Você está na página 1de 41

FILOLOGIA ROMÂNICA I

P R O F A . D R A . L IL IA N E B A R R E IR O S
(PPGEL/UEFS)
Introdução conceitual
A Filologia...
A palavra Filologia provém de dois radicais gregos:
philos ‘amigo, amante’; lógos ‘estudo, ciência’

 Na língua portuguesa:
Lat. philologus -‘amigo das letras’
(sig. etimológico é ‘amor da ciência’, ‘culto da erudição’).
Cinco definições de Filologia no Dicionário Houaiss (2001):
Filologia é (1) o “estudo das sociedades e civilizações antigas através de
documentos e textos legados por elas, privilegiando a língua escrita e
literária como fonte de estudos”. Século XVI;

(2) o “estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua transmissão,


para estabelecer, interpretar e editar esses textos”. Século XIX;

(3) o “estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de


línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica
baseada em documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nessas
línguas (p.ex., filologia latina, filologia germânica etc.); gramática histórica”.
Século XX;
Cinco definições de Filologia no Dicionário Houaiss (2001):
(4) o “estudo científico de textos (não obrigatoriamente antigos) e
estabelecimento de sua autenticidade através da comparação de manuscritos
e edições, utilizando-se de técnicas auxiliares (paleografia, estatística para
datação, história literária, econômica etc.), especialmente para a edição de
textos”.
(5) a “parte da lingüística histórica que trata do estudo comparado das
línguas, não só através de sua origem e evolução, como também do confronto
com línguas modernas; gramática comparada, linguística comparada.
Etimologicamente, do latim: philolog a,ae ‘amor às letras, instrução, erudição,
literatura, palavrório’; do grego: philología, as ‘necessidade de falar,
conversação’”.
Para Saussure (2006 [1916], p. 7) “A língua não é o
único objeto da filologia, que quer, antes de tudo, fixar,
interpretar e comentar os textos; este primeiro estudo a
leva a se ocupar também da história literária, dos
costumes, das instituições, etc.; em toda parte ela usa
seu método próprio, que é a crítica.”
A Filologia é o conjunto das atividades que se ocupam metodicamente da
linguagem do Homem e das obras de arte escritas nessa linguagem. Como se
trata de uma ciência muito antiga, e como é possível ocupar-se da linguagem
de muitas e diferentes maneiras, o termo FILOLOGIA tem um significado
amplo e abrange diversas atividades, pois se trata de uma ciência que se
ocupa da linguagem de muitas e diferentes maneiras (AUERBACH, 1972, p. 11).
 Edição Crítica de Textos, que busca reconstituir o texto representativo do
ânimo autoral;
 a Lingüística, que trata das línguas em geral e de sua comparação ou de
um grupo de línguas aparentadas, ou de uma língua específica;
 os Estudos Literários, que se ocupavam da Bibliografia, da Biografia, da
Crítica Estética e da História da Literatura; e
 o Comentário ou Explicação de Textos, que podia servir aos mais
diversos propósitos, segundo os textos selecionados e às diferentes
observações que neles se pudessem fazer.
Dentre estas atividades filológicas, a que melhor lhe guarda a
memória é a primeira, a Edição Crítica de Textos, considerada
pelos eruditos como a mais nobre e a mais autêntica das formas
de fazer Filologia.
O início da Filologia...
 Grécia, século III a.C. – necessidade de constituir textos
autênticos e o desejo de preservá-los;

 Eruditos da Biblioteca de Alexandria;

“[...] aqueles eruditos encarregaram-se de restaurar os textos


literários antigos, tornando-os inteligíveis às gerações da época
(SPINA, 1994, p. 66)”.
A necessidade de constituir textos autênticos se faz sentir quando um povo
de alta civilização toma consciência dessa civilização e deseja preservar dos
estragos do tempo as obras que lhe constituem o patrimônio espiritual;
salvá-las não somente do olvido como também das alterações, mutilações e
adições que o uso popular ou o desleixo dos copistas nelas introduzem
necessariamente (AUERBACH, 1972, p. 11).
A tradição da edição de textos antigos se manteve durante
toda a Antiguidade e se mantém até os dias de hoje...
A relação entre a Filologia
e a Linguística
Historicamente, a Filologia precedeu a Linguística, mas hoje deve situar-se
modestamente no quadro geral dos estudos linguísticos. Os estudos
filológicos têm caráter “histórico”. Partem de línguas determinadas,
documentadas através de textos e, depois de percorrem um itinerário
cultural, ondem entram a História, a Epigrafia, a Literatura, voltam para o
texto de onde saíram (ELIA, 1974, p. 10).
Estabelecer as causas psicológicas, sociológicas ou estruturais dos
fenômenos linguísticos é fazer Linguística; iluminar um texto por meio de
comentários da mais variada natureza é tarefa da Filologia (ELIA, 1974, p. 10).
Filologia Românica
A Filologia será ‘românica’ se tiver como objeto específico as
línguas e os dialetos que se originaram do latim vulgar e suas
respectivas literaturas de qualquer espécie, desde a origem até
a sua situação atual (BASSETTO, 2005, p. 38).
Chamam-se línguas românicas aquelas que são diferenciações no
tempo e no espaço de uma língua comum primitiva, o latim
vulgar (ELIA, 1979, p. 3).
As Línguas Românicas
Formação das línguas românicas
A formação das línguas românicas é, por um lado, resultado da
relaxação dos laços exteriores e da debilitação da vitalidade
cultural do Império Romano e, por outro lado, da formação de
novas comunidades lingüísticas “nacionais” nascidas no tempo
subseqüente, comunidades estas que restabelecem e vivificam, de
maneira independente, a tradição cultural antiga (LAUSBERG,
1974, p. 26).
O papel do Romanista
Do ponto de vista filológico, portanto, cabe ao romanista a pesquisa e
publicação de textos, enquanto, no plano lingüístico, estuda ele os
múltiplos aspectos da história das línguas neolatinas, sua evolução a
partir do latim vulgar, as influências externas que receberam, os
contactos que mantiveram entre si, a sua fragmentação dialetal, enfim,
todos os fenômenos concernentes à fonética, morfologia, sintaxe e
léxico (MIAZZI, 1972, p. 15).
Surgimento e evolução da Filologia Românica
 Século XIV (início)
Dante Alighieri, no De Vulgari Eloquentia (Sobre os falares vulgares), já
menciona a afinidade existente entre o francês, provençal, italiano e
espanhol.

 Século XIV (final)


Trabalho que prenuncia o filológico: a explicação da Divina Comédia por
Giovanni Bocaccio.
Surgimento e evolução da Filologia Românica
 Século XV
Bracciolini afirma que o latim não era simplesmente uma língua artificial,
mas sim falado pelo povo, e que dela resultaram as línguas românicas.
1492 – surge a primeira gramática de uma língua românica, a Arte de la
Lengua Castellana, de Elio Antonio de Nebrija.

 Século XVI
Primeiro dicionário francês: Dictionarium Latino-gallicum, por Stephanus e
um Tretté de la grammere françoese, por Meigret.
Surgimento e evolução da Filologia Românica
 Século XVII
1601 – Trattato della vera origine e del processo a nome della nostra lingua,
de Ceslo Citadini, que afirma terem existido duas espécies de latim – um culto
e outro rústico, e deste último é que se originava a língua italiana.
1606 – Thresor de la langue françoyse, de Nicot.
1650 – Dictionnaire étymologique de la langue Françoise.
1669 – Origini della língua italiana, escrito por Gilles Ménage. Procura a
origem de termos latinos, o que o conduz à teoria errônea, então em voga de
que o latim procedia do grego.
Surgimento e evolução da Filologia Românica
 Século XVIII
Historie littéraire de la France, 12 volumes, publicada pelos beneditinos da
Abadia de Saint-Maur, sob a direção de Rivet (1733-1763) e a Storia della
litteratura italina, de Tiraboschi, em 1772.
Século XIX: Constituição da Ciência

 O interesse filológico é despertado ao mesmo tempo em que o linguístico;

 De um lado inicia-se a publicação de textos, de outro se ativa a pesquisa


dos idiomas românicos e suas relações;

 Ideais do romantismo, concentrava-se nos temas exóticos (como o


sânscrito) e, principalmente, nos medievais e populares;
Século XIX: Constituição da Ciência

 As literaturas românicas passam a ser objeto de crescente investigação,


especialmente na Alemanha;

 Os franceses e os alemães iniciam a edição de documentos literários que


evidenciam aspectos das línguas românicas.
Século XIX: Constituição da Ciência

 Franz Bopp realiza estudo comparativo das línguas persa, sânscrita,


grega, latina, alemã e inglesa... > família indo européia. Assim, ele cria o
método comparativo.
 Jakob Grimm realiza estudo diacrônico do alemão, criando, assim, o
método histórico que acompanha a evolução da língua.
 Raynouard dedica estudo exaustivo do provençal e contribui
significativamente para os estudos das línguas românicas apesar de sua
teoria errônea de que o provençal tivesse dado origem às línguas românicas.
Século XIX: Constituição da Ciência

 1836
FREDERICH DIEZ (1794-1876) Iniciou a fase científica dos estudos
românicos, aplicando-lhes o método histórico-comparativo usado por
Bopp e Grimm.
Objeto e método estabelecidos
 Final do século XIX

LINGUÍSTICA LITERATURA

A partir da segunda metade do século XX

LINGUÍSTICA LITERATURA FILOLOGIA

Atualmente, temos três subdisciplinas, aparentemente separadas, mas que, na verdade,


dialogam entre si, conforme os interesses dos pesquisadores.
Italiano
GRUPO
ORIENTAL
Romeno

Francês
Norte
Provençal
GRUPO
OCIDENTAL
Português
Sul
Espanhol
Diez começou estudando obras castelhanas antigas, depois passou para o
provençal, em seguida, outras línguas românicas e, entre 1836 e 1843,
publicou sua Gramática das Línguas Românicas, em três volumes; e em
1854, o Dicionário Etimológico das Línguas Românicas. Logo na primeira
página de sua gramática, Diez faz derivar diretamente do latim vulgar as seis
línguas românicas, que ele havia considerado como tais entre todas as
variedades estudadas. O ponto de partida das línguas românicas é a língua
falada pelos romanos, não a forma escrita, literária, diferentemente do que
pensaram Dante Alighieri e Raynouard. Por isso, Diez é considerado o pai da
filologia românica (BASSETTO, 2001, p. 32).
Alguns exemplos...
O latim e as Línguas Românicas

LATIM ESPANHOL FRANCÊS ITALIANO PORTUGUÊS

octo ocho huit otto oito

auricula / oricla oreja oreil orecchia orelha

nocte noche nuit notte noite

oculu / oclu ojo oeil occhio olho

cantare cantar chanter cantare cantar


O latim e o Inglês
LATIM INGLÊS

problema problem

translatio translation

admirabilis admirable
As formas latinas no inglês
 Exit

 Candidate

 Habeas corpus

 Deficit

 Alibi

 Modus vivendi

 Persona non grata


Contribuições para o ensino e a
aprendizagem de línguas
 Muitos dos fenômenos que acreditamos ser atuais já aconteciam na época
dos romanos, quando estes estavam levando a língua latina para diversas
partes da Europa, África e Ásia, e que se repetem em outras épocas e outros
lugares, com outros povos.
Contribuições para o ensino e a
aprendizagem de línguas
 O vocabulário é constituído de termos da língua erudita, da língua popular,
das línguas dos povos dominados, das línguas dos povos que mantém
intercâmbios, ou seja, de todos envolvidos direta ou indiretamente.
Contribuições para o ensino e a
aprendizagem de línguas
 As línguas estão sempre em processo de intercâmbios, de empréstimos,
mesmo entre línguas de origens aparentemente distintas, pois elas evoluem,
se diferenciam, tomam empréstimos, são substituídas, dominam e são
dominadas, a exemplo da própria língua latina.
Modernamente, a Filologia se divide
em dois ramos:
1. da Linguística (sincrônica/diacrônica) - que faz o estudo
comparativo e histórico das línguas;
2. da Filologia Textual/Crítica Textual - que se ocupa do processo
de transmissão dos textos, com a finalidade de restituir e fixar sua
forma genuína.
Embora historicamente a Crítica Textual tenha privilegiado o
estudo dos textos literários, atualmente considera tanto os textos
literários como os não-literários.
No plano linguístico, considera os vários aspectos da história das línguas,
sua evolução, as influências que receberam, a fragmentação dialetal, todos
os fenômenos relacionados com a fonologia, morfologia, sintaxe e o léxico.
No que tange à literatura, trata dos autores e obras literárias; revisa a
história da literatura através dos movimentos culturais e estéticos,
tendências e estilos mais relevantes; analisa temas, gêneros e formas
literárias comuns a diversas línguas e culturas; discute como as diferentes
correntes de pensamento têm influenciado na estética, na arte e na
comunicação ao longo do tempo. Enfim, as "Filologias" trabalham sobre as
línguas, sobre os textos e sobre as culturas, a partir de motivações diferentes
(SANTOS, 2003).
REFERÊNCIAS
AUERBACH, E. Introdução aos estudos literários. São Paulo: Cultrix, 1972.
BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica: história externa das línguas. Vol.
1. São Paulo: EDUSP, 2001.
ELIA, Silvio. Preparação a Linguística Românica. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1974.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Elaborado
no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
LAUSBERG, H. Linguística Românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.
MIAZZI, Maria Luíza F. Introdução a Linguística Românica. São Paulo: Cultrix, 1976.
SANTOS, Rosa Borges. A Filologia e seu objeto – diferentes perspectivas de estudo.
In: Revista Philologus, Ano 9. Rio de Janeiro: CiFEFiL, maio/ago. 2003, p. 44-50.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José
Paulo Paes, Izidoro Blikstein. 27 ed. São Paulo: Cultrix, 2006 [1916].
SPINA, Segismundo. Introdução à edótica. São Paulo: Cultrix, 1977.

Você também pode gostar