Rostos novos, uma
excelente escolha de Christopher Nolan. Há em Hollywood o mau vício de
meter em campos de guerra unicamente rostos “consagrados”, maduros e
vividos. A guerra, infelizmente, não é só travada por esses. A guerra é também
feita de rostos jovens, sem muita experiência e que lutam – de forma muitas
vezes injusta e inglória – pela sua pátria. Os três actores carregam sobre si, e
de forma fantástica, todo esse peso da sua existência naquele momento e
naquele local, quando tudo à sua volta se destrói e onde a diferença entre o
humano e o animal é já pouco diferenciável. Ao seu lado, e em
espaços diferentes (mar e ar), actores mais consagrados como Mark
Rylance, Cillian MurphyeTom Hardydão mais austeridade em cena, sendo
que acaba por ser Kenneth Brannagh (Comandante Bolton) a ter uma das
personagens mais marcantes de todo o filme.
No entanto, nem só de elogios se fazDunkirk.Nolan voltou aqui a desconstruir
temporalmente um filme seu, e vem daí uma das características mais
questionáveis do filme. Nesta que é já uma imagem de marca do realizador, a
narrativa é-nos contada através de três períodos de tempo (e espaço – terra,
céu e mar) diferentes que acabam por se entre-cruzar já perto do final. Esta é
uma decisão que tem tanto de interessante como de desnecessária. Se filmes
como Memento ficaram na memória por esta fragmentação temporal,
em Dunkirk não se percebe a necessidade do uso sem sentido ou objectivo

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palpável (ou credível) para o mesmo. A real importância do tempo
em Dunkirk teria sempre de ser focada na contagem decrescente até ao seu
epílogo: a salvação das tropas no final – o momento mais aguardado e para o
qual o tique-taque temporal como barulho de fundo em todo o filme nos vai
relembrando. Nolan, pelo contrário, preferiu convergir esses três espaços
temporais em acções antecedentes, em vez de os conduzir até um final de
maior dimensão dramática . Perde ainda mais sentido a desconstrução
temporal quando a mesma nos é desvendada logo de início. Se o seu uso
poderia ser um efeito “extra” em Dunkirk, o seu anúncio retira-lhe qualquer
necessidade e, por isso, sentido. Um “condimento extra” que acaba por não
trazer qualquer “sabor”.

Nem Hans Zimmer deve ficar a salvo de críticas e o seu currículo não lhe pode
dar o estatuto de “intocável” no que às mesmas diz respeito. O compositor
alemão, capaz de criar um épico por si só como poucos, rouba
sistematicamente as cenas para si, em vez de as deixar crescer em nós. O seu
ritmo acelerado, prolongado e ansioso, se funciona em algumas ocasiões, em
outras tantas impede-as de criarem por si próprias essa ansiedade. O exagero
que acontece em alguns momentos tira-nos qualquer sentimento de empatia,
ligação ou comoção por uma cena que foi atropelada pela sua própria banda
sonora e que quase acaba a competir pela nossa atenção com as imagens em
ecrã em vez de criar uma harmoniosa existência entre estas duas
componentes.
Um dos filmes mais aguardados do ano, com uma história e os meios técnicos
para torná-lo num épico instantâneo acaba por não corresponder às
expectativas minimamente mais elevadas que poderiam ter sido criadas. Não
desilude, mas também não deixa saudades de o ver novamente tão
depressa. Dunkirktem um peso e responsabilidade histórica associada a si que
nunca é correspondida, resultando apenas num bom filme que nunca chega a
ser tão bom como deveria (e tinha capacidade para o ser).
Dunkirkdeve e merece ser visto, mas só o tempo dirá se será realmente tão
marcante quanto se esperava. A carga emocional desta última obra
de Christopher Nolan vive mais da História, que já era sua, do que
propriamente de uma condução capaz do seu realizado

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Dunkirk traz Christopher Nolan para um lado mais humano e o
resultado é um estrondoso e atípico filme de guerra.

Este tão famoso nome tem sido associado a grandes blockbusters nos últimos
15 anos, passando pela sucedida trilogia do Batman, até aos filmes cerebrais
com narrativas não-lineares, uma característica típica de Nolan, como Inception
(2010) e mais recentemente Interstellar (2014).

Talvez muitos já estejam familiarizados, mas é possível que grande parte das
audiências de hoje em dia não conheçam a história de Dunkirk e a Operação
Dínamo, o foco principal do filme.

Em maio de 1940, os soldados aliados, maioritariamente ingleses e franceses,


ficaram encurralados em Dunquerque, norte de França, pelos alemães no início
da Segunda Guerra Mundial. Winston Churchill pôs então em prática a
Operação Dínamo que tinha como objectivo inicial evacuar 45.000 homens da
Força Expedicionária Britânica. No período de uma semana, cerca de 338.000
homens de várias nações conseguiram voltar a casa graças aos civis que
embarcaram nos seus barcos para resgatar os soldados.

Para quem acha que vai assistir a mais um filme de guerra, Dunkirk tem uma
abordagem diferente. É uma história de sobrevivência que se foca mais no
evento em si do que nas personagens. Não existem as típicas imagens
sangrentas ou o diálogo ocasional onde as personagens se dão a conhecer.
Estas muito pouco falam, comunicando mais entre acções do que propriamente
palavras. Não ficamos a saber qual é a história da vida de alguém, quem foi ou
quem será no futuro.

Nolan fez questão que víssemos o filme no presente, como se estivéssemos ao


lado de cada personagem, e para isso acontecer oferece três perspectivas
diferentes: a terra (The Mole, One Week), o mar (The Sea, One Day) e o ar
(The Air, One Hour). Em terra temos o Comandante Bolton (Kenneth Branagh)
a controlar os navios que se destinam exclusivamente à evacuação. No meio
de milhares de soldados, em destaque observamos Tommy (Fionn Whitehead),
Gibson (Aneurin Barnard) e mais tarde, Alex (Harry Styles). No ar estão Farrier
(Tom Hardy) e Collins (Jack Lowden), dois pilotos que entram em confronto
com alguns aviões inimigos. E por fim, no mar temos Mr. Dawson (Mark
Rylance) no seu barco, um dos civis em missão de resgate, acompanhado pelo
filho Peter (Tom Glynn-Carney) e o seu amigo George (Barry Keoghan).

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O realizador britânico dedica-se em transmitir a sensação do que é estar dentro
de uma guerra. O desespero pela sobrevivência, os bombardeamentos, os tiros
ensurdecedores, o sufoco de estar submerso. Estas são todas sensações que
sentimos com as personagens através do realismo que Nolan tanto faz questão
de adicionar aos seus filmes. E esse realismo é também acompanhado pela
fotografia belíssima, por Hoyte Van Hoytema, que pede para ser vista em
IMAX.

Desde a primeira nota, tocada por Hans Zimmer, que sentimos a sua
intensidade e somos subitamente lançados para uma guerra aterrorizadora,
que apesar de estar no passado, naquela 1h e 46 minutos se sente tão
presente.

Dunkirk faz com nos transformemos nuns fantasmas flutuantes a viajar no


tempo e juntos assistimos a um evento histórico que influenciou o percurso da
Segunda Guerra Mundial ao encorajar os ingleses a levantarem-se e
ripostarem. Christopher Nolan conseguiu inovar a narrativa de um género que
já tem dezenas de versões diferentes no cinema.

Acima de tudo, apesar de ser uma história de derrota, Dunkirk é um filme


inspirador que prova como uma pátria unida conseguiu alcançar um feito
incrível.

Cinema: Estreias da Semana, 20 de Julho

Movie description: Centenas de milhares de tropas britânicas e aliadas são


cercadas por tropas inimigas. Encurralados na praia de Dunkirk, de costas para
o mar, enfrentam uma situação impossível à medida que o inimigo se
aproxima.
Date published: 2017-07-20
Director(s): Christopher Nolan
Actor(s): Fionn Whitehead, Mark Rylance, Kenneth Branagh
Genre: Acção, Drama, História, 107 m

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Dunkirk | Crítica
Godard desaprovou quando Spielberg recriou Auschwitz em A Lista de
Schindler, esforço de romantização que o francês julgou moralmente
questionável, e embora Dunkirk passe longe do Holocausto (a única
iconografia nazista recriada no filme são as cruzes pretas que identificam os
caças alemães) Christopher Nolan se expõe a controvérsia semelhante. A
título de elegia, sua história-baseada-em-fatos reconta a batalha no porto de
Dunquerque num suspense que existe em função do frenesi do combate.

A estrutura tríptica - acompanhamos simultaneamente soldados na praia por


uma semana, um barco de resgate por um dia e o caça pilotado por Tom
Hardy por uma hora - permite que Dunkirk transcorra inteiro como o clímax
não-linear de A Origem, de tempo forte em tempo forte, dilatando momentos
dramáticos com o sustento da trilha onipresente de Hans Zimmer. Do
embarque de um pequeno veleiro civil às trocas protocolares de mensagens
dos pilotos, pontos de partida da trama, tudo no filme é narrado com urgência
pré-planejada.

Se essa urgência se justifica, se o artifício esvazia ou não o sentido da


guerra, essas dúvidas ficam imediatamente emudecidas pela ação que
Zimmer acompanha em eterno crescendo e que Nolan filma com sua
generosa oferta de recursos, como os encaixes instalados para câmera IMAX
na lataria do Spitfire. A boa parte dos personagens cabe o privilégio de
assistir à ação, coadjuvantes funcionais catatônicos como o coronel vivido
por James D'Arcy, que está no filme apenas para ouvir Kenneth
Branagh explicar o contexto da Segunda Guerra.

É evidente que Nolan modula aqui sua ambição para se aproximar do cinema
de guerra com o mesmo tom operístico com que Stanley Kubrick criava seus
filmes mais pretensiosos. Dunkirkpromete "a guerra como você nunca viu" e
entrega uma experiência cheia de sobrecargas sensoriais, mas o que resta
dela em seguida? Com o mesmo arranque seco que havia começado, o filme
se encerra num triunfo estranho, tateando imagens em busca de significado,
alternando close-ups de personagens fitando o vazio.

Se o filme de Nolan não encontra uma conclusão que o justifique, talvez seja
porque o espetáculo é uma justificativa em si mesmo. Não há nada de errado
nisso. James Cameron gastou os tubos recriando o horror do Titanic com o
mesmo impulso sádico de Dunkirk, mas tinha plena noção do valor da história
que contava e do gênero a que se filiava, e as fantasias do seu melodrama
sulista ajudavam a evitar, pela espetacularização, a frontalidade da morte. Já
em Dunkirk não há escapismo possível; de todos os instrumentos ao alcance
de Nolan a fantasia nunca foi um deles.

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Dunkirk
Título original:
Dunkirk
De:
Christopher Nolan
Com:
Tom Hardy, Cillian Murphy, Kenneth Branagh, Harry Styles, Mark
Rylance
Género:
Drama, Histórico
Outros dados:
EUA/GB/HOL/FRA, 2017, Cores, 106 min.
Passados três anos do lançamento de "Interstellar", Christopher Nolan
regressa com um épico de guerra inspirado na Batalha de Dunquerque, em
1940, durante a Segunda Guerra Mundial, um episódio em que mais de 300 mil
soldados aliados foram evacuados de Dunquerque, em França, quando
estavam rodeados pelo exército alemão. Com recurso a poucos diálogos, uma
história não-linear e uma atenção redobrada aos pequenos detalhes, o filme
procura mostrar o que aconteceu a partir de três perspectivas diferentes: da
terra, do ar e do mar.
No elenco, nomes que vão do novato Finn Whitehead a Jack Lowden (da série
"Guerra & Paz"), passando pelo veterano Kenneth Branagh, o membro da
banda pop One Direction Harry Styles, que se estreia no cinema, o oscarizado
Mark Rylance e colaboradores frequentes de Nolan como Cillian Murphy ou
Tom Hardy. PÚBLICO

CRÍTICA| DUNKIRK É O FILME DE GUERRA MAIS

INTENSO E IMERSIVO DA HISTÓRIA

FICHA TÉCNICA

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ITEM REVISADO
Dunkirk
AUTOR
Alepitekus
LANÇAMENTO
27 de julho de 2017 (1h 47min)
SINOPSE
Na Operação Dínamo, mais conhecida como a Evacuação de Dunquerque,
soldados aliados da Bélgica, do Império Britânico e da França são rodeados
pelo exército alemão e devem ser evacuados durante uma feroz batalha no
início da Segunda Guerra Mundial.
ELENCO
Fionn Whitehead, Jack Lowden, Harry Styles, Tom Hardy, Kenneth Branagh e
Cillian Murphy
DIREÇÃO
Christopher Nolan
GÊNERO
Guerra
ROTEIRO
Christopher Nolan
PRODUTORA
Warner Bros.
Syncopy
StudioCanal
DISTRIBUIDORA
Warner Bros.

Christopher Nolan sempre trouxe trabalhos memoráveis aos espectadores,


principalmente com a trilogia do Batman, mas dessa vez embarcou em um
universo tenebroso da Segunda Guerra Mundial – Dunkirk.

O filme é baseado em eventos históricos que consistiram na evacuação de


soldados britânicos e franceses de Dunkirk, conhecida como
a Operação Dínamo. O diretor coloca uma lupa nesse evento da guerra e
trabalha com uma verdade pouco vista nos filmes épicos.

Terra Céu e Mar

Normalmente vemos os filmes de guerra com personagens fortes, heroicos e


com uma profundidade dramática muito grande, em vista daquele terror
inacreditável que estão vivendo. Em Dunkirk, isso é completamente diferente,

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pois não apenas os personagens são totalmente anônimos, mas também
mostra uma face da peleja muito cruel – o desespero.

Os soldados da cidade de Dunquerque estavam sendo encurralados pelos


inimigos, e as tropas europeias estavam tentando evacuar o local, porém as
armadas germânicas estavam implacáveis, bombardeando os locais em que os
soldados estavam concentrados – aí o bicho começou a pegar.

Temos, praticamente, 3 pontos de vista diferentes. Um aviador (Tom Hardy),


um civil que é convocado para resgatar os soldados daquele local e um
soldado que busca voltar pra casa, após ter escapado do cerco da cidade.
Nessas três lentes, pudemos acompanhar um pouco do terror e das
consequências que a guerra pode trazer.

A maneira singular que Nolan faz a transição entre os mesmo acontecimentos,


dos diferentes pontos de vista (terra, céu e Mar), parece que nos traz o
sentimento diferenciado que cada um mostra.

Vivendo a Guerra

Nolan imprimiu um ritmo nesse filme, que te faz grudar na cadeira em muitos
momentos. Os eventos de ataque e defesa em Dunkirk são frenéticos e quando
você pensa que está tranquilo, que vai dar aquela respirada funda, as coisas
acontecem novamente de uma maneira muito pior.

Uma das coisas mais impressionantes que encontrará em Dunkirk é a


realidade absurda que o som entrega. Christopher Nolan, mais uma vez aliado
a Hans Zimmer (uma parceria que vem de longa data), um maestro de talento
ímpar, que trouxe uma trilha sonora emocionante.

Outro elemento ainda ligado ao som, na minha visão, foi o que fez desse filme
ser especial – os efeitos sonoros. Quando assistimos a um filme desse estilo,
os efeitos sonoros trazem uma imersão bem importante para o espectador,
mas o que Nolan fez com Dunkirk, superou tudo o que já vi nesse quesito. Em
ambientes fechados, em ambientes abertos, os estampidos das armas de fogo
são impressionantes e te fazem crer que aquilo está realmente acontecendo.
Todo evento envolvendo naufrágio, bombardeio e conflito aéreo, sentimos da
pele com cada passo, cada movimento e o som forte sempre presente.

Solidão

Por mais que você esteja com 30 mil, 300 mil, milhões de soldados ao seu
lado, na guerra, você sempre está sozinho. Isso mostra em cenas
emblemáticas, com cenas onde os que estão prontos para embarcar mal se
falam e buscam salvar sua pele.
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A luta pela sobrevivência nos ares também não é muito diferente, porque por
mais que haja dois ou mais companheiros contigo, você precisa tomar decisões
mortais a todos os momentos.

Os semblantes de desespero de todos os atores, bem como o de alívio, dão


uma vida muito interessante para as atuações desse filme. Em Dunkirk, você
encontra pouquíssimos diálogos, mas sempre nas situações mais pesadas,
eles são muito bem encaixados e com bastante realidade, sem aqueles
discursinhos heroicos e cheios de emoção.

Você está com muitos ao seu lado, mas sozinho. O medo é coletivo, mas o
medo é solitário. A luta é entre países, mas a luta interna é muito mais cruel.

Sobrevivência no desespero

Alguns filmes do gênero mostram o lado cruel e sombrio da guerra, mas


poucos trabalham a vontade de continuar respirando, como Dunkirk. O filme
mostra o lado visceral e a linha tênue entre covardia e desespero. O heroísmo
não tem lugar, quando a sua vida está na mesa e muitas vezes, acabamos
agindo por puro instinto, deixando de lado o certo e o errado.

A lupa que o diretor coloca na vida das três pessoas, revela outro sentimento
interessante – o ser humano mostra o seu melhor, nos momentos de maior
dificuldade. E uma cena de menos de um minuto, representa isso para o filme
inteiro. Pode parecer pouco importante, se visto num montante geral, mas ela
traz a carga dramática mais heroica do longa.

Concluindo

Ao acompanharmos os três personagens do filme, vimos como cada cidadão


enxerga a guerra. Dunkirk te coloca dentro daquele ambiente hostil, te faz
sentir medo, desespero, angústia, ao passo que te leva a não descansar em
momento algum, sempre acompanhando o frenesi das batalhas. Um dos
melhores filmes de guerra que já assisti, sem dúvida nenhuma. Recomendo
fortemente.

Sangue, suor e lágrimas

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Christopher Nolan continua a acreditar no cinema como uma experiência
em sala e, com Dunkirk, faz um filme “fora de tempo” que envergonha
quase toda a concorrência hollywoodiana

Há qualquer coisa de epidérmico na polarização que Christopher Nolan gera


hoje em dia, caso raro no cinema oriundo dos grandes estúdios americanos.
Ora rendição incondicional a um (evidente) talento de cineasta e ambição de
autor, ora irritação pela precisão calculada ao fotograma de um formalista
paciente que parece apenas dispor peças num tabuleiro com vista a criar um
efeito. Mas nenhuma das posições inviabiliza que Dunkirk confirme Nolan como
um caso singular no cinema que se faz hoje – um “autor” que procura o meio-
termo entre o erudito e o popular, que acredita que é possível conciliar o
grande espectáculo com a reflexão cerebral.

Mais do que qualquer dos seus filmes anteriores, e na linhagem directa do


espantoso Interstellar (2014), Dunkirk é uma aposta no filme como pura
experiência comunitária, sensorial, audiovisual, usando as forças do cinema
para criar um envolvimento imersivo que não precise de “truques” externos. O
diálogo que existe é puramente funcional, a montagem paralela de três tempos
narrativos diferentes é quase intuitiva no modo como torna tudo legível ao
espectador, numa lógica que (como Luís Miguel Oliveira correctamente
apontou nestas páginas) vem de Griffith e dos tempos (demasiado esquecidos)
do mudo. Recusando a bengala do 3D mas aproveitando sagazmente as
potencialidades dos écrãs gigantes, Dunkirk prolonga uma ideia de cinema-
espectáculo-de-prestígio que existiu nos anos 1950 e 1960, usando o IMAX
como um equivalente contemporâneo do 70mm (e o filme é uma carta de amor
à película e aos 70mm). Está mais perto de David Lean (lembrámo-nos
sobretudo do demasiado esquecido Sangue, Suor e Lágrimas de 1942) que de
Stanley Kubrick (e o crítico Mark Cousins falava no Twitter de Akira Kurosawa).
E, por onde o quisermos ver, é um filme “fora do tempo” em que foi feito, que
retorna ao passado (e ao passado do cinema) para aí (re)descobrir o essencial
do que significa contar uma história em imagens.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 14


Dunkirk

Realização:Christopher Nolan
Actor(es):Tom Hardy,Cillian Murphy,Kenneth Branagh,Harry Styles,Mark
Rylance

PUB

É verdade que Nolan não inventa nada em Dunkirk, mas dispõe os elementos
com tanta desenvoltura e precisão que não precisa de inventar, basta saber o
que está a fazer. É também verdade que Dunkirk não é um filme perfeito,
sobretudo por uma opção de fundo que está longe de, aos nossos olhos, ser
inteiramente conseguida: não há silêncio nem pausas sonoras, a música de
Hans Zimmer está permanentemente presente. Sim, a presença da banda-
sonora é importante na construção da tensão. Mas há momentos (como nas
extraordinárias cenas de aviação ou na viagem do barquinho do Sr. Dawson)
onde a sua presença se torna supérflua, patuda, como se quisesse sublinhar
aquilo que não precisa de ser sublinhada, minimizando a força das imagens de

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 15


Nolan e do seu director de fotografia Hoyte van Hoytema. Dunkirk não é
apenas uma atracção de feira, e é pena que a inteligência demonstrada na sua
construção deixe aqui e ali os “fios” à vista. Mas, goste-se ou não, há que tirar
o chapéu a um realizador que não quer apenas fazer mais do mesmo, cuja
reconciliação entre a cabeça e o coração faz pensar no Metropolis de Lang e
que chega, aqui, muito mais próximo da ideia do cinema puro do que muito
autor autista celebrado pelos festivais.

Crítica | Dunkirk
Quando os soldados de Steven Spielberg vão se aproximando da praia de
Omaha em seus botes Higgins, no começo de O Resgate do Soldado Ryan, o
diretor norte-americano não esconde de seu espectador a carga dramática que
História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 16
o momento envolvia. A mão do capitão John Miller (Tom Hanks) tremula ao
pegar seu cantil e, em seguida, um de seus combatentes vomita dentro do
barco. Tudo o que Spielberg realiza depois disso, na extraordinária introdução
de seu filme, é colocado em função de reconstituir a desorientação provocada
por uma das batalhas mais sangrentas e caóticas da Segunda Grande Guerra.
Ele leva a câmera às mãos, a coloca ao nível da água, mergulha com ela e a
abaixa até a areia da praia, impedindo que o espectador veja com clareza o
que ocorre no campo de batalha. O público é imerso na guerra como nunca se
fizera antes. Não somente em seus matizes sangrentos e seus ruídos
ensurdecedores. Spielberg arrasta seu público para o caos absoluto e para a
catástrofe emocional do conflito.
É curioso pensar que Dunkirk, o mais novo longa-metragem de Christopher
Nolan, seja um dos grandes favoritos ao Oscar 2018 levando consigo
exatamente essa mesma alcunha – a de filme de imersão. Nolan não é
exatamente um diretor que eu aprecie. Toda a habilidade técnica do diretor
britânico (não há como negar sua proficiência em filmar) acaba encobrindo a
falta de empatia e de emoção em sua construção de personagens. Exceção se
faça ao Coringa, de Batman: O Cavaleiro das Trevas, mas muitos méritos
sejam dados também à atuação de Heath Ledger. A questão primordial é que
em A Origem, por exemplo, Nolan trabalha com um roteiro escrito do zero, sem
nenhuma base em uma qualquer história real preliminarmente dramática. Sua
frieza ao tratar de dramas humanos, nesse caso, impacta menos no conjunto
da obra. Já em Dunkirk, infelizmente, ele escolheu muito mal onde cometer o
mesmo erro.
Sim, é óbvio que o filme, indicado a oito estatuetas, é primoroso em todos os
quesitos técnicos. Nolan usa quase tudo o que a gramática do gênero lhe
oferece. Quando é necessário levar a câmera às mãos, ele leva. Quando é
necessário realizar travellings, fazer movimentos de grua ou spins nas
maravilhosas tomadas aéreas, ele também não economiza. Nolan fecha e abre
seus planos de forma belíssima. Não há como negar – Dunkirk é uma aula de
técnica de direção de cinema. A direção de arte, utilizando inclusive caças dos
tempos da guerra, não deixa por menos e o mesmo se pode dizer do lindo
trabalho fotográfico de Hoyte von Hoyteama. Os efeitos sonoros se somam à
trilha de Hans Zimmer para criar tensão. A música de Zimmer não cria
melodias heroicas e sim texturas, fabricadas por células que se repetem
obsessivamente e em um constante acelerando (há muitas pessoas
confundindo com o termo musical crescendo, que se refere ao aumento de
intensidade de som e não de seu andamento). Por vezes, Hans Zimmer parece
recriar sons de sirenes, motores e até hélices. Trilha e efeitos sonoros estão

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 17


sempre cruzando a fronteira que os separa, unificando o trabalho sonoplástico
do filme.
Dito tudo isso e feito o devido reconhecimento ao capricho do diretor e sua
equipe com a construção técnica do filme, é preciso que eu declare sem meias
palavras: não gosto de Dunkirk. Mais do que isso, preocupa-me sinceramente a
sua aclamação por alguns críticos baseando-se tão somente em sua
superabundância sensorial. Christopher Nolan decidiu lançá-lo nos cinemas
usando a tecnologia IMAX, com a proposta de uma imersão autêntica do
público na realidade do combate. Mas duvido muito que o resultado obtido por
ele foi realmente esse. Como pode um filme com essa pretensão ignorar
aspectos tão precípuos de uma guerra? Em primeiro lugar, todos os
personagens de Nolan no filme são genéricos e insossos, à exceção possível
do piloto da RAF interpretado por Tom Hardy. Conhecer ou não os seus nomes
é algo menor perto da lacuna que o roteiro deixa sobre suas personalidades,
histórias e motivações. O filme não se compõe de seres humanos tornados
soldados. Ele compõe-se de personagens meramente funcionais dentro de sua
mecânica indiferente aos sofrimentos humanos envolvidos.
Há quem possa argumentar que a intenção de Nolan era mesmo de apostar na
visão coletiva da guerra e no drama de toda a nação inglesa. Primeiro
problema dessa ideia: o que forma uma nação senão homens e mulheres
unidos em torno de um sentimento comum? Como se identificar com o drama
vivido pela Inglaterra nas praias de Dunquerque se não nos identificamos com
nenhum dos soldados ingleses à espera de uma salvação? Basta que sejamos
mais cuidadosos para percebermos que o próprio roteiro acusa essa carência,
já que tenta dignificar como herói de guerra o menino que sofreu um trauma na
cabeça dentro de um barco civil. O problema é que Dunkirk nega ao
personagem qualquer vestígio de historicidade e de humanidade palpável.
Como aceitá-lo como herói se seu desenvolvimento tão débil não passou nem
próximo disso? Aparecer em um jornal como herói de guerra, além de uma
contradição narrativa, acaba deixando aberta a maior ferida de Dunkirk – a
inconsistência de seu roteiro, que juramenta algo que acaba descumprindo por
necessidade óbvia.
O filme, na verdade, já se trai na primeira cena, ao iniciar a obra sob o ponto de
vista de um jovem soldado que apenas corre pelas ruas para depois ser diluído
pela indiferença do roteiro. Logo em seus primeiros minutos, a obra reconhece
que é preciso encontrar referência em algum personagem. Mas,
paradoxalmente, teima em construir seu distanciamento pré-calculado já nas
cenas seguintes. Por que, então, dar ênfase inicial àquele soldado se nada
será dito sobre ele? Tentando esconder a superficialidade do roteiro, a equipe
de edição picota a montagem em uma narrativa não linear, em que o mesmo

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 18


acontecimento é mostrado sob diferentes perspectivas. Para além de um
exercício bem executado, deveríamos nos questionar o que o filme ganha, de
fato, com essa montagem espicaçada. O que me parece é que Dunkirk utiliza o
recurso apenas para mascarar a insuficiência do roteiro, desafiando o
espectador (como em um jogo que nada tem a ver com arte) a juntar as partes
e levar como prêmio a compreensão do todo. Uma motivação, no mínimo,
questionável. Mais uma vez, Dunkirk fabrica demais e sente de menos.
Tudo é tão calculado no novo filme de Christopher Nolan que nem parece
estarmos diante de um cenário de guerra. Não se sente o drama do soldado.
Nem físico nem emocional. O britânico constrói uma guerra asséptica,
organizada e que elimina noções básicas como fome, sede, frio, dor e
desespero. Nolan quer que a Inglaterra sofra sem que sofram seus soldados.
Quer que seu país natal triunfe sem que seus soldados lutem por isso. Dunkirk,
no balanço geral, é uma superestrutura cinematográfica de esqueleto frágil.
Tantos recursos técnicos não se sustentam em bases tão pouco sólidas. Por
isso, para mim, ele é tudo, menos um filme de imersão. Afinal, no que ele nos
imerge? Em uma guerra de sensações? Quando foi que trocamos nossa
capacidade de imergir genuinamente na dor do outro por um bombardeio
sonoro o suficiente para nos fazer sentir nos ouvidos aquilo que nosso espírito
anestesiado desaprendeu a fazer?
A evacuação de Dunquerque, em 1940, foi uma operação grandiosa. Mas sua
grandeza maior é, sem dúvidas, a humana. Vida, esperança e destino, contidos
na alma de cada um dos milhares de combatentes, foram os valores
humanitários mais importantes que a Operação Dínamo resgatou naqueles
dias. O espectador percebe que essa história contém algo maior. Um sentido
maior que Christopher Nolan não foi capaz de imprimir em sua obra. Um filme
de guerra cujo impacto se esgota rapidamente após cessarem tantos sons que
nos dizem tão pouco.

Dunkirk — Reino Unido/Países Baixos/França/EUA, 2017


Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard, Lee
Armstrong, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Hardy, Jack Lowden, James

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 19


D’Arcy, Cillian Murphy, Harry Styles, Kenneth Branagh
Duração: 106 min.

Irrepreensível na forma, o filme é questionável no conteúdo. O som é um


espetáculo à parte e a direção é muito eficiente na imersão do público. Porém, falta
emoção e originalidade ao longa, que conta com personagens ocas ou
unidimensionais.

Poucos cineastas conseguem unir o grande público e a crítica de cinema.


Desde “Batman Begins”, de 2005, Christopher Nolan tem obtido êxito nessa
proeza, com obras que, se não chegam à unanimidade, arrancam elogios nos
dois segmentos. “Dunkirk” é sua nova aposta para continuar e aumentar o
sucesso.

O argumento do longa é baseado em um episódio real da Segunda Guerra


Mundial, conhecido como “Operação Dínamo”, quando tropas aliadas,
encurraladas na praia de Dunquerque, foram evacuadas via mar, sob cobertura
aérea e terrestre. Dividindo a narrativa e o vasto elenco em três, o filme se
desenvolve como um retrato do evento histórico.

Trata-se de uma obra autoral de Nolan, sua primeira totalmente baseada em


fatos reais. Do ponto de vista exclusivamente técnico, provavelmente seja o seu
melhor filme na direção: apesar da tendência “spielbergiana” e da fotografia
aquém do potencial, é notório o esmero em cada plano, com uma precisão
cirúrgica. Nada fora do lugar, como o plano em que são comparadas duas
embarcações de tamanhos bem distintos. Por sua vez, o som é um espetáculo
à parte, com um resultado sublime. A mixagem é impressionante ao permitir que
o espectador possa distinguir tantos ruídos – afinal, o ambiente é bélico. Porém,
é a edição de som que assume o protagonismo: o realismo é fenomenal, sendo
ímpar a verossimilhança da maresia, dos tiros e dos aviões, dentre outros. Sem
contar a trilha sonora de Hans Zimmer, que dispensa elogios.

O grande trunfo de Nolan aqui é a eficientíssima imersão do público.


Evidentemente, sendo real a premissa, isso fica mais fácil; todavia, o mérito

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 20


reside na construção da atmosfera de guerra, colocando o espectador como
mais uma pessoa encurralada, como as personagens da trama estão. Por
exemplo, quando um corpo é carregado na areia, a câmera balança; quando ele
chega a uma superfície mais estável, ela fica fixa – exatamente como se o
público estivesse junto à ação. A partir do prólogo sem falas, mas que acelera
com (e como) as batidas de um coração (que inclusive se ouve), o diretor abre a
porta para uma experiência imersiva estonteante.

“Dunkirk”, contudo, não é impecável graças ao próprio Nolan – como diretor e


como roteirista. O filme tem um elenco extenso, mas com muitos nomes
subaproveitados e desperdiçados, como Tom Hardy (de “O Regresso”), Mark
Rylance (de “Ponte dos Espiões”) e Cillian Murphy (de “No Coração do Mar”).
Enquanto isso, nomes pouco ou nada conhecidos receberam maior espaço – no
geral, sem comprometer. Exceção é Kenneth Branagh (de “Cinderela”), ator
consagrado que brilha com o pouco material que tem. Ainda assim, o roteiro é
um descalabro na construção das personagens, moldando personalidades ocas
ou unidimensionais, sobre quem pouco se sabe e com quem pouco se importa.
Assim, a possibilidade de algumas personagens morrerem se torna indiferente e
surgem suaves incoerências – como a conduta de Peter (Tom Glynn-Carney,
estreante no cinema) na segunda metade.

O problema de lidar com tantos personagens consiste em duas faces da mesma


moeda: não dar o mesmo espaço a todos, verticalizando uns em detrimento de
outros. O texto não faz isso, na verdade, não verticaliza praticamente em
personagem nenhuma, tornando-se superficial nessa perspectiva – são muitas
personagens, muitas delas sem nome e sem histórico algum. Mesmo
considerando a proposta de retratar um evento histórico, é necessário dar
dramaticidade a ele, caso contrário, o gênero do filme deveria ser o
documentário. Como se importar com Farrier (Tom Hardy) sem saber quem ele
é? Como torcer por Dawson (Mark Rylance) sem saber nada além do seu
altruísmo? Trata-se, pois, de um filme sem emoção, ainda que muitíssimo bem
produzido. Ainda, em termos de trama, o roteiro se resume a uma narrativa de
heróis e covardes, o que é ínsito a quase qualquer filme de guerra – ou seja,
o plot não é muito original.
História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 21
Ora, fazer um drama de guerra com emoção Roman Polanski já conseguiu com
“O Pianista” – e emoção Nolan já colocou em obra pretérita (vide “Interestelar”).
Dramas de guerra originais também existem vários, como o recente “Até o
Último Homem”, de Mel Gibson – e de originalidade Nolan também entende
(vide “A Origem”). Portanto, apesar da obra ser irrepreensível na forma, é
questionável em seu conteúdo quando se percebe o vazio de emoção. Existe
no script, há que se mencionar, um dilema moral: vale a pena o sacrifício de
uma pessoa para que um grupo inteiro se salve? A ideia é semelhante ao
desafio proposto pelo Coringa em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, para os
cidadãos de Gotham explodirem o navio dos criminosos e se salvarem, ou o
contrário. É uma maior profundidade no roteiro, sem dúvida. Mas Christopher
Nolan pode mais. Ele ainda não atingiu o seu máximo.

DUNKIRK (2017)
Dunkirk - Christopher Nolan
Na Operação Dínamo, mais conhecida como a Evacuação de Dunquerque,
soldados aliados da Bélgica, do Império Britânico e da França são rodeados
pelo exército alemão e devem ser resgatados durante uma feroz batalha no
início da Segunda Guerra Mundial. A história acompanha três momentos
distintos: uma hora de confronto no céu, onde o piloto Farrier (Tom Hardy)
precisa destruir um avião inimigo, um dia inteiro em alto mar, onde o civil
britânico Dawson (Mark Rylance) leva seu barco de passeio para ajudar a
resgatar o exército de seu país, e uma semana na praia, onde o jovem soldado
Tommy (Fionn Whitehead) busca escapar a qualquer preço.
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Fionn Whitehead, Tom Glynn-Carney, Jack Lowden, Harry Styles,
Aneurin Barnard, James D'Arcy, Barry Keoghan, Kenneth Branagh, Cillian
Murphy, Mark Rylance, Tom Hardy, Michael Caine, Billy Howle, Bobby
Lockwood, Miranda Nolan, Kevin Guthrie, Brian Vernel, Elliott Tittensor,
Matthew Marsh, Jochum ten Haaf

Dunkirk”: derrota e salvação nas areias de França

★★★★★20/7/2017, 6:30248

Christopher Nolan recria a dramática evacuação das tropas britânicas de


Dunquerque na II Guerra Mundial, num filme de larga escala, mas soturno e
descritivo. Eurico de Barros dá-lhe três estrelas.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 22


Em 1958, estreou-se nos cinemas “A Epopeia de Dunquerque”, do inglês Leslie
Norman. A fita centra-se no cabo “Tubby” Binns (John Mills), que depois
da morte do oficial que comanda os restos do seu pelotão, consegue
guiar os seus homens até às areias de Dunquerque, para serem
evacuados numa embarcação civil. “A Epopeia de Dunquerque” celebra a
coragem, a determinação e a capacidade de sacrifício do soldado
britânico comum, bem como dos civis que se meteram nos seus barcos
para irem a França salvar os militares encurralados nas praias pelo
avanço alemão. O tom do filme é heróico e patriótico, e a derrota esmagadora
e humilhante sofrida pelo Corpo Expedicionário Britânico nesse final de
Primavera de 1940, é transformada numa vitória moral e da vontade, que
reforça a unidade nacional.

[Veja o “trailer” de “A Epopeia de Dunquerque”, de 1958]

Não podia ser maior o contraste de “A Epopeia de Dunquerque” com


“Dunkirk”, o novo filme de Christopher Nolan (“O Cavaleiro das Trevas”,
“Interstellar”) que trata o mesmo tema: a Operação Dínamo, que consistiu
na evacuação de cerca de 340 mil militares britânicos e franceses dos
areais de Dunquerque entre finais de Maio e início de Junho, por navios
da Marinha e barcos de pesca e de recreio (o chamado “Milagre de
Dunquerque”), depois de Hitler ter dado ordem de paragem às tropas alemãs,
por desejar ainda negociar a paz com a Grá-Bretanha. A escala visual de
“Dunkirk” é larga mas o tom é soturno, a contextualização é mínima, a
recriação dos acontecimentos é realista, descritiva e pouco edificante ( “salve-
se quem puder!” é o sentimento dominante entre os soldados, que não recuam
em roubar a identidade uns dos outros ou virar as armas contra os camaradas),
e os actos heróicos são circunstanciais ou espontâneos.

[Veja o “trailer” de “Dunkirk”]

Em vez de eleger uma personagem-pivô, como a de John Mills em “A Epopeia


de Dunquerque”, Nolan, também autor do argumento, optou por uma
personagem “colectiva”, a mole de soldados que se aglomeram na praia à
espera da salvação, usando o soldado Tommy (o estreante Fionn Whitehead)
como fio condutor e dividindo-se por três perspectivas complementares, em
montagem paralela. A terrestre, com as situações na praia; a marítima, com as
sequências passadas na água e nos barcos, em especial o da personagem de
Mark Rylance; e a aérea, dos Spitfires, como o pilotado pela personagem de
Tom Hardy. Os alemães praticamente não aparecem, nem há as habituais
sequências-cliché nas salas de comando amiga e inimiga na rectaguarda,
estando o “stiff upper lipp” a cargo do oficial de Marinha de Kenneth
Branagh. O sentimentalismo patriótico e o “gore” de combate à Spielberg
de “O Resgate do Soldado Ryan” metem folga.

Evacuação de Dunkirk, Operação Dynamo ou o Milagre de Dunkirk. Vários


são os nomes dados à batalha, que aconteceu em 1940, durante a
Segunda Guerra Mundial, e que agora salta para as sala de cinema.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 23


Eram mais de 300 mil os soldados que foram cercados pelo exército nazi, em
plena praia, de costas para o mar, com uma fuga impossível de calcular. Foi
pelo mar que foram resgatados, mas foi pelo ar que os ataques chegaram.
E foi na terra que o desespero tomou conta dos soldados que temiam pela
própria vida durante nove intermináveis dias.

É esta a história de “Dunkirk”. O lado verídico de um filme que chega aos


cinemas pelas mãos de um dos mais aplaudidos realizadores do mundo –
Christopher Nolan – e com um elenco de renome, que fazem com que seja
apontado como um dos filmes do ano.

A história é contada a partir de três pontos de vista diferentes. Na perspetiva


dos pilotos, é Tom Hardy que assume a liderança, da infantaria na praia
é Fionn Whitehead juntamente com Harry Styles – sim, o ex One Direction,
e pela marinha são os atores Mark Rylance e Cillian Murphy que assumem
o relato.

O realizador, responsável por sucessos como a trilogia “Batman”, “A


Origem” e “Interstellar”, foi beber inspiração ao cinema mudo, tendo optado
por fazer um filme de parcas falas. Mas de grandiosos cenários: a Warner Bros
comprou um antigo navio militar da marinha francesa e um avião alemão da
Segunda Guerra Mundial – que o realizador fez explodir durante as gravações.
A crítica tem aplaudido de forma unânime este filme, que já está apontado
como favorito para a corrida aos Óscares. Precisa de mais razões para ver
“Dunkirk”?

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 24


Batalha de Dunquerque
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Batalha de Dunquerque

Segunda Guerra Mundial

Data 26 de Maio de 1940–4 de Junho de 1940

Local Dunquerque, França

Desfecho Vitória Alemã; os Aliados se retiram da França


(Operação Dínamo)

Beligerantes

Reino Unido Alemanha Nazista

 Canadá
França
Bélgica
Países Baixos

Comandantes

Lord Gort Gerd von


Maxime Weygand Rundstedt(Grupo de
Exércitos A)
Georges Blanchard
Ewald von
René Prioux Kleist(Panzergruppe von
Jean-Marie Charles Kleist)
Abrial

Forças

~ 400 000 soldados ~ 800 000 soldados


(338 226 evacuados)

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 25


Baixas

 Britânicos: 20 000 – 30 000 mortos ou


68 111 mortos, feridos feridos
ou capturados 100 tanques perdidos
63 879 veículos 132 aeronaves perdidas
perdidos
2 472 canhões e
morteiros perdidos
6 contratorpedeiros
afundados
200 navios perdidos
+ 100 aeronaves
abatidas[1][2]
 França:
Número de mortos ou
feridos desconhecidos
(presume-se bem alto)
48 000 capturados
3 contratorpedeiros
afundados[3][4]

~ 1 000 civis mortos

Militares britânicos sendo resgatados por um barco pesqueiro após seu navio ter sido atacado nas
cercanias de Dunquerque.

A Batalha de Dunquerque (Francês: Bataille de Dunkerque) foi uma batalha durante


a Segunda Guerra Mundial que durou de 25 de Maio a 4 de Junho de 1940. Uma enorme
força britânica e francesa ficou encurralada por uma divisão panzer alemã a norte
da França e entre o canal costeiro de Calais. Mais de 300 000 soldados aliados foram
evacuados por via marítima.[5]

Índice
[esconder]

 1História
 2Operação Dynamo
 3Referências
 4Ver também

História[editar | editar código-fonte]


Após a Guerra de Mentira, a Batalha de França começou a 11 de Maio de 1940. As
divisões alemãs blindadas avançaram rapidamente através da região
das Ardenas movendo-se para norte. A leste as forças de infantaria alemãs invadiram e

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 26


conquistaram os Países Baixos e avançaram rapidamente através da Bélgica, ficando as
forças combinadas britânicas, francesas e belgas dividas em Armentières. As forças
alemãs moveram-se então para norte para capturar Calais, cercando um grande número
de soldados aliados contra a costa na fronteira franco-belga. Tornou-se de imediato claro
para os britânicos que a batalha tinha sido perdida e que a pergunta agora era quantos
soldados aliados podiam ser removidos num modo relativamente seguro para
a Inglaterra antes da sua resistência a ser quebrada.

Operação Dynamo[editar | editar código-fonte]


Ver artigo principal: Operação Dynamo
A 22 de Maio começaram as preparações para a evacuação, com o nome de
código Operação Dynamo, comandada a partir de Dover, pelo vice-almirante Bertram
Ramsay. A intenção inicial era evacuar até cerca de 45 000 homens da Força
Expedicionária Britânica em dois dias, mas em breve o objetivo foi alterado para resgatar
120 000 homens em cinco dias.
A 28 de Maio, além das embarcações para ajudar na operação, foram chamados mais dez
contratorpedeiros, que tentaram naquela manhã uma nova operação de resgate. Vários
milhares acabaram por ser resgatados, embora os contratorpedeiros não pudessem se
aproximar da praia.
Outras operações de resgate no resto do dia 28 tiveram mais sucesso, tendo sido
resgatados mais 16 000 homens, mas as operações aéreas alemãs aumentaram e várias
embarcações foram afundadas ou bastante danificadas, incluindo nove contratorpedeiros.
Durante a Operação Dynamo, a RAF perdeu 177 aviões e a Luftwaffe 132 sobre
Dunquerque.
A 29 de Maio a divisão panzer alemã que se aproximava parou em Dunquerque, deixando
assim o resto da batalha para a infantaria e a força aérea. Na tarde do dia 30 um outro
grande grupo de embarcações menores conseguiu resgatar 30 000 homens. No dia 31 de
Maio as forças aliadas estavam encurraladas num espaço de 5 km de De Panne, Bray-
Dunes a Dunquerque; nesse dia, mais de 68 000 soldados foram evacuados e outros
10 000 durante a noite. A 1 de Junho mais 65 000 foram resgatados e as operações
continuaram até 4 de Junho.
Um total de cinco nações fizeram parte da evacuação de Dunquerque - Grã-Bretanha,
França, Bélgica, Países Baixos e Polónia.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 27


Dunkirk: tudo o que você precisa
saber sobre a história real que
originou o filme
Produção sobre a Segunda Guerra Mundial dura menos de duas
horas. A heroica missão de resgate durou dias

00COMENTE! [2]
O segundo-tenente britânico P. D. Elliman havia escapado da
investida alemã em meio à chuva intensa. Ele e seus homens da
Artilharia Real haviam fugido de um caminhão que eles foram forçados
a abandonar. Agora, na noite de 29 de maio de 1940, eles se
encontravam presos com milhares de outros soldados na praia na
cidade costeira de Dunkirk, no norte da França.
Nunca foi tão importante estar bem informado.Sua assinatura financia o bom
jornalismo.
EXPERIMENTE POR R$ 0,99 NO 1º MÊS

Vídeo: Veja o trailer do filme

A vinda fumaça dos tanques de óleo incendiados acumulava-se sobre


a cidade. E bombardeiros “Stuka” alemães, equipados com sirenes
horrendas, atacavam de cima “como um bando de enormes e infernais
gaivotas”, Elliman escreveria mais tarde.

De repente, um deles atingiu o local em que ele e seus homens se


escondiam.
“Eu o ouvi caindo em um mergulho vertical em cima de mim”,
ele escreveu, de acordo com o historiador Hugh Sebag-
Montefiore. “Eu estava agora entorpecido por conta de horas . .
. de explosões . . . então a iminência da morte não me causou
um grande sentimento de medo . . . o momento seguinte: Um
História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 28
choque! Escuridão! E então a visão de areia caindo . . . eu
percebi que não haviam me atingido. . . eu podia ouvir o avião
sobrevoando Dunkirk”.

O drama da Segunda Guerra mostrado em Dunkirk – raramente


lembrado pela maior parte dos americanos – é o assunto do novo
filme de mesmo nome que está sendo lançado nesta sexta-feira (28).
O projeto do diretor britânico Christopher Nolan busca resumir os oito
dias de tragédia, desespero e heroísmo em 107 frenéticos minutos.

Os Estados Unidos, que levariam mais um ano e meio até finalmente


entrarem na Guerra, assistiram à calamidade de Dunkirk à distância.
Para os americanos, Pearl Harbor, Iwo Jima e o Dia-D se tornariam os
eventos mais memoráveis da guerra.

Mas na Grã-Bretanha, o evento ainda ressoa poderosamente.

“Ele mostrou a nação em sua melhor forma”, Sebag-Montefiore


escreveu.
“Muitas pessoas de diferentes estratos sociais se juntaram para
mostrar o famoso espírito capaz de realizar qualquer coisa.
Praticamente toda família britânica ou tem ou tinha um familiar
ou conhecido que esteve lá”.

Dunkirk foi o local de evacuação de 338 mil tropas britânicas e francesas


que haviam escapado do exército alemão quando este atacou a Bélgica e a
França nos primeiros meses da Segunda Guerra. Os desgastados
soldados aliados foram empurrados a um canto estreito à beira-mar
onde eles haviam sido bombardeados e encurralados, esperando
aniquilação.

A Grã-Bretanha esperava que apenas 30 mil fossem salvos.

Ao invés disso, de 26 de maio até 3 de junho, uma quantidade muito


maior foi resgatada por 800 navios de guerra, cruzeiros, botes salva-
vidas, rebocadores, barcos pesqueiros, a vapor, de bombeiros e ainda um

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 29


navio draga do rio Tâmisa, que os levaram em segurança através do
Canal da Mancha.
Em um caso, brevemente representado no filme, um pai e filho
navegaram em seu iate desde Southampton até Dunkirk para ajudar na
tarefa, conforme o historiador marítimo britânico E. Keble Chatterton.

Mas os navios também desafiaram ataques aéreos, assim como fogo


de artilharia vindos das margens, além de torpedos, minas, marés
traiçoeiras e o clima.

Muitos deles, incluindo um navio-hospital cujo desaparecimento é


mostrado no filme, nunca retornaram. Vinte e cinco navios destroieres
da Marinha Real, juntamente com cerca de 150 outras embarcações,
foram perdidos ou danificados, segundo o livro de Sebag-Montefiore,
“Dunkirk: Fight to the Last Man” (“Dunkirk: Luta até o último homem”,
em tradução livre, sem edição em português).

“Foi em condições como essas que nossos homens resistiram”, disse


o primeiro-Ministro britânico Winston Churchill à Câmara dos Comuns
em 4 de junho de 1940, quatro semanas após assumir o posto.
“Com pouco ou nenhum descanso, por dias e noites sem fim . .
. em meio a águas perigosas, sempre trazendo consigo
aqueles que haviam resgatado”.

O lamento foi que “tantas das pequenas embarcações, que


desapareceram na bruma de Dunkirk, não deixaram para trás
vestígios e jamais receberão os agradecimentos por seus feitos”,
escreveu Chatterton em 1940 em seu livro “The Epic of Dunkirk” (“O
épico de Dunkirk”, em tradução livre, sem edição em português).

Assim que a Grã-Bretanha percebeu a magnitude das vitórias do


exército alemão em maio de 1940, convocou e requisitou barcos de
todos os tipos para auxiliarem na evacuação. Como muitos soldados
estavam reunidos na praia, barcos para águas rasas eram

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 30


necessários, juntamente com barcos a vapor maiores que poderiam
carregar mais homens.

Frequentemente, as embarcações maiores aguardavam em um local


de águas mais profundas enquanto barcas e barcos a remo buscavam
os soldados na praia.

Embarcações como o Constant Nymph, um iate a motor que pertencia


a um médico londrino, cumpriram tal jornada, assim como o Royal
Daffodil, um barco de lazer novo, e um elegante barco a vapor, o
Crested Eagle, cujos restos ainda estão espalhados pela praia de
Dunkirk.

O rebocador St. Abbs foi e nunca voltou. O navio-hospital Paris, de


triste destino, fez seis viagens e foi bombardeado e metralhado em sua
última. O barco a vapor St. Seiriol fez sete viagens, sobreviveu a
inúmeros ataques aéreos e resgatou 900 homens. Em meio a tudo
isso, o esforço era imenso e em um certo ponto um médico militar
simplesmente enviou o capitão e sua tripulação para descansarem em
casa. A partir daí, outra tripulação assumiu o posto.

O major Rupert Colvin, da 2ª Guarda dos Granadeiros, e seus


homens, foram levados por uma lancha que estava a rebocar alguns
botes salva-vidas. Eles partiram em direção a um destroier britânico,
provavelmente o HMS Keith. Ao se aproximarem da embarcação,
porém, esta foi atacada por aviões inimigos e escapou assim que seus
homens abandonaram o navio, segundo Sebag-Montefiore.

Colvin, juntamente com os sobreviventes do HMS Keith e de um navio


varredor de minas naufragado, foram levados a bordo do St. Abbs. “A
maior parte deles estava praticamente morto por conta do frio” e
cobertos de óleo, Colvin recordou. Um homem usava um colete salva-
vidas mas havia perdido parte de seus dois braços, abaixo do
cotovelo.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 31


Então o St. Abbs foi atacado por aviões alemães. O rebocador foi
partido ao meio e naufragou em 45 segundos de batalha. Colvin estava
jogado novamente ao mar.
“Homens estavam agora morrendo a todo momento de cãibras
e seus pedidos de ajuda eram patéticos”, ele escreveu. “Foi a
segunda vez naquele dia que muitos daqueles marinheiros
haviam enfrentado o afogamento. Nós todos estávamos muito
próximos do fim de nossa corrente”.

Ele foi, a certa altura, resgatado por outro navio e atacado novamente,
mas conseguiu sobreviver.

O Crested Eagle foi “um dos cascos mais bonitos já utilizados no


Tâmisa”, escreveu Chatterton. No entanto, o barco a vapor explodiu
em chamas quando foi atingido.

“Muitos homens foram vistos pulando ao mar e quando ele atingiu a


praia era apenas uma massa de calor escaldante que nada nem
ninguém tinha o poder de apagar”, ele escreveu. “Os londrinos não
perdoarão facilmente os nazistas por terem destruído o Crested
Eagle”.

Dunkirk, a evacuação, foi encerrada, assim como “Dunkirk”, o filme,


com as palavras de Churchill.
“Nós iremos até o fim”, ele disse. “Nós defenderemos nossa
ilha a todo custo. Nós lutaremos nas praias . . . nós lutaremos
nos campos e nas ruas. Nós lutaremos nas colinas. Nós jamais
nos renderemos”.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 32


O que é Dunkirk? Aliás, Dunkirk ou Dunquerque?
Dunquerque (Dunkerque, em francês) é uma cidade portuária na França, na
fronteira com a Bélgica. Ela foi palco da célebre Batalha de Dunquerque, em
maio de 1940, no começo da Segunda Guerra. Dunkirk é o nome em inglês da
cidade e do filme homônimo, que chegou ao Brasil nesta quinta (27/7) com o
nome original. Dirigido por Christopher Nolan (trilogia Batman, Interestelar,
A Origem, Amnésia, Insônia – o famoso CV de tirar onda), o filme recebeu
uma avalanche de resenhas positivas da crítica. Mas, como quase sempre em
longas históricos (ainda mais quando o assunto é guerra), ele também tem
gerado polêmica (mais sobre isso adiante).
(Reprodução/Reprodução)

Como estava a Segunda Guerra Mundial na época?


Não tinha lá tanto assim de “Mundial”. O Japão estava em guerra com a
China. A União Soviética de Stálin estava ocupada invadindo Romênia,
Finlândia, os países bálticos e a Polônia. Os Estados Unidos assistiam de
longe. Mas a encrenca já estava desenhada. Nos anos anteriores, o ditador
alemão, Adolf Hitler, empreendeu uma política expansionista ao mesmo
tempo em que investia pesado nas Forças Armadas. Estabeleceu uma parceria
com a Itália de Mussolini em 1936 e anexou a Áustria e a Tchecoslováquia em
1938. As potências europeias não queriam se meter, ainda traumatizadas pelo
colossal banho de sangue da Primeira Guerra, apenas 20 anos antes. Mas,
quando Hitler invadiu a Polônia em 1939, ingleses e franceses interpretaram
que, se não fizessem nada, a Europa inteira poderia cair. Em setembro,
declararam guerra. Mas não houve confronto direto até maio de 1940. Foi a
chamada Guerra de Mentira. Mas “de mentira” do ponto de vista das
potências, como sempre. Porque já tinha guerra,sim, e os nazistas invadiram
mais dois países, Dinamarca e Noruega.
Até que, em maio de 1940, a blitzkrieg mudou a direção do alvo: Torre Eiffel.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 33


Blitzkrieg?
É o nome do estilo de guerra que fez a fama dos nazistas. O termo, em
alemão, significa “guerra relâmpago”. E como foi. Os nazistas agora
avançaram rumo a oeste, em direção à França. Em cinco dias, conquistaram a
Holanda. Os belgas, apesar de não terem muita chance, lutaram até o fim por
18 dias, quando também capitularam. Franceses e ingleses estavam cada vez
mais acuados, nos arredores de Dunquerque. Não havia muita esperança. Mas,
em um mistério ainda aberto para os historiadores, Hitler aprovou uma ordem
de parada. Podia ser um desejo de preservar as tropas para a invasão de Paris,
chegar a um acordo com os ingleses ou apenas mais uma presepada
estratégica. Por alguns dias, as divisões Panzer não avançaram, após uma
sequência de vitórias fulminantes. Hitler era imparável. Mas resolveu parar.
Se as motivações políticas e das lideranças militares são nebulosas, as da linha
de frente, de quem estava à vista da areia, da lama e do sangue, nem tanto. No
dia 21 de maio, nos arredores da cidade francesa de Arras, tanques e infantaria
da Força Expedicionária Britânica realizaram um contra-ataque surpresa que
atordoou os nazis e confundiu ninguém menos do que aquele que se tornaria
uma das lendas da Segunda Guerra, o general Erwin Rommel. Ele disse ao
marechal-de-campo Gerd von Rundstedt que sua 7ª Divisão Panzer havia sido
atacada por centenas de tanques inimigos. Na verdade eram 74, e a maioria
velhos e frágeis perante às máquinas alemãs.
O combate abalou o psicológico deles, e o marechal ordenou uma parada para
respirar, com o consentimento do Führer. No dia seguinte, outro general
alertou que os tanques estavam se deslocando rápido demais, deixando a
infantaria para trás e desprotegida. Mais uma vez, o marechal mandou
parar. Eles só retomariam o avanço em 26 de maio, para retomar o ritmo
e tomar a França de vez. Em 14 de junho, Paris caiu, apenas 18 dias após
Dunquerque.
Mas aquelas 36 horas de tropas paradas foram a salvação dos Aliados. Vai ver
é por isso que blitzkrieg é punk rock, e não Mocidade ou Anitta para ter
“paradinha”.
Rommel (centro) no front ocidental, em 1940, cercado de oficiais e tanques
Panzer (Reprodução/Reprodução)

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 34


Mas o filme tem um monte de aviões. Cadê eles?
Logo no dia 26, os alemães perceberam a movimentação de navios de guerra e
de transporte ingleses para evacuarem as tropas. Hitler se reuniu com os
comandantes-chefe do exército e aprovou uma ofensiva. Três horas e meia
depois, às 19h, o almirantado em Londres ordenou o início da Operação
Dínamo, que deveria evacuar o máximo de homens possível de Dunquerque.
A ideia era que em dois dias, no máximo, daria para salvar 45 mil pessoas. Aí
entra em cena o combate aéreo. Aviões nazistas tentam impedir o trabalho na
costa, enquanto pilotos britânicos, canadenses e poloneses lutaram para
manter o céu desimpedido, explica o historiador Martin Gilbert no livro A
Segunda Guerra Mundial. Entre 25 de maio e 5 de junho, 394 aviões alemães
caíram, contra 114. Foi a primeira vitória relevante da Força Aérea Aliada.
Houve também combates de retaguarda no solo, para proteger o perímetro da
zona de evacuação. As tropas que combatiam na vizinha Calais receberam um
telegrama informando que não seriam evacuadas dali, e que cada hora a mais
de resistência ajudaria o plano de Dunquerque. Os alemães capturaram 40 mil
soldados franceses e 40 mil ingleses. Alguns foram executados, e a outros
sobraram apenas maus tratos, água contaminada e comida podre. “O sacrifício
deles foi a salvação da nação britânica. Mas esses soldados foram
esquecidos”, escreve Sean Longden em Dunkirk: The Men They Left
Behind (sem edição no Brasil). “Enquanto aqueles que escaparam e
conseguiram chegar em casa foram recebidos como heróis.”
Os nazistas cometeram atrocidades como enfileirar e metralhar soldados que
se renderam e explodir prisioneiros de guerra com granadas. Muitas delas
contra os franceses, que perderam 24 divisões de infantaria entre a invasão e a
evacuação.

Como foi a evacuação?


Como a praia era rasa, grandes navios não tinham como se aproximar. Então,
às 222 embarcações de guerra envolvidas na operação juntaram-se 665 barcos
civis. Centenas de navios mercantes, corvetas, navios de transporte e, mais
incrível ainda, rebocadores, navios costeiros, embarcações fluviais, salva-
vidas, barcos de pesca e outras embarcações pequenas entraram no esquema.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 35


Houve confrontos desiguais, como um vapor de rodas que transportava 600
soldados e só tinha uma peça de artilharia antiaérea que foi atacado por 12
bombardeiros de mergulho.
Mas, no fim, o “milagre de Dunquerque” aconteceu: 338.226 homens foram
salvos, mais de sete vezes mais o que se almejava. Desses, 80 mil em barcos
civis pequenos, transportados em grupos de seis a 200 pessoas.
Avião inglês de reconhecimento sobrevoa Dunquerque durante a evacuação (Royal Air Force
official photographer/Divulgação)

Quem se salvou?
Além dos mais de 300 mil que conseguiram ser retirados, quem se salvou foi a
própria Inglaterra. As Forças Armadas do país sentiram a surra que levaram
no continente e começaram a se modernizar. E, especialmente, quem se safou
foi o primeiro-ministro, Winston Churchill, que tomou posse apenas 12 dias
antes da parada alemã. Não fosse Dunquerque, ele poderia muito bem ser
deposto após o fiasco na França e substituído por alguém disposto a entrar
em acordo com Hitler, sugerem alguns historiadores.
”Guerras não são vencidas com evacuações”, ele disse. Mas, malandramente,
transformou aquela derrota em vitória na base do gogó. Exaltou a atitude dos
civis e a bravura das tropas, lançando a base do chamado “espírito de
Dunquerque”. Em seguida, substituiu os equipamentos perdidos e se
aproximou do presidente americano, Franklin D. Roosevelt. Em julho, quando
os nazistas iniciaram os bombardeios na Inglaterra, Churchill ajudou o país
a se preparar psicologicamente para resistir aos três meses de cerco.

O filme é fiel à história?


Sim, mas até certo ponto. Todos os personagens são fictícios – o que é uma
escolha dos roteiristas, beleza. Mas navios e aviões de verdade, da época,
foram usados, o que já chama atenção em tempos de tanta computação gráfica
nos filmes. Há alguns erros técnicos, que podem irritar os nerds de guerra
mais radicais, e o próprio Nolan, em coletivas de imprensa, já alertou. Por
exemplo, os Messerschmitt Bf 109 alemães que enfrentam os Spitfire ingleses

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 36


têm narizes amarelos, mas essa pintura só surgiria depois de Dunquerque. O
diretor explicou que isso serve para o público distinguir mais facilmente quem
é quem nas batalhas frenéticas no ar. Além disso, o destróier britânico usado
no filme é, na verdade, francês, maior e mais longo. Nolan preferiu filmar
com um navio de verdade em água de verdade em vez de criar um modelo
“perfeito” em computador. Aí vai da sua preferência. Se prefere ver algo
mais fiel e não liga de ser digital, talvez seja melhor ficar em casa e jogar
videogame (como será a volta de Call of Duty à Segunda Guerra, aliás?).
Mas o que pesa mais é o mesmo que Churchill e os ingleses fizeram em 1940:
menosprezar a luta dos outros países. O filme dividiu opiniões na França por
não dar, supostamente, crédito suficiente ao exército do país , que lutou lado
a lado e se sacrificou para salvar aqueles que foram evacuados – dos 330 mil,
cerca de 120 mil eram franceses, e esses são, segundo os críticos, pouco
representados no filme. Além disso, muitos barcos civis da Bélgica e da
Holanda, países já rendidos aos nazistas, se arriscaram e salvaram milhares de
soldados na travessia. Fora os pilotos de outras nacionalidades, já
mencionados. O “espírito Dunquerque” virou o “espírito Brexit”,
espinafraram.
No Reino Unido, historiadores e jornalistas de guerra relativizaram. Disseram
que é um ponto de vista histórico e que, “se Steven Spielberg pode fazer
filmes de guerra ridiculamente americanos”, Christopher Nolan, tão
inglês que nasceu na cidade de Westminster, pode fazer os seus
“ridiculamente britânicos. Se os franceses quiserem, que façam seus
próprios filmes”.
Enquanto isso, os russos fizeram pouco caso. Um crítico da revista de
cultura Mirf escreveu: “Apesar das belas palavras sobre ‘eventos que
mudaram o mundo’, Dunquerque não é uma página gloriosa da história”.
E o perfil oficial da embaixada russa em Londres entrou em uma discussão no
Twitter após fazer pouco da batalha: “Dunquerque foi causada pelo
apaziguamento. A Guerra de Mentira estava em seu último estágio”.
Só por essas reações – e esta aqui abaixo – já vale a pena ver.
Soldados comemoram a sobrevivência. Cena do filme "Divide and Conquer (Why We Fight #3)", de
Frank Capra (Frank Capra/Reprodução)

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 37


ARTIGO | A HISTÓRIA REAL DE DUNKIRK

Ao caminhar pelas ruínas do Forum em Roma, observar o imponente Arco do Triunfo em Paris, ou
mesmo ao passear pelas antigas ruas do Centro Histórico de Ouro Preto, é quase impossível não se
sentir admirado e assombrado pelo peso da História que lugares tais como estes carregam.
Infelizmente, por conta da sangrenta história da Europa, em muitos destes lugares marcantes o peso
é devido às marcas da guerra – morte, sangue, sacrifício e horror. Nossas mentes estão repletas de
imagens da Segunda Guerra Mundial. Devido ao escopo e escala deste horrendo conflito, os filmes,
livros, fotos e reportagens frequentemente nos lembram de épicas batalhas deste conflito,
especialmente das atuações dos EUA nos Teatros da Europa Ocidental e do Pacífico.

No entanto, se caminhássemos pelas pálidas e plácidas praias de Dunquerque, é possível que


passássemos despercebidos do peso da História que este lugar carrega. Talvez por se passar no
período anterior à entrada dos americanos no conflito e por não ser a típica história de guerra – uma
desesperada evacuação em vez de uma corajosa ofensiva – o milagre de Dunquerque (como ficou
conhecido o evento) é um dos mais marcantes e importantes eventos da Segunda Guerra Mundial.
Fosse seu resultado diferente do que ocorreu, certamente estaríamos hoje num mundo bem diferente.
Motivados pela estreia de Dunkirk, novo filme do bem-sucedido diretor Christopher Nolan que
vem recebendo inúmeros elogios da crítica e promete dar uma nova visão à pouco explorada história
das areias de Dunquerque, nós do Bastidores decidimos mergulhar na história desse capítulo da
Última Grande Guerra.

CONTEXTO HISTÓRICO
Após anos de tensão e de construir uma ideologia baseada no ódio revanchista, Hitler está preparado.
Magistralmente, fez tudo ao seu alcance para contaminar o povo alemão com suas ideias distorcidas
e levantou moral, financeira e militarmente uma nova sociedade, um novo paradigma de Alemanha
que chama de Terceiro Reich. Suas ultimas ações lançaram a Europa à beira do abismo da guerra
inevitável. Inglaterra e França assistiram impassíveis a anexação da Áustria e dos Sudetos, na
esperança de evitar o pior. Mas quando Hitler audaciosamente invade a Polônia em 1939, não há
mais escapatória, fica evidente que o Terceiro Reich só vai parar quando consumir toda a Europa
Ocidental. A Europa está mais uma vez em guerra.
No entanto, mesmo após a declaração de guerra da França e Inglaterra, nada acontece. Durante quase
um ano, entre 1939 e 1940, a guerra estava lá, mas não havia combate, estávamos no que mais tarde

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 38


ficou conhecida como “Guerra de Mentira”. Numa atrasada e irresponsável ilusão, os Aliados
aguardavam atrás do que julgavam ser um escudo impenetrável – a Linha Maginot – de fato uma
defesa formidável, mas contra exércitos do Séc. XIX. Esperando uma nova invasão pela Bélgica à
maneira da Primeira Guerra, as Forças Expedicionárias Britânicas (BEF), o Exército Francês e
forças aliadas de Canadá, Bélgica e outros países ficaram chocadas quando Hitler invade pelo sul.
No antebellum, os estudiosos e inventivos generais alemães desenvolveram um novo paradigma de
Guerra, a Blitzkreig. E Hitler decidiu empregar este método nos insuspeitos Aliados, quebrando
qualquer resistência debaixo das esteiras de suas divisões mecanizadas Panzer. Quando Churchill
substitui o inepto Chamberlain como Primeiro Ministro da Inglaterra, em 10 de Maio de 1940, o
cenário já é catastrófico. Os Exércitos A e B de Hitler, sob o comando dos Generais Fedor von Bock
e Gerd von Rundstedt devastaram a Bélgica, e Holanda, não fizeram caso da Linha Maginot e
encurralaram a BEF e boa parte do Exército Francês num corredor estreito até a costa. Os demais
soldados franceses, isolados à oeste, mais tarde veriam Hitler posar para fotos diante da Torre Eiffel
em junho de 1940.
Se mantivessem o ritmo, convergindo para à costa em Dunquerque, os alemães aniquilariam a BEF e
os demais aliados, e apontariam seus rifles para o que pareceria então uma frágil costa inglesa do
outro lado do Canal da Mancha. Os Britânicos chegam a falar em rendição incondicional. Seria o
fim.
Mas, numa inexplicável e surpreendente virada nos eventos, os exércitos A e B não avançam. Berlin
envia uma “Ordem de Parada” para as forças invasoras na França, que por três dias não avançam um
metro sequer em direção aos Aliados encurralados. Sem saber, os alemães abriram espaço para o
improvável, e deram a oportunidade para o Milagre de Dunquerque, o foco do novo filme de Nolan.

OPERAÇÃO DÍNAMO
A Operação Dínamo talvez seja um ponto de virada fundamental que muitas vezes é ignorada pelas
aulas de História sobre a Segunda Guerra Mundial. Sem condições de resgate, os 400.000 homens
encurralados em Dunquerque não guardavam esperanças de serem salvos.
O mistério apontado sobre a pausa do avanço nazista pode ser respondido pela promessa de
Hermann Goring que conseguiria fazer a Inglaterra se render apenas com o extermínio dos homens
através da poderosa força aérea alemã: a Luftwaffe.
Mas obviamente não foi isso que aconteceu. Em 26 de maio de 1940, o Ministro da Guerra britânico,
Anthony Eden, deu as ordens para que a retirada acontecesse imediatamente. Diversos generais e
figuras importantes da Guerra não acreditavam que seria possível o sucesso do resgate por conta dos
bombardeios intensos da Luftwaffe no local, massacrando diversos soldados acuados na praia.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 39


O deslocamento que seria visto então seria algo sem precedentes. Até hoje, a Operação Dínamo é a
maior de resgate feita em toda a História. A evacuação começa de fato no dia 27 com a participação
de um cruzador, oito destroieres e outras 26 embarcações. Um chamado emergencial foi expedido:
toda a ajuda aliada seria bem-vinda. E os modestos cidadãos ingleses atenderam ao chamado.
Apenas no dia 31 de maio, cerca de 400 embarcações civis cruzaram o Canal da Mancha em busca
de salvar a vida de seus conterrâneos. No mesmo dia, a Luftwaffe bombardeou intensamente a
cidade ainda com a presença de civis. Cerca de 1000 pessoas morreram nesse dia. Como o
suprimento de água foi explodido, os incêndios provocados pelas bombas não puderam ser
extinguidos tornando a situação ainda mais insuportável para os homens que ainda não tiveram a
sorte de serem evacuados.
Para combater a força aérea alemão, a RAF foi convocada. Cerca de 3500 aeronaves partiram para a
batalha, mas como o conflito estava concentrado no centro do Canal, muitos bombardeios alemães
nas praias foram bem-sucedidos. Isso marcou uma ferida psicológica nos homens acuados em
Dunquerque, acreditavam que a força aérea britânica nada estava fazendo para ajudar. A verdade é
que sem os esforços constantes da RAF naqueles dias, muitos mais teriam sido exterminados pelas
bombas aéreas da Luftwaffe.

No dia 28 de maio houve um enorme revés para o cerco de proteção em Dunquerque. O exército
belga se rende, deixando um furo gigantesco no bloqueio leste. Para preencher o vazio, foram
ordenadas que diversos soldados ingleses retornassem ao posto para repelir forças terrestres nazistas.
Nessa altura, o perímetro era de 11km em terreno pantanoso, uma verdadeira sorte para ajudar a
impedir a travessia dos Panzers nazistas.
Com as docas e portos totalmente destruídos pela Luftwaffe, o Capitão William Tennant ordenou
que duas estruturas rochosas naturais que se estendiam até uma boa distância da praia fossem
utilizadas como molhes. Através deste improviso que mais de 220 mil homens conseguiram ser
evacuados. Nas embarcações civis, menores, que chegavam até a proximidade da praia, quase 100
mil foram salvos.
Mas os custos também foram altos para que o milagre fosse realizado. Para firmar o perímetro, 68
mil soldados foram mortos na blitzkrieg até a ordem de hiato. Durante a evacuação, 3.500 morreram
e outros 13 mil ficaram feridos. Não só o custo humano foi drástico. As perdas em maquinário e
explosivos foram severas para a reserva do exército britânico. Foram abandonados mais de 2 mil
rifles, 20 mil motocicletas, 65 mil veículos diversos, 68 mil toneladas de munição, 147 mil toneladas
de combustível e quase todos os 445 tanques enviados para a França se perderam.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 40


Para cada sete soldados resgatados, ao menos um se tornou prisioneiro dos nazistas. A maioria foi
tratada com desumanidade, passando fome, sofrendo agressões diversas e assassinatos. Boa parte
deles foram transferidos para a Alemanha sendo obrigados a trabalharem na indústria e agricultura
alemã até o final da Guerra – lembrando que isso ocorreu em 1940, logo, ao menos quatro anos de
escravidão.

O LEGADO DE DUNQUERQUE
A Segunda Guerra Mundial é o alvo preferido dos revisionistas históricos, e muito se pergunta até
hoje por que Berlin enviou a Ordem de Parada, que possibilitou o milagre. Talvez Hitler quisesse
chegar em Paris o quanto antes, uma derrota moral pesadíssima para os Aliados. Possivelmente,
estava confiante demais na sua blitzkrieg após as incontestáveis vitórias-relâmpago em 1939 e 1940.
Também é possível que esperasse negociar um acordo com os Aliados antes de voltar sua atenção
para Stalin (outro movimento de Hitler até hoje questionado à exaustão: por que invadir a União
Soviética?). Jamais saberemos, e só nos resta recorrer aos “e se…”. E se não houvesse milagre?
Certamente a Guerra teria caminhado de forma bem diferente, e possivelmente o mundo seria hoje
um lugar bem mais sombrio.
Estudiosos do período discutem qual foi o real impacto dos eventos que se passaram no Norte da
França em 1940. É bem verdade que os sobreviventes da BEF foram enviados para o Norte da
África, não pisaram em solo europeu no restante da guerra. Mas também é verdade que muitos que
embarcaram por suas vidas nas gélida e rasas águas de Dunquerque voltaram à França 4 anos mais
tarde, desembarcando na Normandia no célebre Dia D para expulsar de vez por todas os nazistas da
França.
O maior legado do Milagre de Dunquerque foi, sem dúvida alguma, o que os ingleses chamaram de
“Espírito de Dunquerque”. Estes acontecimentos foram como uma bomba atômica moral para os
ingleses, e foram explorados como tal pela mídia e propaganda de guerra da época.
A imagem do pescador inglês, abandonando suas redes em Dover e partindo em seu pequeno barco
para o Inferno da Guerra do outro lado do Canal para resgatar seus compatriotas encurralados é parte
indissociável do inconsciente coletivo dos Britânicos.
Símbolo máximo da solidariedade britânica em tempos de adversidade, o Espírito de Dunquerque
carregou o esforço de guerra britânico pelas mais sombrias fases do conflito, incluindo as chuvas de
bombas diárias sobre os civis e o constante medo de invasão pelos alemães.
Apesar de dizer que “Guerras não são vencidas com evacuações”, Churchill foi extremamente feliz
quando em seu famoso discurso “We Shall Fight…” (lembra de Aces High, do Iron Maiden?)
chamou os eventos de “livramento milagroso”.

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Thomas Jefferson uma vez disse que “a árvore da liberdade precisa ser regada com o sangue de
patriotas”. No fim das contas foi o sacrifício de dezenas de milhares de ingleses, franceses,
canadenses e belgas, incluindo civis, possibilitou a coordenação da operação de evacuação. Diante
de todos os horrores da guerra, histórias como essas precisam ser contadas.
Em face da morte, uma evacuação é uma vitória esmagadora que brilha até hoje não só como uma
história de sobrevivência, mas uma história sobre a vitória do espírito humano. Esperamos que em
seu novo filme, Christopher Nolan capture com suas lentes, pinte um quadro vívido do Espírito de
Dunquerque e honre a memória das boas almas que participaram do resgate.

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Dunkirk' usa lado B da história para narrar
drama real da 2ª Guerra Mundial; G1 já viu
Sobreviver. Não estamos falando de invadir uma praia, metralhar soldados inimigos
e conquistar a sua base. A bandeira estrelada fincada no topo do morro após o
objetivo completo, o charuto aceso comemorando mais um dia vivo sob o olhar
sanguinário do vigia. A missão aqui é "apenas" uma: permanecer vivo. O coração
batendo, os pulmões respirando e a sanidade em dia. Se possível.
Sobreviver, custe o que custar, é o verbo de "Dunkirk", novo filme do diretor
Christopher Nolan ("A origem", "O cavaleiro das trevas"). Por um motivo ou outro,
ele até pode não se tornar seu favorito do cara. Mas certamente é seu melhor e mais
bem executado trabalho. É um mergulho em um caso do lado B dos livros de história
que narra com nervosa intensidade qual é o drama real da 2ª Guerra Mundial.
Cheirinho de Oscar? Para Nolan, ótimas chances. Já nos prêmios técnicos, a vitória,
pelo menos nessa batalha, é quase garantida.

Paciência
"Dunkirk" é baseado no livro de mesmo nome e mostra um lado geralmente
ignorado dos combates que devastaram o mundo nos anos 1930 e 1940. A Batalha
de Dunkirk (ou Dunquerque), uma cidade na França, não aconteceu nas trincheiras.
Na verdade, ela foi a evacuação histórica de centenas de milhares de soldados aliados
que acabaram encurralados pelo exército alemão.

'Dunkirk' mostra evacuação de centenas de milhares de soldados aliados após cerco do exército alemão (Foto:
Divulgação)

A missão durou semanas e foi considerada um sucesso, ou uma derrota que levou à
vitória. E no filme é contada em três perspectivas, que acontecem em paralelo:
 A dos soldados que aguardam o resgate pelo mar na praia de Dunkirk

 A de uma embarcação de voluntários britânicos que cruza o Canal da Mancha, do


Reino Unido à França, para auxiliar na desocupação

 E a de pilotos da Força Aérea Britânica que lutam no ar para proteger os navios de


resgate
Essa combinação de muitas narrativas acontecendo ao mesmo tempo é a grande
marca de Nolan. Você se lembra, todo mundo xingou muito no Twitter dizendo que
não entendeu nada das várias camadas de sono que aparecem em "A origem". Era só
prestar atenção? Sim. Mas tudo bem.
História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 43
Mas no novo filme o diretor não se contenta em usar essa e outras de suas grandes
características (hmmm) como sintomas de um estilo. Aqui, todas elas trabalham
ativamente para desenvolver a trama e a mensagem de "Dunkirk".
A fotografia com paisagens enormes (veja esse filme em Imax!) e a sonoplastia
ensurdecedora, que vai surpreender até mesmo os aficionados pela 2ª Guerra, não são
apenas sinais de grandeza. Elas trabalham junto de um silêncio constante dos
personagens do filme na construção de uma ideia de brutalidade contra o ser
humano.
Essa brutalidade é, acima de tudo, emocional. É preciso ficar claro que apesar de
"Dunkirk" ser um filmaço de ação, ele está longe da veia de longas como o recente
"Até o último homem", de Mel Gibson.
A violência da 2ª Guerra de Nolan não tem banho de sangue, mutilação ou
desespero. Toda a opressão está nas atitudes e na experiência forçada goela abaixo
desses cidadãos comuns. É uma guerra dentro da guerra. No caso, pela
sobrevivência.

De Bane a One Direction

Tom Hardy é um piloto da aviação britânica em 'Dunkirk' (Foto: Divulgação)

Já os personagens de "Dunkirk" defendem outra grande ideia do filme: a importância


do coletivo contra o indivíduo. Seja o piloto que aceita a falta de combustível para
continuar lutando (Tom Hardy de novo silencioso, mas incrível), ou o veterano que
topa partir com o filho em seu barquinho para tentar resgatar um soldado britânico ao
menos (Mark Rylance, o trabalhador comum movido por um ideal).
E até o soldado qualquer que se vê diante da "obrigação" de cometer atrocidades para
seguir vivo (Harry Styles, do grupo pop One Direction, em atuação surpreendemente
boa).
São poucos, mas precisos, os momentos de respiro. Nolan encadeia sequências de
cenas de ação mastodônticas, que mantém o público em tensão permanente e numa
confusão extenuante, mas muito emocionante, de medo, pânico, esperança e
compaixão.

Cena de 'Dunkirk', novo filme de Christopher Nolan (Foto: Divulgação)

O apelo humano e dramático é muito forte pois "Dunkirk" não glamouriza ou tem
heróis muito definidos. Essa é a história de um punhado de homens normais, com
falhas e qualidades, jogados em um evento selvagem que extrapola a racionalidade.
E você está ali no meio, acompanhando de perto, para o bem ou para o mal, o que
acontece nesses casos.

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Até a missão impossível do exército britânico retratada no filme não coloca em jogo
a derrota dos alemães. Eles, aliás, com exceção dos caças, não aparecem em nenhum
momento de "Dunkirk", permanecendo uma ameaça constante, mas invisível, e
extraordinariamente amedrontadora que só intensifica a tensão durante o longa.
"Dunkirk" tem semelhanças, mas não busca ser "O resgate do soldado Ryan" ou
"Atrás da linha vermelha", filmes populares e renomados sobre a 2ª Guerra Mundial.
Ele é isso e outras coisas, e acima de tudo um espetáculo de força bruta.
O filme tem 1 hora e 46 minutos, é compacto, mas acerta como um coice de cavalo.
É uma força e tanto. Um coice que é um dos melhores filmes do ano.

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Churchill chamou-lhe “o milagre de
Dunquerque”. O que foi e porque
inspirou um filme?
20/7/2017, 0:10218
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Foi uma das batalhas mais relevantes da II Guerra Mundial e chega agora aos cinemas
pelas mãos do realizador Christopher Nolan. Mas o que aconteceu em Dunquerque em
1940?

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A operação Dynamo estendeu-se de 22 de maio a 5 de junho e foi decisiva no avanço


das forças nazi

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História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 46


 João Costa
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“Um milagre de salvamento, alcançado pelo valor, pela


perseverança, pela perfeita disciplina, pelo serviço impecável, pelos
recursos, pela habilidade, pela fidelidade inconquistável, é óbvio
para todos nós.”

Foi com este discurso que Winston Churchill brindou o resgate de mais de 330
mil soldados das tropas aliadas em 1940. A Batalha de Dunquerque registou
perdas materiais colossais para as forças opositoras de Hitler, mas
especialmente para as tropas britânicas. A pequena cidade portuária no norte de
França foi palco de uma das batalhas mais difíceis da II Guerra Mundial, que
chega agora ao grande ecrã pelas mãos de Christopher Nolan. Como se
desenrolou esta batalha e por que inspirou um filme?

Temos de recuar até ao período da “Guerra Estranha”, aquele período de vai


ou não vai do início da II Guerra. Entre as mútuas declarações de guerra da
França e do Reino Unido à Alemanha, a 3 de setembro de 1939, e a primeira
invasão fronteiriça a 10 de maio de 1940, registaram-se meses de uma paz tensa.
Sem conflitos armados, os dois lados da batalha preparavam homens e
armamento, exercícios e estratégias que se provaram bem ensaiados na Batalha
de Dunquerque.

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Tudo começou a 11 de maio de 1940: as divisões alemãs avançavam com
eficácia pela região das Ardenas, invadiam os Países Baixos e atravessavam a
Bélgica. Com as tropas aliadas a defenderem a fronteira francesa, as forças
alemãs movimentaram-se então para norte, para conquistar Calais, deixando
cerca de 400 mil soldados aliados cercados em Dunquerque.

Neste momento, e com 800 mil militares alemães à perna, era claro para os
Aliados que a batalha estava perdida e que a prioridade era retirar os soldados
com segurança. Para a nação de Churchill não havia escolha: ou se retiravam
com eficácia ou teriam que se render à Alemanha.

Com pouca margem de manobra, e com as tropas alemãs a marchar em direção


a Dunquerque, os Aliados iniciaram a operação que ficou conhecida
como Dynamo.

Uma batalha travada no ar


Inicialmente, a 22 de maio, o objetivo era resgatar cerca de 44.000 soldados
em dois dias mas imediatamente as intenções redobraram-se: os Aliados
tencionavam assim resgatar 120.000 soldados em menos de uma semana. Para
além das embarcações a caminho, zarparam para Dunquerque dez
contratorpedeiros (navios de guerra). Já estávamos a 28 de maio. Vários

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 48


milhares de soldados foram resgatados nesse dia, e outras operações durante a
tarde tiveram sucesso, mas os alemães intensificaram os ataques aéreos e nove
dos dez contratorpedeiros afundaram. Neste dia, a Royal Air Force (Grã-
Bretanha) perdeu 177 aeronaves: a Luftwaffe (Alemanha) perdeu 132.

Com os primeiros ataques feitos no ar, a 29 de maio a divisão panzer alemã


chega a Dunquerque e o conflito intensifica-se. Só na madrugada de 30 de
maio é que um grande número de pequenas embarcações consegue resgatar
cerca de 30.000 homens. Um dia depois, a 31 de maio, as tropas aliadas
viram-se encurraladas num estreito de cinco quilómetros. A operação Dynamo
só terminaria por completo a 4 de junho, com mais de 150.000 soldados das
forças aliadas a serem resgatados até ao dia 1 de junho.

Foi graças ao papel preponderante da Força Aérea Britânica que estes soldados
se conseguiram aguentar tanto tempo em Dunquerque. Contas feitas, foi uma
vitória da Alemanha nazi.

Olhando para estes números é óbvio que não foi uma vitória dos Aliados.
Mesmo resgatados mais de 300 mil soldados, cerca de 80 mil morreram e 40

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mil foram capturados. As baixas humanas não ajudaram a moral dos soldados e
as perdas materiais reveleram-se pesadas para o exército britânico: foram
precisos meses para repor todo o material perdido. A 4 de junho, Churchill diria
que “contra esta perda de mais de 30 mil homens [sem contar com os de outras
nacionalidades], temos a certeza de que infligimos mais perdas no inimigo. Mas
as nossas perdas em material são enormes”.

Ainda assim, Dunquerque foi “um milagre” mas, como Churchill assegurou: “as
guerras não se vencem com evacuações” e, sem surpresa, mais de mil civis
perderam a vida nos mútuos bombardeamentos, havendo relatos de familiares
de soldados que dão conta de crianças a deambular pela praia.

Do palco de guerra ao grande ecrã


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Com o filme Dunkirk a chegar às salas de cinema portuguesas esta
quinta-feira, 20 de julho, Christopher Nolan afasta-se dos filmes de diálogo
intenso e adota um “estilo mudo”, de acordo com os críticos dos jornais
britânicos – que dão um maior destaque ao retrato cinematográfico do conflito
do que quaisquer outros.

Pelo menos desde o lançamento de Inception (2010) que o nome de Nolan roça
as ambições de Kubrick, ou não partilhassem o mesmo estúdio: a Warner Bros.
A ligação é reforçada por Nolan, ele mesmo, aquando do lançamento
de Interstellar (2014), ao comparar o filme ao clássico 2001, de Kubrick.

O filme Dunkirk compromete-se a retratar os acontecimentos da Operação


Dynamo e conta com Fionn Whitehead, Tom Glynn-Carney e Jack
Lowden no elenco. Para além de elementos históricos, o filme foi rodado em
muitas das localizações que, há mais de 70 anos, foram palco de uma das mais
relevantes batalhas da II Guerra Mundial.

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Luta pela sobrevivência é tema de
livro e filme sobre a Batalha de
Dunkirk

A Batalha de Dunkirk (ou


Dunkerque, ou Dunquerque, dependendo do idioma), que durou de 25/5 a 4/6 de 1940 e
representou um momento decisivo da Segunda Guerra, apresenta duas peculiaridades:
primeiro, não foi exatamente uma batalha, e sim uma tentativa desesperada de fuga, na
chamada Operação Dynamo; segundo, quem estava tentando fugir eram os mocinhos
(os Aliados) e não os bandidos (o exército alemão). Talvez por isso, esse episódio da
guerra nunca tenha merecido a atenção de Hollywood, até agora. A indústria do cinema
prefere levar às telas os episódios vitoriosos.

Não que a evacuação de Dunkirk não tenha sido heroica: mais de 300 mil soldados
ingleses, franceses e belgas ficaram encurralados por tropas alemãs e acossados por
duas divisões panzer com sangue nos olhos. Um massacre estava desenhado. Que
tenham conseguido resistir até viabilizar a fuga para a Inglaterra por via marítima foi
seguramente um feito militar assombroso. Basta dizer que Winston Churchill classificou
a operação como “um milagre”. E, de certa forma, Dunquerque foi uma derrota que
pavimentou o caminho para a vitória: Churchill usou a agressão alemã como argumento
para convencer Franklin Roosevelt a entrar na guerra.

História da Gaivota e do Gato que a ensinou a voar Página 52


É a sobrevivência, portanto, e não a guerra, o tema do aguardado filme “Dunkirk”, de
Christopher Nolan (assista ao trailer), e do livro do historiador inglês Joshua Levine no
qual ele foi inspirado. Por sua vez, o livro, recém-lançado no Brasil (“Dunkirk – A
história real por trás do filme”, Harper Collins, 320 pgs. R$ 39,90), foi baseado em
entrevistas de veteranos e sobreviventes do episódio. A edição brasileira inclui uma
elucidativa entrevista de Nolan feita por Levine, na qual o cineasta explica o processo
de produção do longa-metragem e sua motivação ao escolher esse tema, aparentemente
sem qualquer interseção com sua filmografia prévia.
“Dunkirk”, o livro, integra uma coleção intitulada “Forgotten Voices” (“Vozes
esquecidas”). Não espere da leitura uma análise histórica convencional da operação nem
uma reconstituição detalhada de seus aspectos militares. Levine é especialista em um
tipo de historiografia que enfatiza micro-histórias de indivíduos comuns: soldados,
marinheiros e pilotos sem munição nem comida, civis desesperados tentando atravessar
o Canal da Mancha em embarcações superlotadas, sob artilharia pesada, entre outros
dramas e tragédias pessoais.

Muitos, é claro, não sobreviveram: o plano original era resgatar somente 40 mil pessoas,
o que já parecia uma missão impossível; mais de 250 mil conseguiram escapar da
carnificina anunciada, um número impressionante.

No filme de Nolan, estrelado por Kenneth Brannagh, Tom Hardy e Mark Rylance, tudo
acontece em menos de 24 horas, no dia decisivo da retirada das tropas britânicas. A
narrativa é estruturada pelo olhar de um jovem soldado inglês, desesperado para voltar
para casa, que passa por diversas situações dramáticas que testam sua capacidade de
sobrevivência. Nesse sentido, Nolan segue as convenções da “jornada do herói”.

As mesmas situações são mostradas a partir de três pontos de vista diferentes, da terra
(na praia onde centenas de milhares de pessoas aguardam o resgate), no ar (registrando
a ação de dois aviões ingleses) e no mar (com foco em uma das centenas de
embarcações inglesas envolvidas na operação). Um detalhe interessante é que em
momento algum aparecem em cena os soldados nazistas, um inimigo invisível mas
bastante presente

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